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Anais Eletrônicos da
XXXVIII SEMANA DE HISTÓRIA
do INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
da UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

POR UMA HISTÓRIA DECOLONIAL:


GÊNERO, RAÇA E CLASSE NA AMÉRIA LATINA.

17 a 21 de outubro de 2022.

Organização
Eduarda Guerra Tostes
Lavínia Renata de Oliveira Turqueti
Marco Antônio Campos e Souza

ICH – UFJF
Juiz de Fora, 2022
3

Comissão Organizadora

Eduarda Guerra Tostes


Presidente

Maria Eduarda Taroco Vieira


Secretária

Marco Antônio Campos e Souza


Tesoureiro

Gyovana de Almeida Félix Machado


Diretora Burocrática Flaviana Lopes Ribeiro de Oliveira
Gustavo Soares Borges
Diretoria Burocrática Igor Martins Fernandes
Ana Paula Candido Lavínea Oliveira Da Rosa
Gabriela Santiago Amim
Isabela Moreira Silva
Jonas Augusto Silva Bernardo Venâncio Netto
Julia Ferrarezi Petrato Diretor de Comunicação
Luís Felipe Duarte e Silva
Diretoria de Comunicação
Bianca Ribeiro de Sá
Raquel Damasceno Martins dos Santos Isabela de Almeida Gonçalves Pereira
Diretora Acadêmica Julia Luciana Barra
Mariana Silva Barbosa
Diretoria Acadêmica Raysa Rodrigues Ferreira
Anna Vitória Souza Pereira Vinícius Valadão Gonçalves
João Gabriel Emerenciano Amaro
João Vitor Perrout Gomes Silva
Lavínia Renata de Oliveira Turqueti Iris Castro Moreira
Maria Luiza de Souza Loures Diretora Cultural

Diretoria Cultural
Gabrielle Barra Tarocco Adriel Agostinho dos Santos
Diretora Financeira Eduarda de Oliveira Venancio
Emilly Vargas Medeiros
Diretoria Financeira Jemima Ribeiro Toledo
Analice de Aquino Vaz Maria Carolina de Aquino Henriques da
Cesar Augusto Lopes Maciel Silva
Clara Gomes De Filippo Mariana Moreira do Bem Brandão
Pedro Henrique Pompermayer de Mattos

Anais da XXXVIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por uma história decolonial:
Gênero, raça e classe na América Latina. Eduarda Guerra Tostes; Lavínia Renata de Oliveira Turqueti; Marco
Antônio Campos e Souza (Org.). Juiz de Fora, 2022. 914 p.
ISSN:2317-0468
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Anais da XXXVIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por uma
história decolonial: Gênero, raça e classe na América Latina. Eduarda Guerra Tostes; Lavínia
Renata de Oliveira Turqueti; Marco Antônio Campos e Souza (Org.). Juiz de Fora, 2022.
914p.

ISSN: 2317-0468
Tiragem: Eletrônica (PDF)
Texto em Português
Modo de acesso: http://ufjf.br/semanadehistoria/anais

1: História 2: Decolonial 3: Gênero, Classe e Raça

Anais da XXXVIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por uma história decolonial:
Gênero, raça e classe na América Latina. Eduarda Guerra Tostes; Lavínia Renata de Oliveira Turqueti; Marco
Antônio Campos e Souza (Org.). Juiz de Fora, 2022. 914 p.
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Simpósios Temáticos: Patrimônio, História e Memória: práticas


educativas, políticas, sociais e os desafios da interdisciplinaridade
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Riscos e desafios à preservação de Ouro Preto

Giovana Martins Brito428

Resumo: Este artigo traz como objeto de estudo o sítio histórico de Ouro Preto e busca
compreender os desafios colocados à sua preservação entre a década de 1980 e o início
dos anos 2000, isto é, tem como ponto de partida o seu reconhecimento como Patrimônio
Mundial. Diante de um acelerado processo de descaracterização e degradação ao
patrimônio, diversas dificuldades são colocadas à preservação do conjunto. Neste
contexto, ressaltamos o incêndio no Hotel Pilão (2003) e suas repercussões a partir do
“Movimento Chama – Consciência e Prevenção contra o fogo”, considerando as
discussões levantadas em torno do risco de incêndio.

Palavras-chave: Ouro Preto; Preservação; Patrimônio; Incêndio.

Abstract: This article presents the historical site of Ouro Preto as its object of study and
seeks to understand the challenges posed to its preservation between the 1980s and the
beginning of the 2000s, that is, its starting point is its recognition as a World Heritage
Site. Faced with an accelerated process of de-characterization and degradation of the
heritage, several difficulties are posed to the preservation of the set. In this context, we
emphasize the fire at the Hotel Pilão (2003) and its repercussions from the “Flame

428
Mestranda em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

Membro do Laboratório de Patrimônios Culturais (LAPA/UFJF)


Membro do Grupo de Pesquisa em Patrimônio e Relações Internacionais (CNPq)
giovana.brito@ich.ufjf.br / giovana_mb@outlook.com / giovana.brito@estudante.ufjf.br

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Movement – Awareness and Prevention against fire”, considering the discussions raised
around the risk of fire.

Keywords: Ouro Preto; Preservation; Heritage; Fire.

