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Rio de Janeiro- Rj
2023
AMANDA MIGUEL DE LIMA
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Rio de Janeiro- RJ
2023
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AGRADECIMENTOS
Agradeço também ao meu namorado Rafael, por todas as palavras que aqueceram o
coração e incentivaram a alma a continuar, muito obrigada.
Não poderia deixar de agradecer também a todos os meus amigos que incentivaram de
todas as formas nesse processo a ser menos solitário.
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“Era uma dessas pinturas realizadas de modo a que os olhos o acompanhem sempre que você
se move. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO EM VOCÊ, dizia o letreiro, embaixo”.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 10
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS 29
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 31
7. ANEXOS: EPISÓDIOS 32
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1. INTRODUÇÃO
Não me lembro ao certo quando começou meu interesse por distopias, mas
lembro da sensação de ler pela primeira vez 1984, livro de George Orwell que trata
desse tema, lembro do quanto essa obra foi um divisor de águas para “abrir os
olhos” para temas antes, ainda, turvos para uma jovem.
A ideia que Orwell plantou em minha cabeça nunca deixou de germinar, fato
que me fez pensar em escrever, ou fazer algo com toda aquela informação e está
sendo tema desta investigação.
1984 é escrito por George Orwell em 1949, sendo uma narrativa distópica que
trata de uma sociedade controlada por um regime totalitário, localizada em um bloco
continental chamado Oceania. Esse regime é detentor de todos os recursos usados
pelos moradores e vigia de perto todos os habitantes.
A trama apresenta o personagem principal, um morador, que, como todos os
outros, trabalha para o Socing, nome dado ao regime político que comanda a
Oceania. Ao sermos apresentados a Wilson Smith, percebemos que ele é avesso ao
regime atual, pois, em suas lembranças, antes de terem o poder em mãos, a
sociedade vivia em melhores condições que as do momento.
O controle sobre os habitantes é intenso. Há a polícia das ideias, responsável
por fiscalizar possíveis atitudes que acarretem qualquer descontrole do regime para
com os indivíduos a serem controlados. Existe também a Novafala, uma língua
criada e constantemente revisada para evitar qualquer comunicação que desviasse
da função de somente transmitir informações de maneira impessoal. O fato de haver
uma língua ‘artificial’ forjada para o controle da população é digno de espanto e nos
faz, como concluintes do Curso de Letras, refletir sobre o poder da linguagem na
engrenagem das sociedades.
Há também as teletelas, uma das ferramentas responsáveis pela vigilância de
todos. São dispositivos que costumam estar em vários lugares, inclusive dentro da
casa dos indivíduos. Elas funcionam como câmeras de vigilância, mas também
como veículo que transmite as mensagens do Grande Irmão, essa entidade quase
fantasmagórica, detentora de todo poder, mas que ninguém, de fato, já viu. Como
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Junto a autores que tratam dos temas recorrentes nessas obras, pretendo
então analisar as referidas obras, que conversam com temas como: vigilância
constante, comportamento humano nos ambientes controlados e vigiados, regimes
totalitários, etc. Sendo assim, o recorte empreendido para esta investigação engloba
o filme Matrix (1999) com a temática da dissonância cognitiva e de realidades
paralelas e o episódio “Queda livre” da série britânica Black Mirror (2016).
Para trazer mais uma série de narrativas cuja temática é uma sociedade
distópica que usa o controle para ‘ajustar a conduta’ dos cidadãos, temos a série
Snowpiercer (2020), que elucida o poder centralizador a partir de atores políticos,
que também, em certa medida, vem influenciado por Orwell e seu Grande Irmão.
Com esse panorama de narrativas ligadas ao tema, procuraremos verificar
como os escritores, diretores e roteiristas das obras selecionadas para esta
investigação vão lendo a nossa realidade e montando, através da arte, obras que
nos trazem reflexões, que nos fazem despertar para o fato de que estamos nos
direcionando para a construção de realidades muito próximas às retratadas pela
ficção.
