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MESTRADO EM HISTÓRIA

HUGO FACCION GUIMARÃES


PROFESSOR: EDER JURANDIR CARNEIRO

HISTÓRIA AMBIENTAL: UMA APOLOGIA A HISTÓRIA TOTAL

São João Del Rei


2019
HISTÓRIA AMBIENTAL: UMA APOLOGIA A HISTÓRIA TOTAL

Resumo: Este artigo fomentará uma discussão sobre o que é a História Ambiental, quais
são seus pressupostos e objetos. Levando em consideração uma possível exacerbação do
objeto de estudo e seus “limites”, que não foram bem definidos em debates historiográficos.
O objetivo central do artigo é usar/criar categorias de análise que dominem um estudo tão
vasto. Levando em conta os estudos de Donald Worster, faz-se necessário uma análise do
ambiente dado (natural) e do ambiente criado (modificado pelo homem). O intuito é
contribuir para o debate sobre uma História Ambiental mais rigorosa, que mesmo
possuindo certa pretensão a uma História Total pode ser feita de maneira mais
sistematizada e setorizada, distinguindo-se, assim, toda a sua interdisciplinaridade e
metodologia.

Palavras-chave: História Ambiental, ambiente, História Total, interdisciplinaridade.


O estudo sobre História Ambiental é um marco nas áreas historiográficas. Suas
diretrizes despontaram a partir dos anos de 1970 com as conferências sobre clima no
mundo, começando pela Conferência de Estocolmo na Suíça, que trouxeram à luz um novo
paradigma, as relações-interações entre homem e meio ambiente. Ou seja, de um estímulo
sócio-político, foi criada uma nova área historiográfica. Esse artigo pretende enriquecer o
debate sobre o objeto e limites da História Ambiental.

Falar de História Ambiental é algo complicado e que necessita compreender


diversas coisas. Dentre essas coisas, pode-se elencar inúmeras disciplinas acadêmicas,
cultura/costume, ideais/práticas, interesses/sobrevivência. Sabendo de tudo isso, poderia se
delimitar uma área de estudo tão grande? A História enquanto Ciência, necessita de bases
sólidas para seus respectivos estudos, é possível fazer uma História Ambiental sem disputar
objetos de estudo com outras áreas, como História Econômica ou História Social?
Englobando perspectivas de outras áreas da historiografia, quais precauções metodológicas
devem ser adotadas? Por fim, é possível fazer História Ambiental?

A começar pela definição de História Ambiental, deve-se fazer algumas


proposições e questionamentos. Como esse artigo é propositivo ao debate, é necessário
ressaltar as diversas aferições que serão a frente, anunciadas.

Os questionamentos sobre a História Ambiental são os mais diversos, seja do seu


objeto de estudo até os limites de seu campo de atuação. Pode parecer algo simples, que
algumas categorias de análise e metodologias deem conta, mas esta não se faz verdadeira.
Primeiro deve-se definir o que é História Ambiental, na visão de Donald Worster:

A história ambiental é, em resumo, parte de um esforço


revisionista para tomar a disciplina da história muito mais
inclusiva nas suas narrativas do que ela tem tradicionalmente
sido. Acima de tudo, a história ambiental rejeita a premissa
convencional de que a experiência humana se desenvolveu sem
restrições naturais, de que os humanos são uma espécie distinta e
"supernatural", de que as consequências ecológicas dos seus
feitos passados podem ser ignoradas. A velha história não
poderia negar que vivemos neste planeta há muito tempo, mas,
por desconsiderar quase sempre esse falo, portou-se como se não
tivéssemos sido e não fôssemos realmente parte do planeta.
(WORSTER, 1991, p. 199)

Obtendo essa explicação inicial do que seria História Ambiental, pode-se começar a
traçar linhas propositivas nesse debate. Segundo Worster (1991), essa área tomaria como
premissa à abrangência de narrativas e a vida dos seres humanos como parte integrante do
planeta; planeta esse que seria o seu ambiente. Ao aceitar-se como premissa o argumento
de que o planeta (enquanto organismo vivo), gera mudanças para seu próprio equilíbrio e
sobrevivência, o ser humano sendo parte integrante, pode ou não modificá-lo. Uma vez
modificando-o, o ser humano está praticando (individual ou coletivamente) aquilo que é o
modo de operar do próprio planeta, se equilibrando e sobrevivendo. Não é feita uma
discussão sobre “materialismo histórico 1 ” nesse momento, essa perspectiva poderá ser
adotada em suas subdivisões.

