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Morte à Arte:
O Construtivismo e os desafios da formação de uma cultura soviética
(1917-1932)
Rio de Janeiro
2014
Rodrigo Reis Maia
Morte à Arte:
O Construtivismo e os desafios da formação de uma cultura soviética
(1917-1932)
Rio de Janeiro
2014
Folha de Aprovação
Tese de Doutorado
Rodrigo Reis Maia – DRE: 110173385
Banca Examinadora:
_________________________________________
Profa. Dra. Andréa Casa Nova Maia (Presidente) – UFRJ
_________________________________________
Prof. Dr. Maria Beatriz de Mello e Souza – UFRJ
_________________________________________
Prof. Dr. Ângelo de Oliveira Segrillo – USP
_________________________________________
Prof. Dr. Daniel Aarão Reis Filho – UFF
_________________________________________
Profa. Dra. Paulo Knauss de Mendonça – UFF
Após quatro anos de leituras, pesquisa, reflexão e escrita, chego a conclusão de que
a redação de uma tese como essa não é um exercício puramente individual. Em suas
exigências, na angústia que causa este processo, e nos obstáculos que se apresentam
quando o pesquisador se propõe a organizar a vasta diversidade de informações que
coletou e reflexões que realizou durante quatro anos, a atividade prolongada de pesquisa se
demonstra uma tarefa inevitavelmente assistida. Decerto eu, Rodrigo Reis Maia, não
conseguiria tê-la concluída se não fosse pelas constantes contribuições de certos indivíduos
e instituições, aos quais apenas posso oferecer nesta humilde página um breve
reconhecimento, desproporcional à real importância dos mesmos para a conclusão desse
trabalho.
Assim como na vida, coloco no topo deste rol a minha esposa, Elena Nikolaevna
Serebryakova, certamente a mais importante conquista de minha vida e o maior prêmio que
esta pesquisa me ofereceu – tendo eu a conhecido em Moscou enquanto realizava esta
pesquisa. Lena – ou Lenochka, como a chamo – foi a principal responsável pela
manutenção da minha sanidade durante este último ano, quando a ansiedade que sentia em
decorrência deste esforço de pesquisa alcançou seus maiores graus. Foi quem me acalmou,
me ajudou, de mim cuidou de maneira altruísta, e me motivou a perseverar nos piores
momentos. Fonte de constantes discussões, sempre uma ávida ouvinte e portadora de ímpar
perspectiva em qualquer discussão sobre a Rússia, minha culta e curiosa Lenochka foi uma
peça essencial para que minhas reflexões se concretizassem na presente tese.
Quando os desafios que encontrei não eram emocionais, mas acadêmicos, foi
Andrea Casa Nova Maia, minha estimada orientadora, que me guiou pelos entremeados
dados e confusas – e por vezes contraditórias – reflexões que me assolavam, oferecendo-
me uma nova e perspicaz perspectiva em cada uma de nossas conversas. Sempre por perto,
a professora Andrea me tranquilizou quando mais precisei, demonstrando-se um exemplo
de objetividade, seriedade e trabalho duro. Ainda que as circunstâncias de nosso primeiro
encontro não tenha sido fortuitas – pois eu em meados de 2009 era minha intenção
continuar sob a sábia orientação do célebre e saudoso Manoel Luiz Lima Salgado
Guimarães – ao fim destes quatro anos posso concluir sem sombra de dúvida que fui em
todo momento bem orientado por uma professora talentosa, sempre presente e disposta a
me ouvir.
Não posso deixar de mencionar, no entanto, o meu estimado professor, Manoel
Salgado. Continuo reconhecendo no professor Manoel uma das minhas grandes inspirações
acadêmicas, cujo crivo imaginado sempre busco contemplar e superar, pois reconheci e
reconheço em sua aprovação um atestado de excelência. Acima de tudo, o professor
Manoel ainda me inspira em minha profissão docente, e dele sempre me lembro em meus
esforços voltados à promoção de um equilíbrio entre a complexidade dos eventos
históricos e a acessibilidade na realização de discussões sobre os mesmos entre alunos de
idades diversas. Nesse sentido, da forma mais ampla possível na minha vida profissional,
seu legado continua a me orientar.
Gostaria de agradecer também a duas instituições, que se demonstraram cruciais
para que esta tese pudesse ser realizada. Ao PPGHIS, agradeço especialmente pela
paciência, pois diante dos desafios que encontrei em minhas tentativas de conciliar uma
carreira docente secundarista integral e o trabalho de pesquisa acadêmica sempre pude
contar com a flexibilidade e a paciência do Programa e de seus membros.
Ainda maior foi a paciência e a flexibilidade que me foram oferecida pela
Associação Britânica de Educação – ou The British School, Rio de Janeiro – em sua
valorização de aperfeiçoamento de seus professores, sempre recebendo de forma receptiva
minhas tentativas conciliatórias. Indo além, a escola parcialmente financiou uma de minhas
duas viagens à Rússia voltadas para pesquisa, além de ter estendido minhas férias para tal
viagem, demonstrando o grau de importância que confere à minha formação profissional e
certamente viabilizando de forma prática a pesquisa que resultou na presente tese.
Por fim, devo agradecer à minha família e meus amigos, que tal como Lena, me
ajudaram a superar os momentos mais desafiadores deste processo investigativo e
analítico. Meu irmão Rafael Reis Maia, a quem sempre admirei e continuo a admirar, em
seu caráter inabalável, temperamento difícil e sorriso fácil; meu saudoso pai Marcio Luiz
Soares Maia, que ensinou aos seus dois filhos o valor do trabalho, da humildade, da
dedicação, e do esforço de autoaperfeiçoamento, além de me ter oferecido enquanto vivia
um grau tão intenso e constante de carinho que ainda molda meus passos e me inspira em
momentos difíceis; e minha tia, Lúcia Maia Rangel, cuja simpatia e acessibilidade me
permitiram expor minhas dificuldades, e sempre vislumbrar soluções.
Aos meus amigos agradeço, mas também me desculpo. Esta tarefa me impôs certo
exílio e isolamento, e infelizmente há muito não os vejo. Tenho certeza de que agora nos
veremos sempre, e que foi parcialmente o desejo de reencontrá-los que me motivou a
terminar esta árdua, quase impossível tarefa. Obrigado pelas frequentes mensagens, pelos
insistentes convites, e por perdoarem a minha constante ausência, a despeito de tudo.
Resumo
MAIA, Rodrigo Reis. Morte à arte: O construtivismo e os desafios da formação de uma
cultura soviética (1917-1932). Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-
Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A presente tese pode ser resumida como uma análise direcionada da produção artística e
literária construtivista russa durante os quinze primeiros anos que sucederam a Revolução
Russa de 1917. A partir da leitura compreensiva e reflexão das obras, escritos e
empreendimentos destes artistas, bem como se apoiando sobre a produção historiográfica
relacionada ao tema, tem-se por objetivo principal analisar a produção de tais artistas
inserida no contexto político, social e econômico soviético, com o intuito não apenas de
discutir os objetivos e propostas de tais artistas, mas as maneiras através das quais os
mesmos buscaram alcançar suas metas no contexto histórico em que se encontravam, bem
como a influência de fatores externos que tenham contribuído mais ou menos para o grau
de sucesso que alcançaram. Para a realização de tal análise, far-se-á referência à produção
de outros grupos artísticos, concorrentes dos construtivistas no âmbito artístico, bem como
aos direcionamentos de diferentes órgãos estatais soviéticos, com o intuito de oferecer ao
leitor um contexto social mais completo, a partir do qual se possa melhor relativizar os
sucessos e as dificuldades encontradas por estes artistas.
Abstract
MAIA, Rodrigo Reis. Morte à arte: O construtivismo e os desafios da formação de uma
cultura soviética (1917-1932). Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-
Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
This thesis can be described as an analysis of the artistic and literary production of the
Russian constructivists during the first fifteen years which followed the Russian
Revolution of 1917. Through the comprehensive reading and reflection of works, writings
and enterprises of these artists, as well as with the support of historiographical productions
associated with this topic, the main objective pursued here is to analyze the work of these
artists within the Soviet Union’s political, social and economic context, aiming not only to
discuss the objectives and propositions of these artists, but the ways through which they
attempted to fulfill such goals in the historical context they found themselves in, as well as
the extent of the influence of external factors which might have contributed to the degree
of success they have encountered. In the execution of this analysis, reference will be made
to the production of other artistic groups, rivals of the constructivists in the artistic sphere,
as well as to the policies of different Soviet state organs, with the intention of offering the
reader a more complete social context, from which he can better relativize the successes
and the difficulties encountered by these artists.
Sumário
Introdução.............................................................................................................................15
Construtivismo(s).................................................................................................................21
Expansão e Construção........................................................................................................75
Morte à Arte!......................................................................................................................146
Interlúdio............................................................................................................................211
Contração e Arregimentação..............................................................................................214
Conclusão...........................................................................................................................275
Bibliografia.........................................................................................................................277
Anexo.................................................................................................................................286
Indice de Ilustrações
Capítulo I Pg.
1.1 - Natalya Goncharova – Floresta Verde e Amarela, 1912 29
1.2 - Mikhail Larionov – O Galeto (estudo raionista), 1914 29
1.3 - Vladimir Tatlin – Relevo Pictórico: Seleção de Materiais, 1914 33
1.4 - Vladimir Tatlin – Contra-relevo de canto, 1915 33
1.5 - El Lissitzky – Sala de Prouns, 1923 33
1.6 - Reconstituição da Letatlin, originalmente produzida entre 1928-1932 39
1.7 - Reconstituição da exibição de arte laboratorial da ObMoKhu, de 1921 44
1.8 - Kazimir Malevich - Cruz Preta, Quadrado Preto, Círculo Preto, 1915 48
1.9 - Kazimir Malevich – Supremus no55, 1916 49
1.10 - Ivan Kudriashev – Design de interior para o primeiro teatro soviético em 49
Orenburg, 1920
1.11 - Kazimir Malevich – O Amolador de Facas, 1914 52
1.12 - Natalya Goncharova – O Ciclista, 1913 52
1.13 - Naum Gabo – Cabeça no 2, 1916 70
1.14 - Anton Pevsner – Máscara, 1923 70
Capítulo II
2.1 – Declaração do Comitê Militar Revolucionário, de 25 de outubro de 1917 77
Capítulo III
3.1 – Lazar El Lissitzky – Bata nos Brancos com a Cunha Vermelha, 1920 158
3.2 – Dimitri Moor - Você já se registrou como voluntário?, 1920 158
3.3 – Dimitri Moor – Morte ao Capitalismo Mundial, 1919 158
3.4 – Aleksandr Apsit – Ano da Ditadura do Proletariado, 1918 161
3.5 – Vladimir Deni – Capital, 1920 161
3.6 – Dimitri Moor – Aperte a minha mão, desertor... , 1920 161
3.7 – Vladimir Mayakovsky – Ucranianos e Russos têm um brado em comum, 1920 162
3.8 – Ivan Malyutin – Para o Front polonês!, 1920 163
3.9 – Vladimir Mayakovsky – Nós acendemos esta luz sobre o mundo. 1920 163
3.10 – Mikhail Cheremnykh – No momento não há quem seja mais pobre do que 163
nós, 1920
3.11 – Mikhail Cheremnykh – A história das bolachas e da avó que não reconhece 164
a República, 1920
3.12 – Cartaz de anúncio da estréia de Mistério Bufo, 1918 167
3.13 – Kazimir Malevich – Figurino para os sete pares de impuros 170
3.14 – Kazimir Malevich – Figurino para os sete pares de puros 170
3.15 – Aleksandr Rodchenko – LenGiz: Livros sobre todos os campos de 177
conhecimento, 1925.
3.16 – Aleksandr Rodchenko – Profsoyuz é um golpe contra a escravização da 177
mulher. Profsoyuz é o defensor do trabalho feminino, 1925
3.17 – Aleksandr Rodchenko – Kinoglaz, 1924. 178
3.18 – Georgy e Vladimir Stenberg – Homem com uma Câmera, 1929. 178
3.19 – Anton Lavinsky – Encouraçado Potemkin, 1926. 178
3.20 – Aleksandr Rodchenko – Não é cidadão da USSR aquele que não é acionista 179
do Dobrolet, 1923.
3.21 – Gustav Klutsis – Sem teoria revolcionária não há movimento revolucionário, 179
1927
3.22 – Gustav Klutsis – Use o verão para aprender, data desconhecida 180
3.23 – Gustav Klutsis – Da Rússia da Nep virá a Rússia Socialista (Lenin), 1930 180
3.24 – Gustav Klutsis – O desenvolvimento do transporte é uma das tarefas mais 180
importantes para o Plano Quinquenal, 1929
3.25 – Gustav Klutsis – Sob o estandarte de Lenin. Para a construção do 180
socialismo, 1932.
3.26 – Sergey Chekhonin – Louça suprematista 191
3.27 – Kazimir Malevich – Design suprematista para bule 191
3.28 – Kazimir Malevich, Nikolai Suetin e Ilya Chasnik – Louça suprematista 191
Capítulo IV
Introdução
1
BARTH, Fredrik. Process and Form in Social Life. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1981.
16
O construtivismo russo foi uma destas vanguardas, um dos inúmeros “fragmentos” aos
quais Berman alude. Em suas reflexões, propostas e produções, seus adeptos apresentariam
uma abordagem radicalmente inovadora tanto em relação à produção artística quanto ao papel
exercido pela mesma – assim como por seus produtores – nesta nova sociedade que tão
rapidamente se transformava e, se observada sob o prisma de décadas anteriores, se
descaracterizava. Tais artistas, talvez entre os mais entusiasmados com o progresso científico
e material oferecido pela experiência moderna mesmo entre outros artistas vanguardistas,
defenderiam com a voracidade que se tornaria característica das vanguardas a integração
direta do artista a este processo de modernização, e exigiria do mesmo uma participação
palpável e útil que contribuísse para a exponencialização deste processo.
Esta proposta artística, por sua vez, fora desenvolvida no interior de um dos esforços
de transformação social mais amplos do século XX, se não o maior: a Revolução Russa de
1917. Se desconsiderarmos momentaneamente quaisquer considerações relativas aos
resultados destes esforços, poderemos melhor contemplar a magnitude da intenção
transformadora evidente nas ações e nos escritos da liderança bolchevique de 1917. Foi neste
contexto, com a expectativa de não apenas participar deste processo revolucionário, mas de
liderá-lo, que os proponentes do construtivismo formalizariam suas diretrizes, interpretando
seus respectivos papéis e elaborando suas expectativas para o futuro a partir da ideologia
motriz de tal revolução.
Nas discussões que seguem, portanto, têm-se como objetivo principal a análise das
teorizações e produções construtivistas, bem como das circunstâncias sociais, políticas e
econômicas que as permearam, e as reflexões e produções artísticas vanguardistas que as
antecederam, de modo a melhor compreender as motivações e as reflexões de tais artistas,
bem como de inseri-los neste processo amplo de revolução social e, a partir de tal operação,
discutir também o grau de realização que foram capazes de alcançar como resultado de seus
esforços.
A produção construtivista pode ser delimitada a partir de 1917, concomitantemente
com a tomada de poder por parte do partido bolchevique, resultando de um redirecionamento
teórico de parte significativa da vanguarda artística pré-revolucionária – autodenominada
futurista – em sua busca por uma maior adequação e sincronia com a proposta ideológica
2
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Editora Schwarcz LTDA. 1999, 16ª ed,
p.16-17.
17
discussão mais especializada que contemple o cenário cultural e politico soviético durante o
período aqui contemplado.
Por outro lado, tal contexto de aridez acadêmica em relação a esta área de estudo
também representou desafios às investigações aqui propostas. No processo de elaboração da
presente tese, foi talvez o principal obstáculo a ser superado a escassez de tais materiais, bem
como a raridade de produções nacionais com as quais a presente discussão pudesse dialogar.
Considera-se que tal obstáculo fora satisfatoriamente superado, através da pesquisa primária
de arquivos e periódicos soviéticos contemporâneos, bem como do diálogo empreendido com
produções acadêmicas especializadas americanas, europeias e russas que tratam sobre este
tema e temas correlatos, e espera-se que a sua utilização aqui sirva de referência para que
outros estudos correlatos tenham ciência de sua existência.
O resultado destas reflexões e interpretações foi dividido em quatro capítulos, os quais
representam duas linhas de discussão fundamentais e complementares: a primeira consiste na
discussão da produção construtivista em si, abordando suas especificidades teóricas,
manifestações concretas e divergências interpretativas, bem como o grau de sucesso
alcançado por estes artistas em seus empreendimentos; por outro lado, realizar-se-á uma
análise paralela dos diferentes fatores que contribuíram para as escolhas realizadas por tais
artistas, a influência de tais fatores sobre os sucessos e insucessos de tais artistas, e as
maneiras através das quais as ações destes artistas, por sua vez, se fizeram sentir para além do
âmbito artístico.
Dessa maneira, o primeiro capítulo discutirá a própria categoria de construtivismo,
pretendendo primeiramente qualificá-la e contextualizá-la de modo a permitir ao leitor uma
nítida definição que o permita acompanhar todas as discussões empreendidas com seguro
entendimento acerca do que se pretende dizer quando aqui se lança mão de tal categoria.
Neste esforço de contextualização, far-se-á também ligações entre a produção construtivista e
o contexto vanguardista do século XX como um todo, e especialmente à produção futurista
russa que precedera o construtivismo. Pretende-se, em tal esforço de contextualização,
observar continuidades e rupturas que o construtivismo apresenta em relação às propostas
artísticas vanguardistas anteriores, de modo a melhor entender as expectativas e propostas de
tais artistas. O objetivo central deste capítulo é delinear as principais diretrizes teóricas e
singularidades da proposta artística construtivista, permitindo ao leitor um maior
entendimento das questões subjacentes às produções discutidas, bem como das semelhanças e
divergências entre tais diretrizes e o direcionamento partidário revolucionário, com o qual a
produção de tais artistas ora se alinhara, ora se afastara. Em tal esforço, lançar-se-á mão dos
19
nítida receberiam a chancela estatal para suas produções, culminando na resolução de 1932,
intitulada “A respeito da Reestruturação das organizações artístico-literárias”, a qual
dissolveria todas as organizações artístico-literárias.
21
Capítulo I
Construtivismo(s)
“Como a vida, a pintura não se move para trás, mas sim adiante com toda a velocidade, e
seu aparente retorno nada mais é senão um movimento espiral expandindo para o futuro”.
Aleksandr Rodchenko
22
O construtivismo russo, sobre o qual se pretende debater pelo decorrer de toda a tese,
tem sua formação e existência inserida no processo amplo de questionamentos, incertezas,
avanços e embates que de forma ampla Foucault começara a delinear acima. Tal silhueta não
seria terminada por Foucault, que a despeito de sua celebridade não seria capaz de completar
tão grandiosa obra – o próprio diz duvidar da capacidade mental do indivíduo humano em
abarcar a grandiosidade do processo que está a apontar. Mais adequado seria dizer que a
contribuição de Foucault foi uma adição significativa a um mosaico, a um conjunto de
contribuições que permite aos demais estudiosos do período um melhor entendimento da
experiência moderna no ocidente.
Este mosaico, que certamente não pode ser considerado “completo”, mas que talvez
por Gestalt se possa deduzir sua forma geral, tem dimensões desafiadoras: na medida em que
visa abarcar todas as áreas da experiência humana nas sociedades ocidentais, que
experimentavam a crescente aceleração da modernidade, tal mosaico há de se debruçar sobre
as manifestações culturais, organizações sociais, direcionamentos políticos, reformulações
econômicas e avanços científicos observados durante o período.
No interior desta infinidade de vetores que caoticamente delineiam a existência social
ocidental do início do século XX se insere o construtivismo, uma das manifestações artísticas
3
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 7
23
***
4
Abundantes exemplos podem ser observados na compilação de suas formulações teóricas: DOUGLAS,
Charlotte. Collected Works of Velimir Khlebnikov. Cambridge: Harvard University Press, 1987.
5
Entre muitos que apontam as inovações formais de Cézanne como uma das primeiras manifestações do
experimentalismo que viria a caracterizar as vanguardas encontra-se Herbert Read, que afirma “Não há dúvidas
24
Sobre a questão da estética e poética da vanguarda nós podemos ainda dizer que, ao
contrário da tradição clássica e de forma ainda mais extrema e intensa do que o
movimento romântico, são precisamente estas características ideológicas e
psicológicas que formam um substrato unificado e permanente para uma poética e
uma estética as quais, de um ponto de vista analítico, formariam um resultado tão
complexo e caótico, ao ponto de não parecer redutível a um mínimo denominador
comum. A poética particular de vários movimentos da vanguarda não permitem um
6
estudo sob uma espécie de conceituação estética única .
A única solução encontrada por Poggioli, e que aqui também se reconhece como a
melhor solução possível, é a de pluralizar a categoria – vanguardas – e abordá-la com
consciência destas dissonâncias internas, reconhecendo aquilo que as associa, sem ignorar
aquilo que as distancia – uma característica difusa que, poder-se-ia argumentar, torna ainda
mais adequada a escolha pelo termo militar. Para que se possa proceder a uma discussão
acerca de uma das propostas que se insere neste universo, necessita-se portanto de maior
delimitação do grau em que tais tendências consonantes e dissonantes se apresentam na
mesma, buscando-se propiciar a maior clareza possível no exercício da análise aqui proposta.
Recorre-se novamente a Poggioli para apontar a primeira tendência que se considera
inerente à vanguarda e que, ainda que presente no Construtivismo, não pode ser observada em
determinadas manifestações associadas à mesma: que a ação do artista viria a extrapolar os
limites da ação artística, direcionando-se ao menos parcialmente às áreas de ação política ou
social. Recorrendo a um Fourierista chamado Gabriel-Desiré Laverdant, que escrevera em
texto intitulado De la mission de l’art et du role des artistes:
Arte, enquanto expressão social, se manifesta, em suas maiores manifestações, as
mais avançadas tendências sociais: ela é a precursora e a reveladora. Portanto, para
de que aquilo que denominamos arte moderna inicia-se com a determinação unívoca de um pintor francês em ver
o mundo objetivamente. Não é necessário mistério ao utilizar-se essa palavra: o que Cézanne desejava ver era o
mundo, ou a parte deste que estava a contemplar, como um objeto, sem qualquer intervenção ou da mente
organizada ou das emoções desorganizadas”, ainda que complete dizendo que o próprio Cézanne provavelmente
“teria deserdado e despossuído seus filhos”. Cf. READ, H. A Concise History of Modern Painting. Londres:
Thames and Hudson, 1959, p. 13 Grifo do autor. Tradução nossa.
6
POGGIOLI, Renato. The Theory of the Avant-Garde. Cambridge: Harvard UniversityPress, 1968, p.5
25
saber se a arte cumpre de forma digna sua missão enquanto iniciadora, se o artista é
verdadeiramente um membro da vanguarda, é necessário que se saiba para onde a
Humanidade está indo, saber qual é o destino da raça humana... Junto ao hino à
felicidade, a dolorosa e desesperadora ode... Desnudar com um pincel impiedoso
7
todas as brutalidades, toda a sujeira, que são a base da nossa sociedade .
7
POGGIOLI, 1968, p.5.
26
8
FRASCINA, F. e HARRISON, C. (orgs.) Modern Art and Modernism: A Critical Anthology. Nova York:
Westview Press, 1982, p.5-10. O texto de Greenberg foi originalmente escrito em 1960
9
ORTEGA Y GASSET, Jose. A Desumanização da Arte. São Paulo: Editora Cortez, 2005.
10
ARGAN, G.C. Arte e Crítica da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1988, p. 32.
27
11
ARGAN, 1988, p. 29-32.
12
Sergei Shchukin e Ivan Morosov foram os detentores das duas mais extensas coleções de arte moderna na
Rússia durante o início do século XX. Credita-se a estes, portanto, uma parcela da responsabilidade no que
concerne a exposição das obras de Matisse, Picasso, Gauguin, Cézanne, entre outros, aos artistas russos do início
do século – em especial àqueles que não tinham meios para viajarem para o exterior, como diversos dos
futuristas aqui contemplados. Para mais sobre a vida, coleção e influência de Sergei Shchukin, vide GRAY,
Camilla. The Russian Experiment in Art (1863-1922). London: Thames and Hudson, 1971, p.67-69, e para
mais sobre Morosov, vide GRAY, Op.Cit., p. 69- 70.
13
Mundo da Arte foi um grupo criado em 1898 em São Petersburgo (e editor de revista homônima), considerado
responsável pela introdução do modernismo europeu na Rússia, entenda-se, os impressionistas e pós-
impressionistas, em especial franceses. O grupo se desfez em 1904, e muitos de seus participantes seguiram
caminhos diversos, mesmo que ainda fossem reconhecidos por seu empreendimento passado. Dentre seus
participantes os mais ilustres seriam Aleksandr Benois, visto como líder do grupo e cuja presença posterior no
campo artístico seria sentida primariamente enquanto crítico artístico, Sergey Diaghilev, conhecido pelos balés
que organizara na Europa posteriormente e Lev Bakst, conhecido cenógrafo que contribuíra para diversas
produções de Diaghilev
28
14
A visita de Marinetti à Rússia foi organizada por Genrikh Tasteven, representante russo da parisiense Société
des grandes conférences, e ex-editor da famosa revista simbolista Tosão de Ouro. Previamente à sua chegada,
Larionov chegou a conclamar seus colegas russos a jogarem ovos podres sobre Marinetti por causa de sua traição
aos ideais futuristas. A respeito da visita de Marinetti Khlebnikov e Livshits escreveram um panfleto que dizia:
“Hoje alguns nativos e a colônia italiana às margens do Neva, por motivos a eles conhecidos, se prostram
diante de Marinetti, por conseqüência traindo os primeiros passos da arte russa no caminho à liberdade e à
honra, e colocando o nobre pescoço da Ásia sob o jugo da Europa. (...)Estrangeiro, lembre-se, você está em
outro país! O laço do servilismo na ovelha da hospitalidade” – Cf. MARKOV, Vladimir. Russian Futurism: A
History. Washington DC, New Academia Publishing, 2006, p. 151
15
BURLIUK, D. et al. Slap in the face of public taste (1912). in: LAWTON, Anna (Org.). Russian Futurism
Through its Manifestoes, 1912-1928. Londres: Cornell University Press, 1988, p. 51.
16
LARIONOV, Mikhail e GONCHAROVA, Natalya. Rayonists and Futurists: A Manifesto (1913) in:
BOWLT, John E. Russian Art of the Avant-Garde. London: Thames and Hudson, 1988, p.87-91.
17
MALEVICH, Kazimir. From Cubism and Futurism to Suprematism: The New Painterly Realism (1915),
in: BOWLT, op.cit., 1988, p.116-135.
29
artísticas e o contexto social no qual se inserem, do que com detalhes de suas propostas
formais propriamente ditas:
Em Benedikt Livshits, do grupo Hiléia:
Em suma: se constitui um erro presumir que os princípios expostos acima
foram completamente realizados nos trabalhos dos poetas que os reconhecem, é uma
distorção maior ainda da verdade afirmar que a nova corrente, em última instância,
pode ser reduzida à formação de palavras em um sentido estrito. Em vão nossos
excessivamente sagazes e solícitos amigos, que estão nos ajudando a constituir
nosso movimento, estão nos empurrando em direção àquele estreito caminho com
um zelo digno de melhores aplicações. Adaptando tudo que ocorre ao seu redor de
acordo com sua restrita compreensão, eles, ao nosso ver, com total honestidade
deixam de perceber o aspecto mais importante desta nova corrente – seu alicerce: a
mudança do ponto de vista ao se abordar o trabalho poético. Assim como queremos
“jogar Pushkin, Dostoevskii, Tolstoi etc. etc. para fora do Navio da Modernidade”,
não porque “nós estamos fascinados por novas temáticas”, mas porque deste novo
ponto de vista, deste novo ângulo, seus trabalhos perderam uma parte considerável
do seu não antes válido charme, da mesma forma que não se pode buscar (como o
faz, por exemplo, Bryusov) a essência e os critérios de avaliação da nova corrente na
correspondência ou não-correspondência de nossos neologismos com o espírito da
língua russa, ou entre nossas sentenças e a sintaxe acadêmica; não se pode buscá-los
em nossos meios de experimentação com novas rimas ou na justaposição de palavras
aparentemente incompatíveis. Tudo isto é periférico à nova corrente, é apenas um
meio relevante para a nossa transiente atualidade, a qual, sem tentar diminuir nossa
própria poesia, provavelmente rejeitaremos amanhã. Mas, o que nos separa de
nossos predecessores e de nossos contemporâneos com uma lacuna intransponível é
a exclusiva ênfase que colocamos sobre a palavra criativa, livre pela primeira vez,
18
liberta por nós.
Em Larionov e Goncharova:
Nós já temos esterco suficiente; agora precisamos plantar
(...) Arte para a vida e mais ainda – a vida para a arte!
Nós exclamamos: a totalidade do estilo brilhante dos tempos modernos – nossas
calças, casacos, sapatos, carrinhos, carros, aviões, ferrovias, grandiosos navios a
vapor – é fascinante, é uma grande época, uma que não possui paralelos em toda a
19
história do mundo .
Em Malevich:
É um erro supor que a época deles [dos mestres do Renascimento] foi o mais
brilhante florescimento da arte e que as gerações mais jovens devem a todo custo
aspirar a este ideal.
Esta ideia é falsa.
Ela distrai as forças jovens da corrente contemporânea da vida e dessa forma, as
distorce.
Seus corpos voam em aviões, porêm eles cobrem a arte e a vida com os velhos robes
de Neros e Ticianos.
18
LIVSHITS, Benedikt. The Liberation of the Word (1913) in: LAWTON, 1988, p. 81.
19
LARIONOV, Mikhail e GONCHAROVA, Natalya. Rayonists and Futurists: A Manifesto (1913) in:
BOWLT, 1988, p.89.
31
Consequentemente eles não são capazes de observar a nova beleza de nossa vida
moderna.
Porque eles vivem da beleza de épocas passadas.
(...) O vazio do passado não pode conter as gigantes construções e movimentos da
vida.
Na nossa vida de tecnologia.
(...) O lado tecnológico de nossa época avança cada vez mais, porém as pessoas
20
tentam empurrar a arte cada vez mais para trás.
Uma nova vida requer uma nova comunidade e uma nova forma de propagação.
(...) Nós juntamos a arte à vida. Depois de um longo isolamento dos artistas, nós em
convocamos a vida e a vida invadira a arte; é o momento para que a arte invada a
vida. O pintar de nossos rostos é o início da invasão. É o motivo pelo qual nossos
corações batem dessa maneira.
Auto-pintura é uma das novas posses valiosas que pertencem ao povo, como todas
as outras em nossa época. As antigas eram incoerentes e foram esmagadas pelo
dinheiro. Outro era valorizado como um ornamento e se tornou caro. Nós jogamos
para fora de seus pedestais ouro e pedras preciosas e os declaramos sem valor.
Cuidado, vocês que as colecionam e as acumulam – em breve se tornarão pedintes.
(...) O telescópio discerniu constelações perdidas no espaço; a pintura falará de
ideias perdidas.
Nós nos pintamos porque uma face limpa é ofensiva, porque nós queremos
apresentar o desconhecido, rearranjar a vida, e erguer a múltipla alma do homem aos
21
limites superiores da realidade.
De fato, os escritos de tais artistas – não apenas os russos – são célebres por suas
declarações bombásticas e escandalosas, e em determinados casos pode-se até questionar o
grau em que tais pretensões pode ser observado na real produção artística de seus proponentes
– sendo Davi Burliuk talvez aquele que mais tenha, no futurismo russo, a reputação entre
acadêmicos do artista que muito bradara, mas pouco fizera, em termos de inovação e
experimentação artística e/ou social22. No entanto, não é construtiva uma abordagem cínica de
20
MALEVICH, Kazimir. From Cubism and Futurism to Suprematism: The New Painterly Realism (1915),
in: BOWLT, 1988, p.120. Grifo nosso.
21
ZDANEVICH, Ilya e LARINOV, Mikhail. Why we paint ourselves: A futurist manifesto (1913) in:
BOWLT, 1988, p.79-83. Para uma tradução completa do manifesto em questão, vide anexo, p. 277-278.
22
Nas palavras ásperas de Vladimir Markov, ao analisar a contribuição de Burliuk ao almanaque Armadilha
para Juízes, de 1910: “There is nothing to praise in the eighteen poems by Nikolai Burliuk, who reveals himself
here a third-rate poeto f the symbolist school. These are clearly na amateur’s Works (sic), showing little feeling
for language or originality”. Cf. MARKOV, 2006, p. 24. O mesmo tom é observado recorrentemente na análise
de Markov acerca da produção e das formulações teóricas de Davi Burliuk. Há de se apontar, de modo
complementar, que os irmãos Burliuk (Davi, Nikolay e Vladimir) eram a principal fonte de financiamento do
grupo Hiléia, o qual se reunira na residência dos irmãos e fora nomeado a partir do nome da região na qual tal
casa se situava (Chernyanka, área que em tempos da Grécia antiga era nomeada Hiléia). O primeiro almanaque
futurista Um tapa na cara do Gosto Público fora publicado com recursos dos irmãos Burliuk.
32
tais manifestos, e beneficia-se aquele capaz de aplicar não apenas o conteúdo mas a
linguagem de tais manifestos à análise das obras de tais autores, buscando apreender o real
intuito revolucionário dos mesmos, para então decidir-se acerca do grau de sucesso
apresentado nas obras – operação analítica a ser realizada em capítulo posterior, no que
compete à produção construtivista.
A cultura de materiais, apenas uma vez mencionada, merece destaque. Desenvolvida
por Tatlin, e exibida pela primeira vez na exibição 0.10 em 191523, viria a ser considerada por
muitos, incluindo o próprio Tatlin, como precursora do Construtivismo – por vezes inclusive
subsumida ao termo Construtivismo sem maiores deliberações, o que aqui se afirma ser uma
decisão analítica equivocada.
A Cultura de Materiais consistia na proposta de se produzir arte a partir da utilização
de materiais cotidianos como o cobre, o ferro, o vidro etc. – materiais até então alheios ao
meio artístico – de modo a estudar suas propriedades e aplicabilidades no campo das artes 24.
A partir de experimentos iniciais nos quais a bidimensionalidade da pintura emoldurada era
hibridizada pela tridimensionalidade de materiais que delas saltavam ou elas atravessavam,
logo aboliria os constrangimentos da moldura em prol de seus famosos contra-relevos, obras
de experimentação tridimensionais.
23
A exposição 0.10 foi denominada por seus organizadores como “a última exposição futurista”. Foi nesta
exposição que Tatin apresentou seus primeiros experimentos formais tridimensionais e os inseriu na sua Cultura
de Materiais, e também nesta exposição que Malevich lançou sua proposta não-objetiva, denominada
Suprematismo. Para uma discussão aprofundada sobre esta exposição e sua recepção pelos críticos de arte
russos, Cf. SHARP, J. The Critical Reception of the 0.10 Exhibition: Malevich and Benua, in: GERMANO,
C.; GIMENEZ, C. (orgs.), The Great Utopia: The Russian and Soviet Avant-Garde, 1915-1932. Nova York:
The Solomon R. Guggenheim Museum, 1992,
24
Suas reflexões podem ser relacionadas, portanto, aos experimentos contemporâneos de Marcel Duchamp e,
especialmente de Pablo Picasso, cujas colagens tridimensionais utilizando madeira, por exemplo, datam de 1912.
Segundo Gray, inclusive, a “inspiração” de Tatlin provavelmente veio diretamente do inventor do cubismo.
Afirma que em 1912, com um grupo de amigos, o até então pouco conhecido Tatlin se envolveu em uma viagem
para a Europa, na qual as performances musicais deste grupo – realizadas nas ruas das cidades visitadas –
deveria financiar a viagem. Economizando, Tatlin supostamente viajara a Paris em busca do pintor que
idolatrava, e teria pedido insistentemente para trabalhar sob o mesmo, porém teve seu pedido recusado. A
coincidência entre estas datas e este contato sugerem que, talvez, a visita ao ateliê de Picasso e o contato com
seus pupilos, bem como o grande interesse de Tatlin sobre as experimentações do pintor francês, tenham tido
alguma parcela de influência na criação da Cultura de Materiais.
33
O termo construtivismo só foi de fato utilizado com fim de denominar uma proposta
artística específica no contexto artístico russo em 1921, na medida em que a guerra civil
caminhava para o seu fim e durante a implementação da Nova Política Econômica (NEP).
25
TATLIN, V. The Work Ahead of Us (1920) in: BOWLT, 1988, p. 206-207. Grifo nosso.
35
26
Inkhuk (Institut Khudozhestvennoi Kulturi): Instituto de Cultura Artística. Formado em 1920 a partir da
iniciativa dos artistas que até então compunham a seção de artes [IZO] do Comissariado de Esclarecimento do
Povo [Narkompros], o Inkhuk tinha como principal servir como foro de discussões para a vanguarda soviética,
no qual eram debatidas questões consideradas importantes para o futuro desenvolvimento artístico e cultural
soviético, focando especialmente na discussão teórica e aplicada da abordagem construtivista, bem como da
questão de treinamento de novos artistas e da eventual integração do artista à realidade produtiva industrial.
27
GOUGH, Maria. The Artist as Producer: Russian Constructivism in Revolution. Berkeley: University of
California Press, 2005, p.68.
36
28
GOUGH, 2005, p. 103.
29
MARGOLIN, Victor. The Struggle for Utopia; Rodchenko, Lissitzky, Moholy-Nagy, 1917-1946. Chicago:
The University of Chicago Press, 1997, p.89.
37
30
LAVRENTIEV, Alexander (ed.). Aleksandr Rodchenko Experiments for the Future. Diaries, Essays,
Letters and other writings. Nova York: The Museum of Modern Art, 2005, p.108.
31
MARGOLIN, 1997, p.113.
32
LAVRENTIEV, op.cit., p.114.
33
RAILING, Patricia. The Idea of Construction as the Creative Principle in Russian Avant-Garde Art, in:
Leonardo, Vol.28, No 3 (1995), p. 200.
38
proponentes. Se a discussão relativa à produção de tais artistas será realizada mais adiante,
aqui cabe uma discussão breve de determinados conceitos-chave que permitem, dessa forma,
um entendimento mais completo das implicações teóricas da produção construtivista.
Uma das principais subcategorias inseridas no contexto do Construtivismo é aquilo
que se pode denominar produtivismo. Esta categoria se faz presente em determinados escritos,
porém de forma esporádica e inconstante. Por vezes artistas que estão a propor bases de uma
arte produtivista intitulam-se construtivistas, negando realmente qualquer consistência ao
termo enquanto uma divisão usada e consolidada no período. Alguns autores simplesmente
não mencionam este termo e simplesmente limitam-se a utilizar construtivismo como um
verbete amplo, ainda que não discutam o porquê desta escolha. Em termos básicos, essa
subcategoria contida no construtivismo se diferencia das demais por almejar em suas
intenções utilitárias um objetivo mais radical: a completa extinção do artista e a sua
integração à produção industrial – efetivamente fundindo as perícias e qualidades do artista
com às do engenheiro e arquiteto buscando máxima otimização. Dessa forma, a diretriz
utilitária era levada ao seu limite, com o fim do artista como consequência inevitável da
sociedade soviética e da natureza – ao menos parcialmente – contemplativa desse ofício.
