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5 - " porque e como a maçonaria passou de operativa a


especulativa" - Ir Ademar Valsechi

Porque e como a maçonaria


passou de operativa a especulativa
Ir.: Ademar Valsechi 33º. A.:R.:L.:S.: Templários da Nova Era, 91-
Grande Mestre de Harmonia da MRGLSC
Presidente da Academia Catarinense Maçônica de Letras

1. Introdução - Maçonaria Operativa - Comentários resumidos:


Os  romanos  tinham  uma  legião  de  construtores,  o  “Collegium  fabrorum”  que  após  
os exércitos destruírem uma determinada vila ou cidade, eram responsáveis por
reconstruir os principais edifícios de forma mais perfeita do que eram anteriormente.
Com a capitulação de Roma em 464, muitos destes grupos especializados em
construções ficaram abandonados longe de Roma, em locais que hoje formam vários
países no continente europeu e na Grã Bretanha. Para não serem presos e mortos pelos
exércitos bárbaros, se refugiaram em locais longínquos e de difícil acesso, como os
pântanos da Caledônia (nome dado pelos romanos à região que hoje forma a Escócia) e
regiões montanhosas dos Alpes. O grupo mais famoso se refugiou na ilha de Cuomo, no
norte da Itália, que após a redução das invasões bárbaras, seus descendentes voltaram
para o continente europeu, se destacando como excelentes construtores. Eram
chamados  “mestres  comacinos”.  
Esses construtores aperfeiçoaram e continuaram as técnicas de construção e
foram transmitindo os segredos para os mais achegados, principalmente para seus filhos
e afilhados. Formaram grupos fechados, chamados corporações ou guildas, onde
ensinavam as técnicas de construção aos aprendizes e estes juravam guardar segredo
dos ensinamentos, mesmo sob tortura. Apesar do surgimento de feudos e nações,
conseguiram manterem-se livres. Caso algum construtor fosse escravizado, a técnica de
construção   morria   com   ele.   Adotaram   a   palavra   francesa   “maçom”   que   significa  
“pedreiro”,   “construtor”   e   para   a   corporação   o   nome   “maçonaria”,   que   significa   “firma  
construtora”.   Autodenominavam-se   “pedreiros livres”, ou   em   francês   “franco-maçons”   e  
na Grã-Bretanha “free-masons” (5.1).
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Fig. 1: Assinatura de um Mestre Maçom


operativo na pedra.

Em cada construção, o mestre maçom


deixava gravado o seu sinal em pedra,
equivalente a sua assinatura (fig.1).
Após aquela úmida sexta-feira, 13 de
outubro, de 1307, quando foi dissolvida a
“Ordem  dos  Cavaleiros  Templários”,  muitos  
templários se refugiaram onde eram bem
recebidos, fugindo da morte certa em outros
lugares. Na verdade a fuga com suas
riquezas ocorreu na véspera, quinta-feira,
dia 12 de outubro(5.2). Portugal e Escócia foram os destinos preferidos. Os mais
sacerdotais se dedicaram à vida monástica, mas havia entre eles muitos construtores.
Estes se   incorporaram   aos   “pedreiros-livres”, influenciando a administração da
organização, que se tornou mais esotérica, sofisticando o ritual de iniciação de um
aprendiz, a evolução para mestre, e as técnicas de construção se tornaram mais
refinadas, pois trouxeram conhecimentos das construções árabes. Os mestres
operativos templários e seus descendentes também deixaram suas assinaturas nas
pedras de catedrais e palácios (fig. 2).

Fig. 2: Assinatura de um Mestre Maçom Templário operativo na pedra.

Os maçons operativos continuaram livres e cada vez mais organizados em suas


corporações. Havia dois graus: Mestre e Aprendiz. A indicação para ser um novo
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aprendiz maçom era sigilosa. Geralmente de pai para filho, ou afilhados ou de algum
jovem da comunidade considerado merecedor por seu talento e confiança, que se
tornava afilhado de determinado mestre. Em muitos casos o pai pagava ao mestre para
ensinar a profissão ao seu filho. Esse jovem era iniciado formalmente em cerimônia
especial, jurando pela própria vida guardar segredo por tudo que viesse aprender.
Evoluía lentamente nas diversas artes da construção, até ser julgado apto a subir para o
grau de mestre maçom, o que acontecia também em cerimônia especial. Os mestres
maçons eram bem pagos, deixando os outros artesãos enciumados. Com isso se
tornaram cada vez mais fechados e as corporações mais isoladas.