Ouro Preto Monumento Mundial

Ouro Preto foi declarada Monumento Nacional em 1933, antes mesmo da criação
do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Posteriormente, em 1938, teve
seu conjunto urbano e arquitetônico devidamente tombado. Consolidando sua trajetória
enquanto espaço propulsor para o movimento preservacionista no Brasil, foi também o
primeiro bem cultural brasileiro a ser reconhecido como Monumento Mundial pela
Unesco no ano de 1980. Assim, são elencados os critérios para sua inscrição à Lista do
Patrimônio Mundial, os quais: “(I) representar uma obra-prima do gênio criativo humano;
(III) aportar um testemunho único ou excepcional de uma tradição cultural ou de uma
civilização ainda viva ou que tenha desaparecido”429.

Localizada 513 km ao norte do Rio de Janeiro, Ouro Preto foi o


principal ponto focal de todo o período denominado "a idade de ouro
do Brasil". Originalmente chamada de Vila Rica, esta cidade
desempenhou um papel importante na história do Brasil no século 18.
Foi criado por milhares de soldados ansiosos por fortunas e por
enriquecer explorando os depósitos de ouro; foram seguidos por um
grande número de artistas que vieram para se estabelecer e realizar
obras de uma notável qualidade como a igreja de São Francisco de Assis
do Aleijadinho. Ouro Preto é considerada um patrimônio ímpar por suas
igrejas, sua arquitetura urbana simples mas original, suas pontes, suas
fontes e sua localização. É principalmente sua homogeneidade geral e
caráter global que o tornam uma propriedade cultural única. Como
primeira capital do estado de Minas, Ouro Preto é de interesse local;
como centro mineiro da Idade de Ouro do Brasil, é de interesse
nacional, e como centro único da arquitetura barroca, tem um valor
universal excepcional. Ouro Preto é uma obra-prima artística e
urbanística ímpar e indicada para inclusão na Lista do Patrimônio
Mundial pelos critérios 1 e 3 da Convenção. (ICOMOS, 1980, tradução
nossa)

429
UNESCO, Centro do Patrimônio Mundial da. Diretrizes Operacionais para a Implementação da
Convenção do Patrimônio Mundial, 2012.

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Na cerimônia de inscrição de Ouro Preto na Lista do Patrimônio Mundial, em 21


de abril de 1981, o Diretor Geral da Unesco, Sr. Amadou-Mahtar M’Bow, ressalta
diversos pontos da história de Ouro Preto e afirma a importância de sua preservação no
contexto mundial430. Assim, dá destaque aos artesãos negros e mulatos cuja mão de obra
e inteligência resultou na riqueza sobre a qual repousa a antiga Vila Rica. Desse modo, a
produção artística e cultural deste momento representa a fusão de estilos, sensibilidades,
épocas, modos de vida e de expressão, os quais se cruzam e se mesclam formando as
diversas conexões entre Europa, América e África. Não é possível pensar aqui em uma
história que se constrói separada ou isoladamente. Outra questão fundamental trazida
neste discurso é a visão ampliada e abrangente da noção de preservação, que compreende
agora todo o conjunto da paisagem. Isto é, a relação de harmonia e equilíbrio entre o
traçado das construções e o encadeado de montanhas é ressaltada como aspecto
fundamental deste patrimônio. Por fim, enfatiza-se o valor da participação ativa da
comunidade local e o apoio de toda a população em prol da salvaguarda de Ouro Preto
(M’BOW, 1981).

La fe de los descendientes de africanos, así como la fe de los demás


niños oprimidos del Brasil colonial, arrancó apasionadamente de la
piedra y la madera expresiones de un imaginario eminentemente
brasileño. (...)
Me complace subrayar que la ejecución del plan de conservación y de
revalorización de Ouro Preto comprende no sólo los trabajos de
restauración y de habilitación necesarios para mantener la coherencia,
el equilibrio y las características de esta ciudad monumento, sino
también la protección de su marco natural que es uno de sus elementos
capitales. La armonía y la variedad del paisaje, el perfil de las montañas
coronadas por cumbres de singular belleza, forman parte del valor
universal que es necesario proteger a toda costa del deterioro.
(M’BOW, 1981)

Ouro Preto foi então inscrita na Lista do Patrimônio Mundial em setembro de


1980 e para celebrar este momento Afonso Arinos de Melo Franco pronunciou um
discurso durante a cerimônia comemorativa que foi publicado no Jornal do Brasil, sendo

430
M`BOW, Amadou Mahtar. Discurso Del Sr Amadou Mahtar M`Bow con ocasión de La ceremonia
de inscripción de Ouro Preto en La Lista del Patrimônio mundial cultural y natural, 1981. Disponível
em: <https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000044421_spa>. Acesso em: 20 nov. 2022.