Dentre os participantes deste subgrupo, por exemplo, cita-se Stepanova e Lyubov Popova, que
foram capazes integrarem-se no campo de produção têxtil e desenvolver diversos padrões
para roupas para a nova sociedade baseadas em investigações formais e suas conclusões; da
mesma forma pode-se inserir Tatlin no subgrupo, que durante a década de 20 tentou aprimorar
a eficiência de objetos do cotidiano como fogões e casacos, e mesmo desenvolver um aparato
pessoal de vôo – a Letatlin34. Para além dos confins da arte como podia ser até então
compreendida, os produtivistas almejavam a simbiose entre engenheiro e artista e a criação de
um novo profissional, acumulando o conhecimento técnico do primeiro e a natureza criativa e
o conhecimento formal do segundo – o artista-engenheiro. A arte como ofício autônomo,
portanto, extinguir-se-ia em prol de uma engenharia artística, capaz de gerar soluções
criativas às demandas materiais da sociedade soviética.
34
O nome decorre da contração do verbo Letat (voar) e o nome do artista.
39
De forma pedagógica o crítico literário Viktor Pertsov, em seu texto de 1922 intitulado
“Na junção entre arte e produção”, descreve em linhas marxistas o processo que resultara no
produtivismo. A combinação de segmentos abaixo ilustra essas bases produtivistas e a
maneira através da qual Pertsov as justifica historicamente:
(...) [Esta fusão] pode ser alcançada após termos recriado os sistemas de educar o
artista e o engenheiro, e depois de termos unido os mesmos de acordo com nossos
35
novos objetivos .
35
PERTSOV, Viktor. At the Junction of Art and Production (1922), in: BOWLT, p.231-236. Grifo nosso.
41
37
ObMoKhu (Obshchestva Molodykh khudozhnikov): Sociedade de Jovens Artistas. Formada em 1919 a partir
das oficinas construtivas oferecidas por Echeistov nos Ateliês Artísticos Estatais Livres (Svomas) de Moscou, a
ObMoKhu foi um dos primeiros grupos a adotar, de forma decidida e programática, a postura mecanicista que
defendia a extinção da arte e a assimilação do conhecimento artístico ao campo da engenharia e de outros ramos
da produção. Apresenta grande semelhança ao programa do Primeiro Grupo de trabalhadores Construtivistas,
formado em 1921, ao qual pertenciam artistas conhecidos como Rodchenko, Popova, Stepanova e Aleksei Gan.
38
Os Svomas serão melhor discutidos no capítulo seguinte.
39
LODDER, C. Russian Constructivism. New Haven: Yale University Press, 1983, p. 69
40
Ibid., p. 69
41
Ibid., p. 72
43
42
Opoyaz (Obshchestvo izucheniya poeticheskogo yazyka): Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética).
43
Cf. KRAUSS, Rosalind E. - The originality of the Avant-Garde in The originality of the Avant-Garde
and other modernist myths – Cambridge: MIT Press, 1986. p. 152. Este trecho, por sua vez, encontra-se no
texto do autor intitulado “Work of art in the age of mechanical reproduction”.
44
44
RAILING, 1995, p. 193.
45
45
Cf. FREDRICKSON, Laurel. Vision and Material Practice: Vladimir Tatlin and the Design of Everyday
Objects in: Design Issues, Vol. 15 no 1 (Spring, 1999), p.50.
46
Tais neologismos poderiam variar desde palavras inteligíveis formadas a partir da utilização lógica – ou ao
menos compreensível – dos critérios de formação de palavras até palavras completamente novas, às quais se
poderia atribuir a expectativa de um impacto estético de outra ordem, extrapolando o sentido construído
racionalmente e visando um impacto emocional a partir de sua fonética ou de sua morfologia, por exemplo. O
que torna, para estes autores, o recurso transracional uma possibilidade tão rica é a amplitude de aplicações que
oferece. A cada manifesto se observam cada vez mais afirmações e possíveis aplicações para este recurso,
46
neologismos poderiam variar desde palavras inteligíveis formadas a partir da utilização lógica
– ou ao menos compreensível – dos critérios de formação de palavras até palavras
completamente novas, às quais se poderia atribuir a expectativa de um impacto estético de
outra ordem, extrapolando o sentido construído racionalmente e visando um impacto
emocional a partir de sua fonética ou de sua morfologia. Expandindo a noção de língua e
investigando-a por outras perspectivas que não a do conteúdo, esperava-se um entendimento
mais aprofundado sobre suas propriedades e possibilidades.
Exemplo disto pode ser extraído do manifesto Declaração da Palavra em si47,
assinado por Kruchenykh, no qual se pode ler que “uma nova forma verbal cria um novo
conteúdo, e não vice-versa”48. Através desta afirmação, este escritor inverte um cânone do
senso comum, de que uma palavra é criada em decorrência da demanda de que um
determinado significado seja contemplado linguisticamente. Na verdade, diz o autor, através
da reflexão e experimentação linguística, pode-se alcançar construções de linguagem a partir
das quais novos conteúdos e percepções se tornem evidentes, portanto “libertando” a língua
de sua submissão ao sentido e de demandas a ela externas.
Nas artes plásticas, o Suprematismo demonstrou a mesma natureza investigativa,
buscando estabelecer propriedades e inter-relações entre diferentes cores, linhas, texturas,
com o intuito de desvendar as propriedades de cada um dos elementos que compunham a arte
pictórica para que os mesmos fossem manipulados conscientemente pelo pintor. A própria
abordagem suprematista de Rodchenko às suas obras entre 1918 e 1921 demonstram esta
postura, na medida em que o autor cataloga os resultados observados a partir de seus diversos
experimentos formais e busca, a partir dos mesmos, a formulação de entendimentos gerais e o
descobrimento de aspectos fundamentais à produção pictórica49; tal aspecto investigativo
ainda se observa na interpretação do próprio Rodchenko, ainda em 1920, sobre o futuro da
pintura, para ele apenas dedutível, porém não passível de definição50. Se no início deste
capítulo se fez menção a Foucault e ao que o mesmo designara como um cenário de “crise da
demonstrando o escopo da revolução lingüística que estes autores esperavam permitir a partir da experimentação
transracional.
47
KRUCHENYKH, A. Declaration of the Word as Such (1913). In: LAWTON, 1988, p. 67-68.
48
ibid. p. 68.
49
LAVRENTIEV, Alexander (ed.). Aleksandr Rodchenko Experiments for the Future. Diaries, Essays,
Letters and other writings. Nova York: The Museum of Modern Art, 2005, p.86-98.
50
Ibid., p.99.
47
51
A título de exemplo, aponta-se o manifesto de título sugestivo escrito por KRUCHENYKH, Alexei. Secret
Vices of the Academicians (1915), in: LAWTON, 1988, p. 90-94.
48
(...)E como, por quanto tempo, poderia um pintor carregar todo o fardo dos prévios
desenvolvimentos? Eventualmente resultaria em sua morte sem que em um trabalho
ele fosse capaz de abarcar todos estes prévios desenvolvimentos, sem mencionar os
52
seus próprios...
1.8 – Kazimir Malevich - Cruz Preta, Quadrado Preto, Círculo Preto, 1915
52
LAVRENTIEV, 2005, p.101.
49
.
1.10 – Ivan Kudriashev – Design de interior para
o primeiro teatro soviético em Orenburg, 1920
50
Esta interlocução entre arte e ciência suscitou mais do que uma abordagem objetiva
em relação à arte. No futurismo pré-revolucionário russo pode-se notar que a noção de
progresso científico e material humano, a “ausência de limites” mencionada acima, se observa
não apenas em seus manifestos, mas em suas obras. Pode-se notar um aspecto emancipatório
da produção futurista russa, a qual 1) adquirira tons nacionalistas nítidos nos escritos e obras
de vários de seus participantes56, tendo seu exemplo mais básico o verbete budetlyanstvo
53
RAILING, 1995, p. 196-199 passim.
54
JAKOBSON, R. A Geração que esbanjou seus poetas. São Paulo: Cosac Naify, 2007, p. 29-30.
55
RAILING, 1995, p. 196
56
A título de exemplo pode-se apontar o manifesto raionista de Larionov e Goncharova, no qual os autores
glorificam “o Oriente” e “o nacionalismo”, enquanto acusam o Ocidente de “vulgarizar as nossas formas e
51
formas orientais, rebaixando o nível de tudo”. Cf. LARIONOV, Mikhail e GONCHAROVA, Natalya. Rayonists
and Futurists: A Manifesto (1913) in: BOWLT, 1988, p. 90.
57
A palavra budushchii significa futuro, sendo inclusive a partir desta que Khlebikov cunharia suas palavras para
o futurismo russo, como budetlyanin (futurista).
58
GRAY, 1971, p.153.
52
discutida no terceiro capítulo. Ao discorrer sobre suas motivações em relação a este projeto,
Tatlin dissera: “Eu quero dar de volta ao homem a sensação de voar. O vôo mecânico do
avião a tirou de nós”59. Ironicamente, enquanto o futurismo italiano glorificaria a máquina
enquanto símbolo da modernidade e do progresso, sua contraparte russa e o Construtivismo
que se desenvolveu a partir da mesma priorizaram o potencial humano evidenciado pela
modernidade, rejeitando a proposta italiana como idólatra e reconhecendo os empecilhos que
a mesma modernidade poderia impor ao ser humano – os quais haviam de ser superados pelo
esforço consciente humano em busca do progresso constante. Como se observa no recorrente
brado que exigia a integração entre arte e vida, a produção vanguardista russa – e
especialmente o construtivismo, devido a sua natureza concreta – se baseia sobre uma
abordagem ativa e contemporânea do indivíduo, o qual deve interferir sobre a sua realidade, e
produzir ao invés de apenas assimilar – como brada Rodchenko:
Trabalhe para a vida, e não para palácios, templos, cemitérios e museus.
Trabalhe em meio a todos, para todos, e com todos.
Nada é eterno, tudo é temporário.
Consciência, experiência, objetivos, matemática, tecnologia, indústria e construção –
isso é o que está acima de tudo, acima da arte.
Viva a tecnologia construtiva.
Viva a abordagem construtiva a cada empreendimento
60
Viva o CONSTRUTIVISMO .
59
Cf. FREDRICKSON, 1999, p.68.
60
LAVRENTIEV, 2005, p.114-115.
61
ARVATOV, Boris. Puti proletariat v izobrazitelnom iskusstve, in: TOLSTOI, V. P. (org.)
Khudozhestvennaya Zhizn Sovetskoi Rossii 1917-1932. Moscou: Galart, 2010, p. 128.
54
Em sua opinião [de Tatlin], é necessário se dar fim de uma vez por todas às
representações humanas; os monumentos modernos devem acima de tudo responder
ao desejo comum de síntese entre cada ramo individual da arte, a qual nós agora
observamos. Nenhuma pintura sem um entendimento espacial (e, em certos casos,
plástico) da forma, nenhuma escultura desprovida de entendimento [Kultury]
arquitetônico e pictórico, nenhuma arquitetura sem pintura ou espaço. O arquiteto, o
pintor, e o escultor devem participar igualmente no desenvolvimento e na concepção
de um monumento moderno. (...). O melhor plano não é aquele dividido em partes,
mas aquele que em sua totalidade satisfaz simultaneamente o arquiteto, o escultor e
62
o pintor .
62
PUNIN, Nikolai O Pamyatnikakh, in: TOLSTOI, 2010, p. 105.
55
Para Gan, o único destino cabível à arte era a extinção; na medida em que a
praticidade, eficiência e utilidade de suas obras se tornassem os únicos critérios de avaliação
deste trabalho, a imposição de mecanicidade e racionalidade ao artista se tornaria ubíqua bem
como a distinção entre artista e engenheiro, nula, obsoleta. Entre alguns construtivistas do
grupo ObMoKhu, por exemplo, esta posição se apresenta com clareza, como demonstra a
afirmação de Medunetsky: “A arte termina conosco”; ou nas conclusões dos irmãos Stenberg:
“Eles [artistas] não servem para nada. Eles deveriam ser tratados da mesma maneira que a
Cheka trata os contra-revolucionários”64. Outros artistas, como Tatlin e Rodchenko, não
profetizam a extinção do artista, mas a sua hibridização sem completa assimilação por parte
63
GAN, A. Constructivism (1922) in: BOWLT,1988, p. 221. Tradução nossa. Grifo e formatação do autor,
adaptação nossa.
64
Cf. GASSNER, H. The Constructivists: Modernism on the way to modernization in: GERMANO, C.;
GIMENEZ, C., 1992, p. 299.
56
65
Esta titulação não aparece apenas em manifestos e elucubrações de determinados artistas, mas foi de fato uma
formação acadêmica reconhecida na União soviética até meados da década de 1930, oferecida, por exemplo,
pelo Vkhutemas (Vyshie khudozhestvenno-tekhnicheskii Masterskie – Oficinas Técnicas-Artísticas Superiores).
66
GASSNER H. The Constructivists: Modernism on the way to modernization in: GERMANO, C.;
GIMENEZ, C. (orgs.), 1992, p.312.
67
LAVRENTIEV, 2005, p.98-99.
68
Neste manifesto Lissitzkii optou por não recorrer a quase pontuação gramatical alguma, bem como a não
utilizar a tradicional letra maiúscula para o início de uma nova frase. Esta tradução, portanto, apenas reproduziu,
57
Este traço que agrega toda a produção construtivista é justamente aquilo que aqui se
busca definir como uma dimensão holística do construtivismo. Para além da arte, seus
participantes pretendiam integrar suas produções à realidade social na qual se inseriam,
tornando arte e ação social indistinguível – o que os diferenciaria não só dos demais artistas,
mas também dos “diversos mestres-artífices que bem conhecem o trabalho de seus colegas
mas não a beleza de seus materiais esta estrutura complexa tomada por completa representa
um organismo UNIFICADO” 69 o que é muito diferente de uma arte com intenções sociais ou
pretensões políticas. Considera-se, portanto, o construtivismo como possuidor de uma
dimensão holística justamente por ele carregar em si uma visão de mundo que excede os
confins da produção artística, por consistir em um sistema de ideias e valores que busca
abarcar toda a experiência humana, dedutível a partir do papel que estes indivíduos esperavam
realizar no interior de tal sistema.
Essa sistematização de valores e ideias foi uma característica do construtivismo que o
tornou especialmente afim da ideologia marxista – parcialmente de modo “oportunista”, como
as discussões posteriores hão de demonstrar. Chamar esse agente convergente de “ideológico”
é possível, porém passível de falsas interpretações em decorrência da polissemia da palavra
“ideologia” e de suas conotações políticas70; no entanto, em busca de denominadores comuns,
poder-se-ia aproximar os dois termos e simplesmente postular que as plataformas
construtivista e marxista demonstravam afinidades que tornam compreensível uma
aproximação entre proponentes de ambas.
A principal confluência entre o construtivismo e marxismo está no inerente
materialismo comum a ambos, na ênfase sobre a produção material e o trabalho como
unidades gerais de atribuição social de valor a qualquer esforço ou iniciativa71. Tal como o
marxismo postula que apenas através do trabalho é possível medir-se adequadamente a
contribuição social de um indivíduo ou grupo, no interior do sistema construtivista o valor
material e utilitário da obra produzida passa a ser o principal critério a partir da qual a obra é
na melhor de suas capacidades, a escolha formal do autor. Cf. EL LISSITZKY. Suprematism in World
Reconstruction (1920), in: BOWLT, 1988, p.157.
69
Cf. EL LISSITZKY. Suprematism in World Reconstruction (1920), in: BOWLT, op.cit., 1988, p.157.
70
WILLIAMS, R. Palavras-Chave [um vocabulário de cultura e sociedade]. São Paulo: Boitempo Editorial,
2007.
71
LODDER, 1983, p.47.
58
72
Usa-se aqui o termo “obra” por tratar-se de uma discussão sobre a produção de um grupo reconhecido pela
comunidade acadêmica como artístico, sendo à produção deste portanto reservado o uso do verbete
correspondente. Entende-se, entretanto, que em retrospecto seria provavelmente mais apropriado o uso de um
termo desprovido do sentido artístico que adquiriu a palavra obra, sendo provavelmente palavras como
“produto” designações mais apropriadas.
73
BRIK, Osip. From Pictures to Textile Prints (1924) in: BOWLT, 1988. p.247.
59
por outro lado, em suas produções estritamente utilitárias buscavam apresentar o homem
russo diretamente às novas possibilidades permitidas pela modernidade, pela indústria e pelo
comunismo.
Esta abordagem se assemelha àquela empregada pelo partido bolchevique, de
revolução vinda de cima. Tal como o partido de Lenin buscou a demolição do sistema anterior
e a construção de um sistema político novo simultaneamente para o bem e à revelia da
população em geral, também os construtivistas pretendiam a transformação cultural por pela
ação direta, manifesta em exemplos concretos, materiais, e esperavam resistência durante este
processo por parte daqueles que não eram realmente capazes de ver – ainda – o caminho certo
a ser seguido. Em outras palavras, enquanto as expectativas iniciais do partido eram de
sobrepujar a resistência popular inicial e promover consenso em relação ao novo sistema
político após terem tomado o governo, a partir da aceitação popular de suas políticas iniciais,
também eram expectativas destes artistas promover uma transformação na percepção social e
cultural do cidadão soviético à partir da inovação, racionalização e modernização da
produção, realizada por eles. Alinhados com a posição teórica original do Comissariado de
Esclarecimento do Povo (Narkompros77), estes indivíduos esperavam promover, como uma
reação química, a gênese de um homem novo a partir da exposição do homem tradicional a
novas experiências, reações e possibilidades. Esta intenção se torna aparente, por exemplo,
nas palavras de Tatlin, que em 1920 escreveu:
Os resultados [da investigação e análise de materiais, volume e construção] são
modelos que nos estimulam a invenções em nossa tarefa de criação de um novo
mundo, e que motivam os produtores a exercer controle sobre as formas
78
encontradas em nossa vida cotidiana .
77
Narkompros (ou NKP) é uma contração de Narodnyi Komissariat Prosvesheniya.
78
TATLIN, Vladimir. The Work Ahead of Us (1920) in: BOWLT, 1988, p. 207. Grifo nosso.
61
Tatlin, por sua vez, justifica o papel do artista em termos semelhantes em seu
manifesto de 1919, intitulado “A indivíduo-iniciativa na criatividade do coletivo”:
1 O indivíduo-iniciativa é o agregador de energia do coletivo, direcionada ao
conhecimento e à invenção.
2 O indivíduo-iniciativa serve como ponto de contato entre a invenção e a
criatividade do coletivo
3 A viabilidade do coletivo é confirmada pelo números de unidades de iniciativa
evidentes no mesmo
4 O indivíduo-iniciativa é o ponto de refração da criatividade do coletivo e
80
proporciona a realização da ideia .
O mesmo tom permeia todo o texto de Gan já mencionado, bem como diversos outros
textos construtivistas contemporâneos. Não apenas é um texto de linguagem ativa, na qual
observa-se a intenção de tomar a iniciativa e as rédeas do processo de transformação social,
mas de clara intenção pedagógica: obviamente seus signatários não tinham qualquer
expectativa que estes textos fossem lidos por milhões de russos; no entanto, nestes textos
pretende-se deixar claro os métodos que tais artistas pretendiam utilizar em suas tentativas de
educar o cidadão soviético, torná-lo consciente das novas condições materiais a ele
disponíveis. Apenas um breve fragmento do manifesto fundador do grupo realista AKhRR,
defensor de cânones e aplicações artísticas tradicionais e suposto continuador da tradição do
realismo social russo do século XIX (na qual os andarilhos assumem posição de destaque81),
deve demonstrar com dura clareza mais do que o contraste entre o que buscavam produzir
construtivistas e realistas, mas as diferentes percepções dentre estes artistas em relação ao
79
The First Working Group of Constructivists (1921) in: BOWLT, 1988., p.241-242. Grifo nosso.
80
FREDRICKSON, 1999, p.59. Grifo nosso. O uso do termo “indivíduo-iniciativa” é uma opção de Tatlin, o
qual buscava um termo satisfatório que substituísse o carregado termo “artista”.
81
Os Andarilhos (Peredvizhniki) compunham um grupo artístico realista iniciado em 1863, que se caracterizou
pelo rompimento com os cânones acadêmicos da época, optando por pintar a Rússia “como ela era”, e
promovendo exposições itinerantes que atravessavam a Rússia. A produção realista do grupo tinha conteúdo de
crítica social, demonstrando características paralelas às dispostas pela produção realista francesa de meados do
século XIX – dentre as quais pode-se apontar a obra de Courbet. Dentre seus principais participantes
novecentistas cita-se Ilya Repin, Valentin Serov e Nikolai Kuznetsov. A tradição realista itinerária ainda existia
no período do artigo, e artistas autodenominados andarilhos ainda expunham suas obras pela RSFSR e, depois,
por toda a URSS.
62
papel social do artista. Mesmo o tom e a escolha de palavras deste manifesto permite ampla
comparação, que espera-se ser aparente ao leitor após a discussão aqui empreendida:
[Os artistas são] os porta-vozes da vida espiritual do povo.
Nosso dever cívico perante a humanidade é representar, de forma artística e
documental, o impulso revolucionário deste grande período histórico.
Nós representaremos o dia presente: a vida do Exército Vermelho, dos
trabalhadores, dos camponeses, dos revolucionários e dos heróis do trabalho.
Nós apresentaremos uma verdadeira representação dos eventos e não confecções
82
abstratas que desacreditam nossa Revolução diante do proletariado internacional .
82
AKhRR. Declaration of the Association of Artists of Revolutionary Russia (1922) in: BOWLT, 1988,
p.266. Grifo nosso.
83
A discussão das duas categorias pode ser encontrada em: BERMAN, 1999, p.199-220 passim.
84
ibid. p.199.
85
ibid., p.204.
63
86
Berman define os raznochintsy (pl.) como “’homens de várias origens e classes’, termo administrativo para
todos os russos que não pertenciam à alta ou à baixa nobreza. Esse termo equivale, mais ou menos, ao Terceiro
Estado francês pré-revolucionário” (BERMAN, 1999, p.203).
87
Não se pretende aqui defender que os construtivistas eram os únicos que atacavam os rigores acadêmicos pré-
revolucionários, pois há de se ver adiante que outros grupos partilhavam este anti-academicismo. Da mesma
forma, este impulso anti-acadêmico é perceptível em diversas produções modernas, inclusive no futurismo russo
pré-revolucionário. Aqui apenas se sustenta que a discussão relativa à validade da tradição acadêmica é
responsável pela polarização do debate entre construtivistas e realistas, tal como a discussão acerca da validade
da tradição social e política oitocentista polarizou o debate entre homens supérfluos e novos.
64
em promover mudança social, é especialmente significativa pelo paralelo com Lenin 88. Tal
como Lenin, para Rodchenko, Popova, Stepanova, Gan e outros construtivistas lhes cabia a
responsabilidade de liderança – de vanguarda! – no processo de transformação cultural. Esta
premissa não consistia em um desafio direto à autoridade do partido, mas apenas na
constatação de que a transformação na área da cultura deveria ser empreendida pelos que
melhor entendiam a área em questão; dessa maneira, caberia aos próprios artistas a
responsabilidade em adequar este aspecto da cultura russa à nova realidade revolucionária.
Para eles, permitir que economistas e filósofos fossem responsáveis pelo direcionamento
artístico-cultural revolucionário seria equivalente a permitir que os mesmos economistas e
filósofos fossem responsáveis pelas decisões tomadas em campos científicos específicos
como agronomia e biomedicina – ironicamente, um desdobramento que transcorreu na Rússia
soviética e em outros países comunistas revolucionários, como a China, nos quais decisões
relativas a diversos campos de conhecimento eram tomadas por homens cujo mérito muitas
vezes repousava não sobre seu domínio sobre tal campo, mas sua posição e confiabilidade no
interior do partido.
Esta discussão serve para reforçar o quanto o construtivismo transgride os limites
tradicionalmente reconhecidos da arte. No fragmento do manifesto realista apresentado acima
pode-se observar a ênfase de seus signatários sobre aquilo que foi e sobre aquilo que é: sobre
passado e presente. Estes artistas querem “documentar” a experiência soviética, querem ser
“porta-vozes” e representar “o dia presente”. Os construtivistas ocupam-se também do
presente, mas sempre ditando sua produção e reflexão acerca do presente a partir das
demandas que este presente os impõe, visando sempre o progresso futuro. Buscam “lidar com
problemas de construção diretamente relacionados a tarefas utilitárias”, promover a
“construção de um novo mundo”. Por definição, a arte tradicional não pode se ocupar do
futuro, pois em sua própria estrutura há a dependência da herança acadêmica, e o respeito à
hierarquia inerente a uma relação mestre-pupilo; qualquer representação do futuro sobre estas
bases necessita lançar mão de experiências e cânones do passado, pois a arte tradicional
88
Ambos russos escreveram livros intitulados “O que fazer?”, nos quais apresentavam suas visões acerca do que
buscavam alcançar, e os métodos que pretendiam utilizar para alcançá-las. O livro de Chernyshevskii foi pela
primeira vez publicado em 1863, e o de Lenin, em 1902. A escolha de Lenin em utilizar literalmente o mesmo
título do livro de Chernyshevskii aponta para uma decisão ideológica consciente, na medida em que seu livro
ecoa ideias da produção oitocentista e do reconhecimento de Lenin do valor da obra de Chernyshevskii, visto
como um precursor da revolução na Rússia. A presença de Chernishevskii entre aqueles que seriam
representados no plano de propaganda monumental de Lenin, voltado a celebrar os precursores da revolução e
heróis do proletariado, parece demonstrar esse reconhecimento. Cf. BONNEL, V. Iconography of Power:
Soviet Political Posters under Lenin and Stalin. Berkeley: University of California Press, 1999, p.137-139.
65
necessita destes cânones para ser inteligível. Foram os construtivistas, juntamente com outros
grupos marginalizados antes da revolução, que puderam lançar seus impulsos na direção da
criação, da inovação e do desenvolvimento futuro, em larga parcela, porque propunham
justamente a rejeição dos cânones que, em seu entendimento, serviam apenas como
limitações.
***
A especificidade da intenção utilitária do construtivismo soviético
89
Ambos fragmentos são parte de dois artigos distintos escritos por Gorky para o periódico Novaya Zhizn (Vida
Nova), no qual era editor durante este período. O primeiro foi escrito em 20/04/1917 (Cf. GORKY, Maksim.
Untimely Thoughts. Essays on Revolution, Culture and the Bolsheviks (1917-1918). Nova york: Paul S.
Eriksson, Inc., 1968, p. 7-8), enquanto o segundo se encontra na edição de 02/05/1917 (IBID. p.23-24). Grifo
nosso.
66
Gorky parece igualar artista e intelectual em seus escritos. No entanto, faz algo bem
diferente, pois aloca aos intelectuais e artistas valores de importância semelhante, porém
especificidades que tornam ambos socialmente necessários. No entendimento de Gorky,
intelectuais e artistas são realmente mais importantes para o desenvolvimento social do que
indivíduos de outros segmentos; consequentemente, devem ser considerados como um valioso
recurso que deve ser poupado e protegido, mesmo à custa de perdas de materiais de reposição
mais simples. A contribuição social do artista, para Gorky, não pode ser suplantada mesmo
pelo intelectual, pois o aspecto transcendental que Gorky atribui à arte não pode ser emulado
por nenhuma outra atividade humana.
O contraste com o construtivismo permite observar que são de fato estes artistas que
parecem aproximar mais a arte ao exercício intelectual, questionando os limites que
demarcam a ação artística e dispostos a reavaliar racionalmente o papel da arte na nova
sociedade que se constituía a partir de 1917. É no construtivismo que a arte é igualada ao
exercício intelectual porque são seus proponentes que direcionam sua produção a partir de
operações racionais direcionadas por demandas materiais e com objetivos práticos; em
contraposição, a arte como a define Gorky é uma atividade que afeta a sociedade através da
promoção de “idealismo social”, força responsável pela inspiração e aperfeiçoamento do
homem – uma noção gradualmente esvaziada a partir dos avanços científicos do início do
século, se remetermos a nossas menções iniciais de Foucault e Berman, entre tantos outros.
Mais ainda, o foco do construtivismo na produção material e na produção em massa aproxima
o artista e o intelectual ao cidadão soviético comum; ao despir o artista de seu halo
transcendental90, o construtivismo o aproxima dos meros mortais que antes eram relegados a
uma categoria inferior – e tacitamente nivela também o papel do intelectual como um membro
participante do processo produtivo.
Dentre as modalidades artísticas mais tradicionais, a pintura foi talvez a mais atacada
pelos construtivistas, enquanto representante máxima das Belas Artes e da noção de arte pela
arte. Em 1921 a exposição 5x5=25 foi realizada em Moscou, exibindo cinco pinturas de cinco
artistas (Rodchenko, Popova, Stepanova, Aleksandra Ekster e Aleksandr Vesnin) que
buscavam proclamar o fim da pintura – e por extensão, da arte tradicional que tinha na pintura
seu maior representante. Entre as cinco pinturas de Rodchenko, por exemplo, três resumiam-
se à aplicação de cores básicas por toda a superfície da tela, na tentativa de desconstruir a
90
BERMAN, 1999, p. 111-117.
67
pintura ao seu mais básico patamar e apresentá-la como desprovida de reais possibilidades
criativas – sugestivamente as telas foram denominadas Amarelo, Azul e Vermelho.
O questionamento da pintura de cavalete precede os construtivistas e revela-se na
produção de diversos outros artistas de outros direcionamentos – na Rússia e na Europa. No
entanto, a crítica construtivista à pintura transcende o formalismo e toca na questão da
relevância social da pintura, diferentemente de outros críticos. As telas redondas de Picasso,
as desproporções de tela de Kandinsky e a abolição da moldura partilhada por tantos outros
artistas, bem como os posteriores experimentos de Jackson Pollock durante a década de 50
são exemplos de questionamento à pintura de cavalete que operam a nível de forma 91. No
construtivismo, por outro lado, a crítica à pintura não busca seu aperfeiçoamento, mas sua
extinção; a representação pictórica, para os construtivistas, serve apenas um propósito prático
se a mesma tiver uma função específica a ser realizada, seja na função de projeto, ou de
veículo para uma mensagem específica. Portanto, o que se pode observar é a crescente
oposição à pintura enquanto atividade socialmente válida, que deveria ser substituída pela
composição gráfica, a qual utilizaria recursos modernos, veicularia mensagens ou
contemplaria especificidades de diferentes projetos com maior precisão, e não seria oprimida
por séculos de canonização reforçada pelo gosto público que ainda estava por ser
transformado.
Brik, por exemplo, formalizou tal sentimento em um texto de 1924, no qual associa a
pintura ao espiritualismo e esteticismo pré-revolucionário, e afirma que tal prática deveria ser
extinta na medida em que seus alicerces sócio-teóricos foram suplantados pela Revolução. A
pintura deveria ser igualmente suplantada, portanto, por outras modalidades de produção que
fossem coerentes com as novas bases sociais em vigor. Afirma:
Está se tornando óbvio que a cultura artística não é restrita a objetos em exibições
ou museus (...).
(...) Nossa criação cultural é fundada completamente sobre um propósito específico.
Não concebemos uma obra cultural e educacional a não ser que esta possua alguma
espécie de objetivo prático, definitivo.
(...) Não há espaço para a cultura de cavalete nesta nova consciência. Sua força e
seu sentido jazem em seu extra-utilitarismo, no fato de que, na verdade, esta não
serve nenhum outro objetivo que não o de encantar, “acariciar”, o olho.
Todas as tentativas de tornar a pintura de cavalete em uma pintura propagandística
falharam (...) porque isto é essencialmente inconcebível.
A pintura de cavalete é produzida para existir por muito tempo, por anos ou mesmo
séculos. Porém como um tema de propaganda poderia existir por tanto tempo?
91
A alusão à produção de Pollock aqui resume-se à sua prática de delimitar os limites de sua tela após tê-la
pintado, efetivamente cortando uma grande lona pintada e extraindo desta, portanto, a tela. Na produção de
Pollock um desenvolvimento conceitual importante foi justamente o de apontar o constrangimento prévio que
uma tela de dimensões dadas a priori pode causar à obra em si, o qual torna-se nítido diante de uma prática que
nega a existência de limites prévios à produção.
68
(...) A pintura de cavalete não apenas é desnecessária para nossa cultura artística
contemporânea, mas é também um dos mais poderosos freios para o
desenvolvimento desta cultura.
Apenas aqueles artistas que de uma vez por todas romperam com a tradição do
cavalete, que reconheceram na prática o trabalho produtivo, não apenas como uma
modalidade igual de trabalho artístico, mas como a única possível – apenas tais
artistas podem abordar de forma produtiva e bem-sucedida os problemas da cultura
92
artística contemporânea e alcançar soluções.
92
BRIK, Osip. From Pictures to Textile Prints (1924) in: BOWLT, 1988, p.245-248
93
RAILING, 1995, p. 193
94
Ibid., p. 193
69
A produção dos irmãos Pevsner – Anton e Naum Pevsner, o sendo o segundo mais
conhecido por Naum Gabo – é associada por alguns ao construtivismo em decorrência de seu
uso de materiais semelhantes e experimentos tridimensionais. A associação com o
construtivismo é compreensível quando se observa a produção dos dois irmãos, e reforçada
pela partilha de determinados traços presentes também na exposição programática contida no
manifesto realista, de autoria de ambos96 – como a associação entre produção artística e
produção científica, a importância da desconstrução para o ofício artístico consciente e uma
abordagem formal à produção artística. Porém esta associação se torna questionável diante de
uma leitura mais focada, na medida em que se constata que os próprios autores do manifesto
não se consideram construtivistas – como indica o próprio título do manifesto, que por outro
lado também não deve de forma alguma levar à associação dos irmãos Pevsner à produção de
artistas realistas contemporâneos, como aqueles da AKhRR. Ainda que a produção de Anton e
Naum Pevsner estabeleça diálogos com a produção construtivista, seus autores não propõem
em seu manifesto a extrapolação dos limites estabelecidos da arte – e a consequente
redefinição ou extinção da mesma – em seu manifesto, o qual resume-se a uma crítica à
produção moderna contemporânea e ao enaltecimento da vida enquanto diretriz para a
produção artística, porém delimitando claramente sua esfera de ação nos confins da arte –
talvez possa-se considerar tal posição como um meio termo entre a “arte pela arte” e a arte
utilitária dos construtivistas, e de certa maneira assemelhá-la essencialmente à Cultura de
Materiais pré-revolucionária de Tatlin.
Para os irmãos Pevsner a arte é a única entidade do mundo sensível capaz de
transcender as circunstâncias e interferências causadas pelo homem, e portanto a única
maneira real de atravessar a interferência humana e tocar na realidade – justificando portanto
a adjetivação que intitula o manifesto:
(...) Nenhum sistema artístico irá sobreviver às pressões de uma nova cultura
enquanto os alicerces da Arte sejam construídos sobre as verdadeiras leis da Vida.
(...) Espaço e tempo são as únicas formas nas quais a arte se constitui e portanto nas
quais a arte pode ser construída.
95
MARGOLIN, 1997, p.96.
96
Ibid., p.31.
70
Se por um lado é possível excluir a produção dos irmãos Pevsner do universo abarcado
pelo que aqui se define pelo termo construtivismo, a despeito das semelhanças superficiais
entre a produção de tais artistas e o aspecto material e experimental do construtivismo, por
outro lado uma das principais manifestações vanguardistas europeias associadas ao
construtivismo não pode ser excluída: a Bauhaus. Entretanto, diante dos alicerces teóricos da
produção da escola alemã, há de se qualificar tal produção de modo a se definir as principais
nuances que separam a mesma do construtivismo soviético.
Em primeiro lugar, há de se apontar uma razão importante para a primazia da Bauhaus
nos estudos acadêmicos posteriores sobre a produção construtivista – ou mesmo sobre a
instituição que seria paralela à Bauhaus enquanto uma instituição de ensino, a Vkhutemas. De
um lado, pode-se presumir pela escassez de estudos sobre a Rússia por parte dos grandes
97
GABO, N. e PEVSNER, A. The Realistic Manifesto (1920) in: BOWLT, p. 212-213 passim.
.
71
98
KHAN-MAGOMEDOV, apud. MIGUEL, J. Arte, ensino, utopia e revolução; os ateliês artísticos
Vkhutemas/Vkhutein (Rússia/URSS, 1920-1930). São Paulo, 2006. Tese (Doutorado em História) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, p. 6.
99
Um efeito colateral interessante apontado por Barron como resultado da indisponibilidade das obras em
questão foi a multiplicação de falsificações de tais obras.
100
Cf. BARRON, S. The Russian Avant-Garde: A View from the West. in: BARRON, Stephanie e TUCHMAN,
Maurice. The Avant-Garde in Russia 1910-1930. New Perspectives. Los Angeles: Los Angeles County
Museum of Art, 1980, p.12
72
101
Nascido em 1895, o artista húngaro Lazló Moholy-Nagy foi professor na Bauhaus entre 1923 – quando
substituiu o professor Johannes Itten – e lá permaneceu até 1928. Seus estudos fotográficos são estudados e
contrapostos aos de Rodchenko por Victor Margolin. Cf. MARGOLIN, 1997, p.123-161.
102
MIGUEL, J. 2006, p. A-100-101.
73
produção industrial, não era concebido sob as mesmas preocupações prioritárias dos
construtivistas russos, demonstrando comparativamente uma maior carga estética.
Pode-se considerar, portanto, que a Bauhaus não se propôs essencialmente a transpor
os limites que compunham o universo da arte. É talvez através desta distinção que o
diferencial do construtivismo russo se demonstre com a maior nitidez: pois de um lado, a
Bauhaus buscou incorporar o moderno à arte, buscou amalgamar a indústria ao ofício artístico
com o intuito de produzir o belo moderno, a estética moderna, ainda que em objetos
cotidianos – os quais se tornariam célebres e até hoje são reverenciados justamente em
decorrência da sua natureza artística, estética. E de outro vemos os construtivistas, que
não convidaram a indústria à arte, mas buscaram integrar a arte à indústria buscando o
aperfeiçoamento material da produção industrial. A produção da Bauhaus limitou-se sempre
ao artista, artesão, responsável por assinar não apenas o seu projeto de obra, mas a obra em si.
O preço dos objetos produzidos na Bauhaus durante sua existência decorrem da raridade
destes objetos, que por sua vez decorrem da natureza artesanal, dos mesmos; não foi o
objetivo final da Bauhaus enquanto instituição a elaboração de desenhos industriais para
produção em massa, mas de objetos diferenciados que resultariam dos esforços de um artista
com preocupações utilitárias e o know-how que o permitiria realizá-las. Os construtivistas
russos, pelo contrário, buscaram consistentemente o caminho da indústria e da produção em
massa. Priorizaram praticidade sobre inovação de design; julgavam a inovação através de
critérios práticos, e não estéticos103; em determinados casos, recusavam-se inclusive a
“assinar” suas criações, enfatizando o aspecto coletivo de sua produção – como os artistas da
ObMoKhu104.
***
As discussões até aqui realizadas tem como objetivo delinear com clareza as propostas
que constituem o que aqui se chama construtivismo soviético; para tal buscou-se
simultaneamente apontar os traços que permitem a aglutinação da produção destes indivíduos
sob uma categoria geral e excluir do escopo da mesma categoria a produção que, ainda que
103
A partir da negação da estética poder-se-ia realizar um diálogo entre construtivismo e o suprematismo
proposto por Malevich em 1915 – proposta que em muitos aspectos se difere dramaticamente do construtivismo.