2.  Os  primeiros  “aceitos”.


Antes de 1200 surgiram as primeiras cinco Universidades na Europa patrocinadas
pela Igreja Católica: Paris (França), Oxford (Inglaterra), Saler (Itália), Montpellier
(França) e Bolonha (Itália), cuja finalidade era o ensino religioso. A Teologia era
ensinada   com   base   nas   artes   preparatórias,   o   “Trivium”,   isto   é:   Gramática, Retórica e
Lógica.   Em   seguida   foi   adicionado   o   “Quadrivium”,   que   são:   Aritmética,   Geometria,  
Música e Astronomia. Mas em pouco tempo, além de Teologia, já estavam dando cursos
de Medicina, Direito, Arquitetura e outros. Entre 1200 e 1300 foram fundadas mais 17
universidades, inclusive Cambridge e Coimbra. Em 1500 já eram mais de 70. Com a
criação das universidades, foram aparecendo mudança das legislações, pois surgiram
novas profissões  universitárias  que  competiam  com  os  “práticos”.  A  maçonaria  operativa,
para sobreviver, se via impelida a se adaptar às mudanças daqueles tempos modernos.
Muitos filhos de mestres maçons foram estudar e se tornaram universitários. Entre
eles, vários arquitetos e advogados, que a partir de 1440 foram as primeiras profissões a
serem absorvidas pelas guildas, isto é, se tornaram  os  primeiros  “aceitos”. A arquitetura
estava aos poucos se firmando, tornando obrigatório o aval de um arquiteto nos projetos
de uma construção. Além disso, esses jovens vinham da universidade com novas e
arrojadas idéias de construção. O advogado se tornou necessário para interpretar as
novas e complicadas leis no sentido de manter a corporação organizada o mais
semelhante  possível,  como  era  com  os  “antigos”  mestres.  Em  muitas  guildas  isto  gerou
conflitos,   pois   os   mestres   operativos   não   aceitavam   esta   ingerência   dos   “novos”   e   de  
forma   nenhuma   repassavam   qualquer   informação   técnica   a   esses   “aceitos”.   Tal   como  
desde   o   tempo   de   Salomão,   os   “antigos”   sabiam   tudo   sobre   pedras:   Desde   achar   a  
melhor pedreira, escolher o melhor veio, o corte dos blocos, o transporte, o recorte em
blocos menores, o polimento das asperezas, a forma de construir um arco, seja numa
ponte ou numa catedral, a localização e espessura das colunas de sustentação, a
decoração, etc.

3. A Maçonaria Especulativa:
Mas  estes  “aceitos”  foram  se  tornando  cada  vez  mais  necessários  e  importantes  e  
pelo menos na Escócia, em 1582, foi criado o 3º grau, para os que não trabalhavam com
a   pedra,   oficializando   o   termo   “aceito”.   Como   estes   também   eram   “livres”,   se  
denominaram  “Maçons  Livres  Antigos  e  Aceitos”:  M.:L.:A.:A.: (5.3) `
Os   “antigos”   continuaram   se   encontrando   secretamente,   instruindo   os   novos  
aprendizes nos   segredos   da   construção,   mas   já   com   influências   dos   “aceitos”,   pois os
planos teóricos de construções de catedrais e palácios estavam sendo realizados cada
vez   mais   pelos   arquitetos.   Os   “aceitos”   começaram   a   se   encontrar   em   tabernas,   mas  
desde o início em cantos reservados, com reuniões mais intelectualizadas. Com os laços
de sangue numerosos entre os “antigos” e os “aceitos”, muitos mestres freqüentavam
essas reuniões nas tabernas que foram se avolumando. Antes, durante ou após as
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reuniões, serviam-se os ágapes fraternais. Outros amigos universitários de outras


atividades foram convidados. Entre eles, filósofos, professores, membros da nobreza,
militares, médicos e outras profissões. Esses encontros foram mesclando simbolismos
da arte de construção com esoterismos vindos das antigas Sociedades Secretas do
Egito, Pérsia, Hebreus, Gregos, Romanos, além de práticas cavaleirescas, etc. Com isso
houve terreno fértil para se criar os ritos e mais tarde sair das tabernas para templos
específicos (5.4).

4. Conclusão - A Moderna Maçonaria:


Com a queda da importância dos construtores, a profissão de pedreiro, foi
evoluindo para uma profissão normal, como qualquer outra. As corporações (ou guildas)
evoluíram por influência dos aceitos, em Lojas Maçônicas, cujas reuniões ocorriam
inicialmente em tabernas. Mesclaram-se simbolismos dos maçons operativos,
principalmente a iniciação de um aprendiz e seu posterior aprendizado, com
simbolismos de iniciações e rituais das
antigas Sociedades Secretas. Essas
Lojas eram independentes entre si, até
que em Londres, em 24 de junho de
1717, quatro Lojas que se reuniam nas
tabernas:   “O   Ganso   e   a   Grelha”,  
“Coroa”,   “da   Macieira”   e   “Caneca   de  
Vinho”,   decidiram   se   associar   e  
formaram a primeira “Grande Loja”,  ou  a  
primeira   “Jurisdição”   ou   a   primeira  
“Obediência”,   inaugurando   o   “Sistema  
Obediencial”   com   uma   “Autoridade  
Central”.   A   Grande   Loja   de   Londres  
inaugurou o seu Templo em 26 de maio
de 1776 (fig. 3) e as reuniões se
tornaram totalmente privadas,
disseminando o hábito de Sessões
Maçônicas em Templos específicos
para este fim, por todo mundo maçônico
(5.5).