Uma das ferramentas em comum que essas obras mostram como uma
possível marca na mudança social é o uso da tecnologia de forma exagerada e
inconsciente, revelando como a tecnologia mudou as regras do jogo. Essa mudança
reverberou em todos os âmbitos da nossa vida, sejam eles dos mais triviais, como
não ir mais às agências bancárias para resolver burocracias que hoje podem ser
resolvidas através de um click, como também em âmbitos macros, que mudam a
vida em escala global, como a criação de criptomoedas, que hoje já podem ser
cambiadas e usadas até na bolsa de valores.
Essas resoluções que envolvem a tecnologia parecem, a priori, muito
benéficas, mas, como tudo tem seus ônus, a digitalização máxima trabalha, em sua
maioria, de maneira inversamente proporcional à privacidade, seja com pessoas
públicas ou anônimos, e até mesmo a extensa lista de quebras de sigilo de contas e
vazamento de dados pessoais através da web, a quantidade absurda de golpes
criados para os navegantes, golpes esses que nem os mais experientes navegantes
escapam.
Em suma, a tecnologia mudou tudo, “virou a banca” e hoje estamos no
movimento constante de adaptação, haja vista que a cada dia novas tecnologias e
formas de uso estão chegando. E os que resistem encontram cada vez mais
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“Fosse como fosse, uma coisa era certa: tinha meios de conectar-se a seu
aparelho sempre que quisesse. Você era obrigado a viver e vivia, em
decorrência do hábito transformado em instinto."
em mãos, Winston começa a relatar seus pensamentos secretos que destoam dessa
sociedade e quem a governa, nos levando, com ele, a refletir acerca das nossas
próprias convicções e métodos de poder.
CENA 1- (Winston escreve em seu caderno. Cena do filme 1984 lançado também
no ano de 1984).
Se por um lado as utopias nos brindam com uma esperança quase cega em
um futuro libertário e cheio de novas ideias, as distopias vêm como as
consequências dessa cegueira e com o quanto a acentuação das tendências
visionárias podem ter o efeito oposto ao proposto, como o aprisionamento e a falta
de liberdade.
tornando-o ainda mais opaco. Pouco se sabia sobre o que ou quem estava vigiando,
mas o vigiado era exposto e observado do topo do panóptico.
Essa relação tornou-se menos binária. Hoje o poder não é tão vertical e
centralizado, pois, com o uso das redes, teríamos a chance de mudar essa
opacidade nas relações de poder e conhecer quem nos “vigia”. Através da web, a
sensação de nitidez ao ter a liberdade de expressão e o acesso a dados nos daria a
ilusão do pertencimento do todo.
A criação do reality show Big Brother deu novos rumos à vigilância constante,
construindo contornos de espetáculo. O próprio nome, quando traduzido para o
português brasileiro, seria um “show da realidade”. O programa teve sua primeira
edição em 1999 na Holanda e contou com a participação de pessoas anônimas que
se inscreveram para serem privadas em uma casa glamurosa e serem vigiadas por
câmeras a todo tempo. O nome e o programa são inspirados no livro de Orwell, Big
Brother é uma referência direta ao “grande irmão''.
situações do cotidiano, para que possamos avaliar suas decisões e comparar com
as nossas, que estamos assistindo quase onipresentemente, pois o programa sofre
edições, e a cada semana é decidido quem sai e quem fica no programa.
Irmão” deixava claro que estava à espreita, observando e julgando cada passo e
pensamento seu.
violência, Layton, o fundista que outrora foi um investigador, chega para descobrir
quem foi o culpado, descobrindo, entretanto, coisas para além do esperado.
Essa sombra de autoridade, sem ao menos ser preciso que a figura aparece
em “carne e osso”, é também um dos mecanismos utilizados por Orwell em 1984,
quando, por meio das ordens dadas por teletelas e cartazes nas ruas, a figura nunca
vista pessoalmente do Grande Irmão emanava em suas palavras o poder de
subjugar e controlar toda a população da obra.
participantes da rede. As notas que você recebe podem mudar sua vida dentro da
sociedade, afetando diversas áreas, como cargo, emprego, relacionamentos, família.
