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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UNIRIO

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE

PRORGAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM ENFERMAGEM

MONIK NOWOTNY GOMES

SABERES E PRÁTICAS CULTURAIS DE MULHERES EM UM ACAMPAMENTO


CIGANO NO BRASIL – CONTRIBUIÇÕES PARA A ETNOENFERMAGEM

Rio de Janeiro
Dezembro - 2012
MONIK NOWOTNY GOMES

SABERES E PRÁTICAS CULTURAIS DE MULHERES EM UM ACAMPAMENTO


CIGANO NO BRASIL – CONTRIBUIÇÕES PARA A ETNOENFERMAGEM

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca


Examinadora do Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal do Estado do Rio
de Janeiro como requisito para obtenção do título de
Mestre em Enfermagem.

Linha de Pesquisa: Enfermagem na Atenção à Saúde da


Mulher, do Adolescente e da Criança.

Orientadora: Dra. Leila Rangel da Silva

Rio de Janeiro
Dezembro – 2012
Gomes, Monik Nowotny.

G633 Saberes e práticas culturais de mulheres em acampamento cigano no Brasil –

contribuições para a etno – enfermagem / Monik Nowotny Gomes, 2012.

xii, 88f. ; 30 cm

Orientador: Leila Rangel da Silva.

Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal do Estado

do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.

1. Etnoenfermagem. 2. Enfermagem transcultural. 3. Saúde da mulher. 4. Saúde

da criança. 5. Cultura. 6. Ciganos. I. Silva, Leila Rangel da. II. Universidade Fede-

ral do Estado do Rio de janeiro. Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Curso

de Mestrado em Enfermagem. III. Título.

CDD – 610.73
SABERES E PRÁTICAS CULTURAIS DE MULHERES EM UM ACAMPAMENTO
CIGANO NO BRASIL – CONTRIBUIÇÕES PARA A ETNOENFERMAGEM

MONIK NOWOTNY GOMES

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora do Programa de Pós-


Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –
UNIRIO, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.

APROVADA EM 19 DE DEZEMBRO DE 2012.

_____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Leila Rangel da Silva
Presidente

_____________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Cristiane Rodrigues da Rocha
1ª Examinadora
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO

______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Inês Maria Meneses dos Santos
2ª Examinadora
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO

_______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Marialda Moreira Christoffel
Suplente
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida de Luca Nascimento
Suplente
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO

Rio de Janeiro
Dezembro - 2012
Orientadora

Professora Doutora

Leila Rangel da Silva

Meus sinceros agradecimentos pela oportunidade de crescer


profissionalmente e conquistar mais uma vitória. Pela
confiança depositada, a credibilidade e o apoio mesmo em
momentos extremamente difíceis de sua vida durante toda
esta jornada. Peço a Deus que te abençoe por todo o seu
caminho.
Dedicatória:

 À minha mãe Regina Célia que sempre me deu suporte, e mesmo com a sua saúde
abalada, faz parte deste momento por assumir tantas vezes minhas ausências e
responsabilidades.

 Ao meu querido marido Flávio pelo companheirismo, amizade e dedicação sem os


quais eu não teria conseguido.

 Aos grandes amores de nossas vidas, as crianças queridonas, presentes de Deus e


Heranças do Senhor: O meu Urso Bernardo, a minha Boneca Giovanna e o meu
Palhacinho Breninho. E também ao neném Magiklindo desse mundo a Yannucha.
Agradecimentos especiais:

 Ao nosso poderoso Deus, digno de todo o louvor.

Pra onde eu irei do teu espírito? E pra onde eu fugirei da tua


face? E se tomar as asas da alva, ou se habitar nos extremos
do mar, até ali a tua mão me guiará, e a tua destra me susterá.
(Salmo 4)

 Ao Ilustríssimo Senhor Mio Vacite, Presidente da União Cigana do Brasil e sua


honrosa esposa Sr.ª Jaqueline, pelo lindo trabalho, desenvolvido projetando a
trajetória dos ciganos no Brasil e no mundo.

 Aos queridos amigos ciganos residentes no acampamento de Tanguá, Rio de Janeiro


pelo carinho com que me receberam e expuseram seus lares e suas vidas para a
realização da pesquisa.
Agradecimentos:

 À querida sobrinha Anny Karollyne pelo apoio e as doces palavras de incentivo, à


sogra Núbia pelo cuidado com as criancinhas queridonas.

 À cunhada Rosângela e a prima Choi por todo o auxílio e apoio durante o estudo.

 Aos queridos acadêmicos, alunos do 9º período (Turma “Resilientes: a vitória


chegou”) do curso de enfermagem da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto –
UNIRIO, que passaram por mim nesta jornada com palavras de incentivo.

 À querida equipe do IEDE: Ana Lúcia, Ana Amélia, Janete, Fatima Batista,
Fatima Arruda, Luísa Nascimento, Maria Ivanete, Dora, Maristela, Maria Lucia,
Neide e Joana, por todo o apoio durante os plantões de sábado e suas orações.

 Aos queridos amigos do HUGG pelas ajudas recebidas, em especial a Flavictha e seu
esposo Marcelo, à Luzia Sueli, Wiliam, Monica Fadul, Marcia Andrea, Mara,
Milena, Janeide, Leda, Marcia Pacheco, Cleyde Jane, Georgina, Marcia Vidal,
Verônica, Vanilda, Ercília, Carmem, Priscilinha, Erika, Luzia de Guadalupe e
Claudia.

 À Sr.ª Marlene que mesmo em momentos extremamente difíceis, autorizou a minha


entrada em seu lar para o prosseguimento do estudo.

 Aos amigos do Mestrado: Lilian, Maíra, Díbulo, Maria Eliza, Fátima Cristina,
Fábio e Antônio todos os participantes do NUPEEMC.

 Às professoras: Luciana, Elisa, Inês Maria, Maria Aparecida, Cristiane e


Marialda, por compartilharem seu vastíssimo conhecimento.

 Aos profissionais atuantes na secretaria do mestrado Raquel, Vinícius e Ednardo,


pela dedicação e o excelente desempenho.

 A todos que contribuíram para a realização deste prazeroso estudo com sua torcida,
incentivo e carinho.
Hino cigano em romaní.

Djelém, Djelém (OPRÉ ROMÁ)

Djelém djelém lungóne droméntsa,


Maladilém baxtalé Rroméntsa.
Ah, Rromalé, katár tumén avén,
E tsahréntsa, baxtalé droméntsa.
Ah, Rromalé,
Ah, Chavalé.
Vi man sasí ekh barí famílija,
Mudardá la e Kalí Legíja;
Avén mántsa sa e lumnjátse Rromá
Kaj phutajlé e rromané droméntsa.
Áke vrjáma, ushtí Rromá akaná,
Amén xudása mishtó kaj kerása.
Ah, Rromalé,
Ah, Chavalé

Hino cigano em português

Andei, Andei (LEVANTEM-SE ROM)

Andei, andei por longas estradas,


E encontrei os de sorte.
Ai ciganos, de onde vocês vêm
Com suas tendas e crianças famintas?
Oh, velhos ciganos,
Oh, jovens ciganos.
Eu também tive uma grande família,
Mas a Legião Negra a exterminou;
Homens e mulheres foram mortos
E também crianças pequenas
Ai velhos ciganos, ai jovens ciganos
Abra Senhor, as portas escuras
para que eu possa ver onde está minha gente
Voltarei a percorrer os caminhos e
Andarei com os ciganos de sorte
Ai velhos ciganos, ai jovens ciganos
É hora, levantemo-nos,
É chegado o momento de agir.
Venham comigo ciganos do mundo
Ai velhos ciganos, ai jovens ciganos.
SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................................x
ABSTRACT...................................................................................................................xi
RESUMEM...................................................................................................................xii
CAPÍTULO I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS .........................................................1
Motivação para o estudo............................................................................................... 1
Contexto Histórico.........................................................................................................2
Questões Norteadoras....................................................................................................8
Objetivos do Estudo .....................................................................................................8
CAPÍTULOII - ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓLICA............................9
A Coleta de Dados ......................................................................................................11
Cenário do Estudo.......................................................................................................14
Autorização da pesquisa..............................................................................................17
Trabalho de Campo.....................................................................................................19
Caracterização das depoentes .....................................................................................19
Análise dos Dados.......................................................................................................35
Unidades Temáticas.................................................................................................36
Categoria Analítica - O cuidado popular e o cuidado profissional das crianças
e mulheres ciganas: modos de vida e transgeracionalidade..................................37
CAPÍTULO III – DISCUSSÃO DOS DADOS...........................................................39
Subcategorias
1.1 - A transgeracionalidade do cuidado materno com as crianças ciganas..................40
1.2 - A transgeracionalidade da saúde da mulher cigana na fase reprodutiva...............63
CAPÍTULO IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................77
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................80
APÊNDICES ................................................................................................................83
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...........................................................84
Formulário do perfil sócio-econônico-cultural ..........................................................85
ANEXOS........................................................................................................................86
Autorização do Presidente da União Cigana do Brasil...............................................87
Aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIRIO.......................................88
GOMES, Monik Nowotny. Saberes e Práticas Culturais de Mulheres em um Acampamento
Cigano no brasil – Contribuições para a EtnoEnfermagem. Rio de Janeiro. 2012. 88 fls. xii.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro -
UNIRIO.

