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AS CONSTITUIÇÕES DE ANDERSON

Eleutério Nicolau da Conceição

“Uma convicção bem arraigada destrói a in-


formação que a desmente.”
“Doutrina é a teoria que afirma que sua ver-
dade está definitivamente provada e refuta to-
dos os desmentidos do real”
Edgar Morin1

Primeiro documento oficial da maçonaria, as “Constituições” de


Anderson são muito citadas, mas pouco lidas. Examinando diversos auto-
res que citam o famoso texto, podemos verificar que, via de regra, as refe-
rências remetem a outros textos, não à obra original. Assim cria-se uma
rede de intercitações, onde apenas os primeiros autores tiveram contato
com o texto original. Se as leituras iniciais foram parciais, ou tendencio-
sas, propagou-se a partir delas uma interpretação que pode divergir consi-
deravelmente da proposta do autor. Antes de iniciarmos o exame do texto
de Anderson, é necessário fazermos breve relato do contexto histórico no
qual surgiu o famoso documento.
No ano de 1717, quatro lojas maçônicas londrinas decidiram to-
mar uma atitude para organizar, coordenar grupos mesclados de maçons
aceitos, operativos que se reuniam à noite em tabernas, juntamente com
outros que se agregavam a essas reuniões que também chamavam de
lojas maçônicas. Ainda que mantendo símbolos e tradições dos operati-
vos, essa nova forma de loja não se dedicava ao ofício do construtor, pe-

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Edgar Morin é um antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de ori-
gem sefardita. Seu verdadeiro nome é Edgar Nahoum (Paris, 8 de julho de 1921),
A citação é de seu livro: “Para Sair do Século XX. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1986.
dreiro, mas reuniam-se à noite para conversa sobre diferentes temas e
terminavam a reunião com um jantar. Nessa época, o processo de ensino-
aprendizagem profissional e o estabelecimento de firmas construtoras
estava deixando o âmbito restrito das corporações de ofício, e se estabele-
cia sob novas leis e organizações.

A antiga organização, em franca decadência, já tinha sido extinta na maio-


ria dos países europeus. Na Inglaterra, as lojas há muito tinham admitido a
participação de membros honorários, não diretamente ligados ao ofício de
construção ─ os “Maçons Aceitos”. Estes eram admitidos diretamente
como Companheiros, pois poderiam participar das reuniões em loja, mas
não exerceriam a atividade profissional do construtor. Estes eram maioria
nas poucas lojas remanescentes. Esqueciam-se até das tradicionais reuni-
ões anuais, e o número de membros diminuía a cada dia.
Na primeira metade do século XVIII as lojas não costumavam ter título
distintivo, eram nomeadas pelo seu local de reunião. Em Londres, várias
delas se reuniam em salas reservadas de tabernas, como as quatro menci-
onadas, que trabalhavam nas tabernas: “Macieira”; “O Ganso e a Grelha”;
“O Copo e as Uvas” e “Coroa”. Na taberna da Macieira reuniram-se as
lojas, para deliberar sobre a necessidade de preservação das antigas tradi-
ções operativas. Para tanto, decidiram criar um organismo coordenador
das lojas existentes, primeira Potência Maçônica do mundo ─ a Grande
Loja de Londres ─. Marcaram para ocasião futura a oficialização de sua
ideia. Em 24 de junho de 1717, dia de São João Batista, na taberna “Ao
Ganso e a Grelha”, no pátio da Catedral de São Paulo, reuniram-se as
quatro lojas, fundando a Grande Loja de Londres e westminster e esco-
lhendo para Grão Mestre o “Gentleman” Anthony Sayer. Decidiram tam
bém voltar à prática das reuniões trimestrais e anuais. Nos anos seguintes,
o cargo de Grão Mestre foi ocupado sucessivamente por George Payne,
Jean Theofile Desaguiliers e, novamente, George Payne, em 1720.
No dia 29 de setembro, no se-
gundo mandato de Payne, 16
lojas se reuniram na taberna
“Armas do Rei” e decidiram
coligir as “velhas constituições
góticas, agrupando-as em novo
formato. Essa tarefa foi comissi-
onada a James Anderson. An-
derson nasceu em Aberdeen,
Escócia, em 1648. Era “Doutor
em Divindade” (Teólogo) e pas-
tor da Igreja Presbiteriana de
Piccadilly. Ele reuniu os docu-
mentos existentes no acervo

