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Curso de Licenciatura

em Música EaD

UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL - UAB


UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS - UFT
Curso de Licenciatura em Música - EaD
Disciplina: Leitura e Produção de Textos – Código 5MUD002 / 2 2020
Prof. Gilberto P. de Araújo
Discente: Diêgo Araujo Silva

RESENHA

UNES, Wolney. Entre músicos e tradutores: a figura do intérprete. Goiânia-GO: Editora UFG,
1998. (Coleção Quiron)

Graduado em Engenharia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Mestre pela Universitaet
Mozarteum (Áustria) e Doutor em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (UNESP), Wolney Unes já teve passagens como professor no Seminário de Traustein na
Alemanha, University of the Pacific nos Estados Unidos e Université Grenoble na França.
Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Goiás, vinculado à Escola de Música
e Artes Cênicas (EMAC/UFG).
O autor se dedica em “Entre Músicos e Tradutores: a figura do intérprete” – segundo livro de
sua vasta produção bibliográfica e científica que conta com 21 livros nos últimos 23 anos, além da
produção de artigos científicos e capítulos em outras obras – a discutir a questão do intérprete em
música e sua relação direta com as especificidades inerentes à sua atuação. Para tanto, tece uma
analogia com o tradutor, colocando-os, a todo momento, como pares indistintos do processo de
decodificação de signos para que, em seus respectivos campos de atuação, possam ser ouvidos/lidos
por seus respectivos receptores. Nesse ponto a leitura já merece o devido destaque, uma vez que
aborda dois sujeitos, em suas áreas de atuação, que se propõem ao mesmo objetivo: fornecer ao
receptor as indumentárias básicas e necessárias para o entendimento das mais variadas obras, sejam
elas literárias ou musicais.
Unes (1998) divide o seu trabalho em 8 capítulos distintos, mas que se assemelham e se
entrelaçam no transcurso de suas colocações. No primeiro, intitulado “Duas Palavras”, o autor tece
uma breve introdução do que será exposto, clarificando os dois objetivos principais do trabalho:
despertar do interesse para o campo teórico e prático da interpretação musical e abordagem das
problemáticas atinentes ao campo da tradução, a partir de uma visão multidisciplinar.
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Em “Por que a Analogia” ressalta o caráter intrínseco da maioria das ciências sociais em se
construir o conhecimento a partir da formulação de análises comparativas. Partindo desse
pressuposto é que constrói sua análise, mostrando a importância do intérprete – e em comparação o
tradutor – ressaltando que este, “… deve aqui ser entendido como aquele que torna possível ao
leitor comum o acesso a uma determinada obra que se encontra codificada num sistema cujas
regras, cujos símbolos são desconhecidos pelo leigo (ou mesmo pelo estudioso não treinado).” (p.
14). Salienta, ainda, o caráter interdisciplinar de sua análise, tomando como base teórica a
Linguística Aplicada e teorias linguísticas atreladas à tradução.
Nos capítulos “A Tradução” e “A Figura do Tradutor” discorre sobre os problemas da
literalidade no processo de tradução tornando a obra traduzida um arcabouço de signos impostos
pela escrita, sem considerar outros sentidos para uma melhor contextualização da obra. Para o autor,
quando se nega outras possibilidades sensoriais tocante à obra, há um desprezo desses sentidos, em
face da suposta perpetuação do documento escrito (p. 19-20). Aliado a toda problemática da
tradução – mecanicidade, literalidade – nos mostra que o tradutor deve trabalhar de forma a dar vida
à obra em questão, a partir de uma leitura holística da mesma, percebendo suas nuanças e possíveis
adaptabilidade ao seu próprio contexto. Nessa perspectiva, coloca nessa seara a figura do intérprete
como um tradutor de signos escritos para signos acústicos, inteligíveis ao ouvinte (p. 23). Em uma
passagem mais direta, realiza o comparativo do mau tradutor – que se atém, única e exclusivamente
ao dicionário, deixando a cargo do leitor o processo de significação de seu conteúdo – ao mau
intérprete – que se presta somente à reprodução mecânica dos signos imersos na partitura (p. 26).
Em “Música e Tradução” levanta a questão sobre o saber-fazer no processo de
tradução/interpretação de uma composição. Para Unes (1998) não resta somente ao intérprete o
papel de decodificar os signos mas, sim, colocar significados a partir do acompanhamento
consciente e contínuo da práxis tradutória e/ou interpretativa. Continuando, “Modelos Teóricos x
Práxis” realiza um breve apanhado do processo de interpretação de composições musicais na época
em que não se tinham registros sonoros. O intérprete deveria estar imerso na obra do compositor a
fim de possibilitar uma boa interpretação sem, no entanto, estar fidedigno à proposta inicial.
Aponta, ainda, questões relativas à problemática da criação erudita contemporânea e o surgimento
de uma base conceitual denominada historismo, que propunha que o conhecimento musical sobre
determinada obra deveria se atrelada, diretamente, à época em que a mesma foi concebida (p. 38-
39). Ao finalizar o tópico diferencia sistematicamente a figura do tradutor e do intérprete a partir da
visão dos leitores/ouvintes, principalmente numa relação entre autor/tradutor/interprete.
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Prosseguindo, ao analisar a “Criação x Interpretação” enfatiza que o processo de interpretação