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intitulado “Saudação a Ouro Preto”431 . Seu texto evoca o processo histórico de formação
da cidade desde o período colonial até a República, destacando a vitória sobre as
limitações geográficas e sociais. Valoriza a criatividade do seu povo, capaz de elaborar
originais manifestações culturais e formar ideias políticas avançadas para a época,
trazendo à luz a figura de importantes artistas e mártires. Constituída de escultores,
pintores, poetas, parlamentares, mestres e sábios, foi construída pelo trabalho dos negros
escravos que carregaram as pedras que sustentam as edificações. Por tudo isso, sua obra
coletiva consagrou-se patrimônio da humanidade, pois “a todos absorve, ilumina e
inspira”. Assim, Arinos compreende a cidade atravessando sua dimensão temporal:
“Relíquia e exemplo, saudade do passado, esperança do futuro, Ouro Preto é o que foi e
o que será” (FRANCO, 1980).

O cenário local: Expectativas versus Realidade

Apesar de ser agraciado com o título de Monumento Mundial, o conjunto histórico


de Ouro Preto encarava diversos problemas na realidade. Atento a essas questões, Carlos
Drummond de Andrade432, colaborador do Jornal do Brasil na época, refletiu sobre o
preocupante estado de conservação da cidade. Assim, ao evidenciar o impacto dos
processos de deterioração e degradação dos bens culturais indaga o que de fato
representaria essa congratulação:

Ouro Preto, monumento nacional sacrificado pela poluição de uma


fábrica de alumínio, torna-se monumento mundial, por iniciativa da
UNESCO. A continuar o atual estado de coisas, quando a cidade for
memória de uma ruína, será declarada monumento interplanetário.
(ANDRADE, 1980)

Por outro lado, esse momento também trouxe uma série de expectativas quanto às

431
FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Saudação a Ouro Preto. Jornal do Brasil. 29 jul. 1980. Opinião,
p. 11.
432
ANDRADE, Carlos Drummond de. O título e a realidade. Jornal do Brasil, 4 set. 1980. Caderno B,
p.7.

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novas possibilidades que poderiam surgir para ajudar a impulsionar ações de preservação,
haja vista o papel de destaque em que foi colocada a cidade. Desse modo, a notícia foi
recebida com entusiasmo e esperança na perspectiva de que a partir de agora obras de
infraestrutura que exigiam maiores recursos poderiam enfim ser executadas com outros
investimentos e parcerias. Sob esse aspecto espera-se que a Unesco passe a atuar de forma
mais presente, fazendo pressão nas autoridades brasileiras e compartilhando sua
capacidade técnica (TORRES, 1980). Logo, gestores locais e regionais trataram de
expressar algumas das dificuldades vivenciadas e as medidas que precisavam ser
tomadas:

Desde que um país aceite que um dos seus bens culturais seja declarado
de interesse universal, ele implicitamente estará se comprometendo,
perante a comunidade mundial, a zelar por todos os meios por esse
bem”, explica o Diretor Regional do Sphan, Sr. Roberto Lacerda. De
acordo com ele, tendo declarado Ouro Preto Cidade Monumento
Mundial, a UNESCO poderá cobrar e pressionar as autoridades
brasileiras para que os complexos problemas que ameaçam Ouro Preto
- das ameaças dos fenômenos geológicos à desfiguração paisagística
e arquitetônica, passando por ameaças, como incêndios e
depredações de toda ordem - sejam atacados e resolvidos. (...)
Problemas de infraestrutura são também invocados pelo Secretário
Municipal de Obras Sr. Sérgio Queirós, que vê a próxima elevação da
Cidade a Monumento Mundial como a possibilidade de evitar uma das
maiores causas da desfiguração arquitetônica da ex-Vila Rica: a falta
de recursos. A restauração de um casarão em Ouro Preto sai
caríssima, pois são construções sofisticadas, com estruturas de
madeira. O resultado é que a maior parte dos proprietários prefere
demolir as casas e refazê-las em concreto armado, do que decorre a
verdadeira falsificação do barroco por que o conjunto da cidade vem
passando.
De acordo com o Secretário de Obras, agora que a cidade iniciará obras
de restauração de sua rede de esgotos, o recebimento desse título -
que ocorre pela primeira vez na história do país - facilitará a ele os
meios de conseguir recursos federais para outras obras urgentes de
infraestrutura urbana, como a construção de um novo sistema de
captação e de distribuição de água.
E quem sabe que isso incentivará o Governo a construir também a
estrada perimetral, que resultará, por sua vez, na construção de uma
nova rodoviária e na definitiva retirada do trânsito pesado da zona
do núcleo histórico, cujo conjunto arquitetônico e monumentos têm
sofrido tantos danos por causa dele?”, pergunta o Secretário. (...)
(TORRES, 1980, grifos nossos)

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Portanto, o crescimento acelerado da cidade de Ouro Preto e sua elevação a


Monumento Mundial fizeram surgir novas nuances na dinâmica deste espaço. Isto é, as
complexidades na gestão do território são amplificadas com o adensamento de outras
tensões políticas e econômicas. Nesse sentido, a proteção dos bens culturais se depara
com as demandas da contemporaneidade, suscitando embates entre passado, presente e
futuro. A ilustração a seguir, exemplifica os diversos tópicos que atravessam a abordagem
do patrimônio:

Imagem 1: Problemáticas colocadas à salvaguarda do patrimônio

Fonte: UNESCO; IPHAN. Gestão do Patrimônio Mundial cultural: Manual de referência do


patrimônio mundial. Brasília, 2016. p. 18

Desafios à preservação de Ouro Preto

Para identificar as ameaças à preservação do conjunto histórico de Ouro Preto foi


realizada uma consulta aos relatórios disponibilizados pela Unesco, referentes às missões