Se antes o indivíduo vigiado, por diversos tipos de controle, comportava-se de
forma a se passar despercebido, como lemos nas primeiras páginas de 1984, para
que quem os vigiava não interferisse, ainda mais, de maneira opressora em sua
vida, aqui não podemos perceber essa figura vigilante, como as teletelas lembrando
a todo tempo que estão sendo vigiados. Ao contrário, temos a sociedade distópica
fazendo esse papel, sendo o termômetro do comportamento e contínua manutenção
do mesmo, pelo uso da rede e das notas dadas.
No decorrer do episódio, o telespectador e Lacie são transportados para um
mundo em tons pastéis e iluminação criada na fotografia do episódio. Para dar o tom
de um mundo perfeito, a personagem principal também se veste em tons pastéis,
caracterizada com um penteado milimetricamente feito para ornar com o ambiente,
fotografa e posta a experiência gastronômica da ida a um café com um comentário
agradável (mesmo sabendo que a experiência não lhe agradava). Em troca desse
sacrifício, recebe elogios e notas altas por seu post.
Um exemplo de como esse aplicativo pode influenciar diretamente a vida dos
personagens acontece logo no início do episódio, quando Lacie chega ao trabalho,
percebe um clima estranho, e um colega chega oferecendo smoothies como um
agrado aos colegas de trabalho, Chester, é quem oferece. Quando Lacie aceita uma
dessas cortesias, o movimento a seguir é dar uma nota alta em retribuição ao gesto.
Mas logo é advertida por outro colega, que Chester não deve ser bem avaliado
nesses dias, pois havia rompido um relacionamento com Gordon, e todos estavam
do lado de Gordon, dando uma pista a ela de como deve agir naquela situação, para
que não fosse mal interpretada e ganhasse notas baixas se tomasse partido do lado
“errado”. Algumas cenas depois, Lacie encontra o Chester no hall da empresa,
impedido de entrar, pois sua avaliação está muito baixa.
CENA 3 - (Chester leva smooth para todos na empresa enquanto vê sua nota
descer. Cena do episódio Queda Livre na série Black Mirror).
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personagens, as artes plásticas, com o arranjo dos cenários e paletas de cores nos
tons certeiros conferindo o clima semiótico adequado ao ambiente.
Os textos multissemióticos apresentam, assim, muitos elementos como
imagens, ícones e desenhos em sua constituição, ou seja, são constituídos de várias
linguagens (modos e semioses). Em geral, esses textos informam através de
recursos visuais, além do texto verbal. Desse modo, os textos multissemióticos
podem apreender a linguagem verbal, visual, digital, sonora, entre outras.
Todos esses elementos já citados são tipos de linguagens relacionadas à
multissemiose, pois são as criadoras da linguagem multissemiótica. Tais elementos
nos entregam histórias com cada vez mais sensações imersivas e exige de nós
acessos a conhecimentos prévios, diversos e específicos, a fim de apreciar sua
criação na íntegra.
Junto ao frenesi e todas essas sensações eclodindo ao assistir a uma obra
cinematográfica, vemos também novos meios tomando espaço e democratizando o
acesso à cultura e ao cinema, com os streamings, plataformas online que permitem
assistir a filmes e séries sem sair de casa. Juntamente com os streamings, o formato
seriado ganhou mais visibilidade e um maior portfólio. O que antes só poderia ser
acessado nas telonas, hoje pode ser visto na palma da mão, com um smartphone.
Não por acaso a tecnologia é novamente citada como grande agente de
transformação social, capaz de mudar para melhor, ou não, o modus operandi de
uma sociedade inteira. Com o acesso à internet, acessamos também uma
linguagem não linear, experienciando a multissemiose dentro de múltiplas
plataformas (multimodalidade), textos, hipertextos, música, combinados ou
separados trazem novas linhas de conexão.
