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Saúde Ambiental e

Desenvolvimento 4
Arlindo Philippi Jr.
Engenheiro Civil e Sanitarista, Faculdade de Saúde Pública da USP

Tadeu Fabrício Malheiros


Engenheiro Civil e Ambiental, Faculdade de Saúde Pública da USP

QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


A Constituição brasileira de 1988 é bastante atual no que se refere à
iserção do conceito de desenvolvimento sustentável em seu texto:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso


comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder
público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presen-
tes e futuras gerações.

No entanto, a complexidade da questão da sustentabilidade aumenta


necessidade e importância de ações de todos os setores da gestão do meio
biente para a busca de soluções integradas e sustentáveis.
O quadro que se apresenta à gestão dos espaços antrópicos e naturais re-
vela u m conjunto de dificuldades num processo em círculo vicioso: sistema
de planejamento que não acompanha a dinamicidade das cidades; complexi-
dade da questão ambiental e o seu papel no processo de desenvolvimento;
descontinuidade de políticas, planos, programas e projetos, diminuindo ou
anulando os impactos positivos esperados pelos investimentos em infra-
estrutura e operacionaKzação dos assentamentos humanos; e, finalmente, a
• a participação da sociedade nesse processo de gestão.
60 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Essas questões, ilustradas na Figura 4 . 1 , reforçam a urgência de revi-


são da forma de gestão dos espaços antrópicos e naturais e, portanto, exi-
gem o entendimento da existência de limites no que se refere aos padrões
de consumo e produção e promoção de justiça social.
Encerram, portanto, a necessidade de priorizar esforços na promoção
de mudanças na forma de planejar, do melhor entendimento do funciona-
mento e inter-relação dos ecossistemas naturais e construídos, e no envol-
vimento da comunidade no processo de gestão do seu espaço, nas d i -
mensões local e global.
Nesse sentido, como promover revisão de padrões que possibilitem
navegar rumo a u m equilíbrio harmónico e duradouro no contexto das
dimensões social, ambiental e económica?
E m 1996, u m grupo internacional de pesquisadores no campo do
desenvolvimento sustentável se reuniu em Bellagio, na Itália, para avaliar
o progresso mundial pós Rio 92, em relação às ações e pesquisas para rea-
lização dos acordos aí estabelecidos.
Foram então propostos princípios que serviriam para guiar a avaliação
no que se refere ao progresso em relação ao desenvolvimento sustentável.
Conforme Hardi e Zdan (1997), os Princípios de BeUagio propostos, resu-

Figura 4.1 - Aspectos que dificultam a gestão dos espaços naturais e antrópicos.

Técnicos mal preparados


Sistemas de planejamento para trabalhar com questões
estáticos, centralizados complexas que envolvem
e setoriais aspectos ambientais

Crise da gestão, dos


espaços naturais
e antrópicos
Baixa
participação da Descontinuidade
comunidade no das ações do
processo de gestão poder municipal
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 61

fiMdos no Quadro 4 . i , abrangem 4 aspectos do processo de avaliação da


tMWentabslidade de um modelo de desenvolvimento adoíado.
C) primeiro :-ií;pecto, principio 1 , é o entendimento prático do que é
^iwMiwiIvimento sustentável, como também a necessidade do estabeleci-
fNtmio de metas para dar subsídio às pt)l!ticas públicas e às tomadas de

o segundo aspecto, princípios 2 até 5, refere-se à metodoiogia do pro-


WMM) de avaliação, que inclui uma ]-eavaIiação d o sistema atual, em termos
'ét «insumo, necessidades e impactos; a visão de conjunto; a consideração
<iait qíiestões locais em harmonia com as diversas instâncias ~ Local +
Hlllinnãl + Globaí; e, finalmente, a transformação de conceitos em ques-
Uteii práticas.
O terceiro aspecto, princípios 6 até 8, refere-se a questões-chave do
|»i()icsso de promoção de mudanças, como a necessidade de participação
íictiva de todos os atores nas diversas fases do processo; a transparência e
ssibilidade do processo, em termos de linguagem, simplicidade, inte-
e, entre outros.
E, finalmente, o quarto aspecto, princípios 9 e 10, estabelece u m pro-
;o contínuo de educação ambiental e capacitação.
Dessa forma, portanto, o processo de educação ambiental deverá per-
II esse conjunto de princípios no sentido de transformar atitudes nas
~oes entre os indivíduos, dos indivíduos com a própria sociedade e da
ledade com o seu meio ambiente.

Modificação Ambiental e Sustentabilidade


( ) estudo e a compreensão dos fatores económicos, sociais, políticos,
noiógicos e ambientais que acompanharam a história do homem pos-
bllitam reflexão sobre os diferentes modelos de desenvolvimento adota-
; e as direçóes a serem priorizadas neste terceiro milénio.
As modificações ambientais decorrentes do processo antrópico de
"Upação dos espaços e de urbanização, que vêm acontecendo em escala
sbal, especialmente nos dois últimos séculos, ocorrem em taxas incom-
[•iillveis com a capacidade de suporte dos ecossistemas naturais, resultan-
1 III cm esgotamento de recursos naturais e poluição dos ecossistemas.
I )iversos estudos revelam que as modificações ambientais impostas
OS atuais padrões de consumo e de produção das sociedades alteraram
62 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Quadro 4.1- Os Princípios de Bellagio propostos para o processo de desenvolvi-