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de monitoramento realizadas pelos técnicos do Conselho Internacional de Monumentos e


Sítios (Icomos). Além disso, foi feita uma pesquisa em torno das reportagens publicadas
entre 1980 e início dos anos 2000 nos seguintes periódicos: Jornal de Ouro Preto; Jornal
do Brasil; Folha de São Paulo; Estadão. A partir disso, podemos listar então os principais
riscos encontrados:

Imagem 2: Tabela sobre as principais ameaças ao Patrimônio Cultural de Ouro Preto

1. Ocupação desordenada dos morros 8. Impactos do trânsito pesado na zona do


circundantes; núcleo histórico;
2. Descaracterização paisagística
e 9. Urgência de implementação do Plano
arquitetônica; Diretor e delimitação da Zona Central e Zona
de Amortecimento;
3. Ameaça à proteção do sítio arqueológico
do Morro da Queimada; 10. Risco de incêndios;
4. Ameaça de ocorrências de fenômenos 11. Poluição atmosférica e corrosão dos
geológicos/Áreas de instabilidade geológica; monumentos;
5. Infraestrutura urbana insuficiente; 12. Turismo predatório;
6. Obras irregulares, acúmulo de processos 13. Depredações ao patrimônio;
judiciais, ausência/não aplicação das normas
14. Desaparelhamento das autoridades
legais, fiscalização insuficiente;
responsáveis pela preservação e gestão da
7. Falso histórico/Falsificação do barroco; cidade
15. Pouca participação/envolvimento da
comunidade local

Fonte: Autoria própria

Os relatórios do estado de conservação (State of Conservation Reports) analisados


se referem aos anos de 1990, 1993, 2003 e 2004433. Neles podemos perceber que alguns
problemas se repetem, especialmente em relação a definição das zonas de proteção e
necessidade de um plano de gestão. Outros pontos trazidos se relacionam também aos
impactos do aumento populacional, que vem gerando a expansão das zonas periféricas e

433
UNESCO. State of conservation reports (SOC) - Ouro Preto. Disponível em:
<http://whc.unesco.org/en/list/124/documents>. Acesso em: 20 nov. 2022.

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a consequente urgência de obras de ampliação das redes de infraestrutura urbana


(escoamento, captação e distribuição de água, destinação de resíduos sólidos, sistema
elétrico, rede de esgoto, áreas verdes). Além disso, a ocupação desordenada exige atenção
aos sistemas de uso e ocupação do solo e reforço das encostas, uma vez que se tornam
recorrentes deslizamentos de terra devido à instabilidade geológica. A construção
irregular nos morros circundantes tem levado ainda à descaracterização da paisagem
histórica e à destruição das ruínas do sítio arqueológico do Morro da Queimada. Trecho
de destaque aparece no documento de 2003434, ao expressar preocupação quanto ao
incêndio do Hotel Pilão e solicitar plano de emergência - o qual é relembrado no relatório
de 2004435 ao enfatizar que não houve comunicação por parte das autoridades
responsáveis a respeito de medidas de preparação para riscos.

Imagem 3: Recortes de manchetes Jornal do Brasil e Jornal de Ouro Preto

Fonte: Autoria própria

434
UNESCO. State of conservation report of Ouro Preto (2003). Disponível em:
<https://whc.unesco.org/en/soc/2779>. Acesso em: 20 nov. de 2022.
435
UNESCO. State of conservation report of Ouro Preto (2004). Disponível em:
<https://whc.unesco.org/en/soc/1504/> . Acesso em: 20 nov. 2022

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Um momento importante desse contexto foi a parceria do Brasil com a Unesco na


realização do “Seminário Estatuto da Cidade e Patrimônio Cultural Urbano” ocorrido
entre julho e agosto de 2002, em Olinda. Durante o Seminário foram feitas referências ao
mau estado de conservação de Ouro Preto e a escassez de recursos administrativos e
institucionais. A partir dessa discussão foi elaborado o documento "Moção por
providências urgentes para a preservação de Ouro Preto"436, pedindo pela proposição de
uma linha de atividades coordenadas para preservação integral da cidade, como
observamos na citação a seguir:

Ouro Preto tem atingido níveis inaceitáveis, não apenas para uma
cidade de excepcional valor cultural, mas se considerados os requisitos
de qualidade de vida urbana a que toda cidade tem direito. Dentre esses
problemas se destacam:
a ocupação desordenada das encostas, áreas de instabilidade
geológica, áreas verdes, sítios arqueológicos e espaços públicos,
ameaçando comprometer irreversivelmente a imagem urbana e
oferecendo riscos à população;
a infraestrutura de serviços urbanos precária, destacando as
condições saneamento e de circulação de tráfego, ambos causadores de
sérios danos ao sítio tombado, à conservação das edificações e à
qualidade de vida da população;
o grande número de obras irregulares e mais de uma centena de
processos judiciais sem resultado efetivo.
Este quadro reflete, primordialmente, a incapacidade do poder público
de garantir a preservação da cidade, de buscar soluções, adesão de
parceiros e da própria comunidade para reverter uma situação tão
complexa e continuamente agravada. De um lado, pela inexistência de
aparelhamento municipal para o controle urbano e a preservação, pela
ausência e até mesmo pela falta de aplicação das poucas normas
legais disponíveis no âmbito municipal, pelo retrocesso das
iniciativas de uma ação compartilhada com o IPHAN e pela falta de
participação da comunidade local na gestão urbana. De outro, é
preocupante a precariedade das condições de trabalho do IPHAN,
incompatíveis com a dimensão das suas atribuições em Ouro Preto.
(MOÇÃO, 2002, grifos nossos)