RESUMO

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, método da etnoenfermagem, tendo como


objeto de estudo os saberes e práticas culturais de mulheres sobre a saúde reprodutiva e o
cuidado materno em um acampamento cigano no Brasil. Os objetivos foram: conhecer os
significados, expressões, padrões e experiência de vida das mulheres ciganas durante o
período reprodutivo e o cuidado com o recém-nascido e a criança e discutir os saberes e as
práticas culturais da mulher cigana com relação ao cuidado nas fases do período reprodutivo e
cuidado do recém-nascido e criança, e a influência na saúde e na doença. O referencial teórico
metodológico utilizado foi a Teoria do Cuidado Cultural de Madeleine Leininger. O cenário
da pesquisa foi um acampamento cigano situado no município de Tanguá, localizado no
Estado do Rio de Janeiro. As informantes-chave foram cinco mulheres ciganas e os
informantes gerais foram seis, sendo três ciganos moradores do acampamento e três ciganos
visitantes. O período de coleta de dados foi de julho a setembro de 2012. Foram utilizados
cinco capacitadores de Leininger: modelo estranho-amigo, observação-participação-reflexão
(OPR), modelo de Sunrise, entrevista aberta e o formulário do perfil sócio-econômico-
cultural. A análise dos depoimentos foi fundamentada na análise de dados da
etnoenfermagem, resultando em uma categoria: O cuidado popular e o cuidado profissional
das crianças e mulheres ciganas: modos de vida e transgeracionalidade, e desmembrada em
duas subcategorias: A transgeracionalidade do cuidado materno com as crianças ciganas e, A
transgeracionalidade da saúde da mulher cigana na fase reprodutiva. O estudo possibilitou o
delineamento de um perfil e da compreensão dos saberes e práticas culturais relacionados ao
cuidado com a mulher e a criança cigana. Destaca-se que o desmame precoce, as manobras de
manejo com o coto umbilical e a tendência da inclinação a opção pelo parto cesáreo surge
como propostas de uma interseção entre o cuidado popular e profissional do enfermeiro,
permitindo a projeção de futuras estratégias para a promoção do cuidado cultural e
viabilização de novos estudos de etnoenfermagem.

Palavras-chave: etnoenfermagem, enfermagem transcultural, saúde da mulher, saúde da


criança, cultura, cigano.
GOMES, Monik Nowotny. Knowledge and Practices Of Mulheres Culturais Encampment
Cigano on Brasil - Contribuições for a Etno-Enfermagem. Rio de Janeiro. 2012. 88 fls. xii.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –
UNIRIO.

ABSTRACT

This is a qualitative study, the method ethnonursing, having as object the study the
knowledge and the practices of women about reproductive health and maternal care in a
gypsy camp in Brazil. The objectives were: to know the meanings, expressions, patterns and
life experience of gypsy women during the reproductive period and care for the newborn and
the child and discuss the knowledge and cultural practices of the gypsy woman concerning the
care during the reproductive period and care of the newborn and child and the influence on
health and on disease. The theoretical and methodological framework was Cultural Care
Theory Madeleine Leininger. The research scenario was a gypsy camp located in the
municipality of Tanguá, in the State of Rio de Janeiro. The key informants were five gypsy
women and the general informants were six, three gypsy camp residents and three visitor
gypsies. The data collection period was from July to September 2012. We used five Leininger
enablers: Model stranger-friend, observation-participation-reflection (OPR), model Sunrise,
open interview and profile form socio economic cultural . The statements were based on data
analysis of ethnonursing, resulting in a category: The popular care and the professional care of
gypsy children and gypsy women: lifestyles and transgenerationality, and split into two
subcategories: The transgenerationality of maternal care with Gypsy children and the
transgenerationality of gypsy women’s health of gypsy woman in the reproductive phase. The
study enabled the design of a profile and the understanding of the knowledge and the cultural
practices related to caring for gypsy women and children. It is noteworthy that early weaning
management maneuvers with the umbilical stump and the tendency of tilting option for
cesarean birth comes as proposals for an intersection between popular care and professional
nursing, allowing the projection of future strategies for promoting cultural care and the
implementation of new studies ethnonursing.

Keywords: ethnonursing transcultural nursing, women's health, child health, culture, gypsy.
GOMES, Monik Nowotny. Conocimientos y Prácticas Culturales de las Mujeres en un
campamento de gitanos en Brasil - Contribuciones etnoenfermería. Río de Janeiro. 2012. 88
fls. xii. Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro - UNIRIO.

RESUMEN

Se trata de un estudio cualitativo, método etnoenfermería, que tiene como objeto de estudio el
conocimiento y las prácticas de las mujeres acerca de la salud reproductiva y la atención
materna en un campamento de gitanos en Brasil. Los objetivos fueron: conocer los
significados, expresiones, modelos y experiencias de vida de las mujeres gitanas en la
reproducción, el cuidado del recién nacido, el niño y discutir los conocimientos y las prácticas
culturales de la mujer gitana en relación con las fases de la atención período reproductivo y el
cuidado del recién nacido, del niño, y la influencia en la salud y la enfermedad. El marco
teórico y metodológico fue la Teoría Cuidado Culturales Madeleine Leininger. El escenario
de la investigación fue un campamento gitano ubicado en el municipio de Tanguá, en el
Estado de Río de Janeiro. Los informantes clave fueron cinco mujeres gitanas y los
informantes generales fueron seis, tres residentes de los campamentos gitanos y tres visitantes
gitanos. El período de recolección de datos fue de julio a septiembre de 2012. Utilizamos
cinco facilitadores Leininger: Modelo extraño amigo, la observación-participación-reflexión
(OPR), el modelo de Sunrise, la entrevista abierta y cuestionario del perfil socioeconómico
cultural. Las declaraciones se basan en el análisis de datos de etnoenfermería, lo que resulta
en una categoría: la atención popular y la atención profesional de los niños y las mujeres
gitanas: estilos de vida y intergeneracionalidad, y se dividen en dos categorías: El cuidado
materno intergeneracionalidad con niños gitanos y intergenaracionalidad de la salud de la
mujer gitana en la fase reproductiva. El estudio permitió el diseño de un perfil y la
comprensión de los conocimientos y prácticas culturales relacionadas con el cuidado de las
mujeres y los niños gitanos. Es de destacar que el destete precoz maniobras de manejo con el
muñón umbilical y la tendencia de la opción de inclinación para un parto por cesárea se
presenta como propuestas para un cruce entre la atención popular y profesional de
enfermería, lo que permite la proyección de futuras estrategias para la promoción de
cuidados culturales y la aplicación de nuevo estudios etnoenfermería.

Palabras clave: etnoenfermería enfermería transcultural, la salud de la mujer, la salud


infantil, la cultura, gitano.
CAPÍTULO I

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Motivação para o estudo

A questão cultural sempre foi muito marcante em minha vida. Essa inclinação
acontece desde a infância por conta de uma convivência diária com meu avô – um austríaco
que fugiu da II Grande Guerra com apenas sete anos de idade. Assim é que seus relatos não só
sobre os episódios em torno da fuga – comendo basicamente os ratos encontrados no porão do
navio usado para escapar – mas a respeito dos modos de vida e da cultura de seu país de
origem tiveram um peso considerável na minha visão de mundo. Desnecessário dizer, essa
verdadeira odisseia marcou a vida de meus bisavôs, dos cinco filhos que com eles vieram para
o Brasil e enriquece a história de nossa família. A filha mais velha, minha tia avó, por
exemplo, havia sido enfermeira de guerra (em território brasileiro, prestou juramento à
bandeira nacional e ganhou dupla nacionalidade). Cresci, assim, em permanente contato com
costumes e hábitos distintos, relacionados à outra cultura. E paralelamente ao crescimento
físico, na medida em que os anos foram passando, aumentava, dia após dia, o interesse
intelectual e o fascínio pela diversidade. Inclinação, aliás, que até hoje me acompanha.
Assim é que hoje, graduada em enfermagem, ciência fundamentada pelo cuidado com
o ser humano, tenho interesse em temas relacionados a valores culturais e modos de vida do
ser humano. O cuidado, sabemos, é a essência natural e fundamental, que embasa e afirma a
ciência da enfermagem. O tema, ao longo dos tempos, vem sendo focalizado como alvo de
estudos, pesquisas e produções científicas que se propõem a investigar tal fenômeno e
enquadrá-lo como a pedra fundamental desta profissão (a Enfermagem).
A enfermeira e teórica Madeleine Leininger se debruçou sobre o tema e, após intensa
investigação, estabeleceu uma relação entre a cultura e o cuidado e publicou o trabalho a
Teoria do Cuidado Cultural Diversidade e Universalidade. Esta teoria tem sido usada como
ferramenta em várias culturas para trazer à luz as necessidades do cuidado e saúde.

Minha experiência como profissional de saúde, na atualidade, vai ao encontro e


conversa com o saber e a teoria de Leininger por um motivo muito simples. É que, na prática,
não faço nada diferente do que prestar assistência a indivíduos de diferentes culturas. Aqui,
em nosso caso, na área de saúde materno infantil. No meu dia a dia, direciono a minha
atenção para temas relacionados a valores culturais e modos de vida do ser humano com o
foco no cuidado de enfermagem. Destaco aqui a importância de ter participado do Núcleo de
Pesquisa, Estudos e Experimentação em Enfermagem, na Área da Saúde da Mulher e da
Criança (NuPEEMC), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Nesta instituição
entrei em contato com questões relacionadas à saúde da mulher e da criança trabalhadas com
um enfoque transcultural. Floresceu, então, meu interesse em decifrar a enigmática cultura
cigana. Fui seguramente atraída por dois aspectos: um deles diz respeito a seus costumes,
valores e crenças rodeados por lendas, mitos e preconceitos; o outro leva em conta que os
valores ciganos têm sido o objeto de mobilizações voltadas para seu reconhecimento social
nos últimos anos.