_ _Descrição
mento sustentável.
.
1 É necessário primeiramente ter uma visão clara de desenvolvimento sustentável e as
metas que a definem.
2 Proceder a revisão do sistema atual como um todo e em partes; considerar o bem-estar
dos subsistemas social, ecológico e económico, os seus estados, a direção e a taxa de
mudança em relação a estes estados e suas inter-relações; considerar as consequências
positivas e negativas das atividades humanas, de maneira que reflita os custos e benefícios
para os seres humanos e sistemas ecológicos, em termos monetários e não-monetários.
3 Considerar as questões de igualdade e disparidade entre a população atual e entre as
gerações presentes e futuras, avaliando o uso dos recursos, consumo e pobreza, direitos
humanos, e acessos aos serviços básicos; considerar as condições ecológicas das quais a
vida depende; considerar o desenvolvimento económico e outras atividades fora do mer-
cado, que contribuem para o bem-estar humano e social.
4 Adotar horizonte de planejamento longo o suficiente para abranger as escalas de tempo
humano e dos ecossistemas naturais, respondendo assim às necessidades das futuras
gerações, como também às que precisam de decisões de curto prazo; definir o escopo
de trabalho abrangente o suficiente para que inclua os impactos locais e regionais/glo-
bais na população e ecossistemas; basear-se nas condições históricas e atuais para ante-
cipar condições futuras - onde se quer chegar, aonde se pode ir.
5 Utilizar uma estrutura organizacional que conecte a visão e os objetivos a indicadores e cri-
térios de avaliação; utilizar um número limitado de aspectos para análise; um número limi-
tado de indicadores ou combinação de indicadores para conseguir uma sinalização mais
clara do progresso; padronizar medidas, quando possível, de modo a permitir compara-
ções; comparar valores dos indicadores a metas, valores de referência, ou valores limites.
6 Os métodos e dados utilizados devem ser acessíveis a todos; todos os julgamentos, valo-
res assumidos e incertezas nos dados e interpretações devem ser explicitados.
7 Ser projetado para atender às necessidades da comunidade e dos usuários; utilizar indi-
cadores e outras ferramentas que podem estimular e trazer a atenção dos governantes;
buscar utilizar simplicidade na estrutura e linguagem acessível.
8 Obter representação efetiva da comunidade, profissionais em geral, grupos sociais e téc-
nicos, de modo a garantir diversidade e reconhecimento dos valores utilizados.
9 Desenvolver capacidade de monitoramento para obtenção das tendências; ser interativo e
adaptativo, e que possa responder às mudanças e incertezas, considerando a complexida-
de e possibilidade de mudança dos sistemas; ajustar os objetivos, a estrutura e os indica-
dores conforme novos conhecimentos e ideias forem chegando; promover conscientização
da sociedade e que possa suprir aqueles que tomam decisão.
10 Indicar responsabilidades e obter prioridade no processo de gestão e decisão; prover
capacidade institucional para coleta, manutenção e documentação dos dados; garantir e
prover capacidade de avaliação local.

Fonte: Hardi e Zdan 1997


SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 63

significativamente os ambientes naturais, poluindo o meio ambiente físi-


co, consumindo recursos naturais sem critérios adequados, aumentando o
risco de exposição a doenças, atuando negativamente na qualidade de vida
da população (Miranda, Dorado e Assunção 1994; Ministério da Saúde
1995; Banco Mundial 1998; W H O 1999).
Odum (1988) define ecossistema como u m conjunto de fatores bióticos
(componente autotrófica, que é capaz de fixar energia luminosa e produzir
«limentos a partir de substâncias inorgânicas; componente heterotrófica,
que utiliza, rearranja e decompóe os materiais complexos sintetizados pela
componente autotrófica) e abióticos (elementos básicos e compostos do
meio; fatores ausentes da presença de seres vivos, como temperatura, luz,
rt^ua, entre outros), em que ocorre uma interação entre os organismos vivos
V o ambiente físico, com a formação de u m fluxo de energia e uma ciclagem
dc materiais entre as partes viva e não viva.
N u m ecossistema primevo ou primitivo, o conjunto de atividades
iintrópicas exerce pequena ou nenhuma alteração nas características natu-
ais do ecossistema considerado. Isso ocorre em decorrência de aspectos
)mo a relação da área total desse ecossistema considerado e a dimensão
1'lativamente pequena da área de intervenção das atividades humanas;
lipo de atividade antrópica realizada; características abióticas e bióticas do
ossistema, como tipo de solo e subsolo, chuva, radiação solar, ventos,
ranjo da cadeia trófica, existência de espécies endémicas, entre outros,
lie conferem uma maior ou menor fragilidade do ecossistema.
No entanto, n u m ecossistema rural, pode-se observar que o conjunto
atividades agropecuárias é responsável por mudanças significativas no
ibiente primevo. Trata-se primordialmente de u m ecossistema exporta-
)r, que tem como atividade principal produção de alimentos para aten-
iinento à demanda local (agricultura de subsistência) e à demanda das
'lomerações urbanas.
Nesse ecossistema já se verifica u m processo de importação energéti-
fíi, em forma de fertilizantes químicos, combustível para movimentação
'e equipamentos para preparo do solo, plantio e colheita, bombeamento
'água para irrigação de culturas, transporte de insumos para a área de
dução e de produtos para a área de consumo; ocorre importação bió-
;a com a utilização de espécies vegetais e animais de outras regiões, inclu-
sive em sistema de monocultura; retirada de vegetação primitiva para
iinplantação das áreas de agricultura ou pastagem para pecuária.

m
j i ; EDUCAÇÃO AMBiEOTAL E SUSTENTABILIDADE

'Urn ecossistema urbano pode ser definido como aquele onde as alte-
tações ocorridas em função das inten-enções antrópicas foram mais signi-
ficativas, i m p i i m i n d o cai-acíerísticas bastante alteradas em relação aos
jiimbientes anteriores. As principais características do ambiente urbano
são: a i u densidade demográfica; relação ambiente construído e ambiente
natural desproporcionai; importação de energia para manter o sistema em
funcionamento; elevado VOJUIÍ;^ de resíduos; alteração significativa UQ
diversidade biológica nativa, com retirada das tloic:;í3s, importação de
espécies vegetais e aniiTiòis; desbalanceamento dos principais ciclos bio-
geoquímicos, como o ciclo da água, do carbono, do nitrogénio e do fósfo-
ro; impermeabilização do solo e alteração de cursos d'água.
Estudos realizados mo'';ram diferenças impoftautes encontradas
entre u m ambiente natural e urbano, por exPínpio no que se refere à poiui-
ção atmosférica e às características niicroclimáticas, e que têm relação com
u m maior riscc de agravo à saúde e qualidade de vida (Ehrlich et ai. 1977;
,Ca|l«WlÍ988;Forattini 1992). ;=« ,/> y,^ M/.;*.
As altas concentrações de material particulado que, por exemplo, ocor-
rem com maior frequência nas áreas urbanas têm diversas causas: fontes
industriais que emitem material particulado; atividades de construção civil
sem controle de poeira; ressuspensão de poeira por veículos, entre outras.
A impermeabilização excessiva do solo, como consequência da i m -
plantasão de vias de circulação com asfalto, utilização de piso impermeável
nos quintais das residências e indústrias, baixo índice de áreas verdes urba-
nas e a construção de casas nas várzeas dos cursos d'água, aumenta a ocor-
rência de pontos de enchente e de alagamento, com reflexos negativos nas
atividades urbanas e em problemas de saúde pública.
Os ambientes primevo, rural e antrópico encerram, portanto, caracte-
rísticas físicas, biológicas e sociais bastante distintas, cuja consideração se
torna importante no processo de gestão ambiental. O planejamento desses
espaços deve ser feito com enfoque integrado, pois o desbalanceamento
dos fluxos de energia, de troca de recursos naturais entre esses ambientes
e o alto fluxo de mobilidade social são fatores potenciais de causa e
aumento da poluição.
Assim, o entendimento dessas diferenças é também importante no
processo educacional, formal e não formal, para que a sociedade com-
preenda o impacto de suas ações no meio ambiente, e, portanto, o resulta-
do dessas modificações no aumento do risco de agravo à saúde pública e à
qualidade de vida.
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 65

