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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

FACULDADE DE LETRAS-PORTUGUES
INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS LITERÁRIOS

PROFº. MARCELO FERRAZ


ANDRÉ VINÍCIUS SOARES MARTINS
202005647
2023

ANÁLISE DAS CARACTERÍSTICA DO ESTILO REALISMO FANTÁSTICO E


INTERTEXTUALIDADE SOBRE O CONTO: “BLACAMÁN, O BOM VENDEDOR DE
MILAGRES” DE GABRIEL GARCÍAL MÁRQUEZ

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1. Apresentação.

Esta análise é um estudo dirigido sobre o conto fantástico de Gabriel García


Márquez “Blacamán, o bom vendedor de milagres” disposto em seu livro de contos
“A incrível e triste história da Cândida Erêndira e sua avó desalmada”. Gabriel
García Márquez é considerado um dos escritores mais importantes do século XX,
principalmente, pela sua jornada e protagonismo nos contos fantásticos que o levou
a ganhar dois dos prêmios mais importantes da literatura: Prêmio Internacional
Neustadt de Literatura e o Prêmio Nobel de Literatura. Durante a narrativa do estudo
trataremos sobre alguns pontos importantes para a compreensão do texto, tais
como: o estilo utilizado pelo autor, realismo fantástico, suas características, a
intertextualidade sob o texto e a compreensão sobre o conto.

2. Resumo sobre a Obra.

No conto “Blacamán, o bom vendedor de milagres”, García nos apresenta


dois personagens principais: Blacamán, o bom; como narrador personagem e
Blacamán, o mal; como antagonista. Durante o enredo o escritor não identifica os
personagens por nomes, contudo, o termo “blacamán” estaria associado a
vendedores ambulantes que ganhavam a vida vendendo invenções, remédios,
poções e até mesmo milagres .A narrativa principal acontece no porto de Santa
Maria Del Darién, no Caribe, com a apresentação e descrição de Blacamán, o mau;
que aparece na primeira cena vendendo um contraveneno para picadas de animais
peçonhentos ou seja um antídoto que deixou toda a população local impressionada
com essa nova invenção.
Ao final da apresentação o narrador personagem, que estava no meio
da multidão se apresenta para os leitores, contando que era um rapaz jovem com
grandes sonhos, principalmente a de ser adivinho, mas morto por dentro e com pais
bastante ausentes. Então Blacamán, o mau decide ofertar um valor simbólico aos
pais do jovem para comprá-lo e assim começa a jornada dos dois Blacamáns.

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Percorrendo várias cidades com novas invenções, o jovem se viu preso
a uma pessoa ruim e mentirosa, que enganava a todos que encontravam em seu
caminho. Até que um dia a mentira veio à tona e descobriram que todas as
invenções do Blacáman, o mal eram falsas, então toda a sorte que havia com eles
virou para o azar e tiveram que passar a se esconder. Com isso Blacamán, o mal
começou a enlouquecer jogando toda a culpa do azar no jovem Blacamán e punindo
ele por isso. O jovem foi acorrentado, espancado, humilhado e privado de se
alimentar, destinado à morte e com um grande rancor de seu malfeitor começou a
desistir da própria vida.
Contudo, por uma reviravolta do destino, o jovem percebe verdadeiros dons
em seu domínio e começa a sua jornada em ajudar verdadeiramente pessoas com
seus dons, cobrando preços justos para livrar as pessoas de pestes, cegueiras,
doenças e outras adversidades. Pela sua benevolência começou a ser conhecido
como Blacamán, o bom, ainda, corroído pela sua dor do passado encontrou
novamente Blacamán, o mau no porto de Santa Maria Del Darien.
Nos últimos momentos do texto, o narrador conta que foi em seus
braços que seu malfeitor veio a falecer, então o jovem manda oferecer uma missa e
edificar um mausoléu para que o corpo, já sem vida, fosse colocado. E assim que o
corpo estava dentro do sepulcro blindado, Blacamán, o bom ressuscita o Mau e lhe
promete a pior dos castigos “ …Que se, por acaso, voltou a morrer volto a
ressuscitá-lo, pois a graça do castigo é que continue a viver na sepultura enquanto
eu esteja vivo, isto é, para sempre...”