436
MOÇÃO por providências urgentes para a preservação de Ouro Preto. Olinda, 02 de agosto de 2002.
Anexo disponível em: SILVA, Patrícia Reis da. A Postura da Municipalidade na Preservação do Patrimônio
Cultural Urbano. 20 1 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo - Área de Concentração em
Teoria e História) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2006.

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Benedito Tadeu de Oliveira, na época diretor da II Sub-Regional da 13ª


Superintendência do Iphan, publicou no Jornal do Brasil “Ouro Preto, a destruição pelas
bordas”437. Foi assim que ele chamou este processo sistemático e constante de
descaracterização e deterioração do patrimônio da cidade. Desse modo, afirma a
importância da articulação entre os diversos setores responsáveis pela preservação, para
que as ações consigam abranger de forma efetiva e ampla as necessidades, superando uma
atuação isolada em intervenções físicas e pontuais. Para tanto, é fundamental a
capacitação da estrutura administrativa pública municipal e o reforço institucional do
IPHAN, inclusive com a contratação de mais profissionais para que se possa realizar a
fiscalização adequada do espaço (OLIVEIRA, 2003).

Ouro Preto encontra-se, portanto, em um processo acelerado e


progressivo de deterioração de natureza quase irreversível. Um Plano
para a Recuperação Ambiental, Paisagística e Arquitetônica de Ouro
Preto envolve iniciativas amplas e diversificadas, contemplando ainda
ações nas áreas de pesquisa histórica e arqueológica, manutenção
preventiva do patrimônio edificado e educação patrimonial e ambiental.
A tarefa de conservação do patrimônio cultural e ambiental da cidade é
gigantesca e pode gerar postos de trabalho permanentes no município,
contribuindo também para o aumento do turismo e para a dinamização
da economia regional. Só uma ação conjunta entre os governos
municipal, estadual e federal pode retirar Ouro Preto da rota de
expansão desordenada e autodestrutiva, e colocá-la no caminho do
desenvolvimento e da preservação auto-sustentável. (OLIVEIRA,
2003)

Diante do exposto foram elencados alguns dos obstáculos enfrentados pelo


conjunto histórico de Ouro. A partir de agora nos deteremos ao risco de incêndio trazido
à tona por meio da tragédia do Hotel Pilão. Este caso tornou-se simbólico pelo o que
representou no contexto em que estava inserido e também pelas repercussões que causou
em âmbito nacional e internacional.

O Incêndio no Hotel Pilão

437
OLIVEIRA, Benedito Tadeu de. Ouro Preto, a destruição pelas bordas. Jornal do Brasil, 29 abr. 2003.
Outras opiniões, p. A14.

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Em 14 de abril de 2003, ocorreu um incêndio no Hotel Pilão, um tradicional


casarão localizado em ponto central do núcleo histórico de Ouro Preto, a Praça
Tiradentes438. Segundo as notícias o fogo teria começado no segundo andar do casarão e
se propagou facilmente devido às estruturas em pau-a-pique e assoalhos de madeira -
materiais muito inflamáveis. Os hidrantes não possuíam vazão e pressão satisfatórias,
isto é, saía uma menor quantidade de água; e ainda foi necessário fazer uma baldeação
até a rodoviária para buscar água, tal deslocamento levava cerca de 20 minutos. Na época
o batalhão localizava-se no bairro do Pilar, distante da Praça Tiradentes, e a condição dos
veículos não era adequada - viaturas lentas e muito grandes para ruas tão estreitas. Por
isso foi essencial a ajuda de carros-pipa de outras empresas e o reforço da guarnição de
bombeiros de Belo Horizonte no combate. Alguns edifícios localizados próximos também
teriam sido afetados pelo calor das chamas, apresentando pequenos focos de fogo. O
Corpo de Bombeiros buscou controlar o incêndio para que não se alastrasse para as
edificações ao redor, tentando evitar uma tragédia maior. Assim, foi usada a técnica
conhecida como “proteção”, aplicada quando se identifica que já não é mais possível
salvar o local. (NEVES, 2021)

Apesar de ser conhecido como Hotel Pilão, a edificação já não funcionava mais
como hospedaria, mas sim abrigava uma farmácia, joalheria, loja de móveis e cyber-café.
Conforme reportagem de Leandro Mazzini439, o Ministério Público em Minas Gerais
(MPMG) solicitou abertura de inquérito para averiguar as causas do incêndio. A princípio
acreditou-se que o sinistro estaria relacionado a um curto-circuito, porém surgiram fortes
indícios de que o incêndio poderia ter sido criminoso. Por isso, foram iniciadas
investigações sobre a compra do casarão com um seguro de R$ 1 milhão de reais por um
empresário no ano anterior, e também foram apuradas as responsabilidades dos governos
estadual e municipal nesse acontecimento (MAZZINI, 2003).