Desenvolvimento Tecnológico e Mudanças


nos Padrões de Consumo
P Torna-se essencial, nesse sentido, compreender o papel dos padrões de
i ^ l s u m o e de produção no processo de modificação ambiental e de con-
minu) de recursos naturais. U m padrão de consumo pode ser definido pela
qualidade e quantidade de utilização de recursos naturais para produção
dc bens de consumo e atendimento à demanda da sociedade para alimen-
lilÇiU), moradia, transporte, lazer e outros. O padrão de produção é a forma
ílc exploração e transformação dos recursos naturais para atendimento às
Urcessidades humanas.
(") que se observa então é que o desenvolvimento tecnológico possibi-
litou maior disponibilidade e controle da energia, ampliando o potencial
iltÉ alterações ambientais, ultrapassando a capacidade de auto-recupera-
1,1b dos sistemas naturais.
Assim, enquanto no passado o fator limitante no consumo de recursos
lurais era primordialmente uma questão energética, em termos de capa-
ade de intervenção, o que ocorre atualmente é que o fator limitante é a
ntidade disponível de determinados recursos naturais. Por exemplo,
'exploração dos recursos florestais, como a madeira, está condicionada a
res de disponibilidade, e não a aspectos de capacidade tecnológica de
••x|iloração e beneficiamento.

Figura 4.2 - Crescimento estimado da população mundial, em niimero de habitantes.

7000
6000
5000
4000 . população

3000
2000
1000
^
O
•10000 -8000 -6000 -4000 -2000 O 2000

iíe; Ehrlich eí o/. 1988, wri 1998.


66 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Nesse enfoque, é importante para a questão ambiental o reconheci-


mento de marcos n a história da civilização, pois são períodos de gran-
des alterações nos padrões de consumo e de produção. A descoberta do
fogo, a prática da agricultura, a domesticação dos animais, o transporte
pelas águas, a Revolução Industrial, a era da informática são alguns
exemplos.
O crescimento populacional mundial observado no último século,
quando associado ao pico n a taxa de consumo de recursos naturais e ao
processo acelerado de urbanização, principalmente em países em desen-
volvimento, resultou no aumento dos índices de poluição urbana, c o m
modificações ambientais de ordem global, como o aceleramento do efeito
estufa, redução da camada de ozónio, e n a redução significativa de biodi-
versidade. , '
No fim do século X X , as mudanças sociais acompanharam os proces-
sos de transformação tecnológica e económica, e a questão da conscienti-
zação ambiental também ganhou importância e espaço nesse processo,
permeando as instituições da sociedade e com apelo político crescente.
Nos últimos trinta anos, ocorreram importantes mudanças no modo de
pensar as questões do crescimento económico, desenvolvimento humano
e proteção ambiental.
Há u m crescente consenso da necessidade da aplicação de enfoque
sistémico e harmónico para as dimensões sociais, económicas, institucio-
nais e ambientais, como estratégia viável para a busca de justiça social e
proteção ambiental. Para diminuir a pressão sobre os recursos naturais, é
preciso combater a pobreza e, portanto, é necessário promover o cresci-
mento económico. Porém, u m crescimento económico em bases insusten-
táveis, que degrade os recursos naturais e aumente a desigualdade social,
resultará em maior pressão sobre os estoques naturais.
O arcabouço legal brasileiro, no que se refere à proteção ambiental,
mostra-se alinhado aos princípios do desenvolvimento sustentável, englo-
bando conjunto de políticas públicas consistente: Política Nacional de
Meio Ambiente (1981), Constituição Brasileira (1988), Política Nacional
de Recursos Hídricos (1997), Política Nacional de Educação Ambiental
(1999), Lei de Crimes Ambientais (1999), Estatuto da Cidade (2000). So-
ma-se a esse conjunto u m a extensa lista de leis nos âmbitos estaduais e
municipais, favorecendo o desenvolvimento de ações de controle ambien-
tal, de responsabilização de agentes poluidores e de priorização no proces-
so de educação ambiental.
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 67

O histórico de ocupação da região da Floresta da Mata Atlântica, onde


Mtao atualmente localizadas grandes metrópoles brasileiras, como São
l'milo. Rio de Janeiro, Vitória, Salvador, é exemplo real de significativas
modificações ambientais criadas por modelos de desenvolvimento insus-
Initiiveis. O padrão de consumo dos primeiros habitantes do ecossistema
Mata Atlântica, os coletores-caçadores, há cerca de onze m i l anos, tinha
como base a caça de pequenos e médios animais, a pesca, coleta de maris-
ins no litoral, fi-utas e raízes n a mata. Para a caça, eles dispunham de u m
iiiiiciiado de pedra, e a queimada era muitas vezes utilizada para expulsar
rtiiiinais de dentro da floresta para uma área descampada. A agricultura só
tiiiigiu na região da Mata Atlântica por volta de 4.000 anos atrás, com o
4iiitivo do milho e da mandioca (Dean 1995).
* Para esse autor, o grupo indígena tupi, que se aproximou da Mata
AllAiitica por volta do ano 400, foi aquele que os europeus encontraram ao
tifsfinbarcar n a costa brasileira. Eles cultivavam a mandioca, coletavam
jiiais de u m a centena de espécies de frutas da floresta, exploravam o peixe
I o marisco e caçavam animais silvestres.
Os impactos das modificações ambientais desses grupos foram mais
ílpiiificativos que os dos primeiros ocupantes, em decorrência de uma
m.iior população e área de perturbação, na flora e fauna, impostas pelas
glias atividades; muitas áreas da Mata Atlântica já haviam sido transfor-
madas em capoeira ao longo da costa litorânea. Mas não tão impactante
quanto as modificações impostas pelo grupo seguinte de ocupantes, por-
tii^',iieses e europeus em geral.