3. Análise da obra.

Dedicaremos a parte inicial da análise ao estilo usado no conto. Gabriel


García Márquez, foi um dos pioneiros a edificar o estilo do realismo fantástico no
século XX, e foi reconhecido mundialmente pelo seu trabalho, ganhando dois dos
mais importantes prêmios da literatura, Prêmio Internacional Neustadt de Literatura e
o Prêmio Nobel de Literatura. Durante a sua infância, seus avós, com quem fora
criado, narravam inúmeras histórias, que inspiraram Márquez a mergulhar no seu

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modo de narrativa. Desse modo o escritor colombiano, apoio suas obras e seu estilo
de narrativa no realismo fantástico.

A literatura fantástica por mais que tenha tido o seu ápice no século XX, tem a
suas origens nas raízes da humanidade, visto que, os seres humanos sempre
tiveram a tradição oral de narrar e cantar histórias, mitos e entre outros meios de
“literatura” sobre lugares remotos e sobre seres sobrenaturais, muitas vezes
imaginários. Contudo, segundo o autor Jorge Luís Borges (1963) as obras
fantásticas têm o seu desenrolar a partir do século XIII.

“…O fantástico ocupa o tempo da incerteza… O fantástico é a vacilação


experimentada por um ser que não conhece mais que as leis naturais, frente a um
acontecimento aparentemente sobrenatural…” (Tzvetan Todorov, 1981, p. 28)

Tzvetan Todorov explica o realismo fantástico como sendo uma literatura


sobre algo real em que o sobrenatural permeia a realidade, trazendo grandes
questionamentos e incertezas para o fato narrado. Com isso conseguimos
caracterizar algumas peculiaridades das obras fantásticas, sendo elas: a
incorporação de elementos irreais, imaginários ou extraordinários de forma natural
ao texto, a mistura dos elementos com o mundo real, a falta ou o excesso de
linearidade e problemas com o racional.

Durante a narrativa de Gabriel García Márquez conseguimos analisar


fortemente todos esses elementos que fazem parte do conto.

“ Logo no primeiro domingo em que o vi pareceu-me uma mula de mono-


sábio, com os seus suspensórios de veludo pespontados com filamentos de ouro, as
suas argolas com pedrarias de cores em todos os dedos e a sua trança de
cascavéis, empoleirado sobre uma mesa no porto de Santa Maria Del Darién…”
(Márquez, 2003, p. 55)

Já na primeira parte do conto, Gabriel García Márquez nos apresenta um dos


seus principais personagens de modo a ilustrar ele com semelhanças fora do

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comum, como “...pareceu-me uma mula de mono-sábio…” e “...traças de cascavéis
…” . Nesse trecho, observamos a caracterização de personagens por elementos fora
do comum, para que seu leitor tenha uma imagem bem ilustrada do personagem.
Outro traço encontrado em seu texto é a Cidade fictícia de Santa Maria Del Darién,
essa cidade que estaria localizada em um porto no Caribe, onde se dá o início e o
desfecho de seu conto. Contudo, Márquez dá ênfase maior para a entrada do
extraordinário no apogeu da narrativa, aduzindo a nós poderes sobrenaturais de
Blacamán, o bom, quando ele se mostrou ineficaz e possível provedor da desgraça
que assolava os dois.

“... Por fim atirou-me a apodrecer nas minhas próprias misérias para dentro do
calabouço de penitência (...) Não sei quanto tempo tinha passado quando me levou
o cadáver de um coelho para mostrar-me que preferia deitá-lo a apodrecer do que
dar-mo de comer, e até ali me chegou a paciência e unicamente me ficou o rancor,
de maneira que agarrei o corpo do coelho pelas orelhas e atirei-o contra a parede,
com a ilusão de que era ele, e não o animal, que ia rebentar, e então foi quando
sucedeu como num sonho, que o coelho não só ressuscitou com um guincho de
espanto, como também regressou às minhas mãos caminhando pelo ar….”