Há claramente um esforço da História Ambiental em responder as consequências


ecológicas das ações humanas no planeta. Porém essas respostas podem ser encontradas em
áreas da História Econômica, Política, Cultural. Esse esforço não deveria se dar a priori,
pois os processos que levaram as mudanças no ambiente, são os mais diversos e que as
áreas anteriormente citadas já os apontam. Mas então para que serviria a História
Ambiental? Está deveria se empenhar em abranger as diversas narrativas (Worster, 1991) e
perspectivas, “subordinando” assim todas as outras áreas historiográficas, “subordinação”
que será explicada mais adiante.

Uma primeira precaução metodológica a se tomar é referente ao objeto, o que se


deve analisar na História Ambiental? O espaço físico é objeto de estudo de áreas como a
Geografia, dentro desse espaço físico temos o estudo de sociedades pela Sociologia e
Antropologia. Quando se volta aos estudos historiográficos, temos como premissa o estudo
dos homens no tempo. Insere-se aqui o fator tempo, o que difere das disciplinas que tem
como objeto o espaço físico. Mas isso não significa que escolhendo um, deva-se excluir o

1
O trabalho teórico de Karl Marx está fundamentado no que ele chamava de concepção materialista da
história. O período em que ele viveu foi marcado pelas grandes mudanças causadas pelo crescente processo
de industrialização dos países europeus. Marx testemunhou o crescimento das indústrias e fábricas, o
inchamento dos meios urbanos e o consequente aumento vertiginoso das desigualdades sociais. De acordo
com a concepção materialista, fundamentada por Marx e Friedrich Engels, as mudanças sociais que se passam
no decorrer da história de uma sociedade não são determinadas por ideias ou valores. Na verdade, essas
mudanças são influenciadas pela realidade material, isto é, a situação econômica dos atores da sociedade em
questão. No materialismo histórico, as respostas para os fenômenos sociais estão inseridas nos meios
materiais dos sujeitos. Isso quer dizer que diferentes situações materiais, o que em uma sociedade capitalista
traduz-se em situação econômica, moldam diferentes sujeitos. Essa diferença seria, para Marx, vetor de
conflitos entre grupos de indivíduos submetidos a realidades materiais diferentes. (RODRIGUES, Lucas de
Oliveira. "Materialismo histórico"; Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/materialismo-historico.htm. Acesso em 07 de agosto de 2019.)
outro - é evidente a proposta de uma interdisciplinaridade. É necessário entender que, certa
hora, a linha entre espaço e tempo se entrelaçará. Então, esse é o momento propício para se
obter o objeto da História Ambiental.

Ambiente, vem do latim ambiens/ambientis, no sentido de envolver algo. Tanto


espaço e tempo, envolvem os seres humanos, logo é possível definir História Ambiental
como estudo do ambiente humano no tempo, tornando claro o seu objeto, o ambiente, nas
suas mais diversas perspectivas.

