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Quem Samba Fica, Quem Não Samba Vai Embora

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Carlos Marighella
Dezembro de 1968

Primeira edição: Carta dirigida aos revolucionários de São Paulo, em dezembro de 1968.
Fonte: Carlos Marighella - O Homem por trás do mito. Editora UNESP, 1999, Pág:547-550.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo

É a seguinte a relação de forças na Organização: vamos atuando aqui e ali. Toda ação nossa de razoável
envergadura sempre dá dinheiro. Há uma ordem de preferência na aplicação. As viagens às áreas
estratégicas têm preferência. Viagens significam preparação de pessoal altamente qualificado. Isto é
coisa a longo prazo. Por enquanto debilitamos a organização pegando os melhores e mandando-os
viajar, para que se preparem bem em todos os sentidos. Isto é inversão de capital. Amanhã tudo será
transformado em melhores ações. Haverá mudança de qualidade. A Revolução não é coisa abstrata.
Então continuamos lutando sem desfalecer, indo devagar até conseguirmos o que queremos. E um jogo
de paciência, de decisão e de vontade. A persistência é a melhor qualidade do revolucionário. O homem
por sua vez é seu melhor capital. Todo capital que empregamos para preparar gente é capital rentável. E
rende depois. Assim estamos trabalhando porque a guerra contra eles é longa e prolongada e não se
baseia em combates decisivos, mas na paciência chinesa, na astúcia, na sagacidade, na malícia, no
reconhecimento de que somos fracos e eles fortes. Precisamos trabalhar os jovens. Ou melhor:
precisamos trabalhar com os jovens. É preciso dar oportunidades aos jovens e responsabilizá-los com
problemas que só a juventude pode resolver. Tragam jovens para a ação, para contatos, reuniões se for o
caso. E gente jovem para viajar e aprender. Quando voltarem, pouco a pouco, irão cuidando de tudo,
queiramos ou não.

Outro gasto a se fazer é com a área estratégica. Esta área é mais importante que a cidade. É decisiva. A
cidade é complementar. No caminho que seguimos no Brasil, não devemos deixar a cidade abandonada.
Sem a cidade não haverá êxito na área estratégica rural. Mas a cidade trabalha para permitir o
lançamento da área estratégica.

Lançada a área estratégica, muda a qualidade do movimento e a coisa pega fogo. Mas a cidade é um
cemitério de homens e recursos. Quanto mais recurso se lança na cidade, mais é preciso empregar. A
cidade, se a área rural em movimento não tem perspectiva, cansa e leva ao desespero. Consome tudo e
não tem de onde receber. Temos que ir empregando algo na cidade, sem perder o campo de vista,
esperando o momento de lançar a área estratégica rural. Uma vez esta lançada, a cidade é arrastada.
Encontra-se diante de um fato consumado. Com um pequeno trabalho inicial na cidade, com o apoio de
uma pequena rebelião preparada antecipadamente, os gorilas ficam enganados.

Para a preparação desta rebelião empregamos alguns recursos em toda parte urbana importante. A
questão do emprego de recursos obedece ao plano estratégico e não ao emprego de capital para manter
e somente quando estas estão bem "azeitadas", lançar o movimento rural. Ainda quando se trata de
armas podem ser consumidas e já há homens em quantidade suficiente para manejá-las bem e
economicamente.

A tarefa de vocês é logística, mas acontece que de acordo com o desenvolvimento das ações, criam-se
três frentes: a frente guerrilheira, a frente de massas e a rede de sustentação. Isto se dá tanto na área
rural quanto na área urbana. Na frente guerrilheira existe a organização dos GTA e das áreas
estratégicas, assim como a dos eixos guerrilheiros. Na frente guerrilheira existe também o ICR, a
captura de armas e munições. Há além disso na frente guerrilheira a preparação de sabotagens e a
formação de professores na especialidade e também na execução prática. Não devemos dar trégua.
Cada uma pequena ação e de vez em quando as grandes. Vocês têm carta branca na frente guerrilheira
para desencadear a ação. Só não têm carta branca para coisas burocráticas, isto é, para impedir ações
planejadas pelos grupos, sejam eles quais forem. Nem podem fazer discussões formais. É preciso ação e
mais ação. Distribuir manifestos, pichar muros, sabotar, fazer política de terra arrasada, tudo isto com o
trabuco na cintura. Ninguém deve se deixar prender sem resistência. Por isto deve andar armado. E
atirar para matar policiais e dedos-duros. A ditadura tem medo e nós não vamos parar nem sair do ritmo
porque os fascistas deram um golpe dentro do golpe. Levem trabalho na frente guerrilheira para o
interior e para todas as partes. Vejam quem quer fazer e dêem carta branca. É preciso acabar com a
omissão e a vacilação. A ação não prejudica. Que seja planejada e executada sem demora. Ponham os
jovens nisso. O dinheiro só vem da ação.

Na frente de massas não preciso dizer nada. Vocês são especialistas nisto. Operários, camponeses,
estudantes, padres e intelectuais: todos devem ser estimulados para a ação de massas. A frente de
massas deve possuir potência de fogo e responder a tiros. A frente de massas deve ser conduzida a
adotar táticas guerrilheiras. Tudo que se pode fazer está resumido no capítulo "A nova fase da luta" da
mensagem. A rede de sustentação são as casas, os esconderijos, a fabricação de armas. Vocês devem
fazer um balanço de tudo que possuímos nas três frentes e traçar novas tarefas de organização,
colocando, à frente de cada setor de atividade, os elementos que se destacaram na ação e querem ação e
não burocracia. A coordenação, se atrapalha a ação, pode deixar de existir.

O fundamental na organização são os grupos e a atuação de baixo para cima. Uma coordenação ativa e
revolucionária leva a ação para diante. Os grupos devem unir-se de baixo para cima, a partir da ação.
Podem ser feitas ações em conjunto. Todos os grupos nossos ou não nossos devem ser chamados para a
ação conjunta, para ICR, seja para o que for contanto que acabe a ditadura e o imperialismo. De todo
modo, o problema é quem samba fica, quem não samba vai embora.

Nossos vínculos são ideológicos. Quem diverge ideologicamente deve dizer e colocar-se em sua
verdadeira posição. A verdade deve ser dita claramente. O que acontece é que a juventude está vindo
para a organização, porque vê nela a decisão de fazer, executar, atuar sem burocracia e sem respeitar os
velhos e gastos padrões de centralismo democrático, tão desprestigiados e desmoralizados. Nossa
democracia é revolucionária. É a democracia da ação, o que é útil à revolução e não a meia dúzia de
burocratas e faladores. O problema para nós é o seguinte: perguntar o que faz, o que quer, que ações já
participou e onde quer chegar. Se alguém acha que o nosso caminho armado é o correto ou não é
correto, faça o favor siga seu caminho e não está obrigado a seguir o nosso. E quanto a vocês que têm
uma posição ideológica determinada, não têm que esperar por mim. Tomem a iniciativa, assumam
responsabilidades, façam. É melhor cometer erros fazendo, ainda que disto resulte a morte. Os mortos
são os únicos que não fazem autocrítica.

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Inclusão 13/07/2011

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