Fig.  3:  Freemason’s  Hall  - UGLE (Grande


Loja Unida da Inglaterra)

5. Bibliografia:
5.1 - Maçonaria: Raízes Históricas e Filosóficas: Ir.: Eleutério N. da Conceição - Editora Madras -1998.
5.2 - Maçonaria e Templários: Realidade e Fantasias: Ir,: Aquiles Garcia – Editora Lexia – 2011.
5.3 - Entrevista pessoal com o ex-secretário da Grande Loja da Escócia, Brother.: Harry Wilson (dia
25.11.2011)  no  Free  Mason’s  Hall  - Edimburgo.
5.4 - Site da Grande loja da Escócia: www.grandlodgescotland.com
5.5 - site da Grande Loja Unida da Inglaterra: www.ugle.org.uk
arquitextos 123.04: A divisão social do trabalho e as transformações da arte e da técnica na produção arquitetônica | vitruvius 26/06/13 20:27

arquitextos 123.04: A divisão social do trabalho e as


transformações da arte e da técnica na produção arquitetônica
| vitruvius
1. A divisão do trabalho na sociedade e no interior do processo de produção

Karl Marx (1983), ao analisar a evolução social do modo capitalista de produção,


demonstra diversas formas e significados que o termo divisão do trabalho assume
nas sociedades primitivas e nas capitalistas. Conforme aponta o autor, a divisão do
trabalho na primeira difere em grau e substância da divisão do trabalho nesta última.
No primeiro caso, a divisão do trabalho surge de forma espontânea no interior das
comunidades primitivas:

“A lei que regula a divisão do trabalho na comunidade opera com a força irresistível
de uma lei natural. Cada artesão particular, o ferreiro, o oleiro etc. realiza todas as
operações pertinentes a seu ofício, de maneira tradicional, mas independente e sem
reconhecer autoridade acima dele em sua oficina” (1).

Portanto, a divisão do trabalho nas sociedades primitivas era, em geral, fundada na


diferenciação dos ofícios e não na divisão do trabalho dentro da oficina.

Marx cita as corporações de ofício da Idade Média para esclarecer como “a estrutura
dos elementos econômicos fundamentais” (2) da organização corporativa impediam
“a transformação de um mestre artesão em capitalista” (3). A limitação do número de
aprendizes que o mestre artesão tinha que empregar, a venda de mercadorias e não
do trabalho como mercadoria e, principalmente, a união indissolúvel entre o
trabalhador e os seus meios de produção contribuíram para a defesa da corporação
contra o capital mercantil.

Por sua vez, a divisão do trabalho na manufatura é contemporânea ao Capitalismo.


Braverman define divisão do trabalho como “o parcelamento dos processos
implicados na feitura do produto em numerosas operações executadas por diferentes
trabalhadores” (4).

O autor entende que “a divisão do trabalho na produção começa com a análise do


processo de trabalho”, ou seja, a divisão do processo de trabalho em seus elementos
constituintes. Entretanto, esta primeira forma de parcelamento de trabalho foi e será

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prática comum “em todos os ramos e ofícios”. Ele esclarece que o mesmo trabalhador
adota vários expedientes e recursos para o parcelamento de operações que permitam
produzir maiores quantidades de mercadorias “com menos trabalho e maior
economia de tempo” (5).

Um segundo passo nesta divisão do trabalho ocorre quando é atribuído a


trabalhadores distintos, as diferentes operações. Braverman (1981) cita o conhecido
exemplo dado por Adam Smith em seu livro A Riqueza das Nações – a organização
parcelada do trabalho na fabricação de alfinetes.

“Um homem estica o arame, outro o retifica e um terceiro o corta; um quarto faz a
ponta e um quinto prepara o topo para receber a cabeça; a cabeça exige duas ou três
operações distintas: colocá-la é uma função peculiar, branquear os alfinetes é outra e
até alinhá-los num papel é coisa separada; e o importante na fabricação de um
alfinete é deste modo dividido em cerca de dezoito operações que, em algumas
fábricas, são executadas por mãos diferentes, embora em outras o mesmo homem às
vezes execute duas ou três delas” (6).

A divisão parcelada do trabalho representa várias vantagens para o capitalista:


economia de tempo e aumento de produtividade, bem como aumento do controle
gerencial. Entretanto, Braverman aponta outra vantagem que segundo ele merece um
destaque maior: a desvalorização da força de trabalho. De acordo com o autor,
Charles Babbage foi quem primeiro formulou claramente este princípio. Braverman
revela o seu aspecto social:

“O princípio de Babbage é fundamental para a evolução da divisão do trabalho na


sociedade capitalista. Ele exprime não um aspecto técnico da divisão do trabalho, mas
seu aspecto social. Tanto quanto o trabalho pode ser dissociado, pode ser separado
qual mais simples que o todo. Traduzido em termos de mercado, isto significa que a
força de trabalho capaz de executar o processo pode ser comprada mais barato como
elementos dissociados do que como capacidade integrada num só trabalhador” (7).