Contexto histórico

De acordo com a literatura existente, não se sabe muito sobre a origem dos ciganos e
sua história porque eles possuem um idioma ágrafo (sem escrita), o que impossibilitou o
registro de acontecimentos ao longo dos tempos. Os ensinamentos, assim, foram e são
transmitidos por meio da oralidade, geração após geração, até os dias de hoje. Alguns
estudiosos desta cultura, após análises linguísticas, acreditam que os ciganos sejam oriundos
da Índia.
Para Godwin (2001), somente no século XIX, através de pesquisas linguísticas e
antropológicas e graças a indícios encontrados nos vários dialetos de seu idioma - o romani –
concluiu-se que os ciganos procedem da região norte da Índia e que dali migraram para o
Oriente Médio há cerca de mil anos.
De acordo com Torres (2004), os maiores estudiosos afirmam que os ciganos teriam
nascido na Índia devido às semelhanças existentes entre a linguagem indiana, o “sânscrito”, e
o “romani”, em português “romanês” (a linguagem ágrafa falada pelos ciganos). Apesar de o
“romani” ser uma língua sem forma escrita, explica o autor, a transmissão oral de uma
geração para outra, de pais para filhos, perpetuou sua existência e não existem dados
impressos ou livros que façam referência ao ensinamento desta linguagem. “Os ciganos mais
velhos transmitem a herança de seus ensinamentos, modos de vida para os mais jovens”,
sublinha Torres.
O romani, no entanto, não é o dialeto presente em todos os grupos de ciganos, pois
grupos diferentes possuem dialeto próprio. O grupo de ciganos Calon, por exemplo, se
comunica através do dialeto calon, linguagem também ágrafa transmitida oralmente entre as
gerações.
Segundo Somma (2007), os ciganos são encontrados em várias partes do mundo,
divididos em culturas, religiões e línguas diferentes. Alguns têm o dialeto, a profissão ou
apenas a opção pela vida itinerante. A população, estimada em cerca de 12 milhões de
pessoas, espalhadas pelos cinco continentes, tem em comum uma longa história pautada pelo
preconceito. Que continua ainda hoje.
O número de ciganos existentes no Brasil não é conhecido, mas alguns estudiosos do
tema produziram estimativas. É difícil levantar um número exato porque muitos deles
preferem ocultar sua origem. Essa “invisibilidade” (como vamos chamar o fenômeno) é
fomentada pelo medo do preconceito e da discriminação. Assim é que possível levantamento
estatístico sobre a população cigana no Brasil, na visão dos próprios ciganos, pode representar
uma ameaça. Alguns, então, optam por não assumir a identidade cigana.
Segundo reportagem exibida pela Folha de São Paulo (17/07/2008), “a Cruz
Vermelha começou nesta quinta-feira, em um povoado de ciganos de origem bósnia, o
processo de identificação das dez mil pessoas que vivem em assentamentos ilegais em
Roma”. O censo está entre as medidas incluídas no decreto do governo italiano para reforçar a
segurança e combater a imigração ilegal. O texto foi baixado em 21 de maio pelo Executivo
conservador liderado pelo primeiro ministro Silvio Berlusconi. Depois que o pacote foi
aprovado, o ministro do Interior italiano, Roberto Maroni, disse que "todos os assentamentos
ilegais" seriam destruídos. Cerca de 50 ciganos do assentamento ilegal de Corviale, na
periferia de Roma, receberam visita da Cruz Vermelha, que pediu documentos de identidade,
tirou fotos e fez perguntas sobre nacionalidade e possíveis doenças. Em 25 de junho, cerca de
um mês depois, o governo anunciou que tiraria as impressões digitais de todos os ciganos,
inclusive dos menores de idade, para criar um censo dos que vivem em assentamentos. No
entanto, ninguém teve sua digital tirada, e todos receberão um cartão com seus dados na
próxima segunda-feira (21). Como o processo de identificação fosse voluntário, vários dos
moradores do campo de Corviale se isolaram quando a Cruz Vermelha chegou ao local, de
modo que muitos não foram identificados.
Segundo Torres (2004), muitos ciganos, pela necessidade de sobrevivência, omitem
sua origem para fugir do preconceito, só exercendo sua “ciganidade” em casa e nas festas do
clã, do qual jamais se separam, pois ainda há hoje, no mundo inteiro, uma prova evidente do
preconceito contra os ciganos.
O preconceito imputado ao povo cigano não é uma realidade exclusiva da história
contemporânea. Muito pelo contrário. De acordo com as informações disponíveis, o estigma
vem se perpetuando ao longo dos tempos. Antes da chegada deste povo ao Brasil, a
discriminação já existia em países europeus onde, não raro, culminava em atos de
perseguições, genocídio e deportação.
Para Melo e Berocan (2010), os ciganos são a minoria étnica mais vulnerável à
discriminação nos 27 Estados membros da União Europeia, de acordo com agências
internacionais. Considerados "hóspedes indesejados" em diferentes países e continentes, os
ciganos convivem secularmente com o preconceito, a estigmatização e a exclusão social,
sobretudo por sua recalcitrante mobilidade e por seu modo de vida particular.
Já na opinião de Torres (2004), o deporto para as terras brasileiras (Brasil - Colônia),
se deu pelo preconceito e pura conveniência por parte da corte. Era interessante, à época,
enviar para a colônia portuguesa grupos que desenvolvessem atividades afins que iam ao
encontro dos interesses e necessidades das demandas colonizadoras.
Quando nos reportarmos àqueles episódios que marcaram a História por sua
intolerância racial, social, cultural e pela discriminação social, a primeira lembrança é aquela
que culminou no extermínio de milhares de pessoas classificadas como sub-raças. Referimo-
nos, aqui, ao holocausto.
Segundo Souza (2012), o holocausto foi uma prática de perseguição política, étnica,
religiosa e sexual estabelecida durante os anos de governo nazista de Adolf Hitler. Segundo a
ideologia nazista, a Alemanha deveria superar todos os entraves que impediam a formação de
uma nação composta por seres superiores. Segundo essa mesma ideia, o povo legitimamente
alemão era descendente dos arianos, um antigo povo que – segundo os etnólogos europeus do
século XIX – tinha pele branca e deu origem à civilização europeia. Para que a supremacia
racial ariana fosse conquistada pelo povo alemão, o governo de Hitler, então, passou a pregar
o ódio contra aqueles que impediam a pureza racial dentro do território alemão. Segundo o
discurso nazista, os maiores obstáculos ao processo de eugenia étnica eram os ciganos e –
principalmente – os judeus.
Além do antissemitismo, citamos aqui também outros exemplos nos quais o
preconceito foi usado premeditadamente, aliás, como sempre acontece nestes casos. Falamos
dos regimes de escravidão, que passavam pelo tráfico de seres humanos e sua submissão a
trabalhos forçados e castigos. Essa prática dizimou grandes contingentes do continente
africano para o enriquecimento de poucos. O fato impressionante é que as populações
dizimadas e escravizadas não se resumiram aos judeus e negros. Ao contrário. Vários
estudiosos da cultura cigana afirmam que os ciganos estavam inseridos nestes que são os
episódios históricos marcados pelo mais alto grau de crueldade.
Quando faz referência ao nazismo, Vaz (2005) afirma que os ciganos tiveram um
tratamento similar ao dos judeus: muitos deles foram enviados aos campos de concentração,
onde foram submetidos às experiências de esterilização, usados como cobaias humanas.
Calcula-se que 500 mil ciganos tenham sido eliminados durante o regime nazista.
No século passado, uma abordagem centrada na questão biológica, sem considerar os
aspectos culturais, contribuiu para legitimar o arbitrário conceito de que determinados grupos
de pessoas seriam consideradas biologicamente inferiores aos outros. A afirmação é de
Helman (2009), segundo quem tal abordagem serviu para justificar a perseguição, a
colonização e a exploração de vários grupos de pessoas em diversas partes do mundo.
Para Fonseca (1996), a cultura cigana é marcada pela exclusão, intolerância, injustiças
e preconceitos que a castigam há séculos. A dispersão dos ciganos pelo mundo foi iniciada há
mil anos, quando eles saíram da Índia rumo à Europa e o Oriente Médio. Escravos na
Romênia no período da Idade Média, ao longo de 400 anos, perseguidos pelos nazistas,
assassinados nos campos de concentração, eternos estrangeiros, povo sem pátria, ladrões de
galinhas e criancinhas, os ciganos seriam, segundo este autor, os “novos judeus”.
Decorridas quase cinco décadas após o holocausto, hoje, estas atitudes são
consideradas inaceitáveis. Cabe aqui refletir como a sociedade caminha vagarosamente rumo
a uma organização social pautada nos valores humanísticos.
Campos (1999), citado por Medeiros, afirma que o termo genérico “cigano” na
verdade designa um grupo bastante heterogêneo. Segundo ele, a principal subdivisão, com
base na provável origem, divide este povo em dois grandes grupos, os Rom e os Calom. Os
Rom encontram-se mais dispersos e teriam origem extra ibérica. É considerado o grupo
cigano mais autêntico e tradicional. Já os Calom são chamados ciganos ibéricos, devido a sua
maior concentração naquela região. Estes últimos também possuem representantes nas
Américas em virtude de deportações e emigrações. Outras divisões se dão com base nas
profissões exercidas por eles: caldeiros, comerciantes de animais, ferreiros, amestradores de
animais, acrobatas, músicos, artesões, ambulantes e outros.
Segundo Santos (2002), os grupos ciganos estão historicamente muito divididos no
Brasil por terem trajetórias diferenciadas, formas e estilos de vida diversos. Provavelmente, os
primeiros ciganos Calons chegaram ao Brasil no século XVI deportados da Península Ibérica.
Chegados ao Brasil, os Calons logo se espalharam pelas diversas capitanias. No século XVIII
já se faziam numerosos, tanto quanto a intolerância dos governantes, que em várias capitanias
lançavam mão de provisões e leis com o intuito de expulsá-los de suas áreas de controle.
Para Torres (2004), desde 1526, Portugal já fazia leis preconceituosas contra os
ciganos, e algumas dessas leis podem ser encontradas em antigos documentos e livros que
fazem parte do acervo do Real Gabinete Português de Leitura, situado no Rio de Janeiro. Os
ciganos que chegavam ao Brasil, mas ainda estavam sob o domínio dos portugueses, eram
proibidos de falar o romani. Esta lei só caiu em desuso em 1900.
Segundo o Presidente da União Cigana do Brasil Mio Vacite tal proibição em falar a
linguagem romani, determinada pelos portugueses, acabou diferenciando os grupos Calon dos
Rom. Esta diferenciação deve-se ao fato de que os ciganos Calons, à época, eram proibidos de
falar e ensinar a linguagem romani a seus filhos, sob fortes penas de punição e risco de
aprisionamento em calabouços. Embora proibidos de falar a linguagem romani plena, estes
ciganos proferiam palavras soltas nesta linguagem. Esta prática alternativa desencadeou a
assimilação de uma nova linguagem denominada dialeto calon. Ainda para Mio Vacite, uma
das maneiras de exterminar uma cultura é a eliminação de seu idioma, já que este vem a ser
um forte determinante cultural. Já os ciganos Rom mantiveram a linguagem romani até os
dias de hoje, sendo obrigatória a transmissão desta linguagem de pai para filhos.
Segundo Torres (2004), os ciganos degredados pelos portugueses eram destinados a
trabalhar na forja e fabricavam ferraduras e ferramentas, além de apetrechos domésticos como
panelas, alambiques e outros. Conhecidos como andarilhos em todo mundo, eram nomeados
meirinhos da corte e levavam notícias e comunicados do Reino a todas as terras brasileiras.
Trabalharam mais tarde como bandeirantes e serviram ao exército brasileiro.
Para Mio, ser meirinho da corte era considerado uma atividade de risco, semelhante às
funções atuais dos oficiais de justiça. Estes últimos, na época do Império, entregavam
intimações e corriam inclusive o risco de serem mortos.
O povo cigano depreende-se dos relatos, não possui características homogêneas,
mesmo pertencendo a uma única etnia. É que o processo de migração para o Brasil, em
diferentes épocas e maneiras, contribuiu para a diversidade dos grupos e subgrupos que ao
longo dos tempos mantiveram suas tradições em maior ou menor escala.
No Brasil, a cultura cigana ainda é desconhecida pela sociedade em geral. Suas
tradições e modos de vida são passadas a cada geração. O nascimento de uma criança cigana
sempre é motivo de festa porque alimenta a esperança de continuidade das tradições culturais
deste povo. Leininger tem definido cultura como "aprendidos, partilhados e transmitidos os
valores, crenças, normas e modos de vida de uma cultura em particular, que orienta o
pensamento, decisões e ações, de modo padronizado e frequentemente entre gerações."
(LEININGER 1991 a/b, 1997 a). O nascimento das crianças ciganas é acompanhado por
vários rituais próprios desta cultura, assim como outros ritos de passagem que envolvem este
povo. Para Bernardi (1989), rito é simultaneamente um modo de expressar a crença mística e
de manifestar a adesão a um sistema cultural.
Por apresentar peculiaridades místicas, a cultura cigana é rodeada por lendas que
geram preconceitos e discriminação. A sociedade cultural cigana vem se organizando e
lutando por seu espaço na sociedade, através de participações nas Conferências Nacionais de
Direitos Humanos. Suas mobilizações são marcadas por denúncias e propostas que são
discutidas durante estas reuniões.
O estudo aqui apresentado buscou identificar, por meio do discurso de mulheres
ciganas, como os valores, saberes e expressões culturais são capazes de influenciar o cuidado
materno infantil nos acampamentos ciganos. Destacamos desta forma, o modo de vida dessas
mulheres A metodologia adotada foi de natureza qualitativa e seguiu a Teoria do Cuidado
Cultural e o Método de Etnoenfermagem, elaborados pela enfermeira Madeleine Leininger.
Foram utilizados recursos facilitadores relacionados ao método e as entrevistas foram
direcionadas para as depoentes. Estas últimas são chamadas aqui de informantes culturais
porque detêm uma visão interna da cultura.
Por se tratar de uma cultura enredada em questões discriminatórias e preconceituosas e
com características tão peculiares, foi necessário um estudo cultural que visasse conhecer
como são os costumes e hábitos que envolvem o período reprodutivo. Da mesma maneira,
investigou-se também como é realizado o cuidado com as crianças após o nascimento, a partir
das seguintes indagações: Conhecer como ocorre o pré-natal, onde nascem as crianças
ciganas? Em domicílio ou em instituições? Quem realiza os partos? Quais os cuidados com o
recém-nascido? O cuidado puerperal e o acompanhamento das crianças são realizados nas
unidades de saúde, sob uma perspectiva transcultural?