Um dos primeiros atos dos marinheiros portugueses que, a 22 de abril de


1500, alcançaram a costa sobrecarregada de floresta do continente sul-ameri-
cano, nos 17 graus de latitude sul, foi derrubar uma árvore. Do tronco desse
sacrifício ao machado de aço, confeccionaram uma cruz rústica - para eles, o
símbolo da salvação da humanidade [...] Os indígenas, que inocentemente se
irmanaram com eles naquela praia, não faziam ideia, tal como as árvores às
suas costas, da destruição que essa invasão causaria (Dean 1995, p. 225).

A árvore do pau-brasil foi a primeira vítima, cuja extração continuou


Ité a quase que total extinção dessa madeira, u m século após a chegada dos
jportiigueses. Os impactos do padrão de consumo dos países colonizado-
rr-. (k'gradaram os sistemas social e ambiental local das colónias, ao levar
tiulios como escravos e grande quantidade de animais silvestres, como
68 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

papagaios, felinos, macacos, para atender ao mercado europeu, que sem-


pre teve interesse no consumo de produtos exóticos.
Assim, novos padrões de consumo foram impostos e se ampliaram
com a exploração de outros recursos naturais, como madeiras nobres; o
ouro e o diamante, para abastecimento dos cofres europeus e, posterior-
mente, os períodos de monopólio do açúcar e do café.
Mais recentemente, já na segunda metade do século X X , políticas de
desenvolvimento de pólos económicos aumentaram as diferenças regio-
nais no Brasil, principalmente em termos aparentes de oportunidades de
mobilidade social; e também se observa significativa elevação nas taxas de
exploração de recursos naturais, com impactos negativos generalizados no
país. Como exemplo, o elevado consumo de água da região metropolitana
de São Paulo resultou na necessidade de importação de água da bacia
hidrográfica vizinha - Bacia do Piracicaba - que atualmente mostra preo-
cupação quanto aos impactos económicos e ambientais dessa solução na
região.
Outros exemplos de modificação ambiental são a poluição de rios, por
assoreamento e metais pesados como o mercúrio, em regiões próximas às
áreas de garimpo; a erosão do solo em áreas onde a floresta foi retirada,
para a prática da agricultura e pecuária, que consomem e poluem a fina
camada de solo que a natureza levou milhares de anos para formar; os
pólos industriais, com alto potencial poluidor, instalados em áreas ambien-
talmente frágeis.

Impactos na Qualidade de Vida e Saúde Pública


o consumo dos recursos naturais em bases insustentáveis resulta,
portanto, na degradação dos sistemas físico, biológico e social e tem rela-
ção com o aumento do risco de agravo à saúde pública. É a ecologia da
doença que estuda o inter-relacionamento dos fatores determinantes de
natureza físico-química, biológica e social, como propiciatórios das condi-
ções necessárias para a ocorrência da doença e do baixo nível de qualida-
de de vida (Forattini 1992 ) .
Os determinantes físico-químicos incluem os fenómenos naturais,
como a disponibilidade e qualidade dos recursos hídricos, atmosféricos
e solo.
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 69
t
gura 4.3 - Esquema representativo dos determinantes dos agravos à saúde e qua-
lidade de vida da população humana.

DEGRADAÇÃO M
(, RECURSOS
SISTEMA "^^m
NATURAIS
i FÍSICO K ^ ^ H

SISTEMA
SOCIAL BIOLÓGICO

DETERMINANTES
FÍSICO-QUÍMICO, BIOLÓGICO E SOCIAL

AGRAVO À SAÚDE E À QUALIDADE DE VIDA


J
A demanda de água para as atividades humanas cresceu bastante,
principalmente por causa do aumento populacional, do maior consumo
ptr capita e das atividades económicas. Desde 1940, o consumo de água
Híiiiu-iUou mundialmente numa média de 2,5% ao ano, inclusive superior
M l.ixa média de crescimento populacional ( u n 1997). Essa situação torna-
le IllitlUlinii I com o aumento da poluição dos recursos hídricos e a falta
de uniformidade em sua distribuição.
Os níveis de poluição atmosférica têm-se apresentado críticos em
diversas partes do mundo, principalmente em áreas urbanas. O Relatório
de Desenvolvimento Mundial de 1992 identificou a poluição por material
particulado como u m a grande ameaça à saúde pública. E m meados da
dtfcuda de 1980, aproximadamente 1,3 bilhão de pessoas - principalmen-
te cm países em desenvolvimento - moravam em cidades que não aten-
dltim aos padróes da Organização Mundial da Saúde (oMS) para material
70 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

particulado. Estimava-se que, se os níveis de poluição fossem reduzidos


abaixo dos padrões da O M S , poder-se-ia evitar de 300.000 a 700.000 mor-
tes anuais (World Bank 1995).
Estudos realizados por Saldiva et al. (1995) para a região metropoli-
tana de São Paulo, no período de maio de 1990 até abril de 1991, demons-
traram associação estatisticamente significativa entre mortalidade diária
de idosos e poluição por Partículas Inaláveis ( P I ) , onde u m aumento de
100 pg/m' na concentração de P I está associado estatisticamente a 13% no
aumento da taxa de mortalidade diária de idosos.
As doenças respiratórias têm impacto na economia e no processo de
desenvolvimento, pois causam absenteísmo nas escolas e no trabalho,
sobrecarregando os serviços de saúde, entre outros.
Os determinantes biológicos incluem os fatores genéticos e os fatores
exógenos, como os acidentes com mordida de rato e as infecções provoca-
das por microrganismos.
As modificações ambientais, como disposição inadequada de resíduos
sólidos, lançamento de efluentes sem tratamento adequado nos cursos
d'água, podem criar ambientes propícios à existência de vetores de interes-
se em saúde pública, como roedores e artrópodes.
A extinção de espécies da biota dos ecossistemas brasileiros, em decor-
rência de queimadas, desmatamento, fragmentação de ecossistemas, com-
promete o equilíbrio ecológico desses espaços, destrói o património público,
aumentando a necessidade do uso de biocidas para controle de pragas urba-
nas e agrícolas.
Os determinantes sociais, que incluem fatores psicossociais, hábitos,
estilo de vida e aspectos organizacionais, vêm ganhando mais espaço nos
projetos de desenvolvimento e melhoria de qualidade de vida, embora uma
cultura de pensamento cartesiano tenha relegado esses fatores para segun-
do plano.
O estudo das migrações, por exemplo, tem papel relevante no con-
texto dos determinantes sociais, como componente de variação popula-
cional, redistribuição espacial, e mudança na estrutura e composição da
população.
A exclusão social é representada pela ausência de políticas de quali-
dade de vida e de saúde pública que assegurem, de maneira justa, direi-
to, oportunidade e acesso aos cidadãos, independentemente de condições
económicas, de origem, raça, idade, entre outros. Contribui para a expul-
são de parcela da população para áreas deficientes em infra-estrutura de
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 71

