Você está na página 1de 3

RESPOSTA A UM MAÇOM DESILUDIDO - Parte 2 de 2

Por J. Filardo M∴ I∴

O artigo anterior foi a expansão de uma resposta que dei privativamente a um


irmão que comentou outra matéria, para compor o texto sobre a desilusão ou
quebra de expectativa, algo que, em minha opinião, representa um dos maiores, se
não o maior problema da Maçonaria em nível mundial.

Esse irmão replicou ao meu comentário ainda com algumas noções equivocadas sobre
a Ordem Maçônica. Volto a publicar minha resposta à sua réplica.

A instituição Maçonaria (especulativa) conforme a conhecemos foi inventada em


1717 e é essa à qual pertencemos. Basta ler o Artigo 1 da Constituição de
Anderson, para ver que os inventores dela pretendiam somente que a loja fosse
“um centro de união para reunir homens que de outra forma nunca se conheceriam”.
Eles não falaram em sociedade iniciática ou coisa parecida.

“Artigo 1 – Um maçom é obrigado por seu mandato a obedecer à lei moral e, se


compreende bem a arte, nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso.
Embora nos tempos antigos os maçons fossem obrigados em cada país a praticar a
religião daquele país, qualquer que fosse ela, agora é considerado mais
conveniente apenas obrigá-los a seguir a religião com a qual todos os homens
concordam, isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e
probidade, quaisquer que sejam as denominações ou confissões que ajudam a
diferenciá-los, de forma que a Maçonaria se torne o centro de união e o meio
para estabelecer uma amizade sincera entre homens que de outra forma
permaneceriam separados para sempre”.

O “ritual” operativo era simples, chamava-se “Palavra de Maçom” e o maçom era


(ainda é) “feito” e não “iniciado”. O Aprendiz não era bem um membro da loja.
Ele estava vinculado diretamente ao Mestre da Loja a quem devia obediência.
Terminado o seu período de treinamento, geralmente de sete anos, ele era
apresentado à Loja para receber sua obrigação, o toque de maçom e a (s) palavra
(s) de passe. Nesse momento, liam para ele a História do Ofício (algo como
aquela introdução das Constituições de Anderson – que não era exatamente igual à
dos Operativos, já que Anderson inventou uma mitologia própria dessa nova
invenção de 1717) e suas Obrigações (Old Charges) que ele jurava cumprir.
Passava então a ser Companheiro. O grau de mestre só viria a ser inventado vinte
anos depois.

Esse ritual foi adotado pelas lojas da Maçonaria de 1717. Toda a filosofia
adicional foi gradativamente sendo introduzida e deformando a instituição
original, transformando-a em outra coisa totalmente diferente. Isso aconteceu
principalmente no Continente europeu, quando a Franco-Maçonaria foi
transplantada para o ambiente latino. Foi também quando Rosacruzes e outros
hermetistas descobriram as lojas maçônicas que lhes ofereciam a estrutura ideal
para estudar suas matérias. E assim foi, um pendura uma coisa aqui, outro
pendura algo acolá e aquela pequena construção que abrigaria os homens sérios e
de bons costumes foi se transformado em uma catedral barroca parecida com a
Sagrada Família de Barcelona.

Quanto aos operativos, eles eram efetivamente rudes e analfabetos, com exceção
talvez do Mestre da loja (proprietário da empreiteira) que detinha um
conhecimento um pouco mais ampliado, provavelmente conseguindo ler as plantas
traçadas pelo Arquiteto (que quase nunca era um maçom, e na maior parte das
vezes era um eclesiástico). Se puder ler em inglês, leia as constituições
manuscritas dos operativos (publiquei na Amazon um livro “Old Charges of the
British Freemasons” que dá uma visão mais clara do mundo deles.

As catedrais eram concebidas por eclesiásticos ou nobres que eram os arquitetos.


Veja-se o caso da Catedral de St. Paul em Londres em que o arquiteto foi o
Mestre de Loja (Operativa) Sir Christopher Wren e as lojas operativas
irlandesas, escocesas e inglesas a construíram.

Os maçons eram apenas uma das guildas que construíam aquelas obras, havia
guildas de pedreiros, de ferreiros, de vidreiros, de carpinteiros, de
escultores, etc. cada uma delas especializada em uma parte da obra. Essa noção
de que só os maçons pedreiros construíram as catedrais é parte da plêiade de
desinformação publicada por “achistas” que não pesquisam e que ousam publicar
suas ideias sem base. A Madras aceita tudo.

Mas, conforme dissemos no artigo anterior, a Maçonaria pura e simples se reduz


ao cultivo da fraternidade, ao aperfeiçoamento pessoal e sua projeção no meio e
dentro desse aperfeiçoamento pessoal, existem os “Altos Graus” ou Graus
Filosóficos. Ninguém é menos maçom se não for além do terceiro grau. E um maçom
de grau 33 (ou de grau 99 como no rito Memphis Misraïm) não é mais importante
que um maçom de grau 3.

Agora uma confissão. Eu mordo a língua e me penitencio de público nesse momento.


Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa…

Eu costumava fazer blague de algumas lojas que eu chamava de R.E.A.A. – Ritual E


Ata e Ágape. Minha crítica era que aquelas lojas não exercitavam um aspecto
tradicionalmente desenvolvido na Maçonaria brasileira: a participação na
política de sua comunidade. É claro que não me referia ao Rito Escocês, e também
eu dizia isso sobre as lojas das grandes cidades que geralmente não têm ação
política porque os centros de poder são muito descentralizados, o que não ocorre
em pequenas e médias cidades, onde a Maçonaria pode exercitar sua tradicional
influência sobre as instituições da sociedade, em linha com nossos fundadores de
1822.

A Maçonaria brasileira, tanto reconhecida quanto não reconhecida, não tem


consciência de que têm o DNA francês e que o intervencionismo é uma de suas
características. Pretende seguir a orientação de Londres de “não discutir
política nem religião”, mas na prática cada candidato que ingressa na Ordem tem
no seu inconsciente a imagem da maçonaria “francesa” que foi a Maçonaria
brasileira até início do século XX. E muitas vezes se frustra ao descobrir que
isso é coisa do passado e que hoje muitas lojas são apenas e tão somente redutos
conservadores.

Mas, Oh meu Zeus! como estava enganado. A velhice trouxe-me o aumento do


entendimento, juntamente com o gosto pelo estudo da história, e acabei
descobrindo que o “ágape”, ou “copo d’água” e a loja de mesa são a tradição mais
cara e mais importante da Maçonaria, herdada, isso sim, do Mitraismo, com seus
jantares ritualísticos, através da Maçonaria Operativa reunida em tabernas, pois
é à mesa, em torno de um bom prato e uma cerveja que se formam os vínculos mais
estreitos.
Na Maçonaria cabem todas as personalidades – para isso existem diferentes ritos
que atendem a diferentes tendências – mas que têm um núcleo comum que no fundo é
o rito “Palavra de Maçom” original, acrescido de mil penduricalhos e adereços
“descobertos” e agregados pelos “achistas” de plantão, descontentes com aquela
simplicidade clássica.

Mithraeum

Nela há lugar para todo mundo, desde os mais simples até verdadeiros gênios
inquietos que se perguntam: “Mas é só isso?” e insatisfeitos partem para uma
busca mais profunda de um significado que lhe satisfaça. Todos são importantes e
apesar de seus graus, sempre serão Mestres Maçons e serão melhores maçons na
medida em que exercitarem, não os seus altos conhecimentos, mas a simples
fraternidade.

Você também pode gostar