Neste sentido definiu-se, como objeto do estudo, os saberes e práticas culturais de


mulheres sobre a saúde reprodutiva e o cuidado materno em um acampamento cigano no
Brasil.

Diante de tais questionamentos, foi possível traçar as questões norteadoras do estudo,


descritas a seguir.
Questões Norteadoras

1. Quais são os significados, expressões, padrões e experiência de vida das mulheres ciganas
durante o período reprodutivo e o cuidado com o recém-nascido e a criança?

2. Quais os valores e saberes específicos culturais, crenças e práticas da mulher cigana


durante o período reprodutivo e quais cuidados tomados com o recém-nascido e a criança
cigana influenciam na saúde e na doença?

Objetivos

1. Conhecer os significados, expressões, padrões e experiência de vida das mulheres ciganas


durante o período reprodutivo e o cuidado com o recém-nascido e a criança.

2. Discutir os saberes e as práticas culturais da mulher cigana com relação ao cuidado nas
fases do período reprodutivo e cuidado do recém-nascido e criança, e a influência na saúde e
na doença.
CAPÍTULO II

ABORDAGEM TEÓRICO METODOLÓGICA

A experiência da enfermeira Madeleine Leininger em trabalhar com crianças de


diversas origens culturais em uma clínica de saúde mental, a partir da década de 1950,
propiciou a observação da relação entre o cuidado e culturas específicas. Nesta época, a
enfermeira Leininger, a partir de suas observações diretas e experiências com clientes de
variadas culturas e condições de saúde diversas, concebeu que o modo de cuidado humano era
importante para a recuperação e manutenção de sua saúde e bem-estar. Na ocasião, ela
identificou a cultura e o cuidado como principais dimensões que faltavam na enfermagem e
nos serviços de cuidado à saúde. “Compreender e responder adequada e terapeuticamente a
clientes de culturas diferentes era uma necessidade crítica que merecia explicações teóricas e
pesquisa de investigação para a obtenção de resultados benéficos." (LEININGER &
MCFARLAND, 2006).
Para Leininger, o modo de cuidado humano era importante para a recuperação das
doenças e a manutenção da saúde e do bem estar. E o mais importante é que o cuidado da
enfermeira, que entendesse e pudesse prestar o cuidado terapêutico às pessoas de diversas
culturas, seria uma necessidade permanente não somente para a enfermagem, mas para todas
as práticas de saúde. Tylor (1871), citado por Leininger, afirma que cultura é um todo
complexo que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes e todos os outros
hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade.
A partir de então Leininger aprofundou seus estudos acadêmicos na área de
antropologia com o propósito de conhecer diferentes culturas e teorias através de pesquisas
relacionando a cultura e o cuidado. Após o doutorado, a autora desenvolveu a Teoria do
Cuidado Cultural Diversidade e Universalidade com enfoque específico para a enfermagem e
transformou a disciplina de enfermagem transcultural em um campo de estudo e práticas
reconhecidos. Neste sentido, Leininger afirma que a cultura era a característica mais ampla,
mais compreensiva, holística e de aspecto universal dos seres humanos. E o cuidado, a seu
ver, estava previsto para ser embutido na cultura. Ambos (cultura e cuidado) tinham de ser
entendidos para descobrir as necessidades de cuidados dos clientes. (LEININGER & MC
FARLAND, 2006)
O objetivo da teoria de cuidado cultural era, assim, descobrir, documentar, conhecer e
explicar a interdependência do cuidado e do fenômeno cultural com as diferenças e
semelhanças entre as culturas. Tal conhecimento era acreditado como essencial para a prática
do futuro cuidado profissional de enfermagem e para outros provedores de cuidado à saúde.
Isso faz com que a teoria do cuidado cultural seja desenvolvida como uma teoria
altamente relevante para a descoberta das necessidades do cuidado e saúde de várias culturas.
Ao contrário das enfermeiras da época, adeptas do paradigma e da filosofia
quantitativa, Leininger escolheu descobrir ideias novas, desconhecidas e vagamente sabidas
no universo do cuidado e da cultura. Ao tornar o cuidado explícito, confirmado e
documentado entre as culturas, a teórica valorizou uma descoberta aberta em um processo
naturalístico. O objetivo foi explorar os diferentes aspectos do cuidado e da cultura nos
contextos naturais da vida familiar em ambientes desconhecidos.
Leininger desenvolveu um método de pesquisa específico - o Método da
Etnoenfermagem - para descobrir sistemática e rigorosamente o domínio da inquirição.
Seguindo um modelo qualitativo, sua ferramenta focava a obtenção em profundidade do
conhecimento através de informantes culturais.
Segundo Helman (2009), os antropólogos mostraram que o sistema de assistência à
saúde de uma dada sociedade não pode ser estudado isoladamente de outros aspectos daquela
sociedade, especialmente aqueles relacionados à sua organização social, religiosa, política e
econômica. A assistência à saúde, portanto, está entrelaçada nesses aspectos, baseando-se nas
mesmas premissas, nos valores e na visão de mundo.
A metodologia considerada adequada ao estudo é a qualitativa. Esta abordagem surgiu
na Antropologia, a partir do momento em que os pesquisadores, com dados quantificados,
sentiam necessidade de interpretações que iam além do simples dado objetivo.
Nas palavras de Minayo (2006, p.34), esse tipo de pesquisa se preocupa com um nível
de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, trabalha-se com "o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variações".
Trata-se de um estudo descritivo exploratório, focado na vivência das mulheres
ciganas, considerando seus saberes, práticas e valores culturais. A pesquisa exploratória tem
como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais
explícito. De acordo com Gil, esta prática envolve o levantamento bibliográfico e entrevistas
com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado e análise de
exemplos que "estimulem a compreensão". (GIL, 2002, p.41).
O método utilizado é o da etnoenfermagem, uma ferramenta rigorosa, sistemática e
profunda para o estudo de múltiplas culturas. E para conhecer a vivência, os saberes e as
práticas das mães ciganas, a participação na vida cotidiana das mães pesquisadas se faz muito
importante para o desenvolvimento da reflexão sobre os comportamentos, as atitudes e os
costumes. Leininger afirma que etnoenfermagem é um método de pesquisa para ajudar as
enfermeiras, sistematicamente, a documentar e obter maior compreensão e significado das
experiências de vida das pessoas relacionadas ao cuidado humano, saúde e bem-estar em
diferentes e semelhantes contextos ambientais. (LEININGER, 1980; LEININGER &
McFARLAND, 2006).
Como método científico, a etnoenfermagem proporciona contribuições importantes
para averiguação do objeto de estudo. Essa metodologia foi primeiramente concebida para se
adaptar às tendências e ao objetivo da Teoria do Cuidado Cultural. A habilidade em
compreender e usar a etnoenfermagem focalizará em significados de cuidado e experiências
de vida (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Segundo Spradley (1980), o contexto dinâmico da etnografia pode fornecer dados
sobre a influência cultural da mulher cigana e a experiência da maternidade, bem como a
influência do cuidado. “Etnografia representa a ciência e a arte tentando informações sobre as
características do mundo dos entrevistados, tendo como princípio escutar e observar o
comportamento”.