das lojas e em 27 de dezembro do mesmo ano, na taberna “Armas do Rei”


apresentou seu trabalho às lojas, agora em número de 20. Sob a direção do
novo Grão Mestre, Duque de Montague, escolheram quatorze maçons
para formarem uma comissão com o encargo de examinar a obra apresen-
tada. No ano seguinte, em 25 de março, 24 lojas se reuniram na taberna
“Fonte da Praia” para ouvir a leitura do relatório e do texto das “Consti-
tuições”. Depois de sugeridas algumas correções, o documento foi apro-
vado e decidiu-se sua publicação. Em 24 de junho de 1723, na sessão na
qual foi eleito o novo Grão Mestre, Duque de Wharton, James Anderson
apresentou a primeira edição de sua obra, referência fundamental para
toda a maçonaria a partir daquela data.
Na época de Anderson, Maçonaria era apenas o que restara da corporação
de construtores, e os novos grupos que se reuniam em tabernas, sem exer-
cer a profissão. Estes grupos foram assumindo gradativamente novas fun-
ções e objetivos. Não estavam ainda presentes a maioria dos elementos
que hoje são automaticamente associados à ordem maçônica. Maçonaria
era entendida, primordialmente como a arte de construir, materialmente
falando: edifícios, arquitetura, escultura. Não tinha ainda sido criado o
grau de mestre. Em cada loja havia um Mestre (hoje seria chamado Vene-
rável Mestre), comandando companheiros e aprendizes. Mestre não era
grau, era função. Precisamos entender também o contexto religioso e cul-
tural da época e local. As religiões existentes na Europa eram todas varia-
ções do Cristianismo, e até cerca de um século antes tinham se enfrentado
no campo de batalha em defesa de seus ideais. A convivência fraterna de
diferentes formulações cristãs era ainda um sonho futuro, havendo, quan-
do muito, tolerância com reservas. Porém, todas elas concordavam em um
ponto: a bíblia era, indiscutivelmente a palavra de Deus e todas suas nar-
rativas descreviam ocorrências reais.
O documento publicado por Anderson vinha prefaciado pelo Dr.
Jean Theófile Desaguiliers, na época Deputado de Grão Mestre (Grão
Mestre Adjunto). Desaguiliers, de origem francesa, era ilustre intelectual,
colega de Isaac Newton na Real Academia de Ciências e capelão do Prín-
cipe de Gales. A obra era dividida em três partes, a primeira um relato
supostamente histórico da Maçonaria; a segunda, As Obrigações de um
Maçom Livre e a terceira, Regulamentos Gerais, terminando com letra e
música das canções dos vigilantes, companheiros e aprendizes.

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A primeira parte tem sido tradicionalmente mal lida e pior inter-
pretada, tirando-se dela conclusões que não estão nela corroboradas. Ve-
jamos o que diz o texto:

