Você está na página 1de 15

O BODE NA MAÇONARIA, UMA BRINCADEIRA

AMERICANA

Na Maçonaria brasileira é comum a associação do bode com os


maçons, seja ela feita pelos profanos que desconhecem a ordem ou
pelos próprios membros que se acostumaram com a ideia e acham
até interessante serem chamados de bode, alimentando esta
fantasia, seja por diversão ou apenas para afastar os curiosos.

Aqueles inclinados a ideia antimaçónica, fazem conexão do bode com


coisas maléficas, sacrifícios, religiões e outras histórias absurdas
numa tentativa de denegrir a imagem da ordem ou por simples
ignorância dos factos

AS LENDAS

O escritor Nicola Aslan afirma que a lenda do bode na Maçonaria


começou no final do século XIX, devido à invenção de um anti maçom
chamado Marie Joseph Gabriel Antoine Jogand Pages, também
conhecido como Léo Táxil, que nos seus textos acusava a Maçonaria
de culto a Baphomet, que segundo ele teria sido um símbolo
templário. O próprio Léo Taxil algum tempo depois desmentiu o seu
próprio texto, contando que inventou estes absurdos na intenção de
denegrir a Maçonaria e assim se aproximar da igreja. Apesar disso, a
sua obra foi creditada como verdade e fez muito sucesso, tanto pela
igreja católica, quanto para outras linhas religiosas.

Outro famoso escritor, com mais de 50 livros publicados, José


Castellani, conta-nos que no começo do Cristianismo, havia a prática
da “expiação dos pecados”, por parte dos Judeus, através dos bodes.
Eles relatavam as suas “falhas” aos bodes, para dividir o fardo e,
ainda sim, ter os seus segredos guardados. Daí parece ter surgido a
ideia de confissão onde o cristão conta os seus pecados ao padre,
mas que este, pelos votos, tem a obrigação de não contar a ninguém.
Acontece que esta também é uma lenda e não temos nada que
comprove a veracidade desse relato.

Uma das lendas aceitas como verdade, é a que esta denominação de


bode vem dos maçons que eram torturados e não entregavam os
seus irmãos, nem os segredos da ordem, e assim afirmavam os
torturadores aos seus superiores: “é muito difícil arrancar alguma
confissão destes, eles mais parecem bodes”. Ou ainda, que em
épocas onde os maçons precisavam de se reunir secretamente por
conta de perseguições, um irmão passeava com um bode pela cidade
avisando que a reunião seria na sua residência, já que cada reunião
era realizado em local diferente.

A MOTIVAÇÃO DA PESQUISA

Em conversa com irmãos de diversos países sobre este tema, soube


que no exterior não é comum o Maçom ser chamado de bode e na
verdade a associação por eles conhecida, trata-se de uma brincadeira
aplicada na Maçonaria americana.

Alguns irmãos relataram que no dia da sua iniciação, foi solicitado


que eles levassem milho ou cenoura, pois teriam que alimentar e
montar num bode para serem iniciados, e que esta prática apesar de
não ser vista com bons olhos, ainda acontece em algumas jurisdições
dos EUA.

Partindo destes relatos, procurei mais informações sobre os factos


citados.

A BRINCADEIRA AMERICANA

No início do século XX, membros de uma loja da fraternidade Odd


Fellows em New Kensington, Pensilvânia, compraram um bode
mecânico na intenção de o utilizar na sua iniciação, como forma de
testar a real vontade do candidato de ingressar naquela ordem,
testando os seus medos através de uma brincadeira. Este
equipamento encontra-se preservado no National Heritage Museum,
Lexington, Massachusetts, conforme foto abaixo:
Nesta época, os bodes passaram a desempenhar um papel crucial nos
ritos das sociedades fraternais, pois estas tinham forte presença nas
vidas dos americanos, que chegavam a participar de diversas ordens
em conjunto, alcançando a soma de cinco milhões e meio de
americanos ligados a algum grupo. Tudo indica que a prática de
“montar o bode” foi herdada tanto pela Maçonaria, quanto por outras
fraternidades como os Knights of Pythias e os Modern Woodmen of
America, entre outros.

Apesar deste motivo aparentemente inofensivo para a associação do


bode com a Maçonaria, a ordem sempre foi acusada de se envolver
em cultos obscuros e secretos.

Em 1922, por exemplo, a American Tyler-Keystone, uma revista


sobre sociedades fraternais, afirmou: “Para a mente comum, o Diabo
era representado por um bode, e as suas marcas mais conhecidas
eram o chifre, a barba e as patas divididas. Então vieram as histórias
de bruxa da Idade Média, e a crença nas orgias de bruxa, quando se
disse que o Diabo apareceu montado num bode. Assim, a equitação
do bode foi transferida para os maçons, e o ditado sobrevive até
hoje, embora a maioria de nós admita que não merecemos o
sinónimo”.

A capa da segunda edição de Blockes-Berges Verrichtung, de Johann


Praetorius, de 1669, ilustra o papel que os bodes e pessoas
montando em bodes desempenharam na iconografia europeia da
feitiçaria no início da era moderna. Imagem da Livraria da
Universidade de Chicago.

