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a Progressista, um oximoro?

Por J. Filardo M.I.

Os maçons que nos consideramos progressistas laboramos em erro, pela simples razão de que o
termo maçonaria progressista representa um contradição em termos, a figura conhecida em
gramática como oxímoro. Algo parecido com “inteligência militar”, “lúcida loucura”, etc.
Isso não quer dizer que não existam lojas progressistas (compostas de maçons progressistas) ou que
não existam maçons progressistas em lojas conservadoras. Os pobres coitados, muitas vezes por não
existir uma loja progressista a uma distância praticável; talvez por ignorar a existência de alguma
loja progressista em seu Oriente, ou que por relações interpessoais tenha se apegado à loja,
continuam a suportar o ambiente retrógrado de sua loja, simplesmente por cultivar os princípios
maçônicos que são indubitavelmente fascinantes, ou por acreditar ser possível mudar a natureza da
instituição nela estando.
Àqueles que, certamente, reagirão indignados com os parágrafos acima, conclamo a estudar a
história da Ordem e, estou certo, se renderão à lógica de meus argumentos.
Pois bem, contrariamente ao que muitos pensam, a maçonaria sempre foi uma instituição política. O
ingresso de não-maçons nas lojas operativas decadentes (por falta de obras) estava, certamente
ligado a interesses de rosacruzes e alquimistas em desenvolver seus interesses de maneira discreta
ou secreta, e a busca do envolvimento de nobres como patronos era uma atitude política das
corporações de pedreiros.
Progressivamente, o modelo se alastrou pela Escócia, Irlanda e Inglaterra durante o século XVII. A
segunda metade desse século foi muito complicada naqueles países.[1] A sucessão ao trono inglês,
misturada à questão religiosa entre católicos e protestantes provocou uma revolução que destituiu o
monarca católico substituindo-o por um protestante ilegítimo, mas que atendia aos interesses dos
nobres ingleses protestantes.
No início do Século XVIII existiam muitas lojas compostas por membros desvinculados de
atividades de construção, que usavam as lojas para manobras políticas, entre elas o apoio ao
herdeiro por direito ao trono inglês, da família Stuart. Assim como havia lojas que apoiavam o
usurpador do trono.
Os historiadores da Maçonaria, em sua maioria, querem forçar a ideia de que a maçonaria operativa
foi transformada em especulativa em 1717, com a criação da Grande Loja de Londres. Os fatos não
concordam totalmente com essa informação.
Lojas “especulativas” já existiam há muito tempo como demonstra, por exemplo, aquele episódio
esdruxulo em que a Srta. Elizabeth St. Léger[2] foi feita maçom porque assistiu a uma sessão da
loja de seu pai por uma fresta e foi surpreendida pelo mordomo da casa que era o Cobridor da loja
que se reunia na mansão de Lord Doneraile. E isso aconteceu em 1712, ou seja cinco anos antes que
se anunciasse a fundação da Grande Loja de Londres e dez anos antes da publicação das
Constituições de Anderson.
Com a necessidade de apoio da sociedade ao usurpador do trono inglês, visto que as lojas
maçônicas de Londres tendiam a apoiar o Pretendente Stuart católico, a Coroa pretendeu criar uma
Grande Loja que lhe assegurasse o controle da proliferação da maçonaria e também o controle da
“ideologia” de seus membros.
Valendo-se de algumas lojas que já apoiavam o usurpador inglês, em 1722 eles concretizaram a
“assembleia” que deu origem à Grande Loja de Londres, em seguida entregando a posição de Grão
Mestre a um membro da família real, o que passou a ser a regra desde então na maçonaria inglesa.
Tendo à sua disposição os cérebros mais privilegiados da época, iluministas e membros da Royal
Society [3], criaram uma loja com um conceito revolucionário que, atendendo aos seus objetivos,
alienava os católicos sem alienar os protestantes. Através de uma genial construção do Artigo I da
Constituição de Anderson, introduziram o conceito de religião natural que jamais seria aceito por
um católico, mas ao mesmo tempo exigiram a crença em um ser superior, atendendo assim à
tradição das Old Charges da maçonaria operativa inglesa. De quebra ainda incluíram os “libertinos
irreligiosos” para garantir que a crença em um ser superior estivesse enquadrada em uma religião
organizada. Gênios!
Correndo o risco de chover no molhado, vou transcrever abaixo o Artigo I das Constituições de
Anderson, pois não me canso de admira-lo e sei que a maioria dos maçons brasileiros jamais se deu
o trabalho de lê-lo com atenção:
“Um maçom é obrigado por seu caráter a obedecer à lei moral e, se compreende bem a arte, nunca
será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso. Embora nos tempos antigos os maçons fossem
obrigados em cada país a praticar a religião daquele país, qualquer que fosse ela, agora é
considerado mais conveniente apenas obrigá-los a seguir a religião com a qual todos os homens
concordam, isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e probidade, quaisquer que
sejam as denominações ou confissões que ajudam a diferenciá-los, de forma que a Maçonaria se
torne o centro de união e o meio para estabelecer uma amizade sincera entre homens que de outra
forma permaneceriam separados para sempre”.
Somente como lembrete, uma vez que isso não alterou a natureza da maçonaria inglesa, a ausência
expressa da obrigatoriedade da crença em Deus, assim como outros pequenos detalhes que eram
novidade à época, provocou uma reação enorme[4] dos maçons tradicionalistas, em sua maioria
irlandeses e escoceses, e a Grande Loja de Londres foi obrigada, em 1813 a se unir à outra Grande
Loja tradicionalista que se formara como reação, e teve que alterar esse Artigo I, em uma linha mais
vinculada às Old Charges e os costumes maçônicos Antigos. Nascia então a Grande Loja Unida da
Inglaterra, sempre comandada por um membro da família real inglesa.