“Adão, nosso pai, criado à imagem de Deus, o Grande Arqui-


teto do Universo, deve ter tido as ciências liberais, particu-
larmente a Geometria, escritas em seu coração; pois mesmo
depois da queda encontramos seus princípios no coração de
seus descendentes, princípios esses que no curso dos tempos
foram reunidos em um método cômodo de proposições, pela
observação das leis de proporção tiradas da mecânica. De
modo que a medida que as artes mecânicas davam aos sábios
ocasião de reduzirem os elementos da geometria em um méto-
do, essa nobre ciência, assim reduzida, é o fundamento de to-
das essas artes (particularmente da maçonaria e da arquitetu-
ra) e a regra segundo a qual são conduzidas e praticadas.”
(Anderson, 1723, p.1e2)
Mais adiante, ele explica a razão de sua suposição: segundo a
Bíblia, Caim, filho de Adão, construiu uma cidade, logo, conhecia
maçonaria.
Autores já disseram que a Ordem maçônica e seus mistérios
foram criados por Deus no paraíso. Ora, nem mesmo Anderson faz
tal afirmação. Como vemos no texto citado acima, entendendo lite-
ralmente a Bíblia, ele supõe o conhecimento da arte de construir des-
de Adão. Em momento algum ele se refere a uma organização esoté-
rica, com conceitos espirituais, ou mesmo morais elevados; ele
descreve apenas uma fantasiosa interpretação da evolução da arte e
métodos de construção através dos tempos. Essa idéia é cristalina-
mente apresentada e desenvolvida em toda a primeira parte de seu
texto. Apresentaremos a seguir a transcrição de alguns dos inúmeros
trechos da obra que corroboram essa idéia:

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(...) Noé, o nono descendente de seth, recebeu de Deus a or-
dem e a missão de construir a arca, a qual, embora de madeira, foi
fabricada certamente segundo a geometria, e de acordo com as re-
gras da maçonaria.
Ele segue em sua história, falando da construção da torre de
Babel, da dispersão dos povos, que levaram o conhecimento dos mé-
todos de construção(Maçonaria) a outras regiões. Cita o Egito,
aprendendo a arte de Misraim.

“(...) eis que sabemos que o Nilo ao inundar suas margens,


provocou logo um desenvolvimento da geometria, o que con-
seqüentemente fez surgir a necessidade da maçonaria: assim
as antigas e ilustres cidades, com outros magníficos edifícios
deste país, e em particular as famosas pirâmides, demons-
tram o gosto precoce e o gênio desse antigo reino. (pág.5)
Observe-se que para Anderson, a maçonaria no antigo Egito
não era nenhuma ordem iniciática praticada por doutos sacerdotes,
mas sim a ancestral arte de construir, baseada na geometria. É certo
que os sacerdotes egípcios possuíam seus ritos iniciáticos, mas estes
eram parte de sua expressão religiosa, não tendo ligação com a ma-
çonaria.

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Cita também a linhagem surgida de outros filhos de Noé, Cam e Ja-
fet;
“E seguramente a bela e intrépida posteridade de Jafet (o fi-
lho mais velho de Noé) que imigrou para as ilhas dos gentios, deve-
ria ter sido igualmente hábil na geometria e em maçonaria.”(pag6)
E segue falando dos descendentes de Sem: Abraão e os patri-
arcas, descreve Moisés como mestre Maçom, e os israelitas, como
reino de maçons, pois :

o tabernáculo (...) apesar de não ser de pedra nem de tijolo,


era pautado pela geometria, e constituía uma magnífica peça de
arquitetura (...)(pag.8)

(...) E após terem tomado posse de Canaã, os israelitas não


se mostraram inferiores em maçonaria em relação aos antigos habi-
tantes, mas ainda aperfeiçoaram, por desígnio especial do céu, forti-
ficaram melhor e reformaram suas casa de residência e os palácios
de seus chefes(...) (pág. 9)
Cita também o templo dos filisteus:
(...)seu teto, o qual era artisticamente suportado por duas co-
lunas principais, e constitui uma maravilhosa descoberta de
sua habilidade na verdadeira maçonaria, como se deve reco-
nhecer.(pág 9)
e, em citação refere-se a os tírios:
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(...) que ampliou e embelezou a cidade de Tiro, como as anti-
gas histórias nos informam, o que demonstra que nessa época
os tírios eram expertos em maçonaria.(pág.11)

Falando do templo de Salomão, diz:


(...) devemos concluir que seu vulto ultrapassa nossa imagi-
nação; e que a justo título, foi considerado a mais bela peça de ma-
çonaria sobre a terra, antes ou depois, e a primeira maravilha do
mundo; foi dedicado, ou consagrado, de forma mais solene, pelo rei
Salomão. (pág.13)