Uma bruxa que beija o ânus de um bode forma o elemento central


desta composição, quando no alto esquerdo uma segunda figura
fêmea é mostrada montando um bode. Esta imagem de um culto de
bruxas faz parte de um corpo maior de imagens de cerimónias de
bruxas dos séculos XVI e XVII, no qual bodes e pessoas montando
bodes estão associadas a sexualidade e perversidade. Além disso,
enquanto as bruxas cavalgam de bom grado os bodes nas gravuras,
os homens frequentemente são retratados com os olhos vendados,
sugerindo que eles foram enganados.

Durante as décadas de 1820 e 1830, uma multidão de textos


antimaçónicos foram publicados nos Estados Unidos, os inimigos
evangélicos e políticos da Maçonaria do início do século XIX acusaram
a fraternidade de numerosas transgressões. O movimento
antimaçónico do início do século XIX teve um efeito deletério sobre as
organizações fraternais nos Estados Unidos. Por serem acusados de
promover ideais aristocráticos e não cristãos, as lojas maçónicas em
todo o país simplesmente pararam de se reunir. Os Odd Fellows que
como os Maçons praticavam cerimónias secretas de iniciação,
prosperaram nesta época e obtiveram aprovação pública,
desenvolvimento e adesão na década de 1840.

O sucesso da organização motivou os evangélicos a publicarem


panfletos na segunda metade da década, condenando o que
descreveram como pecados, erros e cerimónias da organização.
Publicações anti-Odd Fellows da década de 1840 contêm as primeiras
referências a bodes localizados numa loja. A publicação anónima Odd
Fellowship Exposed, publicado em Exeter, New Hampshire, em 1845,
por exemplo, descreve um processo de iniciação terrível, embora
provavelmente impreciso, no qual os guias cerimoniais do pobre
candidato, repetidamente expressam a ameaçadora frase “Sigilo ou
Morte”. O texto deste panfleto merece atenção porque fornece uma
visão de como a ideia do bode na loja se desenvolveu ao longo do
tempo. O autor do panfleto escreveu:

“De repente, uma voz alta exclamou: Prepare o


bode. E um bode grande, preto e branco, foi
conduzido para a frente. Isto causou-me pouco
medo, pois eu tinha ouvido muitas vezes que
faziam parte da cerimónia. Eu estava
imediatamente montado sobre ele, e disse para
segurar nos seus chifres, mas meus condutores
me soltaram e eu me encontrei jogado no chão, o
bode tendo se precipitado sobre a minha cabeça,
com um riso geral daqueles que estavam na sala”.

A imagem do bode numa cerimónia assumiu uma forma visual


madura com a publicação, em 1857, da Exposition of Odd-Fellowship,
de John Kirk. Uma gravura, assinada por J. F. Howard, de um
candidato montando um bode aparece na página de rosto. O texto é
um relato sobre as cerimónias desta fraternidade.
Críticos da Odd Fellowship na década de 1840 acreditavam que o segredo
da organização escondia a falsidade. Num texto de 1846, E. Willis cita o
historiador francês Constantin-Francois de Volney sobre este ponto,
escrevendo: “Toda associação que tem mistério pela sua base, ou um
juramento de sigilo, é uma liga de ladrões contra a sociedade”. Da mesma
forma, em 1845, a igreja metodista escreveu que “é impróprio para um
cristão tomar um curso escuro, coberto de segredo, que ele está
sagradamente obrigado a esconder dos seus companheiros”. Neste sentido,
os críticos enfatizaram que os membros da fraternidade usavam máscaras,
ou “falsos rostos”, durante as cerimónias de iniciação.
Uma representação litográfica de uma iniciação de Odd Fellows,
distribuída por Willis no mesmo ano em que publicou o texto citado acima,
ressalta a ameaça de segredo dentro das organizações fraternas ao
descrever os membros da loja usando máscaras horríveis com narizes
monstruosamente distorcidos.

Embora inicialmente ter sido introduzido em relação aos Odd Fellows, o


bode veio a ser associado a todas as sociedades secretas. Até as últimas
décadas do século XIX, o significado do bode se tinha transformado. Em
vez de serem usados por anti fraternalistas para condenar ou envergonhar
as organizações fraternais, membros dos grupos começaram a gostar do
bode e abraçá-lo como seu.
O humor inerente à ideia de montar um bode dentro de uma loja, também
foi expressa visualmente por Cassius Marcellus Cooldige (1844-1934),
produzindo uma pintura de um Cão montando um bode dentro de uma loja.
Coolidge retratava cães antropomórficos perseguindo passatempos
humanos, incluindo ir a jogos de beisebol, dirigir automóveis e, mais
notavelmente, fumar tabaco e apostar em cartas. Os collies do artista,
reflectiam a vida material e os costumes sociais da classe média industrial.
Como as imagens de Coolidge eram usadas para comercializar produtos
para o mercado masculino, elas concentraram-se em actividades que eram
da esfera masculina.
Na imagem de Coolidge intitulada “Riding the Goat”, uma variedade de
cães se reuniram dentro de uma loja para a iniciação do que parece ser um
São Bernardo, fazendo-o montar num bode com os olhos vendados. Três
oficiais, denotados como tais pelos seus colares cerimoniais e a sua
localização no templo, olham enquanto um Cocker Spaniel segura uma
corda em volta do pescoço do candidato.

