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Classificação

de tipos
Classificação
de tipos
Classificação
de tipos
Guilherme Machiavelli
Apresentação

Este livro pretende, acima de tudo, ser um manual de consulta rápidade


tipografia. Pretendemos com ele algo que possa ser utilizado para bus-
cas rápidas de características de tipos, dando ainda alguma ajuda na
contextualização histórica de algumas das fontes e famílias, com um ob-
jetivo final de auxiliar na escolha dos tipos para diferentes trabalhos.

Para tanto, escolhemos por uma quantidade relativamente pequena de


texto nas páginas e uma forma de encadernação que permitisse alguma
liberdade na hora de folhear os exemplos, não necessitando de muitas
acrobacias para deixar o livro aberto na página desejada. O papel foi es-
colhido pela qualidade da reprodução e por beneficiar as características
mais ressaltadas de alguns dos tipos apresentados no livro.
O livro será uma peça isolada e de relativo baixo custo, pois seu processo
de encadernação é mais simples que os utilizados em brochuras.
Sumário

Introdução • 8
Fraktur • 14
Fontes Serifadas • 16
Humanistas ou Venezianos • 17
Garaldes ou Old Style • 21
Transicionais • 25
Didones • 30
Mecanes ou Egípcias • 33
O Modernismo e as fontes sem serifa • 36
Lineares ou sem serifa • 37
Cinzeladas, Cursivas e Manuais • 40
Conclusão • 42
8

Introdução

Temos variadas definições de design – a maioria girando ao redor da


busca de uma solução para um problema específico. Quando é preciso
produzir uma cadeira, é necessário pensar para que exatamente essa
cadeira vai servir, se será feita para longas horas de leitura, ou se pen-
samos em seu usuário na frente de um computador, digitando imensos
relatórios. Cada problema terá um número provavelmente infinito de
soluções, refletindo modos de pensar de seu designer, assim como a
cultura e o mundo em que ele está inserido.

Ao se projetar uma revista ou um livro, somos confrontados também


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com inúmeros problemas, muito diferentes de certa forma dos encon-


trados pelo designer da cadeira, mas, ainda assim, problemas vindos
de perguntas muito semelhantes. Para que servirá este livro? Será um
romance clássico da literatura francesa? Um livro escolar sobre física?
Poderia, ainda, ser um tratado sobre o teorema de Fermat ou um catá-
logo de uma exposição de fotografia. O designer de qualquer um desses
projetos terá de se servir de inúmeros recursos técnicos para apresentar
o conteúdo de uma forma agradável e, até, para que possa adicionar sig-
nificados e interpretações para o conteúdo apresentado. Dentre desses
recursos, figuram entre os mais importantes as fontes escolhidas. Para
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nosso romance francês, seria melhor uma fonte serifada, com traço
pouco modulado mas com grandes contrastes, ou uma fonte sem serifa
geométrica, limpa e exata? E para outras peças, como por exemplo um
relatório anual de vendas de uma grande empresa?

Para qualquer uma destas escolhas, é necessário um mínimo de pes-


quisa: seria adequado usar uma fonte egípcia como a Rockwell para
um livro sobre música barroca? Ou um revival de uma fonte tradicional
como a Caslon poderia ser mais adequado?
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Pensando na escolha tipográfica como uma parte crucial de toda publi-


cação, este trabalho pretende se debruçar sobre algumas das classifica-
ções mais comuns usadas no meio tipográfico. Cada fonte está inserida
em um grande contexto cultural e histórico, foi feita com objetivos e
crenças específicos e carrega consigo uma dose de significado que pro-
vavelmente só é apreendida quando conseguimos compreender esses
contextos – e as diversas nomenclaturas são um bom começo para essa
tarefa.