E como ficará a sucessão do Grão Mestre da GLUI, agora que o Harry (Duke of Sussex) se demitiu
da família real e considerando que William (Duke of Kent) é o herdeiro da coroa?
Vemos assim, que a Maçonaria (agora com maiúscula) nasceu oficialmente em 1717, já chapa
branca, ou seja, conservadora e reacionária. No Brasil temos um ditado nordestino muito bom para
esses casos: “O pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto”.
Mas, teriam os ideais maçônicos de 1717 desaparecido completamente em 1813 diante da
capitulação da Grande Loja de Londres aos ideais retrógrados e conservadores dos maçons Antigos?
Na verdade não foi bem isso o que aconteceu.
Durante aquela confusão ocorrida na sucessão ao trono inglês, os Stuart e seus partidários
derrotados em 1688 na Revolução Gloriosa, exilaram-se na França, levando consigo a maçonaria
que, vamos nos lembrar, já era “especulativa”. Já em 1688 havia uma loja em St. Germaine-em-
Leye, onde se radicaram os exilados escoceses.
Mas foi em 1725, três anos após a fundação da Grande Loja de Londres, que a Maçonaria aportou
na França, a mesma Maçonaria do Artigo I das Constituições.
Assim, por muitos anos, a prática maçônica era desenvolvida concomitantemente na Inglaterra e na
França, sob o simples rótulo de maçonaria.
Contudo, na prática, o meio político e social de cada país exercia influência sobre as duas
instituições, com diferentes evoluções. Quando na Inglaterra havia preocupação com Old Charges,
heranças dos Operativos, e reações dos tradicionalistas forçando mudanças, na França isso não
acontecia. Eles havia recebido o pacote pronto ─ turn-key ─ uma organização de gentilhomens, não
necessariamente religiosos que podiam se reunir secretamente e fazer todas as articulações que
quisessem. Quem ler a obra de Alexandre Dumas, Os Três Mosqueteiros, terá uma boa ideia de
quão bem-vinda foi a maçonaria em terras francesas.
A maçonaria operativa havia praticamente desaparecido na Inglaterra. Sobrou apenas a Companhia
dos Maçons de Londres [5] que nega, absolutamente, ter alguma coisa a ver com os “free masons”.
Na França, os operativos sobreviveram e são chamados “Compagnons” uma organização que
forma jovens artesãos (de ambos os sexos) e que segue as regras tradicionais da antiga maçonaria
operativa. Eles têm um pequeno museu em Paris no endereço Rue Mabillon, 10 – Paris 6. Também
se pode visitar o museu em Tours (https://www.museecompagnonnage.fr/ ).
Pois bem, na Inglaterra, os poucos operativos restantes foram eliminados pelo escrutínio em loja (a
curiosidade é que o maçom que derrubou a Grande Loja de Londres com a resistência oposta pela
Grande Loja dos Maçons Antigos e Aceitos era um maçom operativo (pintor de parede) irlandês que
fora rejeitado em uma loja de Londres e que não se conformou com as introduções de costumes
alheios ao Ofício (Craft) no ritual da nova organização). Na França, por mais estranho que pareça,
havia uma regra expressa entre os maçons franceses de que os Compagnons estavam impedidos de
ingressar na Maçonaria. Imaginem só, os maçons operativos não podiam ser admitidos em lojas do
Grande Oriente de França!
Os franceses gostaram do formato importado da Inglaterra e o submeteram ao cadinho ácido da
cultura francesa. No decorrer do século XVII (na segunda edição das Constituições, em 1738) os
Ingleses introduziram o grau de Mestre, a lenda de Hiram, o Real Arco (uma espécie de Grau 3,5)
que os franceses adoraram e logo adotaram. Curioso é que tanto o grau de Mestre quanto o Real
Arco que os ingleses só “descobriram” em 1738 já existia desde muito tempo na Irlanda. Eles foram
“reinventados” pelos ingleses. Se fosse a Rússia, diriam que Stalin tinha inventado.
Também na França, graus de todos os tipos eram inventados e vendidos às lojas que eram
independentes, com Veneráveis vitalícios. (daí pode-se ver que a atual figura do “dono de loja” tem
antecedentes vetustos e respeitáveis na tradição maçônica!)
Isso viria a mudar com a fundação da Grande Loja da França, que se transformou, por fagocitose
em Grande Oriente de França que criou o Rito Francês que se arvora em herdeiro do espírito de
1717, sem contudo repetir o Artigo I em sua constituição ─ talvez devido à menção da proibição do
ingresso de ateus que não correspondia exatamente aos ideais franceses que sempre foram
anticlericais.
Também o espírito francês competitivo e divisivo que herdamos na fundação do Grande Oriente do
Brasil operou, como na França, no ambiente maçônico com o surgimento de inúmeras obediências e
ritos, ao contrário da Grande Loja Unida da Inglaterra que mantém um rito apenas ─ o Craft ─ com
algumas versões ou variantes, entre elas o Emulation praticado no Brasil.
Temos assim, que as lojas francesas eram compostas em sua maior parte de aristocratas e membros
da nascente burguesia, e a Revolução Francesa ─ que, by the way, não foi provocada, inspirada,
auxiliada e que alguma forma influenciada pela Maçonaria ─ ao contrário, por sua composição a
Maçonaria era uma força contrarrevolucionária, visto sua natureza conservadora ─ segundo alguns
franceses cortou menos cabeças do que deveria ter cortado.
A Maçonaria brasileira é uma cria da Maçonaria Francesa que adotou o discurso libertário e a
natureza laica contida nos ideais de 1717, o laicismo é a palavra que ilustra o conceito de religião
natural. Jovens brasileiros que estudavam na Europa, como todos os jovens idealistas, beberam
dessa fonte e ao retornarem às fazendas de seus pais aqui na terra, situaram-se nas cidades que eram
os únicos lugares civilizados e ali se envolveram e transplantaram um espírito libertário subversivo
que desembocou na proclamação da Independência, um golpe tramado em loja, assim como foi
tramado o golpe de 1889.
Essa origem inglesa e influência francesas criaram uma quimera. Para quem não sabe o que é uma
quimera, pode consultar a wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Quimera) para maiores
esclarecimentos.