Ainda que não seja propósito do presente trabalho realizar tal diálogo, uma reflexão desta natureza poderia
esclarecer a coexistência e as interferências mútuas de ambas propostas na Rússia soviética
104
LODDER, 1983, p.69
74
Capítulo II
Expansão e Construção
(1917-1925)
No dia 25 de outubro de 1917105, Petrogrado amanhecera sem que a maior parte de sua
população soubesse que o governo provisório, estabelecido em fevereiro após a abdicação do
Tsar Nicolau II, havia sido deposto pelo Comitê Militar Revolucionário106 do soviete da
capital, sob o comando de Lev Trotsky – que havia sido eleito presidente do então
majoritariamente bolchevique soviete em 8 de outubro. Seria no decorrer do dia que a
população da capital tomaria conhecimento, através dos panfletos espalhados pelo próprio
soviete, que “a causa pela qual o povo vinha batalhando – o início imediato de negociações de
paz, o fim do monopólio da nobreza sobre a terra, o controle dos trabalhadores sobre as
indústrias, a criação de um governo soviético – foi concretizada.”.
Esta afirmação, no entanto, era exagerada: demoraria dias e semanas para que
mobilizações semelhantes acontecessem em outros centros urbanos da Rússia107, meses para
que o suposto governo soviético adquirisse ainda que seus mais vagos contornos – incluindo o
mudança da capital para Moscou e todos os subsequentes desafios administrativos e logísticos
de tal processo108 – e anos até que se pudesse afirmar que a autoridade de Lenin e do Partido
Comunista havia sido imposta sobre todas as demais forças políticas concorrentes no território
russo, de modo a assegurar, ao menos a médio prazo, a sobrevivência da “revolução dos
trabalhadores, soldados e camponeses” proclamada em outubro. Se a tomada de Petrogrado se
assemelha a um golpe de estado em decorrência da maneira através da qual fora realizada, os
anos que sucederam a ascensão dos bolcheviques em Petrogrado compõem realmente um
período revolucionário: não foram anos de consolidação, pura e simplesmente; foram anos de
guerra, de sacrifícios e de luta pela sobrevivência, durante os quais aqueles engajados ao
projeto revolucionário arriscariam suas vidas por uma total reformulação da sociedade em que
105
De acordo com o calendário juliano. Seria apenas no primeiro dia de fevereiro de 1918 que o recém
estabelecido governo soviético decretaria a adoção do calendário gregoriano, efetivamente adiantando o
calendário russo em quatorze dias (efetivamente tornando o dia seguinte o décimo quinto do mês). Esta alteração
causa eventuais confusões na medida em que a abdicação do Tsar ocorrera em fins de fevereiro de acordo com o
primeiro calendário (e portanto, início de março de acordo com o calendário gregoriano) e a tomada do poder na
capital pelos bolcheviques em fins de outubro (ou início de novembro). Aqui, ater-se-á às datas do calendário
Juliano no caso de qualquer evento prévio ao decreto acima citado, adotando-se consequentemente a cronologia
decorrente do calendário gregoriano apenas em relação a eventos posteriores ao decreto.
106
VRK (Voenno-Revolyutsionnyi Komitet): Criado em outubro de 1917 (algumas semanas antes da revolução),
o Comitê Militar Revolucionário foi justificado pelo Soviete de Petrogrado como uma medida que preveniria
uma nova ameaça como aquela que representara o general Kornilov – que supostamente tentara invadir
Petrogrado e depor o governo provisório em agosto (o que é ainda hoje debatido).
107
Manifestação semelhante só ocorreria em Moscou, por exemplo, no dia 5 de novembro, uma semana após a
tomada de Petrogrado.
108
Cf. FITZPATRICK, Sheila. The Commissariat of Enlightenment. Soviet organization of Education and the
Arts under Lunacharsky October 1917-1921. Nova York: Cambridge University Press, 1970, p. 18-20.
77
viviam. Foi um período de expansão para a Revolução, durante o qual o partido bolchevique
teve que adquirir dimensões consideravelmente maiores, e agregar aos seus números aqueles
indivíduos dispostos a participar de tal movimento. No campo artístico, a revolução também
resultaria em drásticos e abrangentes rearranjos, contrastando de forma nítida com a
multiplicidade ideológica observável durante o período de vigência do governo provisório, e
demonstrando pelo contrário a intenção de alinhamento da produção artística ao
direcionamento superior partidário, como demonstra Von Geldern:
A Revolução de Outubro provocou um realinhamento entre artistas e governo. Sob o
Governo Provisório, o estado e a revolução não haviam sido identificados com
qualquer partido específico. Artistas eram livres para identificarem suas obras à
Revolução sem se subordinarem a um partido ou plataforma. (...) Não seria o caso
após Outubro. O estado e a revolução haviam se tornado – a despeito de seu
antagonismo inerente – um corpo único e, consequentemente, reunidos sob a égide
109
de um partido único .
109
GELDERN, James von. Bolshevik Festivals, 1917-1920. Los Angeles: University of California Press, 1993,
p.22.
78
O presente capítulo tem por objetivo analisar a ação política dos artistas de orientação
construtivista, inseridas no contexto político deste período de consolidação – a guerra civil – e
durante o período inicial da Nova Política Econômica (NEP), a qual seria implementada
primariamente como forma de recuperação da economia russa após sete anos de conflito
ininterrupto em âmbito nacional. A discussão aqui empreendida se limitará até o meados da
NEP, mais especificamente 1925, na medida em que uma nítida mudança de direcionamento
político aplicado não apenas às artes, mas a praticamente todos os esforços governamentais
soviéticos pode ser observada a partir de 1926 – sobre o qual a análise será beneficiada por
uma análise segmentada em duas partes.
Para realizar tal debate, a discussão será dividida em quatro partes: em primeiro lugar,
será observado o processo de formação do Narkompros, órgão estatal de administração
cultural, a partir do qual se espera demonstrar as circunstâncias políticas do período da guerra
civil que permitiram aos agentes em ação no âmbito cultural um grau de autonomia que não
seria observado em períodos posteriores, e no qual observa-se uma expansão da influência e
do escopo de ação dos construtivistas; em seguida, discutir-se-ão as diferentes denominações
que foram utilizadas durante o período aqui contemplado para fazer referência à produção
destes artistas, na medida em que 1) a utilização destas diferentes denominações
frequentemente decorrera de intenções de cunho político e 2) a adoção de uma e a recusa ou
desuso de outra podem também em determinados casos ser entendidas como demonstrações
de tendências políticas contemporâneas; em terceiro lugar buscar-se-á analisar as maneiras
através das quais tais artistas buscaram implementar suas visões durante a guerra civil,
guiados pelo objetivo final de construir de uma nova realidade cultural que fosse coerente à
nova sociedade que os mesmos esperavam resultar das agruras da destruição da guerra civil;
finalmente analisar-se-á as transformações que a implementação da NEP110 resultou na esfera
da produção e administração artística, com o intuito de identificar as características e
desdobramentos desta política econômica sobre o escopo de ação específico dos artistas
construtivistas.
110
NEP – Novaya Ekonomicheskaya Politika. Política de recuperação econômica implementada pelo Sovnarkom
em 1921, após a guerra civil.
79
111
Narkompros (ou NKP): Narodnyi Komissariat Prosvesheniya, ou Comissariado de Esclarecimento do Povo.
112
Deve-se aqui ressaltar que os limites de tal jurisdição seriam ajustados com o decorrer dos anos,
frequentemente resultando em encolhimento do domínio deste comissariado em prol de outros. Em especial após
a morte de Lenin e em decorrência não apenas do isolamento político de Lunacharsky, mas da preponderância
política conferida a outros comissariados, observa-se uma progressiva redução das prerrogativas do Narkompros
e o início do direcionamento governamental de Stalin, aqui exemplificado pela remoção da gestão do Vkhutemas
– a principal instituição superior de estudo artístico e de ofícios artesanais como têxteis, madeira e metais – do
âmbito do Narkompros e sua alocação sob a autoridade do Vesenkha (Conselho Econômico Russo).
113
O Plano de Propaganda Monumental Revolucionária, aprovado em 1918, resumia-se a uma série de
monumentos a serem erigidos por todo o território russo através de monumentos que incorporassem ou dessem
forma aos valores da causa revolucionária – como o monumento à Primeira Constituição, comunista, erigido em
Moscou em 1919. Longe de incluir a vanguarda do partido bolchevique – era uma determinação de Lenin que
membro algum do partido fosse representado em monumentos enquanto vivo – a maioria destes monumentos
glorificariam figuras passadas associadas pelo partido ao pensamento ou a movimentos socialistas e
revolucionários, ainda que estritamente alheios ao marxismo – muitas vezes prévios ao nascimento de Marx.
Exemplos de tais figuras são Aleksandr Radischev, Stenka Razin, Aleksandr Herzen, Nikolai Chernyshevsky e
Georgi Plekhanov. ZLOBIN, Vasily e ZLOBIN, Nikolai (ed.) From the Archives: Twelve Documents from the
80
Chefiado por Anatoly Lunacharsky até 1929, o Narkompros seria composto por uma
série de subseções, as quais eram coletivamente supervisionadas por um Colegiado do
Narkompros, também chefiado por Lunacharsky. No caso da produção artística, foram
formados setores que teriam jurisdição sobre áreas artísticas específicas: IZO (Artes
Plásticas)115, TEO (Teatro), FOTO-KINO (Fotografia e filme), MUZO (Música) e LITO
(Literatura).
A escolha de Lunacharsky para a liderança do Narkompros fora apoiada pela maioria
dentre aqueles que compunham a liderança do partido em 1917, porém nunca fora unânime –
a despeito da afirmação de tal tom de seu colega vperedista Lebedev-Polyansky116. Suspeito
por certos membros do partido devido a sua associação com o grupo Vpered117 antes da
revolução, Lunacharsky se tornaria conhecido especialmente pelo seu intelectualismo e
entusiasmo revolucionário, bem como por sua moderação política e pela sua sensibilidade às
dificuldades pelas quais passavam aqueles que os cercavam. Exemplo desta sensibilidade e
deste romantismo que seria considerado por outros comunistas como uma fraqueza, bem
como do apreço que sentia pelo vasto legado artístico-cultural russo pré-revolucionário,
Lunacharsky oferecera inclusive um pedido de exoneração ao Sovnarkom pouco após a queda
de Petrogrado, quando fora noticiado que a Catedral de São Basilio estava sendo demolida – e
retirando tal pedido quando descobrira a falsidade desta afirmação118.
Secret Archives of the Central Committee, in: Demokratizatsiya, vol. 5, no 4 (Outono, 1997), e GELDERN,
1993, p.82-85.
114
Sovnarkom (Sovet narodnykh komissarov): Conselho de Comissários do Povo
115
IZO :Otdel Izobrazitelnykh Iskusstv. Literalmente poder-se-ia traduzir IZO como “Departamento de Belas
Artes”, como o faz Bowlt, porém a tradução literal não aparece em outros livros em decorrência justamente das
ações empreendidas pelo departamento, optando-se então por uma tradução menos carregada de sentido
ideológico como “artes plásticas” ou “artes visuais”
116
FITZPATRICK, 1970, p.9.
117
Fundado em 1909 por Aleksandr Bogdanov, o grupo Vpered representou um cisma com o direcionamento do
partido bolchevique, afirmando a necessidade de treinamento e educação do proletariado com o intuito de
expandir o escopo da classe revolucionária. Composto por bolcheviques que integrariam posteriormente o
Narkompros, como Pokrovsky, Lebedev-Polyansky e Lunacharsky, o Vpered buscou realizar sua proposta de
expansão da educação do proletariado a partir da formulação de universidades proletárias, inicialmente na ilha de
Capri, e posteriormente em Bolonha, ensejando forte oposição de Lenin, que considerava tal facciosismo anti-
marxista e danoso à causa revolucionária. A ideologia fundadora do grupo Vpered seria o alicerce básico para a
formalização do Proletkult em 1917, motivo pelo qual pode-se observar na liderança de tal organização
Bogdanov, bem como o apoio de ex-vperedistas à noção de arte proletária – como Lebedev-Polyansky e o
próprio Lunacharsky. Cf. MAROT, John Eric. Alexander Bogdanov, Vpered, and the Role of the Intellectual
in the Workers’ Movement, in : Russian Review, vol. 49, no3 (Julho, 1990), p. 241-264, passim.
118
FITZPATRICK, 1970, p.13-14.
81
119
FITZPATRICK, 1970, p.1
120
FOX, Michael. Glavlit, Censorship and the Problem of Party Policy in Cultural Affairs, 1922-28, in:
Soviet Studies, vol. 44, no 6 (1992), p.1050.
121
TROTSKI, L., Literatura e Revolução. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2007, p. 208-210..
122
FITZPATRICK, 1970, p.10
123
Apud. FITZPATRICK, p.3
82
O Narkompros sofreria durante esse período inicial de formação da mesma ironia que
afetaria o partido como um todo: aos bolcheviques faltavam os números necessários para
preencher todos os cargos que vascularizariam o gigante aparato estatal julgado necessário
para administrar a Rússia em sua totalidade, bem como supervisionar as demais repúblicas
soviéticas federadas que haviam de ser formadas – resultando em uma multiplicação de
124
Ibid., p.10
125
FOX, 1992, p. 1050.
83
126
O bolchevique Boris Souvarine, radicado na França e lá ativo membro do Partido Comunista Francês e
representante do mesmo no Comintern, acusaria através de tal denominação as proporções leviatânicas que
assumira o aparato estatal soviético. Apud. WOOD, P. The Politics of the Avant-Garde in: GERMANO, C.;
GIMENEZ, C. (orgs.), 1992, p.12.
127
FITZPATRICK, 1970, p.24.
128
Tal rigor se observa também na formação da estrutura que visava organizar o fomento à revolução global, o
Komintern. A partir da avaliação dos vinte e um pontos, critérios rigorosos contra os quais eram medidos os
partidos comunistas dos demais países, este rigor fica evidente, bem como o relaxamento destes critérios, no
início da década de 1920, coincide com o novo direcionamento que paulatinamente permeou a política soviética,
entre outros aspectos, no que diz respeito à filiação ao partido comunista.
129
O partido social-revolucionário gozava de amplo apoio popular antes da revolução, sendo o partido de
orientação socialista com maior aprovação na Rússia antes de 1917. Este apoio derivava especialmente das áreas
rurais, na medida em que o programa deste partido, afastado do marxismo e demonstrando grande afinidade às
propostas coletivistas dos eslavófilos e populistas do século XIX, melhor se adequava às ânsias e desejos do
campesinato russo, tradicional e ortodoxo.
130
A doutrina menchevique, que garantia que a revolução proletária deveria respeitar à faseologia revolucionária
do processo histórico tal como o definiu Marx, era certamente mais palatável àqueles de persuasões mais
moderadas na Rússia, se comparados aos bolcheviques. A título de exemplo, vale mencionar que, enquanto os
mencheviques apoiaram consistentemente o sindicalismo que formava-se e consolidava-se na Rússia desde a
virada do século, observa-se entre bolcheviques a denúncia desta prática como uma perversão pequeno-burguesa
que desinflava, ao invés de potencializar, a luta de classes.
131
FITZPATRICK, Sheila The Cultural Front. Power and Culture in Revolutionary Russia. Ithaca: Cornell
University Press, 1992, p.44, 52.
84
Para tal fim de expansão numérica o rigor que antes se impunha aos revolucionários
profissionais do partido de vanguarda antes da revolução não poderia ser transposto de forma
integral. Na medida em que a nascente estrutura soviética se burocratizava e multiplicava, em
resposta aos desafios impostos pela extensão do território russo e pela intensidade das
mudanças que o partido buscava implementar, intensificava-se a demanda por quadros
administrativos capazes e ideologicamente desejáveis em todas as áreas – e no caso do
Narkompros, é ainda mais claro que o comissariado não estava em posição que o permitisse
grande seletividade. Neste contexto de expansão, multiplicaram-se as oportunidades de
participação política no interior da estrutura administrativa cultural soviética, na qual um
número considerável de artistas construtivistas pode se inserir, buscando implementar por
cima algumas das suas visões que antes da revolução eram rechaçadas pelos representantes
dos cânones e bons costumes da sociedade russa.
A tarefa do Narkompros tinha portanto como pré-requisito a formação do próprio
comissariado. Seus principais membros, que comporiam o Colegiado do comissariado e
portanto teriam a responsabilidade de supervisão do mesmo, eram também membros do
partido de longo tempo de filiação e certa proeminência, como Krupskaya, Mikhail
Pokrovsky, Evgraf Litkens, Platon Kerzhentsev e o próprio Lunacharsky – e, portanto,
ideologicamente “desejáveis”. Para que o comissariado adquirisse as dimensões necessárias
para a execução de suas tarefas, entretanto, era necessário que o partido buscasse indivíduos
fora dos quadros do relativamente pequeno partido bolchevique.
132
FITZPATRICK, 1970, p.167.
133
Ibid., p.19.
85
134
TOLSTOI, 2010, p. 32
135
À menção das “capitais” da Rússia, deve-se entender as cidades de Petrogrado (renomeada Leningrado em
1924) e Moscou. Oficialmente, entretanto, as sedes dos órgãos administrativos soviéticos de âmbito nacional
foram transferidos para Moscou em 1918.
136
WHITE, Stephen. The Bolshevik Poster. New Haven: Yale University Press, 1988, p.75.
137
HELLER, Mikhail e NEKRICH, Aleksandr M. Utopia in Power. Nova York: Touchstone, 1992, p.55-56
138
TROTSKI, 2007, p.101-107 passim.
86
futuristas são os mais escorregadios de todos; sem perder sequer um segundo, eles
anunciaram que os artistas oficiais do novo regime, obviamente, seriam eles” 139.
O voluntarismo destes artistas era uma exceção no meio artístico, no qual a reação
predominante ao Narkompros fora de indiferença ou aberta hostilidade: “A tática recorrente
dos escritores e artistas era ignorar o Narkompros em nível oficial, e ao mesmo tempo criticá-
lo na imprensa não-bolchevique”, afirma Fitzpatrick140. Tal voluntarismo também era exceção
no âmbito da jurisdição do Narkompros como um todo141, envolvendo também os esforços de
reformulação do comissariado nas áreas de ensino e de produção cultural – como a
administração de museus, teatros e outras instituições culturais russas.
Em alguns casos a resistência ao governo não decorria necessariamente de uma
oposição ideológica ao comunismo, mas manifestações práticas das políticas estabelecidas
pelos comissariados. Foi o caso das greves escolares que sucederam a queda de Petrogrado, as
quais em linhas gerais não tinham cunho necessariamente ideológico, e sim uma recusa
pragmática das linhas de reforma que vinham sendo estabelecidas pelo Narkompros durante o
período – bem como pela pauperização do professor e de seu ambiente de trabalho. As
paralisações docentes em nível escolar primário e secundário decorriam principalmente de
questões materiais – salários, rações, condições de trabalho – e de discordâncias entre tais
docentes em nível regional e as diretrizes impostas pelo Narkompros a nível nacional, tanto
em questões de natureza pedagógica quanto em questões administrativas142.
Em outros casos, entretanto, a dissonância entre o partido e segmentos descontentes
alcançara níveis essenciais de discordância ideológica. Este foi o caso daqueles segmentos
mais protetores de sua autonomia, seja por terem tradicionalmente gozado de tal autonomia
durante o estado tsarista, ou por a terem experimentado durante o governo provisório – por
exemplo no âmbito cultural – mas que após outubro viram sua autonomia ameaçada pela
centralização gradual promovida pelo Sovnarkom e seus ramos secundários – neste caso, o
Narkompros. Isso pode ser observado no caso dos professores universitários, que viram
medidas como o relaxamento de critérios de admissão, a noção de participação do aluno na
administração acadêmica e, especialmente, a submissão do direcionamento curricular superior
ao estado como afrontas indiscutíveis à autonomia acadêmica e científica. Fitzpatrick
139
HELLER e NEKRICH, 1992, p.56.
140
FITZPATRICK, Sheila, op.cit. 1970, p.110.
141
FITZPATRICK, Sheila, op.cit. 1970, p.26-59, passim.
142
Para maiores detalhes e referências relativas a este assunto Cf. FITZPATRICK, 1992, p. 37-64.
87
143
FITZPATRICK, 1992, p.41
.
144
FITZPATRICK, Op. Cit. p.37-38 passim.
145
No momento de seu apontamento para a direção do TEO, Meyerkhold demonstrar-se-ia excepcionalmente
radical em relação à questão da autonomia institucional no campo teatral. Lançando o que seria conhecido no
âmbito teatral como “Outubro Teatral”, Meyerkhold buscaria – sem sucesso – a submissão de tais teatros à
jurisdição do TEO. Cf. CLARK, Katerina. Petersburg. Crucible of Cultural Revolution. Cambridge: Harvard
University Press, 1995, p.114-115
88
Tal como nas grandes instituições acadêmicas russas, que também se consideravam
“grandes demais” para serem subjugadas por este novo governo de forma tão radical e
unilateral, tais teatros justificariam sua recusa à Revolução em níveis de ordem ideológica e,
especialmente, artística. No âmbito ideológico, dentre outras discordâncias, aponta-se o
primordial ponto de conflito: a natureza e o propósito da arte. Os diretores de tais teatros, bem
como tantos outros artistas russos durante estes primeiros anos, entendiam a arte de uma
maneira que geraria conflitos com o direcionamento político da ditadura do proletariado –
aquela de “arte pela arte”, na qual a arte tinha um papel abstrato e quase espiritual de
engrandecimento e amadurecimento das sensibilidades do homem.
A linha partidária, por outro lado, entendia a arte como subproduto das relações
sociais e econômicas e consequentemente não deveria ser entendida à parte, mas sim
produzida – e gerida – de acordo com os direcionamentos da Revolução. Ainda que durante a
guerra civil o partido não tenha sido excepcionalmente rigoroso em termos de controle e
vigilância no âmbito artístico, era peremptória a vigilância e a hierarquização destas
instituições, que deveriam ser submetidas à autoridade do Narkompros, deixando a cargo do
comissariado definir o grau de autonomia que seria concedido a cada uma delas. Esta postura
se tornaria nítida diante da clara reprovação de Lunacharsky – reconhecido mesmo entre os
mais ferrenhos opositores do partido como um de seus membros mais moderados e
simpatizantes a instituições como tais teatros imperiais – diante da possibilidade de se criar
um Comissariado das Artes, alheio à jurisdição política do Narkompros147.
146
FITZPATRICK, 1970, p.117-118.
147
Ibid., p.113.
89
148
FITZPATRICK, 1970, p.142.
90
149
De acordo com Fitzpatrick o setor FOTO-KINO fora chefiado por P. Voevodin. No entanto, pouco foi
encontrado no presente esforço de pesquisa em relação às ações ou composição deste departamento. Em relação
aos construtivistas, aqueles que se envolveriam com tais áreas (como Rodchenko) futuramente, parecem ter
afluído inicialmente ao IZO, e posteriormente seriam ativos na área de fotografia através de contribuições a
periódicos especializados específicos (como Kino-fot e Sovetskoe Kino). Note-se aqui também que tais artistas se
envolveriam nestes meios de produção artística durante a vigência da NEP, após sua remoção da estrutura do
Narkompros – vide abaixo.
150
A participação de Rozanova no interior do Narkompros seria curta, no entanto, na medida em que faleceu em
1918.
151
GRAY, 1971, p.230.
152
Gosizdat (Gosudarstvennoe Izdatelstvo): Editora Estatal criada no interior do Narkompros em 1918. Tornar-
se-ia autônoma no interior da estrutura do Narkompros em 1919, com orçamento e organização desvinculados do
colegiado do Narkompros. A despeito das dificuldades operacionais que sofreria em seus primeiros anos, o
Gosizdat era o principal agente regulador no campo da imprensa, responsável pela aprovação de quaisquer
manuscritos que fossem ser publicados de forma privada – sem financiamento estatal. Cf. FITZPATRICK, 1970,
p.133-136.
91
153
FOX, 1992, p.1045.
154
GELDERN, 1993, p. 27.
155
Ibid., p.15.
92
156
GELDERN, 1993, p.72.
93
consequentemente, maior entendimento dos discursos e escolhas presentes nos escritos aqui
contemplados.
Futurismo foi o termo que antes da revolução havia se tornado sinônimo de vanguarda
na Rússia157. Imediatamente após os eventos de outubro de 1917, referência à produção dos
artistas de orientação vanguardista foi feita através desta denominação, tanto entre seus
proponentes quando – e especialmente – por seus críticos. Na medida em que o futurismo pré-
revolucionário pouco teve em termos de coesão programática, sendo na verdade o resultado
de uma convergência daqueles artistas que tinham como principal diretriz a investigação e
inovação formal a despeito do conteúdo158, é compreensível que, em especial aos olhos da
crítica artístico-literária contemporânea, tais produções fossem agrupadas por sua natureza
radical e, para tantos críticos, ininteligível ou bruta. Nos escritos pré-revolucionários dos
próprios vanguardistas, observa-se uma delimitação mais nítida entre diferentes grupamentos
desta vanguarda – Raionismo, Suprematismo, Neoprimitivismo etc. – porém mesmo assim de
uma maneira que parece tacitamente incluir estas (bem definidas) propostas no plano geral do
Futurismo159 – ainda que como sucessoras do mesmo160.
No decorrer da guerra civil, entretanto, pode-se observar um gradual desaparecimento
do termo entre os escritos de artistas vanguardistas, dando lugar a denominações menos
abrangentes: construtivismo seria utilizado com fins de definição de uma determinada
proposta artística, enquanto esquerdista teria o principal intuito de identificar a vanguarda a
um determinado nicho do escopo político soviético.
O termo Construtivismo seria aplicado como denominação de uma orientação artística
específica apenas em 1921; entretanto, como já foi discutido, a noção de construção aplicada
157
Cf. BOWLT, 1988, p.xxix; GELDERN, 1993, p.65.
158
Mesmo no interior de grupos como o Hiléia pode-se notar consideráveis discrepâncias entre as produções de
seus membros – as quais eram entendidas por seus autores como exemplos de uma mesma proposta justamente
por partilharem essencialmente esta diretriz formalista.
159
MARKOV, 2006, p.165.
160
Pode-se perceber o estabelecimento destas conexões, por exemplo, nos manifestos de Larionov e Malevich
que lançaram as bases de suas respectivas formulações artísticas específicas. No caso de Larionov, seu manifesto
não faz qualquer menção de superação do futurismo, demonstrando aquilo que é específico ao raionismo e dando
a entender a sua coexistência com as demais produções essencialmente futuristas – Cf. LARIONOV, Mikhail e
GONCHAROVA, Natalya. Rayonists and Futurists: A Manifesto (1913) in: BOWLT, 1988, p. 90-93. No caso
de Malevich, por outro lado, observa-se na bombástica retórica do manifesto o suprematismo como um novo
estágio do futurismo, reconhecendo naquele a presença e contribuição do último – Cf. 160 MALEVICH, K. From
Cubism and Futurism to Suprematism: The New Realism of Painting (1915) in: RAILING, Patricia.
Malevich on Suprematism. Iowa: Museum of Art, 1999, p.25-42.
94
ao campo artístico, utilizada para descrever uma abordagem pragmática e utilitária à produção
artística, já podia ser observada em 1918. A cunhagem do termo, portanto, foi o resultado de
uma utilização cada vez mais recorrente de vocábulos como “útil”, “produção”, “fábrica” e
“construção” presente nos manifestos e nas produções artísticas dos primeiros anos que
seguiram a revolução.
Tal foco utilitário evidencia uma nítida mudança de orientação na produção e na
teorização artística de tais indivíduos, na medida em que antes da revolução mesmo Tatlin não
demonstrava em suas produções uma preocupação utilitária explícita, mas sim uma tendência
analítica formal que permite associá-lo ao futurismo – em outras palavras, não parece em
momento algum, em suas obras ou escritos, que a intenção do artista é a de construir objetos,
mas sim a de investigar as propriedades formais de materiais industriais de modo a aplica-los
à produção artística – associada por Gray às colagens de Picasso que a partir de 1912
incluiriam materiais tridimensionais161.
Da mesma maneira, enquanto os números de artistas que apoiariam a arte utilitária se
multiplicariam rapidamente após 1917, antes da revolução observa-se entre os membros da
vanguarda uma maior aceitação do Suprematismo de Malevich – dentre os artistas que
produziram obras a partir das teorizações de Malevich pode-se mencionar Rozanova, Popova,
Stepanova, Ivan Puni, Rodchenko, Lissitzky, Altman e outros, enquanto Tatlin encontraria
especialmente em Rodchenko – que teria contato com ambas propostas antes da revolução –
apoio aos seus experimentos materiais antes da revolução162. Entre 1918 e 1921, por outro
lado, o vínculo entre a produção vanguardista e a área produtiva pode ser observado de forma
recorrente nos escritos destes artistas, expresso de forma naturalizada – como se houvesse
sido a base de suas produções pré-revolucionárias.
Este súbito direcionamento rumo ao utilitarismo e o afluxo de tantos membros da
vanguarda em sua direção foi um processo parcialmente direcionado por questões de cunho
político, no qual tais artistas buscaram construir um elo entre a sua produção e a ideologia
marxista, buscando dois objetivos principais: a integração à causa revolucionária e a
superação de suas origens pré-revolucionárias e, consequentemente – ou especialmente –
burguesas.
Não se sustenta uma crítica que atribua a adoção do utilitarismo à produção
vanguardista a considerações de ordem puramente prática, como resultados de simples
161
GRAY, 1971, p. 174-176.
162
Ibid., p. 206-209.
95
oportunismo político; é nítida na produção e no ímpeto destes artistas, bem como reconhecido
por Lunacharsky e mesmo Trotsky – que reconhecia os méritos da vanguarda, mas certamente
não era um fã163 – a identificação com a causa revolucionária, ainda que o alinhamento
específico ao marxismo antes da revolução não seja aparente. Em outras palavras, ainda que
em sua maioria não houvessem se declarado bolcheviques antes de outubro, era nítido nos
escritos e nas produções destes artistas que os mesmos se identificavam essencialmente com a
ideia de uma revolução social. Tendo esta sido realizada pelos bolcheviques em 1917, pode-se
observar a adoção da causa vitoriosa por parte da vanguarda, e da subsequente reformulação
das bases de sua produção com intuito de contribuir no campo das artes com o processo
revolucionário.
Afirmada a sinceridade presente na identificação entre vanguarda e revolução, não se
pode desconsiderar, por outro lado, questões de ordem prática que, no contexto pós-
revolucionário, ajudam a entender a intensidade e abrangência da adoção do utilitarismo por
parte da vanguarda agora soviética. Como há de se ver, os primeiros quinze anos de existência
do regime soviético foram caracterizados no campo artístico pela competição entre diferentes
orientações artísticas por hegemonia na esfera artística soviética. Neste contexto de
competição, a vanguarda encontrar-se-ia em desvantagem se adotados os parâmetros artísticos
pré-revolucionários, nos quais já havia sido estabelecida a superioridade de outras orientações
artísticas em termos de recepção pelo público; a aplicação do utilitarismo à produção artística,
por outro lado, oferecia três desdobramentos à causa vanguardista neste embate: 1) fortalecia
o vínculo que se buscava construir com a ideologia revolucionária; 2) justificava a ênfase
formal e experimental do futurismo pré-revolucionário e 3) alterava os parâmetros da
discussão artística, reconfigurando o embate de modo a colocar a vanguarda em posição de
superioridade. Esta última característica deve ser ressaltada, pois também o é nos manifestos
de tais artistas: estes afirmavam de forma recorrente que as demais propostas artísticas eram
contrarrevolucionárias não apenas por serem ideologicamente incompatíveis com a revolução,
mas por serem obsoletas. Transformando a arte em trabalho, o discurso construtivista
desafiava seus concorrentes a apresentarem semelhantes afinidades ideológicas, contando
163
“É verdade que o hiperbolismo reflete até certo ponto o furor de nosso tempo, mas não se justifica seu
emprego indiscriminado na arte. Não se pode gritar mais forte que a guerra ou a Revolução. É mais fácil
sucumbir. O senso de medida na arte assemelha-se ao da realidade em política. A principal falta da poesia
futurista, mesmo nas suas melhores obras, é a falta do senso de medida: ela perdeu a medida dos salões e ainda
não encontrou a medida das praças públicas. (...) Mayakovsky muitas vezes grita quando deveria falar.” Cf.
TROTSKI, 2007, p.123.
96
com que a maior identificação deles com os cânones e paradigmas artísticos pré-
revolucionários os impediriam, em termos formais, a fazê-lo.
O utilitarismo seria característica recorrente das propostas artísticas delineadas por
membros da vanguarda durante os primeiros anos da revolução, mas não a única. No entanto,
tornar-se-ia cada vez mais frequente nos escritos de um número cada vez maior de artistas, na
medida em que outros aspectos das formulações vanguardistas pós-1917 demonstrar-se-iam
especialmente impopulares à direção do partido durante a guerra civil, sendo basicamente
abandonados após 1921.
Como exemplo pode-se mencionar a recorrente exigência de se destruir toda a herança
artística e cultural russa pré-revolucionária. Tal ímpeto destrutivo, presente no futurismo pré-
revolucionário, foi entendido e justificado por seus proponentes após 1917 a partir da sua
interpretação da ideologia marxista: para o desenvolvimento da sociedade proletária é
necessário que se expurgue da mesma as relações de classe pré-revolucionárias, bem como as
estruturas e construções culturais que resultaram das mesmas, e que as mantinham.
Os anos da guerra civil demonstrariam, entretanto, que a liderança política da
revolução não partilhava esta intenção destrutiva, voltando-se na verdade à conservação desta
herança tanto porque a sua extinção dificultaria o processo revolucionário – na medida em
que seria uma causa de insatisfação popular que não representaria qualquer ganho imediato à
causa revolucionária – quanto porque sua manutenção era entendida como uma das variáveis
na equação que resultaria na formação de uma cultura revolucionária. Diante desta
divergência, pode-se observar o paulatino abandono desta linha de argumentação nos escritos
vanguardistas.
O mesmo pode se observar em relação ao aspecto experimental e abstrato que era
característico ao futurismo pré-revolucionário. Em uma das primeiras associações formuladas
entre futurismo e comunismo, Altman associa a acusação de ininteligibilidade e barbarismo
da produção futurista feita pela crítica artística pré-revolucionária como resultado de um
conservadorismo pequeno-burguês semelhante àquele que antes de 1917 faria juízos políticos
semelhantes em relação às propostas bolcheviques164. O que implicitamente sugere Altman é
que o futurismo, tal como o bolchevismo, é descrito de forma negativa pelas forças que visam
por interesse próprio reprimi-lo, porém se conferidas aos seus proponentes as condições
necessárias para a sua execução plena, a resultante revolução levaria a produção artística a um
nível mais elevado. Entre 1918 e 1921 observa-se um processo semelhante àquele descrito
164
ALTMAN, Natan. Futurism and Proletarian Art (1918) in: BOWLT, 1988, p.161-163.
97
acima: em desacordo com o discurso observado nos escritos destes artistas, membros do
partido demonstrariam frequentemente opiniões negativas às produções abstratas dos
primeiros anos pós-revolucionários – especialmente quando estas compuseram projetos de
decoração pública e de manifestações cívicas165 – levando também ao seu gradual
desaparecimento nos escritos de tais artistas.
A construção, portanto, foi o aspecto principal da vanguarda soviética em formação,
não apenas por sua afinidade com a ideologia marxista, mas porque representou um front
argumentativo da vanguarda que não encontrou resistência política semelhante às demais
propostas acima descritas – pelo contrário, encontraria apoio, expresso por exemplo na
formação do Vkhutemas (a seguir)166. Através de seu recorrente uso, os proponentes da arte
utilitária podiam sempre lembrar seus leitores e espectadores das origens burguesas, do
anacronismo e do aspecto contemplativo da produção artística de todas as demais orientações
– incluindo aquelas autodenominadas proletárias!167 O construtivismo, portanto, estava “em
construção” entre os anos de 1917 e 1920, e como há de se ver adiante, sua formalização em
1921 decorreria justamente de um reflexo defensivo, na medida em que em tal momento
(NEP) muitos dos outros aspectos da produção vanguardista – ou esquerdista, como veremos
a seguir – pareciam especialmente vulneráveis a ataques de artistas de outras orientações.
A associação da vanguarda artística com a esquerda fora realizada antes da revolução,
justamente pelos críticos que consideravam a produção futurista de forma negativa. A
utilização da terminologia política visava justamente associar os brados destrutivos dos
manifestos futuristas ao radicalismo das orientações ideológicas da esquerda pré-
revolucionária. Após a revolução, entretanto, observa-se a inversão do significado da
esquerda no dicionário político russo, e a correspondente inversão do uso da terminologia na
discussão artística russa. Gradualmente pode se observar a “adoção” da esquerda pela
vanguarda – que antes da revolução nunca havia explicitamente recusado tal associação,
porém também não a havia explicitamente ratificado – culminando com a formalização do
Front Esquerdista das Artes (Lef), periódico publicado pela primeira vez em 1923, e que
sobreviveria em sua segunda versão (Novyi Lef) até 1928. Esta associação seria utilizada por
165
GELDERN, 1993, p. 96-98.
166
Vkhutemas (Vyshie KHudozhestvenno-Tekhnicheskie Masterskie): Ateliês Artísticos-Técnicos Superiores,
criado em 1920, em Moscou, renomeado Vkhutein (Vyshie KHudozhestvenno-Tekhnicheskii Institut) em 1928 e
extinto em 1930. Cf. LODDER, 1983, p.114.
167
Aqui o ponto de exclamação é um subproduto da influência dos manifestos lidos para a composição desta
discussão.
98
168
VAPP (vserossiiskaya Assosiatsiya Proletarskykh Pisatelei): Associação de Escritores Proletários d(e tod)a
Rússia. Em 1925 renomear-se-ia RAPP (Rossiyskaya Assotsiatsiya Proletarskikh Pisatelei), que se pode traduzir
literalmente como Associação Russa de Escritores Proletários.
99
origem como aquilo que justificaria a sua hegemonia no campo das artes, classificando
futuristas e as demais orientações pré-revolucionárias como companheiros de viagem,
destinados à extinção assim que a Revolução não mais precisasse deles; por outro, através da
adoção do utilitarismo e pela identificação imediata explícita com a causa revolucionária, a
vanguarda aparentemente buscava afastar-se de tal possível acusação, e rapidamente “apagar”
suas “origens burguesas”169.
A utilização do vocábulo “esquerdista” possui semelhante intenção, na medida em que
demonstra a tentativa de suplantar a discussão relativa às origens das propostas vanguardistas,
transferindo-a ao mérito de adequação à causa revolucionária. Entretanto, como há de se ver
na discussão do período de vigência da NEP, tal critério também não seria favorável aos
construtivistas, diante dos novos rumos adquiridos pela causa revolucionária com a qual eles
pretendiam justificar seu alinhamento. Na medida em que o discurso radical da esquerda
artística se tornava cada vez mais dissonante do direcionamento tomado pelo Sovnarkom,
seria a vez dos críticos usarem a esquerda como modo de atacar tais artistas. No período
político conturbado que permeou a crescente debilidade e eventual morte de Lenin, com a
configuração e subsequente vilipêndio da Oposição de Esquerda, tais ocorrências seriam
refletidas nas conotações e nos subsequentes usos desta terminologia no campo artístico.
Aquilo que fora visto há poucos anos como um trunfo por parte da vanguarda tornar-se-ia,
após 1927, uma fraqueza a ser explorada por seus rivais.
