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Resenha – Avaliação de programas, de Worthen , Sanders e Fitzpatrick

Rogério Renato Silva Rev. Eletrônica Portas, v.2, n.2, p.66-69, jun.2008

Avaliação de programas: construindo um campo de saberes

Rogério Renato Silva1

Avaliação de Programas: concepções e práticas é um daqueles livros cuja contribuição para


o campo de saber onde se insere é de grande importância. Traduzido da segunda edição do
original americano, Program Evaluation: Alternative Approaches and Practical Guidelines,
o livro de Worthen, Sanders and Fitzpatrick reúne características que promovem ao leitor
uma leitura capaz de conjugar aprofundamento teórico em distintas escolas de avaliação,
conhecimento de métodos e técnicas de investigação da realidade sócio-política e interação
com os avanços e dilemas vividos em diversas experiências dos autores no campo real da
avaliação.

Por isso mesmo, como se afirma na Apresentação à Edição brasileira: “a obra é uma proeza
de sistematização nessa disciplina, oferecendo aos (...) interessados no campo da avaliação,
uma substancial contribuição que fortalece o saber e o fazer na construção de uma cultura de
avaliação, cujas características transpõem as fronteiras culturais, por sua universalidade de
princípios e conceitos que, ao mesmo tempo, permitem a necessária flexibilidade de
adaptação a diferentes realidades e contextos.” (Penna Firme & Silva, 2004).

Para produzir estes efeitos, os autores construíram o livro em cinco partes diferentes que
navegam desde o que se compreende como “origens da moderna avaliação de programas” até
os temas, ambientes e tendências futuras no campo da avaliação. Curiosamente, aquilo que se
registrou na edição original no apagar da década de noventa como cenários e tendências
futuras, de fato encontra hoje ressonância em publicações, eventos e experimentações no
campo da avaliação, o que demonstra a conexão dos autores e seu empenho na evolução deste
campo de saberes.

Em sua parte inicial, o livro oferece aos leitores um olhar para algumas das perguntas
recorrentes quando se discute avaliação de programas: por que fazemos avaliação? O que são
processos avaliatórios formais e informais? O que é melhor, avaliação interna ou externa? O
que é avaliação somativa e formativa? E, afinal de contas, o que é avaliação? Fugindo de
respostas totalizadoras ou simplesmente estacionadas no tempo, são apresentadas posições
em relação a estas perguntas e, sobretudo, um convite para que cada leitor observe a realidade
em torno de si e formule suas próprias respostas.

Em sua segunda parte, são apresentadas com bom nível de detalhamento histórico e
sustentação epistemológica as seis principais abordagens avaliatórias que, segundo os
autores, abrigam uma miríade de modelos e experiências de avaliação ao longo de seu quase
um século de evolução histórica. As seis escolas são exploradas em suas diferenças,
comparadas em suas potências e limitações e ilustradas por exemplos reais que ajudam o
leitor a construir uma imagem desta grande matriz conceitual.

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Doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, atualmente é Diretor Executivo do Instituto Fonte
para o Desenvolvimento Social (www.fonte.org.br). Contato: rrsilva@fonte.org.br.

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De maneira a definir cada escola segundo sua orientação política, a classificação das seis
escolas apresentadas no livro é a seguinte: (1) avaliações centradas em objetivos (objectives-
oriented evaluation); (2) avaliações centradas na administração (management-oriented
evaluation); (3) avaliações centradas nos consumidores (consumer-oriented evaluation); (4)
avaliações centradas em especialistas (expertise-oriented evaluation); (5) avaliações
centradas em adversários (adversary-oriented evaluation); e, (6) avaliações centradas nos
participantes (participant-oriented evaluation).

Pode-se perceber por meio da leitura deste rico componente do livro, que as seis escolas aí
apresentadas distribuem-se ao longo de um eixo que traduz não apenas uma evolução ético-
política das sociedades e das organizações, mas também um sensível amadurecimento no
campo epistemológico que sustenta as diferentes escolas. O leitor mais atento irá perceber
que é nestas páginas que o livro melhor dialoga com fundamentos políticos do campo da
avaliação, ainda que os autores não explicitem essa questão e procurem manter sua descrição
em um lugar apreciativo e intencionalmente não implicado nesta ou naquela escola.

Como provocação aos futuros leitores, vale a pena observar o conjunto de princípios mais
conservadores que tendem a sustentar as avaliações centradas em objetivos, onde
neutralidade, padronização e controle são traços fundamentais, em comparação com os
princípios mais mestiços e por isso progressistas que sustentam as avaliações centradas nos
participantes, onde construtivismo, implicação e aprendizagem materializam-se como traços
mais importantes.

Talvez estejam também nesta parte do livro algumas novidades instigantes, e por que não
dizer, estranhas àquilo que ao longo do tempo se sedimentou como práticas de avaliação na
realidade brasileira. Tanto as avaliações centradas em adversários quanto nos consumidores
tendem a se distanciar da realidade brasileira tanto em razão da forma menos explícita com
que se lida com disputas políticas na arena pública, quanto pela forma como se dá a relação
cidadãos-políticas públicas no Brasil (questão de garantia de direitos, não resumida a relações
de consumo).