438
INCÊNDIO atinge construções dos séculos 17 e 18 em Ouro Preto. Folha de São Paulo, 14 abr. 2003.

FOGO destrói prédio secular: Casarão de 300 anos desaba em Ouro Preto. Jornal do Brasil, 15 abr. 2003.
O país/política, p. A4.
439
MAZZINI, Leandro. Ministério Público investiga incêndio em Ouro Preto: Polícia Federal vai apurar
se fogo que destruiu casarão secular foi criminoso. Jornal do Brasil, 16 abr. 2003. O país/política, p. A4.

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Imagem 4: Localização das ruínas do Hotel Pilão na Praça Tiradentes

Fonte: MARTIN, Marcela Menezes Silva. Hotel Pilão, Ouro Preto - Entre o falso histórico e a
contemporaneidade. Anais do III Seminário Projetar, Porto Alegre, p. 5, 2007.

O casarão foi restaurado por meio de investimentos da Federação das Indústrias


de Minas Gerais (FIEMG), cerca de 4,5 milhões de reais. O novo prédio foi inaugurado
em 21 de abril de 2006 durante comemoração da Inconfidência Mineira440. A edificação
foi transformada em um centro cultural e de atendimento ao turista, respondendo às novas
demandas da cidade. A restauração se baseou nas concepções de Cesare Brandi e buscou
aliviar a lacuna que se abriu no espaço gerando grandes desconfortos (MADUREIRA,
2010).

No caso de Ouro Preto optou-se pela forma, em detrimento da matéria.


Em oposição a um preservacionismo estritamente ruskiano,
prevaleceram os sutis princípios brandianos de reprodução sem falsos
artísticos (indução ao erro) e preenchimento de lacunas – que é, afinal,
o que representa um casarão quando a obra de arte em si é o conjunto

440
GAGLIARDI, Ignacio. FIEMG, Ouro Preto (MG) – Parte II: Reconstrução do antigo Hotel Pilão no
conjunto arquitetônico da Praça Tiradentes. Ilumine o Projeto, 11 de março de 2021. Disponível em\;
<http://ilumineoprojeto.com/fiemg-ouro-preto-mg-parte-ii-reconstrucao-do-antigo-hotel-pilao-no-
conjunto-arquitetonico-da-praca-tiradentes/>. Acesso em: 20 nov. 2022.

Anais da XXXVIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por uma história
decolonial: Gênero, raça e classe na América Latina. Eduarda Guerra Tostes; Lavínia Renata de Oliveira
Turqueti; Marco Antônio Campos e Souza (Org.). Juiz de Fora, 2022. 914 p.
ISSN:2317-0468
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paisagístico.
A polêmica decisão não restituiu a Ouro Preto o casarão perdido, nem
tampouco aliviou a situação de descrédito junto à UNESCO, mas
amenizou o sentimento de perda e satisfez os olhares que buscam na
referida paisagem uma identificação com o lugar e suas origens
(pessoais ou coletivas), ou simplesmente uma fugaz – e nem por isso
desmerecida – satisfação estética.” (MADUREIRA, 2010: 36-37)

Imagem 5: Incêndio e ruínas do Hotel Pilão

Fonte: Ronald Peret

Desse modo, a tragédia no Hotel Pilão trouxe diversas incertezas quanto à


segurança da cidade e de seu patrimônio. Ao mesmo tempo significou uma espécie de
choque de realidade, levantando a necessidade de se repensar a forma de atuação e
abordagem em relação ao conjunto histórico. Refletindo sobre esse contexto, Myriam
Lopes afirma: “A memória do trauma é condição para a mudança para pensarmos a

Anais da XXXVIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por uma história
decolonial: Gênero, raça e classe na América Latina. Eduarda Guerra Tostes; Lavínia Renata de Oliveira
Turqueti; Marco Antônio Campos e Souza (Org.). Juiz de Fora, 2022. 914 p.
ISSN:2317-0468
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urgência de uma cultura da prevenção como condição digna de existência coletiva.”441 É,


então, nesse cenário que é lançado o Movimento Chama, o qual tinha como objetivo o
desenvolvimento de diversas ações de conscientização e prevenção contra incêndios.

Movimento CHAMA: Consciência e Prevenção contra o fogo

O incêndio no Hotel Pilão aconteceu dois dias após a visita do técnico do Icomos,
Esteban Prieto à cidade, gerando assim certa apreensão quanto à análise do estado de
conservação que seria enviado à Unesco. Por outro lado, esse momento traumático para
o patrimônio de Ouro Preto também serviu como uma espécie de choque de realidade,
levando a repensar a gestão e a salvaguarda do conjunto histórico. Partindo deste cenário,
então foi colocada a necessidade de construção de um movimento de prevenção a
incêndios e também de diversas outras ações em prol da preservação dos bens culturais.
Tais questões podem ser percebidas através da fala do Prof. Octávio Elísio Alves de Brito
durante a audiência pública da Câmara Municipal de Ouro Preto, que ocorreu um mês
após o sinistro do Hotel Pilão442:

Este é o momento de assumirmos tudo isso e pensarmos para frente, o


que significa que não é possível entender que esse incêndio na Praça
Tiradentes de Ouro Preto, num casarão emblemático, não nos sirva de
lição. Não é possível que não pensemos, a partir desse fato, nossa
política de patrimônio, de desenvolvimento urbano, nossa gestão
urbana, nossas leis, nossas normas, nossas diretrizes e, acima de
tudo, nossos compromissos políticos. Tirar lição do incêndio do
casarão da Praça Tiradentes de Ouro Preto é fundamental para o esforço
de conscientização e prevenção contra o fogo em sítios históricos.
Mais do que um Corpo de Bombeiros equipado, mais do que hidrante
funcionando, é fundamental prevenir o fogo. O Corpo de Bombeiros e
o hidrante apagam o fogo, política de prevenção de incêndio em sítio
histórico previne contra o fogo. Estamos diante de um problema, e
quero trazer os avanços que temos a partir do incêndio que houve na
Praça Tiradentes. Qual é o objetivo? Buscar soluções técnicas,
implementar medidas políticas, legislativas e administrativas que

441
LOPES, Myriam Bahia. Incêndio em Ouro Preto: O presente se consome como a chama. Vitruvius, 3
de maio de 2003. Disponível em: <https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/03.034/2042>.
Acesso em: 20 nov. 2022
442
AUDIÊNCIA PÚBLICA n°: 523/2003 Data: 15/5/2003. Câmara Municipal de Ouro Preto: Audiência
pública da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior destinada discutir a preservação do patrimônio
histórico do País a partir da preservação do patrimônio histórico da cidade de Ouro Preto.

Anais da XXXVIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por uma história
decolonial: Gênero, raça e classe na América Latina. Eduarda Guerra Tostes; Lavínia Renata de Oliveira
Turqueti; Marco Antônio Campos e Souza (Org.). Juiz de Fora, 2022. 914 p.
ISSN:2317-0468
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evitem sua repetição. Há necessidade de ação preventiva. Em segundo


lugar, é absolutamente necessária a conscientização da população. É
fundamental que haja esforço de solidariedade e, acima de tudo, que
façamos da lição de Ouro Preto, do reflexo sobre ela e das políticas
públicas delas surgidas atividade de prevenção, que vá além da cidade
de Ouro Preto, que vá a todos os sítios históricos de Minas Gerais e
do Brasil.
Tivemos na semana anterior ao incêndio, entre 9 e 12 de abril, a visita
de técnico do ICOMOS, que foi a Ouro Preto, numa missão da
UNESCO, com o objetivo de analisar os impactos sobre o patrimônio
tombado naquela cidade. Esse técnico, a que fez referência a Prefeita,
evidentemente, teve da cidade a melhor impressão. Ninguém chega a
Ouro Preto e não fica deslumbrado com o patrimônio edificado. Mas
nenhum técnico responsável chega a Ouro Preto e não vê que esse
patrimônio está ameaçado. Isso certamente o Dr. Esteban Prieto, que
esteve em Ouro Preto, viu, sentiu e colocará no seu relatório.”
(AUDIÊNCIA PÚBLICA, 2003, grifos nossos)

Assim, foi lançado o “Movimento Chama: Consciência e Prevenção contra o


fogo”, o qual contava com a parceria e articulação de diversas instituições, principalmente
IPHAN, Unesco, Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Corpo de Bombeiros
(CBMMG), além de uma série de outras organizações governamentais e locais. O projeto
tinha como objetivo central a realização de um esforço integrado de prevenção e combate
à incêndios, a partir das seguintes propostas: elaboração de diagnósticos de risco;
aquisição e adequação dos equipamentos do Corpo de Bombeiros, articulação entre
bombeiros e voluntários para formação de brigadas; revisão e atualização de legislação e
normas técnicas, desenvolvimentos de cartilhas e seminários educativos. Estas ações
teriam como foco as instalações de comércio e residências, de modo que a fase inicial do
projeto foi dedicada à elaboração de um diagnóstico de risco para verificação da carga de
incêndio internalizada nas edificações devido ao material e elementos que a compõem
(GRAMMONT, 2005; MAZZINI, 2003).

A UNESCO esteve presente especialmente após o incêndio do Hotel


Pilão, com o intuito, menos de contribuir com a solução do ocorrido,
mas principalmente de estimular um conjunto de ações voltadas para a
prevenção. Sua associação com as entidades locais, o Corpo de
Bombeiros, o governo estadual e a Universidade Federal de Ouro Preto
deu origem ao Movimento Chama, cujas iniciativas incluíram o
diagnóstico preliminar das instalações comerciais e de serviços da
cidade, treinamento e formação de brigadas, melhor aparelhamento e
infraestrutura do Corpo de Bombeiros, campanhas de sensibilização e
propostas normativas. Um elo essencial que, naquela ocasião, faltava a

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esse movimento era justamente uma base científica que oferecesse


dados mais seguros para uma política de prevenção e combate ao
incêndio compatível com as características físicas e morfológicas de
Ouro Preto e, por analogia, dos sítios coloniais brasileiros. (GOUVEIA,
2006: 7)