A coleta de dados

Para viabilizar a utilização da etnoenfermagem, é necessário que o pesquisador


desenvolva os capacitadores (facilitadores) para que eles auxiliem na investigação sobre a
cultura e o cuidado. Na pesquisa, os capacitadores são os meios para se levantar dados e
analisar as principais tendências do cuidado materno (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Segundo Leininger, capacitadores são meios de explicar, provar, ou descobrir os fenômenos
em profundidade que pareciam tão complexos, evasivos e ambíguos como o cuidado humano.
Foram utilizados cinco capacitadores designados para facilitar a obtenção dos dados:
1. Modelo Estranho-Amigo; 2. Diagrama Sunrise; 3. História de Vida; 4. Observação-
Participação-Reflexão (OPR), registradas em diário de campo; 5. Formulário do perfil sócio-
econômico-cultural.
O Capacitador Estranho-Amigo

Este guia estabelece que os pesquisadores devem sempre acessar e conhecer o


relacionamento com as pessoas a serem estudadas a fim de entrar e manter-se junto, mudando
de estranho ou pessoa não confiável a amiga para obter dados significativos e acreditáveis.

O Capacitador Sunrise

É um guia de estudo que se apresenta como um diagrama visual e serve como mapa
cognitivo para descobrir os fatores embutidos e múltiplos relacionados à teoria enquanto se
coleta e analisa resultados.

Figura 1 – Modelo de Sunrise

– Modelo de Sunrise da

Fonte: LEININGER & McFARLAND, 2006, p.25.


O Capacitador História de Vida

É um guia para obter dados longitudinais de informantes selecionados, de suas


experiências de vida e com enfoque no cuidado e cuidar. Para tanto foi realizada uma
entrevista com uma única pergunta. Para levantar os depoimentos acerca das expressões,
saberes e experiências de vida das mulheres ciganas que influenciam o cuidado da mulher no
período reprodutivo e o cuidado com a criança cigana, foi utilizada a entrevista. A
investigação foi conduzida por uma pergunta ou questão de pesquisa: “Você pode me contar
sobre a história de sua vida, como foi a gravidez(s), parto(s) e cuidados com o filho(s)?”.

O Capacitador Observação-Participação-Reflexão (OPR)

Utilizado com a finalidade de explorar o contexto em que a mãe e a criança vivem e


conhecer como essas mães ciganas cuidam dos seus filhos nascidos nos acampamentos. Esse
capacitador, em etnoenfermagem, possui quatro fases, que podem ser observados no quadro
01.

Quadro 01 – As quatro fases da Observação-Participação-Reflexão

1 2 3 4

Observação & Observação com Participação com Reflexão e


Fases ação ativa de participação observações reconfirmação
ouvir (sem limitada continuadas de resultados
participação com os
ativa) informantes

Fonte: Leininger e McFarland, 2006.

O Capacitador Formulário sócio-econômico-cultural.

Formulário que contempla os sete fatores do primeiro nível do Modelo de Sunrise,


constituído por perguntas fechadas tendo por objetivo certificar os dados levantados na POR,
permitindo a identificação e caracterização sócio-econômica e cultural dos sujeitos do estudo.
Cenário do Estudo

Para Leininger (1980), a descoberta dos fenômenos exige do pesquisador que este
busque as histórias dos informantes sobre sua saúde e modos de viver culturais. Os
pesquisadores, argumenta ela, devem visitar a cidade, instituição ou comunidade dos
informantes. Por este motivo, a coleta de dados demandou visitas aos representantes da União
Cigana do Brasil e a um acampamento cigano no Estado do Rio de Janeiro designado pela
instituição. A finalidade foi conhecer os informantes chave. O acampamento cigano
designado como cenário de estudo está localizado em Tanguá, município localizado na região
metropolitana do Rio de Janeiro. A principal rodovia que dá acesso ao município é a BR-
101. Pelo município de Tanguá também passa a ferrovia EF-103, que pertence à Ferrovia
Centro-Atlântica. (vide mapa abaixo).

Figura 2 - Mapa do município de Tanguá –


Estado do Rio de Janeiro, fazendo divisa
com os municípios de Maricá e Itaboraí.

O acampamento cigano é liderado por um cigano denominado o Chefe. Essa posição


hierárquica é conquistada por aquele que tem a capacidade nata de liderança. Ele está sempre
à frente dos interesses do grupo e sua autoridade também é reconhecida pela comunidade ao
redor. Ao líder é conferido o poder decisório. É ele quem representa os ciganos ali acampados
e libera o consentimento para seu assentamento.
Oh! Aqui nessa barraca aqui, nessa aqui e na outra lá, o líder é meu
marido, mas assim só acampa outra barraca aqui se tiver autorização dele e se
for um cigano de bem. Se for um cigano que a gente já conhece, que gosta de
causar problema, causar confusão, dar dor de cabeça pra gente, meu marido não
deixa acampar, porque se acampar, o que essa pessoa fizer a responsabilidade é
dele, do líder. Porque tudo o que acontece vem sobre o líder. Mesmo se faz
alguma coisa errada a polícia vem caçar. Vem primeiro pelo chefe, vocês falam
líder, mas o policial fala chefe. “Quero falar com o chefe do acampamento”, no
caso o chefe é meu marido, então se for uma pessoa de bem, meu marido deixa
acampar, se não for ele não deixa. Chefe do acampamento que o pessoal fala.
Olha, eu acho que chefe você não escolhe, você conquista. Porque tem aqui
aquela pessoa que já tem o dom de ser líder, né? Que tudo o que acontece ele tá
na frente pra mexer, é um lugar pra você acampar, é ele que tá na frente, é uma
luz lá pra poder arrumar, é ele que tá na frente, pra tirar um alvará na
delegacia, pra poder você acampar; ele tá na frente, tudo ele tá sempre na frente,
aí ele já sai como líder, mesmo sem querer. Meu marido sempre foi assim, hoje
tem pouca barraca, mas antigamente tinham muitas. (Prama)

Na primeira visita, o acampamento, era composto por duas barracas nas quais
residiam duas famílias. Na segunda visita, encontrei uma terceira barraca. Na primeira
barraca, no entanto, encontrei uma nova família, composta pela filha do líder com seu cônjuge
e seu bebê.
Na visita subsequente notei que a terceira barraca havia sido afastada e instalada a uma
distância de aproximadamente 150 metros do acampamento. Ao questionar esta modificação,
fui informada de que o morador cigano desta barraca foi convidado a se retirar do
acampamento porque não se enquadra aos ditames das normas de convivência vigentes. Este
morador comportou-se de maneira inadequada e não foi tolerado por seus pares. Por isso, foi
afastado pelo Chefe.
Vale ressaltar que o campo de estudo aqui trabalhado é bastante mutável. Isso
acontece porque os ciganos são nômades e não se prendem a uma localidade. Some-se a isso o
fascínio pela liberdade e o costume de viajar, visitar e acampar em outros locais. O
acampamento está assentado na localidade há quinze anos e foi doado à época pelo Prefeito
em exercício. Situado em um bairro residencial ao lado de uma igreja evangélica, beirando a
linha férrea que cruza a cidade, em logradouro de barro, o assentamento tem endereçamento
postal, sistema de abastecimento de água, energia elétrica e sistema de coleta de lixo
estruturada.
Foto autorizada

Figura 3 - Trecho da Ferrovia EF-103 situada


ao lado do acampamento cigano.
Foto autorizada
Figura 4 – lixo acondicionado
aguardando caminhão de coleta.

Não encontramos limites como portas, portões entre as barracas, o quintal e o


logradouro. Essa forma de organização causa uma impressão de continuidade. Os animais de
estimação, cachorros e galináceos, circulam livremente entre a barraca e o quintal.

Fotos autorizadas.
Figura 5 - Animais de estimação circulando livremente entre o interior das barracas, o
quintal e a rua.

As galinhas e frangos do atual acampamento são considerados animais de estimação e


não são destinados à alimentação. Apenas os ovos podem ser doados, ingeridos ou
comercializados.
Foto autorizada.

Figura 6 - Ovos produzidos por galinhas no


acampamento.

A galinha não como não, bota ovo, eu criei galinha de estimação, aí eu vendo ovo,
eu como ovo, dou ovo pra quem chega aqui. Não, nós não comemos não, não
comemos nunca. Quando a gente quer comer, aí nos compra e mata. Essas daqui
eu não mato porque são tudo minha, são tudo criada aqui as minhas galinhas.
Esses bichinhos, esses daqui são criado aqui, aí eu não mato não. (Prama)
As barracas são feitas de madeira e lona e no lugar de portas têm cortinas coloridas
que são fechadas durante a noite.

Fotos autorizadas.
Figura 7 - Barracas de madeira e lona, não há portas, apenas cortinas. Logradouro e
endereçamento.