Durante a guerra civil a política soviética foi ditada pela diretriz que seria denominada
Comunismo de Guerra, que se resumia a uma política de priorização quase total de questões
referentes à vitória sobre os exércitos brancos, e na relegação a um plano secundário – ou
terciário – questões de outras ordens. Trotsky definira em 1924 de forma clara e concisa a
importância dada a assuntos culturais e artísticos durante a guerra civil: “Se o proletariado
russo, após a tomada do poder, não tivesse criado seu próprio exército, o Estado soviético há
169
Aqui deve ser ressaltado que, estritamente falando, a acusação do futurismo como sendo uma proposta
artística de “origem burguesa” é parcialmente uma decorrência do sentido que tomara tal termo no contexto pós-
1917, no qual “burguês” tornar-se-ia cada vez mais sinônimo de “pré-(contrar) revolucionário”. Ironicamente,
antes da Revolução membros da crítica artístico-literária russa atribuiriam a aparente falta de talento,
sensibilidade e refinamento que observavam na produção futurista – e que os levou a identificar tal proposta com
a esquerda revolucionária – às modestas origens de alguns de seus membros, como Malevich e Tatlin.
100
muito não existiria. E nós não pensaríamos nas questões econômicas, e muito menos nos
problemas da cultura.”170. Trotsky reforça ainda em outros momentos o seu depoimento, no
qual afirma que o Comunismo de Guerra relegara a terceiro plano os assuntos de ordem
cultural, considerados menos urgentes do que questões de ordem econômica, as quais por sua
vez não podiam partilhar a priorização dada ao principal objetivo governamental do período, a
vitória do exército vermelho. Em outras palavras, afirmara que o enriquecimento cultural da
sociedade proletária só se tornaria viável se antes se promovesse um desenvolvimento
material que a servisse de alicerce, e que tal desenvolvimento econômico só seria possível
após a eliminação total dos segmentos contrarrevolucionários171. Consequentemente, o
Comunismo de Guerra buscava assegurar a total imposição da verdadeira voz revolucionária
russa sobre aqueles que buscavam silenciá-la ou subvertê-la – de acordo com a perspectiva
dos bolcheviques, é claro.
A posição do Narkompros em relação à produção artística desta nova sociedade que se
formava, entretanto, se opõe à natureza do Comunismo de Guerra quase que diametralmente.
Enquanto a guerra civil representava a tentativa de imposição da autoridade comunista sobre
os seus rivais políticos, o Narkompros adotaria uma política experimental e conciliatória,
receptiva a todas as manifestações artísticas existentes, esperando a partir da múltipla
coexistência das mesmas uma formação orgânica da verdadeira arte do proletariado – um
direcionamento que gradualmente seria motivo de críticas contra o Narkompros, acusado de
demonstrar “tolerância excessiva à intelligentsia”172. – críticas estas que se tornariam oficiais
em 1928, como veremos no capítulo IV. Visando fomentar a formação e o desenvolvimento
de uma cultura soviética autóctone, a diretriz imposta pelo comissariado foi, portanto, a de
encorajamento da coexistência entre todas as propostas artísticas existentes – excetuando-se
aquelas consideradas contrarrevolucionárias – acompanhada do reconhecimento do valor do
legado artístico revolucionário, na medida em que “a nova arte proletária e socialista só pode
ser construída sobre o fundamento de todas as aquisições do passado (...). Neste legado do
passado devem ser impiedosamente expurgadas todas as impurezas e toda a depravação da
decadência burguesa” 173. Tal postura não foi uma exceção observada no campo das artes, mas
170
TROTSKI, 2007, p. 33
171
Ibid., p.34
172
FITZPATRICK, 1992, p.91
173
LUNACHARSKY, Anatoly. Tezisy khudozhestvennogo sektora Narkomprosa ob osnovakh politiki v
oblasti iskusstva, in: TOLSTOI, 2010, p. 143.
101
174
FITZPATRICK, 1970, p.50
175
LUNACHARSKY, A. e SLAVINSKY, Y., Theses of the Art Section of Narkompros and the Central
Comittee of the Union of Art Workers Concerning Basic Policy in the Field of Art (1920) in: BOWLT,
1988, p.184.
102
Por um lado, a política acima delineada tinha amplo respaldo dos altos escalões do
partido. Lenin seria um dos mais fortes aliados de Lunacharsky em defesa do legado artístico-
cultural russo pré-revolucionário176, e de forma recorrente seria aquele a quem recorrera o
Comissário de Esclarecimento quando este se encontrava cercado de vozes mais radicais e,
para Lunacharsky, destrutivas177. Trotsky, por sua vez, não apenas faz eco à visão de
Lunacharsky em suas reflexões178, como a elabora em seus escritos buscando apontar as
contribuições de determinados artistas e grupos para o processo de formação de tal arte do
proletariado. De forma semelhante, afirma:
As novas formas devem encontrar, por si mesmas e com independência, acesso à
consciência dos elementos avançados da classe operaria, à medida que estes,
culturalmente, se desenvolvam. A arte não pode viver nem se desenvolver sem uma
atmosfera de simpatia. É por essa via – e não por outra - que se desdobra um
processo complexo de mutuas relações. A elevação do nível cultural da classe
operaria ajudará e influenciará esses inovadores que realmente tem alguma coisa a
dizer. A afetação, inevitável quando reinam os conciliábulos, desaparecerá, e os
germes vivos produzirão formas novas que permitam resolver os novos problemas
artísticos. Essa evolução supõe antes de tudo a acumulação de bens culturais, o
179
aumento do bem-estar e o desenvolvimento da técnica .
176
Em um rascunho de resolução sobre os direcionamentos da cultura proletária, escrito em 1920 e publicado em
1945, Lenin afirmara: “Não à invenção de uma nova cultura proletária, mas ao desenvolvimento dos melhores
modelos, tradições e resultados da cultura existente, do ponto de vista da ideologia marxista e das condições de
vida e da luta do proletariado durante seu período ditatorial – Cf. LENIN, Vladimir. Rough Draft of a Resolution
on Proletarian Culture. Acessado em http://marxists.org/archive/lenin/works/1920/oct/09b.htm (Data de acesso:
08/11/2013)
177
Pode-se notar nas discussões de ordem educacional do Narkompros uma presença constante de Lenin como
elemento moderador diante da radicalização das posições pedagógicas representadas, por um lado, por
Krupskaya e Pokrovsky, e de Otto Schmidt, por outro, em relação ao foco a ser dado à estruturação escolar
soviética, que para os primeiros deveria ser a formação ideológica e ampla do indivíduo, enquanto para o último
haveria de adotar um tom mais técnico, voltado para a formação de especialistas, devido à carência soviética de
quadros especializados. A visão de Schmidt seria descartada, e seu proponente fora transferido para o Gosizdat.
Cf. FITZPATRICK, 1970, p.10, 210-215, 319. Não se deve entender, entretanto, que a relação entre Lenin e
Lunacharsky foi sempre uma de mútuo suporte, tendo Lenin inclusive iniciado uma moção com o intuito de
remover Lunacharsky do partido pouco após a revolução, diante da posição inicial do Comissário de permitir a
cooperação com outros partidos e a formação de uma coalizão socialista. Ibid. p.13.
178
TROTSKI, p. 123.
179
Ibid., p. 128.
103
180
Companheiro de Viagem (poputchik) foi uma expressão corrente na discussão literária soviética deste
período, a qual designava os indivíduos que aceitaram os princípios gerais do regime socialista, porém de forma
superficial, incompleta. O termo é usado principalmente, portanto, para designar artistas dispostos a cooperar
com o regime revolucionário a despeito da ausência de identificação prévia – ou contemporânea – com o mesmo,
ou da aceitação parcial ou distorcida de seus valores. Alguns exemplos, citados pelo próprio Trotsky, são
Iessenin, os irmãos Serapião, ou Kliuev. O escopo desta definição é alvo de debate, na medida em que a mesma
implica um nível de identificação com a revolução que, em especial entre construtivistas, seria alvo de ferrenha
discussão. Se Trotsky por um lado nitidamente parece considerar a vanguarda como parte deste grupo, dada a
sua origem burguesa, tais artistas esforçar-se-iam no decorrer destes primeiros anos para se desvencilharem de
tal atribuição, buscando redefini-la de modo a contemplar apenas os outros grupamentos artísticos considerados
por estes artistas como rivais. Cf. TROTSKI, 2007, p. 63-100.
181
O Proletkult – Proletarskaya Kultura, ou Cultura Proletária – foi uma organização formada em 1917, antes
dos eventos de outubro. Fundado por Aleksandr Bogdanov e tendo entre seus contribuintes em algum momento
de sua história ilustres como Gorky e o próprio Lunacharsky, o Proletkult defendeu avidamente sua autonomia
em relação ao governo soviético, mantendo-se desta forma até o início da década de 1920, quando fora forçado a
aceitar a tutela do partido para suas atividades. Bowlt afirma que a autonomia continuada do Proletkult, que fora
mais longeva do que qualquer outra no campo das artes, se deveu à sua fundação prévia à revolução. Pode-se
complementar esta afirmação atestando a vasta popularidade da fundação após a revolução, que possuía ateliês
por toda a Rússia e, em 1920, angariava quatrocentos mil membros.
182
FITZPATRICK, 1992, p. 92.
104
educacional soviética durante a guerra civil, James McClelland faz uma interessante reflexão
que pode aqui ser estendida ao âmbito da política artística soviética:
Uma explicação para as políticas educacionais contraditórias durante este período é
a de que para a educação, tal como para a maioria das outras áreas, os bolcheviques
tinham pouco em termos de um plano sistematizado antes da Revolução. Os escritos
de Lenin que tocavam em assuntos educacionais eram mais preocupados com a
promoção de uma revolução do que com a delineação da estrutura de um sistema
educacional pós-revolucionário. Krupskaia é a exceção parcial a essa regra, haja
visto que ela produziu um estudo de teoria educacional durante sua emigração (...).
Lunacharsky também teve algum contato com teoria pedagógica antes da
Revolução. Porém nem Krupskaia, nem Lunacharsky haviam dado muita atenção à
questão de como seus conceitos pedagógicos poderiam ser aplicados às condições
russas183.
183
MCCLELLAND, James C. Approaches to Higher Education, 1917-1921 in: Slavic Review, Vol.30, no 4
(Dezembro de 1971), p.819. Grifo nosso.
184
Cf. ZLOBIN e ZLOBIN, 1997. De acordo com Fitzpatrick, ainda, as múltiplas interpelações e cartas de
recomendação de Lunacharsky em defesa de indivíduos considerados perniciosos eventualmente resultaria na
perda de efeito político das mesmas.
185
LUNACHARSKY, Anatoly. Tezisy khudozhestvennogo sektora Narkomprosa ob osnovakh politiki v
oblasti iskusstva, in: TOLSTOI, 2010, p. 144.
105
convicção com a qual Lunacharsky defenderia tal linha partidária pode ser inclusive entendida
como um dos fatores responsáveis por sua eventual exoneração em 1929, na medida em que
uma mudança de direcionamento no âmbito cultural e artístico resultariam na conclusão de
que o Narkompros necessitava de nova liderança186.
Em suma, pode-se apontar quatro principais fatores responsáveis pela postura inicial
do Narkompros em relação à sua política relativa à arte. Primariamente, tal linha partidária no
campo artístico decorrera de considerações práticas, das demandas do Comunismo de Guerra:
no contexto da guerra civil, tal linha representa um entre tantos recuos estratégicos realizados
pelo partido durante o processo de consolidação da Revolução. O elemento ideológico que
sustenta a formação autóctone de uma arte proletária a partir de um processo orgânico de
múltipla coexistência de vertentes artísticas pré-revolucionárias serve de justificativa para tal
recuo, e mesmo que dentre seus defensores houvesse muitos que de fato acreditassem que este
era de fato o caminho da revolução nas artes, parece menos provável que tal política fosse
adotada fora de um contexto de generalizada indiferença ou animosidade ao Estado como fora
o período da Guerra civil – ou que tantas exceções e transgressões a tal direcionamento
fossem permitidas. Tanto as considerações práticas e a justificativa ideológica desta postura
podem ser parcialmente explicadas também pela inexistência de uma sistematização prévia da
política cultural pós-revolucionária, dando a tal direcionamento uma parcela de improviso.
Por fim, a identificação entre tal política e o comissário Lunacharsky, defensor aguerrido de
tal interpretação, a qual ele continuaria a tentar impor e defender mesmo quando a maioria
daqueles a seu redor abertamente a atacavam – o que levaria historiadores a considera-lo
politicamente ingênuo.
Independentemente dos fatores que contribuíram para a concepção desta postura
conciliatória em relação à produção artística, a sua implementação demonstraria um
afastamento da premissa inicial de coexistência e igual fomentação no campo artístico. Os
construtivistas que ocupavam cargos no interior do Narkompros demonstrariam durante este
período sua absoluta convicção na validade de suas propostas e interpretações relacionadas à
formação de uma arte revolucionária, e enquanto membros do Narkompros usariam de sua
autoridade administrativa para, como os bolcheviques haviam feito no plano político,
186
Em 1929, descontente com os rumos que tomaram a política cultural soviética sob Stalin e em claro desfavor
no interior do cenário político soviético, Lunacharsky – que antes da revolução e em seus primeiros anos se
observa repetidamente próximo a Trotsky, fisicamente ou em seus escritos – fora retirado do posto que até então
ocupara. Em 1933 fora apontado para o cargo de embaixador soviético na Espanha, porém não assumiu o posto,
tendo morrido durante o trajeto.
106
implementar por cima uma nova diretriz artística e cultural em nome do bem público, e à
despeito do gosto público187 – também desconsiderando o fato de que as suas participações no
Comissariado haviam sido justificadas por Lunacharsky a partir de tal direcionamento.
Neste aspecto as semelhanças entre as ações de tais artistas e os eventos que levaram à
revolução de outubro são muito interessantes. Enquanto membros de um órgão
administrativo, os construtivistas utilizariam de suas prerrogativas no interior deste órgão para
direcionar os recursos e ações do mesmo da maneira que julgavam servir a causa
revolucionária – à revelia de opiniões divergentes de outros membros. No interior do
Narkompros (Soviete), os construtivistas (bolcheviques) buscaram implementar por cima e a
despeito das opiniões do público (público) e de outras vozes concorrentes, como artistas de
orientações simbolista, realista, proletária (mencheviques e socialistas-revolucionários) – e em
prol dos mesmos, argumentariam – uma revolução artística (política e social) que
revolucionaria tudo o que entendia por arte (sociedade) de então em diante – e contando com
a aceitação futura de tal revolução, após as primeiras manifestações positivas da mesma, que
justificariam aos demais o radicalismo e os decorrentes sacrifícios de tal revolução. Tal como
Lenin e os bolcheviques, tais artistas buscaram assumir uma posição de vanguarda em seu
campo de ação, buscando “apoiar os objetivos da revolução em seus próprios termos, como
artistas progressistas, e não ordinários”188 – o que após o período da guerra civil resultaria em
fricções entre tais artistas e o Partido, cujo alto escalão nunca os havia realmente delegado tal
tarefa e ainda se via como a vanguarda da Revolução como um todo.
Durante estes primeiros anos, descritos por Heller e Nekrich como um período
simultaneamente de liberdade e necessidade189, tais artistas tiveram considerável liberdade de
ação, no contexto até aqui descrito. Diferentemente do que se tornaria característico em anos
posteriores, a produção e o empreendedorismo cultural nos grandes centros urbanos soviéticos
não foram, durante seus primeiros anos, guiados de forma planificada e centralizada, mas
transcorreram de forma difusa e pouco coordenada, permitindo inclusive exceções à
autoridade estatal no campo de produção artística, como veremos adiante. Em um cenário
como este, em que decisões de financiamento eram realizadas de maneira difusa e no qual a
opinião pública tinha reduzida influência – como decorrência da limitação da esfera social
187
Opta-se aqui pelo grifo para salientar o paralelo com o título do já mencionado manifesto futurista Tapa na
Cara do Gosto Público, que já havia delineado tal postura tipicamente vanguardista em 1912.
188
MARGOLIN, Victor. Constructivism and the Modern Poster, in: Art Journal, vol.44, no 1 (Primavera
1984), p.30.
189
HELLER e NEKRICH, 1992, p.50.
107
190
IZO (Otdel Izobrazitelnykh Iskusstv). Literalmente poder-se-ia traduzir IZO como “Departamento de Belas
Artes”, como o faz Bowlt, porém a tradução literal não aparece em outros livros em decorrência justamente das
ações empreendidas pelo departamento, optando-se então por uma tradução menos carregada de sentido
ideológico como “artes plásticas” ou “artes visuais”.
191
LODDER, 1983, p.112. Com a criação desta subseção, a criação e os subsequentes debates do Inkhuk, e em
geral o direcionamento utilitário que se observa como característico do IZO Narkompros deste sua formação,
torna-se ainda mais problemática a adoção do termo izobrazitelnyi para a descrição da natureza de tal
subdepartamento – escolha que certamente não fora realizada pelos construtivistas que o compunham.
192
GRAY, 1971, p.230.
193
LODDER, op.cit., p.114.
108
meio literário – Mayakovsky como escritor, e Brik como crítico e estudioso linguístico – e no
entanto gravitaram em direção ao IZO, predominantemente porque era neste departamento
que teriam o respaldo e a autonomia para realizar projetos e reforçar as intenções e projetos de
seus colegas; em contraponto, o subdepartamento LITO, que haveria de ser o destino natural
destes dois indivíduos aqui usados como exemplo, fora preterido pelos mesmos em
decorrência da minoria construtivista em seu interior, e da subsequente dificuldade sequer em
receber apontamentos no interior do mesmo. Mesmo Mayakovsky, um escritor já reconhecido
antes da revolução e provavelmente a mais importante voz desta vanguarda russa em 1917,
não comporia o processo de reformulação e organização da atividade literária soviética
através dos canais oficiais, sendo atraído na verdade para órgãos afins, como o IZO e a
ROSTA194, para contribuir com a revolução às margens dos órgãos literários, e recebendo de
tais fontes alternativas os recursos para sua produção. Sua famosa obra Mistério-Bufo195,
publicada em 1918 para comemorar o primeiro aniversário da Revolução, e encenada sob
direção de Meyerkhold e com cenários produzidos por Malevich, bem como sua participação
na área de produção gráfica voltada à propaganda política, seriam realizadas com
financiamento destes órgãos, e discutidas no próximo capítulo.
O sectarismo demonstrado pelos construtivistas no IZO se insere em um contexto
maior e generalizado de estabelecimento de facções nos sulcos da administração soviética,
observável em quase todos as suas ramificações, e de natureza retroalimentadora. No caso do
Narkompros: por um lado, artistas como Mayakovsky gravitaram em direção a determinados
órgãos devido à receptividade dos mesmos aos seus desígnios; por outro, tal gravitação era ou
determinada, ou intensificada, pela repulsão exercida sobre tais artistas por outros órgãos,
predominantemente compostos por artistas de diferentes orientações, porém engajados em
comportamento sectário semelhante196.
Em um manifesto de 1918 Natan Altman justifica a postura que demonstrariam os
construtivistas do IZO, utilizando-se do voluntarismo dos mesmos após a revolução para
acusar artistas de orientações “conservadoras” de aderirem às tarefas revolucionárias como
194
ROSTA (Rossiskoe Telegrafnoe agentstvo): Agência Telegráfica Russa, criada inicialmente sob a jurisdição
do VTsIK e posteriormente transferido para o Narkompros – vide capítulo III.
195
MAYAKOVSKY, Vladimir. Mistério-Bufo. São Paulo: Musa Editora, 2001.
.
196
Este facciosismo não se limitou à esfera artística ou mesmo ao Narkompros, mas seria característica do
aparato estatal comunista como um todo, resultando em uma série de facções internas, cujas intrigas e
maquinações políticas seriam um dos motivos para a decisão de Lenin de tornar ilegal tal conduta em 1921,
anunciando no Décimo Congresso do Partido Comunista Russo a dissolução de toda e qualquer vertente interna
ao partido, e a adoção de uma linha partidária unificada.
109
197
BOWLT, 1988, p.161-163. Este manifesto foi publicado na segunda edição do periódico do IZO Narkompros
“Arte da Comuna”, discutido a seguir.
198
Apud. WOOD, P. The Politics of the Avant-Garde in: GERMANO, C.; GIMENEZ, C., 1992, p. 9.
199
De forma semelhante ao que se observa após os acontecimentos de outubro, a revolução de fevereiro que
resultou na abdicação de Nicolau II e na formação do governo provisório também ofereceu possibilidades de
participação a artistas que partilhassem os valores do regime. Durante este período, Gassner afirma ter
desfrutado o conhecido pós-impressionista e crítico de arte russo Aleksandr Benois especial autoridade em
assuntos culturais, o que resultou em uma natural marginalização da produção orientada por diretrizes
esquerdistas. O asco de Benois em relação a arte dita de vanguarda pode ser observada já em 1910, a partir de
seu artigo Kubizm ili Kukishizm? (Cubismo ou Ridiculismo?), bem como pelas repetidas cr[iticas negativas
formadas por ele em relação às exibições futuristas pré-revolucionárias, como a 0.10 (Zero.Dez) e a Tramway V
(Bonde 5), nas quais se observa as primeiras exibições, respectivamente, das obras suprematistas de Malevich e
dos contra-relevos de Tatlin. A criação do verbo burliukat, cuja intenção era a de significar fazer besteira, foi
cunhado pelo crítico a partir do sobrenome dos irmãos Burliuk, membros do grupo Hiléia, sendo mais um
exemplo de sua postura relativa à suposta arte esquerdista. Sobre a atuação de Benois durante o governo
provisório, Cf. GASSNER, H. The Constructivists: Modernism on the way to modernization in: GERMANO,
C.; GIMENEZ, C. (orgs.), 1992, p. 299-302. Sobre a posição crítica adotada por Benois em relação a arte de
vanguarda – e em especial, à futurista – Cf. SHARP, J. The Critical Reception of the 0.10 Exhibition:
Malevich and Benua, in: GERMANO, C.; GIMENEZ, C. (orgs.), 1992, p. 39-49; BOWLT, J., 1988, p. xxiv, 69-
70.
110
200
A União de Artistas de Petrogrado (Soyuz Deyatelei vsekh iskusstv) foi formada entre março e abril de 1917,
com a intenção de participar diretamente das decisões relacionadas ao direcionamento da produção artística russa
após a renúncia do Tsar em fevereiro. Segundo Von Geldern, fora formada em resposta à Comissão artística
(Komissiya po delam iskusstva) formada por Gorky e Benois no dia quatro de março de tal ano, a qual gozara de
apoio inicial do governo provisório, causando receio entre artistas das demais orientações em relação a um
possível monopólio de comissões e influência de tal grupo no campo artístico. Cf. GELDERN, 1993, p.18. Há de
se observar, entretanto, que outras organizações também seriam formadas, e descrições sobre as mesmas podem
ser encontradas na referência acima. Nestas também pode ser observada a coexistência e limitada – porém
presente – cooperação entre membros da vanguarda artística e aqueles que posteriormente seriam considerados
pela mesma vanguarda como elementos perniciosos à causa revolucionária.
201
Ibid. p.19-21.
202
Cf. GOUGH, 2005, p.66-68.
203
Cf. GRAY, Camilla, 1971, p. 230-231.
204
Ibid., p. 68.
111
obras de design gráfico, 54 esculturas e, finalmente, em uma categoria nova, onze ‘formas
espaciais’(prostranstvennye formy)”205. Em sua posição de direção, acompanhado de muitos
companheiros construtivistas no colegiado da subseção, Rodchenko buscou através das
ferramentas que lhe eram concedidas a imposição da produção construtivista, que entendia
como sendo a única capaz de contemplar os objetivos revolucionários de uma verdadeira
cultura soviética.
A criação de museus e a aquisição de obras que os compusessem era uma parcela
importante da tarefa cultural do IZO Narkompros, e a decisão de estabelecer Museus de
Cultura Artística por todo o território soviético – cuja supervisão também era prerrogativa de
Rodchenko, como diretor da subseção de museus – era um dos principais pontos em pauta.
Em sua atividade, entretanto, tal subseção parece frequentemente se afastar da diretriz
originária do Narkompros, demonstrando convicção de que apenas suas visões artísticas eram
realmente revolucionárias, e não comprometidas ou contaminadas com os valores e os vícios
da sociedade burguesa – buscando a destruição de tais vestígios presentes tanto no legado pré-
revolucionário quanto nas produções das demais orientações, em detrimento da explícita
importância dada tanto por Lunacharsky quanto por Lenin ao legado artístico russo pré-
revolucionário.
A influência construtivista no interior do processo de criação e gerenciamento destes
museus se demonstra pelo apontamento de artistas como Rodchenko, Altman, Malevich e
outros vanguardistas como diretores entre 1918 e 1926206, período em que tais artistas
puderam alocar fundos do orçamento artístico estatal para a aquisição de obras, dando
preferência sempre àquelas que entendiam ser representativas do processo de
desenvolvimento artístico que levaria à gênese de uma arte utilitária proletária – merece
destaque aqui a comissão concedida pelo Narkompros a Tatlin em 1919, a qual financiaria a
produção do nunca construído Monumento à III Internacional, recorrentemente usado por
historiadores do período como peça arquetípica das ambições do construtivismo e de seu
suposto utopismo no contexto de limitações materiais imposto pela guerra civil207. Soberana
sobre a questão de distribuição das obras estatais pelos museus que as abrigariam, os diretores
da subseção também concederiam foro privilegiado às obras de arte que demonstrassem maior
205
Ibid. p. 66.
206
Em 1926 o financiamento do Narkompros para a divisão de museus foi cortado, um desdobramento relativo à
contração política pós-guerra civil que será discutida adiante.
207
Cf. BOYM, Svetlana. Architecture of the Off-Modern. Nova York: Princeton Architectural Press, 2008,
p.8-14.
112
208
Cf GRAY, 1971, p. 230-231.
209
Ibid., p.230.
210
http://www.incorm.eu/museum.html (Acessado em 25 de outubro de 2013). Grifo nosso. A iniciativa
denominada “The international Chamber of Russian Modernism” é um projeto em construção que se define da
seguinte maneira: “The International Chamber of Russian Modernism, InCoRM, was founded in Paris on 14th
April 2007 by independent art historians and scientists who specialise in Russian Modernism. (…) The aim of
InCoRM is to provide a platform for dialogue amongst all those interested in Russian Modernism (…). It
publishes scholarly work, both art historical and scientific, in the Journal of InCoRM, which is found on-line as
well as in print”.
113
estrutura governamental soviética211. O periódico foi editado entre 1918 e 1920, tinha sua
direção editorial composta por três artistas esquerdistas – Nikolai Punin, Osip Brik e Natan
Altman212 – e produziu dezenove edições, no interior das quais se pode observar nitidamente a
preponderância de artigos alinhados às propostas construtivistas.
Considerando-se dezoito dos dezenove exemplares (excetua-se aqui o exemplar de
número 10, o qual não foi encontrado), de um total de 102 artigos, 61 foram redigidos por 8
artistas associados ao construtivismo: Nikolai Punin (25), Boris Kushner (11), Osip Brik (9),
Mayakovsky (7), Ivan Puni, (3), Altman (2), Malevich (2) e Viktor Shklovsky (2). Nestes
artigos seus autores frequentemente afirmavam que os demais direcionamentos artísticos
então existentes eram antiquados e consequentemente desprovidos das ferramentas
necessárias para de resolver os problemas que eram postos diante da sociedade soviética e de
desenvolver novos caminhos e novas potencialidades a serem trilhados por esta sociedade em
formação. Em oposição a tais direcionamentos, era necessária a formação de uma nova arte –
ou mesmo de uma modalidade produtiva inteiramente nova que surgiria a partir da extinção
da arte burguesa. A tarefa de criação desta nova arte, adequada a uma nova sociedade, deveria
repousar sobre os esforços destes artistas construtivistas, os quais estavam, segundo seu
raciocínio, em posição ímpar para alcançarem sucesso, na medida em que esta fora sua
preocupação básica durante os anos anteriores, enquanto componentes da vanguarda futurista.
Este posicionamento é observado não apenas a partir da quantidade avassaladora de artigos
que o indica, mas igualmente pela aberta adoção desta postura pelo corpo editorial do
periódico, como um editorial de 1919, no qual se pode ler:
Sem dúvida alguma a sociedade socialista terá seu próprio estilo de vida, sua
própria ciência, e sua própria arte; e, é claro, esta ciência e esta arte vão se diferir,
não apenas em seus objetivos, mas em suas técnicas e seus métodos em relação a
tudo que existira anteriormente.
211
Durante a guerra civil o departamento IZO também editou por u número limitado de edições os periódicos
Artes Plásticas (Izobrazitelnoe Iskusstvo), que teve apenas uma edição, e Arte (Iskusstvo), que teve por sua vez
oito edições. No entanto, como Cristina Lodder aponta, mesmo nestes dois periódicos a presença de artistas
esquerdistas era predominante, e os tópicos em discussão eram aqueles relativos às visões artísticas de tais
artistas. Arte da Comuna, neste contexto, diferenciou-se não apenas por sua longevidade, mas também por ter
apresentado, segundo Lodder, um teor ideológico mais intenso do que os anteriores, uma preocupação com a
afirmação dos valores subjacentes às propostas esquerdistas de tais artistas. Cf. LODDER, Christina. Art of the
Commune: Politics and Art in Soviet Journals, 1917-1920. in: Art Journal, Vol.52, No. 1, Political Journals and
Art, 1910-40 (1993). Los Angeles: College Art Association. pp. 24-33
212
Aqui utiliza-se o termo esquerdista em decorrência da menor identificação de Natan Altman com o aspecto
utilitário do construtivismo. Este artista ainda assim se alinhava aos demais na maioria de seus princípios
artísticos, porém não se encontra qualquer escrito de sua autoria defendendo ou propondo a aplicação prática da
arte, identificando-se mais, ao que parece, aos princípios do futurismo pré-revolucionário.
114
(...) esta arte deve ser livre do passado e odiar o passado tanto quanto a classe
213
trabalhadora o odeia.
O papel deste periódico deve ser posto em contexto para que não se superestime ou
subestime sua importância ao analisarem-se suas repercussões sobre a esfera cultural soviética
durante sua circulação. Certamente, este não era o periódico de maior circulação na Rússia
soviética, muito distante em números sua tiragem se comparada a jornais como o Pravda ou
Izvestiya. No entanto, aos grandes jornais soviéticos pouco espaço se alocava a questões de
ordem artística – exceto no que concerne a eventos públicos, como festivais – durante este
conturbado período, estando o governo completamente comprometido com os esforços da
guerra civil e da promoção da revolução mundial. Coube, portanto, em geral a periódicos
específicos e de menor tiragem o papel de principais suportes para a produção de artigos em
relação à produção artística soviética. Porém muitos dos periódicos que tratariam de questões
artísticas e culturais conhecidos pela historiografia russa seriam fundados apenas durante a
década de 1920, sob a vigência da NEP, e mesmo quando fossem fundados, incluiriam em sua
maioria uma diversidade maior de temas abordados, não se limitando apenas a questões
artísticas214 – conferindo portanto ao Arte da Comuna um foro relativamente privilegiado
durante o período da guerra civil.
O que torna o Arte da Comuna uma publicação especialmente relevante para a análise
aqui proposta não é a sua tiragem, mas a sua natureza editorial. Este era o periódico oficial do
Narkompros, financiado pelo mesmo, e que tratava de questões específicas do campo das
artes; esta chancela, em uma configuração política que presumia consolidar um monopólio
estatal sobre a esfera pública como a que se observa na Rússia durante este período, torna-o
relevante por corroborar a autoridade que se observa investida sobre os artistas de orientação
construtivista após outubro de 1917.
A importância que se deve conferir ao Arte da Comuna, portanto, decorre da
constatação de que o periódico demonstra-se sintomático da configuração política que se
observa na estrutura cultural administrativa soviética durante o período da guerra civil,
atestando a expansão da influência deste determinado conjunto de artistas em detrimento de
outros segmentos que antes da revolução gozavam de maior apreço e que hesitaram em
alinhar-se com o novo regime em formação. A presença majoritária de um determinado
213
LODDER, 1993, p.4.
214
Entre tais periódicos pode-se ressaltar entre os mais conhecidos o Kuznitsa (A Forja, 1920), Krasnaya Nov
(Solo virgem vermelho, 1921), Lef (1923), Na Postu! (A postos!, 1923) Oktyabr (Outubro, 1924), Novyi Mir
(Mundo Novo, 1925), Novyi Lef (Nova Lef, 1926), Na Literaturnom Postu! (No posto literário, 1926).
115
215
Os construtivistas e demais esquerdistas foram criticados não apenas por artistas de outros direcionamentos
pelo favorecimento acima descrito, mas pelo próprio Lunacharskii no contexto da Arte da Comuna. Em 1918,
em um texto intitulado “Colher de Antídoto”, Lunacharskii alertara seus camaradas esquerdistas a respeito de
suas “tendências destrutivas no que diz respeito ao passado e sua inclinação, quando falando enquanto uma
escola específica, de falar em nome do governo”. Cf. LODDER, 1993, p.28.
116
216
Svomas: Svobodniye Gosudarstvenniye Khudozhestvenniye Masterskiye.
217
Estritamente falando, após ter sido desativada em 1918, a Academia Imperial daria lugar aos Ateliês
Educacionais Artísticos Livres de Petrogrado (Pegoskhuma), o qual seria então renomeado em 1919. Em 1921 o
Svomas de Petrogrado seria renomeado Academia das Artes, retomando uma característica acadêmica voltada
para o ensino das Belas Artes.
218
LODDER, 1983, p.109.
219
Ibid. p.109.
220
VUZ (Vyshee Uchebnoe Zavedenie): Instituição de Ensino Superior
117
A admissão aos Svomas, tal como das demais instituições de ensino superior durante
os primeiros anos da Revolução, não foi regida pelos constrangimentos pré-revolucionários
tradicionais como o mérito acadêmico ou conhecimentos prévios, em parte justamente porque
tal entrave artificialmente comprometeria a suposta capacidade de auto-regulação que os
ateliês, em tese, demonstrariam – tal como se observa nas regras de admissão para o Svomas,
dentre as quais há um limite de idade, mas que se caracteriza antes pela ausência do que pela
imposição de limites. “Todos aqueles que desejam receber uma formação artística
especializada tem o direito de entrar nos Ateliês Livres Estatais. (...) A apresentação de
diplomas não é necessária”223.
221
LODDER, op.cit., p.110
222
MIGUEL, 2006, p. A-1 a A-18, passim..
223
MIGUEL, 2006, p. A-4.
118
224
MIGUEL, 2006, p. A-5
225
Dentre estes 24 ateliês do Svomas de Moscou havia “14 ateliês de pintura, 4 de escultura, 3 de arquitetura, 1
de gravura (águaforte), 1 de fotografia e 1 de pintura sem mestre designado”, enquanto o Svomas de Petrogrado
(mais conservador e acadêmico em sua atuação), era composto por 14 ateliês de pintura, 4 de escultura, 3 de
arquitetura, além de ateliês de artes aplicadas (arquitetura de interiores, têxtil, metais, gravura e impressão,
119
artística e um deles seria o ateliê sem direção que resultaria no grupo Obmokhu, resultando
em uma proporção elevada de direção vanguardista quando se considera o número de artistas
e de candidatos relacionados a estas propostas antes de 1917.
A própria estruturação do ensino artístico em ateliês livres era condizente com as
propostas construtivistas contemporâneas. Tais ateliês livres permitiriam a formulação de
programas específicos cujo conteúdo e metodologia não seriam regidos por critérios
acadêmicos. A facultatividade de estudos artísticos prévios permitia a determinado professor
de um destes ateliês livres atrair e ensinar futuros artistas ainda não “contaminados” pelos
valores artísticos pré-revolucionários, indivíduos que ofereceriam maior maleabilidade ao
professor que buscasse apresentá-los a uma perspectiva artística até então desconhecida.
Atrelando-se a estes fatores o entrincheiramento que tais artistas pretendiam realizar na
burocracia cultural soviética e seu objetivo de utilização dos recursos públicos para
disseminar ideais não reconhecidos pela estética acadêmica pré-revolucionária, pode-se inferir
que em termos gerais a aplicação do modelo de Ateliês Livres ofereceu ao construtivismo
maiores motivos de satisfação do que àqueles artistas que antes da revolução compartilhavam
suas convicções artísticas com a crítica e com o estabelecimento artístico acadêmico.
cenografia, pintura ornamental, porcelana, cerâmica e ferro). Cf. MIGUEL, Jair Diniz. SVOMAS (Ateliês
Artísticos Livres Estatais): Arte, Liberdade, Flexibilidade e Novidade (2006), p.5-6
.
120
226
Cf. STEINBERG, Mark. Proletarian Imagination. Self, Modernity & the sacred in Russia, 1910-1925.
Ithaca: Cornell University Press, 2002, p.120.
121
227
Ibid., p.95-96, 112-118, passim.
228
Cf. STEINBERG, 2002, p.213.
229
Ibid., p.139.
230
Pavel Lebedev-Polyansky foi presidente nacional do Proletkult de 1918 a 1920, ocupou cargos no interior do
Narkompros, sendo inclusive chefe do Glavlit entre 1921 e 1930. “Lebedev-Polyansky frequentemente alertava
os escritores trabalhadores quanto ao erro de se expressarem ‘não em nossa língua’. (...)Entre estes falsos
discursos, o mais preocupante, nas palavras de Lebedev-Polyansky, advinha dos autores que esqueciam que ‘no
lugar do heroico indivíduo de pensamento crítico, o socialismo colocou a classe, o coletivo, acima de tudo’. Em
demasiado número poemas que se propunham ‘proletários’, Lebedev-Polyansky reclamava, havia apenas ‘eu, eu
e eu’. Cf. STEINBERG, op.cit., p.141.
231
Pode-se aqui apontar a resposta de Vladimir Kirillov a tais críticas, descrita por Steinberg: “O problema da
maioria dos cultos críticos comunistas em relação à verdadeira literatura proletária, Vladimir Kirillov comentou
em 1921 (em um texto amplamente lido que provocaria muita controvérsia), era que eles tinham abundante
domínio da teoria marxista e do método dialético, mas nunca haviam experimentado o ‘ar da fábrica’. (...) Tais
críticos, ainda que fossem ‘os melhores marxistas’, não eram capazes de ‘entender a profundidade e a
multiplicidade da natureza da criatividade artística do escritor proletário.” Cf. STEINBERG, op.cit., p.198.
122
Independente das características das obras produzidas por seus membros, o Proletkult
foi uma instituição que alcançou quatrocentos mil membros em 1920; possuía espaços físicos
para sua organização nas duas capitais e em outros centros urbanos de médio porte234,
concedidos pelo poder público e financiados pelos próprios trabalhadores, a partir das vendas
de seus escritos e da exibição de seus espetáculos. O Proletkult organizava cursos, eventos e
exibições, e até 1922 encontrava-se formalmente desvinculado a qualquer instituição
governamental soviética. Durante este período de maior autonomia, o Proletkult publicara
livros de forma relativamente independente, e decerto teve parcela considerável no âmbito
artístico, partilhando no espaço público a arena que os construtivistas buscavam cada vez
mais moldar de acordo com seus próprios critérios. Dentre seus membros pode-se notar
nomes de influência política na administração soviética, inclusive no Narkompros –
destacando-se Kerzhentsev, que teria considerável papel nas discussões relacionadas às
politicas pedagógicas e culturais do comissariado.