Segundo Braverman, a divisão do trabalho capitalista, ao fracionar a força de trabalho


em “seus elementos mais simples” (pág. 80), desassocia-se “do conhecimento e
preparo especial”. Outro aspecto subjacente na divisão horizontal do trabalho
capitalista fica reforçado: a divisão vertical do trabalho (separação entre trabalho
intelectual e manual):

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“Toda a fase do processo de trabalho é divorciada, tão longe quanto possível, do


conhecimento e preparo especial, e reduzida a simples trabalho. Nesse ínterim, as
relativamente poucas pessoas para quem se reservam instrução e conhecimento são
isentas tanto quanto possível da obrigação de simples trabalho” (8).

Feita esta distinção entre a divisão do trabalho nas sociedades primitivas e no interior
do processo de produção capitalista, é necessário voltar à Marx para ressaltar que
estas duas formas da divisão do trabalho – vertical e horizontal – se aperfeiçoaram
nas sociedades capitalistas, tornando um pressuposto para o desenvolvimento da
outra:

“Sendo a produção e a circulação de mercadorias condições fundamentais do modo


de produção capitalista, a divisão manufatureira do trabalho, pressupõe que a
divisão do trabalho na sociedade tenha atingido certo grau de desenvolvimento.
Reciprocamente, a divisão manufatureira do trabalho, reagindo, desenvolve e
multiplica a divisão social do trabalho” (9).

Pretende-se, neste trabalho, evidenciar as duas formas de inserção da divisão do


trabalho na produção arquitetônica situadas em dois momentos distintos; o que a
grosso modo corresponde ao que Marx denomina sociedades econômicas pré-
capitalistas e capitalistas. Não há aqui nenhuma pretensão de traçar em detalhes a
evolução da divisão do trabalho ao longo das diversas formações históricas, mas sim
analisar a produção arquitetônica anterior ao modo capitalista de produção e no
interior da sociedade capitalista.

2. A produção arquitetônica anterior ao modo capitalista de produção

Christopher Alexander (1969), em seu livro Ensayo sobre la Syntese da Forma recorre ao
modo de produção de edificações de culturas primitivas para exemplificar o que ele
define de coerência entre forma e contexto. Na busca pelas origens do “bom ajuste”
entre estas duas entidades, Alexander revela as peculiaridades do modo pelo qual as
culturas primitivas produzem arquitetura, sem arquiteto. Com relação à divisão do
trabalho, várias particularidades ficam evidentes, entre elas, a não divisão do
trabalho no interior da produção e, principalmente, o fato do membro da
comunidade ser, ao mesmo tempo, o idealizador da forma, o construtor, o usuário e o
mantenedor da construção.

Alexander (1969) realiza um exame detalhado da coerência formal das rústicas

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cabanas erguidas pelos índios africanos Mousgoum. O autor revela como os


construtores destas cabanas modelam suas formas de acordo com as exigências do
contexto no qual a comunidade indígena vive:

“Seja ou não por coincidência, o fato é que a forma hemisférica da choça proporciona
a superfície mais eficaz para a passagem mínima de calor e mantém a interior
toleravelmente bem protegido do calor do sol equatorial. Sua forma é mantida por
uma série de nervuras verticais de reforço. Além de contribuir para suspender a
estrutura principal, estas nervuras atuam também como canaletas para a água das
chuvas e ao mesmo tempo são usadas pelo construtor da choça como degraus de
acesso a parte superior do exterior durante a construção. Em vez de utilizar um
andaime efêmero (a madeira é muito escassa), constrói o andaime como parte da
estrutura. Mais além: meses depois, este “andaime” segue ali, quando o proprietário
tem que subir para fazer reparações na sua choça. Os Mousgoum não puderam, a
diferença de nós, permitir-se o luxo de considerar a manutenção como uma
incomodidade que mais vale esquecer até que chegue o momento de chamar o
construtor do lugar. Entre eles, a manutenção está nas mesmas mãos do próprio
trabalhador da edificação e suas exigências contribuem tanto para modelar a forma
como as da construção inicial” (10).

O primeiro aspecto do modo de produção primitivo que se faz evidente é a existência


de “poderosas tradições” que resistem energicamente a mudanças. A rigidez da
tradição permite de um lado que os construtores trabalhem “dentro de limitações
categoricamente estabelecidas” (11). Suas ações são regidas pelas normas implícitas da
tradição. Por outro lado, a tradição impede que alterações externas perturbem a
integridade da forma estabelecida ao longo de anos de experimentações.

Um segundo aspecto do modo de produção das comunidades primitivas é a ação


imediata do trabalhador frente a algum desajuste. O que permite isto é o fato do
construtor ser o próprio proprietário. Ele conhece como ninguém suas necessidades e
modela a forma para atender às exigências do dia-a-dia.

