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Um futuro em disputa
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Nosso modo de ser ou nosso modo de viver.
controlados, resultando em relações de produção autônomas, renováveis e
autossuficientes (GALLO et al. 2020; ACOSTA, 2016). Por outro lado, a abordagem dos
comuns pressupõe um recurso (compartilhado), uma comunidade (que os mantém)
e claros princípios de governança autônoma (para regulá-los) (BAUWENS, 2019),
assim como de novas formas cognitivas e organizacionais para sua efetividade
(VILA-VIÑAS & BARANDIARAN, 2015).
A composição destas epistemologias e práxis críticas demandam, para sua
territorialização, um modo de governança vivo e em rede, capaz de produzir
autonomia e inovação social a partir e para o território (GALLO, 2009; GALLO &
NASCIMENTO 2019).
Estas redes exercitam a governança viva, abordagem desenvolvida pelo OTSS
que utiliza o referencial da geografia crítica e humanista (SANTOS, 1996; CASTELLS,
2000; TUAN, 1979, 2013), associado à teoria da produção social (MATUS, 2005), à
teoria da ação comunicativa (ADORNO e HORKHEIMER, 1986; HABERMAS, 1987a,
1987b) e à pedagogia da autonomia (FREIRE, 1996), para - a partir do território e das
necessidades expressas por suas comunidades - identificar a hierarquia de
prioridades, realizar análises situacionais, identificar desafios, desenvolver soluções,
desenhar cenários e estratégias, monitorar sua execução, adaptar os planos às
mudanças situacionais e avaliar sua efetividade.
Todo este processo tem microterritórios (Mapas 01 e 02) - unidades de gestão
territorial de menor dimensão espacial, definidos principalmente a partir das
relações histórico-sociais de troca e solidariedade entre as comunidades tradicionais
- como escala integradora de governança e gestão para, em movimentos flexíveis e a
partir de pactos de autonomia e responsabilização (GALLO, 2009; GALLO et al, 2006),
promover a transição do modelo hegemônico para arranjos que fortaleçam e
atualizem os modos solidários de produção e consumo tradicionais e a apropriação
crítica do espaço; desenvolvendo tecnologias sociais para articular, fortalecer e
contribuir com os empreendimentos e a governança comunitários, propiciando a
produção consciente e emancipatória do território (GALLO & NASCIMENTO, 2019).
O Otss trabalha com 11 microterritórios, com destaque para o MT do
Carapitanga, polo inicial de concentração das ações e primeiro Território de
Aprendizagem, espaço de implementação em escala de tecnologias sociais e de
articulação intersetorial e em redes para a territorialização da Agenda 2030 e para a
constituição de um território sustentável e saudável.
Mapa 01 - Microterritórios da Bocaina
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Adota-se aqui o conceito da Rede Brasileira de Justiça Ambiental: o “tratamento justo e (o)
envolvimento pleno de todos os grupos sociais, independente de sua origem ou renda nas decisões
sobre o acesso, ocupação e uso dos recursos naturais em seus territórios” (RBJA, 2011).
Desenvolvimento Sustentável e Promoção da Saúde
O grau de inserção ou de exclusão social pode ser entendido como
determinante tanto do processo saúde-doença quanto da sustentabilidade ambiental
e tem impacto significativo sobre a equidade social. Portanto, as estratégias de
construção de territórios sustentáveis e saudáveis pressupõem conexões entre meio
ambiente e saúde, consequentemente entre desenvolvimento sustentável e
promoção da saúde (SETTI & GALLO, 2009).
Além disso, quando o território no qual essas políticas são implementadas é
caracterizado por sua vulnerabilização (econômica, ambiental, cultural ou social),
suas especificidades agregam complexidade às abordagens de gestão local e tornam
ainda mais relevante o vínculo entre desenvolvimento sustentável e promoção da
saúde (GALLO & NASCIMENTO, 2019).
Para que tais estratégias tenham efetividade prática, para que não sejam
apenas representações do real, esse vínculo necessita ser trabalhado a partir do real
mesmo, dos territórios e das territorialidades que o constituem e transformam
permanentemente (SANTOS, 2003; GALLO, FREITAS & REIAS, 2006; GALLO, 2009;
FREIRE, 1996; GALLO & NASCIMENTO, 2019). É o território e as territorialidades que
permitirão, a partir do diálogo entre saberes e práticas exercidas sobre eles, a
significação das categorias sustentável e saudável.