Em termos bem simples, portanto, a história ambiental trata do


papel e do lugar da natureza na vida humana. Há um consenso de
que "natureza" designa o mundo não-humano, o mundo que nós
não críamos originalmente. O "ambiente social", o cenário no
qual os humanos interagem uns com os outros na ausência da
natureza, fica, portanto, excluído. Excluído também fica o
ambiente construído ou fabricado, aquele conjunto de coisas
feitas pelos homens e que podem ser tão ubíquas a ponto de
formarem tomo deles uma espécie de "segunda natureza".
(WORSTER, 1991, p.201)

É interessante como a discussão sobre natureza supracitada, torna ainda mais


complicada a criação de uma área nomeada “História Ambiental”. Worster cita uma
ausência de natureza nas relações entre seres humanos e tudo aquilo criado por eles, o qual
ele chama respectivamente de “ambiente social” e “segunda natureza”. Essa argumentação
feita pelo autor, coloca em cheque a premissa adotada previamente pelo mesmo autor de
que a História Ambiental tornaria o ser humano parte integrante do planeta; sendo assim,
parte integrante do ambiente, da natureza. Como ciência e área de estudo historiográfico,
não se pode fazer um juízo qualitativo (nem é sua função) a priori, mas isso não significa
que os estudos feitos não possam ser usados para ajuizar ou qualificar algum processo/fim.

Uma discussão faz-se necessária sobre ambiente e natureza. Muitas vezes esses dois
termos se entrelaçam em diversas análises, e é necessário adotar uma premissa para não
permitir dúvidas ao adentrar as categorias de análise. Ambiente é tudo aquilo que envolve o
homem e como História Ambiental propõe estudar esse ambiente (com o homem, que é
função da disciplina), logo a natureza é parte desse ambiente, independente da sua relação
com o homem. É improvável que haja uma boa inserção do termo natureza (como algo que
exclui o homem), primeiro porque tal exclusão torna o homem inexistente. Logo, a História
como disciplina perderia seu objeto, ou pelo menos a disputaria com outras áreas de
estudos historiográficos. Segundo, pois torna a própria proposta do autor (Worster, 1991)
confusa, já que ele parte da premissa que o homem é parte do planeta. Devemos ressaltar
que isso não significa que possa ser feita categorias de análises que separem ambos. De
acordo com Martins (2007), o trabalho de campo tem preponderância na análise da História
Ambiental, sendo as paisagens uma fonte para o historiador ambiental. Mas deve-se definir
a partir de qual perspectiva será observado o ambiente, seja ela econômica, sociocultural,
geográfica, biológica, etc. De fato as relações são essenciais para essa análise, segundo o
próprio autor:

Como o que interessa a História Ambiental é a multiplicidade de


fenômenos em interação na formação histórica dos ambientes
nos quais vivem as sociedades, seu olhar está orientado para um
tipo de problema: as relações. (MARTINS, 2007, p.45)

Cabe fazer algumas colocações sobre a citação acima. Primeiro é delimitar quais
relações são essas, homem-homem, homem-ambiente (clima, espaço), homem-fauna,
homem-flora, enfatizando que ambiente abarcaria todas essas opções. Porém, é necessário
separar em algumas categorias para melhor analisar. Dependendo qual categoria se analisa,
é possível refletir sobre as mais várias perspectivas e até mesmo adentrar em outras
categorias - atenta-se ao caso “homem-homem”. Nessa categoria seria trabalhada as
relações sociais e econômicas, ou seja, submetendo as áreas da História Cultural,
Econômica a algo muito maior, nesse caso à História Ambiental. Essa “subordinação” de
outras áreas historiográficas já expostas em linhas preliminares, aponta para a necessidade
de se pretender uma História Total, onde copiosas narrativas, perspectivas, relações, se
encaixam de maneiras disformes. Um grande mosaico de interações, permitindo pinçar
profusas análises.

Torna-se considerável destacar que todas essas relações poderiam se encaixar no


escopo das perspectivas sociais e econômicas, porém, o intuito da História Ambiental é
abarcar mais perspectivas do ambiente humano, trabalhando também a
interdisciplinaridade.