Os Brooklyn Masonic Veterans, uma organização composta por moradores do bairro do


Brooklyn, Nova York, que eram maçons por pelo menos vinte e um anos, usaram o
bode repetidas vezes nos seus materiais impressos nas décadas de 1890 e 1900. Os
convites para as festas anuais deste grupo eram habitualmente caracterizados por
cartoons de C. Beatty que carinhosamente retratavam bodes. As imagens que adornaram
os anúncios da quinta festa anual realizada em Dezembro de 1893 e a sétima festa anual
de Dezembro de 1895, são particularmente evocativas.
A DeMoulin Bros. & Co. de Greenville, Illinois, empresa que fabricou o
bode de New Kensington, era especializada em equipamentos para
encenação. Nos anos de 1900 a 1930, esta empresa produziu uma variedade
de bodes mecânicos, recebendo patentes em 1903, 1909 e 1923 pelas suas
melhorias ao que eles descreveram como “dispositivos de iniciação”.
Um catálogo de 1923 apresenta um bode com muitas semelhanças com as
dos Odd Fellows de New Kensington.
Outra página do mesmo catálogo ilustra um modelo mais complexo, intitulado “Ferris
Wheel Coaster Goat”, que produzia uma variedade de ruídos.
Outras empresas concorrentes passaram a fabricar as mais variadas parafernálias para
serem utilizados em partidas iniciáticas, como por exemplo, variedades de bodes
mecânicos, guilhotinas falsas, bebedouros que davam choque, cadeiras que
desmontavam, máscaras, entre outros.
O que iniciou como brincadeira, passou a tomar proporções exageradas, de
modo que inúmeros processos judiciais contra fraternidades iniciáticas, na
primeira década do século XX, reivindicaram danos baseados por lesões
causadas pelos dispositivos. Em 1902, por exemplo, Samuel W. Mitchell
processou os Woodmen of the World e durante o julgamento, o bode
mecânico de uma loja na Carolina do Sul foi levado para o tribunal e a sua
utilização demonstrada para o juiz.
Um caso semelhante ocorreu em 1906 por Charles McAtee contra a loja
Modern Woodmen em Arrowsmith, Missouri. McAtee pediu compensação
por lesões sofridas quando ele estava vendado e caiu de um bode mecânico.
Ele alegou que o incidente culminou com o bode “passando por cima do
seu rosto”.
Em 1901, foi a vez da Maçonaria, num caso envolvendo um bode de roda-
gigante, que Mark Gillson, um funcionário do correio, ficou de cama por
vários dias depois que ele foi “girado amarrado a uma roda giratória”
durante a iniciação em Waverly, Iowa.
Em 1918, o próprio bode mecânico se tornou exagerado numa figura
cómica. Uma imagem de um bode sobre rodas com uma sela cravada
apareceu naquele ano numa revista de membros do Templo de Nova York,
da Ancient Arabic Order of the Nobles of the Mystic Shrine.

Este desenho animado é notável porque os Shriners já não estavam


utilizando a brincadeira de montar o bode, o simulacro tinha alcançado
proporções humorísticas. Além disso, a ideia de montar um bode já não era
terrível o suficiente para provocar risadas.
Enfim, com o passar dos tempos, a prática de montar bodes passou a ser
proibida pelas fraternidades, incluindo a Maçonaria, por entenderem que
não era fraterno aplicar tais partidas nos seus candidatos, que em breve
passariam ao “status” de irmãos.

CONCLUSÃO
Diante do exposto acima, acredito que a influência do bode na Maçonaria,
ao contrário do que dizem alguns autores brasileiros, não passa de um trote
americano dos Odd Fellows que foi copiado por diversas fraternidades
iniciáticas, incluindo a Maçonaria, e no Brasil que também era comum
fazerem partidas em iniciações, a ideia tomou outra natureza, chegando aos
próprios maçons se denominarem de bodes. Simples assim, sem lendas
mirabolantes.
Luciano R. Rodrigues
BIBLIOGRAFIA
 Site – http://www.phoenixmasonry.org – acesso em 11/01/2017
 Site – http://www.dogsplayingpoker.org – acesso em 11/01/2017
 Site – http://www.themasonictrowel.com – acesso em 11/01/2017
 Revista – The National Freemason – 1873
 Revista – A Trolha nº 74/1992 – coluna Consultório Maçónico, escrita por José Castellani
 Livro – Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia – Nicola Aslan
 Boletim maçónico – The Short Talk Bulleting, Vol 14, May 1936 – The Grand Lodge of
New Brunswick

Você também pode gostar