Comenta a seguir o aperfeiçoamento da maçonaria em todos


os povos, resultante da dispersão dos artistas que trabalharam na edi-
ficação do templo de Salomão, após o término da obra. Em referência
ao templo de Diana, em Éfeso, diz:

(...) contudo, foi demolido e depois reconstruído várias vezes,


segundo os progressos da maçonaria.(pág.15)
Na seqüência, descreve o uso da maçonaria entre mesopotâ-
mios e gregos, citando Pitágoras:

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“(...) mas seu discípulo, o grande Pitágoras, é autor da 47a
proposição do primeiro livro de Euclides, a qual, devidamente ob-
servada, é a base de toda Maçonaria, sagrada, civil e militar.
(pág.21)
Pitágoras tinha sua escola com ensinos esotéricos, divididos
em três graus, mas não eram esses ensinamentos a base da maçonaria,
mas sim a famosa equação matemática.
Sobre Ptolomeu Filadelfo, rei do Egito, comenta:
(...)”tornou-se um excelente arquiteto e Mestre Maçom Ge-
ral, tendo construído, entre suas grandes construções, a famosa torre
de Faros, a quinta das sete maravilhas do mundo.”(pág.24)
Admite também que as nações africanas, em imitação ao Egi-
to, tinham também relíquias de valor em maçonaria. Em referência a
sábios gregos, comenta:
(...) se bem que não maçons operativos, eram contudo bons
pesquisadores, ou, pelo menos, cultivavam a geometria, que é a base
sólida da verdadeira Maçonaria, e sua regra.(pág.24)
Na página 25 Anderson esclarece o que entende como verda-
deira maçonaria, modelo para todas as eras: um estilo arquitetônico:
“E porque se acredita racionalmente que o glorioso Augus-
to tornou-se o Grão Mestre da loja de Roma, pois além de
patrocinar Vitrúvio, contribuiu bastante para o bem-estar
dos companheiros, como o atestam os numerosos monu-
mentos construídos em seu reinado, cujas ruínas se torna-
ram o modelo e o padrão da verdadeira maçonaria em to-
dos os tempos futuros, pois são verdadeiramente o epítome
da arquitetura asiática, egípcia grega e siciliana, que de-
signamos comumente sob o nome de Estilo de Augusto, e
não fazemos agora senão tentar imitar, sem que tenhamos
atingido sua perfeição. (pág.25)

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Nenhuma referência a Escolas de Mistérios, Ritos Esotéricos,
ou Tradição Primordial, conceitos tão queridos entre vários autores.
A segunda parte das “Constituições” trata das obrigações de
um Maçom Livre, como sendo “Extraídas dos arquivos das lojas de
Além – Mar, e daquelas na Inglaterra, Escócia e Irlanda, para uso
das lojas de Londres” É um texto bastante conhecido, encontrando-
se inserido, parcialmente, nos rituais de Aprendiz de muitas Potên-
cias maçônicas. O trecho objeto de maiores controvérsias, por ser
também mal lido, é o correspondente ao primeiro título “De Deus e
da Religião”. Um número extremamente grande de autores tem feito
leitura incompreensivelmente parcial desse texto.
Diz ele:
Um Maçom é obrigado, por sua condição, a obedecer à Lei moral;
e se compreende bem a Arte, não será jamais um ateu estúpido,
nem um libertino irreligioso. Mas se bem que nos tempos antigos
os maçons fossem obrigados em cada país a ser da religião, qual-
quer que fosse desse país ou dessa nação, contudo é considerado
mais conveniente de somente os sujeitar àquela religião sobre a