Uma segunda característica é o diálogo sistemático com quase


todas as ciências naturais - inclusive as aplicadas - pertinentes ao
entendimento dos quadros físicos e ecológicos das regiões
estudadas. Nesse ponto esses estudos se afastam da tradição
humanista das ciências sociais, inclusive da história regional.
Usam textos básicos e avançados de geologia (inclusive solos e
hidrologia), geomorfologia, climatologia, meteorologia, biologia
vegetal e animal e ecologia (a ciência da interação entre os seres
vivos e entre eles e os elementos inertes do ambiente). A
agronomia e as engenharias florestal e de reinas são três outros
campos muitas vezes citados nos estudos de história ambiental.
Os estudos de biologia humana e de doenças de plantas, animais
e humanos também comparecem. Usam-se tanto os seus achados
de campo quanto os de laboratório e, por vezes, os seus métodos
e conceitos. (DRUMMOND, 1991, p.181)

Como já evidenciado, é fundamental para a História Ambiental o uso de


ferramentas e conceitos que vão além da História como disciplina. Para isso, retomamos a
questão do tempo e espaço. Seria possível definir um limite temporal para analisar o
ambiente? Tratando de História, ou seja, estudando os homens no tempo, podemos definir o
tempo a partir dos ancestrais do homo sapiens, seriam esses a forma mais primitiva do
homem atual. Esse recorde apesar de gigante, permite dar um pano de fundo para análise do
ambiente humano em curtos períodos.

A revolução cronológica nas ciências naturais produziu grande


impacto epistemológico nos historiadores ambientais, que vêm
buscando metodologias que permitam investigar a história
humana em um marco temporal mais amplo. Ou seja, a repensar
o lugar do ser humano no quadro mais amplo da história do
planeta. Não se trata, por certo, de sempre trabalhar na
longuíssima duração. Pode-se fazer história ambiental de
períodos relativamente curtos. Mas sempre tendo em mente, ao
menos como pano de fundo, a presença de grandes escalas na
constituição dos fenômenos que estão sendo analisados. Seja no
aspecto natural – com as realidades biofísicas de cada região
demarcada para um trabalho de pesquisa –, seja no da formação
de populações e sociedades humanas que nela e com ela
interagem. (PÁDUA, 2010, p.88)

Compreende-se que toda discussão feita em relação a História Ambiental, é um


esforço de tornar o ser humano parte integrante do ambiente, da natureza. Conceitos como
espaço e tempo tornam possível aferições sobre o trajeto humano no ambiente. Isso remete
a uma discussão em torno do ambiente modificado pelo ser humano, permitindo assim um
estudo comparativo desse ambiente.

Presume-se então um espaço no tempo e novamente esse mesmo espaço em outro


tempo distinto. Algumas exemplificações podem dar inteligibilidade a argumentação:
Observemos uma cidade como Barão de Cocais-MG em 1750, usa-se fotos, documentos
diversos, itinerários de viagens de naturalistas, dados climáticos, dados espaciais, etc. Se
tem então uma visão do que era a cidade 300 anos atrás. Observando a mesma cidade nos
dias atuais (ou qualquer outro período temporal que tenha a presença do homem), o
questionamento a ser feito é como se chegou até ali, o que mudou nesse ambiente?

Partimos então para as categorias de análise: homem-homem, homem-ambiente,


homem-fauna, homem-flora. Vale ressaltar que é possível ampliar essas categorias, uma
vez que mesmo usando de outras áreas e da interdisciplinaridade, podemos cair em
explicações que dão conta de outras categorias. A primeira categoria de análise ficaria a
cargo de demonstrar as relações humanas naquele ambiente, o que Worster (1991) chama
de “ambiente social”, adentrando assim as áreas historiográficas da História Política,
Cultural, Econômica e quais suas influências na mudança desse ambiente. Atenta-se para o
uso de tais áreas historiográficas e suas perspectivas, elas não são um fim em si mesmo,
mas uma perspectiva que influenciou na mudança do ambiente.