Nesse trecho, que seria o apogeu do conto, o autor traz a incorporação do


que seria mais irreal possível, quando a morte parecia o fim para o personagem um
milagre acontece, ele de maneira sobrenatural recebe dons para ressuscitar o
coelho e escapar da sua penitência. Esse trecho não só insere o divino na narrativa,
como também nos apresenta dois pontos: a falta de linearidade e o problema com o
real. No primeiro ponto, observamos o narrador personagem questionar a o tempo
que havia passado, porém essa problemática nos assola por toda a obra, pois, o
autor não identifica nenhum tipo de tempo real durante o conto. No segundo ponto, o
autor traz fortemente a falta do real para o texto trazendo à tona a característica
principal da obra fantástica.

Gabriel García Márquez, também tinha uma característica especial em seus


contos, que era a intertextualidade. Julia Kristeva (1968) definiu o termo bakhtiniano,
polifonia, em seu livro Introdução à Semanálise. De forma simplória pertinente a este

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trabalho o termo seria: as vozes que ecoam ou evoca durante a narrativa. Ao longo
do conto do Blacamán notamos que em vários momentos ele nos apresenta vozes
que remete a cultura Católica, e que faz um encaixe perfeito para o final do texto.
Trago alguns exemplos para análise

“ …as pessoas que estavam santificando o Domingo de Ramos saíram da


missa com as suas palmas benditas, pois ninguém queria perder o espectáculo do
empeçonhado…”

“ então foi quando sucedeu como num sonho, que o coelho não só
ressuscitou”

“ Foi assim que começou a minha vida grande. Desde aí ando pelo mundo
tirando a febre aos palúdicos por dois pesos, dando vista aos cegos por quatro e
cinquenta, desaguando os hidrópicos por dezoito, completando os mutilados por
vinte pesos se o são de nascença, por vinte e dois se o são por acidentes ou bulhas,
por vinte e cinco se o são por causa de guerras, terramotos, desembarques de
fuzileiros ou qualquer outro género de calamidades públicas, atendendo os doentes
vulgares em grosso mediante combinação especial, os loucos conforme o género,
às crianças por metade do preço e aos bobos por gratidão, e a ver quem se atreve a
dizer que não sou um filantropo”

Nesse primeiro trecho, o autor quando se remete ao “Domingo de Ramos”


nos traz vozes recordando-nos da religião católica cristão. Este evento é um dos
mais santificados da religião, pois seria a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.
No conto a comemoração acontece instantes antes do encontro dos Blacamáns. O
segundo trecho está localizado no apogeu do conto, a ressuscitação do coelho e a
aparição dos dons do Blacamán, o bom remete instantaneamente a Jesus. Contudo,
García embaralha os acontecimentos de ressurreição e milagres, a fim de uma
narrativa mais misteriosa.

No desfecho da história dos blacamáns, o escritor ilustra que Blacamán, o


bom viveu uma vida de milagres, curando pessoas de doenças que assolava a

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região, porém trazendo um ponto desdobramento de ação, em que enquanto a
intertextualidade divina fazias boas ações sem cobrar nenhum valor, o narrador
personagens cobrava preços pelos seus milagres. Neste ponto, observamos um
forte ataque à ideologia cristã, como se o autor quisesse confrontar a história de
Cristo.

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4. Bibliografia

MARQUÊS, Gabriel G. A incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua


avó desalmada: Blacamán, o bom vendedor de milagres. Aracataca, CO: Bibliotex,
2003.
MACIEL, Lucas Vinicio. A (in)distinção entre dialogismo e intertextualidade,
São Carlos SP, n.º 1, p. 2-13, maio, 2016
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Sofia: Ed. Premia,
1982.
GONZALEZ, Fernán E. El concordado de 1887: los antecedentes, las
negociaciones y el contenido del Tratado con la Santa Sede. Credencial Historia,
Bogotá, n. 41, maio 1993. Disponível em: < http://bit.ly/gyfi7C>. Acessado em: 04
abr. 2011. KOCH, Ingedore G. Villaça. Introdução à lingüística textual: trajetória e
grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
BRANDINO, L. Realismo fantástico. Disponível em:
<https://www.portugues.com.br/literatura/realismo-fantastico.html>. Acesso em: 3
ago. 2023.
Disponível em: <https://www.redalyc.org/journal/3074/307459671004/html/>.
Acesso em: 3 ago. 2023.
KRISTEVA, Julia. Introdução à Semanálise. 2. ed. São Paulo: PERSPECTIVAS.A.,
2005. E-book.

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