dá possibilidades diversas sobre a criação musical e elenca 3 pontos, a partir de teóricos da
linguagem, que merecem destaque em sua narrativa: há uma diferencial elementar entre a proposta
concebida e a interpretação realizada; a concepção da obra constitui-se na figura do próprio autor e;
cada leitura é uma interpretação. Todo o fazer criativo e interpretativo parece passear por essas 3
perspectivas.
No último capítulo, intitulado “Músicos e Tradutores” remonta a tópico anterior para delimitar
as diferenciações básicas entre a figura do tradutor e do intérprete, numa época em que o mundo
alusivo aos concertos se tornou uma espécie de portfólio atrelado à indústria do entretenimento, em
todos os aspectos possibilitados pelos avanços tecnológicos e indumentárias sociais (que o autor
deixa claro não ser parte integrante de seu trabalho a discussão social sobre à aproximação com os
concertos). Coloca que a diferenciação decorre do fato de que a obra impressa tem como base
primeira a figura do autor, enquanto que a obra musical tem sua exegese na figura do intérprete.
Finalizando, expõe que mesmo com atividades semelhantes há todo um ambiente de glamour para
um e desconhecimento/não-reconhecimento para com outro.
O trabalho de Wolney Unes se mostra bastante expressivo, na medida em que coloca duas
figuras de campos distintos mas que exercem, na prática, as mesmas atribuições. Entender como se
constitui as nuanças, perspectivas, percalços e possibilidades dos tradutores e intérpretes – que na
proposta narrativa do autor se mostra como tradutor também – é, sobremaneira, uma tarefa a qual os
profissionais ligados à área musical e das linguagens deveriam se debruçar.
Unes consegue passear por ambas as figuras de forma leve, numa linguagem prática e direta. O
arcabouço teórico utilizado e as rememorações históricas para constituir embasamento para suas
argumentações se mostram coerentes e coesas. No entanto, aqui cabe uma ressalva com relação à
sua análise estar voltada aos pressupostos da Linguística Aplicada. Ao leitor fica a sensação de que
poderia ter uma breve explicação sobre a teoria, até para se situar dentro da proposta forjada pelo
autor. Lógico, como bem frisou no início de seu primeiro capítulo, a ideia se mostra relevante à
discussão musical analogicamente à tradução e a construção teórica realizada nesses dois pontos
foram realizados de forma bastante significativa, num processo de discussão intercalada das teorias
ali apresentadas.
À guisa da conclusão, a obra de Wolney Unes se mostra bastante precisa na consecução dos
objetivos propostos, demonstrando, com uma linguagem acessível, as teorias e práticas envolvidas
no ator de traduzir/interpretar. Sobremaneira, seu trabalho é passível de compreensão dos leitores
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que se dedicam ao estudo da música e interpretação musical e do campo das linguagens, bem como
aqueles que não são necessariamente destas áreas, mas desejam uma imersão, mesmo que
introdutória, no universo da interpretação musical na categoria de ouvintes a partir da decodificação
dos signos compostos em linguagem antes não acessível ou ininteligíveis.

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