No campo artístico, entretanto, membros do Proletkult demonstram limitada
penetração, pois ainda que apoiassem a revolução e o Estado soviético, seus membros
diretores permaneceriam fiéis aos alicerces teóricos de Bogdanov, defendendo sua autonomia
institucional como pré-requisito para a formação de uma arte puramente proletária,
232
Cf. STEINBERG, 2002, p.60
233
Ibid., p117.
234
Como a mansão Morosov (construída em estilo mourisco para o comerciante Arseny Morosov em 1899),
famosa construção em Moscou que serviria de centro de reuniões e teatro para o Proletkult, até 1928.
123
235
FITZPATRICK, 1992, p.92
124
236
Para mais aprofundada discussão relativa a estas três organizações, Cf. SCHERR, Barry. Notes on Literary
Life in Petrograd, 1918-1922: A Tale of Three Houses in: Slavic Review, Vol. 36, no2 (Junho, 1977), p.256-
267. A Casa das Artes inclusive esboçaria um periódico homônimo, que no entanto só produziria duas edições,
em 1921.
237
Por exemplo, Gorky usaria dos recursos da editora estatal Literatura Mundial (Vsemirnaya Literatura), a qual
deveria ter como principal ocupação a tradução de obras estrangeiras para o russo, para garantir a membros da
Casa dos Escritores uma ocupação formal remunerada que permitiria aos seus membros subsistência enquanto
escritores, o que se demonstrara difícil às margens do Estado durante o período da guerra civil. Cf. SCHERR,
1977, p.258
238
De acordo com Orlando Figes, inclusive, tais organizações foram essenciais para a sobrevivência e
subsequentemente pela produção de seus membros no contexto de escassez da guerra civil e de hostilidade
institucional partindo dos construtivistas. Afirma: “Gorky assumiu a defesa da intelligentsia faminta de
Petrogrado, negociando com os bolcheviques, entre os quais ele era altamente apreciado por seu alinhamento
esquerdista antes de 1917, por melhores rações e apartamentos. Ele estabeleceu um refúgio de escritores, seguido
por uma Casa dos Artistas, e estabeleceu sua própria editora, chamada Literatura Mundial, para publicar edições
baratas dos clássicos para as massas. A Literatura Mundial forneceu trabalho para um vasto número de
escritores, artistas e músicos como tradutores e editores. De fato, muitos dos grande nomes da literatura do
século XX (Zamyatin, Babel, Chukovsky, Khodasevich, Mandelstam, Piast, Zoshchenko e Blok e [sic] Gumilev)
deveram sua sobrevivência durante estes anos de fome ao patronato de Gorky”. Cf. FIGES, Orlando. Natasha’s
Dance. A Cultural History of Russia. Londres: Penguin Books, 2002, p.439.
125
Dessa maneira, o que se pode observar durante tal período seria a configuração dos
conflitos e embates artísticos que adquiriam contornos mais claros e proporções mais intensas
nos anos posteriores. Enquanto o colegiado do Narkompros e o Sovnarkom pareciam
concordar em 1918 que a política artística a ser promovida pelo Estado soviético era uma de
mútua coexistência entre diferentes vertentes artísticas, diferentes grupos artísticos operariam
no interior de tais permissivos limites de modo a minar e reduzir o escopo de ação de seus
“concorrentes”. Neste sentido, adquiriram uma vantagem inicial os construtivistas, os quais
reconheceram o embate por vir – ou poder-se-ia também dizer que em larga parte o criaram
ou o intensificaram – e se anteciparam aos demais ao adequar sua postura de acordo.
A despeito da relativa importância do Narkompros no contexto geral da produção
artística soviética durante o período, é nítido que durante este período tais artistas desfrutaram
de uma presença institucional no interior do governo soviético (1) de considerável influência
por si só, capazes de em certos casos direcionar a política do comissariado a despeito das
diretrizes pré-estabelecidas pelo próprio comissário Lunacharsky, e (2) especialmente notável
na medida em que em termos numéricos tal orientação artística era tão minoritária tanto em
239
FITZPATRICK, 1970, p.112.
240
FITZPATRICK, 1970, p.162-167.
241
Ibid., p.258.
126
Tal como o regime de exceção criado pela Guerra civil pode ser sentido em todas as
ramificações da vida social russa durante tal período, o seu término resultou em um impacto
igualmente abrangente. Durante a primeira semana da década de 20, podem-se observar
consideráveis mudanças, rupturas e rearranjos no contexto artístico-cultural russo, se
comparado com o período imediatamente anterior, e tais podem ser amplamente relacionadas
à adoção da NEP.
A NEP foi idealizada por Lenin e implementada pelo Sovnarkom em 1921.
Economicamente, o intuito desta Nova Política Econômica era o de recuperar a economia
russa, cujos índices de produção haviam chegado a níveis baixíssimos, refletindo e agravando
os impactos dos sete últimos anos contínuos de guerra pelos quais passara o país, da Primeira
Guerra à guerra civil. A despeito de seu intuito econômico, a principal motivação por trás da
242
Sobre a posição crítica adotada por Benois em relação a arte de vanguarda – e em especial, à futurista – Cf.
SHARP, J. The Critical Reception of the 0.10 Exhibition: Malevich and Benua, in: GERMANO, C.;
GIMENEZ, C. (orgs.), 1992, p. 39-49.
127
NEP era de ordem política, na medida em que fora implementada em resposta a um momento
crítico de questionamento político ao partido, durante o qual mesmo os marinheiros de
Kronstadt – os quais durante estes primeiros anos haviam sido uns dos mais ardorosos
defensores da Revolução – expressaram abertamente sua revolta diante da situação na qual a
Rússia se encontrava bem como da estreiteza da representatividade política permitida pelo
partido, propondo o que denominariam a Terceira Revolução – esmagada pelo Exército
Vermelho em março de 1921243.
A autoria da NEP é largamente atribuída a Lenin, que a implementara a despeito de
considerável resistência interna por parte do partido, e finalmente apenas aceita em
decorrência da emergência que a situação econômica adquirira após o fim da guerra civil. Tal
política consistia na utilização consciente e controlada de dinâmicas capitalistas, recorrendo-
se a noções como as de competitividade, livre iniciativa e retorno individual para que se
estimulasse a produção russa – especialmente agrícola, a qual havia declinado gravemente em
decorrência da própria guerra, mas também da política de apropriação exercida pelo partido
como parte da política de Comunismo de Guerra. Os constrangimentos materiais de ordem
prática forçariam portanto o Sovnarkom a adequar a ideologia governante de modo a validar
este “passo para trás”244, entendido como necessário para a sobrevivência da Revolução e para
o posterior progresso da nova ordem proletária.
De forma geral, a implementação da NEP resultou em consideráveis mudanças às
prerrogativas reguladoras do estado. Sua adoção estruturalmente requeria o relaxamento do
controle estatal sobre as relações cotidianas de produção e consumo, para que se permitisse o
fluxo econômico livre sobre o qual se esperava que a economia soviética “reaquecesse”. Posto
de outra forma, esperava-se a partir da permissão de uma experiência capitalista controlada
que a auto-regulação econômica e o progresso otimizado decorrente da concorrência
individualista que o paradigma liberal afirmava serem características à prática capitalista
acelerassem a recuperação econômica soviética, bem como se reconhecia que tal política era
incompatível com a tutela estatal tal como fora realizada nos anos anteriores.
No campo da produção e consumo artístico, a NEP resultou na expansão e legitimação
de um mercado privado para a aquisição de produções artísticas e literárias. Como vimos
243
HELLER e NEKRICH, 1992, p.107-110.
244
“Dar um passo para trás para que se possa dar dois para frente” é a clássica citação de Lenin que valida a
implementação de sua política econômica. Em outras palavras, a regressão às dinâmicas capitalistas deveria ser
utilizada de forma controlada com a finalidade de acelerar a recuperação material e econômica soviética,
tornando-se obsoleta tão logo tal objetivo fosse alcançado e o desenvolvimento da ordem socialista rumo ao
comunismo pudesse ser retomado.
128
245
SCHERR, 1977 , p.257.
246
TROTSKI, 2007, p. 116.
247
BOWLT, 1988, p. xxxiv.
129
250
Passéism fora um termo usado pelos futuristas italianos para designar
251
Apud. BOWLT, 1988, p.xxxiii.
252
Além do manifesto original do grupo Hiléia, outros manifestos futuristas pré-revolucionários seriam
posteriormente utilizados para justificar esta faseologia, na qual antes da revolução os futuristas já haviam
observado no suposto establishment artístico uma espécia de conspiração silenciosa contra o progresso artístico,
na medida em que este poria em cheque o domínio de seus participantes sobre a esfera na qual eram
reconhecidos como “mestres” – chamada por Burliuk a “Cidadela do Bom Gosto”. Por exemplo, pode-se
observar tal sentimento de forma clara no manifesto vide BURLIUK, Davi. From now on I refuse to speak ill
even of the work of fools (1915), in: LAWTON, 1988, p. 96, ou KRUCHENYKH, Alexei. Secret Vices of the
Academicians (1915), in: LAWTON, 1988, p. 90-94.
131
253
GERMANO, C.; GIMENEZ, C. (orgs.), 1992, p.312.
254
LAWTON, 1988, p. 51.
255
GERMANO, C.; GIMENEZ, C. (orgs.), 1992, p.21.
132
256
TROTSKI, 2007, p.123
133
havia explicitado, no próprio Arte da Comuna, a sua insatisfação com a postura apresentada
por alguns de seus colegas:
Alguns de meus colaboradores mais próximos estavam mais do que um pouco
perturbados pelos primeiros números do jornal Arte da Comuna.
(...) Eu admito que também estou preocupado.
(...) Dezenas de vezes eu anunciei que o Comissariado de Esclarecimento deveria ser
imparcial em sua relação com direções individuais no campo artístico. No que diz
respeito a questões formais, os gostos artísticos do Comissário do Povo e de todos os
demais representantes do governo não deveriam ser levados em consideração. Nós
precisamos permitir o livre desenvolvimento de todas as orientações e de todos os
grupos artísticos.
(...) os futuristas foram os primeiros a vir ao auxílio da Revolução, e foram, entre
todos os intelectuais, os mais afins e sensíveis a ela. De fato, eles provaram ser bons
organizadores, e eu espero excelentes resultados dos ateliês artísticos livres e das
numerosas escolas regionais e provinciais que eles organizaram de acordo com um
amplo plano.
Porém seria um problema se os artistas-inovadores no fim das contas formassem
uma escola estatal de arte, e se tornassem agentes oficiais de uma arte que, ainda que
revolucionária, seria ditada por cima.
Dessa forma, há dois aspectos que são de certa forma alarmantes na jogem
fisionomia deste jornal em cujas colunas minha carta es imprime: suas inclinações
destrutivas com relação ao passado e sua tendência, ao falar com a voz de uma
257
escola particular, em simultaneamente falar com a voz do poder oficial.
257
LAWTON, 1988, p.253-254.
258
No âmbito do Narkompros, pode-se aqui apontar a título de exemplo a formação Glavpolitprosvet (Diretório
administrativo para educação política, 1920), Glavprofobr (Diretório administrativo para educação profissional,
1921) do Glavlit (Diretório Geral de assuntos literários e editoriais, 1922).
134
259
Glavprofobr (Glavnoe upravlenie professionalnogo obrazovaniya): Diretório administrativo para educação
profissional .
260
BOWLT, 1988, p. 186.
261
FITZPATRICK, 1970, p.309.
262
BOWLT, 1988, p.215
263
FITZPATRICK, 1970, p.313.
135
Dentre estas organizações artísticas pode-se aqui fazer referência a duas em especial,
as quais representariam as duas principais formulações artísticas que, durante a década de
1920, participariam do contínuo embate com o construtivismo no campo das artes – não mais
pela monopolização da estrutura administrativa estatal, mas agora pela aceitação pública e
pelo favor estatal. Estes grupos foram a AKhRR264 e a VAPP.
A AKhRR foi uma organização artística focada primariamente sobre a pintura, e que
mais se assemelharia ao futuramente implementado Realismo Socialista de 1934. Em 1922,
seus fundadores proclamavam sua tarefa revolucionária nas artes como sendo uma de
glorificação da revolução e veiculação dos ideais revolucionários ao proletariado – aquilo que
Andrey Zhdanov, em 1934, chamaria de “romantismo revolucionário”265. Defendiam o que
chamavam de realismo heroico, que fosse capaz de retratar de forma adequada os esforços
épicos dos agentes da revolução – fossem eles operários, agentes do governo, soldados do
exército vermelho, camponeses etc. Em suas telas, portanto, observa-se uma preocupação
social aplicada a uma abordagem formal realista que antes era característica dos
Andarilhos266. Os próprios membros fazem menção a continuarem justamente a herança do
realismo social do grupo da década de 1860. Entretanto, enquanto nas telas destes realistas do
século XIX frequentemente se podia observar temáticas de crítica social, entre as telas dos
artistas da AKhRR predominava uma orientação otimista e de exaltação da realidade operária
e da causa revolucionária – ainda que a falta de inventividade e uma certa limitação técnica é
apontada por certos historiadores como um ponto comum entre muitos membros de ambos
grupos267. Igualmente, tal como também se observaria em manifestos dos artistas
264
AKhRR (Assotsiatsia Khudozhnikov Revolutsionnoi Rossii): Associação dos Artistas da Rússia
Revolucionária). Em 1928 renomear-se-ia AKhR (Assotsiatsia Khudozhnikov Revolutsii), Associação dos
artistas da Revolução. Em 1931, por sua vez, a AKhR seria novamente renomeada, aglutinando grupos artísticos
menores e formando a RAPKh, alinhando-se como instituição artística paralela à RAPP, à qual por sua vez
competia a esfera literária.
265
BOWLT, 1988, p.293.
266
Os Andarilhos (Peredvizhniki) compunham um grupo artístico realista iniciado em 1863, que se caracterizou
pelo rompimento com os cânones acadêmicos da época, optando por pintar a Rússia “como ela era”, e
promovendo exposições itinerantes que atravessavam a Rússia. Afirma John Bowlt: “Ainda que membros tenhan
organizado exibições com regularidade até 1918, sua influência no campo artístico declinaria rapidamente após a
década de 1880. Suas melhores obras, exemplificadas pelas telas de artistas como Kramskoi e Repin, logo foram
substituídas por paisagens sentimentais e cenas domésticas, pouco inspiradas e tecnicamente pobres”. Cf.
BOWLT, John. Russian Art in the Nineteen Twenties, in: Soviet Studies, vol.22, no 4 (Abril, 1971), p. 585.
267
Exceções são feitas pelo próprio Bowlt em relação a tal juízo, reconhecendo por exemplo os méritos de Ilya
Repin e Ivan Kramskoy entre os mais talentosos dos Andarilhos, bem como Isaac Brodsky como
excepcionalmente talentoso entre os membros da AKhRR. Bowlt afirma: “Ainda que tenha se tornado sinônima
de pinturas sem imaginação, e por uma representatividade fotográfica e pobre, a AKhRR continha entre seus
membros artistas talentosos, os quais frequente e sinceramente acreditavam que apenas as cenas da vida
136
A VAPP, por sua vez, foi uma organização literária que pode ser entendida como um
desdobramento das propostas de arte proletária do Proletkult, o qual fora formalmente
anexado ao Narkompros em 1922, perdendo portanto a sua prévia autonomia institucional. Os
fundadores da VAPP, tal como os futuristas, frequentemente se posicionariam contra a
postura permissiva do partido, responsável pela sobrevivência da produção dos companheiros
de viagem, e buscavam na verdade um monopólio sobre o direcionamento literário semelhante
àquele almejado pelos construtivistas no interior do Narkompros durante a guerra civil,
buscando inclusive agregar aos seus quadros os membros de associações literárias menores de
orientação proletária, como o grupo Kuznitsa269 – resultando em óbvia concorrência entre
estes direcionamentos na medida em que ambos tinham como objetivo a imposição de uma
visão artística sobre a outra. Este ponto de convergência com a produção futurista relativa à
perniciosidade do legado pré-revolucionário seria, entretanto, muito pequeno se comparado
com os pontos de desacordo entre as propostas destes. Em primeiro lugar, a VAPP
contemporânea representadas de forma realista eram capazes de satisfazer as demandas das massas. Cf.
BOWLT, 1971, p. 585-586.
268
AKhRR. Declaration of the Association of Artists of Revolutionary Russia (1922). in: BOWLT, 1988,
p.266-267.
269
Kuznitsa foi outro grupo formado a partir do Proletkult, em 1919, o qual teria uma postura mais seletiva em
relação à participação das massas na produção literária. Lembrando dos eventos da década de 20, S Evgenov –
um membro deste grupo – descreve as estratégias através das quais, no contexto de livre competitividade que
havia sido estipulado pelo partido, a VAPP tentava na verdade coagir grupos de menor expressão à sua
aglutinação, processo que fora resistido, conta Evgenov, pelo Kuznitsa. Cf. EVGENOV, S. Uncivil War:
Gladkov & The Smithy vs. RAPP. Account of an underhanded attempt by the Russian Association of
Proletarian Writers in 1925 to subvert Party policy and legislate all rival literary organizations out of
existence. Encontrado em http://www.sovlit.net/uncivilwar/ (acessado em 1 de novembro de 2013). Traduzido
por Eric Konkol.
137
seus rivais, cujas produções encontraram maior receptividade popular, seja entre
trabalhadores, membros dos mais altos escalões do partido, ou entre os Nepmen270.
Como a própria AKhRR haveria de parafrasear, Lenin dissera “A arte pertence ao
povo. Com suas mais profundas raízes ela deve penetrar no mais profundo interior das massas
trabalhadoras. Ela deve ser entendida por estas massas e amada por elas”271. Esta era uma
expectativa que, na década de 1920, os construtivistas pareciam ao partido incapazes de
alcançar. Consequentemente, no período de vigência da NEP observa-se a gradual expansão
de orientações artísticas opostas à vanguarda, como AKhRR e VAPP, e uma crescente
resistência às produções e formulações construtivistas: “a VAPP mostrou incrível crescimento
em seus quadros de escritores: de 717 pessoas em 1º de outubro de 1924 para 2.898 após um
ano; no futuro, a VAPP planejava alcançar 5.000-7.000 membros” – afirma Semen Evgenov
em 1925272.
Enquanto a VAPP crescia em termos de aceitação pública e reconhecimento estatal,
pleiteando repetidamente e agressivamente a legitimação de sua hegemonia no campo
literário, e enquanto se multiplicavam e se expandiam os grupos artísticos voltados para a
produção representacional e realista nas artes plásticas, como a AKhRR, nota-se nos escritos
construtivistas durante esse período uma crescente radicalização em direção ao utilitarismo e
à subsequente negação da arte, sintomática da gradual perda de espaço experimentada por tais
artistas durante o período de vigência da NEP. Na medida em que a NEP redefinia as
diretrizes partidárias sobre o campo artístico, tornava-se cada vez mais nítido o intuito de
reverter as tentativas de construtivistas de criar uma total integração entre arte e produção
industrial, e de se retornar a uma delimitação prévia que reconhecesse as diferenças entre a
arte propriamente dita e a arte aplicada – campo para o qual muitos construtivistas seriam
consequentemente “empurrados”.
270
Terminologia corrente da historiografia que trata da história soviética que designa aqueles cidadãos soviéticos
urbanos que enriqueceram durante o período de vigor da Nova Política Econômica, os quais eram os principais
consumidores privados de obras de arte durante o período.
271
Apud. AKhR. Declaration of the Association of Artists of the Revolution (1928). in: BOWLT, 1988, p.
271.
272
EVGENOV, S. Uncivil War: Gladkov & The Smithy vs. RAPP. Account of an underhanded attempt by the
Russian Association of Proletarian Writers in 1925 to subvert Party policy and legislate all rival literary
organizations out of existence, p.7
139
Foi durante este processo de marginalização que foi formado em 1921 o Primeiro
Grupo de Trabalhadores Construtivistas, marcando pela primeira vez a utilização do termo
construtivismo com a intenção de denominar um grupo com um conteúdo programático
específico – ao invés dos traços vagos que o construtivismo adquirira durante a guerra civil,
agrupando artistas de entendimentos artísticos parcialmente divergentes, porém unidos por
273
MAGUIRE, Robert. Red Virgin Soil. Soviet Literature in the 1920’s. Evanston: Northwestern University
Press, 1968, p. 170. Para a tradução desta resolução, vide anexo, p. 281-285.
274
Glavlit (Glavnoe Upravlenie po delam literatury i izdatelstv):Diretório Geral de assuntos literários e
editoriais.
275
Cf. FOX, 1992, p.1047.
140
276
BOWLT, 1988, p. 241-242.
277
MARGOLIN, 1997, p.81-82.
141
educacional artística promovida pelo Narkompros, bem como das forças envolvidas na sua
aplicação, o estabelecimento e contínuo funcionamento de outra instituição de ensino superior
permite semelhante análise durante o período da NEP: o Vkhutemas.
O Vkhutemas foi formado em novembro de 1920, a partir da fusão do Primeiro e
Segundo Svomas de Moscou, e definia-se como uma “instituição educacional especializada
para o avanço do treinamento técnico e artístico, criada para preparar mestres artistas
altamente qualificados para a indústria, assim como instrutores e diretores de educação para o
ensino técnico e profissionalizante” 278. Em sua composição constavam ateliês voltados para o
ensino artístico nos campos previamente contemplados pelo Svomas – pintura, arquitetura e
escultura – porém acrescidos a estes novas disciplinas associadas à arte aplicada – contendo
por exemplo departamentos voltados ao ensino de trabalho artístico com metais, madeira,
cerâmica, têxteis, composição gráfica etc. Em decorrência da aglutinação das belas artes e das
artes aplicadas em uma só instituição, o Vkhutemas tornar-se-ia o maior exemplo de uma
iniciativa voltada para a integração da arte à atividade industrial no contexto soviético.
O estabelecimento desta instituição ocorreu ao fim da guerra civil, durante um período
em que o exército vermelho ainda estava mobilizado e focos de resistência branca ainda
resistiam. Houve duas circunstâncias políticas atreladas à guerra civil, portanto, que
influenciariam a formulação do Vkhutemas, bem como o apoio partidário que tal iniciativa
recebera no momento de sua criação279. A primeira destas circunstâncias decorre de uma
iniciativa de Trotsky, voltada à aplicação de noções militares – em especial a conscrição – ao
campo produtivo civil. O Comunismo de Guerra já significava o controle estatal da produção
das fábricas – em contradição com o decreto de 1917 que conferia aos trabalhadores controle
sobre suas fábricas através de comitês compostos e eleitos por trabalhadores – e o projeto de
Trotsky visava estender tal jurisdição ao proletariado, buscando direcionar a população a
determinados campos de estudo e produção que fossem considerados estratégicos para o
esforço de guerra soviético280.
278
LODDER, 1983, p.112.
279
LODDER, 1983, p.113.
280
“A comissão [para conscrição trabalhista] foi estabelecida pelo Sovnarkom em 27 de dezembro de 1919 para
planejar a mobilização do trabalho de maneira quase militar, de modo a lidar com as questões urgentes
relacionadas ao colapso da indústria. A comissão foi criada no mais alto nível: seus membros eram Trotsky
(presidente e Comissário de Guerra, os comissários de trabalho, assuntos internos, alimentação, agricultura e
comunicações, bem como os presidentes do Vesenkha e VTSSPS [Conselho Central de Sindicatos da Rússia]”.
Cf. FITZPATRICK, 1970, p. 62-63.
142
281
GARCIA, Hernan Carlos. "VKhUTEMAS/VKhUTEIN, Bauhaus, Hochschule fûr Gestaltung Ulm:
Experiências didáticas comparadas. FAU-USP, 2001, p.23. (dissertação de mestrado)
282
LODDER, 1983, p.122.
283
A duração deste curso básico sofreu variações durante os dez anos de existência do Vkhutemas, inicialmente
durando um ano, sendo até estendido a dois anos em 1923, porém finalmente reduzido a seis meses de duração
em 1926. Cf. LODDER, op.cit., p.114.
143
284
LODDER, 1983, p.115.
285
Ibid., p.121
144
286
O Derfak (Derevoobrabatyvayushchii fakultet – Faculdade de produção em madeira) e o Metfak
(Metalloobrabatyvayushchii fakultet – Faculdade de produção em metal) eram dois departamentos do
Vkhutemas associados à produção industrial. Tais departamentos seriam aglutinados em 1926, formando o
Dermetfak.
287
LODDER, 1983, p.140.
288
Ibid., p.114.
145
289
Ibid, p.121.
146
Capítulo III
Morte à Arte!
Os caminhos da arte utilitária no contexto soviético
Chegamos a um momento em que ser um inventor ou, no pior dos casos, um teórico, não é
mais suficiente; é necessário que se seja também um produtor, um construtor, um mestre...”
Aleksandr Rodcheko
A arte não deve se concentrar em museus-templos, mas em toda parte – nas ruas, nos trens,
nas fábricas, nas oficinas e nos apartamentos dos trabalhadores.
Vladimir Mayakovsky
147
Se por um lado este processo de expansão do escopo de ação institucional dos artistas
construtivistas pode ser observado já a partir de 1918, por outro tanto as circunstâncias
148
Tal como o futurismo russo pré-revolucionário, que bradara em 1912 a busca irrestrita
pelo progresso artístico à revelia do gosto público, as reflexões construtivistas delimitariam
como principais prioridades a experimentação formal e o foco utilitário, considerando como
retardantes para o progresso artístico os constrangimentos oriundos deste gosto público, e
reafirmando em tal interpretação o viés científico que a teorização construtivista adotaria
gradualmente no decorrer de sua existência.
diretora na Rússia
:
Em vários aspectos
, a ideologia dos bolcheviques serviu de obstáculo à sua consolidação
de poder. Ao minar a legitimidade da monarquia e posteriormente do Governo
Provisório, os bolcheviques haviam rejeitado a cultura antiga e introduzido um
discurso de redistribuição de poder e de uma ordem social que transcenderia limites
nacionais. Ao faze-lo, eles enfraqueceram a legitimidade de toda autoridade. Os
festivais se contraporiam a essa tendência, ao moldarem o passado de modo a criar
um mito do destino. Os bolcheviques eram associados com os mais progressivos
elementos da história russa e mundial, o que criou uma hierarquia de eventos. A
292
Revolução de Outubro estava no cume.
290
GELDERN, 1993, p.5
291
Ibid., p.3.
292
Ibid., p.12.
151
de artistas que a Rússia dispunha – como observamos, esta busca incluía as ainda existentes
possibilidades privadas de financiamento, como as oferecidas pelas instituições literárias de
natureza privada apresentadas no capítulo anterior. No caso da vanguarda, seria a ocupação de
cargos públicos no interior do Narkompros que garantiria rendimentos a boa parte de seus
membros – ainda que se possa observar entre alguns destes indivíduos certo desgosto com a
natureza burocrática de suas obrigações administrativas296.
296
LAVRENTIEV, 2005, p.86-108, passim.
297
Ainda que posteriormente Vselevod Meyerkhold tornar-se-ia um dos principais defensores do construtivismo
e de uma abordagem utilitária e racional nas artes, esta postura não seria observada antes de 1919, e sim uma
postura mais moderada e conciliatória, afim não apenas das primeiras orientações do Narkompros, mas de sua
aparente intenção de coexistência junto ao cenário teatral pré-revolucionário. Cf. CLARK, 1995, p.114-115.
298
GELDERN, 1993, p.9-10.
299
Ibid., p.22.
153
artística formal eram de importância secundária. Como demonstra Roann Barris300, poderiam
ser observadas nítidas semelhanças entre estes festivais e manifestações populares russas, nas
quais valores como a participação do público, a utilização de um otimismo simbólico e a
redução da realidade a opostos extremos seriam característicos daquilo que Geldern denomina
“ideal orgânico”301 – sem mencionar, obviamente, a utilização de uma “linguagem” específica
a festivais que já era familiar aos seus participantes, contribuindo portanto para uma maior
eficiência de tal festival enquanto veículo de formação coletiva de opinião. Dessa maneira, no
contexto dos primeiros festivais públicos pós-revolucionários o que se pode observar é uma
abordagem altamente simbolizada, simplificada, e voltada para o entendimento do passado em
prol do progresso futuro, pautado pelo otimismo e pela idealização 302 – demonstrando, de
certa maneira, afinidade com elementos que seriam alicerces da proposta da AKhRR e,
eventualmente, do Realismo Socialista.
300
BARRIS, Roann. The Constructivist Engaged Spectator: A politics of Reception, in: Design issues, vol.
15, no 1, (Primavera, 1999), p. 31-38.
301
GELDERN, 1993, p.33.
302
Ibid. p.9.
154
monumental”303, não apenas em Moscou e Petrogrado mas por toda a extensão da Rússia.
Este rol de heróis, que no início da década de 20 excederia setenta nomes304, incluiria
indivíduos selecionados pelo Partido considerados representativos da causa revolucionária –
entendida de forma bastante ampla, ao ponto de receber críticas até de Lunacharsky305 – em
escala nacional e global, incluindo Aleksandr Radischev, Stenka Razin, Aleksandr Herzen,
Chernyshevsky, Giuseppe Garibaldi, Jean-Paul Marat, Robert Owen, entre tantos outros306.
Oito slogans contidos nas placas acima mencionadas, por sua vez, podem ser observadas na
listagem de Lunacharsky enviada a Lenin em 1918307.
303
LUNACHARSKY, Anatoly. Statya Lunacharskogo Monumentalnaya agitatsiya, in: TOLSTOI, 2010, p.
49.
304
STERNBERG, David. Iz obzora deyatelnosti IZO Narkomprosa ob ustanovke agitatsionnykh
pamyatnikov v Moskve i Petrograde, in: TOLSTOI op.cit., p. 111-112.
305
LUNACHARSKY, Anatoly. Iz pisma A.V. Lunacharskogo V.I. Leninu o khode podgotovki
pamyatnikov i nadpicei, in: TOLSTOI, op.cit., p. 56.
306
Nomes incluídos na listagem publicada pelo Sovnarkom em 1918, posteriormente expandida de modo a
incluir outros nomes – e reproduzida no Anexo, p.279-280. Cf. BONCH-BRUEVICH, Vladimir e
GORBUNOV, Nikolai. Utverzhdennyi Sovnarkomom spisok predpolagaemykh k postanovke pamyatnikov
vydayushchimsya deyatelyam v oblasti obshchestvennoi i kulturnoi zhizn, in: TOLSTOI, op.cit., p. 54-55.
307
LUNACHARSKY, Anatoly. Iz pisma A.V. Lunacharskogo V.I. Leninu o khode podgotovki
pamyatnikov i nadpicei, in: TOLSTOI, Op.cit., p. 56.
308
Lembremos que o Arte da Comuna era um periódico oficial do Narkompros, e que artigos como esse seriam
aqueles que motivariam as já mencionadas críticas de Lunacharsky aos construtivistas que compunham o IZO
Narkompros.
155
309
PUNIN, Nikolai, O pamyatnikakh, in: TOLSTOI, 2010, p. 104.
310
Ibid., p. 105.
156
Diferentemente das áreas de produção artística voltadas para o espaço público acima
mencionadas, seria na produção de pôsteres que os artistas construtivistas melhor
conseguiriam se adequar aos requerimentos partidários. Em decorrência de características
específicas a este campo produtivo, este não só seria um campo no qual tais artistas se
demonstrariam presentes por todo o período aqui contemplado, mas talvez uma das principais
áreas nas quais a intervenção construtivista teria um impacto de longo prazo, podendo-se
311
Cf. LUNACHARSKY, Anatoly. Statya Lunacharskogo Monumentalnaya agitatsiya, in: TOLSTOI, 2010,
p. 50. Os monumentos seriam esculpidos predominantemente em terracota ou gesso, e apenas posteriormente se
vislumbrava sua produção em materiais mais duráveis, como bronze ou mármore. A curta vida útil de tais
monumentos era esperada, porém talvez se possa argumentar que não de forma realista, haja visto que diante dos
elementos alguns monumentos sequer sobreviviam algumas semanas.
157
312
VTsIK (Vserossiskii Tsentralnyi Ispolnitelnyi Komitet): Comitê Executivo Central Russo.
313
A ROSTA também “distribuiria mapas, retratos e outros tipos de material visual, e houve tentativas de se
desenvolver jornais e pôsteres ‘iluminados’ projetando slides coloridos sobre as paredes de prédios públicos em
certas localidades adequadas”. Cf. WHITE, 1988, p.67
158
As janelas ROSTA foram produzidas entre 1919 e 1922 314, e podem ser entendidas
como pôsteres, representações pictóricas no plano acompanhadas de texto de intuito
informativo ou propagandístico, e de tal forma denominadas devido às dimensões de tais
pôsteres315, os quais foram inicialmente afixados a janelas no ambiente público das cidades.
Assemelhadas predominantemente à antiga prática cultural chamada lubok316, produzido a
partir da prática xilográfica, as janelas inicialmente abordariam temas comuns aos demais
esforços propagandísticos soviéticos, como a legitimação da causa revolucionária e a
exaltação de Lenin e do proletariado, através de uma abordagem temática voltada para a
experiência do cotidiano. No entanto, dado o contexto da guerra civil, em sua absoluta
maioria tais janelas parecem ter tido o confronto como tema comum, veiculando diversas
mensagens à população, bem como servindo como uma forma alternativa de transmissão de
notícias relacionadas ao andamento da guerra.
Apesar de ter como seu primeiro produtor o artista Mikhail Cheremnykh, em Moscou,
logo a principal figura envolvida na produção destas janelas se tornaria Mayakovsky, que
assumiria informalmente a liderança desse projeto, exercendo voz dominante na escolha e no
tratamento de temas. Segundo o levantamento de White, Mayakovsky teria sido responsável
por cerca de um terço das janelas produzidas em Moscou, tendo ainda contribuído ativamente
na produção de muitas outras; apenas Cheremnykh teria uma produção numericamente
comparável à de Mayakovsky, e mesmo assim, segundo o próprio Cheremnykh, seria
relegado a segundo plano dado o papel de liderança exercido pelo vanguardista na confecção
das demais janelas317.
314
Em 1920 a jurisdição sobre a produção destas janelas foi transferida para o Para mais sobre a formação do
Glavpolitprosvet (Glavnyi Politiko-Prosvetitelnyi Komitet), ou Comitê de Educação Política do Narkompros.
Tanto a criação deste e de outros órgãos no interior do Narkompros quanto a transferência da agência ROSTA a
esta jurisdição fazem parte de um processo de reformulação que coincidiria com o fim da Guerra Civil, e
discutido em detalhes em FITZPATRICK, 1970, p. 188-255. Para mais sobre a formação da ROSTA Cf.
WHITE, 1988, p.65-67.
315
De acordo com White, as dimensões das janelas “variavam de 90 a 220 cm de altura, e de 70 a 220 cm de
largura; a maior, a janela no 167 do Glavpolitprosvet, era enorme, com 422 cm de altura e 230 de largura”. Cf.
WHITE, 1988, p.68.
316
O lubok é um entalhe tradicional de madeira popular na Rússia deste o fim do período kieviano. Consiste
geralmente em uma ou mais ilustrações entalhadas e pintadas na madeira, acompanhadas de um texto explicativo
ou suplementar.
317
WHITE, 1988, p. 68.
160
318
MOROZOV, Aleksei (org.). Mayakovskii Okna Rosta 1919-1921. Moscou: Kontakt-Kultura, 2010, p. 96.
161
3.6 – Dimitri Moor – Aperte a minha mão, desertor. Você é tanto um destruidor
do Estado trabalhador-camponês quanto eu, o capitalista. Você é minha única
esperança, 1920.
162
O “modelo” formal de Mayakovsky, por sua vez, também pode ser observado na
produção de outros autores das janelas, como Ivan Malyutin e Vladimir Kozlinsky;
caracterizar-se-ia pela utilização simbólica de certas cores – especialmente o vermelho para
designar o cidadão soviético – e a dramatização formal realizada a partir de traços por vezes
exagerados, e por vezes simplificados com o intuito de exaltar determinado elemento do
pôster, focando a atenção do espectador319. Em contraste, nas janelas de Cheremnykh os
personagens são diferenciados especialmente a partir de convenções relativas às suas roupas,
diante de uma postura mais realista em relação à representação dos mesmos, e apenas a partir
de tal observação um espectador poderia diferenciar os personagens apresentados. Como o
próprio Mayakovsky argumentaria, o uso de um número menor de cores distintas tornava as
janelas mais baratas, assim como acelerava a sua reprodução. Nos tempos da guerra civil,
afirmava, novos desenvolvimentos aconteciam diariamente, e se tais janelas demorassem a ser
produzidas, já seriam obsoletas quando chegassem aos olhos do público320. Como discorre
White:
319
Para uma extensa seleção das janelas ROSTA de Mayakovsky, Cf. MOROZOV, 2010.
320
WHITE, 1988, p. 76.
321
Ibid., p. 80.
163
3.10 – Mikhail Cheremnykh – No momento não há quem seja mais pobre do que
nós, 1920.
164
3.11 – Mikhail Cheremnykh – A história das bolachas e da avó que não reconhece a
República, 1920.
165
O real impacto das janelas ROSTA é de difícil análise, dada a maneira caótica através
da qual tais janelas foram produzidas, reproduzidas e distribuídas. Além disso, as janelas não
representariam a totalidade da atividade de produção de pôsteres na Rússia soviética, ainda
que seja seu representante de maior tiragem e o produtor responsável pela maior quantidade
de pôsteres produzidos durante o período. No entanto, os números que as envolvem são
impressionantes, e indicam não apenas um ramo do esforço propagandístico soviético que
recebera financiamento pelo decorrer da guerra civil – acima da média se comparado àquele
destinado a outros ramos da produção cultural e propagandística322 – mas um considerável
escopo de distribuição, que pode ser entendido como reconhecimento estatal da validade e
importância deste ramo de produção. De acordo com o levantamento de White, foram
produzidas cerca de mil e seiscentas janelas entre 1919 e 1922, totalizando um número
estimado de duzentos e quarenta mil de janelas durante o período, contando apenas aquelas
produzidas pelo escritório principal da agência em Moscou323. Os rendimentos de seus
produtores também corrobora a conclusão relativa à importância estatal conferida às janelas,
considerados elevados no contexto da guerra civil, e especialmente contrastantes com os
limitados rendimentos oferecidos, por exemplo, aos funcionários do Narkompros, como
vimos no capítulo anterior. Como aponta White:
Amshei Nyurenberg se recorda que os salários da ROSTA eram pagos duas vezes ao
mês. Seus empregados vinham ao balcão receber [seus rendimentos] com sacolas em
mãos, haja visto que poderiam receber um grosso e, por vezes, pesado maço de
notas em compensação por seus trabalhos (...). [Cheremnykh] começou a se vestir
324
como um dândi, com roupas caras e botas de couro de grife .
322
WHITE, 1988, p. 80.
323
Ibid., p. 68, 80-84.
324
Ibid., p. 80.
166
apreço popular em relação aos seus colegas, tornando-o já em 1913 o principal nome do
futurismo russo325.
O que parece distinguir Mayakovsky dos demais construtivistas neste aspecto é a sua
capacidade de abordar os questionamentos formais inerentes à experimentação vanguardista
sem tornar seu produto final inacessível àqueles que não se ocupam do estudo e entendimento
da arte. Mikhail Larionov afirmara em 1913 que “aquilo que é valioso para um amante de
pintura encontra sua expressão máxima na pintura raionista”326. Esta seria uma característica
da produção vanguardista, uma consequência de sua preocupação especializada com a questão
formal: seu distanciamento em relação àqueles que não tinham como principal ocupação ou
preocupação o estudo e entendimento da produção artística em todos os seus detalhes.