A abordagem que faremos aqui será baseada nas formas mais usuais de
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classificação de tipos, pesquisadas principalmente em Robert Bringhurst


e Ellen Lupton, tendo como guia a classificação Vox-ATypI. Nossa esco-
lha por essas formas se justifica pelo atual momento de difícil categori-
zação de novas fontes, já que estas têm uma variedade e volume enor-
mes. Ressaltamos, dessa forma, que as categorias aqui utilizadas devem
ser vistas como linhas-guia na escolha de tipos, e não como uma forma
rígida e inflexível. Acreditamos que o valor dessas denominações vem da
quantidade de conhecimento histórico que elas carregam consigo, além
de abrirem a possibilidade de serem encontradas similaridades entre
fontes aparentemente diferentes. Deve ser notado, também, que nosso
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foco não é exatamente a tipografia como uma ciência à parte, mas sim
como uma ferramenta nas mãos do designer editorial.
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Fraktur ou
Blackletter

Os tipos Fraktur estão entre os primeiros caracteres impressos na his-


tória da humanidade. Seu nome deriva de suas formas pontiagudas e
pesadas, que dão uma aparência de quebra e fragmentação aos carac-
teres, e tinham uma influência gótica muito clara em seu desenho. A
principal inspiração desses tipos veio da escrita dos monges copistas
das épocas.

Com o desenvolvimento da prensa e da tipografia, os tipos fraktur foram


se tornando cada mais raros por toda a Europa, com exceção da Alema-
nha, da Suíça e da Áustria – esses países continuaram usando largamente
15

a fette fraktur é um exemplo de tipo blackletter

letras góticas até o final do século XVIII, quando os caracteres romanos


(ou antiqua, como são denominados em alemão) se impuseram devido a
um clima de cosmopolitanismo da época. É interessante notar que, com
a ascensão do nazismo, houve um pequeno ressurgimento desse tipo de
fonte, numa tentativa de busca da identidade ariana, indo contra a onda
da nova tipografia que começou a partir da segunda década de 1900.
As páginas compostas com esses tipos, além de remeterem a tempos
remotos, freqüentemente são muito pesadas e de difícil leitura para o
homem moderno. Atualmente, com a ascensão das fundidoras digitas,
existem vários espécimes disponíveis, dentre os quais Fraktur, baseado
na família que deu nome à categoria, é o mais famoso.
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Fontes Serifadas

serifa da garalde Sabon

Estas fontes tem como que pequenas “pernas” em suas letras. Sua origem
pode ser rastreada até o império romano, e acredita-se que a serifa teria
sido uma conseqüência natural do texto escrito na pedra, pois o cinzel dei-
xaria pequenas marcas no início e no final de algumas letras quando estas
eram esculpidas. Os escribas perpetuaram essa técnica durante muitos
séculos, até o advento da prensa de Gutenberg, no século XV. Os primeiros
exemplares de livros feitos na época utilizavam quase que exclusivamente
tipos fraktur ou blackletter, como já havíamos comentado, mas a partir
do final do século XV, pouco menos de 50 anos da invenção da prensa, os
tipos baseados em caracteres romanos começaram a surgir.
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Humanistas ou
Venezianos

Os primeiros tipos romanos foram criados por Nicolas Jenson, no final


do século XV, início do Século XVI. Jenson foi um francês que aprendera
sobre a impressão justamente no berço da prensa de Gutenberg, Mainz.
Jenson, ao criar sua própria oficina em Veneza, começou a juntar a es-
crita chamada lettera antica, oriunda da escrita carolíngia do final do
império romano, aos gostos italianos por formas de peso muito menor
que as letras góticas e mais generosas em suas curvas. Os tipos criados
por Jenson pertencem a uma subcategoria denominada pela maioria dos
autores como Humanista, fazendo referência ao eixo que regula essas le-
tras – levemente inclinado, ele faz oposição a outras fontes denominadas
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a centaur, desenhada por Bruce Rogers em 1914,


é um dos exemplos mais famosos de fonte com
características humanistas

racionais, em que o eixo é completamente vertical. Sobre esse mesmo


tipógrafo, Ellen Lupton escreve:

“Suas fontes mesclavam as tradições góticas que ele conhecera na França e


na Alemanha com o gosto italiano por formas mais leves e arredondadas, e
são incluídas entre as primeiras – e melhores – fontes romanas.”(Pensar com
Tipos, 2006, pág. 15)

Robert Bringhurst, em seu Elementos do Estilo Tipográfico, propõe clas-


sificações menos ortodoxas e mais centradas em períodos da história da
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a inclinação da barra do “e”


minúsculo é uma das formas
mais rápidas de identificar uma
fonte veneziana

arte – sua denominação para os tipos humanistas é romana renascentis-


ta, refletindo a herança romana da fonte ao mesmo tempo que a situa
em um período histórico um pouco mais específico. Outra justificativa
para o uso dessa nomenclatura é a diferenciação entre os romanos e itá-
licos, tipos de fonte com origens diferentes e que foram agrupados em
famílias apenas mais recentemente na história das letras impressas.