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qual todos os homens estão de acordo, deixando a cada uma suas
próprias opiniões;
Um grupo espantosamente grande de autores, religiosos, leigos e
mesmo maçons, parou a leitura do texto nesse ponto, argumentando a
partir daí que a maçonaria propõe um a nova religião “na qual todos
os homens estão de acordo”, e que essa religião seria deísta para
alguns, vinculada a antigos deuses para outros, etc, etc, etc. Mas o
texto não para nesse ponto, ele continua, esclarecendo de modo com-
pleto e insofismável o que Anderson pretendia dizer com “A religião
na qual todos os homens estão de acordo”:
“...isto é, serem homens de bem e leais, homens de honra e probida-
de, quaisquer que sejam as denominações que os possam distinguir;
pelo que a maçonaria se torna o centro de união, o meio de firmar uma
amizade sincera entre pessoas que teriam ficado perpetuamente dis-
tanciadas.”

Ou seja, qualquer denominação religiosa (Católica, Budista, Muçul-


mana, Evangélica, etc.) concorda em que os homens devam ser “ho-
mens de bem e leais, homens de honra e probidade”, sendo essa
formulação, a religião na qual todos os homens estão de acordo.
Os outros títulos dessa seção são: Do Magistrado Civil; Das
Lojas; Dos Mestre, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes; Da Ges-
tão do Ofício e Da Conduta. Destacaremos breves comentários desses
títulos.
Do título III, “Das Lojas”, vem a famosa qualificação do Ma-
çom:

“As pessoas admitidas como membros de uma Loja devem ser ho-
mens de bem e leais, nascidas livres, e de idade madura e circuns-
pecta, nem escravos nem mulheres, nem homens sem moralidade ou
de conduta escandalosa, mas de boa reputação.”
Interessante também é o comentário apresentado no título seguinte;
Dos Mestres, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes:
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“Toda promoção entre os maçons está fundada sempre no valor real
e no mérito pessoal; (...) Conseqüentemente, nenhum Mestre ou Vi-
gilante é escolhido pela Antigüidade, mas por seu mérito.”
Quando o texto fala de Mestre, refere-se ao que hoje chamamos de
Venerável Mestre, pois o grau de mestre ainda não tinha sido criado.
Essa compreensão soluciona o aparente problema de se verem Com-
panheiros escolhidos para serem Mestres, Vigilantes e Grandes Vigi-
lantes. No título “Da Gestão do Ofício” lemos:
“O mais experimentado dos companheiros será escolhido como Mes-
tre, ou Vigilante dos trabalhos do Senhor; deverá ser chamado Mes-
tre por aqueles que estão sob suas ordens.”
E mais adiante, (pág 53):
“Quando um companheiro for escolhido como Vigilante do trabalho,
sob a direção do Mestre, será leal ao mesmo tempo ao Mestre e aos
Companheiros, vigiará com zelo o trabalho durante a ausência do
Mestre em favor do Senhor, e seus irmãos o obedecerão.”
A terceira parte da obra apresenta os regulamentos gerais, estabele-
cendo as normas para reuniões trimestrais, mestres, aprendizes e
companheiros, condições para iniciação e eleição de oficiais, nas
lojas e na Grande Loja. Em seu texto vemos também a ausência de
mestres, como grau ─ dignitários e oficiais são companheiros:
“O Grão Mestre, ou a pessoa que presidir em seu lugar, orde-
nará a vigilantes particulares de funcionar como Grandes Vigi-
lantes pro tempore. Esses cargos deverão ser ocupados por
dois Companheiros da mesma loja.” (pág.63)

Com relação a eleição de Grão-Mestre, o método também é bastante


interessante: O Grão-Mestre podia indicar seu sucessor, que deveria
ser aprovado pela assembléia da Grande Loja:
“...Mas se essa nomeação não for aprovada por unanimidade, o no-
vo Grão-Mestre será imediatamente escolhido por escrutínio, cada
Mestre e Vigilante escrevendo o nome de seu candidato, e o último