Mayakovsky, por outro lado, fora capaz em sua produção de realizar experimentos
semelhantes àqueles de Kruchenykh e Khlebnikov em relação à criação de novas palavras,
uso experimental do espaço da página, utilização de diferentes formas tipográficas, sem tornar
o conteúdo de suas produções demasiadamente abstrato, de modo a permanecer atraente
àqueles que, de outra forma, seriam repelidos pelo experimentalismo vanguardista.
325
MARKOV, 2006, p.135-138. Entre 1912 e 1914 apenas Igor Severyanin, fundador de uma proposta intitulada
Ego-Futurismo gozaria de superior popularidade popular em relação a Mayakovsky. Entretanto, dado que seu
Ego-futurismo pouco se assemelharia à proposta de experimentação formal defendida pelo grupo Hiléia, e da
considerável semelhança observável entre tal produção e àquela dos escritores já célebres que compunham a elite
da literatura simbolista russa contemporânea, como Fyodor Sologub e Konstantin Balmont – que inclusive
contribuíram para almanaques de Severyanin – a utilização indistinta do termo futurismo para designar tal
produção pode resultar em conclusões distorcidas. A produção de Severyanin se resumia à exaltação do
hedonismo e da modernidade, resultando em produções formalmente semelhantes àquelas dos autores
simbolistas, mas lançando mão de “temas que ofereciam à sua audiência material excelente para devaneios, pois
combinavam exotismo, imagens do haute monde e modernidade” p.92.
326
LARIONOV, Mikhail e GONCHAROVA, Natalya. Rayonists and Futurists: A Manifesto (1913) in:
BOWLT, 1988, p.90-91.
327
MAYAKOVSKY, 2001.
328
Ibid., p.8-9.
167
certas noites, devido a ausência de outros atores – mas de sua interpretação teatral voltada à
proletarização do ator, e do teatro como um todo. Como o próprio afirmaria, Mistério-Bufo,
deveria ser reescrita, alterada, atualizada, banalizada, de acordo com o contexto do tempo
presente no qual era produzida; deveria ser encenada por homens comuns, e dispensava atores
profissionais – especialmente em decorrência da semelhança entre a experiência de tais
indivíduos e aquela dos personagens a serem representados.
329
Os impuros são: Limpa-chaminés, lanterneiro, chofer, costureira, mineiro, caprtinteiro, peão, criado,
sapateiro, ferreiro, padeiro, lavadeira e esquimós: pescador e caçador.
330
Os puros são: Negus, abissínio, rajá indiano, paxá turco, mercador-valentão russo, chinês, persa bem-nutrido,
francês gordo, australiano, pope, oficial alemão, oficial italiano, americano, estudante.
169
figurino de tal peça seria por si só um desafio aos parâmetros teatrais e um choque aos
espectadores, tendo sido desenhado por Malevich em orientação suprematista: assemelhado às
vestimentas contemporâneas, tais personagens são facilmente identificáveis, dada a natureza
satírica da peça; no entanto, observa-se também a exacerbação de seus elementos pela
abordagem suprematista, angulosa, geometrizada, e autônoma em relação à escolha de cores e
contrastes – bem como por elementos contemporâneos presentes em pôsteres e outras
representações simbólicas que, por exemplo, sempre retratariam a burguesia gorda e com
chapéus estilizados, especialmente cartolas331.
331
Cf. BONNEL, 1999, p. 196-210.
332
TROTSKI, 2007, p.101-106.
170
Mistério-Bufo seria uma das mais completas e, de certa forma, aventurosas tentativas
no campo artístico de se apresentar ao cidadão russo os argumentos do partido para justificar
os sacrifícios revolucionários, tratando do tema revolucionário em seu passado, presente, e
suposto futuro. Em sua dicotomia entre puros e impuros, retrata a consciência de classe do
proletariado – “A errar pelo mundo/nosso povão acostumou-se/Não somos de nação
alguma./Trabalho nosso, pátria nossa.”334 – enquanto também aborda diversos aspectos das
classes dominantes vilipendiados pela propaganda partidária, colocando-os em termos
extremamente simples e cotidianos: o italiano e o alemão, a despeito de suas prévias
rivalidades, se unem diante do “inimigo comum” que os impuros representam335; os
argumentos usados pelos puros para justificar a parcela desigual de trabalho recebida pelos
impuros, atrelada à aparente incapacidade dos puros em exercer qualquer tarefa útil ou
prática336, e sua existência abastada e luxuosa antediluviana337; e mesmo as estratégias
adotadas pelos puros voltadas apenas para o apaziguamento das massas e o adiamento da
revolução, como promessas de reformas e democratização política338. Mesmo entre aqueles
que tivessem o menor dos contatos com a interpretação revolucionária vigente, a (breve)
sobrevivência do comerciante após a morte de todos os demais puros durante a revolução dos
impuros339 teria uma significância presente, real, consonante com a posição frequentemente
333
TROTSKI, 2007, p.101-106.
334
MAYAKOVSKY, 2001, p. 53.
335
Ibid., p. 91.
336
Ibid, p. 89.
337
Vale aqui ressaltar que a história se inicia com um dilúvio de proporções apocalípticas que submerge a toda a
Terra, evento que reuniria esta miríade de indivíduos desde o chinês ao americano.
338
MAYAKOVSKY, op.cit., p. 115-127.
339
Ibid., p. 175.
172
A conexão que Mayakovsky parecia capaz de estabelecer entre sua produção e o gosto
público russo em geral, no entanto, seria uma exceção no contexto da produção construtivista.
Hipóteses e conclusões relativas a fatores que contribuíram para esta aparente sensibilidade de
Mayakovsky às especificidades do gosto público aqui não serão discutidas; no entanto, sua
existência é de difícil contestação e, ainda que tenha sido um dos signatários do manifesto que
afirmava ter por intenção “estapear” o gosto público, Mayakovsky se diferenciaria dos demais
ao tentar “jogar Pushkin, Dostoevsky, Tolstoy etc. etc. para fora do Navio da Modernidade” e
ativamente promover as diretrizes delineadas em seus escritos de um modo que ainda geraria
340
MAYAKOVSKY, 2001, p. 185.
341
Ibid., p. 253.
173
Durante a década de 20, por outro lado, observa-se uma expansão da participação
construtivista na produção de pôsteres, na medida em que artistas como, Rodchenko,
Stepanova, Klutsis, Lissitzky e os irmãos Georgii e Vladimir Stenberg – além do próprio
Mayakovsky, após a descontinuação das janelas344 – passariam a dedicar parte de suas
atenções a este campo produtivo. Esta tendência no interior da produção construtivista se
insere no contexto que sucedeu não apenas a formação do Primeiro Grupo de Trabalhadores
Construtivistas, mas da exposição que o antecedera, na qual Rodchenko declarara a morte da
pintura a já mencionada 5x5=25.
342
BURLIUK, Davi. From now on I refuse to speak ill even of the work of fools, in: LAWTON, 1988, p. 96.
343
KRUCHENYKH, Alexei. Secret Vices of the Academicians, in: LAWTON, 1988, p. 90-94.
344
Deve-se ressaltar, entretanto, que todos os pôsteres encontrados com autoria de Mayakovsky foram
produzidos em cooperação com Rodchenko, com o papel de liderança técnica adotado pelo último.
174
345
LUNACHARSKY, Anatolii, Revolution and Art (1920), in: BOWLT, 1988, p.192.
175
352
LODDER, 1983, p.201.
353
Respectivamente: Bronenosets Potemkin (1925), Oktyabr: Desyat dnei kotorye potryasli mir (1928), Shestaya
Chast Mira (1926) e Odinnadtsatyi (1928).
177
Enfim, uma observação ampla sobre as diferentes áreas de produção contempladas por
estes artistas parece confirmar a dificuldade encontrada pelos mesmos em conciliar suas
intenções experimentais às expectativas do Partido e do público soviético em suas produções
inseridas no âmbito artístico. Seria especialmente nas áreas em que desenvolvimentos de
ordem técnica afastariam determinados segmentos produtivos dos parâmetros artísticos
previamente estabelecidos que tais artistas parecem ter alcançado seus mais impactantes
resultados no que diz respeito à permeação do espaço público, na medida em que tais aspectos
técnicos permitiriam a estes artistas conciliar seus experimentos à demanda representativa,
inclusive superando seus “ex-concorrentes” da pintura de cavalete em relação ao detalhismo
de suas produções.
354
Unovis (Utverditelei Novogo Isskustva): Afirmadores da Nova Arte.
355
Por exemplo, ARVATOV, Boris. Iskusstvo i Proizvodstvo. Moscou: Proletkult, 1926, ou ARVATOV,
Boris. Ob [agit i proz] iskusstve. Moscou: Izdatelstvo “Federatsiya”, 1930.
183
Neste debate, podemos observar duas principais tendências: entre alguns, propunha-se
o reconhecimento do papel do artista como um de agente de liderança criativa, focado
primariamente na concepção de objetos e delegando a outros campos competentes a execução
destes projetos – um artista-inventor. Entre outros, defendia-se a participação direta e
concreta do artista no âmbito de produção industrial, levando-o ao cenário fabril e integrando-
o à realidade produtiva cotidiana – um artista-engenheiro. Duas das citações utilizadas na
abertura deste capítulo foram selecionadas porque ilustram os diferentes graus de importância
conferidos ao aspecto criativo e ao aspecto técnico da produção construtivista em cada uma
destas duas tendências. Por um lado, Karl Ioganson ressalta o vanguardismo criativo e
laboratorial como essencial para os maiores desenvolvimentos técnicos e tecnologicos,
aludindo à “descoberta do rádio”, que por ser um fenômeno radicalmente novo, não poderia
356
Este crescente consenso coincidiria com a gradual exclusão de membros avessos essencialmente a tais
propostas, como Kandinsky, que até então ocupara a presidência do Inkhuk, e após este novo redirecionamento
definiria sua migração para a Alemanha, onde assumiria uma posição docente na Bauhaus, além de se destacar
entre os proponentes do expressionismo que viria a ser apresentado pelo grupo Der Blaue Reiter. Cf. LINDSAY,
Kenneth Clement; VERGO, Peter (Orgs.). Kandinsky: Complete Writings on Art. Nova York: Da Capo, 1994,
p.455-456.
184
ser descoberto a partir de premissas previamente estabelecidas357. Rodchenko, por outro lado,
apesar de partilhar este foco criativo característico antes de 1920 358, passaria após o fim da
guerra civil a apoiar uma abordagem mais participativa e concreta do artista, julgando
“insuficiente” o papel do artista como inventor, e reforçando a necessidade, ao seu ver, da
priorização da contribuição material no trabalho do artista, um construtor acima de tudo359.
Ó destino! Não minei vosso poder sobre a raça humana ao desvendar o código
secreto das leis através das quais vós governais? A que espécie de falésia serei eu
362
acorrentado?
que não eram capazes de vislumbrar o novo, e apenas operar a partir dos parâmetros vigentes
ou, no máximo, promover avanços baseados sobre estes parâmetros, sem demonstrar o
radicalismo criativo necessário para almejar as criações fantásticas que podem ser observadas,
por exemplo, em contos de fadas – alguns dos quais, argumenta o escritor, são reais visões do
futuro, tendo algumas já se tornado realidade364. A própria proposta linguística transracional
de Kruchenykh e Khlebnikov, que buscava o “descongelamento” do entendimento
linguístico365 tendo como um de seus diversos objetivos a libertação do pensamento abstrato e
criativo, tinha como intuito final também ampliar o escopo de visão futura humano.
Resumindo sua visão em uma simples frase, Kruchenykh é capaz de delinear sua perspectiva,
de que para se alcançar maiores entendimentos sobre o mundo que nos cerca era necessário
que se questionasse e que se reformulasse os próprios parâmetros através dos quais nós
construímos o nosso entendimento deste mundo: “uma nova forma verbal cria um novo
conteúdo, e não vice-versa”366.
A visão defendida por Lissitzky em 1920, mencionada no primeiro capítulo, ecoa esta
interpretação relativa ao papel do artista nesta nova realidade sócio-politica ao afirmar a
necessidade de abolir a noção de “trabalho artístico” de modo a libertar o próprio artista dos
constrangimentos que o ofício artístico o impunha, com seus parâmetros acadêmicos e
requisitos externos – visando, nas palavras de Lissitzky, a “reconstrução do mundo”, tarefa
para a qual estes indivíduos haveriam de assumir um papel de liderança.
Ao considerar aquilo que este conceito ultrapassado de trabalho artístico julga ser
criativo como contrarrevolucionário, Lissitzky ecoa a postura defendida por Karl Ioganson e
Boris Kushner em inúmeros debates realizados no Inkhuk. Ioganson defende o aspecto
vanguardista do indivíduo criativo como central para o entendimento do papel do artista nesta
nova realidade, e se alinha à crítica de Kushner em relação àqueles que defendiam a simples
integração destes indivíduos à tarefa industrial como “fetichistas da engenharia”367, cegos à
principal contribuição que tais indivíduos poderiam oferecer à tarefa produtiva.
364
Ibid., p.263-264.
365
KRUCHENYKH, Aleksey. The Word as Such (1913), in: LAWTON, 1988, p.61.
366
KRUCHENYKH, A. Declaration of the Word as Such (1913). In: LAWTON, op.cit., 1988, p. 68.
367
GOUGH, 2005, p. 110.
186
368
GOUGH, 2005, p. 107.
369
Ibid. p. 109.
370
Ibid., p. 110.
187
371
GOUGH, 2005, p.104.
372
Note-se que Karl Ioganson também fora um membro da Obmokhu, sendo a exceção entre estes membros.
373
GOUGH, 2005, p.104.
188
Uma questão implícita a esse debate que não é tratada com clareza nos escritos dos
proponentes do construtivismo diz respeito à relação entre o artista-engenheiro que se
pretendia formar e o papel prévio que tal indivíduo exercera enquanto artista. Posto que tal
indivíduo previamente exercera o ofício artístico em um ou mais campos específicos – porém
não em todos – esperar-se-ia que uma transformação do mesmo em um artista-engenheiro
haveria de considerar a sua esfera prévia de produção. O silêncio observado em relação a esta
questão indica principalmente que, no entendimento de seus proponentes, tal questão não se
faria relevante para essa metamorfose, haja visto que todos os artistas partilhavam sua
capacidade criativa, bem como sua discutível compreensão acerca das questões técnicas
relevantes à produção industrial. Com a morte da arte, portanto, viria a extinção daquilo que
separava estes indivíduos entre diferentes campo, tornando-os indistintos no campo
consolidado do artista-engenheiro.
374
MARGOLIN, 1997, p.84.
189
A adoção desta postura por parte majoritária do Inkhuk também pode ser entendida
como resultante de considerações de ordem política, decorrentes do contexto de
marginalização da produção construtivista no âmbito artístico observado durante a década de
20 – e que, como veremos no próximo capítulo, se agravaria pelo decorrer da NEP. Afinal,
seriam talvez os principais trunfos da proposta construtivista, quando comparada às demais
propostas artísticas existentes, a sua aparente afinidade com a ideologia marxista, discutida no
primeiro capítulo, e a sua intenção industrializante e utilitária, que se alinharia à priorização
econômica da política soviética durante esta década; portanto, é compreensível que a
intensificação do processo de integração entre produção artística e industrial tenha favorecido
aquelas manifestações utilitárias que melhor exibissem esta afinidade. Ademais, diante de um
cenário de crescente demanda por especialistas nas mais diversas áreas de produção industrial
decorrente da recuperação econômica e da política de industrialização acelerada adotada
durante essa década, e de concomintante exclusão do utilitarismo no âmbito artístico, observa-
se um cenário teoricamente favorável para aqueles artistas que buscassem suprir tal demanda
– o que seria observado, por exemplo, por Brik, que tentara sem sucesso desvincular o Inkhuk
da jurisdição do Narkompros e sua transferência à jurisdição do Vesenkha375.
Em sua fundação, o Unovis tinha como principal objetivo a aplicação da teoria não-
objetiva e investigativa do Suprematismo para a expansão da capacidade criativa humana e
para a promoção de novas sensibilidades a partir da exposição pública das produções
laboratoriais suprematistas – e tal como Ioganson, não relacionava diretamente o produtor
destas reflexões à todas as manifestações práticas que destas decorreriam. O manifesto de
375
Vesenkha (Vyshii Sovet Narodnogo Xozyaistvo): Conselho Supremo da Economia Nacional. Sobre a
iniciativa de Osip Brik, Cf. GOUGH, 2005, p.102.
190
Lissitzky previamente mencionado, por exemplo, fora escrito enquanto o artista participava
deste grupo, e lecionava na faculdade de Vitebsk. O Unovis era, portato, inicialmente um
grupo concentrado ainda na produção pictórica não-objetiva, reservando apenas à tarefa de
estimular novas reflexões o aspecto utilitário de sua proposta. Formado na cidade de Vitebsk,
o grupo se distanciaria das reflexões do Inkhuk, situado em Moscou, justamente por
considerar as reflexões do instituto demasiadamente desvinculadas do papel criativo do
artista, como afirma Aleksandra Shatskikh:
O mundo utilitário das coisas, tão passionalmente proclamado pela Unovis não
coincidia com o mundo que, durante o mesmo período, os produtivistas buscavam
criar. Malevich e os membros da Unovis desejavam compreender os “verdadeiros”
alicerces do universo e sua “transformação orgânico-natural – o Suprematismo
adotara uma dimensão ontológica. (...) Os mais proeminentes membros da Unovis
entendiam e partilhavam a postura de Malevich. Chashnik, por exemplo, concebia
suas produções suprematistas (as quais ele explicitamente denominava “planos” ou
“plantas” [blueprints]) como projetos para, e instrumentos de, um novo universo e
de uma nova sistematização do mundo.376
respeito à produção de objetos de uso cotidiano. Através de uma abordagem crítica e criativa
aplicada ao processo de construção desses objetos, estes construtivistas buscavam questionar
as presentes dimensões e características dos mesmos com o intuito de otimizar a sua
funcionalidade, ou melhor adequá-los à realidade industrial e social contemporânea através
deste esforço racionalizante.
378
GRAY, p.259-260.
379
ALLISON, Nicholas (ed.). L’Art Decoratif USSR Moscou Paris 1925. Washington: Henry Art Gallery,
1990, p. 8.
193
Neste processo, as duas artistas presumiam alcançar nada menos do que a redefinição
do conceito de roupa, demovendo a priorização estética em prol do aperfeiçoamento formal
do produto, voltado para melhor realização de atividades. O desenho e estampa das roupas
continuou a existir, porém adquiriu um aspecto abstrato e, especialmente, deveria ser ditado
pelo uso específico que se esperava de determinada roupa. A beleza de uma peça de roupa
estaria na sua funcionalidade, a qual seria ditada pela atividade à qual tal roupa seria
destinada; por exemplo, roupas para trabalho seriam diferentes de roupa para lazer, que por
sua vez se difeririam de roupas para esportes. As subdivisões de possíveis funcionalidades de
roupas é imensa, e a cada atividade específica poderiam ser desenhados modelos específicos
para produção em massa.
380
MARGOLIN, 1997, p.93.
381
Cf. TUPITSYN, Margarita. Rodchenko & Popova: Defining Constructivism. Londres: Tate Museum, 2009,
p.150.
194
382
A despeito de seu foco funcional, pode-se observar em determinados desenhos de Popova e Stepanova uma
preocupação estilística e alusão à moda enquanto critérios de produção. No entanto, como Margarita Tupitsyn
ressalta em sua análise, tais considerações decorrem especialmente dos constrangimentos mercadológicos da
NEP, e especialmente do reconhecimento da individualidade das usuárias destas roupas, e não representa um
sacrifício da funcionalidade e do pragmatismo construtivista em prol de considerações primariamente estéticas.
Cf. TUPITSYN, 2009, p.153.
195
Este rol de exemplos contendo diferentes projetos e ideias concebidos por estes artistas
durante a década de 20 poderia ser ainda mais extenso, dada a intensidade criativa e projetista
observada no interior dos ateliês industriais do Vkhutemas durante esse período. No entanto,
em sua grande maioria tais projetos não chegariam a ser produzidos em larga escala:
reforçando o prognóstico de Arvatov, as principais razões para que tais projetos
permanecessem limitados a alguns exemplares seriam de ordem técnica ou mercadológica383.
Nos projetos de Tatlin esta limitação técnica pode ser especialmente observada,
principalmente em decorrência da grandiosidade de alguns destes. Seu Monumento à III
Internacional foi definitivamente o mais ambicioso projeto apresentado por qualquer artista
construtivista em termos de dimensões, na medida em que presumia possuir uma altura
superior a quatrocentos metros ao fim de sua construção, o que o tornaria a estrutura
construída mais alta desta época – para termos comparativos, o Empire State Building, que
inaugurado como prédio mais alto do mundo em 1932, tem aproximadamente 443 metros (ou
381 metros desconsiderando a agulha superior). Mais ambicioso do que qualquer outra
construção de dimensões sequer semelhantes, o projeto de Tatlin concebia três estruturas
independentes alinhadas por um eixo central, as quais teriam formas geométricas diversas e
estariam em constante movimento: uma estrutura em forma de cubo seria a maior, e
revolveria ao redor de seu eixo constantemente de modo a completar uma rotação a cada ano;
acima desta haveria uma estrutura piramidal que revolveria completamente uma vez por mês;
e ao topo, uma estrutura cilíndrica que revolveria completamente uma vez por dia.
A comissão estatal recebida por Tatlin para desenvolver o seu projeto em 1919, dado o
contexto econômico do período, decorre antes do prestígio e da posição do artista na estrutura
do Narkompros – era presidente da seção IZO do Narkompros em Moscou até receber tal
comissão e se desligar do comissariado384 – do que de uma avaliação objetiva acerca da
viabilidade deste projeto. Antes de mais nada, que a base desta construção fosse capaz de se
mover presume uma capacidade de sustentação por parte do eixo central que talvez ainda hoje
esteja aquém das capacidades técnicas disponíveis aos engenheiros para uma construção desta
magnitude, uma questão que fora abordada por Tatlin através da construção de uma estrutura
externa que arcaria com esta carga, mas que aparentava, na opinião de Trotsky, “andaimes
383
Cf. GASSNER, H. The Constructivists: Modernism on the way to modernization in: GERMANO, C.;
GIMENEZ, C., 1992, p. 313.
384
BOWLT, 1988, p.205.
199
que não foram retirados”385 – contrastando com a intenção declarada de Tatlin, de suscitar nos
observadores de sua torre um movimento em direção ao infinito 386. Em geral, o projeto de
Tatlin era acima de tudo uma obra conceitual, com relativamente poucas especificações
técnicas, e diversos aspectos que contradizem a priorização funcional – reforçando a
afirmação de Boym quanto ao aspecto “aventuroso e experimental” do Monumento387. Ao
fim, a construção de algumas maquetes do monumento seria o mais próximo que tal projeto
chegaria de sua realização – e mesmo para tais modelos, dada a escassez de metais pela qual
passava a Rússia durante o período, a madeira foi utilizada como principal material de
construção, sendo posteriormente pintada de prateado para se assemelhar a metal388.
Em outro ambicioso projeto de Tatlin, talvez ainda mais ambicioso do que seu
Monumento do ponto de vista técnico, o construtivista tentou construir um aparato para voo
individual, a Letatlin. Mais do que o Monumento, a Letatlin seria prova contundente do
insuficiente entendimento técnico do artista; a partir da observação de insetos, e os tendo
como inspiração, o desenho final da Letatlin indica pouca adequação a considerações relativas
a aerodinâmica e desconsidera o peso corporal humano como desproporcionalmente superior
à capacidade do indivíduo em movimentar as asas do objeto – tampouco seriam estas asas
necessariamente resistentes para sustentar tal peso. Tal como seu Monumento, projetado mais
de dez anos antes, a Letatlin permaneceria como uma ideia, nunca produzida a não ser
enquanto uma representação desta ideia.
Mesmo quando Tatlin projetara produtos viáveis do ponto de vista técnico, outras
considerações práticas os inviabilizaram; tal fora o caso de sua vestimenta para trabalhadores,
a qual demonstrava diversos benefícios práticos, múltiplas possibilidades de uso e um design
racional, mas seria rejeitada por muitos trabalhadores devido a sua simplicidade estética e
inviabilizada industrialmente devido ao seu alto custo de produção e quantidade de detalhes
que tornava difícil a automatização da produção do mesmo389. Obstáculos semelhantes seriam
impostos a outros projetos industriais construtivistas, como os objetos desenhados por alunos
385
Apud. BOYM, 2008, p.9.
386
GRAY, 1971, p.226.
387
Apud. BOYM, op.cit., p.9.
388
GRAY, op.cit., p. 226.
389
LODDER, 1983, p.147.
200
Outros fatores também podem ser entendidos como relevantes para o relativo
insucesso destes construtivistas em materializarem suas propostas em grandes números. Um
deles seria o gosto público, desafio recorrente imposto a tais artistas: o foco funcional e
padronizador e o questionamento de parâmetros existentes presente em alguns destes projetos,
como o casaco de Tatlin, os tornariam menos atraentes para aqueles responsáveis pela
produção de indústrias – incluindo líderes partidários – voltados para a recuperação da
produção industrial depois da guerra civil e para a satisfação da clientela cujas decisões, como
já vimos, frequentemente não coincidiram com o direcionamento produtivo construtivista. O
próprio Osip Brik, no artigo “Do quadro ao chintz”390, relata em sua reflexão as dificuldades
encontradas pela produção construtivista em suas empreitadas industriais, ressaltando – e
exagerando – o êxito têxtil de Popova e Stepanova como excepcional, demonstrando
pessimismo quanto aos sucessos de tais projetos até então. Mesmo nos modelos de Popova e
Stepanova, que indiscutivelmente apresentavam alguma preocupação estilística e ofereciam
diversidade tanto em função quanto em apresentação visual, em sua maioria contrariavam
parâmetros vigentes relativos à vestimenta feminina, contrastando com periódicos estilísticos
contemporâneos em relação aos seus componentes391.
Além de falhas de ordem técnica e da relativa indiferença por parte do público diante
deste esforço de racionalização de produção de objetos cotidianos, parece ter sido um fator
importante e frequentemente desconsiderado a incapacidade de tais artistas em “vencer a
inércia” da produção industrial. Por um lado, tais novos projetos simplesmente não
ofereceram suficientes melhorias que justificassem os riscos envolvidos com a sua produção
em massa, incluindo variáveis que vão desde a aceitação do novo produto no mercado –
incluindo, em muitos casos, um preço mais elevado – até a adequação do processo produtivo
ao novo produto392; por outro, pode-se também postular que os números reduzidos de adeptos
à tarefa de criação do artista-engenheiro, um número demasiadamente pequeno mesmo
quando posto no contexto apenas do Vkhutemas – no qual apenas 10% de seus 1300 alunos
390
BRIK, Osip. Ot kartiny k sitsu, in: LEF. Moscou: Gosizdat, 1924, no 6, p.27-34.
391
Cf. TUPITSYN, 2009, p.152-153.
392
MARGOLIN, 1997, p.100-102.
201
estavam matriculados nos ateliês voltados para a produção industrial393 – que se torna quase
insignificante quando visto no contexto industrial de Moscou, ou da Rússia como um todo.
Em outras palavras, se por um lado os projetos construtivistas acima mencionados não foram
capazes de oferecer resultados tecnicamente viáveis, ou ao menos versões suficientemente
aperfeiçoadas de modo a compensar os riscos e ajustes produtivos decorrentes, por outro lado
o construtivismo enquanto tendência produtiva não dispunha de voz ou volume significativos
no âmbito industrial, o que pode ter contribuído para as dificuldades na realização destes
diversos projetos.
Para o bem ou para o mal, a arte como profissão subsistirá por muito tempo ainda,
servindo de instrumento de educação artística e social das massas, de seu praer
estético (...). Rejeitar a arte como forma de descrever e imaginar o conhecimento,
porque se opõe à arte burguesa contemplativa e impressionista dos últimos decênios,
significa arrebatar às mãos da classe que construiu uma nova sociedade uma
394
ferramenta da maior importância .
393
MARGOLIN, 1997, p.93.
394
TROTSKI, 2007, p.114.
202
395
MARGOLIN, p.85.
396
Cf. GOUGH, 2005, p.151.
397
Cf. BOWLT, 1988, p.291.
203
398
GOUGH, 2005, p.152-189, passim.
204
impacto mais visível e abrangente, que inclusive influenciaria a produção soviética durante os
anos seguintes. Através de experimentações tipográficas e fotográficas, bem como da
aplicação da técnica da fotomontagem, os construtivistas que enveredaram pelo campo do
design gráfico participariam da produção de objetos concretos, como pôsteres, livros,
letreiros, embalagens, entre outros, e consequentemente alcançariam um grau de êxito com o
qual nenhum de seus experimentos estritamente industriais poderia ser comparado.
399
LODDER, 1983, p. 181
400
Entre aqueles que enveredaram pela produção gráfica em meados da década de 20, podemos mencionar Gan,
Klutsis, Lissitzky, Rodchenko, Stepanova, Popova, Lavinsky, Medunetsky, os irmãos Stenberg – portanto,
primariamente os prévios defensores do artista-engenheiro.
205
de apenas uma dessas variáveis, ao custo das demais; que o espaço “em branco” da página, se
manipulado desta ou daquela maneira, poderia contribuir para qualquer que fosse o impacto
desejado pelo autor – como os poemas de “ferro-concreto” produzidos por futuristas como
Vasily Kamensky, caracterizados pela quase total ausência de tal espaço “livre” 401. Caberia à
experimentação formal, portanto, desafiar os parâmetros estabelecidos em relação a estas
variáveis, que então eram interpretadas como constantes, de modo a ampliar as possibilidades
e combinações aplicáveis ao campo de produção gráfica.
Através da aplicação desta técnica, observada pela primeira vez na produção de certos
dadaístas berlinenses403, os construtivistas presumiram poder afirmar em seus periódicos que
estavam corretos desde o princípio em relação à obsolescência da arte figurativa, e a esta
401
MARKOV, 2006, p.196-199.
402
LODDER, 1983, p.187.
403
Ibid., p.186.
206
404
POPOVA, Lyubov. Foto-Montazh in: LEF, no 4. Moscou: Gosizdat, 1923, p. 41-45
207
Para além de sua aplicação concreta na produção gráfica, a prática fotográfica também
significou um novo campo laboratorial para um construtivista em especial: Rodchenko – que
reconheceria o campo fotográfico como essencialmente experimental, decorrente de sua
juventude408. Ainda que se possa considerar a própria aplicação da fotomontagem durante
esses anos como uma atividade laboratorial ao menos em parte, seria Rodchenko aquele que,
na União Soviética, se destacaria durante esse período como um investigador das diferentes
aplicações e possibilidades oferecidas pela prática fotográfica em si.
Suas reflexões e fotos, presentes em diversos exemplares da LEF e Novyi LEF, tinham
como objetivo expandir o seu entendimento sobre as aplicabilidades dessa nova técnica,
405
MARGOLIN, 1997, p. 133-134.
406
Decisão que teria consequências importantes relativas ao respaldo político conferido à AKhRR durante a
segunda metade da década de 20, discutido no capítulo seguinte.
407
LODDER, 1983, p.185.
408
MARGOLIN, op.cit., p.151.
208
abordando aquilo que lhe era específica. Diante da novidade desta modalidade, em certos
casos tais especificidades ainda haviam de ser “descobertas”, na medida em que as primeiras
manifestações práticas do uso da fotografia se resumiram amplamente à emulação da prática
pictórica – em retratos, por exemplo. Caberia aos esforços experimentais de indivíduos como
Rodchenko e Klutsis – assim como Moholy-Nagy, na Alemanha409 – a apresentação de novas
possibilidades permitidas pela fotografia, como novas perspectivas decorrentes de diversos
ângulos, manipulação de luz, sobreposição de profundidades em um suporte plano, entre
outras. Ecoando a postura vanguardista pré-revolucionária, que visava através da
experimentação formal causar estranhamento em seus espectadores, o que por sua vez
causaria questionamentos e reflexões, voltadas – esperavam seus autores – às convenções e
aos parâmetros artísticos, culturais e sociais vigentes, e afastando-os da “perspectiva
umbilical” 410, uma perspectiva naturalizada focada tão somente em seus respectivos campos
de visão. Nos dois fragmentos abaixo, escritos por Rodchenko, podemos observar suas
intenções e justificativas formais para suas reflexões e seus experimentos fotográficos:
Para que se ensine um homem a olhar de uma nova maneira é necessário que se
fotografe objetos ordinários e familiares de perspectivas completamente inesperadas
e posicionados de forma igualmente inesperada, assim como fotografar novos
objetos de uma grande variedade de perspectivas de modo a oferecer uma completa
impressão do objeto.
Nós somos ensinados a olhar de uma forma rotineira, inculcada. Nós precisamos
descobrir o mundo visível. Nós precisamos revolucionar nosso pensamento visual.
411
Nós precisamos remover a catarata de nossos olhos .
e
Quando eu apresento a imagem de uma árvore vista de baixo como se fosse um
objeto industrial, uma chaminé, isso causa uma revolução sobre os olhos do filisteu
e do velho conhecedor de paisagens. Dessa forma, eu estou expandindo a nossa
412
concepção relativa ao objeto ordinário, cotidiano .
409
MARGOLIN, 1997, p. 123-162, passim.
410
Ibid., p.153.
411
Apud. LODDER, 1983, p.204.
412
Apud. MARGOLIN, op.cit., p.133.
209
Apesar de não ter suplantado a arte figurativa, os resultados alcançados pela produção
gráfica construtivista da década de 20 teria um impacto profundo sobre o futuro deste campo
na União Soviética. Ainda que aplicada de variadas maneiras, a fotomontagem
paulatinamente se tornaria uma prática corrente na produção de pôsteres propagandísticos.
Determinados elementos da experimentação tipográfica construtivista, por sua vez, também
podem ser observadas, como a recorrência do uso de diagonais no espaço gráfico e a
manipulação textual visando ampliar a mensagem do produto final.
Interlúdio
... A verdade última é penultimamente sempre uma falsidade. Aquele que acaba
provado correto ao fim parece anteriormente ser nocivo e equivocado.
Mas quem será provado correto? Isto será apenas sabido posteriormente. Enquanto
isso ele está fadado a agir a crédito e a vender sua alma ao demônio, esperançoso de sua
absolvição pela história.
Diz-se que No 1 tem “O Príncipe” de Maquiavel sempre sobre sua mesa de cabeceira.
Bem como deveria: desde então, nada realmente importante foi dito sobre as regras da ética
política. Nós fomos os primeiros a substituir a ética liberal do “fair play” do século XIX pela
ética revolucionária do século XX. Nisso nós também estávamos certos, uma revolução
conduzida a partir das regras de críquete é um absurdo. A política pode ser relativamente
justa durante os períodos de fôlego da história; em seus momentos mais críticos não há outra
regra possível se não a de que os fins justificam os meios. Nós introduzimos o neo-
maquiavelismo a este século; os outros, as ditaduras contrarrevolucionárias, o imitaram
toscamente. Nós fomos os neo-maquiavélicos em nome da razão universal – tal era a nossa
grandeza; os outros, em nome de um romanticismo nacional, o que era o seu anacronismo. É
por isso que nós seremos ao fim absolvidos pela história; mas não eles...
No entanto no momento nós estamos pensando e agindo a crédito. Como nós jogamos
fora todas as convenções e regras da moralidade do críquete, nosso único princípio diretor é
o da lógica consequente. Nós sofremos da terrível compulsão de seguirmos nosso pensamento
até a sua última consequência e agir de acordo com a mesma. Nós estamos navegando sem
lastro; portanto, cada toque no timão é uma questão de vida ou morte.
Há pouco tempo atrás, nosso proeminente agrônomo, B., foi baleado junto com trinta
de seus colaboradores porque ele defendia a opinião de que fertilizantes com nitrato artificial
eram superiores à potassa cáustica. No 1 é um defensor da potassa cáustica; logo B. e os
outros trinta tinham que ser liquidados enquanto sabotadores. Em uma agricultura
212
Eu era um destes. Eu pensava e agia como achava que deveria; Eu destruí pessoas
que eu gostava, e dei poder a outros que eu não gostava. A História me pôs onde eu estava;
eu esgotei o crédito que ela me concedera; se eu estava certo eu não tenho nada do que me
arrepender, e se eu estava errado, pagarei.
Porém como pode o presente decidir a verdade que só há de ser julgada no futuro?
Nós estamos fazendo o trabalho de profetas sem o dom para tal. Nós substituímos a visão
profética pela dedução lógica; porém ainda que tenhamos partido do mesmo ponto,
chegamos a resultados divergentes. Prova refuta prova, e ao fim nós precisamos recorrer à fé
– à fé axiomática na retidão de sua própria racionalidade. Este é o ponto crucial Nós
jogamos fora todos os lastros; apenas uma âncora nos segura: a fé em si próprio. A
geometria é a mais pura manifestação da razão humana, mas os axiomas de Euclides não
podem ser provados. Aquele que não acredita neles observa o desmoronamento de toda a
construção.
No 1 tem fé em si próprio, forte, lento, taciturno, e inabalável. Ele tem a mais sólida
âncora de todas. A minha se desgastara durante os últimos anos...
O fato é: Eu não mais acredito em minha própria infalibilidade. É por isso que estou
perdido.
214
Capítulo IV
Contração e Arregimentação
(1926-1932)
“Por que esses grupos se sentiram obrigados a guerrearem entre si, utilizando manifestos e
declarações, cartas à imprensa, artigos críticos – quaisquer meios a mão, inclusive físicos?
Por que eles não viveram e deixaram viver? Isso pode ser atribuído à competitividade natural
entre artistas, (...) mas também é produto das condições específicas do mundo artístico
soviético: decorria da percepção de que, no fim das contas, havia apenas um patrono e
financiador, um crítico e historiador da arte, um árbitro responsável por tudo que dizia
respeito à vida do artista: o Partido”.
Matthew Bown
215
413
Embates entre Bukharin e Lunacharsky durante os primeiros anos que seguiram a Revolução decorreram
primariamente de uma maior identificação entre Bukharin e as vozes mais radicais do discurso cultural soviético,
entre os quais se encontram os futuristas. Bukharin inclusive criticara Lunacharsky no jornal Pravda – no qual
servia como Editor Chefe – pela suposta brandura excessiva do Comissário de Esclarecimento em relação aos
vestígios burgueses encontrados na produção de determinados segmentos artísticos contemporâneos. Após a
implementação da NEP, por outro lado, observa-se um abrandamento da posição do próprio Bukharin, que
tornar-se-ia um dos principais defensores da manutenção da NEP, resultando em sua alocação na direita do
espectro político soviético na segunda metade da década de 20.
216
1927, entretanto, na medida em que a NEP “se esforçava para respirar”414, observa-se a
gradual formação de uma corrente cada vez mais intensa de crítica à “linha moderada”415
adotada pelo Narkompros e defendida por Lunacharsky; simultaneamente, observa-se um
crescente escrutínio estatal sobre assuntos culturais, o qual transcorrera de acordo com Fox de
forma “discreta”416, através de órgãos de censura de crescente influência e difícil delimitação
jurisdicional, como o Glavlit, ou através do apoio financeiro ou mesmo simbólico de
determinadas vertentes, como demonstra Bown em relação ao patronato de membros ilustres
do governo soviético – como Voroshilov e o próprio Stalin – a artistas de produção
semelhante àquela que se tornaria a representante da diretriz artística adotada pelo partido nos
anos seguintes – em detrimento das intenções e esforços do próprio Lunacharsky, o qual se
admitira durante o período que determinados segmentos da estrutura estatal estavam
interferindo na esfera cultural em clara oposição à linha oficial do partido estabelecida sobre
tal campo.417 Gradualmente, o que se observa é a suplantação de tal linha moderada pelo que
Fitzpatrick denomina “linha dura” no âmbito cultural, que a autora qualifica da seguinte
maneira:
414
HELLER e NEKRICH, 1992, p. 201-202.
