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Edgar Morin é um antropólogo, sociólogo e filósofo francês judeu de ori-
gem sefardita. Seu verdadeiro nome é Edgar Nahoum (Paris, 8 de julho de 1921),
A citação é de seu livro: “Para Sair do Século XX. Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1986.
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A antiga organização, em franca decadência, já tinha sido extinta na maio-
ria dos países europeus. Na Inglaterra, as lojas há muito tinham admitido a
participação de membros honorários, não diretamente ligados ao ofício de
construção ─ os “Maçons Aceitos”. Estes eram admitidos diretamente
como Companheiros, pois poderiam participar das reuniões em loja, mas
não exerceriam a atividade profissional do construtor. Estes eram maioria
nas poucas lojas remanescentes. Esqueciam-se até das tradicionais reuni-
ões anuais, e o número de membros diminuía a cada dia.
Na primeira metade do século XVIII as lojas não costumavam ter
título distintivo, eram nomeadas pelo seu local de reunião. Em Londres,
várias delas se reuniam em salas reservadas de tabernas, como as quatro
mencionadas, que trabalhavam nas tabernas: “Macieira”; “O Ganso e a
Grelha”; “O Copo e as Uvas” e “Coroa”. Na taberna da Macieira reuni-
ram-se as lojas, para deliberar sobre a necessidade de preservação das
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bém voltar à prática das reuniões trimestrais e anuais. Nos anos seguintes,
o cargo de Grão Mestre foi ocupado sucessivamente por George Payne,
Jean Theofile Desaguiliers e, novamente, George Payne, em 1720.
No dia 29 de setembro, no segundo mandato de Payne, 16 lojas se reuni-
ram na taberna “Armas do Rei” e decidiram coligir as “velhas constitui-
ções góticas, agrupando-as em novo formato. Essa tarefa foi comissionada
a James Anderson. Anderson nasceu em Aberdeen, Escócia, em 1648.
Era “Doutor em Divindade” (Teólogo) e pastor da Igreja Presbiteriana de
Piccadilly. Ele reuniu os documentos existentes no acervo das lojas
e em 27 de dezembro do mesmo ano, na taberna “Armas do Rei” apresen-
tou seu trabalho às lojas, agora em número de 20. Sob a direção do novo
Grão Mestre, Duque de Montague, escolheram quatorze maçons para
formarem uma comissão com o encargo de examinar a obra apresentada.
No ano seguinte, em 25 de março, 24 lojas se reuniram na taberna “Fonte
da Praia” para ouvir a leitura do relatório e do texto das “Constituições”.
Depois de sugeridas algumas correções, o documento foi aprovado e de-
cidiu-se sua publicação.
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Em 24 de junho de 1723, na sessão na qual foi eleito o novo Grão Mestre,
Duque de Wharton, James Anderson apresentou a primeira edição de sua
obra, referência fundamental para toda a maçonaria a partir daquela data.
Na época de Anderson, Maçonaria era apenas o que restara da desintegra-
ção da corporação de construtores, agora revigorada, em reconstrução,
assumindo gradativamente novas funções e objetivos. Não estavam ainda
presentes a maioria dos elementos que hoje são automaticamente associa-
dos à ordem maçônica. Maçonaria era entendida, primordialmente como
a arte de construir, materialmente falando: edifícios, arquitetura, escultura.
Não tinha ainda sido criado o grau de mestre. Em cada loja havia um Mes-
tre (hoje seria chamado Venerável Mestre), comandando companheiros e
aprendizes. Mestre não era grau, era função. Precisamos entender também
o contexto religioso e cultural da época e local. As religiões existentes na
Europa eram todas variações do Cristianismo, e até cerca de um século
antes tinham se enfrentado no campo de batalha em defesa de seus ideais.
A convivência fraterna de diferentes formulações cristãs era ainda um
sonho futuro, havendo, quando muito, tolerância com reservas. Porém,
todas elas concordavam em um ponto: a bíblia era, indiscutivelmente a
palavra de Deus e todas suas narrativas descreviam ocorrências reais.
O documento publicado por Anderson vinha prefaciado pelo Dr.