Alexander (1969) afirma que a tradição rígida e a ação imediata não são fatores
contraditórios no interior do processo de produção, mas se completam porque atuam
em esferas diferentes. Os rígidos princípios da tradição somente se afirmaram depois
de um longo processo de paulatinas e pequenas adaptações da forma às exigências
do contexto.

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No âmbito da divisão do trabalho, há uma unidade no processo produtivo, pois cada


membro da comunidade constrói sua própria morada, modelando a forma de acordo
com os princípios implícitos da tradição e suas necessidades cotidianas.

O imediatismo do processo de produção – reação instantânea do construtor/morador


diante de problemas de ordem prática – revela a natureza global do processo de
trabalho. O membro da comunidade compreende em si todas as atividades de
produção: concebe, constrói, mora e mantém sua própria morada. O conhecimento
prático das particularidades de cada uma destas atividades qualifica o indivíduo a
produzir uma forma mais ajustada ao contexto no qual habita.

A descrição realizada por Alexander (1969) do modo de ensino e apreensão dos


ofícios da construção revela a união direta entre a atividade de construir e o ofício.
Nas culturas primitivas a aprendizagem ocorre de forma direta. O aprendiz adquire o
conhecimento do ofício mediante a experiência obtida durante o curso da ação, ou
seja, construindo (12).

Portanto, a aprendizagem baseia-se em problemas que ocorrem no cotidiano de


trabalho e não em princípios gerais formulados previamente. Além disto, o
conhecimento é transmitido oralmente: “Não há relações escritas nem desenhos
arquitetônicos” (13); e a forma é apreendida “mediante pura prática, através da
imitação e da correção” (14).

O mesmo processo de aprendizagem observado nas culturas primitivas é encontrado


nas corporações de ofício da Idade Média. Nas corporações há uma relação de
hierarquia entre mestres e aprendizes que se desfaz quando o processo de
aprendizagem chega ao fim. No entanto esta divisão do trabalho em nada se compara
com a divisão entre conceber e executar que encontramos nas sociedades capitalistas:

“Um artesão, para dominar o saber e as regras de seu ofício, deve conviver com os
mestres durante vários anos. Há divisão de trabalho no início, mas, ao cabo do
processo de aprendizagem, eliminam-se as diferenças e a hierarquia. O saber, a forma
de realizar o trabalho, através da convivência duradoura com os mestres, não se
cristaliza numa hierarquia social fixa, mas é interiorizada por cada um dos artesãos-
trabalhadores. A socialização no trabalho artesanal elimina as diferenças naturais (só
existentes devido à diferença de idade ou tempo de aprendizagem), enquanto a
divisão capitalista do trabalho naturaliza a divisão social entre mandantes e
mandados, entre planejadores e executores” (15).

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O trabalho de construção das catedrais góticas da Idade Média baseava-se na


cooperação de várias corporações de ofícios. As corporações distinguiam-se entre si
pela habilidade dos artesãos trabalharem um material em particular: a pedra, ou a
madeira ou o vidro, etc. Neste caso a divisão do trabalho esta fundamentada no
domínio do conhecimento empírico de cada artesão ao trabalhar determinado
material. As diferentes denominações dos mestres artesãos evidenciam a divisão do
trabalho baseado na técnica desenvolvida pelas corporações a fim de trabalhar cada
material específico de uma construção: “o mestre-cavouqueiro, o mestre-cortador de
pedras, o mestre-escultor, o mestre-encorregado da argamassa, o mestre-pedreiro, o
mestre-capinteiro, o mestre-ferreiro, o mestre-telhador e o mestre-videiro” (16).

Constata-se que a organização do trabalho nas culturas pré-capitalistas baseia-se no


artesanato e na unidade do processo de trabalho. Nilton Vargas (1979) confia a este
último ponto o controle que o artesão detém de todo o processo de produção:

“A atividade do artesão pressupõe uma íntima união entre a atividade intelectual e a


manual. O artesão conduz todas as fases de produção de um objeto, desde a
concepção até sua execução final. Indubitavelmente, o seu trabalho é altamente
qualificado. Toda a potencialidade e habilidade, tanto manual, quanto intelectual, são
traduzidas na produção de um bem” (17).

De fato esta união entre a atividade intelectual e manual é pressuposto fundamental


para o domínio do artesão sobre o processo de trabalho. E após anos de
aprendizagem o trabalho do artesão torna-se altamente qualificado. No entanto, o
exame cuidadoso do modo de trabalho empregado pelos artesãos permite destacar
outras condições sociais e técnicas que contribuíram para a conservação da
autonomia do trabalho. A propriedade dos meios de produção, a relação direta do
artesão com a atividade de construir e as normas implícitas nas rígidas tradições ou
nas corporações de ofício permitiram que o trabalhador obtivesse, através do tempo,
controle total sobre o objeto a ser edificado.

Portanto, a prática arquitetônica anterior ao modo de produção capitalista, como em


qualquer outro setor produtivo, caracteriza-se pela divisão do trabalho na sociedade
em diferentes ofícios e pela união indissolúvel do trabalhador aos meios de produção.