Na terceira parte do livro, o que ganha espaço são orientações práticas para a construção de
planos de avaliação. Ao problematizar aspectos contextuais dos cenários organizacionais em
que as avaliações são realizadas, são apresentados alguns dilemas políticos, éticos e
interpessoais comuns aos processos de avaliação. Para aqueles que definem avaliação como
“ferramenta de gestão”, será oportuno observar algumas das várias implicações mais
subjetivas compreendidas neste universo.

Além disso, é também neste momento que os autores irão enfatizar a importância da
construção das perguntas avaliativas, bem como de critérios de análise (indicadores), para a
qualidade dos estudos. Como costumava afirmar James Sanders, um dos autores, em suas
aulas no Evaluation Center da Western Michigan University: “avaliar consiste em pouca
coisa além do que fazer boas perguntas.” Aliás, se há um elemento comum às diferentes
escolas de avaliação, ele está no reconhecimento de que uma boa avaliação começa com um
bom conjunto de perguntas para as quais há forte desejo, quando não necessidade, de
construir respostas.

Em sua quarta parte, é a implementação dos planos de avaliação que ganha lugar no texto de
Worthen, Sanders e Fitzpatrick. Diversas formas de coleta e análise de informações por meio
de métodos e técnicas qualitativas e quantitativas são exploradas de forma complementar, a

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fim de ajudar o leitor a construir uma leitura compreensiva e integradora dessas duas
orientações, preferências ou linguagens. À medida que a publicação original já acumula mais
de dez anos, é importante observar o quanto já se evoluiu em alguns dos elementos ali
apresentados, bem como buscar leituras contemporâneas que atualizem o leitor no mundo das
técnicas e de seus sentidos ético-políticos.

E, depois de percorrer tantas discussões, histórias e experiências pessoais dos autores no


campo da avaliação, são alguns elementos hoje contemporâneos (promessas à época da
primeira edição) que ganham espaço na quinta e última parte do livro. Os estudos
multicêntricos, pré anúncios do boom da cooperação internacional e da padronização de
processos de avaliação nas grandes agências multilaterais; as avaliações voltadas a produzir
aprendizagem e inovação organizacional; as redes e associações de avaliadores, são temas
vivos atualmente e merecedores de aprofundamento.

Como não podia ser diferente, em sua ambição de se consolidar como base e como texto para
mestres e estudantes, o livro reúne breves discussões em torno das competências “esperadas”
ou projetadas para profissionais do campo da avaliação, bem como um glossário de termos
que poderá ser útil aos interessados em consultas rápidas. Mais uma vez, vale a pena destacar
o quanto esses conceitos têm evoluído ao longo da última década, colocando sempre em
cheque o que por ventura fazia forte sentido no momento da publicação dos originais
americanos.

Como complemento, mas de forma nenhuma como apêndice, vale a pena chamar atenção do
leitor para o longo estudo de caso apresentado por Worthen, que se desenha ao longo das
partes três e quatro do livro (capítulos 12 a 20). Em razão dos dilemas que apresenta, da
riqueza de detalhes e da corajosa transparência do autor, o estudo de caso se constitui em uma
bela aventura de aprendizagem que pode ilustrar e aquecer muitas das construções teóricas
apresentadas ao longo do livro.

Por fim, ao longo de suas mais de 700 páginas, “Avaliação de Programas: concepções e
práticas” constitui-se em uma interessante experiência de estudo para os interessados no
desenvolvimento do campo da avaliação e, ao mesmo tempo, para aqueles que andam
pressionados pela necessidade de responder profissionalmente aos desafios desta área jovem,
ousada, tantas vezes presunçosa e, essencialmente, transdisciplinar.

Trata-se de um livro texto importante para aqueles que desejam compreender não apenas
métodos e técnicas de avaliação de programas sociais e políticas públicas, mas também
construir compreensões ético-políticas sobre este crescente campo de saberes. Articulando
construções históricas, definições conceituais, técnicas de investigação da realidade e vivas e
contraditórias experiências dos autores com diversos tipos de avaliação na realidade norte-
americana. O livro faz uma oferta generosa e sincera aos leitores à medida que explora a
potência e a importância das práticas de avaliação, sem falsas promessas, mantendo a crítica e
explicitando falhas. A primeira edição do livro foi lançada em português em 2004 e continua
útil a quem faz, pensa e estuda avaliação.

Sobre a tradução, cabe uma última palavra: poderia ser melhor! Ainda que se possa perceber
uma importante busca pela melhor maneira de traduzir certos conceitos e verter o texto em
um português agradável e cuidadoso, há falhas perceptíveis a serem corrigidas em futuras
edições e, ao mesmo tempo, alguns nós semânticos importantes que a última década ajudou
ora a desatar, ora a embaralhar ainda mais. A sensação geral é de que a tradução fez o texto

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perder parte de sua fluidez, o que tanto pode implicar limitações técnicas, quanto lacunas
naquele momento (e talvez ainda hoje) irreparáveis entre a linguagem avaliatória praticada
nos Estados Unidos e aquela falada e construída permanentemente nos trópicos. De toda
forma, nada que implique grande prejuízo.

Aos que se dedicarem a esta longa jornada de estudos e experimentação, boa leitura!

Referências

PENNA FIRME, Tereza, SILVA, Rogério R. Apresentação à edição brasileira. In:


WORTHEN, Blaine R., SANDERS, James R., FITZPATRICK, Jody L. Avaliação de
Programas: concepções e práticas. São Paulo: Ed. Gente/EDUSP/Instituto Fonte/Instituto
Ayrton Senna, 2004. p.15-17.

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