Algumas agendas territorializadas têm buscado trabalhar essas questões. A
Agenda 21 pretendeu ser instrumento de planejamento e governança local
promotora do desenvolvimento sustentável a partir do envolvimento dos atores e,
especialmente, das comunidades locais. A Agenda Cidades-Comunidades-Municípios
Saudáveis concebeu a saúde como qualidade de vida e para sua operacionalização
também advogou mecanismos de governança intersetoriais e participação popular,
com a perspectiva de promover a equidade.
Entretanto, do ponto de vista concreto, essas experiências apresentaram
limitações em sua capacidade holística, predominando o olhar setorial,
especialmente na saúde (GALLO, E. & SETTI, A., 2009).
Territórios Sustentáveis
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Desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das
futuras gerações de atender às suas próprias (CMMAD, 1987; tradução do autor).
efetivas de cidadania (Santos, 2006; Freire, 1996; Gallo, 2009b; Gallo & Nascimento,
2019).
Territórios Saudáveis
Similarmente ao desenvolvimento sustentável, o conceito de promoção da
saúde também se consolidou e buscou materializar-se em agendas locais. Definida
como o processo que possibilita às pessoas e coletivos aumentar seu controle sobre
os determinantes sociais da saúde e por meio disto melhorá-la, a promoção da saúde
é concebida como um processo social e político, que inclui ações direcionadas ao
fortalecimento das capacidades e habilidades dos indivíduos, mas também às
mudanças das condições sociais, ambientais e econômicas para minimizar seu
impacto na saúde individual e pública (WHO, 1996).
A Agenda Cidades/Comunidades Saudáveis buscou dar materialidade ao
conceito e significou um avanço em relação ao paradigma médico-hospitalar e da
saúde pública, na medida em que incorporou a determinação social da saúde,
abrindo possibilidades para a intersetorialidade, a transdisciplinaridade e o exercício
da ecologia de saberes e da pedagogia da autonomia (OPAS/OMS, 2005; CNDSS,
2008; GALLO & NASCIMENTO, 2019).
Entretanto, as mesmas questões apontadas anteriormente em relação ao
desenvolvimento sustentável também são válidas para a promoção da saúde: a
captura teórico-prática pela racionalidade científico-institucional hegemônica, que
aqui se expressa nas soluções neoconservadoras representadas pelas abordagens
epidemiológicas clínicas, proposições comportamentalistas e mecanismos de gestão
instrumentais que continuam a estruturar uma cartografia abissal. Tal como
anteriormente, é chave a produção de autonomia, buscando conhecer, denunciar e
subverter as práticas alienantes do cotidiano (FREIRE, 1996; GALLO, 2009b; SANTOS,
2007; GALLO & NASCIMENTO, 2019).
Portanto, assim como territórios sustentáveis, territórios saudáveis são
processos de apropriação crítica, neste caso não do espaço, mas dos “modos de
andar a vida” (CANGUILHEM, 2009), que se constroem na relação com o outro,
promovendo a capacidade dos indivíduos e coletividades de tomar decisões sobre a
saúde, as relações sociais e sobre sua vida em três dimensões: clínica, sanitária e
ético-moral.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACOSTA, A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São
Paulo: Autonomia Literária, 2016.
BAWENS, M. et al. Peer to Peer: The Commons Manifesto (Book). London, UK:
University of Westminster Press, 2019.
CASTELLS, The Rise of the Network Society. The Information Age. Vol. I. Cambridge,
MA; Oxford, UK: Blackwell, 2000.
EBI, K. L. Background paper prepared for consideration by the High Level Panel on
Global Sustainability at its first meeting, United Nations Headquarters, New York,
2010. Facilitating climate justice through community-based adaptation in the
health sector. Environmental justice, 2(4): 191-195, 2009.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). El futuro que queremos. Disponível em:
>https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/764Future-We-Want-S
PANISH-for-Web.pdf < Acesso em: 27, out. 2012b.
SANTOS, B. S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo:
Cortez, 2006.
SANTOS, B. S. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia
de saberes. Novos Estudos Cebrap, 79: 71-94, 2007.