415
FITZPATRICK, 1992, p.91-114, passim.
416
FOX, 1992, p.1047.
417
Ibid., p.1047.
418
FITZPATRICK, Op.Cit., p.94.
217
indiscutível da União Soviética, afirmada nesta esfera através de sua resolução tratando A
Respeito da Reestruturação das Organizações Literárias e Artísticas, entendida como o ponto
inicial da política de centralização estatal da produção artística que resultaria na adoção do
Realismo Socialista como forma artística oficial em 1934.
419
Vide anexo, p. 298.
218
Além desta característica central, por outro lado, pode-se observar na produção de tais
artistas que gozavam de crescente popularidade entre os líderes da URSS a adoção de certas
diretrizes políticas que caracterizariam o direcionamento revolucionário do período,
contribuindo para um maior alinhamento entre ambas as partes e para o fortalecimento de
determinada corrente artística sobre as demais. Dentre estas diretrizes, pode-se apontar a
ênfase concedida aos esforços soviéticos em busca da autossuficiência econômica, e
subsequente adoção do direcionamento que seria entendido como “Socialismo em um só
país”, resultando no isolamento na esfera internacional, e no âmbito cultural, na exaltação de
valores e tradições nacionais acompanhada da crescente desconfiança de influências
internacionais.
420
Composta por Zinoviev, Kamenev e Stalin. Para maiores detalhes sobre a formação e eventual dissolução
desta troika, Cf. HELLER e NEKRICH, 1992, p. 163-166, 181-185.
220
Tal como se disse até agora acerca do pensamento artístico da vanguarda russa e de
suas expectativas, também Trotsky via a real fruição da revolução ainda no futuro, com a
expansão do ardor revolucionário e a vitória final sobre a burguesia com a vitória de uma
revolução global; tal como eles, o presente não deveria ser visto como algo a se sacrificar pelo
futuro, mas uma oportunidade para determinar um direcionamento social que otimizaria o
progresso futuro – o qual poderia obviamente resultar em sacrifícios operacionais. Por um
lado, Trotsky sempre afirmara que entendia questões artísticas como merecedoras de menor
priorização do que questões de teor econômico ou político, na medida em que seu
desenvolvimento tinha como requisito o desenvolvimento prévio em tais campos 421; nunca
afirmara, também, que esperava pelo “fim” da arte como esta era entendida antes da
Revolução, e quando discorrera sobre tal assunto fora uma das principais vozes por trás da
validação dos companheiros de viagem como alternativa para o desenvolvimento da então
incipiente capacidade artística do proletariado. Por outro lado, Trotsky sempre fora uma voz
contrária a concessões ideológicas como aquelas observadas durante o período da NEP,
mostrando-se favorável à adoção de uma postura intervencionista e moderadora do Estado
semelhante àquela que fora característica do Comunismo de Guerra, e avesso a considerações
que contemplassem apenas a União Soviética, em detrimento dos objetivos revolucionários
globais, e entendendo que uma preocupação excessiva sobre constrangimentos do presente
poderia resultar em um efeito retardante sobre o processo histórico revolucionário. Esta forma
de pensar punha a Rússia soviética e as demais repúblicas federadas como vanguarda desta
revolução global e, portanto, como a linha de frente para as conquistas revolucionárias
futuras.
Era uma plataforma que contemplava sacrifícios internos para sucessos maiores,
justificada ideologicamente pelo progressivo processo histórico marxista. Entretanto, depois
de sete anos de conflito, bem como da subsequente recuperação socioeconômica propiciada
pela NEP – talvez a maior concessão ideológica de todas durante esta década – talvez não
houvesse um russo adulto sequer que não hesitasse, no mínimo, diante de qualquer discurso
que parecesse colocá-lo em um posicionamento de vanguarda – um que, por definição,
presume uma maior vulnerabilidade e um risco potencialmente maior de repercussões
negativas e danosas. Tal como os chamados artistas esquerdistas e seus experimentos
construtivos de arte laboratorial ou seus experimentos linguísticos e pictóricos, o caminho
421
TROTSKI, 2007, p.150-165.
221
Vale a pena ressaltar que apesar de nenhum político influente parecer defender
ativamente a causa dos proletários [RAPP/VAPP], a postura oficial em relação a
eles torna-se gradativamente mais receptiva a partir da resolução do departamento de
imprensa em maio de 1924, sua adoção em forma pouco alterada a partir da
resolução “A respeito da imprensa” do décimo terceiro congresso do partido, os
depoimentos de diversos membros da comissão do Politburo, bem como a resolução
do comitê central de junho de 1925, que reconhecera, em direta oposição a Trotsky,
222
O ambiente político destes anos afetaria ainda mais esta implícita dicotomia
estabelecida pela resolução de 1925, na medida em que tal resolução defendia principalmente
a neutralidade do Estado no campo artístico, enquanto durante os anos aqui discutidos se
tornaria cada vez mais claro às partes envolvidas, em basicamente todos os níveis, a
necessidade de alinhamento com um dos múltiplos direcionamentos existentes nas camadas
superiores do partido. Um expurgo discente universitário já em 1924, em resposta ao apoio
discente demonstrado a Trotsky e à sua Oposição Esquerdista423, demonstrava já os primeiros
traços da crescente polarização política observada durante o período. Se a Resolução de 1925
pusera a questão artística e literária soviética em relação ao Estado em termos de
“alinhamento ou não-alinhamento”, na prática os desdobramentos dos anos subsequentes
resultariam na gradual exclusão do “não-alinhamento” desta equação, e da substituição de tal
dicotomia por uma realidade de “múltiplos alinhamentos por parte de segmentos do Estado”.
422
FITZPATRICK, 1992, p.108-109.
423
Ibid., p. 97.
223
Aqui nos deparamos com o cerne da questão, que parcialmente transcende o aspecto
financeiro relacionado às comissões acima mencionadas: certamente o camarada Kliment
Efrimovich teria tanto direito quanto qualquer outro cidadão soviético a adquirir obras de arte
e se relacionar com quaisquer indivíduos, artistas ou não; o patronato do Comissário de
Defesa Voroshilov, por outro lado, carregaria consigo uma carga maior, na medida em que se
poderia deduzir a partir das predileções do Comissário de Defesa e reconhecidamente um
homem de confiança de Stalin um indício de alinhamento entre esta forma de produção
artística e os rumos da liderança partidária. Em um período em que o bom gosto e a noção de
kulturnost426 seriam cada vez mais valorizados entre aqueles que aspiravam ascender no
aparato estatal – bem como entre aqueles que avaliavam os ambiciosos candidatos a ascensão
– tal respaldo certamente resultaria em uma influência que transcenderia qualquer apoio que
Voroshilov – ou Stalin, como veremos adiante – poderia oferecer enquanto indivíduo,
enquanto cidadão soviético.
424
BOWN, Matthew Cullerne. Art Under Stalin. Oxford: Phaidon, 1991, p.58.
425
MALLY, Lynn. Culture of the Future: The Proletkult movement in Revolutionary Movement. Berkeley:
University of California Press, 1990, p. 231.
426
Podendo ser traduzida literalmente como “nível de cultura”, esta expressão no contexto aqui discutido pode
ser assemelhada a “sofisticação”. Cf. VOLKOV, Vadim. The concept of Kul’turnost’: notes on the Stalinist
civilizing process, in: FITZPATRICK, Sheila(org). Stalinism: New Directions. Londres: Routledge, 2000,
p.210-230.
224
Durante estes anos qualquer indicação de predileção artística por parte de Stalin fora
discreta, em contraste com o entusiasmo demonstrado por Voroshilov em apoio aos realistas
da AKhRR, ou à reprovação de Trotsky em relação à viabilidade de uma arte proletária427.
Sua principal manifestação explícita de apreço pela arte proposta por artistas realistas da
AkhRR ocorrera em 1928, quando visitara a exposição do grupo dedicada ao décimo
aniversário do Exército Vermelho – segundo Bown uma das duas únicas exposições das quais
se tem relatos da visita pessoal de Stalin428. O impacto da visita de Stalin resultaria, segundo
Bown, em uma validação semelhante àquela discutida acima proveniente do patronato de
Voroshilov, porém decerto com maior intensidade:
A visita de Stalin, tão ordinária em si, foi importante para tais artistas durante este
período, e ainda mais em retrospecto, se a considerarmos a partir dos
desenvolvimentos das décadas de 1930 e 1940, quando o poder de Stalin era
absoluto. Ao enaltecer o trabalho de Repin, Stalin conferiu sua benção à forma
artística tal como a que propunha a AKhRR – patriótica, realista, voltada para a
imaginação popular. Evidencia-se que esta forma artística era favorecida por ele e
pela maioria de seus colegas a partir do fato de que durante a década de 1920 os
principais membros da AKhRR possuiam autorizações permanentes para visitarem o
429
Kremlin e socializavam com a liderança política .
427
TROTSKI, 2007, p.150.
428
BOWN, 1991, p. 56
429
Ibid., p.57
430
Ibid., p. 27-28.
225
dominantes, uma dinâmica inversa pode ser observada quando analisamos figuras públicas
cujas orientações políticas foram gradualmente sobrepujadas pelas de seus rivais. Isto se
observa, por exemplo, no caso de Trotsky, cuja reprovação tanto à produção quanto aos
métodos e discurso do grupo proletário RAPP serviria, de acordo com Fitzpatrick, para
ganhos políticos do grupo literário após 1926:
431
FITZPATRICK, 1992, p. 108.
432
Para maiores informações sobre as obras exibidas e sua recepção em Paris, Cf. ALLISON, 1990.
226
por parte de Udaltsova e Aleksandr Drevin, cujas autorizações de viagem não foram
concedidas pelo partido433.
Dessa maneira, os últimos anos da NEP pareciam indicar que cada vez mais a
necessidade de um alinhamento com esta ou aquela linha. No entanto, devido a associações
ideológicas prévias a tal período, os construtivistas acabariam por ser associados à uma linha
de pensamento revolucionário que se tornaria indesejável já a partir de 1926. No Vkhutemas,
como há de se discutir adiante, tal impulso levaria à segregação da instituição em dois polos
distintos, bem como à eventual extinção do então denominado Vkhutein em 1930; durante o
período seria ainda realizado um expurgo no corpo discente de diversas universidades,
atribuindo-se o apoio de grande parte dos estudantes às propostas de Trotsky às origens não-
proletárias de tais estudantes; o próprio Narkompros, na medida em que Lunacharsky parecia
recusar-se a alterar o direcionamento de seu comissariado a despeito da nova linha que
gradualmente se delineava a partir das ações de seus superiores e colegas, tendo inclusive
buscado mitigar e reverter ações punitivas nos campos cultural e educacional como as
expulsões acima mencionadas, desgastando progressivamente sua posição enquanto
comissário434 e eventualmente decidindo renunciar ao seu cargo (1929), para ser substituido
por um comissário “mais adequado” com os novos direcionamentos da Revolução no âmbito
cultural:
A VAPP/RAPP, por sua vez, utilizar-se-ia de seus crescentes números para intimidar
mesmo outros grupos também denominados “proletários”, porém de inclinações formais
ligeiramente distintas, ensejando a aglutinação de grupos menores e sua própria expansão já a
partir de 1925, como descreve o integrante do grupo proletário A Forja Evgenov, afirmando
em seu texto que já neste ano a principal questão imposta ao grupo – que continha menos de
cem integrantes, comparado com os três mil da RAPP – era o de “unir-se à RAPP ou não?”436.
433
BOWN, 1991, p.62
434
FOX, 1992, p.1050.
435
FITZPATRICK, 1992, 113.
227
436
EVGENOV, S. Uncivil War: Gladkov & The Smithy vs. RAPP. Account of an underhanded attempt by the
Russian Association of Proletarian Writers in 1925 to subvert Party policy and legislate all rival literary
organizations out of existence, p.1.
437
O corpo editorial da Na Postu! consistiria dos membros da VAPP Leopold Averbakh, Grigorii Lelevich, S.
Rodov e Boris Volin, e incluira entre seus colaboradores em seu primeiro número nomes importantes no campo
artístico - como o crítico Vladimir Friche e o poeta Demian Bedny – e político – como Kamenev, Lebedev-
Polyansky, Larisa Reisner e Karl Radek. Em seu primeiro exemplar, seu corpo editorial se identifica com a causa
literária proletária do grupo VAPP, ainda que se diga também “à postos” contra o perigo de estagnação
institucional à qual Lenin anteriormente alertara ao criticar o Proletkult; também ao definir suas diretrizes faz
eco às premissas formais épicas e heroicas que caracterizariam a abordagem de VAPP e AKhRR em seus
respectivos campos de atuação, criticando todas as propostas artísticas que possuíssem origens pré-
revolucionárias, as quais eram pelos autores associadas aos Brancos da guerra civil
438
O corpo editorial da Lef seria compost pelos vanguardistas Boris Arvatov, Nikolai Aseev, Osip Brik, Boris
Kushner, Sergey Tretyakov e Nikolay Chuzhak. Todos estes membros, com exceção de Chuzhak, tem diversos
escritos que defendem a integração de arte e produção, demonstrando a inclinação predominantemente
construtivista desta revista, a despeito de sua intenção aglutinadora à vanguarda como um todo. Postulavam em
seu primeiro exemplar, no texto intitulado “Pelo que a Lef Luta?”, a intenção de “unir todas as forças
esquerdistas”, e “criar um front unificado para explodir os detritos velhos, para lutar pela integração de uma
nova cultura”.
228
único e coordenado para o embate contra orientações concorrentes, mas igualmente o escopo
do apelo que esta iniciativa apresentou à comunidade artística esquerdista soviética. Tal
solidariedade esquerdista resultaria inclusive na participação de artistas e escritores como os
transracionalistas Nikolai Aseyev e Sergei Tretyakov, ambos antigos membros do grupo 41º,
liderado por Kruchenykh em Tiflis, no Cáucaso439, e previamente pouco identificados com a
proposta de integração da arte ao ambiente industrial então predominante entre os
construtivistas. Entre outros contribuintes conhecidos observa-se artistas de orientações
semelhantes como Matyushin – que operava no interior do Ikhk com Malevich e Tatlin
durante o período – Vassilli Kamensky e Boris Pasternak, além de Mayakovsky e os
formalistas Shklovsky e Brik, que logo se alinhariam à vertente produtivista.
Em seu primeiro número, no artigo Pelo que a Lef Luta?, observa-se um esclarecedor
diagnóstico relativo ao cenário artístico contemporâneo, através do qual o corpo editorial da
revista – todos assinam este artigo440 – espera justificar a iniciativa de formação de um front
unido da esquerda nas artes:
A Arte da RSFSR, tal como se observa em primeiro de fevereiro de 1923:
I. Proletarte [Proletiskusstvo]. Parte dela degenerou em uma arte de escritores
oficiais, oprimidos por sua linguagem pobre e pela repetição de abecedários
políticos. Outra parte sucumbiu às influências da academia, e apenas o nome da
organização lembraria Revolução de Outubro. A terceira e melhor parte, após ter
seguido Belyi, está se reciclando com nossos critérios e, acreditamos, marchará a
frente conosco.
II. Litratura Oficial. De um ponto de vista teórico cada um tem uma opinião
própria sobre arte: Osinskii exalta Akhmatova, Bukharin exalta Pinkerton. Na
prática, apenas os nomes mais vendidos adornam as páginas dos jornais.
III. As “últimas” tendências literárias (os Serapião, Pilnyak etc.) tendo se
apropriado e diluído nossos recursos os estão misturando com temperos simbolistas
e os adaptando de forma bruta aos tons moderados da literatura nepiana.
IV. Vira-casacas políticos. Do Oeste vem uma invasão de estadistas anciãos
esclarecidos. Alexei Tolstoi já está a polir o cavalo branco de suas obras reunidas
para uma entrada triunfante em Moscou.
V. E finalmente em cantos diversos estão os esquerdistas individuais. Pessoas
e organizações (Inkhuk, Vkhutemas, o Gitis de Meyerkhold, Opoyaz etc.). Alguns
estão tentando heroicamente arar um solo virgem extremamente sólido por si
próprios, enquanto outros estão ainda se livrando dos grilhões do velho lixo com as
lixas que são seus versos.
A Lef deve unir todas as forças esquerdistas. A Lef deve auditar seus números,
depois de ter descartado o passado que antes estava a eles atrelado. A Lef deve criar
um front unificado para explodir os detritos velhos, para lutar pela integração de
uma nova cultura.
439
Tiflis atualmente é nomeada Tbilisi, a capital da Geórgia. O grupo 41º foi formado em Tiflis durante a Guerra
Civil, e ocupou-se primariamente de experimentações transracionais sob a liderança de Kruchenykh. Para mais
informações sobre o grupo, Cf. LAWTON, 1988, p.33-39 e MARKOV, 2006, p. 337-363.
440
Especificamente, os signatários foram: Nikolai Aseev, Boris Arvatov, Osip Brik, Boris Kushner, Vladimir
Mayakovsky, Sergey Tretyakov e Nikolai Chuzhak.
229
(...) A Lef irá agitar a arte com as idéias da comuna e abrir para a arte a
estrada para o amanhã.
(...) A Lef lutará pela construção estética da vida.
Nós não apenas reclamaremos um monopólio sobre o espírito revolucionário
441
na arte. Nós o provaremos em competição aberta.
441
LEF no 1, 1923. Moscou: Gosizdat, p.6-8.
442
LEF no 1. 1923. Moscou: Gosizdat, p. 11
443
LEF no 3, 1923. Moscou: Gosizdat, p. 154-165, passim.
230
necessidades imediatas e futuras do proletariado. Neste, afirma que a arte proletária autóctone
ainda não demonstrou sinal de existência, mas que apenas poderia ser gerada a partir de uma
sucessão de determinados desenvolvimentos que a arte esquerdista estava em posição sem
igual para fomentar. Os argumentos que utiliza se apoiam sobre o utilitarismo e o
materialismo que permeavam a arte esquerdista após 1917, demonstrando afinidade com o
construtivismo de guerra amplo ao qual Tatlin ainda se aferrava em 1920. A seguinte
passagem é excepcionalmente ilustrativa do tom de Arvatov pelo decorrer do artigo:
Brada-se que a classe trabalhadora não compreende os artistas esquerdistas.
Mas é claro!... Se você fosse criado exposto a pinturas a óleo e cartões postais
vulgares, baratos e de mau gosto, não acharia fácil a exposição aos últimos
desenvolvimentos de uma cultudra superior. De qualquer forma, será isso mesmo
um argumento? Por acaso em dado momento marxistas não lutaram por suas
próprias idéias, enquanto o proletariado firmemente apoiava idéias diferentes?
Todas estas objeções derivam inteiramente da recusa subjetiva da arte
esquerdista por nossos “ideólogos” e seus discípulos, contaminados como o são por
antigos termos. Fetichistas até a medula de seus ossos, eles se portam em relação a
444
inovadores de uma forma absurdamente semelhante àquela de um burguês.
Não apenas este fragmento demonstra o tom defensivo ao qual se fez alusão, mas
apresenta como um argumento diverso a premissa da vanguarda, tão cara ao partido
revolucionário de Lenin. Igualmente, menciona de forma clara a dissensão em relação aos
“ideólogos”, postos sob aspas pejorativamente, diagnosticando conscientemente o
redirecionamento que agora marginalizar a produção construtivista, expurgando-a
gradualmente do campo artístico soviético. A menção aos discípulos também é elucidativa,
pois ecoa as críticas formuladas por outros artistas e escritores durante o período nas quais
afirmam constatar um enrijecimento ideológico presente de forma cada vez mais dominante
no cenário institucional estatal soviético, que por sua vez decorria ao menos parcialmente do
enrijecimento e da ortodoxia ideológica apresentada pelas novas gerações soviéticas que cada
vez mais ocupariam funções de liderança em tais órgãos – em uma tácita crítica ao
carreirismo que se tornaria característico do período de afirmação do Socialismo em um país.
Observando comparativamente os periódicos Na Postu! e Lef, logo se tornam
evidentes determinadas semelhanças entre ambos que permitem tal esforço comparativo, mas
também se observa mérito no reconhecimento dos integrantes da Lef relativo ao seu suposto
“descredenciamento” não apenas na esfera pública, mas no âmbito institucional estatal
soviético, a partir de uma observação de suas respectivas tiragens. São periódicos de
dimensões semelhantes; a Lef teve um total de 7 exemplares publicados, enquanto Na Postu!
444
ARVATOV, B. Proletariat and Leftist Art (1922). in: BOWLT, 1988, p. 227-228.
231
teve 6 exemplares, ambos publicados erraticamente no decorrer de três anos. Esta falta de
periodicidade é sintomática de um período de maior desorganização no contexto editorial
soviético em relação às artes, especialmente na medida em que outros periódicos que viriam a
tratar de questões culturais – como Oktyabr e Novyi Mir445 – só seriam publicados a partir de
1925. Enquanto a Lef era publicada pelo Gosizdat, Na Postu! seria publicada pela editora
Novaya Moskva. A despeito de consideráveis flutuações relativas ao número de páginas de
cada periódico, os exemplares de Na Postu! (aproximadamente 200-250 páginas por edição)
se demonstram um pouco mais volumosos do que os da Lef (aproximadamente 150 a 200
páginas por edição).
445
Deve-se aqui fazer três ressalvas. Em primeiro lugar, o periódico Oktyabr (Outubro) não seria relacionado ao
grupo formado em 1928, que incluiria artistas construtivistas e será posteriormente discutido. Em segundo lugar,
Oktyabr seria inicialmente publicado em 1924, porém demonstraria semelhante irregularidade de publicação
neste ano, que resultaria em quatro exemplares apenas. Finalmente, o periódico Novyi Mir (Novo Mundo) não
tratava apenas de questões artísticas, mas de questões políticas, científicas e culturais; entretanto, dada as suas
dimensões – cada exemplar mensal continha mais de 300 páginas e eram impressos mais de 25000 exemplares
por número – e sua longevidade – fora publicado até 1989 – se tornaria um periódico de referência para a
discussão de questões artísticas.
232
4.3 – Capa da revista Novyi LEF, 4.4 – Capa da revista Novyi LEF,
no 9 (21), 1928 no 10 (22), 1928
233
Entre 1926 e 1927, o surgimento dos periódicos Na Literaturnom Postu! e Novyi Lef
representariam a renovação dos esforços de ambos grupos em disseminar suas visões
artísticas – agora ambos publicados pelo Gosizdat – porém já refletindo o considerável avanço
do primeiro sobre o segundo se os compararmos em termos de recursos e respaldo editorial.
São periódicos novamente semelhantes em sua constituição física, e demonstram uma maior
regularidade em relação a sua frequência de publicação, ainda que tenham sido
consideravelmente menores do que seus antecessores. Diferentemente de Na Postu! e Lef, Na
Literaturnom Postu! e Novyi Lef foram publicadas em páginas de tamanho menor (A5), e
seus exemplares tinham em média 50 páginas (no caso da Novyi Lef) ou 60 a 70 páginas (no
caso da Na Literaturnom Postu!).
No 2 5000 No 6 2000
No 3 3000
No 4 3000
No 2+3 5000
No 4 3000
No 18 2400 No 24 2400
235
No 24 5000 No 24 5400
236
O que talvez seja a distinção mais importante para a discussão aqui empreendida,
entretanto, decorre da longevidade editorial de ambos periódicos. Enquanto a Novyi Lef teve
uma trajetória de vinte e quatro exemplares no decorrer de dois anos, descontinuada entre fins
de 1928 e início de 1929, Na Literaturnom Postu! publicou vinte e quatro edições anuais entre
1927 e 1931, bem como edições regulares em fins de 1926 e no início de 1932 – seu último
ano, em decorrência da dissolução da organização que era sua força motriz. Entre 1928 e
1932, do ponto de vista editorial, nada se vê diretamente relacionado ao construtivismo no
âmbito artístico, como este vinha se redefinindo durante o período; ao invés disso, as poucas e
infrequentes contribuições editoriais por parte destes artistas são encontradas em escritos
próprios – fadados à não-publicação ou “subpublicação” – ou em periódicos voltados para
discussões de outra ordem, consideradas “à margem” das belas artes, como aqueles que
debatiam fotografia e cinema.
***
Estes são apenas alguns exemplos das conexões que podemos estabelecer entre os
desdobramentos políticos das divergências ideológicas nas instâncias superiores do Partido e
as fortunas de diferentes grupos artísticos durante os últimos anos da NEP, nos quais de
acordo com a proclamação formal de 1925 o Estado não havia de “tomar partido” em
237
discussões de teor artístico – o que não o impedira, por outro lado, de promover a
“liquidação” oficial de grande parte do acervo vanguardista adquirido pelo Narkompros
durantes os anos anteriores sob a premissa de necessidade de capitalização 446. Durante sua
extensão, portanto, a NEP representou no âmbito artístico um período relativamente confuso e
instável na sequência de embates que caracterizaria os primeiros quinze anos da experiência
soviética na Rússia. Analisados comparativamente, tanto o período da Guerra Civil, quanto o
direcionamento político que demonstraria a liderança soviética após tomada a decisão de
interromper a NEP, demonstram muito maior definição no campo artístico em relação ao grau
e maneira(s) de envolvimento do Estado sobre as forças engajadas neste embate artístico. A
NEP, em contraponto, permitiu mais frequentes rearranjos de forças na esfera artística na
medida em que reafirmara e intensificara a postura de não-interferência formalmente
implementada em 1918; após a morte de Lenin, tal embate se acentuaria na medida em que a
postura não-intervencionista do Partido cada vez mais coexistiria (ou contrastaria) com
desdobramentos políticos relacionados com os novos rumos da revolução após a morte de seu
principal líder e organizador. Ao fim, se por um lado se pode dizer que até 1928 o Estado
permaneceu firme em sua posição de não conceder qualquer espécie de monopólio a este ou
aquele grupo artístico, durante os últimos anos da NEP já se podem observar novos contornos
que caracterizariam o embate artístico na medida em que este entrava em um novo momento,
evidenciados pelas reações de artistas adversamente afetados por tais desdobramentos, bem
como pela crescente autoridade e escopo de atividade de outros artistas, notadamente “em
voga” tanto no âmbito do “gosto público” quanto em relação ao crescente respaldo individual
recebido por membros da estrutura estatal.
446
GOUGH, 2005, p. 63.
238
deste embate artístico durante o período contemplado neste capítulo, as quais evidenciam
reverberações dos desdobramentos políticos que sucederam a morte de Lenin e a gradual
consolidação da posição de Stalin como líder da União Soviética.
Se durante a guerra civil e boa parte da NEP a adjetivação “esquerdista” fora usada
como um trunfo pelos construtivistas, simbólica da identificação que observavam entre a sua
proposta utilitária e a ideologia marxista, e remetendo ao alinhamento quase imediato de tais
artistas à causa revolucionária após 1917, durante a década de 1920 observar-se-ia a gradual
erosão das propriedades políticas positivas desta adjetivação, decorrentes dos já discutidos
embates políticos que sucederam a debilidade e eventual morte de Lenin; e na medida em que
tal erosão se realizava, aquilo que antes tornava esta identificação um trunfo passaria a ser
uma fraqueza, a ser explorada em um discurso consideravelmente diferente daquele que se
observa durante os primeiros anos da experiência soviética.
esquerdistas, com o intuito de minar as pretensões culturais e políticas de tais artistas; tal
caracterização serviu para qualificar tal proposta artística como um “desvio” ideológico, uma
ameaça interna à crescente unificação ideológica proposta especialmente a partir de 1927, e
que deveria ser consequentemente entendida como duvidosa. Dessa forma, não surpreende
que após o fim da publicação Novyi Lef em 1929, pouco se observa em termos de utilização
de tal vocábulo por parte dos próprios construtivistas. Pelo contrário, observa-se tal ausência
no projeto de Mayakovsky e Brik que sucederia a Novyi Lef: um periódico artístico
denominado REF (Front Artístico Revolucionário) – o qual, entretanto, nunca concretizado447.
Não se deve entender, no entanto, que tais semelhanças atribuídas aos construtivistas
em relação às oposições políticas esquerdistas da década de 20 como provas da existência de
alianças reais entre artistas desta orientação e os principais participantes de tal bloco. Entre os
construtivistas e os demais artistas que podem ser incluídos na esquerda artística soviética,
ainda que se observe uma espécie de sectarismo motivado pela ameaça de orientações
concorrentes por uma mesma chancela ideológica – uma que por definição excluiria outras –
não há indícios que sustentem mesmo a menor forma de formação de blocos de apoio ou
lobby políticos declarados durante os primeiros anos que seguiram os primeiros acidentes
vasculares cerebrais de Lenin, como a produção de obras politicamente carregadas realizadas
espontaneamente ou a redação de artigos e manifestos de apoio a alguma das partes.
Entretanto, tal como em 1917 os pontos programáticos da produção construtivista utilitarista
pareciam partilhar afinidades com a ideologia revolucionária, durante estes primeiros anos da
década de 1920 estes artistas pareciam partilhar afinidade em relação às proposições de
Trotsky, enquanto parecem ainda mais nítidas as afinidades entre a proposta realista e o
discurso stalinista de consolidação – ainda que no último caso, especialmente após 1928, o
alinhamento entre tais partes tenha se tornado nítido e de difícil contestação.
Grupos proponentes de outras diretrizes artísticas, como a AKhR e a RAPP, não
sofreram semelhante vilipêndio por consequência do facciosismo observado durante a década
de 1920, na medida em que previamente não haviam sido nitidamente qualificados de tal
maneira. A AKhR, devido a sua proposta predominantemente não-alinhada vagamente
voltada à “glorificação da Revolução”, se beneficiaria de certa proteção diante das
repercussões negativas de tais confrontos políticos no âmbito artístico-cultural. As
organizações literárias como a RAPP/VAPP, por sua vez, poderiam a princípio ser
447
LAWTON, 1988, p.47-48.
240
448
FOX, 1992, p. 1062.
449
MALLY, 1990, p.231.
450
Ibid., p.230-231.
241
seus escritos como agentes a serviço da causa revolucionária, e mesmo quando demonstram
em seus pontos programáticos as características formais e temáticas de suas propostas
artísticas, o fazem sem alusão a interpretações ideológicas e posicionamentos políticos fora do
âmbito artístico.
451
O Círculo Linguístico de Moscou (Moskovskii Lingvisticheskii Kruzhok) foi fundado por estudantes de
história e filologia da Universidade de Moscou em 1915, e operara até 1924. Entre seus membros pode-se
mencionar Roman Jakobson como o membro de maior interação com a produção futurista e construtivista; Cf.
GOUGH, 2005, p.25. Sergey Bobrov, por sua vez, associara-se brevemente a um dos segmentos do futurismo
russo, o grupo Centrifuga, formado em 1913 e desfeito em 1917. Cf. MARKOV, 2006, p. 230.
452
A Opoyaz foi fundada em 1916, e dissolvida em 1930. Sediada em São Petersburgo, esta associação operou
paralelamente ao Círculo Linguístico de Moscou, e dentre seus membros pode-se mencionar Osip Brik e Viktor
Shklovsky como aqueles de maior interação com a produção futurista e construtivista; Cf. GOUGH, op.cit., p.25.
453
JAKOBSON, 2007, p.65.
454
MARKOV, p.383.
242
No contexto pós-1928, por outro lado, tal categoria adquiriria uma conotação mais
ampla, na qual as reflexões literárias de tais grupos seria apenas um exemplo. Esta adjetivação
seria atribuída àqueles indivíduos que demonstrassem em suas interpretações culturais e
formulações artísticas uma preocupação excessiva com questões de ordem formal,
consequentemente relegando a segundo plano considerações relacionadas ao conteúdo
veiculado pela sua produção artística. Na medida em que o direcionamento artístico soviético
caminhava em direção do objetivo de se produzir uma arte primariamente voltada para a
veiculação de um conteúdo socialista simples e direto, na qual considerações relacionadas ao
teor político e capacidade de mobilização social do conteúdo da obra adquiririam primazia
sobre aspectos formais, observa-se justamente o vilipêndio da produção que priorizasse
questões de ordem formal, entendidas como 1) de difícil entendimento popular, e
consequentemente pouco capaz de causar o efeito desejado; 2) de difícil regulamentação e
controle por parte de órgãos de supervisão da produção artística, haja visto que tais órgãos
não eram predominantemente compostos por artistas profissionais, e 3) indício de alienação
ideológica e simpatia internacionalista, resultando em acusações de Trotskismo ou de maiores
inclinações contrarrevolucionárias. Ilustraria esse posicionamento o jornalista soviético Osip
Beskin em 1930, ao afirmar que “formalismo em qualquer área artística, especialmente na
pintura, é agora a principal forma através da qual se exerce influência burguesa”455.
455
BOWN, 1991, p.119.
243
Assim como os limites entre ciência e arte precisavam ser redefinidos e, ao fim,
fundidos para a fruição das ambições construtivistas, semelhante processo de amalgamação
era requerido entre a produção artística e o desenvolvimento de objetos voltados para o uso
social e cotidiano. Neste quesito também se observa durante o período aqui contemplado um
distanciamento, ao invés de aproximação, entre as duas modalidades de produção. Como há
de se ver durante os últimos anos de existência do Vkhutemas/Vkhutein, os últimos anos da
década de 20, tal período presenciaria uma revitalização da noção de arte enquanto
modalidade de produção essencialmente estética e dissociada de considerações utilitárias,
pautada sobre os cânones representativos da arte pré-revolucionária – em especial na arte
realista e engajada dos Andarilhos – e na prioridade conferida pela liderança partidária à
satisfação dos gostos demonstrados pela população soviética durante a NEP.
456
O Vkhutemas chegou a conferir diplomas de artista-engenheiros, porém posteriormente os portadores de tais
diplomas encontraram dificuldades em fazer valer estes diplomas, preteridos por aqueles advindos de cursos
especializados nas áreas que tais artistas-construtores também pressupunham exercer.
244
de classe de seus autores, como da nítida associação entre esta produção e aquela dos países
capitalistas.
457
CLARK, Katerina. The “Quiet Revolution” in Soviet Intellectual Life, in: FITZPATRICK, Sheila et al.
(orgs.), Russia in the Era of NEP: Explorations in Soviet Society and Culture. Bloomington: Indiana
University Press, 1991, p. 211.
246
(...) em sua mais moderada passagem, citava a resolução de 1925, porém adiante
declarava guerra a quaisquer ‘recuos à posições classistas, ecletismo, ou atitude
benevolente em relação a uma ideologia alheia’. A resolução declarava que a
literatura, o teatro, o cinema, a pintura, a música e o rádio deviam ativamente
participar ‘no embate (...) contra a ideologia burguesa e pequeno-burguesa, contra a
vodka e a vulgaridade,’ bem como contra ‘o renascimento da ideologia burguesa sob
459
novos termos e contra a imitação servil da cultura burguesa .
458
FITZPATRICK, 1992, p.112
459
HELLER e NEKRICH, 1992, p. 269.
247
Esta resolução pode ser entendida como um dos principais marcos que representariam
no campo cultural aquilo que no campo político soviético seria denominado pelo próprio
Stalin em 1929 como uma “Grande Transformação”460, a inauguração de um radical
redirecionamento revolucionário que visava produzir através dos esforços planificadores do
Estado e do ardor revolucionário do proletariado um período de prosperidade e progresso sem
precedentes, tendo como prioridades a equiparação e superação do potencial industrial do
Ocidente, a ser alcançada através de uma política de industrialização acelerada, centralização
de prerrogativas políticas antes difusas entre múltiplos comissariados e comissões paralelas,
coletivização do campo e afastamento internacional.
Esta apresentação do período aqui discutido pelo próprio líder da URSS é reveladora
em muitos aspectos relevantes para a discussão a ser empreendida. Em primeiro lugar, como
já se mencionou, observa-se pela estruturação e conteúdo do texto que aquilo que define esta
grande transformação é a diferente perspectiva econômica e a intensidade com a qual este
460
O texto integral do discurso de Stalin traduzido para o inglês pode ser encontrado em
http://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1929/11/03.htm (acessado em 02/01/2014)
461
FITZPATRICK, Sheila. Cultural Revolution in Russia 1928-1932, in: Journal of Contemporary History,
vol.9, no 1 (Janeiro, 1974), p.37.
248
novo direcionamento seria promovido. Da mesma maneira é também aparente que esta grande
transformação seria um período durante o qual o Partido perseguiria seus objetivos de forma
mais unificada, após os expurgos dos instigadores da esquerda e direita, resultando na
centralização da força revolucionária.
462
JAKOBSON, 2007.
249
(...) os que perderam [com a morte de Mayakovsky em 1930] são a nossa geração.
Aqueles que têm, hoje, entre 30 e 45 anos de idade, aproximadamente. Aqueles que
chegaram aos anos da revolução já formados; que, mesmo não sendo barro amorfo,
ainda não estavam solidificados, ainda eram capazes de sentir e de se transformar,
ainda eram capazes de ver o momento não como alguma coisa de estático, mas
463
como oportunidade para reiniciar a formação
463
JAKOBSON, p. 10.
464
TIMASHEFF, Nicholas. The Great Retreat: The Growth and Decline of Communism in Russia. Nova
York: E. P. Dutton & Company, 1946.
250
De forma ampla, o que se observa entre 1926 e 1932 é em certa parte uma crescente
radicalização do confronto entre os proponentes de diferentes orientações artísticas e
literárias no âmbito soviético, sobre bases e tendências que precederam a Resolução de 1928.
Em consequência de tal radicalização também se observa a intensificação da tendência
previamente observável, relativa à preferência da orientação artística realista em detrimento
das propostas mais utilitárias e experimentais dos construtivistas. Esta radicalização
significou, portanto, maior contração na esfera de ação daqueles cuja produção não podia ser
propriamente arregimentada pela nova linha revolucionária, preteridos diante do crescente
grupo de artistas e escritores cuja produção servia a função de mobilização social desejada
pelo partido através da ênfase dada ao conteúdo revolucionário, veiculado de forma simples e
clara.
465
GOUGH, 2005, p.68.
251
Para muitos artistas, este não pode ter sido uma situação confortável, na medida em
que a AKhRR era claramente a organização favorecida pelo estado. As vantagens de
tamanho e financiamento foram intensificadas em 1928 pela importante visita de
Stalin, bem como pelo novo status, conferido pelo partido, de organização nacional,
o que a permitia estabelecer filiais por toda a União Soviética. Neste período a
466
situação profissional dos vanguardistas era certamente desconfortável .
466
BOWN, 1991, p.61.
467
FITZPATRICK, 1992, p.113.
468
Cf. MARKOV, 2006, p. 316; BOWN, 1991, p.27
252
cooptação popular a este novo entendimento artístico; ainda que seja nítido que no interior do
Narkompros, bem como das oportunidades de publicação oferecidas à vanguarda um esforço
de cooptação nesse sentido, em sua grande parte os demais órgãos da estrutura estatal
soviética permaneceram indiferentes ou avessos à promoção de tais diretrizes artísticas. Haja
visto que o direcionamento estatal no âmbito cultural a partir de 1921 fora especialmente
pautado por considerações relativas ao gosto público, a falta de sucesso de tais artistas
convencer a população acerca da validade de suas propostas é um dos principais fatores que
permite entender a decisão estatal em primeiramente limitar e, posteriormente, reverter tais
medidas – e ao fazê-lo, voltar-se gradualmente à produção de grupos que satisfizessem este
requisito.