Jean Theófile Desaguiliers, na época Deputado de Grão Mestre (Grão
Mestre Adjunto). Desaguiliers, de origem francesa, era ilustre intelectual,
colega de Isaac Newton na Real Academia de Ciências e capelão do Prín-
cipe de Gales. Era dividida em três partes, a primeira um relato suposta-
mente histórico da Maçonaria; a segunda, As Obrigações de um Maçom
Livre e a terceira, Regulamentos Gerais, terminando com letra e música
das canções dos vigilantes, companheiros e aprendizes.
A primeira parte tem sido tradicionalmente mal lida e pior inter-
pretada, tirando-se dela conclusões que não estão nela corroboradas. Ve-
jamos o que diz o texto:
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“Adão, nosso pai, criado à imagem de Deus, o Grande Arquiteto
do Universo, deve ter tido as ciências liberais, particularmente a
Geometria, escritas em seu coração; pois mesmo depois da queda
encontramos seus princípios no coração de seus descendentes,
princípios esses que no curso dos tempos foram reunidos em um
método cômodo de proposições, pela observação das leis de pro-
porção tiradas da mecânica. De modo que a medida que as artes
mecânicas davam aos sábios ocasião de reduzirem os elementos da
geometria em um método, essa nobre ciência, assim reduzida, é o
fundamento de todas essas artes (particularmente da maçonaria e
da arquitetura) e a regra segundo a qual são conduzidas e pratica-
das.” (Anderson, 1723, p.1e2)
Mais adiante, ele explica a razão de sua suposição: segundo a Bí-
blia, Caim, filho de Adão, construiu uma cidade, logo, conhecia maçona-
ria.
Autores já disseram que a Ordem maçônica e seus mistérios fo-
ram criados por Deus no paraíso. Ora, nem mesmo Anderson faz tal afir-
mação. Como vemos no texto citado acima, entendendo literalmente a
Bíblia, ele supõe o conhecimento da arte de construir desde Adão. Em
momento algum ele se refere a uma organização esotérica, com conceitos
espirituais, ou mesmo morais elevados; ele descreve apenas uma fantasio-
sa interpretação da evolução da arte e métodos de construção através dos
tempos. Essa idéia é cristalinamente apresentada e desenvolvida em toda a
primeira parte de seu texto. Apresentaremos a seguir a transcrição de al-
guns dos inúmeros trechos da obra que corroboram essa idéia:
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construção(Maçonaria) a outras regiões. Cita o Egito, aprendendo a arte
de Misraim.
“(...) eis que sabemos que o Nilo ao inundar suas margens, pro-
vocou logo um desenvolvimento da geometria, o que conseqüen-
temente fez surgir a necessidade da maçonaria: assim as antigas
e ilustres cidades,com outros magníficos edifícios deste país, e em
particular as famosas pirâmides, demonstram o gosto precoce e o
gênio desse antigo reino. (pág.5)
Observe-se que para Anderson, a maçonaria no antigo Egito não
era nenhuma ordem iniciática praticada por doutos sacerdotes, mas sim a
ancestral arte de construir, baseada na geometria. É certo que os sacerdo-
tes egípcios possuíam seus ritos iniciáticos, mas estes eram parte de sua
expressão religiosa, não tendo ligação com a maçonaria.
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o tabernáculo (...) apesar de não ser de pedra nem de tijolo, era
pautado pela geometria, e constituía uma magnífica peça de arquitetura
(...)(pag.8)
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Admite também que as nações africanas, em imitação ao Egito,
tinham também relíquias de valor em maçonaria. Em referência a sábios
gregos, comenta:
(...) se bem que não maçons operativos, eram contudo bons pes-
quisadores, ou, pelo menos, cultivavam a geometria, que é a base sólida
da verdadeira Maçonaria, e sua regra.(pág.24)
Na página 25 Anderson esclarece o que entende como verdadeira
maçonaria, modelo para todas as eras: um estilo arquitetônico:
“E porque se acredita racionalmente que o glorioso Augusto
tornou-se o Grão Mestre da loja de Roma, pois além de patro-
cinar Vitrúvio, contribuiu bastante para o bem-estar dos com-
panheiros, como o atestam os numerosos monumentos construí-
dos em seu reinado, cujas ruínas se tornaram o modelo e o
padrão da verdadeira maçonaria em todos os tempos futuros,
pois são verdadeiramente o epítome da arquitetura asiática,
egípcia grega e siciliana, que designamos comumente sob o
nome de Estilo de Augusto, e não fazemos agora senão tentar
imitar, sem que tenhamos atingido sua perfeição. (pág.25)
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Nenhuma referência a Escolas de Mistérios, Ritos Esotéricos, ou
Tradição Primordial, conceitos tão queridos entre vários autores.