Na categoria homem-ambiente, faz presente muito da interdisciplinaridade. Ao


analisar rochas, climas, temperatura, rios, cachoeiras, disposição territorial, etc. Buscando
ferramentas em outras disciplinas como geografia, geologia, geomorfologia, climatologia,
meteorologia, para responder o que foi modificado durante todo esse tempo, face a
interação do homem. Rios que secaram devido assoreamento das margens, aumento ou
diminuição da temperatura. Enfim, toda mudança que é perceptível perante essa interação.

Já na categoria homem-fauna, diversas são as perspectivas à ser abordadas


demonstrando a mudança do ambiente. É possível usar as explicações da Zoologia e da
História Cultural por exemplo, mostrando como os nativos agiam de certa maneira para
reprodução daquele ambiente. Os animais são fator de influência no equilíbrio do ambiente
humano, animais que um dia ali residiam em comunhão com o ambiente e o homem; e que,
após novas dinâmicas nesse ambiente (econômicas, culturais, etc.), desapareceram,
tornando propenso atividades de pragas, doenças, gerando escassez das mais diversas e
muitas outras. Esse é um fator de mudança que é possível apontar no ambiente.

Por fim, a categoria homem-flora, tanto as perspectivas da História Cultura quanto


Econômica dariam conta de explicar a predação humana. Disciplinas como Ecologia e
Botânica seriam de grande valia na autenticação do estudo, legitimando conceitos e dados,
dando aporte científico de suas respectivas áreas. Mostrando por exemplo como
determinada planta tem propriedades que permitem seu uso para criação de remédios,
repelentes, etc. Como isso foi apropriado pelo homem, modificando o cultivo,
mercantilização, predação, alterando assim o ambiente.

É possível apontar várias dessas relações simultaneamente, a separação em


categorias é uma forma de sistematizar e delimitar mais claramente o objeto da História
Ambiental. Esse tipo de sistematização permite o enraizamento da História Ambiental
como área de estudo, possibilitando buscar ferramentas, narrativas, perspectivas
diversificadas, respondendo assim alguns questionamentos: Como o ambiente mudou?
Quais relações e interações foram necessárias para mudança desse ambiente? Quais os
objetivos dessas mudanças, caso os tenha?

Fica clara a intensão de mostrar os processos de mudança do ambiente humano; que


houve sim uma mudança e essa mudança é trabalhada a partir do homem. Porém, é
importante tomar alguns cuidados, o uso político dos processos é de interesse de vários
agentes, mas não deve ser de interesse do historiador ambiental. O historiador ambiental
deve se ater em mostrar essas mudanças e somente isso. Se esses estudos vão de alguma
forma impactar em políticas públicas, ações ambientais, conscientização da sociedade,
mudança nas relações de trabalho ou exploração de recursos, isso não deve ser de interesse
imediato do historiador ambiental; do contrário o historiador ambiental poderia cair nas
armadilhas de um revisionismo irresponsável e agir como agente político. Isso não significa
que possa ser usado pelo mesmo e por outros como forma de interferir nessas mesmas
esferas, porém a posteriori.

A História Ambiental foi uma prática nova e despontou em


cenário de mudanças profundas na vida social e cultural. Seria
ela capaz de escapar a tantas incertezas e inseguranças? Toda
história é, sempre, filha de seu tempo. A História Ambiental é
mais do que a simples vontade e a intenção de conhecimento dos
historiadores. Ela consiste na busca de respostas diante de uma
realidade histórica e concreta na vida cotidiana no século XXI,
precedida e marcada pelas problemáticas do meio ambiente
surgidas nos últimos cinquenta anos. (MARTINEZ, 2011, p.24)

Assim como a História é filha de seu tempo, buscando assim jogar luz aos processos
que estão inteiramente ligados a vida cotidiana, a História Ambiental tem o papel de
mostrar processos ainda mais complexos das interações no ambiente, interações essas que
expuseram problemáticas atuais, mas que é possível demonstrar suas raízes na longa
duração.
É proposto até aqui o que Worster (1991) colocou como premissa para se estudar
História Ambiental, abrangência de narrativas e homem como parte do planeta. Porém, o
esforço é feito no sentido de dar base científica para área pretendida, demonstrando por
meio das diversas perspectivas, disciplinas, áreas historiográficas, até então expostas. A
partir daqui será feita uma breve discussão sobre a função da História Ambiental de
compreender debates acerca do idealismo2 e materialismo dialético3 em sua construção.

