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Introdução
A escola atual alm eja oferecer um a educação com prom issada com
os m últiplos aspectos da vida humana, os quais envolvem não só os
problem as sócio-econômicos, mas tam bém os fatores éticos e afetivos,
bem com o os anseios existenciais quanto ao sentido da vida. Esse
com prom isso se torna evidente na “C arta de Transdisciplinaridade”
(F reitas et al., 20 0 0 ), cujo co n teú d o anun cia um novo m odo de
conhecim ento e, conseqüentem ente, de educação. Trata-se, segundo
Nicolescu (2000, p. 150), de “aprender a conhecer”, o que significa ser
capaz de “estabelecer pontes - entre os diferentes saberes, entre estes
saberes e seus significados para nossa vida cotidiana, entre estes saberes
e significados e nossas capacidades interiores.”
Tam bém os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) enfatizam,
entre os objetivos do ensino, levar o aluno a “posicionar-se de m aneira
crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais...” (
Brasil, 1998, p.7). Tais considerações justificam nosso empenho em tornar
o desenvolvimento do senso crítico um dos objetivos principais no ensino
da língua materna. Por isso, realizamos um a pesquisa (Silva, 2000) cujo
intuito era evidenciar que é possível desenvolver o senso crítico dos
alunos nas aulas de língua portuguesa destinadas à produção de gêneros
discursivos que dem andam argumentação, desde que o professor adquira
os devidos referenciais teóricos e estabeleça estratégias específicas para
esse fim. M ediante um a proposta integrada com diversas dimensões do
co n h ecim en to e de u m a m eto d o lo g ia adequada, d escrita adiante,
verificam os que os alunos foram capazes de produzir textos mais críticos
e criativos. E, de fato, segundo Lipman (1995):
Se o pen sa m en to crítico p o d e p roduzir uma
m elhoria na educação, será porque aumenta a
quantidade e a qualidade do significado que os
alunos retiram daquilo que lêem e percebem., e
que expressam através daquilo que escrevem e
dizem (p J 8 3 J.
Considerando a im portância dos novos rumos da educação, este
trabalho apresenta alguns esclarecim entos relativos à natureza do
pensam ento crítico e suas im plicações na produção de textos, bem com o
sugere algum as estratégias didáticas que se revelaram úteis para a
realização de tal objetivo.
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v id a hum ana, e isso exige sen sib ilid ad e ao contexto, red u ção de
preconceitos, bem com o ceticism o no tocante às idéias que nos são
impostas. Os julgam entos são orientados por critérios e por valores, sendo
que m uitas vezes um valor torna-se um critério, e vice-versa. Por isso, é
necessário também levar os alunos à reflexão dos valores que lhes servem
de parâm etros em seus juízos.
O s critérios - os instrumentos que favorecem os “bons julgam entos”
- podem ser definidos como “razões” confiáveis e decisivas que justificam
um a classificação ou um a avaliação. Assim , é preciso que o professor
estim ule o aluno a sem pre evidenciar as razões que o levaram a form ular
determ inado julg am en to . N esse sentido, tam bém Tishm an (1999),
C arraher (1993), L ipm an (1995) consideram im prescindível que as
a firm a tiv a s dos alu n o s sejam a c o m p an h ad as das razõ e s q u e as
deflagraram. Avaliai' os critérios utilizados (as razões), a fim de identificar
se eles se mostram adequados, é um exercício fundamental, pois favorece
a autocorreção. Esta últim a consiste na prática de subm eter os próprios
julgam entos e suposições à análise crítica, a fim de investigar em que
m edida eles estão sendo influenciados por preconceitos ou auto-ilusões.
Trata-se de reavaliar continuam ente a pertinência dos critérios que
em basam nossos próprios julgam entos.
Um critério tom a-se pertinente para orientar um julgam ento quando
se m ostra plausível, racional, considerando ainda os aspectos éticos e
psicológicos envolvidos na questão. P or exemplo: muitas vezes, o aluno
julga determ inado evento tendo como critério uma idéia preconceituosa.
Se lhe for dada a oportunidade de investigar a validade do critério
utilizado (uma vez que o preconceito não pode ser concebido com o um
instrum ento racional de avaliação), ele poderá alterar suas conclusões,
libertando-se de juízos precipitados e passionais.
P ara proceder à verificação da plausibilidade que os critérios
ap resen tam , L ipm an (1995) e C arrah er (1993) sugerem te star os
julgam entos através do pluralism o de pontos de vista. Isso significa
o fe re c e r aos alunos várias aleg açõ es que podem o p o r-se a u m a
determ inada conclusão, bem como apresentar e avaliar outros pontos de
vista diversos daquele que está sendo defendido.
E m síntese, levar o aluno a identificar e a estabelecer critérios
subjacentes às afirm ações do texto, seja na leitura, seja na escrita, é,
pois, um exercício valiosíssimo para o desenvolvim ento do senso crítico.
D o m e sm o m odo, o d esen v o lv im en to do senso crítico in te rfe re
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Sugestões práticas
(as uvas estão verdes), mas as razões que nortearam esse julgam ento
não são adequadas porque decorrem da frustração, não apresentando,
p o rta n to , a n e c e s s á ria o b je tiv id a d e . S e g u n d o alg u m a s te o ria s
psicológicas, trata-se antes de um a racionalização, um m ecanism o de
ajuste que impede o sofrimento causado pela impossibilidade de realizar
um desejo. E, de fato, a moral da fábula aponta para a falácia da conclusão,
ou seja, as uvas foram consideradas verdes não porque de fato o
estivessem , mas porque eram inacessíveis, o que tornava im possível
realizar o desejo de saboreá-las. D aí a moral: “Quem desdenha quer
com prar”
E m M illôr Fernandes (1963, p .127), o enredo é inicialm ente o
mesm o. Porém, o autor acrescenta novos dados à história, dando a ela
um outro desfecho, o que altera, de form a inusitada, o sentido da narrativa
original. Nesta nova versão, a raposa encontra uma pedra e, com esforço,
consegue finalm ente apanhar as uvas: “ Com avidez colocou na boca
quase o cacho inteiro. E cuspiu. Realm ente as uvas estavam muito verdes.
M O RAL: A fru stra çã o é uma fo rm a cle julgam ento tão boa quanto
qualquer outra”.
Com o vemos, M illôr Fernandes tom a fidedigno o julgamento inicial
(as uvas estavam verdes), alegando, ao contrário do que sugere a fábula
original, que a frustração é uma form a de julgam ento tão boa quanto
outra qualquer. Subentende-se que a frustração induz o indivíduo a
identificar os reais aspectos negativos do objeto desejado. O desejo, ao
contrário, camufla a realidade porque em bota o discernimento. A paródia
de M illôr Fernandes possibilita a reflexão em torno da adequação de
critérios e pode dar ensejo a vários outros temas, os quais poderão ser
sugeridos aos alunos para o exercício da escrita.
Conclusão
Referências bibliográficas
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