Definição dos Sujeitos e Produção de Dados

Autorização da Pesquisa

A princípio, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao presidente da União Cigana do


Brasil para que obtivéssemos a permissão visando à realização do estudo. Os objetivos do
estudo foram avaliados e devidamente aprovados. Num segundo momento, o projeto foi
encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO), com registro da pesquisa no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa
(CONEP), de acordo com a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde que dispõe
sobre as Diretrizes e Normas Regulamentares de Pesquisa com Seres Humanos. A aprovação
foi inicialmente rejeitada por exigências dos membros avaliadores do Comitê. Feitos os
devidos ajustes e adendos, o projeto foi novamente encaminhado ao Comitê de Ética em
Pesquisa da (UNIRIO) e aprovado sob o protocolo nº484601.
A União Cigana do Brasil é a instituição brasileira que representa a cultura cigana aqui
no Brasil. A entidade é reconhecida pela Internacional Roma Federation que, por sua vez, é
filiada à ONU - Organização das Nações Unidas. Criada em 1990, a UCB, de acordo com seu
presidente, vem lutando, desde sua fundação, pelo desenvolvimento sustentável das famílias
ciganas em consonância com as especificidades históricas e contemporâneas. Seus principais
pleitos são a garantia dos direitos à titulação e a permanência na terra, à documentação básica,
alimentação, saúde, esporte, lazer, moradia adequada, trabalho, serviços de infraestrutura e
previdência social, entre outras políticas públicas destinadas à população brasileira. Com esse
trabalho pioneiro, os ciganos passaram a ser mais bem aceitos e respeitados, não só por sua
tradição musical, mas também por sua nacionalidade. Isso os colocou em igualdade de
condições com outras etnias que residem no Brasil.
Para iniciar as entrevistas no acampamento, as mulheres ciganas foram informadas
sobre o objetivo da pesquisa. Conforme sua aceitação foram convidadas a ler o TLCE junto
ao entrevistador. Ali, assinaram o termo após a leitura. Algumas depoentes entrevistadas são
analfabetas, mas demonstraram nível de compreensão suficiente para subscrever o
documento.
Antigamente, as meninas não iam pra escola, nem os meninos, entendeu? No
meio dos meninos era difícil de acontecer, no meio de trinta crianças tinha dois
que ia, entendeu?(Prama)

Eu não sei escrever, porque minha mãe não deixou eu ir na escola, entendeu? O
meu pai, por ele talvez eu até ia, mas por não, pra não deixar nós menina mulher
se misturar com pessoas que não era cigana na escola; pra não aprender coisa
que não precisava, que é assim que ela fala, aí eu não aprendi a ler e não aprendi
a escrever e não fui na escola. Aí, dizer, hoje eu só sei assinar meu nome e o
básico, mas estudar, estudar mesmo eu não estudei. (Prama)

Os critérios utilizados para a inclusão de depoentes no estudo foram os seguintes.


Selecionamos mulheres ciganas e mães que residiam no acampamento cigano designado para
estudo, localizado em Tanguá. Tais mulheres, de acordo com o método da etnoenfermagem,
foram classificadas como informantes culturais (informantes-chave) porque detinham uma
visão interna da cultura.

Vale destacar que a quantidade de depoentes foi da ordem de cinco informantes chave.
A estratégia seguiu o método da etnoenfermagem, que considera o número de seis a oito
informantes chave para configurar um estudo mini (pequena escala em etno-enfermagem).
Segundo Leininger, a duração de tempo com os informantes chave pode variar, de acordo
com a obtenção do ponto da saturação. Saturação refere-se a recolher as ocorrências e
significados até quando há uma redundância de informações. Ou seja, o pesquisador
consegue a mesma informação em vários momentos e as depoentes não tem mais nada a
oferecer, pois disseram e compartilharam tudo (LEININGER, 1991).
As entrevistas foram gravadas com recurso digital, transcritas na íntegra, arquivadas
em computador e permanecerão armazenadas por um período de cinco anos.
Com a finalidade de garantir a privacidade das depoentes, os nomes das participantes
foram substituídos por codinomes ciganos na linguagem Romani, idioma utilizado por alguns
segmentos da comunidade cigana. Conforme a grande veneração com que os ciganos
reverenciam a natureza, aos codinomes foram atribuídas palavras análogas.
Quadro 02: Codinomes em romani e tradução em português.

Codinome Romani Tradução português


Shon Lua
Nazar Flor
Thierain Estrela
Prama Joia
Kambulim Amor
Fonte: Entrevistas realizadas em 2012.

Trabalho de campo
Para efetuar a coleta de dados foram necessárias várias visitas ao acampamento. Para
garantir a observação e estreitar a convivência com os ciganos, levou-se em consideração o
modo de vida nômade da comunidade, uma característica do grupo em estudo. Durante
algumas visitas, as depoentes não foram encontradas no acampamento, pois estavam viajando.
Durante essas viagens, que podem durar meses, as barracas permanecem fechadas e sob a
vigilância de outra família de ciganos residentes em outra barraca do acampamento.
A coleta de dados demandou um período de dois meses nos quais foram realizadas
visitações espaçadas e participações em eventos. Um deles foi a missa de Primeira Eucaristia
dos ciganos do acampamento, realizada em quinze de agosto de 2012, na Paróquia de Nossa
Senhora do Amparo. Neste dia, inclusive, vigora um feriado católico no município.

Fotos autorizadas.

Figura 8 - Missa de 1ª eucaristia dos ciganos na Paróquia de Nossa SRª do Amparo -


Tanguá em agosto de 2012.

Caracterização das depoentes


Baseados no Capacitador modelo de Sunrise, alguns dados concernentes aos
depoimentos foram captados e agrupados em quadros visando uma melhor compreensão do
estudo. As informações, assim, foram captadas e agrupadas em quadros.
Demonstrados na sequência, os quadros se apresentam da seguinte forma: o quadro 03
caracteriza as depoentes, mulheres ciganas entrevistadas. Nos quadros 04, 05 e 06 são
representados, respectivamente, os fatores tecnológicos, religiosos e filosóficos, além de
fatores de vida social e companheirismo.
Alguns dados foram extraídos do formulário do perfil sócio-econômico-cultural e dos
depoimentos durante as entrevistas. Outras informações foram captadas por meio da POR
(Observação, Participação e Reflexão).

Quadro 03 : Caracterização das Mulheres Ciganas.

Depoentes Idade Naturalidade Idade 1º Nº Filhos Nº Filhos Nº Filhos Aborto


(anos) Parto Vivos Mortos Adotivos

Shon 39 Paraíba 20 04 - - -

Prama 36 Minas 15 03 - 01 -
gerais
Thierain 16 Minas 15 01 - - -
gerais
Kambulim 20 Minas 18 02 - - -
gerais
Nazar 40 Minas 13 02 - - -
gerais
Fonte: Entrevistas realizadas em 2012.

Uma das depoentes tem um filho adolescente adotivo, que reside em sua barraca,
seguindo os costumes e a tradição cigana. Percebemos, à luz do depoimento aqui reproduzido,
o processo de aculturação da criança que passa a conviver no ambiente cigano.

Aquele moreninhozinho ali não é cigano, é meu porque eu peguei pra criar,
peguei aqui em Tanguá, entendeu? Peguei grande já, mas é um amor de menino;
não gostava de ir pra escola, não gostava de estudar, não gostava de nada; tem
que ir, eu faço ir à força, fica rebelde mas vai, tem que ir. (Prama)

O acampamento cigano em estudo, como já foi dito, está fixado há cerca de quinze
anos em Tanguá. O número de mulheres encontradas no acampamento é variável e não
obedece a parâmetros estáticos. Muito pelo contrário, a presença feminina se caracteriza pelo
dinamismo, devido à prática de deslocamento para outros acampamentos. Essa mobilidade,
por sua vez, é motivada por encontros familiares ou pela procura de localidades propícias ao
sustento.
De acordo com o depoimento aqui reproduzido, o tempo de permanência em cada
localidade é definido pela oportunidade de trabalho local e a consequente possibilidade de
obter renda. A aceitação social daí advinda também surge como um requisito de análise, tanto
para a escolha quanto para a permanência no local.
O tempo que tá dando dinheiro aqui tá dando dinheiro; a gente fica dois, três,
quatro anos; se não dá, vamos dizer assim, se a gente chegou e viu que o lugar é
ruim, levanta a lona semana que vem. E vai pra outro lugar. A gente vai,
primeiro analisa, os homens procuram, levam as mulheres; se tá bom aí, a gente
fica, se ali não for legal por problemas, até de problemas de pessoas trazer
problemas com a gente, a gente já parte pra outra, entendeu? Vai pra outro,
entendeu? (Shon)

De acordo com a fala da próxima depoente, é possível destacar que há uma


convivência harmoniosa entre os membros do acampamento e a comunidade local. E essa
harmonia contribui para a existência de um acampamento que já dura algo em torno de quinze
anos.
Na vizinhança, os nossos vizinhos aqui são uns amor de pessoa. A gente faz
churrasco aqui, vem todo mundo, trata nós muito bem, é um amor de pessoa. Eu
acho que nós não temos nada o que falar deles e nem eles falar de nós. (Prama)
Pelo menos aqui dentro, que nós já vive aqui há quinze anos, então aqui todo
mundo já conhece nós, não tem muito o que falar de nós não. O pessoal trata nós
bem. Bem mesmo. (Prama)

Figura 9 - Morador vizinho


ao acampamento, visitando
a barraca em convivência
harmoniosa.

Foto autorizada.

As depoentes de nosso estudo não são naturais do Rio de Janeiro. Quatro delas são de
Minas Gerais e uma é natural da Paraíba. A idade das mulheres variou entre 16 e 39 anos.
Devido ao modo de vida cigano, podemos observar a presença de três gerações, configurando
ao estudo um caráter transgeracional.
Quadro 04: Fatores Tecnológicos.

Fonte: Questionário do Perfil sócio-econômico-cultural.

Depoentes Luz Água Meio de transporte Eletrodomésticos


E Utilizada

P N Carro Ônibus G F F A T D L F M V C T
Poço Água Rede Animal
r s v e l G c
P Mi En cavalo
Shon X - X X X - X X X X X X X - - - - X X X

Prama X - X X X X X X X X X X X X X X X X X X
Thierain X - X X X - X X X X X X X - X X X - - X
kambulim X - X X X - X - X X - - X - - - - - - -
Nazar X - X X X X X - X X X X X X X X X - - X
Legenda: E: elétrica; P: possui; NP: não possui; Mi: mineral; En: encanada; G: geladeira; F: fogão; Fr:
forno; As: aparelho de som; Tv: televisão; D: DVD; L: liquidificador; Fe: ferro de passar roupa; Ml:
máquina de lavar roupa; VG: vídeo game; C: computador; Tc: telefone celular.
É possível perceber que as depoentes de idade mais elevada, de gerações anteriores,
dispõem de mais aparelhos eletrodomésticos e utensílios em suas barracas. As ciganas mais
novas têm menos objetos.
Um fato significativo identificado no acampamento diz respeito ao ato de cozinhar das
mulheres. Ainda que possuam fogão a gás, elas dão preferência ao cozimento dos alimentos
em fogão a lenha. A preferência se dá porque, segundo elas, existe uma diferença no sabor do
alimento preparado pelo método mais tradicional. As depoentes informaram ainda que a lenha
utilizada consiste de gravetos encontrados no chão da própria localidade.