Para ilustrar essas conexões e ainda conversar com o tema proposto nesta
monografia, trarei a obra de 1999, Matrix, que é anterior à Série Black Mirror,
analisada na seção anterior. Ela juntou-se a tantas outras obras de ficção científica
com foco em tecnologia. Filmes como: O vingador do futuro (1990), Exterminador do
futuro (1991),Os doze macacos (1995), O show de Truman (1998) são alguns
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CENA 5 - Neo escolhe entre a pílula azul e a vermelha no filme Matrix, 1999. (Fonte:
https://jovemnerd.com.br)
Contudo, no segundo filme da trilogia, Neo tem o segundo encontro que muda
novamente sua nova vida, ele encontra com o criador da Matrix, o "Arquiteto", que
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conta a ele que Zion e ele mesmo são programas criados para que a manutenção do
poder sobre os seres humanos continuasse cadenciada e controlada.
CENA 6 - Neo e o Arquiteto no filme Matrix Reloaded (2003) (foto retirada do site Pinterest)
A manobra usada por Neo para convergir seu objetivo à nova realidade
apresentada, a dissonância cognitiva, se assemelha muito ao que Winston em 1984
denomina “duplipensar”. O duplipensar é a capacidade de abrigar, simultaneamente,
duas ideias contraditórias e crer em ambas.
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Primeiramente descrita por Leon Festinger em 1957, a dissonância cognitiva é um conceito extremamente
importante para entender como as pessoas conseguem mudar de opinião e comportamento — muitas vezes
em pouco tempo, referindo-se a um mal-estar provocado por um conflito entre o que uma pessoa pensa, o que
sente e o que faz. É o caso, por exemplo, da pessoa que se vê como honesta, mas se pega mentindo para não
ter que dar maiores explicações.
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“De fato, dos que não pensam como nós dizemos que não estão no
mundo real, quando o que queremos dizer é que não habitam nosso
modelo do mundo, que não compartem nossa visão de como são as
coisas. Dito de outro modo, como estamos cegamente convencidos
de que não há mais que uma maneira correta de ver a realidade - a
saber, a nossa – e totalmente persuadidos de saber o que passa
pela cabeça dos outros (até o ponto de fazer inecessária toda
comprovação ulterior), alçamos a mirada desdenhosa por encima
dos demais sem ver a superfície sobre a qual caminhamos.
(Atahualpa Fernandez Marly Fernandez SOBRE A DISSONÂNCIA
COGNITIVA, O AUTOENGANO E A IGNORÂNCIA AUTOIMPOSTA,
2014)
conseguiu fazer acordos com as máquinas e, sacrificando-se a Zion pôde, enfim, ter
uma libertação verdadeira.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
usam para se pronunciar, para levar recados e espalhar, ora subliminarmente ora
explicitamente, notícias distorcidas, alteradas ou falsas, que auxiliam na manutenção
do poder, por sua ampla divulgação e a pouca verificação dos fatos. Com isso, as
figuras de poder conseguem levar suas ideias para mais pessoas, e nem sempre
“mostrando a cara”.
Sendo assim, como uma futura professora, não pude deixar de pensar como
essas novas abordagens a respeito das obras ficcionais despertaria a curiosidade
dos estudantes, de forma individual e coletiva, abrindo possibilidades de serem
realizadas palestras, trabalhos audiovisuais, de modo que esses sujeitos-aprendizes
pudessem associar a narrativa que recebem como alegoria das suas próprias vidas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DERRIDA, J. Mal de arquivo: uma impressão freudiana. Trad. Cláudia Rego. Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 2001.
SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
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Episódios:
Queda livre. Dir. Joe Wright. House of Tomorrow, 2016. Netflix. Web. Acesso em:
Agosto 2022
Matrix. Dir. Lana Wachowski e Lilly Wachowski. Village Roadshow Pictures, Silver
Pictures e Warner Bros. Pictures, 1999. HBO max. Web. Acesso em: Dezembro
2022/ Janeiro 2023.
Expresso do Amanhã. Dir. James Hawes e Scott Derrickson. Netflix, 2020. Acesso
em: Janeiro 2023.