Os humanos são animais que carregam ideias, assim como


ferramentas, e uma das mais abrangentes e mais consequentes
delas tem o nome de "natureza". Mais precisamente, a natureza
não é uma ideia, mas muitas ideias, significados, pensamentos,
sentimentos, empilhados uns sobre os outros, frequentemente da
forma menos sistemática possível. Todo indivíduo e toda cultura
criam esses aglomerados. (WORSTER, 1991, p.209-10)

A citação de Worster, mostra um impasse em ter a História Ambiental como área


historiográfica específica. Se os humanos são animais, não se pode tomar como premissa as
ideias, pois antes de qualquer ideia os humanos enquanto animais, são tomados por
instintos. A História Ambiental ao compreender o idealismo como base de argumentação,
estará versando sobre um objeto e temática de outra área historiográfica, no caso a da
História Cultural. Isso causaria uma disputa desnecessária, apesar das ferramentas
utilizadas pela História Ambiental serem diversas e diferentes.

As mesmas preocupações se mostram necessárias ao identificar a discussão do


materialismo dialético na base de argumentação da História Ambiental. O homem enquanto
animal precisa comer, se proteger, reproduzir, são básicos na sobrevivência da raça
humana. O ambiente que envolve o ser humano é algo material, radicalizando o argumento,
o próprio ser humano é material e dependemos tanto do ambiente quanto de outros seres
humanos para sobreviver. Porém o termo é usado em outras áreas historiográficas, assim

2
Do latim tardio idealis. Em sentido geral, “idealismo” significa dedicação, engajamento, compromisso com
um ideal, sem preocupação prática necessariamente, ou sem visar sua concretização imediata. Ex.: o
idealismo de fulano. O termo “idealismo” engloba, na história da filosofia, diferentes correntes de pensamento
que têm em comum a interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do mundo interior,
subjetivo ou espiritual. Do ponto de vista da problemática do conhecimento, o idealismo implica a redução do
objeto do conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no sentido ontológico, equivale à redução da matéria ao
pensamento ou ao espírito. O idealismo radical acaba por levar ao solipsismo. (JAPIASSÚ, Hilton e
MARCONDES, Danilo. 2008)
3
Tudo o que existe é material ou depende da matéria para existir. Visão marxista de que os acontecimentos
políticos e históricos resultam do conflito social e deriva das necessidades materiais e podem ser encarados
como uma série de contradições e suas resoluções. (LEVENE, L. 2013)
como idealismo gera a dúvida de como utilizar, o materialismo também partilha dessa
mesma preocupação. Talvez seja melhor utilizar enquanto perspectiva, assim como é feito
com tantas outras ferramentas que não são próprias da História Ambiental.

Sendo assim, pode-se apontar a preponderância de uma análise baseada no


materialismo em face ao idealismo. Ao colocar o homem como animal e seus instintos,
sendo esses instintos materiais, o processo de relações/interações no ambiente e com o
ambiente são norteados a priori por uma perspectiva materialista, norteando a posteriori
todo o mundo das ideias.

Apesar das discussões em torno do materialismo dialético orientarem grande parte


dos debates de diversas áreas historiográficas, é indubitável sua preponderância. Toda essa
orientação é parte fundamental na exposição dos mais diversos processos de mudança do
ambiente. Essas mudanças são essenciais para o historiador ambiental. Somente por elas é
que se consegue dar base empírica para tal estudo. O objetivo da História Ambiental é
pretencioso e deve ser executado com muita cautela, uma vez que, “pode” acabar em uma
produção de “História Total”. Fazendo uma breve analogia, a História Ambiental é a
moldura de um estudo amplo e diversificado, enquanto as diversas disciplinas, áreas
historiográficas, perspectivas, narrativas e suas respectivas ferramentas, são um
quebra-cabeças de muitas peças e que estão à procura de encaixe. Isso não significa que
essas peças serão encaixadas, mas o esforço para dar sentido e encaixá-las é necessário.