Fotos autorizadas.

Figura 10 - Fogão à lenha construído com tijolos, construção rústica e rudimentar,


aparelho de som, televisão, ventilador, geladeira, forno elétrico e freezer.

Para Helman (2009), os grupos culturais, quando se trata de práticas relacionadas à


comida, diferenciam-se entre si, de acordo com suas crenças e práticas. Por isso, existem
variações em relação à maneira como o alimento é cultivado, colhido, preparado, servido e
consumido.

Fotos autorizadas.

Figura 11 - Ferramentas utilizadas para o trabalho dos ciganos no acampamento: máquina de


costura (cigana costureira), instrumentos para confecção de jóias (cigano ourives) e ferramentas
para confecção de tachos e panelas (cigano tacheiro).
Quadro 05: Fatores Religiosos e Filosóficos.

Depoentes Religião em Religião Batismo 1ª Catequizada Casamento


que foi Atual Católico Comunhão Católico
criada
Shon Católica Católica Sim Sim Acampamento Sim
Prama Católica Católica Sim Sim Acampamento Sim
Thierain Católica Católica Sim Não - Sim
Kambulim Católica Católica Sim Não - Sim
Nazar Católica Católica Sim Não - Sim
Fonte: Entrevistas realizadas em 2012.

Figura 12 -Imagem de Nossa Sª Aparecida, padroeira Foto autorizada.


dos ciganos dentro da barraca.

Nós somos ciganos, mas somos pessoas que acreditam em imagem de santo, não
barraca,
tem seuacreditar
como não manto porque
foi colocado sob
nós somos a cabeça
católicos, da
entendeu? (Prama)
imagem
Aí de algo,
nós quer Jesusnós
Cristo.
pede a Deus. Aí, vamos botar, eu tenho uma imagem ali de
Jesus Cristo e de Nossa Senhora Aparecida; aí, o que acontece se eu preciso de
algo que tá me aborrecendo, eu preciso de que algo bom aconteça? E que não tá
acontecendo. O que eu faço? Eu vou pedir a Deus e vou pedir aquela imagem pra
me ajudar, entendeu? (Prama)
Os ciganos gostam muito de cumprir promessa; “olha minha santa, se você me
ajudar nisso e se isso acontecer, vou visitar os seus pés em Aparecida do Norte,
vou andar de joelho, vou subir escada”. O cigano sempre cumpre as suas
promessas, entendeu? E sempre quando a gente pede, a gente também recebe,
entendeu? (Prama)

Para Torres (2005), os ciganos, na medida em que se estabeleceram na Europa e


nas Américas, assimilaram cerimônias e ritos ocidentais. No Brasil, por exemplo, o
catolicismo foi adotado pela maioria (é comum encontrar imagens da Nossa Senhora
Aparecida nas barracas).
Quadro 06: Fatores de Vida Social e Companheirismo.

Depoentes Estado civil Tempo de


Casada Separada Viúva relação (em
anos)
Shon X - - 24
Prama X - - 23
Thierain X - - 05
Kambulim X - - 03
Nazar X - - 29
Fonte: Entrevistas realizadas em 2012.

Quadro 07: modos de vida cultural.

Depoentes Barraca de Número de Banheiro Banheiro


madeira e cômodos externo interno
lona
Shon X 01 X -
Prama X 02 - X
Thierain X 02 - X
kambulim X 01 X -
Nazar X 01 X -
Fonte: Entrevistas realizadas em 2012.

Quadro 08: Fatores educacionais.


Depoentes Grau de Abandonou ou não
escolaridade inicialização no sistema
de ensino por
impedimento cultural.
Shon 1º grau incompleto Não se aplica
Prama Nenhum X
Thierain Nenhum X
Kambulim 1º grau incompleto Não se aplica
Nazar Nenhum X
Fonte: Entrevista realizada em 2012.
Quadro 09 - Aspectos transgeracionais.

Quadro transgeracional – depoentes grifadas em Fonte: Entrevistas realizadas em


vermelho 2012.

Geração I Avó de Shon


Avó de Prama
Geração II Mãe de Shon
Mãe de Prama
Tia de Thierain
Geração III Shon
Prama
Nazar

Geração IV Thierain filha de Prama


Kambulim sobrinha de Prama
Geração V Crianças netos de Prama
Crianças filhos de Shon

QUADRO 10 – GUIA CAPACITADOR DA LEININGER DE ESTRANHO PARA AMIGO CONFIÁVEL


(Desenvolvido e Usado desde 1959 por Leininger)

Indicadores de Indicadores
Estranho como um Amigo
(amplamente Estável (visões
éticos ou visões de Dados Anotados largamente Dados Anotados
estranhos) “emic” ou
interiores)
Informante (s) ou pessoas são: Informante (s) ou pessoas são:
1. Ativo para Apresentaram certa resistência 1. Menos ativo Com o passar dos dias consegui
proteger-se e a quanto a minha presença no para proteger-se. autorização para entrada no
outros. Eles são acampamento. Eu só era Mais confiante acampamento, após observação da
“guardiões de autorizada a comparecer na nos pesquisadores minha postura enquanto visitante.
portão” e protegem companhia de representantes da (seu “guarda-
contra intrusões de União Cigana do Brasil. Com portão é baixo ou
fora. Desconfiado e requisitos exigidos de normas de nenhum”). Menos
questionador. convivência. As precauções desconfiado e
alegadas estavam relacionadas menos
com o comportamento questionador do
inconveniente de visitantes que ali pesquisador
foram com finalidades de estudo,
mas, posteriormente,
demonstraram outras intenções
fazendo afirmações pejorativas.
2. Observador ativo Todos os ciganos posicionaram-se 2. Menos No decorrer das visitas as
e atento às coisas relativamente próximos ao observador às entrevistas já ocorriam de forma
que o pesquisador entrevistador e das depoentes, palavras do livre; alguns maridos inclusive
faz e diz. Sinais demonstrando exercer certa pesquisador e saíam a serviço ou para fazer
limitados de relação de proteção para com a suas ações. compras, deixando-me a só com a
confiança no entrevistada. Maiores sinais de depoente.
pesquisador ou confiança e de
estranho. aceitação de um
amigo novo.
3. Cético quanto Questionamentos frequentes sobre 3. Menos Já respondiam as entrevistas, sem
aos motivos e os motivos da pesquisa. questionador dos questionamentos, aguardando minha
trabalho do motivos ou razões chegada ansiosos.
pesquisador. Pode do pesquisador.
questionar como Sinais de
serão usados os solidariedade e
resultados pelo ajuda ao
pesquisador ou pesquisador como
estranho. se fosse um
amigo.
4. Relutante em Falas mais evasivas, certo temor 4. Disposto a Revelaram alguns segredos
partilhar segredos de serem mal interpretados. partilhar os culturais, demonstram confiança no
culturais e visões Ficavam mais à vontade no segredos culturais pesquisador.
como decorrer das entrevistas. e do mundo
conhecimento particular, Falam mais do que o esperado,
privado. Protetor informações e partilham estórias que ensinam
de modos de vida experiências. valores morais.
locais, valores e Oferece as
crenças. Provação maiores visões
de desgostos pelo locais, valores e
pesquisador ou interpretações,
estranho. espontaneamente,
ou sem
comprovação.
5. Desconfortável Uma depoente negou-se a ser 5. Sinais de estar Fui convidada a participar da missa
em tornar-se amigo entrevista, nem todos os ciganos e confortável, de primeira eucaristia dos ciganos
ou confiar em um adolescentes falaram comigo, apreciar os na paróquia de Nossa senhora do
estranho. Pode observei certo distanciamento. amigos e Amparo, em Tanguá, realizada no
chegar tarde, estar compartilhar dos dia 15 de agosto, sendo este dia
ausente ou até relacionamentos. feriado católico no município.
mesmo retirar-se, Estar presente, na
às vezes, do hora, pontual, e
ambiente onde demonstrar ser
interage com o um amigo
pesquisador. verdadeiro.
6. Tende a oferecer Não podia ter acesso aos ciganos 6. Quer pesquisar No final da coleta de dados eu
dados inexatos. sozinha, sendo esta a primeira “verdades” para recebia ligações informando que
Modifica regra de convivência. Só com a observação mais uma cigana tinha acabado de
“verdades” para presença da UCB. Estratégia acurada, crenças, chegar ao acampamento e estava
proteger-se, a funcionou como uma forma de pessoas, valores e disposta a participar da entrevista.
família, a proteção aos ciganos que, até modos de viver.
comunidade e os então, não tinham identificado Explica e
modos de vida tanto meus reais interesses quanto interpreta ideias
culturais. Os meu respeito pela comunidade. “emic” de modo
valores “emic”, que o pesquisador
crenças e práticas tenha dados
não são partilhados acurados, exatos.
espontaneamente.
Fonte: Diário de campo.

Descrevemos nos parágrafos subsequentes as fases de observação, participação e


reflexão colocadas em prática no trabalho. Os dados apresentados correspondem fielmente às
coletas feitas em diário de campo.
Quadro 11 - Observação da comunidade e do cotidiano das mulheres e crianças.