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Grão-Mestre escrevendo também o nome do seu candidato; e o
candidato cujo nome for retirado em primeiro lugar pelo último
Grão-Mestre, fortuitamente ou por sorte, será o Grão-Mestre para o
ano seguinte;” (pag.69)
O documento termina com o registro das presenças dos (Veneráveis)
Mestres e vigilantes das Lojas. Em todo o texto de Anderson não se
encontra qualquer referência a Escolas de Mistérios, Ritos Esotéricos,
iniciáticos ou Tradição Primordial, conceitos tão queridos e acalenta-
dos por vários autores e maçons dedicados, mas que confundem suas
opções religiosas e filosóficas pessoais com a doutrina e tradição da
ordem maçônica. Devemos admitir, contudo, que esse equívoco não é
recente. Desde que foi revitalizada, a nova Maçonaria teve a partici-
pação de vários membros que viram em seus símbolos novas possibi-
lidades de associação, e procuraram fazer pontes entre novos graus e
ritos que surgiam e antigas filosofias, doutrinas e religiões.
Alguns diziam que os maçons não estavam sabendo interpretar seus
símbolos, e se desligavam da ordem maçônica tradicional, criando
outras organizações veiculando o que em sua particular opinião seria
“a interpretação correta” para ritos, doutrinas e símbolos. O problema
com esses autores, era a insistência em apresentar suas criações pes-
soais não só como maçonaria, mas como “A” Maçonaria! A maçona-
ria como ela devia ser!
Assim, em meados do século XVIII, o barão Von Hund se
disse inspirado por “Ilustres desconhecidos”, e incumbido de “restau-
rar” a maçonaria, criou o rito da Estrita Observância, ligando Maço-
naria a cavaleiros Templários e Escolas de Mistérios do passado. É
bom lembrar que durante boa parte do século XVIII, desenvolveu-se
na Europa grande número de sociedades culturais particulares que
concediam graus cavalheirescos, e se apresentavam como descenden-
tes de Cavaleiros Templários, filósofos gregos, sacerdotes egípcios e
persas. Alguns graus maçônicos foram desenvolvidos com inspiração

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tirada dessas sociedades, porém veiculando significados e mensagens
maçônicas.
Adam Weishaupt, professor de direito canônico em Ingols-
tad, na Baviera, foi iniciado maçom em 1774. Deixou a Loja desa-
pontado por não encontrar nela o que almejava, e fundou a “Ordem
dos Perfectibilistas”, nome mais tarde alterado para “Illuminati”.
Apresentava-se nos moldes maçônicos, e praticava cerimônias liga-
das a antigos ritos e escolas filosófico/religiosas. Tinha um programa
de reforma da sociedade, que passava pela deposição dos governantes
então no poder. Quando as autoridades tomaram ciência de seu pro-
grama, a ordem foi perseguida e desarticulada, tendo Weishaupt fu-
gido para outro país, onde ficou exilado até sua morte.
Na França, Giuseppe Balsano, conhecido como conde Cagliostro,
encantava a corte francesa na segunda metade do século com seus
dotes de adivinho e hipnotizador. Ele fundou também uma loja “ma-
çônica” criando o rito de “Maçonaria Egípcia”, quando nada se co-
nhecia da cultura e história egípcias (Champolion não tinha ainda
decifrado os hieróglifos). Semelhantemente, o ex-sacerdote benediti-
no Joseph Pernety, funda os “Iluminados de Avignon” apresentada
também como “Loja Maçônica”.
Assim, quando tomam contato com textos desse tipo, muitos
leitores atuais pensam, equivocadamente, estar encontrando a “ver-
dadeira e antiga maçonaria”, sem saber que eles são fruto da criativi-
dade de um indivíduo ou pequeno grupo, divergentes da verdadeira e
original tradição maçônica. Maçons místicos comentam que Ander-
son teria optado por ocultar raízes místicas da Maçonaria, queimando
rituais esotéricos e documentos antigos, por ser ele pastor presbiteri-
ano. Vamos examinar essa alegação. Existia o costume de se escrever
texto discursivo sobre Maçonaria, para ser lido aos iniciantes. Após a
cerimônia de iniciação os textos eram queimados para evitar que
caíssem em mãos profanas.