O Movimento Chama tinha como base as metodologias e estudos propostos pelo


Prof. Dr. A. M. Claret de Gouveia, que era também um dos coordenadores do projeto.
Segundo suas reflexões, os sítios coloniais mineiros podem ser considerados como
“cidades-inflamáveis”. Tal conceito é usado para se referir a cidades que podem ser
atingidas por incêndios de grandes proporções, causando uma sensação generalizada de
insegurança à população. Nesse sentido, a noção de propagação do fogo é atrelada à ideia
de que os incêndios “viajam” de uma construção à outra quando não existem barreiras
adequadas ou no caso de haver material capaz de sustentar a combustão. Sob tal
perspectiva considera-se, então, o incêndio como um acontecimento resultante da
interação entre fogo, edificação e usuários, sendo desenvolvida a partir de múltiplos
fenômenos influenciáveis entre si (GOUVEIA, 2017). Desse modo, podem ser
identificados algumas das particularidades que trazem especial vulnerabilidade ao
conjunto histórico de Ouro Preto e às demais cidades coloniais:

a) os materiais empregados e os processos construtivos - o uso da


madeira como principal material de construção e o emprego de ligações
de baixa rigidez tornam as construções coloniais particularmente
vulneráveis à ação do fogo;
b) a organização do espaço edificado de acordo com os costumes de
uma época em que os conhecimentos de segurança contra incêndio
eram rudimentares;
c) o uso atual dos espaços, com as consequentes modificações
introduzidas - a contínua adaptação das edificações coloniais ao uso das
sociedades modernas frequentemente se faz com sérios prejuízos à
segurança contra incêndio;
d) o espaço urbano em que se inserem, que frequentemente, impõem
muitas restrições à atividade de combate ao incêndio, seja pela reduzida
largura das vias de acesso, seja pela geminação das construções e, em
alguns casos, pela acentuada declividade das ruas. (GOUVEIA, 2006:
11)

Em abril de 2006, durante celebração de inauguração do novo prédio que abrigava


o antigo Hotel Pilão, foram novamente debatidas medidas de prevenção e combate a

Anais da XXXVIII Semana de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Por uma história
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Turqueti; Marco Antônio Campos e Souza (Org.). Juiz de Fora, 2022. 914 p.
ISSN:2317-0468
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incêndios. Nesta ocasião foi relembrado a importância do Movimento Chama, como uma
iniciativa fundamental que buscava soluções a fim de evitar tragédias similares ou
maiores que a do Pilão. Assim, foi destacado que o projeto realizou a vistoria de
aproximadamente 1700 imóveis situados no centro histórico, realizando a medição da
respectiva carga de incêndio desta área. Além disso, foram mobilizadas ações de
conscientização através da orientação dada aos trabalhadores locais sobre como agir no
caso de início de um incêndio.Contudo e infelizmente, o projeto enfrentou dificuldades
para continuar devido ao pouco envolvimento do poder executivo, de forma que o
programa não pode ser concluído diante da falta de apoio da Prefeitura443.

Referências

ANDRADE, Carlos Drummond de. O título e a realidade. Jornal do Brasil, 4 set. 1980.
Caderno B, p.7.

AUDIÊNCIA PÚBLICA n°: 523/2003 Data: 15/5/2003. Câmara Municipal de Ouro


Preto: Audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior destinada
discutir a preservação do patrimônio histórico do País a partir da preservação do
patrimônio histórico da cidade de Ouro Preto.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Saudação a Ouro Preto. Jornal do Brasil. 29 jul.
1980. Opinião, p. 11.

GAGLIARDI, Ignacio. FIEMG, Ouro Preto (MG) – Parte II: Reconstrução do antigo
Hotel Pilão no conjunto arquitetônico da Praça Tiradentes. Ilumine o Projeto, 11 de março

443
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO. Audiência discute medidas de prevenção e combate a incêndio.
Câmara Municipal de Ouro Preto, 20. abr. 2006. Disponível em:
<<http://www.cmop.mg.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=290:audiencia-discute-
medidas-de-prevencao-e-combate-a-incendio&catid=61:reunioes>. Acesso em 2 set. 2021

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748

de 2021. Disponível em\; <http://ilumineoprojeto.com/fiemg-ouro-preto-mg-parte-ii-


reconstrucao-do-antigo-hotel-pilao-no-conjunto-arquitetonico-da-praca-tiradentes/>.
Acesso em: 20 nov. 2022.

GRAMMONT, Anna Maria de. Os significados do Patrimônio Histórico: uma reflexão


em torno do Hotel Pilão de Ouro Preto. 2005. Dissertação (Mestrado em Cultura e
Turismo) - Universidade Federal da Bahia, Ilhéus, 2005

GOUVEIA, A. M. Claret. Introdução à engenharia de incêndio: para estudantes,


arquitetos, engenheiros, administradores e bombeiros. Belo Horizonte: 3i Editora, 2017.
230 p. 42.

GOUVEIA, A. M. Claret. Análise de risco de incêndio em sítios históricos: Cadernos


técnicos 5. Brasília: IPHAN / Monumenta, 2006. p. 11.

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portal de notícias dos alunos da UFOP, 23 ago. 2021. Disponível em:
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