3. A produção arquitetônica no interior do modo capitalista de produção

As origens da divisão do trabalho no interior da produção remontam ao período pré-

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capitalista de produção. A forma de organização particular deste período é


denominada por Marx (1983) de cooperação simples. Pressuposto fundamental para
origem do modo capitalista de produção, a cooperação simples caracteriza-se pela
“forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no
mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes mas conexos”
(18). Na visão de Marx, a cooperação simples distingue-se da cooperação nos moldes
capitalista de produção principalmente pela forma de trabalho cativo e pela
propriedade comum dos meios de produção:

“A cooperação no processo de trabalho que encontramos no início da civilização


humana, nos povos caçadores ou, por exemplo na agricultura de comunidades
indianas, fundamenta-se na propriedade comum dos meios de produção e na
circunstância de o indivíduo isolado estar preso à tribo ou à comunidade como a
abelha está presa à colmeia. Distingue-se da cooperação capitalista, sob dois aspectos.
O emprego esporádico da cooperação em larga escala no mundo antigo, na Idade
Média e nas colônias modernas, baseia-se em relações diretas de domínio e servidão,
principalmente a escravatura. A cooperação capitalista, entretanto, pressupõe, de
início, o assalariado livre que vende sua força de trabalho ao capital” (19).

Braverman (1981) aponta outros aspectos que caracterizam o modo de trabalho em


cooperação simples, entre eles, o trabalho cativo, a mão de obra excedente, a
tecnologia estacionária e o predomínio do valor de uso do artefato construído. O
autor remete à atividade construtiva da antiguidade, da Idade Média e de algumas
comunidades primitivas para ilustrar as origens da divisão do trabalho na produção,
e acaba por revelar o pioneirismo deste setor produtivo:

“Esses predecessores, todavia, empreendiam, sob condições escravistas ou outras


formas de trabalho cativo, tecnologia estacionária e ausência de necessidade
capitalista de expandir cada unidade de capital empregado, e deste modo era
marcadamente diferente da administração capitalista. As Pirâmides foram
construídas com o trabalho excedente de uma população escrava, sem outro objetivo
a não ser a maior glória dos faraós daquela época e seus sucessores. Estradas,
aquedutos e canais foram construídos por sua utilidade militar ou civil e não, em
geral, para obtenção de lucro” (20).

Algumas condições sociais são apontadas pelos autores para explicar o surgimento
precoce do trabalho cooperativo na construção civil. Certamente o trabalho excedente

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da mão-de-obra escrava favoreceu a construção das gigantescas obras realizadas no


mundo antigo. A natureza complexa de certas atividades produtivas, dentre elas a
prática construtiva, também exerceu grande influência na origem deste modo
produtivo.

“Se o processo de trabalho é complicado, a simples existência de um certo número de


cooperadores permite repartir as diferentes operações entre os diferentes
trabalhadores, de modo a serem executados simultaneamente, encurtando assim o
tempo de trabalho necessário para a conclusão de todas as tarefas” (21).

No que se refere ao mundo antigo, o próprio Marx (22) já havia se encarregado de


identificar “a poderosa força da cooperação simples” nas “obras gigantescas realizadas
pelos antigos povos asiáticos, pelos egípcios, pelos etruscos etc.”:

“Ocorria antigamente que os estados orientais depois de custearem suas despesas


civis e militares dispunham de um excedente de meios de subsistência que podiam
utilizar para empreender obras magnificentes ou úteis. Seu comando sobre os braços
de quase toda a população não agrícola e o domínio exclusivo do monarca e da classe
sacerdotal sobre esse excedente proporcionavam-lhes os meios para construírem
aqueles monumentos portentosos com que encheram o país... Para movimentar
estátuas colossais e massa enormes cujo transporte causa espanto empregou-se de
maneira pródiga e quase exclusivamente trabalho humano. Bastavam o número dos
trabalhadores e a concentração de seus esforços. Também vemos possantes recifes de
coral surgirem das profundezas do oceano e se ampliarem em ilhas formando terra
firme, embora cada indivíduo que concorreu para a formação deles seja ínfimo, frágil
e desprezível. Os trabalhadores não agrícolas de uma monarquia asiática tem muito
pouco a trazer para as obras além de seus esforços físicos individuais, mas seu
número é sua força e o poder de dirigir massas deu origem àquelas obras colossais.
Foi a concentração das receitas de que vivem os trabalhadores, numa única mão ou
em poucas mãos, que possibilitou esses empreendimentos” (23).

Segundo Marx (1983), a forma característica do processo de produção capitalista


surge na manufatura, espécie particular de cooperação. Marx identifica duas formas
de origem da manufatura:

"Nasce quando são concentrados numa oficina, sob o comando do mesmo capitalista,
trabalhadores de ofícios diversos e independentes, por cujas mãos tem de passar um
produto até seu acabamento final. (...)