O modelo de maçonaria pregado no Grande Oriente do Brasil passou a ser de uma organização
declaradamente apolítica e voltada para a educação e aperfeiçoamento de seus membros dentro do
espírito da versão inglesa. Isso na teoria, porque na prática, a maçonaria brasileira tem fama de ser
intervencionista e cria essa expectativas nos candidatos.
A dicotomia continua presente em nossos dias, em que a aversão à política leva à defesa de uma
posição totalmente apolítica, quando seus membros tendem a ceder aos apelos do modelo francês,
muito mais consoante com uma organização que se quer progressista. Esse conflito é, na maior
parte dos casos a causa raiz da deserção das fileiras da Ordem.
Finalmente, a presença massiva de conservadores nas lojas, aliada ao método de recrutamento
viciado da maçonaria brasileira, provoca o aumento daquela maioria conservadora e reacionária. A
existência de uma loja progressista é determinada pela origem. Ela somente sobreviverá enquanto
tal, se tiver sido organizada por maçons progressistas e continuar a selecionar candidatos
progressistas.
Aos maçons progressistas que pertencem a lojas majoritariamente conservadoras – o que em nossos
dias é algo realmente opressivo, dado o apoio ideológico de muitos, se não da maioria dos maçons
conservadores a um grupo de extrema direita que assumiu o governo do país ─ resta fechar o bico
e manter um perfil baixo, comparecendo às sessões dentro do mínimo necessário, para não perder
de vez o respeito pela instituição. Por isso, dizemos que a existência de maçonaria progressista no
Brasil é impossível. Podemos ter, e temos lojas progressistas, poucas, mas boas. Mas o termo
maçonaria progressista é como disse no início um oximoro, ou uma contradição em termos.

[1] https://bibliot3ca.com/jacobitismo-irlandes-e-maconaria/
[2] Nascida em 1693, seu pai e seus irmãos eram maçons aristocratas, em County Cork, Irlanda. Em
1712, quando Lord Doneraile, seu irmão, era venerável, sua loja organizava suas sessões dentro do
domicílio da família. A jovem tinha assistido a uma sessão maçônica, graças a um buraco em uma
parede em construção, em uma biblioteca adjacente à loja. Tendo sido surpreendida, seu caso deu
lugar a uma reunião de mais de duas horas, depois da qual foi decidido oferecer-lhe a escolha entre
a iniciação e a morte. Ela aceitou a iniciação e teria permanecido membro da loja até sua morte na
idade de 95 anos
[3] https://bibliot3ca.com/o-ovo-e-a-galinha-a-royal-society-e-a-grande-loja-de-londres-de-1717/
[4] https://bibliot3ca.com/a-disputa-entre-antigos-e-modernos-2/
[5] https://bibliot3ca.com/607-2/

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