A segunda parte das “Constituições” trata das obrigações de um
Maçom Livre, como sendo “Extraídas dos arquivos das lojas de Além –
Mar, e daquelas na Inglaterra, Escócia e Irlanda, para uso das lojas de
Londres” É um texto bastante conhecido, encontrando-se inserido, parci-
almente, nos rituais de Aprendiz de muitas Potências maçônicas. O trecho
objeto de maiores controvérsias, por ser também mal lido, é o correspon-
dente ao primeiro título “De Deus e da Religião”. Um número extrema-
mente grande de autores tem feito leitura incompreensivelmente parcial
desse texto.
Diz ele:
Um Maçom é obrigado, por sua condição, a obedecer à Lei moral; e se
compreende bem a Arte, não será jamais um ateu estúpido, nem um li-
bertino irreligioso. Mas se bem que nos tempos antigos os maçons fos-
sem obrigados em cada país a ser da religião, qualquer que fosse desse
país ou dessa nação, contudo é considerado mais conveniente de so-
mente os sujeitar àquela religião sobre a qual todos os homens estão de
acordo, deixando a cada uma suas próprias opiniões;
Um grupo espantosamente grande de autores, religiosos, leigos e mesmo
maçons, parou a leitura do texto nesse ponto, argumentando a partir daí
que a maçonaria propõe um a nova religião “na qual todos os homens
estão de acordo”, e que essa religião seria deísta para alguns, vinculada a
antigos deuses para outros, etc, etc, etc. Mas o texto não para nesse ponto,
ele continua, esclarecendo de modo completo e insofismável o que An-
derson pretendia dizer com “A religião na qual todos os homens estão de
acordo”:
“...isto é, serem homens de bem e leais, homens de honra e probidade,
quaisquer que sejam as denominações que os possam distinguir; pelo que a
maçonaria se torna o centro de união, o meio de firmar uma amizade since-
ra entre pessoas que teriam ficado perpetuamente distanciadas.”
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Ou seja, qualquer denominação religiosa (Católica, Budista, Muçulmana,
Evangélica, etc.) concorda em que os homens devam ser “homens de bem
e leais, homens de honra e probidade”, sendo essa formulação, a religião
na qual todos os homens estão de acordo.
Os outros títulos dessa seção são: Do Magistrado Civil; Das Lo-
jas; Dos Mestre, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes; Da Gestão do
Ofício e Da Conduta. Destacaremos breves comentários desses títulos.
Do título III, “Das Lojas”, vem a famosa qualificação do Maçom:
“As pessoas admitidas como membros de uma Loja devem ser homens de
bem e leais, nascidas livres, e de idade madura e circunspecta, nem escra-
vos nem mulheres, nem homens sem moralidade ou de conduta escanda-
losa, mas de boa reputação.”
Interessante também é o comentário apresentado no título seguinte; Dos
Mestres, Vigilantes, Companheiros e Aprendizes:
“Toda promoção entre os maçons está fundada sempre no valor real e no
mérito pessoal; (...) Conseqüentemente, nenhum Mestre ou Vigilante é
escolhido pela Antigüidade, mas por seu mérito.”
Quando o texto fala de Mestre, refere-se ao que hoje chamamos de Vene-
rável Mestre, pois o grau de mestre ainda não tinha sido criado. Essa
compreensão soluciona o aparente problema de se verem Companheiros
escolhidos para serem Mestres, Vigilantes e Grandes Vigilantes. No título
“Da Gestão do Ofício” lemos:
“O mais experimentado dos companheiros será escolhido como Mestre,
ou Vigilante dos trabalhos do Senhor; deverá ser chamado Mestre por
aqueles que estão sob suas ordens.”