Alguns dos exemplos mais comuns desse período estariam na Centaur,


desenhado por Bruce Rogers em 1914 baseada em volumes impressos
pelo próprio Nicolas Jenson, e a Adobe Jenson, desenhada por Robert
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a baixa altura-x é uma das marcas


dos tipos humanistas

Slimbach em 1996.

Dentre as características mais pronunciadas dos tipos humanistas, po-


demos listar: o baixo contraste entre traços grossos e finos, a inclinação
do eixo dos glifos sugerindo uma escrita com a mão direita e uma altura-
x baixa se comparada a espécimes de períodos posteriores.
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Garaldes ou
Old Style

Antes de falarmos especificamente dos tipos garaldes, é necessário fazer


um breve interlúdio sobre os itálicos, que começaram como uma forma
totalmente renascentista, mais próxima da letra escrita, e era bastante
usado em edições mais baratas de livros pelo fato de ter caracteres con-
sideravelmente mais estreitos, o que diminuía gastos na impressão e na
quantidade de papel utilizado. Um dos grandes utilizadores e maiores
responsáveis pela disseminação dos tipos itálicos foi Aldus Manutius,
tendo encomendado o primeiro espécime a Francesco Griffo em 1499.
Curiosamente, a maioria dos itálicos que utilizamos atualmente não são
baseados nas punções de Griffo (também chamadas de aldinas, por te-
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este é o itálico da adobe garamond — como a maioria


das fontes digitais, este itálico segue a tradição das
formas de Degli Arrighi

rem sido encomendadas por Aldus), mas sim nas de Ludovico Degli Ar-
righi, devido a dificuldade de serem encontrados espécimes aldinos em
bom estado de conservação. E é de Aldus Manutius, em parte, que vem
a denominação garalde, palavra surgida da junção de Alde, como Aldus é
chamado na língua francesa, e Garamond, do tipógrafo francês Claude
Garamond, responsável por alguns dos tipos mais famosos da época.

As fontes garalde tiveram um tempo de vida muito maior que as huma-


nistas, em parte por terem sido uma evolução em termos formais, com
desenhos mais bem acabados e elegantes que seus antepassados. Se-
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o eixo das garaldes


é, normalmente,
levemente oblíquo

gundo Robert Bringhurst, as garaldes, de uma forma geral, seriam mais


moldadas e trabalhadas, marcando um distanciamento da caligrafia
que marcava os tipos humanistas. Outro fator importante foi a dissemi-
nação da prensa de Gutenberg pela Europa, causando o surgimento de
vários grandes fundidores e tipógrafos, dentre os quais os vale ressaltar,
além de Claude Garamond e Aldus, o inglês William Caslon e o holandês
Miklós Kis.

As três características mais marcantes das fontes garaldes são as serifas


mais agudas , o eixo mais vertical, ainda que não totalmente racional,
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o e das garaldes tem sua barra


totalmente reta, marcando um
distanciamento maior
da letra manuscrita

ou seja, em 90º e, provavelmente a mais marcante, a barra do e reta,


ao contrário da inclinação que podia ser vista em tipos mais antigos.
Uma mudança mais sutil é o aumento de contrastes entre traços finos
e espessos.

Existem várias famílias baseadas nos garaldes, das quais poderíamos


ressaltar as inúmeras versões da Garamond (ITC, Stempel, Adobe), e a
Sabon, desenhada pelo modernista Jan Tschichold na década de 60.
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Transicionais

As diferentes visões sobre classificações de tipos muitas vezes geram


incongruências de autor para autor, e isso pode ser visto de forma mais
clara neste período da tipografia. Classificamos Caslon como um fundi-
dor de garaldes, mas, autores como Ellen Lupton não exitam em colocá-
lo como um tipo transicional, réale, moderno ou, ainda, segundo Robert
Bringhurst, neoclássico. Essas denominações se referem ao iluminismo,
movimento que acompanhou boa parte do desenvolvimento dessa ca-
tegoria tipográfica, e ao crescente racionalismo que envolve o desenho
das fontes da época. O nome transicional vem do fato de as fontes desse
período variarem entre garaldes mais racionais e contrastadas e didones
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o exemplo mais antigo


dos tipos transicionais,
o romain du roi, foi
construído com base em
um grid rigoroso