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Mas, a manufatura pode ter origem oposta. O mesmo capital reúne ao mesmo tempo
na mesma oficina muitos trabalhadores que fazem a mesma coisa ou a mesma espécie
de trabalho” (24).

No âmbito da atividade construtiva, a organização do trabalho se assemelha à


primeira forma de manufatura. Ruy Gama (1986) afirma que a construção naval foi a
precursora desta primeira forma de manufatura:

“Os estaleiros, como se sabe, eram manufaturas: reuniam no mesmo local numerosos
artesãos de mesmo ou de diferentes ofícios, para fazerem obra comum. Admitindo
que as condições fossem semelhantes às de outros estaleiros a que me referi, os
artesãos nele trabalhavam fora do controle das corporações; assim sendo, os
problemas técnicos podiam ser resolvidos em âmbito supraprofissional, definidos e
globalizados pelas necessidades da empresa” (25).

O trabalhador livre, ou seja, fora do controle das corporações de ofício, foi um dos
pressupostos para a consolidação da manufatura. No entanto, o desenvolvimento da
ciência, e sua aplicação à produção, atuou de modo decisivo para a abolição da
cooperação simples. Ruy Gama (1986) esclarece o papel da ciência, particularmente
da Teoria da Resistência dos Materiais, na resolução “supraprofissional” dos
problemas técnicos da produção de uma embarcação:

“Já o mesmo não ocorre com a Teoria da Resistência dos Materiais, fundada por
Galileu e apresentada nos Discorsi e Dimonstrazioni Matematiche intorno a Due Nuorve
Scienze, escrita na forma de diálogo e publicada pela primeira vez em Paris (1639).

Galileu foi conselheiro naval do arsenal de Veneza, grande estaleiro de construção


naval e de máquinas, quando lecionava na Universidade de Pádua. (...)

As investigações de Galileu tinham essa marca: não se referiam aos materiais usados
por cada uma das profissões envolvidas mas, teoricamente formuladas, inclusive pelo
uso da linguagem matemática, ofereciam propostas de soluções genéricas, aplicáveis
aos materiais utilizados nos diversos ofícios: a madeira dos carpinteiros, à pedra dos
canteiros e pedreiros, às cordas dos cordoeiros.

Num certo sentido, a teoria de Galileu era antigeométrica. A geometria prática era,
como vimos, parte do domínio secreto dos carpinteiros e canteiros, chave para a
estereotomia. Mesmo quando a estereotomia se beneficia da teorização iniciada pela

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geometria projetiva de Desargues, a questão dos materiais é ainda essecialmente


geométrica” (26).

Com a ajuda da ciência foi elaborado um conhecimento independente do saber do


artesão e a atividade construtiva foi pioneira no emprego dos princípios da ciência
voltados para a produção. Leonardo Benevolo (1976) aponta o fato histórico que
marcou a origem da denominada “ciência das construções”:

“A ciência das construções, da maneira como é entendida hoje, estuda algumas


consequências particulares das leis da mecânica e nasce, pode-se dizer, no momento
em que essas leis são formuladas pela primeira vez, no século XVII; Galileu, em 1638,
dedica parte de seus diálogos à discussão de problemas de estabilidade” (27).

Benevolo (1976) afirma que a aplicação dos princípios da ciência à produção


“produziu uma separação entre engajamento teórico e prático, contribuindo para a
desagregação da cultura tradicional...” (28). Bicca recorre à Serge Moscovici para
evidenciar a necessidade dos arquitetos distinguirem o trabalho manual do
intelectual, reivindicando a ruptura do seu trabalho com o saber-fazer das
corporações:

“Em outros termos, esta categoria deve se distinguir também por um critério visível
aos olhos da sociedade, critério que assegure o reconhecimento de sua arte como
maior ou mesmo superior às outras artes. O único recurso que ela tem, para isto
conseguir, é de se colocar como “liberal”, isto é, como tendo integrado na sua
habilidade o pensamento teórico, fazer passar o seu trabalho por intelectual” (29).

A necessidade de definir os novos princípios da arquitetura da época e de opô-la às


práticas adotadas pelos mestres-de-obras da Idade Média fez surgir tratados que
expressavam as ideologias renascentistas. Bicca cita um trecho da obra de Alberti
intitulada Tratado da Arquitetura, provavelmente escrita entre os anos de 1443 e
1452, onde pode-se perceber seu pensamento com relação ao trabalho manual:

“Antes de ir mais longe, creio que seria bastante útil dizer a quem reservo o nome de
arquiteto; não vos apresentaria, certamente, um carpinteiro, pedindo-vos considerá-lo
como igual a um homem profundamente instruído em outras ciências, mesmo que na
verdade o homem que trabalhe com suas mãos seja o instrumento do arquiteto.
Chamarei arquiteto aquele que, com uma razão e um método maravilhoso e preciso,
sabe primeiramente dividir as coisas com seu espírito e inteligência, e em segundo

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lugar como associar com justeza, no curso do trabalho de construção, todos os


materiais que, pelos movimentos dos pesos, pela reunião e a superposição dos
corpos, podem servir eficaz e dignamente às necessidades do homem. E na realização
dessa tarefa, ele terá necessidade do saber mais apurado e mais refinado” (30).

