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RESUMO
ABSTRACT
This essay aims at discussing the connection between the history teaching field and the
debates raised by the emergence of an environmental history, in the last decades in Brazil.
The modern mechanistic world view, that separates human beings from nature, is pointed
here as a long lasting structuring element of the distancing between historians and the
environmental education. I also postulate, that the contemporary environmental crisis
challenges the historians so that they can produce a history in which the human being is not
everything and that can contribute to change our current relationship with nature, and for this
it is necessary to observe with attention different rationalities established by human societies
in their process of material and symbolic appropriation of nature.
1
Professor adjunto de História Ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E-mail:
carvalho2010@yahoo.com.br
Certa vez um aluno, quando foi informado que eu pesquiso História Ambiental, me
perguntou: o que um historiador teria a dizer sobre o meio ambiente? Essa pergunta é
central para todos os professores que pretendem trabalhar com o meio ambiente, como um
tema transversal na disciplina de História no Ensino Básico.
Essa pergunta também indica duas separações que são, talvez, as principais dificuldades
para o historiador trabalhar o tema do meio ambiente em sala. Por um lado, a pergunta
deste aluno é indicativa do quanto a questão ambiental está afastada dos historiadores
contemporâneos (CARVALHO, 2006; GOLDBLATT, 1998). Tal afastamento repercute, por
outro lado, o pensamento ocidental que separa a natureza e a as sociedades humanas, de
acordo com a visão de mundo mecanicista que emergiu no mundo moderno (MORIN, 1999).
A questão ambiental está em nosso cotidiano. Nas últimas décadas a mídia passou a
divulgar informações sobre a necessidade de impedir o aquecimento global ou sobre a
escassez de água potável. Muitas vezes as notícias vêm com um tom catastrofista, de que
um colapso da sociedade global é iminente se não mudarmos os rumos de nosso modo de
vida. Por mais que algumas posições sejam exageradas, pouquíssimos especialistas
acreditam que apenas mudanças tecnológicas possam resolver os problemas por que
passamos. Está cada vez mais claro que uma sociedade voltada para a ampliação até
o infinito da produção e do consumo não é sustentável (MORIN, 2000; CARVALHO,
2007).
Há pelo menos três ordens de fatores que levam a pouca expressividade da Educação
Ambiental nas escolas brasileiras: a) a “questão ambiental” é tratada como mais um entre
outros “problemas” a ser “solucionado” pela escola, o que retira a dimensão sistêmica da
problemática ambiental contemporânea e superestima a capacidade da escola de resolver
problemas que são mais amplos que seu âmbito de atuação; b) a crônica carência material
e de condições de trabalho, em especial nas escolas públicas: baixos salários, salas
superlotadas, que dificultam em muito, por exemplo, um trabalho interdisciplinar nas
escolas; e c) a estrutura fragmentada do conhecimento moderno, voltado para o controle e
não para o diálogo com a natureza, que é reproduzido nas escolas. Os professores de
História, além dos problemas práticos de aplicação dos temas transversais em sala de aula,
têm aí uma dificuldade extra: Os profissionais da área de história, em geral, estão mal
preparados para enfrentar o debate ambiental.
Podemos aprender lições da história. Afinal, uma das hipóteses para a decadência das
grandes cidades-estados maias, antes da chegada dos europeus, teria sido os impactos
ambientais de uma grande população explorando com agricultura solos frágeis. Ou ainda, é
exemplar a história da população nativa da ilha de Páscoa, pois esta população foi capaz de
construir as fantásticas estátuas denominadas moais, ao mesmo tempo em que degradaram
de tal forma o frágil ecossistema em que viviam, que geraram um colapso em sua
sociedade. Sendo estes apenas alguns dos exemplos analisados por Jared Diamond (2007).
No último caso citado, muito se especulou sobre as fantásticas estátuas denominadas
moais. Como, em uma das ilhas habitadas mais isoladas do mundo, no oceano Pacífico, a
milhares de quilômetros da terra mais próxima, surgiram tais monumentos? Apesar das
especulações sobre a presença de extraterrestres, é indiscutível que essas estátuas foram
feitas pela população nativa da ilha de Páscoa, antes da chegada dos europeus. Todavia, os
ilhéus tiveram o azar de viver em um ambiente ecologicamente frágil e de conseguirem
desenvolver uma grande população. Divididos em clãs, se dedicaram a construir moais,
provavelmente para honrar seus antepassados e seus deuses e para demonstrar a
superioridade do seu clã sobre os demais. Neste processo de crescimento populacional e
gasto de recursos na construção de monumentos conseguiram eliminar completamente a
floresta da ilha. Isso levou a uma grave crise sócio-ambiental. Aconteceram guerras e
morticínio da população, inclusive com a provável prática de canibalismo. Tal crise provocou
o abandono da religião antiga, pautada nos moais e em uma grande redução da população.
Assim, a população local teve que readequar seus valores e seu modo de vida para
continuar vivendo naquele meio, agora degradado (DIAMOND, 2007, p. 105-152).
É necessário recontar nossa história de forma que possamos entender melhor a conexão
entre os seres humanos e a natureza. Um grande esforço tem sido feito pelas ciências, na
tentativa de uma abordagem histórica da relação entre sociedade e o mundo natural. Entre
os historiadores, a História Ambiental é justamente este esforço de entender
historicamente os processos de interação entre a natureza e os seres humanos
(DUARTE, 2005; LEFF, 2005).