mais humanizadas e sutis. Considerado o primeiro exemplo desse mo-


vimento, o Romain du Roi foi projetado por uma comissão a pedido do
rei francês François 1º, e teve como maior inovação a elaboração de um
severo grid com mais de 40 subdivisões. Bringhurst desaprova de certa
forma esse tipo ao escrever que a “Romain du Roi não foi desenhada por
um tipógrafo, mas por um comitê governamental composto por dois
padres, um contador e um engenheiro” (in: Lupton, pág. 17), mesmo
quando é comumente atribuída a Philippe Granjean, que por sua vez
se baseou nos desenhos de Louis Simonneau para fazer as punções da
fonte real.
27

as serifas da baskerville eram acusadas


de “cegar os leitores” por serem
exageradamente finas

Um dos grandes nomes da época foi John Baskerville, duramente cri-


ticado por levar a extremos os contrastes entre os traços das letras, a
ponto de ter sido acusado de cegar os leitores dos EUA com suas serifas
ultrafinas. Ao mesmo tempo, o trabalho de Baskerville era profunda-
mente apreciado por Benjamin Franklin e, numa observação de Brin-
ghurst, suas fontes não deixam de ser análogas ao estilo arquitetônico
norte-americano, razão pela qual conseguiram grande difusão pelo país,
mesmo com todas as críticas direcionadas a seu estilo.

Ao mesmo tempo que Caslon se mantinha um tanto quanto flutuante


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o grande contraste entre traços


finos e grossos é uma marca de
diferenciação entre garaldes
e transicionais

entre um estilo garalde e um estilo transicional, foi contemporâneo de


Baskerville e obteve um sucesso invejável, o que causou uma certa com-
petição entre os dois tipógrafos.

Como marcas principais desse período encontramos as serifas ainda


mais agudas e o contraste muito acentuado, especialmente nas letras de
Baskerville, que se aproximou bastante em sua construção da categoria
seguinte, das didones. Outra marca dos tipos transicionais é o eixo racio-
nal, tendo apenas uma leve inclinação em alguns raros casos.
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a joanna, desenhada por eric gill em 1930, é uma fonte


de fortes influências transicionais

Como espécimes principais, temos a Baskerville, digitalizada por inú-


meras fundidoras digitais, baseadas em desenhos de letras do autor que
deu o nome a elas, e Joanna, um tipo mais recente (1930), criado por
Eric Gill.
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Didones

Esta categoria de tipos tem seu nome seguindo uma lógica similar ao
das garaldes: sua origem está nos sobrenomes de Firmin Didot e Giam-
battista Bodoni, famosos pelas letras homônimas. Como em todas as
épocas, os tipos criados no final do século XVIII refletiam muito o espí-
rito de seu tempo – com o Império e a posterior Restauração na França,
a Didot foi usada amplamente em documentos oficiais, refletindo uma
certa autoridade natural em seus traços incisivos e contrastados. Esses
mesmos traços garantem a essas fontes um ritmo muito característico,
sempre requerendo um jogo com os claros e escuros da página. Massimo
Vignelli, designer italiano famoso por sua limitada biblioteca de fontes
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além do contraste entre traços ser


levado às últimas conseqüências,
as serifas das didones são abruptas
e finas, ao invés de fluirem
naturalmente do traço

(apenas 5 famílias), elegeu a Bodoni como uma de suas favoritas, e uma


das raras fontes serifadas que considera devidamente bem feitas. Robert
Bringhurst reserva uma crítica severa aos tipos dessa categoria, dizendo
que, apesar de bonitos e com um ritmo interessante, não se prestam
à leitura extendida, justamente pelo fato de atraírem atenção demais
para si mesmos.

As principais características dessa família são o contraste entre brancos


e pretos levados às últimas conseqüências, a abertura interna da letra
reduzida e o eixo estritamente racional.
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esta é uma versão da didot digitalizada por adrian


frutiger — técnicas especiais tiveram de ser usadas
para assegurar que os traços ultrafinos não
desaparecessem em tamanhos pequenos

Dentre seus exemplares mais conhecidos, temos obviamente as várias


digitalizações da Didot e da Bodoni, junto com a Walbaum, baseada em
punções do tipógrafo alemão de mesmo nome, contemporâneo aos ou-
tros dois expoentes da época.
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Mecanes ou
Egípcias