469
EVGENOV, S. Uncivil War: Gladkov & The Smithy vs. RAPP. Account of an underhanded attempt by the
Russian Association of Proletarian Writers in 1925 to subvert Party policy and legislate all rival literary
organizations out of existence, p.7
253
Durante seus últimos cinco anos de existência, o Vkhutemas fora dirigido pelo
sociólogo e arquiteto Pavel Novitsky. De acordo com Miguel, seria o reitor um dos principais
articuladores da segregação formal das esferas de ensino do Vkhutemas – a qual culminaria
na renomeação da instituição em 1928 para Vkhutein470. Durante sua gestão, Novitsky parece
ter mantido em mente o propósito técnico da instituição, tendo afirmado em 1927 que “até
recentemente, a despeito de seu nome (...) o Vkhutemas conferiu demasiada atenção à arte
‘pura’, especialmente à pintura”471. Segundo Lodder, a gestão de Novitsky fora aquela que
presenciou tal segregação, porém recorrentemente se observa a preocupação do reitor voltada
primariamente ao aspecto aplicado e prático da instituição, tendo por outro lado encontrado
dificuldades semelhantes àquelas encontradas pela vanguarda durante o período da Guerra
Civil – entre outras, a de convencer candidatos à vagas no instituto a respeito da metodologia
e da importância de certos cursos, tentando evitar a excessiva gravitação de tais alunos aos
cursos de teor puramente artístico em um momento em que se esperava acentuar o aspecto
técnico e industrial da instituição.
470
LODDER, 1983, p.114
471
Ibid., p.122.
472
Vkhutein (Vyshii KHudozhestvenno-Tekhnicheskii Institut): Instituto Superior Artístico-Técnico.
254
cabo esta reforma por completo, esbarrando nas deliberações de órgãos superiores que
pareciam resguardar e valorizar o aspecto artístico da instituição – em detrimento da esfera
valorizada pelo próprio reitor. A existência e o direcionamento destas interferências podem
ser exemplificadas na deliberação do presidente do Glavprofobr em 1927:
N.I. Chelyapov, presidente do Glavprofobr, indica que essa reorganização tem por
objetivo evitar a sobrecarga dos decanatos, simplificar e reduzir o custo de
funcionamento das faculdades, adaptá-las melhor à realidade. O Glavprofobr estima
que a divisão das faculdades apresentada pela direção do Vkhutemas perpetua o
aspecto por demais abstrato e formal do ensino sem trazer nenhuma precisão
suplementar quanto à natureza e o conteúdo dos cursos: acredita também que as
faculdades do Vkhutemas, em sua organização atual, não oferecem a imagem do
bom desenvolvimento de um VUZ artístico (estabelecimento escolar superior); uma
parte das faculdades funciona segundo o princípio artístico, enquanto uma outra
parte funciona segundo o princípio industrial. É por esses motivos que o
Glavprofobr propõe a fusão das faculdades de produção com tendência industrial
473
com as faculdades artísticas, sob a direção destas últimas.
473
apud. MIGUEL, 2006, p. 108-109.
474
MIGUEL, 2006., p. A-101
255
479
BOWLT, 1988, p. 215
480
OST (Obshchestvo Khudozhnikov-stankovistov): Sociedade de Artistas de Cavalete, fundada em 1925.
481
Oktyabr: Outubro, fundado em 1928.
257
A OST, fundada em 1925, incluía David Shterenberg entre seus fundadores – um dos
apoiadores da vanguarda no Narkompros durante os anos anteriores – e demonstrava na
produção de seus participantes a intenção de desenvolvimento técnico e produção de pinturas
de qualidade e conteúdo contemporâneo, porém sem abrir mão de influências formais
vanguardistas. A própria fundação de uma sociedade de pintura de cavalete demonstra um
recuo em relação às propostas artísticas previamente defendidas pelos construtivistas e
previamente apoiadas por Shterenberg, mas ainda assim tal sociedade se entendia como rival
dos realistas da AKhRR, os quais acusavam de pobreza técnica e “andarilhismo”482, propondo
por sua vez em seu manifesto de 1929 promover “absoluta maestria técnica no campo da
pintura temática de cavalete, desenho e escultura na medida em que os avanços formais dos
últimos anos continuam a ser desenvolvidos”, assim como “contemporaneidade
revolucionária e clareza de conteúdo”483.
482
BOWLT, 1988, p.281.
483
Ibid., p.281.
484
BOWN, 1991, p.57.
258
surpreendente, portanto, que tal grupo só tenha realizado quatro exposições, sendo a última
destas em 1928, antes de serem formalmente dissolvidos em 1931485.
O grupo Oktyabr, por sua vez, teria uma composição mais ampla e numerosa, mas
também mais heterogênea do que a OST, tanto em relação às orientações artísticas prévias de
seus participantes quanto em relação aos campos de produção artística nos quais tais artistas
pretendiam se inserir. Dentre os artistas que compuseram este grupo, fundado em 1928,
observa-se nomes claramente vinculados à produção construtivista, como Rodchenko, Klutsis,
Lissitzky, Stepanova, Gan, Aleksandr e Viktor Vesnin, e mesmo Eisenstein; porém, no rol de
membros também pode-se observar artistas conhecidos por suas produções alheias às teorias
construtivistas, como o célebre ilustrador de pôsteres Dimitri Moor, o pintor Aleksandr
Deineka e Pavel Novitsky. Mais significativo do que a OST, portanto, fora o esforço
parcialmente conciliador do Otkyabr, na medida em que buscara novamente legitimar a
participação do artista em projetos e produção utilitárias, seguindo a mesma “bipolaridade”
que havia se tornado característica do Vkhutein a partir de 1928, na qual a produção artística e
industrial não seriam mutuamente excludentes, mas complementares para o ofício artístico.
Em sua declaração fundadora de 1928 pode-se observar diversas formulações conciliatórias,
que permitem melhor delinear as propostas deste grupo:
Aos artistas que estão cientes destes princípios, aguardam as seguintes tarefas
imediatas:
485
BOWLT, 1988, p. 279.
259
Ao avançar nesses caminhos, a arte proletária deixa para trás o slogan de seu
período transitório – “Arte para as Massas” – e prepara o terreno para a arte
das massas.
486
BOWLT, 1988, p. 274-279.
260
revolucionárias vindas de cima, porém também traços que nos permitem observar
discrepâncias entre tais expectativas estatais e os alicerces teóricos propostos pelo grupo.
Por outro lado, parecem mais numerosos e relevantes os traços da plataforma acima
reproduzida que contrastam com o contexto artístico até então delineado na presente
discussão. Observa-se, por exemplo, a reiteração da importância de questões formais, bem
como a valorização das experimentações formais dos últimos anos, como observamos
também no caso da OST. Complementar à ênfase formal observa-se a intenção utilitária ainda
presente em tal manifesto: ainda que parcialmente justificada pela intenção de servir a
revolução de acordo com as diretrizes partidárias, tal grupo reafirma a intenção de operar fora
da jurisdição artística, propondo-se a participar nas áreas de design de objetos e espaços e em
geral propondo uma multidisciplinaridade que, no contexto de crescente demanda por
especialização que foi o pós-28 soviético, assemelhava-se mais a diletantismo do que a uma
abordagem holística do ofício artístico.
Por último, os dois traços de maior relevância para a observação de tal discrepância
entre os pontos programáticos enunciados neste manifesto e as exigências estatais no campo
artístico são a ausência da discussão relativa ao conteúdo da produção artística, bem como a
261
O próprio manifesto carrega consigo uma crítica destes artistas à produção da AKhR,
implicitamente considerada ultrapassada na passagem “a arte proletária deixa para trás o
slogan de seu período transitório – “Arte para as Massas” – e prepara o terreno para a arte das
massas”, fazendo referência à citação de Lenin apropriada pelo grupo. Tal crítica ainda ecoa
em outras passagens, nas quais o grupo dá a entender que são tais artistas aqueles que
262
alcançaram uma “posição artificial de privilégio (moral e material)” sobre os demais grupos e
orientações artísticas, na medida em que era a AKhR que, no campo da produção artística,
reivindicava o “monopólio ou exclusividade de representação dos interesses artísticos das
massas trabalhadoras e camponesas”.
Por outro lado, se o Oktyabr parece em seu manifesto relutante a aceitar a crescente
intenção centralizadora demonstrada pelo partido, os grupos AKhR e RAPP demonstrariam
maior afinidade a tal exigência, evidenciada na formação da RAPKh em 1931487. Tal grupo
não apenas consolidou a AKhR à OKhS488, uma organização de menor, porém também
crescente expressão, mas efetivamente a alinhou à RAPP, como indica a semelhança de seus
acrônimos e a adoção do qualificativo “proletário”, previamente ausente da autodenominação
do grupo. Como demonstra Bown, a RAPKh teceria críticas semelhantes à sua contraparte
literária contra a produção vanguardista da qual o grupo Oktyabr parecia ser o último
representante, e alcançaria entre 1931 e 1932 hegemonia quase indiscutível no campo de
produção pictórica, resultando na cooptação inclusive de membros do próprio grupo Oktyabr:
A RAPKH propagava o ideal específico de uma arte proletária que rejeitava tanto o
entusiasmo tecnológico do [grupo] Outubro quanto a ênfase dada à pintura de
cavalete que ainda não havia sido expurgada da AKhR. Ela se concentrava na
pintura de murais figurativos (em acordo com o plano de Lenin para propaganda
monumental) executados por brigadas de artistas – um método alicerçado pela
crença no valor do trabalho coletivo.
487
RAPKh (Rossiyskaya Assotsiatsiya Proletarskikh Khudozhnikov): Associação Russa de Artistas Proletários.
488
OKhS (Obshchestvo Khudozhnikov samouchek): Sociedade de Artistas autodidatas.
489
BOWN, 1991, p.68.
263
Para além destes grupos, pode-se observar esforços semelhantes de adequação entre
outros artistas anteriormente vinculados à vanguarda. Tal esforço conciliatório se observa
especialmente entre aqueles artistas que, a despeito de suas propostas utilitaristas,
demonstraram menor interesse em transpor os limites da produção artística em prol de sua
integração industrial. Tais artistas voltaram a produzir primariamente pinturas de cavalete,
porém não adotaram completamente a abordagem realista, encontrando na verdade uma
espécie de meio termo em suas novas produções, não mais abstratas, mas também
formalmente menos conservadoras do que aquela de seus pares. Pode-se observar na produção
de Malevich, por exemplo, um dos fundadores da noção de pintura não-objetiva na Rússia e
fundador do Suprematismo, um nítido retorno à produção pictórica representativa, em obras
como a série Camponeses (1928-32), gradualmente intensificando o realismo de suas
produções culminando em obras como os retratos de sua esposa (1934) e Nikolai Punin
(1933), os quais demonstram um grau de detalhe que não se observa em sua produção
posterior a 1911. Dentre outros artistas que se enquadraram em tal tendência, produzindo
obras mais condizentes com o novo direcionamento adotado pela liderança partidária, pode-se
também mencionar Natan Altman, Ivan Klyun, David Shterenberg, Nadezhda Udaltsova e
Aleksandr Drevin.
Enfim, a despeito da relativa variedade que se observa nos caminhos perseguidos por
tais artistas diante do crescente estreitamento do escopo de produção artística entre 1925 e
1932, observa-se como generalizado o esforço conciliatório predominantemente forçado dos
mesmos, seja na aceitação de tais parâmetros ou na migração para campos produtivos afins.
Dentre todos esses exemplos, entretanto, seria a trajetória de Mayakovsky que mais chocaria o
público da União Soviética, adquirindo depois de 1930 proporções inigualáveis se
comparadas a quaisquer outros artistas construtivistas.
Como se observa nas reflexões promovidas por Jakobson em seu ensaio retrospectivo,
a morte de Mayakovsky é vista primeiramente como emblemática da encruzilhada enfrentada
por todos os vanguardistas acima discutidos, assim como do conflito interno enfrentado pela
maioria – ou até pela totalidade – destes artistas, confrontados com a exigência de submissão
a diretrizes estatais basicamente opostas àquelas que propunham. Em 1930 ele se associou à
RAPP, que a esta altura alcançara dimensões quase hegemônicas no contexto soviético,
porém proponente de uma orientação literária completamente contrária àquela defendida por
Mayakovsky e seus colegas até então. Dois meses depois, suicidou-se, deixando nenhuma
explicação, pedindo apenas que “não atribuam a ninguém a responsabilidade pela minha
morte, e, por favor, não fofoquem (...). Camaradas da RAPP, não me acusem de falta de
caráter. Em toda seriedade, não há nada a ser feito. Adeus” 493.
490
MARKOV, 2006, p.316.
491
JAKOBSON, 2007, p. 77.
492
Ibid., p.11-12.
493
LAWTON, 1988, p.48.
266
O vilipêndio de Mayakovsky imediatamente após a sua morte, bem como sua eventual
reabilitação aqui introduzem a discussão da Resolução de 1932495, a qual formalizou o
controle estatal sobre a produção artístico-literária, resultando no fim do construtivismo
enquanto manifestação artística independente, e na subsequente concessão de monopólio da
produção artística ao que se denominaria em 1934 Socialismo Realista.
Como solução para esta situação tal decreto determina “a união de todos os escritores
que apoiam a plataforma do poder soviético e que se desejam participar na construção
socialista em uma única União [soyuz] de Escritores Soviéticos”, a qual seria parte integrante
da estrutura estatal e centralizaria toda a produção literária soviética, bem como a “execução
de mudanças análogas nas políticas referentes a outras modalidades artísticas”, sob a direção
do Orgburo. Ainda que a nível nacional as diretrizes delineadas por essa resolução seriam
realizadas apenas alguns anos depois, permitindo em certas partes da URSS algumas
494
MARKOV, 2006, p.316.
495
A resolução pode ser encontrada na íntegra em BOWLT, 1988, p.288-290.
496
Ibid., p.289.
267
manifestações artísticas ainda contrastantes com essa determinação, já em 1932 seria formada
em Moscou a MOSSKh, que seria a Seção de Moscou da União de Artistas a ser criada pelo
Orgburo497.
Em primeiro lugar, significa que nós precisamos conhecer a vida de modo a retratá-
la verdadeiramente em nossas obras de arte – ao invés de retratá-la academicamente,
sem vitalidade, ou meramente enquanto uma “realidade objetiva”; nós precisamos
retratar a realidade em seu desenvolvimento revolucionário.
497
BOWN, 1991, p.86-88.
498
BOWLT, 1988, p.291.
499
Ibid., p.291.
500
Andrey Zhdanov fora nomeado líder da seção de Leningrado do Partido Comunista poucos meses após o
discurso aqui reproduzido, de modo a substituir Sergey Kirov, assassinado em dezembro de 1934. Seria o mesmo
Zhdanov a figura central do período de intensa vigilância e repressão no campo cultural que seria denominado
Zhdanovshchina. Cf. BOWN, op.cit., p.204-207.
268
Ser um engenheiro de almas humanas significa plantar ambos os pés ao chão da vida
real. E isso, por sua vez, indica um rompimento com o antigo romantismo que
retratava uma vida inexistente a partir de heróis inexistentes e que carregava o leitor
para longe das contradições e da opressão da vida, em direção a um mundo irreal,
um mundo de utopias. Romantismo não pode ser alheio à nossa literatura, a qual se
apoia com ambos os pés sobre o firme alicerce do materialismo; porém é necessário
um novo tipo de romantismo, um romantismo revolucionário.
A literatura soviética precisa ser capaz de nos mostrar os nossos heróis, precisar ser
capaz de vislumbrar o nosso amanhã. Este não será uma utopia, pois o nosso amanhã
está sendo preparado hoje através de nossos esforços sistemáticos e conscientes...
Criem obras com alto grau de habilidade, e com elevado conteúdo artístico e
501
ideológico!
501
BOWLT, 1988, p.293-294.
269
1938, bem o demonstra: uma estação que exemplifica em sua arquitetura o que se entenderia
por “neoclássico stalinista”502, mas que no topo de cada uma de suas abóbodas contém
mosaicos realistas de temas que fazem alusão à modernidade e ao progresso soviético –
acompanhadas, é claro, pela foice e martelo, bem como pela estrela que viria também a
simbolizar a revolução [em um só país] – em uma hibridização desmemoriada que seria, até
certo ponto, característica da produção artística da década de 1930.
502
BOWN, 1991, p.73-77.
270
Esta estação e outras que seriam construídas durante a década de 1930 bem
simbolizam os critérios que norteariam a produção artística soviética até a morte de Stalin em
1953. Um “templo para as massas” um dia me disse uma russa, cujas características formais
seguem amplamente os parâmetros observados em muitas das demais construções
arquitetônicas presentes no cenário urbano, de modo a não causar estranhamento, e sim
admiração, aos transeuntes; uma estação de alusões simples e diretas, predominantemente
voltadas para indivíduos ou grupos (como as estações Komsomolskaya, de 1935, ou
Mayakovskaya e Gorkovskaya, de 1938) ou lugares (como Kievskaya, Kurskaya ou Ploshchad
Revolyutsii)503. Em tais estações, o conteúdo disposto é claro, direto e propriamente em
acordo com as diretrizes reproduzidas por Zhdanov.
No extremo oposto deste espectro combativo e resoluto que Mayakovsky partilhara com
tantos de seus colegas pode-se observar a estação Ploshchad Revolyutsii – ou “Praça da
Revolução”. Suas estátuas representam todos os arquétipos sociais que compunham o
proletariado, como aviadores, camponesas, soldados, trabalhadores fabris, milicianos, leitoras,
marinheiros, banhistas, idosos, crianças etc.; alguns destes são inclusive acompanhados por
504
MARKOV, 2006, p.316.
505
Descrição da primeira impressão que Davi Burliuk teve de Mayakovsky ao conhecê-lo pela primeira vez,
apud. MARKOV, 2006, p.32.
272
Enquanto acessórios, todas as estátuas são feitas do mesmo material (bronze). São
todas de dimensões semelhantes, de modo a caberem nos nichos uniformes que compõem os
arcos desta estação perfeitamente simétrica – como as demais mencionadas, construídas
durante esse período. Em sua composição, estas estátuas se assemelham em todos os aspectos,
exceto em seu conteúdo político, às esculturas em bronze do século XIX, podendo em muitos
274
Em suma, esta contraposição é apenas uma das diversas possíveis comparações que
permitem ilustrar o abismo que gradualmente se formara entre as propostas artísticas do
construtivismo e o direcionamento revolucionário ditado pela liderança do Partido Comunista
da União Soviética. Para este, o artista era um especialista à sua própria maneira, e tal como
os demais, esperava-se dele que utilizasse seus conhecimentos na sua esfera de ação
específica, sob a liderança e supervisão estatal, para garantir que os planos organizados e
impostos de cima fossem bem sucedidos em alcançar todas as suas expectativas. Diante desta
demanda, os construtivistas em geral se apresentariam como candidatos problemáticos por
demonstrarem dois traços que contrastavam essencialmente com as expectativas estatais: 1)
não viam o artista apenas como um especialista que deveria se verticalizar em seu campo, mas
sim um indivíduo que poderia contribuir para avanços em outros campos – nos quais, como
vimos, ele não era especializado; e 2) não demonstravam o desejado grau de aceitação da
hierarquia estatal desejada pelo Partido.
506
DOUGLAS, 1987, p. 263-264.
275
Conclusão
imposição de suas diretrizes sobre as demais, não como um reflexo vingativo oriundo de sua
marginalização antes de 1917, mas por considerarem que a grande maioria dos artistas em
atividade eram em maior ou menor grau comprometidos com a prévia configuração do campo
artístico, tornando-os contrarrevolucionários.
Não se trata aqui de uma conspiração; não se presume afirmar aqui a existência de um
plano geral de dominação construtivista no âmbito estatal, não somente porque o
construtivismo não dispunha de adeptos suficientes para tal empreitada, mas pura e
simplesmente porque não há qualquer indicio de organização que envolvesse a maioria ou
totalidade destes artistas antes de 1921 – organização esta que seria necessária para qualquer
empreendimento deste escopo. Observamos, pelo contrário, que tais artistas visaram a
formação de vínculos organizacionais mais nítidos e uma formalização programática em
1921, quando estavam sendo excluídos de tal estrutura administrativa, e como um reflexo
defensivo diante de um processo de marginalização que adotaria dimensões especialmente
opressoras após 1928. Afirma-se, no entanto, que na execução de suas prerrogativas
administrativas estes artistas de forma recorrente buscaram favorecer as representações de
suas propostas por as considerarem o caminho para a revolução artística que buscavam
promover.
No entanto, se tornaria cada vez mais claro que o papel de liderança que estes artistas
procuraram exercer durante os primeiros anos da guerra civil não decorrera de uma
consensual delegação desta autoridade a tais artistas por parte da liderança partidária
soviética. Pelo contrário, era esperado que a despeito das orientações artísticas que
defendessem, quaisquer artistas que integrassem o Narkompros respondessem à autoridade do
comissário Lunacharsky, e as recorrentes transgressões cometidas por estes artistas em
relação à postura conciliatória de Lunacharsky resultariam em crescentes críticas ao
comissário, responsabilizado por tal insubordinação. No entanto, pelo decorrer da guerra civil,
a postura vanguardista adotada por tais artistas foi tolerada devido a questões que
demandavam atenção prioritária, e não ativamente encorajada por qualquer membro do mais
alto escalão do partido.
Os acontecimentos pós-1921 demonstrariam os diversos fatores que contribuíram para
os reveses enfrentados pelos construtivistas. Alguns, como a negativa recepção de suas
produções por parte da maioria de seus espectadores da produção construtivista, precedem o
fim da guerra civil; outros, como as dificuldades de ordem técnica enfrentadas por estes
artistas em suas iniciativas industriais, se tornariam evidentes durante o período que a
sucedeu.
277
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286
ANEXO
287
IV. Pintores
V. Compositores
VI. Atores
Komissarzhevskaya Mochalov
291
2. Parte deste crescimento cultural maciço está presente na literatura: proletária e camponesa
em um primeiro momento, iniciada com suas formas embrionárias, as quais ao mesmo tempo
são incrivelmente amplas em seu escopo, e resultando em produção artístico-literária
ideologicamente fundamentada.
4. Portanto, haja visto que a luta de classes não cessou de forma geral entre nós, também não
cessou no front literário. Em uma sociedade de classes não há e não pode haver uma arte
neutra, ainda que manifestações de classe na arte em geral e na literatura em particular são
infinitamente mais variadas do que, por exemplo, manifestações de classe na política
5. No entanto, seria errôneo ignorar o mais básico fato de nossa vida social, basicamente a
conquista do poder por parte da classe trabalhadora e a existência de uma ditadura do
proletariado em nosso país. Enquanto antes da tomada de poder o partido proletário tenha
intensificado a luta de classes e empregado uma política voltada à destruição dessa sociedade
como um todo, durante o período de vigência desta ditadura do proletariado o partido do
proletariado se confronta com a questão de como coexistir com o campesinato enquanto
lentamente o transforma; com a questão de como promover certa cooperação com a burguesia
292
Desse modo, ainda que a luta de classes não tenha cessado, a maneira através da qual ela
ocorre mudara, porque o objetivo do proletariado era um antes da tomada de poder, e agora é
outro, em termos teóricos. No lugar de uma meta destrutiva, há agora uma meta de construção
positiva para a qual – sob a liderança do proletariado – uma camada cada vez mais abrangente
e diversa da sociedade deve contribuir.
7. É necessário lembrar, entretanto, que este problema é infinitamente mais complexo do que
os demais problemas solucionados pelo proletariado, pois sob os constrangimentos impostos
pela sociedade capitalista a classe trabalhadora pode se preparar para uma revolução vitoriosa,
criando quadros de combatentes e líderes e desenvolvendo uma magnífica arma ideológica a
serviço da luta política. A classe trabalhadora, no entanto, não pode se aventurar por questões
relativas às ciências naturais ou à tecnologia; e também, do mesmo modo, a classe
culturalmente reprimida não pode desenvolver sua própria literatura artística, sua própria
forma artística, seu próprio estilo.. Enquanto o proletariado já tem em suas mãos os critérios
infalíveis para guiar o conteúdo de qualquer obra literária, ele ainda não possui respostas
definitivas para todas as questões relativas à forma artística.
8. O que foi afirmado acima deve determiner a política do partido que lidera o proletariado na
esfera artístico-literária. Neste aspecto, acima de tudo, devemos considerar as seguintes
questões: a relação entre os escritores camponeses e proletários e aqueles denominados
“companheiros de viagem” e outros; a política do partido em relação aos escritores proletários
em si; questões de crítica; questões sobre o estilo e a forma das obras e os métodos através
dos quais novas formas artísticas podem ser desenvolvidas; e, finalmente, questões de ordem
organizacional.
11. Quando lidar com escritores proletários, o Partido deve assumer o seguinte
posicionamento: enquanto auxilia o seu desenvolvimento de todas as formas possíveis e
tomando todas as medidas possíveis para apoiá-los, o Partido deve fazer tudo que puder para
evitar a emergência de uma arrogância comunista entre eles, um fenômeno de grande
perniciosidade. O Partido – precisamente porque vê nesses escritores proletários os futuros
líderes ideológicos da literatura soviética – deve lutar de todas as maneiras contra uma postura
ligeira e rancorosa diante da velha herança cultural, assim como aos especialistas da palavra
artística. Contra o entreguismo, de um lado, e contra a arrogância comunista do outro – esta
deve ser o slogan do Partido. O Partido deve cambém combater quaisquer tentativas de se
estabelecer uma literatura proletária alieanada. Entendimento de fenômenos em toda a sua
complexidade; não apenas limitado aos confins da fábrica; que seja não apenas uma literatura
da oficina, mas de uma grande classe combativa, liderando milhões de camponeses – tal deve
ser o escopo de conteúdo da literatura proletária.
12. Tudo que foi mencionado acima determina – em geral e em particular – as tarefas diante
da crítica, que é uma das principais ferramentas educacionais nas mãos do Partido. Sem fazer
294
qualquer concessão, mesmo por um minuto, relativo à postura comunista, sem recuar de
forma alguma da ideologia proletária, desvendando objetivamente o aspecto classista de
diversas obras literárias, a crítica comunista deve combater impiedosamente as manifestações
contrarrevolucionárias na literatura e expor expose "Change-of-Landmark" liberalism etc.,
enquanto simultaneamente demonstrar o maior tato, cautela e tolerância a todos os grupos
literários que podem ou pretendem se unir ao proletariado. A crítica comunista deve extinguir
o tom de comando de sua abordagem. Apenas assim esta crítica terá uma importância
educacional profunda, quando for guiada por sua própria superioridade ideológica. A crítica
marxista deve peremptoriamente extinguir de seu meio qualquer forma de arrogância
comunista, pretensiosa, semialfabetizada e vaidosa. A crítica marxista deve adotar “aprender”
como seu slogan e rechaçar qualquer forma de charlatanismo ou improviso em seu próprio
meio.
14. Portanto, o Partido precisa se declarer a favor da livre competição entre as diversas
tendências e os diversos grupos nesta área de atividade. Qualquer outra solução oferecida a
esqta questão seria uma pseudo-solução, burocrática e oficial. Da mesma forma, é
inadmissivel que se confira através de um decreto ou resolução partidária um monopólio
legalmente justificado sobre a publicação literária a qualquer grupo ou organização literária
específica. Enquanto oferece apoio moral e material à literatura proletária e proletária-
campesina e auxilia “companheiros de viagem” etc., o Partido não pode oferecer um
monopólio a qualquer grupo específico, mesmo àquele que se demonstre o mais proletário em
seu conteúdo ideológico. Fazê-lo significaria a destruição da literatura proletária em si.
15. O Partido precisa, de toda forma possível, eliminar quaisquer tentativas de interferência
administrativa incompetente e inconstante sobre assuntos literários. O Partido precisa se
295
Nós podemos concluir, portanto, que nosso Partido foi bem-sucedido em fazer bom
uso de nosso recuo durante os primeiros estágios da Nova Política Econômica de modo a, nos
estágios subsequentes, organizar a transformação e lançar uma ofensiva bem-sucedida contra
os elementos capitalistas.
“Nós estamos recuando no momento, voltando ao que era; mas estamos fazendo isso
para que, ao recuarmos, possamos posteriormente tomar impulso e promover um
grande salto à frente. Foi apenas sob essa condição que nós permitimos o retorno
que significa a Nova Política Econômica... Para que possamos dar início a um
avanço persistente após o nosso recuo” (Vol. XXVII, pp. 361-62).
Os resultados do ultimo ano demonstram para além de qualquer dúvida que em seus
esforços o Partido está executando com sucesso essa decisiva diretriz de Lenin.
***
I
Em relação à produtividade do trabalho
297
Não pode haver qualquer dúvida de que um dos mais importantes fatos relativos ao
nosso trabalho de construção durante o último ano foi o nosso sucesso em promover uma
mudança decisiva em relação à produtividade no trabalho. Esta mudança se demonstra no
crescimento da iniciativa criativa e no intenso entusiasmo presente no trabalho das vastas
massas da classe operária no front de construção socialista. Este foi a nossa principal
conquista durante o último ano.
“Em uma análise geral”, diz Lenin, “a produtividade de trabalho é o mais importante, o principal fator
para a vitória de um novo sistema social. O capitalismo promoveu níveis de produtividade de trabalho
desconhecidas durante o período de servidão. O capitalismo pode ser totalmente derrotado, e será totalmente
derrotado, quando o socialismo criar uma nova e muito superior produtividade de trabalho”. (Vol. XXIV, p.
342).
“Nós precisamos nos imbuir com entusiasmo pelo trabalho com o desejo por
trabalhar, com a persistência sobre a qual a rápida salvação dos trabalhadores e
camponeses. A salvação da economia nacional agora depende” (Vol. XXV, p. 477).
O último ano demonstrou que o Partido está executando esta tarefa com sucesso e de
forma resoluta está superando todos os obstáculos que a ele se interpõem.
298
Esta é a situação relativa à primeira grande conquista realizada pelo nosso Partido no
último ano.
II
Em relação à construção industrial
Esta foi a nossa segunda conquista fundamental realizada durante o último ano.
É mais desafiador porque sua solução exige investimentos colossais, e como a história
de países industrialmente subdesenvolvidos demonstrou, a indústria pesada não pode se
sustentar sem que se recorra a imensos empréstimos de longo prazo.
É mais importante porque, a não ser que desenvolvamos a indústria pesada, não
podemos desenvolver a indústria como um todo, não podemos nos industrializar.
E como nós não recebemos, nem vamos receber, empréstimos de longo prazo, a
agudez desse problema se torna a nós mais do que evidente.
É precisamente por esse motive que os capitalistas de todos os países nos recusam
empréstimos e crédito, pois presumem que não podemos através de nossos próprios esforços
lidar com o problema de acumulação, que estamos fadados a naufragar em nossa empreitava
em busca da reconstrução de nossa indústria pesada, e que nos veremos forçados a nos
submeter à eles, como escravos.
Após esta explanação, surpreende que as metas do plano quinquenal foram excedidas
durante o último ano, e que a mais ambiciosa versão do plano quinquenal, a qual o burguês
descreve como uma “louca fantasia”, e que causa horror aos oportunistas da direita (o grupo
de Bukharin), na verdade se mostrou ser a mais modesta versão?
“A salvação da Rússia”, diz Lenin, “jaz não apenas em boas colheitas nas fazendas
dos camponeses – isso não é o suficiente; e não apenas com uma indústria de bens
de consumo em bom estado, que ofereça ao campesinato o que consumir – isso,
também, não é suficiente; nós também precisamos de indústria pesada... A não ser
que salvemos a indústria pesada, a não ser que a recuperemos, nós não seremos
capazes de desenvolver qualquer forma de indústria; e sem ela nós estaremos
condenados totalmente enquanto um país independente... A indústria pesada
necessita de subsídios estatais. Se nós não os oferecermos, então estamos
condenados enquanto um estado civilizado – quem dirá enquanto um estado
socialista” (Vol. XXVII, p. 349).
O último ano demonstrou que o Partido está executando esta tarefa com sucesso e de
forma resoluta está superando todos os obstáculos que a ele se interpõem.
300
Isso não significa, é claro, que a indústria não se defrontará com outras sérias
dificuldades. A meta de desenvolver a indústria pesada não envolve apenas a questão de
acumulação. Envolve também o problema de seus quadros, o problema:
“Aquilo que mais nos faz falta”, diz Lenin, “é a cultura, a habilidade de
administração... Economicamente e politicamente, a NEP nos permite a
possibilidade de construir os alicerces de uma economia socialista. Resta ‘apenas’ a
iniciativa das forças culturais do proletariado e de sua vanguarda” (Vol. XXVII, p.
207).
Esta é a situação relativa à segunda grande conquista realizada pelo nosso Partido no
último ano.
III
Em relação ao desenvolvimento agrícola
301
Em 1928, a área total de cultivo de fazendas estatais era de 1.425.000 hectares com
uma produção de grãos para comercialização de mais de 6.000.000 tsentnerov (mais de
36.000.000 pudov), e a área total de cultivo de fazendas coletivas era de 1.390.000 hectares
com uma produção de grãos para comercialização de aproximadamente 3.500.000 tsentnerov
(mais de 20.000.000 pudov)
Em 1929, a área total de cultivo de fazendas estatais era de 1.816.000 hectares com
uma produção de grãos para comercialização de mais de 8.000.000 tsentnerov (mais de
47.000.000 pudov), e a área total de cultivo de fazendas coletivas era de 4.262.000 hectares
com uma produção de grãos para comercialização de aproximadamente 13.000.000 tsentnerov
(mais de 78.000.000 pudov).
No próximo ano, 1930, a área total de cultivo de fazendas estatais, de acordo com o
nosso plano, chegará provavelmente a 3.280.000 hectares com uma produção de grãos para
comercialização de mais de 18.000.000 tsentnerov (mais de 110.000.000 pudov), e a área total
de cultivo de fazendas coletivas certamente chegará a 15.000.000 hectares com uma produção
302
É nítido que nossa jovem agricultura socialista de larga escala (as fazendas coletivas e
as fazendas estatais) tem um grande future à sua frente e que seu desenvolvimento será
verdadeiramente miraculoso.
Pela primeira vez na história da humanidade surgiu um governo, tal como o dos
sovietes, que provou por meio de suas ações sua prontidão e sua habilidade de conferir às
massas trabalhadoras do campesinato duradoura e sistemática assistência no campo produtivo.
Não é óbvio que as massas trabalhadoras do campesinato, sofrendo de uma antiga falta
de equipamento agrícola, estavam fadadas a aceitarem avidamente esta assistência e se unir ao
movimento de cultivo coletivo?
Grandes fábricas de grãos não se firmaram em países capitalistas. Mas nosso país é
socialista. Esta “pequena” diferença não deve ser ignorada.
Em países capitalistas grandes fábricas de grãos não podem ser organizadas sem que
previamente se compre diversos lotes de terra ou sem que se pague um grande valor de
aluguel, o que não pode deixar de onerar a produção com gastos colossais, pois em tal
contexto a propriedade privada é permitida. Em nosso país, por outro lado, nem o aluguel da
terra, nem a compra e venda de terra existem, o que resulta na criação de condições
favoráveis para o desenvolvimento de grandes fazendas produtoras de grãos, na medida em
que em nosso país não á posse privada de terra.
Por fim, sob o capitalismo grandes fazendas produtoras de grãos não gozam de
privilégios especiais relacionados a impostos ou crédito, enquanto no sistema soviético, que é
voltado para o setor socialista, tais privilégios existem e continuarão a existir.
Em quarto lugar, mesmo o cego é capaz de ver que sem essa ofensiva contra os
elementos capitalistas no campo, e sem o desenvolvimento de fazendas coletivas e estatais,
nós não teríamos conquistado as vitórias decisivas deste ano em relação à requisição de grãos,
tampouco poderia o Estado ter acumulado, como o fez, uma reserva de emergência de grãos
equivalente a dez milhões [de] pudov
Mais do que isso, pode-se agora afirmar com convicção que, graças ao crescimento
das fazendas coletivas e estatais, estamos definitivamente nos recuperando, ou já o fizemos,
da crise de grãos. E se o desenvolvimento de fazendas estatais e coletivas for acelerado, não
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há motivo para se duvidar que em torno de três anos nosso país se tornará um dos maiores
produtores de grãos no mundo, senão o maior.
E o que isso significa? Significa que agora o camponês de médio porte está se unindo
à fazenda coletiva. Este é o aspecto fundamental do desenvolvimento da agricultura que
constitui a conquista mais importante do governo soviético durante o último ano.
Isso também explica os furiosos brados contra o Bolchevismo que foram recentemente
levantados pelos cães de guarda do capital, pelos Struves e Hessens, pelos Milyukovs e
Kerenskys, pelos Dans e Abramoviches e afins. A última esperança para a recuperação do
capitalismo está desaparecendo – isto para eles não é uma piada.
Que outra explicação pode haver para a violenta fúria de nossos inimigos de classe e
para este frenesi de indignação por parte dos aduladores do capital, exceto pelo fato de que
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nosso partido de fato conquistou uma vitória decisiva no front mais desafiador da construção
capitalista?
Dessa maneira Lenin delineou os caminhos através dos quais a classe operária seria
capaz de cooptar as vastas massas camponesas, capaz de atrair os camponeses ao
desenvolvimento de fazendas coletivas.
O último ano demonstrou que o Partido está executando esta tarefa com sucesso e de
forma resoluta está superando todos os obstáculos que a ele se interpõem.
“Em uma sociedade comunista”, diz Lenin, “os camponeses de médio porte passarão
ao nosso lado apenas quando nós mitigarmos e aprimorar suas condições
econômicas. Se amanhã nós pudéssemos oferecer 100.000 tratores de primeira linha,
oferece-los com combustível, oferece-los com operadores (vocês sabem muito bem
que no momento isso é uma fantasia), o camponês de médio porte diria: ‘eu sou a
favor da comuna’ (portanto, a favor do comunismo). Mas para realizar isso nós
precisamos primeiro derrotar a burguesia internacional, nós precisamos compeli-la a
nos entregar estes tratores, ou precisamos desenvolver nossa produtividade a um
grau que nos permita produzi-los pode conta própria. Esta é a única maneira
adequada de se enfrentar esta questão” (Vol. XXIV, p. 170).
O ultimo ano demonstrou que o partido também está lidando de forma bem-sucedida
com esta tarefa. Nós sabemos que até a primavera do próximo ano, 1930, teremos mais de
60.000 tratores nos campos, e um ano depois teremos mais de 100.000 tratores, e dois anos
após este, mais de 250.000 tratores. Nós somos agora capazes de realizar e até superar aquilo
que era considerado “fantasia” há anos atrás.
É por isso que o camponês de médio porte está se voltando para a comuna.
Esta é a situação relativa à segunda grande conquista realizada pelo nosso Partido no
último ano.
Conclusões
J. V. Stalin
3 de novembro, 1929
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O Comitê Central afirma que durante os últimos anos, baseado nos sucessos
significativos da construção socialista, houve uma considerável expansão, tanto
qualitativamente quanto quantitativamente, nas esferas da literatura e da arte.
2. Unir todos os escritores que apoiam a causa do poder soviético e que desejam
participar na construção do socialismo em uma única União de Artistas Soviéticos
contendo uma facção comunista em seu interior;
23 de Abril, 1932