É impossível dar conta de toda a realidade humana, todo o artigo tem proposto um
novo sentido em estudar História Ambiental, sentido de demonstrar os processos e suas
diversas perspectivas, ou seja, reorganizar os estudos historiográficos e seus limites. As
mudanças do ambiente ficaram bastante evidenciadas a partir da revolução industrial, isso é
um fato. Tanto História Econômica, Cultural, Política, respondem em suas respectivas
perspectivas o fato e seus processos, mas não conseguem perpassar a barreira que limita
suas áreas, muito menos conseguem adentrar os limites de outras áreas.

Braudel é o principal historiador que esboçou uma ideia de História Total, esse
esforço tende ao diálogo com as diversas áreas acadêmicas e historiográficas.

Uma história nova só é possível pelo enorme levantamento de


uma documentação que responde a essas novas questões. Duvido
mesmo que o habitual trabalho artesanal do historiador esteja na
medida de nossas atuais ambições. Com o perigo que isso pode
representar e as dificuldades que a solução implica, não há
salvação fora dos métodos do trabalho por equipes. (BRAUDEL,
1992, p.26)

O objetivo da História Ambiental é exatamente o que foi descrito até aqui; levantar
diversos documentos, dados, narrativas, respondendo as novas questões relacionadas a
mudança do ambiente. Esse estudo vai gerar dificuldades e deve gerar mudanças em
algumas dinâmicas humanas, como a do trabalho e do extrativismo por exemplo. Esse é um
trabalho que requerer método e trabalho em equipe, isso ficou claro na proposta da História
Ambiental como História Total.

O artigo buscou dar novos horizontes de análise para História Ambiental, pautando
algumas mudanças na dinâmica do estudo dos historiadores ambientais. Evidente que esse é
somente um esboço de proposta, que alarga a possibilidade para que mais adiante, tais
ideias sejam trabalhadas em profundidade através de discussões que tem profundas raízes
nos conflitos ambientais atuais.

Conclui-se que é possível fazer História Ambiental, mas essa enquanto moldura que
tenta juntar as mais diversas perspectivas, sejam historiográficas ou interdisciplinares. As
ferramentas existem, basta o historiador ambiental ir buscá-las e utilizá-las. A História
Ambiental é ampla, logo, é trabalho do historiador ambiental melhorar os métodos e traçar
novas categorias de análise que sejam capazes de esclarecer o objeto dessa nova história.
Referencias

BRAUDEL, F. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 1992


DRUMMOND, J. A. A história ambiental: temas, fontes e linhas de pesquisa. Estudos
Históricos, v.4, n.8, p.177-97, 1991.
JAPIASSÚ, H. e MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008.
LEVENE, L. Penso, Logo Existo: Tudo o que Você Precisa Saber sobre Filosofia.
Tradução de Debora Fleck. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.
MARTINS, M. L. História e Meio Ambiente. 1. ed. São Paulo: Annablume, 2007. v. 1.
144p
MARTINEZ, P. H. História ambiental: um olhar prospectivo. Cad. Pesq. Cdhis,
Uberlândia, v.24, n.1, jan/jun. 2011
PÁDUA, J.A. As bases teóricas da história ambiental. Estudos avançados 24 (68), 2010
RODRIGUES, Lucas de O. "Materialismo histórico"; Brasil Escola. Disponível em:
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/materialismo-historico.htm. Acesso em 07 de
agosto de 2019.
WORSTER, D. Para fazer história ambiental. Estudos Históricos, v.4, n.8, p.198-215,
1991.

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