Até o século XVIII, as fontes eram feitas basicamente para a impressão


de livros — logo, o leque de funções que as fontes eram desenhadas
para cumprir era relativamente pequeno. No entanto, com a Primeira
Revolução Industrial, houve uma repentina explosão de produtos sen-
do oferecidos e a necessidade de diferenciar esses produtos e chamar
a atenção para eles mesmo e suas qualidades. Ao mesmo tempo, mas
jornais foram surgindo e tendo a mesma necessidade de destacarem-se.
Assim, nasceram os tipos egípcios ou mecanes, segundo a classificação
Vox-ATypI, que distorciam as formas originais do tipo, dando mais um
passo para longe da letra manuscrita. Notadamente, as serifas foram o
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numa reviravolta no
desenho e tipos, as egípcias
abandonaram os cuidados
e refinamentos das didones
para experimentarem com
formas rudes e exageradas

alvo de maior experimentações, deixando de serem acabamentos cali-


gráficos para se transformarem em uma parte proeminente dos glifos.

O nome das egípcias vem do interesse repentino pelo Egito – as fun-


didoras, querendo atrair o maior número possível de compradores de
seus espécimes, davam a seus tipos nomes como Cairo e Karnak como
um truque de marketing. Em inglês, as mecanes são chamadas de slab
serifs, fazendo menção a característica mais marcante da categoria.
Outros fatores que ajudam a identificar as egípcias são seus traços com
contrastes baixos ou inexistentes e uma altura-x elevada.
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a fonte rockwell foi publicada em 1933, pela fundidora


monotype, como uma forma de entrar na nova onda
de fontes egípcias que estavam sendo editadas

Há uma certa tendência a considerar os tipos dessa época como um


retrocesso no desenvolvimento da tipografia, pois o refinamento que
havia culminado com as didones dava lugar a uma tentativa grosseira
de adaptação às exigências do mercado, sacrificando a beleza pela de-
coração excessiva e barroca. Os movimentos Art Déco e Art Nouveau se
beneficiaram muito com as mecanes, assim como desenvolveram novos
tipos mais refinados e ainda mais decorados. Um exemplo seria família
Samba, desenvolvida pelo tipógrafo brasileiro Tony de Marco. Seguindo
mais a tradição das serifas marcadas temos como principais exemplos
a Rockwell e a Egyptienne.
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O Modernismo e as
fontes sem serifa

A tipografia, no final da Art Déco, atingiu limites de extravagância extre-


mos, o que causou reações opostas posterioremente. A primeira delas
pode ser considerado o movimento de Arts & Crafts liderado por William
Morris na Inglaterra, que defendia um retorno aos primeiros tipos e
formas de impressão, valorizando o trabalho manual em oposição às
grandes máquinas e deturpações que eram moda corrente no período.
No entanto, ainda que o movimento tenha produzido alguns trabalhos
de qualidade louvável, era por demais atrelado a um saudosismo de um
passado já distante e que não oferecia recursos para corresponder as
necessidades da crescente industrialização do início do séc. XX.
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Lineares ou
sem serifa

A reação final veio nos anos 1920, com a Bauhaus. Defensora de uma
teoria do design apoiada na simplicidade e no funcionalismo, a escola de
design baniu todo tipo de adereço e buscou as formas mais simples pos-
síveis. Essa sua busca pela pureza da forma retirou suas inspirações dos
construtos geométricos elementares, como o círculo e o quadrado. Os
artistas da época, dentre os quais os de maior importância na tipografia
seriam os integrantes do De Stjil fzeram grandes contribuições, mas a
primeira fonte baseada nas formas elementares de grande sucesso foi
a Futura, de Paul Renner. A Futura , totalmente adequada as idéias da
época, deu início ao investimento pesado nas fonte sem serifa. Seguiu-
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univers, criação de adrian frutiger, é um exemplo de


linear neo-grotesca — aqui estão sendo usados várias
fontes integrantes da família

se a isso um resgate das formas grotescas, assim chamadas por serem


baseadas na Akzidenz Grotesk, fonte do final do séc. XIX. Na verdade, a
própria Akzidenz é baseada em exemplares da primeira fonte sem serifa
que se tem notícia, criada por William Caslon mais de 100 anos antes.