E mais adiante, (pág 53):
“Quando um companheiro for escolhido como Vigilante do trabalho, sob
a direção do Mestre, será leal ao mesmo tempo ao Mestre e aos Compa-
nheiros, vigiará com zelo o trabalho durante a ausência do Mestre em fa-
vor do Senhor, e seus irmãos o obedecerão.”
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A terceira parte da obra apresenta os regulamentos gerais, estabelecendo
as normas para reuniões trimestrais, mestres, aprendizes e companheiros,
condições para iniciação e eleição de oficiais, nas lojas e na Grande Loja.
Em seu texto vemos também a ausência de mestres, como grau ─ dignitá-
rios e oficiais são companheiros:
“O Grão Mestre, ou a pessoa que presidir em seu lugar, ordenará a
vigilantes particulares de funcionar como Grandes Vigilantes pro
tempore. Esses cargos deverão ser ocupados por dois Companhei-
ros da mesma loja.” (pág.63)
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Assim, quando tomam contato com textos desse tipo, muitos lei-
tores atuais pensam, equivocadamente, estar encontrando a “verdadeira e
antiga maçonaria”, sem saber que eles são fruto da criatividade de um
indivíduo ou pequeno grupo, divergentes da verdadeira e original tradição
maçônica.
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Será razoável admitir que todos os maçons presentes naquela reu-
nião, membros de 24 lojas, participaram de um “complô” de ocultação de
verdades e documentos históricos?
Mas, usemos a imaginação, e vamos admitir possível o absurdo
“complô”. Em 1751 ocorreram uma série de controvérsias entre maçons
irlandeses que não se sentiam bem aceitos pela Grande Loja de Londres e
recusando-se então a aceitar sua autoridade fundaram a “Grande Loja dos
Antigos”, chamando a si mesmos “Antigos”, e aos maçons londrinos
“Modernos”. A divergência entre as duas Grandes Lojas só terminou em
1813, quando os grão-mestres das duas organizações eram irmãos de san-
gue, príncipes da família real britânica, e após uma série de negociações,
fundaram então a Grande Loja Unida da Inglaterra.
Ora, no longo período de mais de meio século durante o qual exis-
tiu antagonismo entre as duas Potências britânicas, os maçons “Antigos”
certamente teriam denunciado o suposto ocultamento de documentos, se
este tivesse existido, pois assim estariam provando a falha maçônica de
seus adversários e sua irregularidade.
Mas, já que estamos usando a imaginação, vamos admitir uma
possibilidade ainda mais desvairada: Os maçons da Grande Loja dos An-
tigos eram adversários dos londrinos, mas concordaram em ocultar, quei-
mar, destruir todos os “antigos e místicos rituais iniciáticos” da Inglaterra!
Mas, o que teria então acontecido com os rituais similares das
corporações francesas? E das alemães? E das italianas? (pois essa linha de
pensamento entende a maçonaria mística existindo desde sempre nesses
países) Todos alcançados, queimados, destruídos pela fúria “fundamenta-
lista cristã” dos maçons ingleses? Não creio que exista alguém que possa
admitir com seriedade tal fantasia. Os documentos antigos existentes na
Inglaterra e em outros países da Europa são apenas estatutos das corpora-
ções de construtores, determinando normas, direitos e deveres dos traba-
lhadores. Não existe qualquer doutrina ou conceito místico-esotérico nem
qualquer referência a antigas escolas de mistério. As únicas referências de
caráter religioso são fórmulas introdutórias, invocando a benção do Deus
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Pai, Filho e Espírito Santo, da “Santa Madre Igreja” ou de santos padroei-
ros do panteão católico.
A época de Anderson foi um período de transição. As lojas não
eram mais reunião de trabalho de construtores, mas não eram ainda o que
temos hoje como maçonaria. O que parece ter sido o “divisor de águas”
para o desenvolvimento da Maçonaria na forma atual, foi a criação do
grau de Mestre em 1725. Nos anos subsequentes, rituais foram escritos,
novos ritos e graus criados em um processo de crescimento que formatou
a maçonaria atual. Mas isso já é outra história, que será abordada em ou-
tros ensaios.
BIBLIOGRAFIA
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