1
saneamento, moradia e saúde, expondo esse segmento a condições a m -
bientais críticas.
Dessa forma, é preciso que a questão demográfica, no contexto
limbiental, considere adequadamente a dinâmica do crescimento demo-
gráfico, o que inclui garantir enfoque integrado para padrões de migração,
crescimento vegetativo e forma de ocupação dos espaços.

Questões Importantes na Promoção


da Saúde Pública
A Organização Mundial da Saúde ( O M S ) definiu saúde como o estado
! completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de
iloenças. A V I I I Conferência Nacional de Saúde Pública, realizada em
l')K6, marco importante na discussão no Brasil da relação saúde/doença,
nijiliou esse conceito, incluindo na definição de saúde o acesso a condi-
(Çfles de vida e trabalho, bem como o acesso igualitário de todos aos servi-
ços de promoção, proteção e recuperação da saúde, colocando como uma
fias questões fundamentais a integralidade da atenção à saúde e a partici-
paçiio social.
A O M S define saúde pública como a ciência e a arte de promover,
proteger e recuperar a saúde por meio de medidas de alcance coletivo e
dc motivação da população (Philippi Jr. 1988). A saúde pública deve ter
Plínio objetivo o estudo e a busca de soluções para problemas que levam
||i> agravo da saúde e da qualidade de vida da população, considerando
pura tanto os sistemas sociocultural, ambiental e económico. Assim, a
prática da saúde pública necessita do conhecimento científico de diver-
108 campos, como a engenharia, medicina, biologia, educação, sociolo-
^,ln, direito, entre outras.
(Compreendem as ações de saúde pública a medicina preventiva e
locial e as atividades de saneamento do meio. Tanto a saúde como a doen-
encerram problemas que a saúde pública trata de resolver. Além de con-
lervar e melhorar a saúde, a saúde pública se encarrega de prevenir a
doença, orientando não apenas o homem doente, mas também o homem
iBo e investigando as causas das doenças que existem no ambiente que o
rodeia (Philippi Jr. 1988).
()s problemas ambientais indicados pelo Relatório de Gestão dos Pro-
blemas da Poluição no Brasil (Banco Mundial 1998) incluem, em ordem de
72 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

importância, a falta de abastecimento de água potável e a falta de coleta


segura de esgotos; a poluição atmosférica, principalmente por material
particulado nas megacidades de São Paulo e Rio de Janeiro, afetando m i -
lhões de residentes; a poluição das águas superficiais em áreas urbanas,
com impactos visuais, odor e restrição às atividades de lazer, tão impres-
cindíveis na busca da melhoria da qualidade de vida no meio urbano; ges-
tão inadequada dos resíduos sólidos aumentando a proliferação de vetores
potenciais de agravo à saúde; e, finalmente, a poluição localizada acentua-
da, que inclui zonas industriais com baixos níveis de controle da poluição,
com impactos na população do entorno e nos sistemas naturais. Esse con-
junto causa danos reais em termos de saúde humana, qualidade de vida e
perdas ecológicas à sociedade brasileira, aumentando o desafio do país no
seu processo de desenvolvimento sustentável. , ri í
O enfrentamento dessas questões exige o estabelecimento de políticas
integradas - sociais, económicas, institucionais e ambientais - nos planos
horizontal e vertical, que busquem maior eficácia dos sistemas de gestão
para esse desenvolvimento desej ado.
É nesse contexto que deve ser compreendido e priorizado o conjunto
de sistemas que compõem o saneamento do meio, que é definido pela
Organização Mundial da Saúde como o "controle de todos os fatores do
meio físico do homem que exercem o u podem exercer efeito deletério
sobre seu bem-estar físico, mental e social" (Philippi Jr. 1988, p.4).
Os sistemas de saneamento são compostos por conjunto de obras,
equipamentos e serviços que tém por função a proteção do meio ambien-
te e da saúde pública, sendo que as principais atividades que compõem o
saneamento do meio são:

sistema de abastecimento de água;


sistema de coleta e tratamento de águas residuárias;
sistema de limpeza pública;
sistema de drenagem urbana;
controle de artrópodes e roedores de importância em saúde pública
(moscas, mosquitos, baratas, ratos, e outros);
controle da poluição das águas, do ar e do solo;
saneamento de alimentos;
saneamento nos meios de transporte;
saneamento de locais de reunião e recreação;
saneamento de locais de trabalho;
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 73
saneamento de escolas;
saneamento de hospitais;
saneamento de habitações;
saneamento no planejamento territorial;
saneamento em situações de emergência; e outros.

Entre os sistemas de saneamento do meio, o saneamento básico


SUme papel de destaque, em decorrência da capacidade de impacto na
im-vcnção e controle de doenças de veiculação hídrica e aquelas relacio-
liiuias a resíduos sólidos. O saneamento básico é formado por Sistema de
Abastecimento de Água Potável, Sistema de Coleta e Tratamento de
ias Residuárias, Sistema de Limpeza Pública e Sistema de Drenagem
ibana.
( ) planejamento e gerenciamento do conjunto de sistemas que com-
•111 o saneamento do meio deve cumprir com objetivos sanitários o
ndimento a padrões de potabilidade da água distribuída à população;
*eta, tratamento e destinação de resíduos com eficiência que atenda a
liões legais, evitando, desse modo, risco de agravo à saúde e à qualida-
ilr de vida, e proteção ambiental.
Os objetivos estéticos também devem ser observados, u m a vez que a
luição dos ecossistemas poderá interferir nos usos desejáveis, impedin-
Btividades de lazer, circulação, trabalho e habitação, por exemplo.
Também são importantes os objetivos socioeconómicos, para que as
"es representem impacto positivo nos indicadores de saúde, reduzindo
einanda por serviços de saúde, maior eficiência dos setores produtivos,
reflexos positivos, portanto, para o desenvolvimento da região.
Por fim, a gestão adequada desses sistemas deve atender de forma sis-
Ica aos aspectos relativos à eficiência de cada componente do sanea-
nlo do meio, proteção ambiental, satisfação dos clientes - comunidade,
" rcs industrial, institucional e comercial - , diminuindo, assim, os riscos
M pleno desenvolvimento das cidades. A questão ética, no que se refere à
liviTsalidade no atendimento, transparência do processo de informação
UM iilade para ações permanentes de educação ambiental para a equi-
de colaboradores dos sistemas de tratamento e comunidade, é ponto
d.imental quando se objetiva a excelência dessa gestão.
As ações de saneamento do meio necessitam de enfoque diferenciado
iliji ine o local de desenvolvimento do projeto, de modo que considerem
lèípcitem as características locais, culturais, sociais, ambientais e econô-
74 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