As lineares se caracterizam pela ausência de serifas, o traço pouco mo-


dulado, baixo contraste entre os grossos e finos e um eixo freqüentemen-
te racionalista, ou seja, de 90°. A classificação Vox-ATypI tem uma grande
falha em sua estrutura por agrupar todos os tipos sem serifa em um
mesmo grupo. Uma releitura das categorias feita pela British Standards
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acima, futura, uma linear geométrica desenhada por


paul renner, e gill sans, desenhada por eric gill. ambas
as fontes, apesar do traçado totalmente diferente,
foram desenhadas em 1927

Institution subdivide as lineares em quatro subgrupos: Lineares Grotes-


cas, que seriam os primeiros tipos sem serifa, com pouco refinamento
e inicialmente apenas letras de caixa alta; as lineares neo-grotescas,
representadas pelas grandes estrelas do Estilo Tipográfico Internacional
como a Helvetica e a Univers, tendo várias sutis diferenças com suas
antecessoras grotescas, dentre as quais a mais reconhecível é o g sem
barriga da neo-grotescas; as lineares geométricas, dentre as quais está a
já discutida Futura; e, por último, as lineares humanistas, que resgatam
a modulação e os traços caligráficos das fontes venezianas, adaptadas
ao modelo linear – o exemplo mais célebre seria a Gill Sans.
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Cinzeladas,
Cursivas e Manuais

As três últimas categorias refletem menos um período histórico espe-


cífico e mais técnicas diferentes, ligados a um processo artesanal que
só encontrou possibilidade de reprodução em massa com o advento das
fontes digitais. As cinzeladas, como seu próprio nome sugere, remetem a
inscrições na pedra com cinzel, devendo muito de suas formas às letras
romanas. A Trajan e a Fritz Quadrata são duas fontes cinzeladas usadas
largamente. As cursivas vêm da escrita com pena e tinta; orgânicas e
musicais, elas enfrentam muitos problemas com a digitalização, pois as
ligações entre as letras, que são parte fundamental na construção das
palavras, muitas vezes fica comprometida e a repetição de caracteres
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com a mesma forma quebra a ilusão do manuscrito. Os tipos manuais


fazem parte de uma vasta categoria que engloba inúmeros processos di-
ferentes. Normalmente, são tipos decorativos e utilizados em anúncios
– junto com as egípcias, tiveram um período de grande desenvolvimento
com o Art Noveau.
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Conclusão

Através deste trabalho, trouxemos à tona várias categorias de tipos, que


os separam principalmente através dos períodos históricos aos quais
pertenceram. Além da Vox-AtypI, utilizamos a BS 2961, criada pela British
Standards Institution. A BS 2961 é ainda mais dogmática e rígida que a
classificação da Association Typographique Internationale e isso nos leva
a um momento de crítica dessas categorizações. Iniciamos este artigo
com a ressalva de que acreditamos que as categorias têm sua validade
enquanto linhas-guia, e não como gavetas em que prendemos coisas
para raramente olharmos depois.
43

Catherine Dixon, em seu artigo Typeface Classification critica vigorosa-


mente as classificações britânicas e fala sobre a dificuldade da atividade
ser justamente o fato de que, enquanto abordagens antigas serem es-
tanques e com freqüência darem maior valor a tipos específicos, tenta-
tivas mais recentes acabavam por se prender a detalhes e idiossincrasias
demais, levando a uma frustração no momento de ser estruturado um
sistema abrangente. Nesse mesmo artigo, a pesquisadora propões uma
categorização baseada em fontes históricas, características específicas
e, o toque de inovação, padrões, em que são listadas as fontes do mesmo
período e as que carregam traços similares. Acreditamos que essa pode
44

ser uma abordagem mais interessante na complexidade do assunto, au-


xiliando não só em uma taxonomia construtiva e não-excludente, como
também mantendo a perspectiva das raízes dos vários tipos e de como
eles se relacionam
45

Referências

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BRINGHURST, Robert. Elementos do Estilo Tipográfico. 3. ed. São Paulo:


Cosacnaify, 2005. 420 p.
48

LUPTON, Ellen. Pensar com Tipos. 3. ed. São Paulo: Cosacnaify, 2006.
184 p.
© Guilherme Machiavelli, 2008
Revisão, preparação e projeto gráfico: Guilherme Machiavelli
fontes Diavlo e Fontin Sans, ambas disponíveis em
http://www.josbuivenga.demon.nl/index.html
tiragem 1 exemplar
gráfica copystar
papel couché fosco

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