Sérgio Ferro (1982) destaca o papel do desenho no processo de abolição das


corporações de ofício. Uma vez separadas, o desenho técnico realiza a mediação entre
as atividades de conceber e executar e surge como ferramenta de representação do
objeto concebido. Ferro (1982) demonstra como este recurso é empregado para a
exteriorização do conhecimento prático e para a monopolização da informação:

“Da regulamentação da produção à sua organização, da mensuração externa à


sistematização das operações – é nesta passagem que o desenho faz-se adotar como
instrumento capital, momento em que se torna urgente definir as parcelas da
produção com maior rigor. Questão de organização, portanto, que o generaliza como
documento do trabalho. O objetivo de seu uso não é nem a qualidade do produto (as
normas da corporação eram muito mais rígidas e detalhadas), nem sua constância (a
ausência do desenho fazia, se fosse o caso, da cópia direta um método mais fiel). O
que constrange a história do desenho é a divisão desigual do trabalho que avança – e
seu outro pólo, o acordo a ser imposto aos componentes produzidos pelos trabalhos
divididos” (31).

Tal como na Teoria da Resistência dos Materiais, a Geometria Descritiva e o Sistema


Métrico Decimal formulam princípios gerais que pretendem ser aplicados em
qualquer situação da atividade construtiva (Benévolo, 1976). O caráter genérico dos
princípios teóricos é próprio das novas disciplinas. O avanço científico aliado às
novas invenções tecnológicas marcou a passagem do mundo tradicional para o
moderno. O período da Revolução Industrial correspondeu ao Iluminismo. A
separação entre conhecimento teórico e prático promoveu a separação entre
Arquitetura e Construção:

“Observa-se, com acuidade, que nesse período a arquitetura começa a destacar-se dos
problemas da prática da construção; estes passam às mãos de uma categoria especial
de pessoas, os engenheiros, enquanto que os arquitetos, perdido o contato com as
exigências concretas da sociedade, refugiam-se em mundo de formas abstratas. Os
dois fenômenos, portanto, seguem-se paralelamente, porém sem que se encontrem;
pelo contrário, divergem cada vez mais entre si; produz-se, como diz Giedion, ‘a

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cisão entre a ciência e sua técnica, de um lado, e a arte, do outro, isto é, entre
arquitetura e construção’” (32).

Esta divisão do trabalho perpetua até hoje “nas diversas formas econômicas da
sociedade” (33). No entanto, ela não está baseada nas diferentes técnicas de se
trabalhar os materiais como ocorre nas corporações de ofícios, e sim nas diferentes
tecnologias que surgiram da associação da produção à ciência.

Portanto, ao contrário da divisão do trabalho nas sociedades primitivas, a divisão do


trabalho nas sociedades capitalistas baseia-se na diferenciação das tecnologias. Ruy
Gama (1986) esclarece que a passagem da técnica para a tecnologia não é uma
questão de gradação. O autor, ao referir-se a Teoria da Resistência dos Materiais de
Galileu, evidencia porque a tecnologia é contemporânea ao Capitalismo:

“Por tudo isso, pelo seu caráter teórico (e portanto generalizante), pelo seu conteúdo
supradisciplinar (no sentido das disciplinas dos ofícios) e por sua vinculação histórica
com a problemática da produção manufatureira, a Teoria da Resistência dos
Materiais de Galileu inaugura, mesmo antes do batizado, uma das faces da
tecnologia. Isso não acontece por acaso e nem simples consequência das ideias
científicas que vieram do conjunto de acontecimentos chamados de Revolução
Científica mas começa a nascer quando a teoria se une à prática em condições muito
especiais dessa prática: o trabalho em cooperação nas manufaturas” (34).

Com o advento do modo capitalista de produção, novas práticas de organização do


trabalho foram elaboradas. Os princípios das Teorias da Organização do Trabalho,
mais especificamente a Teoria Clássica, tiveram como precursores Frederick W.
Taylor e Henri Fayol. Os dois fundaram a Escola da Administração Científica que
exprime as tentativas de aplicação sistemática da ciência aos problemas crescentes da
gestão da produção. Apesar das falsas pretensões da Escola Científica (35) é
interessante notar como os seus fundamentos reforçaram a divisão social.

Um dos fundamentos da Escola da Administração Científica é a divisão de trabalho


entre a gerência e os trabalhadores. Taylor estabelece como princípio geral que:

“Em quase todas as artes mecânicas, a ciência que estuda a ação dos trabalhadores é
tão vasta e complicada que o operário, ainda mais competente, é incapaz de
compreender esta ciência, sem a orientação e auxílio de colaboradores e chefes, quer
por falta de instrução, quer por capacidade mental insuficiente” (36).

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