micas. É necessária, por exemplo, a busca de tecnologias apropriadas de sa-


neamento em pequenas comunidades, onde a densidade demográfica é me-
nor do que nas áreas urbanas centrais, e em geral com capacidade financeira
mais limitada, entre outras características sociais e culturais.
No planejamento dos sistemas que compõem o saneamento do meio
essas ações estão inter-relacionadas, de modo que a implantação parcial de
algumas atividades poderá comprometer a eficiência de outras. Por exem-
plo, na ausência de sistema de tratamento de efluentes, a conseqiiência será
a contaminação do manancial da cidade, podendo chegar à inviabihzação
do sistema de abastecimento de água.
Assim, os benefícios esperados individualmente por cada componen-
te do saneamento do meio poderão ser anulados ou ter u m saldo negativo
na ausência da implantação do conjunto, como no caso do sistema de l i m -
peza pública que deverá considerar, também, os resíduos sólidos gerados
nos processos de tratamento de água para abastecimento e de tratamento
de águas residuárias.

Saneamento Básico e sua Importância


na Promoção da Saúde Pública
Ações de saneamento voltadas à melhoria da qualidade de vida das
populações podem ser encontradas em diversas civilizações ao longo da
história. Conforme Rosen (1994 citado por Heller 2000), ruínas de u m a
grande civilização que se desenvolveu ao norte da índia, há mais de 4.000
anos, demonstram utilização de instalações sanitárias e de drenagem
urbana.
Outras civilizações também implantaram sistemas de abastecimento
d'água e afastamento de esgotos sanitários, drenagem urbana, a despeito
de critérios de prioridades e universalização dos serviços, que variam ao
longo do tempo e no espaço.
Alguns estudos procuram abordar aspectos da relação saneamento-
saúde, em que a teoria dos determinantes sociais, físico-químicos e bioló-
gicos, conforme já apresentada anteriormente, parece bastante consistente
com a abordagem que vem sendo enfocada na promoção do desenvolvi-
mento sustentável. O documento da Agenda 21 Global, que representa
compromissos internacionais no esforço integrado para melhoria da qua-
lidade de vida, inclui u m conjunto sistémico de ações sociais, como redu-
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 75

^fl») da pobreza, ações de desenvolvimento económico (por exemplo,


(iiiinento da oportunidade de emprego), ações de controle da qualidade
rtinbiental e proteção à saúde pública, com ênfase em maiores esforços n a
provisão de infra-estrutura de saneamento básico, entre outras.
O progresso alcançado nos indicadores de saúde pública nos países
iirsenvolvidos está relacionado ao conjunto de fatores económicos, sociais
V limbientais, mas tem, como fator importante principalmente, os esforços
m)vcrnamentais e não-governamentais para melhoria das condições a m -
hieiítais, em especial a provisão de sistema de abastecimento de água, o
rN^otamento sanitário e a coleta de resíduos sólidos.
Nos países em desenvolvimento, os indicadores de desenvolvimento
HDcial e ambiental não atingiram ainda patamares adequados de atendi-
liieiilo das ações de saneamento do meio, inclusive c o m profundas dife-
renças no que se refere à universalidade do atendimento, principalmente
•'ur causa da ausência de políticas para a área de saúde púbhca.
Os modelos de desenvolvimento adotados no Brasil, ao longo de sua
história, tiveram como resultado impactos sociais, económicos e ambien-
Irtis, provocando excessiva concentração de renda e riqueza, com exclusão
«dl lai e aumento das diferenças regionais. Políticas que acabaram por con-
liibiiir para a explosão demográfica nos centros urbanos, cujas taxas de
vscimento em algumas cidades dobraram na segunda metade do século
, resultaram consequentemente n u m aumento da demanda por infra-
1'Hlriitura, principalmente em ações de saneamento do meio.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( I B G E ) , na Pesquisa
NiK ional de Saneamento Básico 2000, mostrou o quadro preocupante em
Ue se encontram os municípios brasileiros. Embora naquele ano quase
UH"/(i desses municípios dispusessem de serviço de abastecimento d'água e
tinase 100% tivessem coleta de lixo, somente em 52,4% deles havia coleta
dl' esgotos, 2 0 % ofereciam algum tipo de tratamento e aproximadamente
,% dos municípios dispunham seus resíduos sólidos em lixões.
No Brasil, as grandes diferenças regionais agravam esse quadro, quan-
ílfi se observa que pelos menos 9 2 % dos municípios da Região Norte e
M."!'íi da Região Centro-Oeste não dispõem de rede de coleta de esgotos,
iqiianto na Região Sudeste aproximadamente 7 % dos municípios não
uniam com essa infra-estrutura.
76 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