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Lembremos, porém, que o texto de Anderson foi o primeiro
com caráter oficial, mandado imprimir para assegurar sua preserva-
ção. Foi examinado por comissão de 14 irmãos. Depois foi lido na
íntegra na presença dos obreiros de 24 lojas e, sugeridas algumas
alterações foi aprovado e enviado para impressão.
Será razoável admitir que todos os maçons presentes naquela
reunião, membros de 24 lojas, participaram de um “complô” de ocul-
tação de verdades e documentos históricos?
Mas, usemos a imaginação, e vamos admitir possível o ab-
surdo “complô”. Em 1751 ocorreram uma série de controvérsias en-
tre maçons irlandeses que não se sentiam bem aceitos pela Grande
Loja de Londres e recusando-se então a aceitar sua autoridade funda-
ram a “Grande Loja dos Antigos”, chamando a si mesmos “Antigos”,
e aos maçons londrinos “Modernos”. A divergência entre as duas
Grandes Lojas só terminou em 1813, quando os grão-mestres das
duas organizações eram irmãos de sangue, príncipes da família real

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britânica, e após uma série de negociações, fundaram então a Grande
Loja Unida da Inglaterra.
Ora, no longo período de mais de meio século durante o qual
existiu antagonismo entre as duas Potências britânicas, os maçons
“Antigos” certamente teriam denunciado o suposto ocultamento de
documentos, se este tivesse existido, pois assim estariam provando a
falha maçônica de seus adversários e sua irregularidade.
Mas, já que estamos usando a imaginação, vamos admitir
uma possibilidade ainda mais desvairada: Os maçons da Grande Loja
dos Antigos eram adversários dos londrinos, mas concordaram em
ocultar, queimar, destruir todos os “antigos e místicos rituais iniciáti-
cos” da Inglaterra!
Mas, o que teria então acontecido com os rituais similares das
corporações francesas? E das alemães? E das italianas? (pois essa
linha de pensamento entende a maçonaria mística existindo desde
sempre nesses países) Todos alcançados, queimados, destruídos pela
fúria “fundamentalista cristã” dos maçons ingleses? Não creio que
exista alguém que possa admitir com seriedade tal fantasia. Os do-
cumentos antigos existentes na Inglaterra e em outros países da Eu-
ropa são apenas estatutos das corporações de construtores, determi-
nando normas, direitos e deveres dos trabalhadores. Não existe
qualquer doutrina ou conceito místico-esotérico nem qualquer refe-
rência a antigas escolas de mistério. As únicas referências de caráter
religioso são fórmulas introdutórias, invocando a benção do Deus
Pai, Filho e Espírito Santo, da “Santa Madre Igreja” ou de santos
padroeiros do panteão católico.
A época de Anderson foi um período de transição. As lojas
não eram mais reunião de trabalho de construtores, mas não eram
ainda o que temos hoje como maçonaria. O que parece ter sido o
“divisor de águas” para o desenvolvimento da Maçonaria na forma
atual, foi a criação do grau de Mestre em 1725. Nos anos subsequen-
tes, rituais foram escritos, novos ritos e graus criados em um proces-

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so de crescimento que formatou a maçonaria atual. Mas isso já é ou-
tra história, que será abordada em outros ensaios.

BIBLIOGRAFIA

ANDERSON, James. As Constituições dos Franco-Maçons de


1723.São Paulo, A Fraternidade, 1982.

BENIMELLI, J. A. F. Arquivos Secretos do Vaticano e a Maçonaria.


São Paulo, Madras, 2007.

D’ASSAC, Jacques P. O Segredo da Maçonaria. Aveiro, Actic,


1984.

HOWARD, Michael. A Conspiração Ocultista. Rio de Janeiro, Cam-


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LEPAGE, Marius. História e Doutrina da Franco-Maçonaria. São


Paulo, Pensamento, 1985.

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