Nossa história de interação com a natureza não é apenas a crônica de como diferentes
formações sociais se apropriaram e destruíram os recursos naturais. A história da expansão
do capitalismo é, certamente, a história da transformação do mundo natural em recursos
naturais, ou seja, em mercadoria. Mas também, comporta muitas relações diferenciadas.
Por exemplo, a coivara é a prática de queimar a floresta, cultivar a terra e, quando a área da
“roça” é infestada por “pragas” e a produtividade se reduz pela degradação do solo, a área é
entregue à floresta para sua recomposição e se avança sobre uma nova área florestal. Tal
forma de cultivo, quando exercida em certas condições, é considerada, hoje, não prejudicial
ao ecossistema como um todo, ou pelo menos causadora de menor impacto ambiental do
que a agricultura “moderna”, feita à base de monoculturas cultivadas com maquinas e
agroquímicos. Mas foi em nome desse tipo de agricultura “moderna” que se condenou ou se
condena à coivara. Hoje essa e outras práticas tradicionais são recuperadas por
pesquisadores como parte de um saber que pode contribuir para a produção de modelos
agrícolas alternativos. O saber tradicional, rejeitado no passado, é recuperado como uma
pedra angular para a produção de um agro-ecossistema que seja mais sustentável e justo
(CARVALHO, 2009).
A atenção a estas diferentes racionalidades nos permite pensar para além da racionalidade
produtivista, consumista e predadora que caracteriza a sociedade moderna e separa os
seres humanos da natureza.
Uma das atividades mais comuns em educação ambiental é a gincana para recolher
material reciclado. Todavia, professores já notaram que, algumas vezes, os alunos no
esforço de demonstrar que são “os melhores” acabam incentivando suas famílias a
consumirem mais produtos, a fim de conseguirem mais material para reciclagem. Desta
forma, uma atividade que deveria questionar o consumismo desenfreado do mundo
moderno acaba por entrar em sua racionalidade, amplia ainda mais o consumismo
(BRÜGGER, 2004, p. 36).
Entretanto, isso não acontece apenas com os alunos. Muitas vezes, quando a natureza é
incorporada na historiografia ou em materiais para a educação ambiental, parte-se de uma
concepção de natureza como algo ainda separado dos seres humanos. A natureza é tratada
como um vestígio do Éden original a partir do qual as ações humanas são entendias como
intervenções destrutivas (DIEGUES, 1998).
A sensibilidade moderna em relação ao mundo natural não é natural. Até o século XVI, para
os ingleses em geral, se uma árvore não produzisse nada, era melhor cortá-la do que
mantê-la em pé. Mas, no final do século XVIII, já se afirmava que era melhor plantar do que
cortar uma árvore, mesmo que não tivesse utilidade prática. No final do XVIII, na Inglaterra,
já havia se formado uma sensibilidade para com o mundo natural bastante semelhante à
atual. Já havia um conflito crescente entre as novas sensibilidades e os fundamentos
materiais da sociedade humana. Isso porque, à medida que a sociedade se urbanizava, era
produzido um novo gosto pelo campo. A segurança em relação aos animais selvagens
causada pela destruição das florestas, pela expansão das lavouras e pela caça foram
acompanhadas por um novo apreço pela vida selvagem. Não depender da força animal para
o trabalho e o crescimento urbano levaram a um apreço pelos animais que era difícil de
sustentar em uma sociedade pré-industrial. Assim, produzimos uma visão sentimental em
relação a animais, domésticos ou selvagens, ao mesmo tempo em que a sociedade
produzia meios mais eficazes de criação de animais para abate. Dessa forma, nosso apreço
moderno para com animais e plantas são fantasias com as quais a sociedade como um todo
não tem condições de viver na prática (THOMAS, 1996).
Assim sendo, em geral, não é tão difícil “sensibilizar” os alunos sobre o “meio ambiente”,
entendido como um elemento isolado da vida, todavia, bem mais difícil é questionar a
racionalidade produtivista e de separação entre cultura e natureza. Que partindo de tal
separação consideram a natureza um deposito de recursos a ser explorado; ou consideram
a natureza como algo “intocado e intocável” diante do qual toda intervenção humana seria
uma mácula. Como afirma Enrique Leff (2005, p. 13):
Nesta visão não se consegue conceber a complexidade ambiental, como
um processo enraizado em formas de racionalidade e de identidade cultural
que, como princípios de organização social, definem as relações de toda
sociedade com a natureza; a história ambiental se limitaria a estudar as
formas como diversos modos de produção, formações sociais e estruturas
de classe, se apropriam, transformam e destroem os recursos do seu
entorno.
Conceber o ser humano como alguém tendo uma natureza destruidora do mundo natural e o
brasileiro como sendo um exemplar excepcionalmente perdulário desta espécie de Homo
devastans é um equívoco.
Tal forma de conceber a natureza humana é fruto do pensamento ocidental que separa
seres humanos e natureza. Uma abordagem processual, ou seja atenta para a dinâmica da
história da interação natureza e sociedade desfaz a visão de que tais elementos podem ser
entendidos de formas separadas e estanques (DAVIDSON-HUNT; BERKES, 2003; SILVA,
1997, p. 204).
Quando estamos atentos à história, percebemos que a natureza não foi apenas um depósito
de recursos nas histórias humanas. E que a história de nossa relação com o mundo natural
não pode ser reduzida à forma como diferentes formações sociais se apropriaram e
destruíram seu meio (LEFF, 2005, p. 13).
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