Proteção Ambiental
Por esse enfoque, o conjunto de ações de proteção ambiental deve ter
como objetivo manter, controlar e recuperar os padrões de qualidade dos
ecossistemas, de modo a promover saúde pública, qualidade de vida e
ambiental.
O enfoque ecossistêmico é proposto na estratégia das ações de prote-
ção ambiental, ou seja, manutenção do balanço ecológico das relações entre
os componentes bióticos e abióticos, e do fluxo de energia entre eles.
A incorporação do princípio desse modelo nos processos de educação
ambiental representa efetivamente a possibilidade de mudar padrões de
consumo e de produção, de forma a alcançar taxas de consumo de recur-
sos naturais e produção de resíduos compatíveis com a capacidade de
absorção e recuperação dos ecossistemas.
O sistema de áreas verdes deve priorizar manutenção de espécies florís-
ticas que servem de alimento e habitat para a fauna, o que também repre-
senta aumento das áreas permeáveis no solo urbano e maior capacidade de
recarga de lençol freático. Isso significa melhor funcionamento do sistema
de drenagem natural, contribuição na redução do efeito estufa, conforto tér-
mico urbano, além dos benefícios paisagísticos e de espaço de lazer.
No planejamento do sistema de limpeza pública, a priorização de pro-
cessos de tratamento por compostagem dos resíduos orgânicos possibilita
o retorno dessa matéria orgânica e de nutrientes para as áreas de produ-
ção de alimentos, nos cinturões verdes das cidades ou nas áreas rurais; os
processos de reúso e reciclagem dos resíduos urbanos industriais dimi-
nuem a pressão do consumo de recursos naturais virgens.
Nesse enfoque sistémico, as ações para gestão da proteção ambiental,
conforme ilustrado na Figura 4.4, devem incluir planejamento para o uso
adequado dos espaços antrópicos e naturais; investimentos em programas
de capacitação profissional para preparo de recursos humanos no desenvol-
vimento interdisciplinar de atividades e projetos; integração de enfoque nas
ações institucionais para proteção e sustentabilidade ambiental; prioriza-
ção em pesquisa para desenvolvimento de tecnologias apropriadas e para
melhor compreensão do funcionamento dos ecossistemas e do impacto
potencial das atividades antrópicas; esforços deverão ser empreendidos
junto aos órgãos de gestão ambiental para sua melhor estruturação institu-
cional; estabelecimento de políticas públicas que garantam espaços efetivos
de participação da comunidade no processo de planejamento e implanta-
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMEhflO 77

- Conjijnto de ações para gestão do controle ambiental.

Ihiptanta^çâo de programas de
capa&a(,áú profesionai Ptao^annetito territorial

pesquisa para
\ Sistemas de
Controle
dewnvolvimento saneamento do
|de lecnologias ambiental meio
apropríada&

íganização e capacitação
ln»*itucional dos órgãos de Políticas púWkas de participação
gestão ambientai e de educação ambiental,

Rn Hc programas dc educação ambie-ttal é condição sine qua non no pro»^


io de caminhar rumo ao desenvolvimento sustentável.
Para que os espaços urbanos, aí áreas rurais e os ecossistemas prime-
possam atender às necessidades do ser humano - fisiológicas, epide-
liilógicas e psicológicas - , da flora e fauna e do meio ambiente, é preciso
:le lamento, articulação e provisão de equipamentos, racionaiii.ando o
ipaço e destinando correlamcnle suas partes - recursos naturais, artificiais
humai.os. A i s i m , a timção do planejamento territorial é criar condições
||dfi]uadas para a so.iedaíic- exercer suas atividades de circulação, 'ecreaçào,
llflbalho e haSitação e manter o equilíbrio ecológico dos ecossis'.emas.
A manuterção do meio ambiente é uma das condições necessárias
iPUrn a qualidade de vida. Ê preciso então planejar o espaço, de modo a
j U r a n t i r a conservação e o controle do uso de recursos natiirais e artifi-
I I U I N . o gerenciamentt de resíduos, o conforto térmico, acústico, visual e
lUpHcial, ou seja, condições ambientais que diniiriu.im ou evitem o risco de
[iKposição da população ao ai;'ravo à sua saúde.
A metodologia a ser adotada para o planejamento territorial v a i
ipcnder do grau de intervenção dese ado, dos recursos disponíveis, do
llllfoque a ser priorizado. Deve ter com » objetivos principais a melhoria da
lUalidade de vida, a universalização e a conservação dos recursos naturais.
78 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

As três fases do planejamento territorial, ilustradas na Figura 4.5, são:

A) ECLOSÃO: refere-se ao conjunto de ações que visam criar clima pro-


pício ao planejamento, organizando e preparando a comunidade para
ocupar seu espaço na ação coletiva de promoção do desenvolvimento
sustentável; é nessa etapa que se obtém a prioridade política, ou seja,
o compromisso entre os atores da comunidade para o desenvolvimen-
to das atividades de planejamento e implementação do sistema; é a
oportunidade e o momento para início de implantação de u m proces-
so de Agenda 21 Local;
B) P R O J E T O : deve priorizar o enfoque participativo no estudo prelimi-
nar do espaço, na elaboração de diagnóstico e prognóstico, e por fim
na elaboração do plano de desenvolvimento;
C) EXECUÇÃO: é nessa etapa que devem ser definidas prioridades em
decorrência de anseios da comunidade e disponibilidade de recursos
financeiros. Serão então elaborados e implantados os planos, progra-
mas e projetos. O monitoramento e a avaliação contínua do processo
de planejamento territorial, por meio de indicadores adequados, pos-
sibilitam revisão do projeto e de prioridades, viabilizando assim cami-
nhar em direção ao desenvolvimento sustentável.

Figura 4.5 - Fases do planejamento territorial.


SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 79
í
neamento em Situações de Emergência
Os sistemas de saneamento estão expostos à ocorrência de situações
! emergências ambientais, como inundações, secas, deslizamentos de
lia, acidentes com produtos perigosos, que se apresentam com freqiiên-
liti significativa no país, colocando, dessa forma, em situação de risco a
Srtiide pública e a qualidade de vida da população.
U m a emergência ambiental é a manifestação de u m fenómeno o u
•nto de origem natural ou provocado pelo homem, que se apresenta em
mu espaço e tempo limitados, ocasionando problemas nos padrões nor-
mais de vida, perdas humanas, materiais e económicas, em decorrência de
uru impacto sobre a população, edificações, no meio ambiente e também
sistemas de saneamento básico (OPS 1993).
Embora seja óbvia a importância da concentração de esforços para
tiir ou reduzir os impactos na saúde pública que as emergências
iimi)ientais podem causar, o que se observa, no entanto, é que instituições
toras e a comunidade em geral têm ação passiva diante da ocorrência
I emergências ambientais. Deve-se tal fato, possivelmente, à ideia tradi-
iii.il de que esses fenómenos ocorrem de forma inevitável, causados em
' u l por força maior, como questões climáticas e geológicas.
Os custos resultantes dos danos produzidos por desastres ambientais
América Latina e no Caribe, no período de 1972 a 1999, alcançam 50
tlihoes de dólares (base 1998), o que demonstra, então, a importância de
iKciitração de esforços para o enfrentamento e mitigação dessa questão
contexto da gestão das cidades e do saneamento do meio.
A elaboração de u m Plano de Ação de Emergência (PAE) é ferramenta
ncial nesse contexto. U m PAE tem como objetivo o planejamento de
es a serem tomadas para evitar a ocorrência da emergência ambiental,
prescrever u m conjunto de atividades, que, se executadas adequada-
•nte, possibilitarão dar respostas mais rápidas durante o evento, m i n i -
Uando, assim, os impactos na saúde pública e no meio ambiente.
0 PAE representa u m conjunto de atividades a serem executadas em
fases:
1 Oi í •
anteriormente à emergência ambiental, quando se está em u m perío-
.tio de calma, ou conforme a situação, em fase de alerta;
lurante o evento, que pode ser de pequena ou longa duração, confor-
p e as características de impacto do fenómeno em questão;
80 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

após O evento, quando devem ser realizadas as atividades para resta-


belecimento das consequências causadas pelo evento, as quais podem
ser de curto, médio e longo prazos. -

U m a emergência ambiental numa área urbana, causada, por exemplo,


por u m a inundação, interfere no sistema viário e de transporte, pode des-
truir habitações, romper os sistemas de abastecimento de água, coleta de
esgotos, de resíduos sólidos, cortar o sistema de iluminação, o sistema de co-
municação, impacta as instalações e os serviços de saúde, interfere nas áreas
comerciais, entre outros problemas.
U m PAE tem como principais atividades o planejamento e a imple-
mentação de ações, em caráter preventivo e também durante as emergên-
cias, visando eliminar, quando possível, ou reduzir o risco à saúde pública.
Como exemplo, é apresentada a seguir uma descrição das atividades que
compõem u m PAE para situações de inundação, tendo em vista a represen-
tatividade das características desse tipo de emergência ambiental, com
foco nos impactos nos serviços de saneamento básico.

Primeira Fase - Anterior ao Desastre


Compreende, no mínimo, a implantação de u m a coordenadoria de
defesa civil para desenvolvimento do PAE, a ser composta por representan-
tes de órgãos diversos, como a defesa civil de instâncias superiores, se-
cretarias e unidades de saúde, planejamento, meio ambiente e serviços
municipais, companhia de saneamento, corpo de bombeiros, unidade de
vigilância sanitária e controle de vetores; deve-se, então, proceder à análi-
se da vulnerabilidade da região, com o levantamento de áreas de risco,
histórico de ocorrências de inundações e seus impactos; fazer o mapea-
mento geral - recomenda-se a utilização de u m Sistema de Informações
Geográficas ( S I G ) , que inclusive será útil nas etapas seguintes; proceder à
avaliação das áreas de risco identificadas; dar andamento às atividades
necessárias ao solucionamento, de forma preventiva, para problemas levan-
tados, como existência de áreas com problemas de drenagem, desassorea-
mento e limpeza dos cursos d'água que compõem a bacia hidrográfica em
estudo, deslocamento de população em áreas de risco e de proteção a m -
biental, reforço de adutoras; estabelecer e planejar as atividades necessárias
para dar solução de forma rápida e eficaz para problemas durante a ocor-
rência do desastre, como lista com nomes, forma de contatos e responsa-
SAÚDE AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO 81

iliulade dos integrantes da coordenadoria de defesa civil, para possibilitar


iln'Nso rápido, também identificação e adequação de locais para abrigo às
liPNMias atingidas, de locais para atendimento de serviços de saúde; prepa-
rrtl lisl.igem de materiais e equipamentos, incluindo compra para estoca-
HiMn ou local para aquisição em caso de emergência; finalmente, treinar a
Kipiipe c os voluntários para atuarem em caso de emergência.

Segunda Fase - Durante o Desastre


No momento da ocorrência da emergência, deverão ser iniciadas as
idades de implantação da coordenadoria de defesa civil, bem como
ln(plantação da coordenação de saneamento; proceder levantamento das
H H i d l ç õ e s sanitárias para avaliar dimensões do problema, gravidade e
cssidades; executar rápido treinamento de equipes de saneamento para
ilpôlo; alocar e distribuir os recursos materiais, tais como reservatórios
iliiíniciliares para receber água potável, plataformas, paredes, coberturas e
tas para fossa seca a ser construída nos abrigos, plataforma para lixo,
forma a evitar exposição a vetores e animais, material de construção em
I, como cimento, cal e madeira, tubos de concreto, plástico o u ferro
dldo, gerador de eletricidade, bomba d'água, barcos, entre outros; orga-
r e encaminhar as pessoas para os abrigos; providenciar abastecimen-
dc água potável, a implantação de fossas ou banheiros químicos para
ta de esgotos, o acondicionamento, coleta e destinação dos resíduos
Idos; controle de vetores; limpeza de áreas prioritárias; drenagem de
s c o m água estagnada; remoção e destino de carcaças de animais mor-
I realização de programas de educação ambiental e em saúde.

rceira Fase - Após o Desastre


(Compreende as atividades de restabelecimento e melhoria dos serviços
íuneamento básico; implantação e restauração de outros serviços de
neamento e saúde, como controle de artrópodes e roedores; saneamento
alimentos, recuperação de hospitais e postos de atendimento médicos
Ingidos, vigilância epidemiológica, programas de educação ambiental e
I NUÚde.
A elaboração e manutenção do PAE é de caráter preventivo, represen-
do uma forma de atuação pró-ativa, com benefícios sociais, ambientais
iconómicos. As atividades de educação ambiental devem, portanto, estar
«entes nas três etapas que compreendem esse processo, atuando de
82 EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

forma sistémica nessa questão, tendo em vista, mais u m a vez, a relação


dos padrões de consumo e de produção com a questão do risco das emer-
gências ambientais. O risco, por exemplo, dos acidentes com cargas peri-
gosas, em estradas e no meio urbano, certamente está ligado não só aos
projetos dos sistemas de transporte e de seu gerenciamento pelos órgãos
competentes, mas também ao consumo de produtos perigosos para aten-
der aos padrões atuais de produção industrial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A abordagem deste capítulo, voltada para o entendimento da impor-
tância do saneamento ambiental para a promoção, proteção e recuperação
das condições de saúde pública e ambiental das comunidades, evidencia as
interrelações e interações entre saneamento, saúde e ambiente e demons-
tra a necessidade dos seus conhecimentos e saberes como fundamentos
para u m desenvolvimento sustentável.

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