Aspecto OBSERVAÇÃO Anotações


1 Linguagem, Falam em português com sotaque semelhante ao mineiro,
Comunicação & usam palavras como “uai”, frequentam outros
Gestual (nativa ou acampamentos e alguns são oriundos de Minas Gerais.
não nativa)
2 Contexto de vida Vivem em acampamento localizado em um bairro
ambiental geral residencial no município de Tanguá, ao lado da linha
(símbolos, férrea, com casas de alvenaria próximas. Porém vivem em
materiais e não barracas de lona. Sem portas, fechadas apenas por cortinas
materiais) nas laterais e frente; na parte de trás, a tenda é fechada por
lona, com cômodo único. Em rua de barro, com
logradouro e endereço. Ao lado do acampamento, uma
igreja evangélica.
3 Vestuário em uso As crianças usam roupas semelhantes às da população em
& Aparência Física geral e podem ser vistas descalças em alguns momentos.
As mulheres usam vestidos coloridos com fitas e
rendados. Os homens usam calça jeans e camisa xadrez
com chapéu, com estilo semelhante a caubóis. Nas
barracas podem vestir-se de maneira mais simples.
Quando saem estão sempre arrumados.
4 Tecnologia Para locomoção utilizam veículos próprios; os meninos
utilizada em aprendem a dirigir com o pai muito cedo, utilizam
ambiente de vida também transporte público quando necessário e andam á
(residencial) cavalo. Possuem energia elétrica, com todos os
eletrodomésticos possíveis dentro das barracas e televisão
de LCD; no quintal ao lado da barraca improvisam um
forno à lenha para o preparo de certos alimentos, mas
utilizam, com maior frequência, o fogão convencional
acoplado a botijão de gás. Para diversão, os adolescentes,
crianças e adultos usam videogames.
5 Visão de Mundo No inicio demonstraram certo receio antes de serem
(como a pessoa informados sobre o tema a ser abordado nas entrevistas.
percebe/observa Mas, no decorrer do estudo, ficaram felizes pela
sobre o mundo) valorização da temática. Membros da União Cigana
ficaram muito receosos quanto a minha entrada sozinha
no acampamento, devido à presença de terceiros que, no
passado, tiveram postura inadequada. Referem sofrer
preconceito por parte de alguns membros da sociedade e,
por isso, estabelecem regras de convivência.
6 Modo de vida Valorizam muito a família e enfatizam o cuidado e
familiar (valores proteção das crianças e idosos. Vivem em barracas com
crenças e normas) vida simples e são abertos a doações, que são bem vindas
para o acampamento. Dividem as doações irmãmente.
Tendem a ajudar uns aos outros. Crianças são habituadas
desde cedo à obediência e preservação de costumes e
regras. Parecem tentar viver em igualdade e de forma
padrão, já que as barracas são extremamente semelhantes,
com estilo simplório.
7 Interação Social e Frequentam as outras barracas que ficam com suas
Geral e Laços de cortinas abertas, porém cada família possui seus próprios
Parentesco utensílios. Recebem doações, trazidas pelos
representantes da União Cigana do Brasil
esporadicamente, e os donativos são divididos irmãmente.
Convivem harmoniosamente. Quando se deparam com
atitudes discriminatórias são inclinados a retrucar.
8 Atividades As mulheres cuidam dos afazeres domésticos. Suas
Padronizadas panelas, tachos e utensílios são ariados e, reluzentes, estão
Diárias sempre secos, limpos e empilhados em estantes
simbolizando o zelo e o capricho da mulher cigana.
Algumas produzem sabão próprio feito nas barracas para
retirada de mofo e limpeza em geral. Cuidam das crianças
e se dividem entre o afazer doméstico e o ofício (leitura
de mão, costura e etc.)
9 Crenças e Valores Professam a religião Cristã Católica e na barraca cultuam
Religiosos (ou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira dos
espirituais) ciganos, a imagem de Cristo crucificado e a de Santa Sara
Kali.
10 Fatores Vivem uma vida simples, as barracas e objetos são
econômicos (custo semelhantes, seguem um mesmo padrão. Uma das ciganas
de vida difícil, tem como fonte de renda a leitura de mão e atende a
estimado e clientes em outro município prestando o serviço em dias
rendimentos) fixos. Outra cigana faz costuras de vestidos ciganos para a
família e também para venda.
11 Valores Ciganas referem analfabetismo, sabem apenas assinar o
Educacionais ou nome.
Fatores de Crença Uma das ciganas sabia ler e escrever.
12 Influenciadores O líder do acampamento é denominado Chefe.
Políticos ou Legais
13 Usos na As mulheres realizam o desmame precoce por
Alimentação e necessidades de sair para trabalho. Iniciam culturalmente
Valores a ingesta de alimentos sólidos com a criança com três
Nutricionais, meses de idade. Utilizam leite puro de extração animal
Crenças e Tabus para fortalecimento em casos de doenças. A água
consumida é comprada em galões de água mineral.
14 Cuidado à Saúde Cuidados populares com fitoterapia (ervas), vegetais e
Popular (genérico leite puro animal. Trangeracionalmente os partos eram
ou indígena-cura) realizados nas barracas pelas ciganas mais velhas da
Valores, Crenças e família, parteiras experientes e rezadeiras. Uso de rituais
práticas na hora do parto. Acreditam na influência de energias
negativas como geradores de doenças, o chamado “olho
grande”.
15 Cuidado à Saúde Frequentam a unidade básica de saúde e seguem o
Profissional (cura) calendário básico de imunização da criança. Utilizam
Valores, Crenças e medicamentos farmacêuticos e orientações profissionais.
Práticas
16 Conceitos ou Procuram a melhora de sinais e sintomas.
Padrões de Cura
que orientem as
ações, isto é,
referentes a apoio,
presença, etc.
17 Padrões ou As crianças são cuidadas pela mãe, porém esta pode
Expressões de contar com o apoio de outras mulheres para fins de
Cuidado trabalho, por exemplo. Contudo existe um elo entre mãe
e filhos que se sustenta dentro de uma perspectiva
protetora.
18 Visões dos Modos Crianças criadas em contato direto com a natureza para
de: 1) Prevenção de que tenham imunidade. Já pessoas com imunidade baixa
Doença; 2) são mantidas afastadas sob uma forma de isolamento, para
Prevenção ou que não fiquem enfermas.
Manutenção do
Bem-estar ou da
Saúde, 3) Cuidado
Próprio ou com os
outros
19 Outros indicadores Tradicionalmente se apoiam nos ensinamentos
de Apoio mais transmitidos de forma transgeracional e nos desígnios das
tradicional ou não, mulheres mais velhas.
aos modos de vida

Quadro 12 - Participação na comunidade e no cotidiano das mulheres e crianças.

Aspecto PARTICIPAÇÃO Anotações


1 Linguagem, Falam com tom de voz alto e sempre alegres, cometem
Comunicação & alguns deslizes de concordância no uso da língua
Gestual (nativa ou não portuguesa; alguns são analfabetos. Possuem uma
nativa) linguagem própria, o dialeto calón, e às vezes,
proferem palavras nesta linguagem. O hino cigano é
cantado em Romani, dialeto dos ciganos Rom; sua
tradução faz referência ao Holocausto e a perseguições
enfrentadas pelos ciganos através dos tempos. Referem
utilizar também o dialeto para alguns ritos, porém
secretos, e que não podem ser divulgados.
2 Contexto de vida Não há limite entre o quintal e a barraca; as crianças
ambiental geral brincam livremente; e os animais de estimação
(símbolos, materiais e frequentam a barraca, entrando e saindo o tempo todo
não materiais) (galinhas, pintinhos, cachorros); também criam alguns
pássaros. O material da lona não protege contra o
sereno e a umidade, provocando mofo nas roupas que
são lavadas com sabão especial produzido pelas
ciganas. As barracas são semelhantes e têm o mesmo
padrão, com espaço único e divisões virtuais; cada
canto é destinado a uma parte (cozinha, sala, quarto). O
sistema de abastecimento de água procede de poço e de
água canalizada da rede local, que desembocam em
caixas d’água suspensas e nas caixas para pias
improvisadas. O destino do lixo doméstico é a coleta
domiciliar. Recebem correspondência.
3 Vestuário em uso & Usam dentes e adornos de ouro, sendo que os enfeites
Aparência Física são sempre dourados ou prateados. Seus pingentes de
cordão possuem formas de ferradura, cavalo, santinhos
e sempre têm algum simbolismo.
Possuem lindos tecidos trabalhados, coloridos e
rendados, para confecção de novos vestidos, inclusive
para ocasiões especiais. Em dias de festas e eventos
usam os melhores vestidos, ajeitam o cabelo com
flores, usam maquiagem, muitos adornos, brincos,
pulseiras. As mulheres sempre usam decotes, não usam
calças, bermudas, nem roupas curtas. Bermudas podem
ser utilizadas caso frequentem praia, pois os biquínis
não são permitidos.
4 Tecnologia utilizada Utilizam ferramentas elétricas para o desempenho de
em ambiente de vida suas funções, como: equipamentos para produção de
(residencial) peças em ouro e prata (ourives). Máquina de costura
para confecção de vestidos ciganos. Moedor de feno
para alimentação de cavalos. Os adolescentes vão para
escola em bicicletas.

5 Visão de Mundo Demonstram orgulho de seguir suas tradições e cultura,


(como a pessoa o que se sobrepõe ao preconceito percebido com forte
percebe/observa sobre sentimento de pertença; enfrentam o preconceito por
o mundo) parte das pessoas não ciganas partindo inclusive para
brigas e discussões quando sofrem algum comentário
pejorativo. Minha entrada só foi liberada após meu
comportamento ser observado. A organização dos
acampamentos é feita com normas e regras sociais, de
maneira a evitar advertências da comunidade e das
autoridades policias. A intenção é preconizar a
harmonia com os não ciganos.
6 Modo de vida familiar Preservam o casamento e enfatizam a fidelidade
(valores crenças e conjugal. Os casamentos são realizados na idade
normas) adolescente; não há namoro entre os noivos e a escolha
do cônjuge é motivada pelo interesse das partes, mas
há um certo acordo entre os pais. Após o casamento, as
filhas passam a pertencer à família do noivo. Elas, no
entanto, visitam o acampamento e a barraca dos pais
com frequência.
7 Interação Social e Convivem de forma harmônica com a vizinhança e
Geral e Laços de recebem visita dos vizinhos em suas barracas,
Parentesco promovem festas, churrascos e recebem ciganos de
outros acampamentos, assim como os vizinhos.
Recebem também a visita de representantes religiosos,
para conversa e evangelismo. Não toleram
aproximação com ciganos “causadores de confusão e
encrenca”. Nem todos os membros do acampamento
são parentes. Recepcionam seus filhos com suas
respectivas famílias e parentes vindo de outros
acampamentos distantes em suas barracas; as barracas
dos visitantes ficam fechadas sob a guarda de outros
ciganos locais. Existe uma tendência de ajuda aos mais
necessitados, especialmente entre parentes.
8 Atividades Os homens desempenham suas funções, cada um com
Padronizadas Diárias seus afazeres; trabalham para o sustento da família,
durante o dia, desempenhando funções que podem ser
realizadas no acampamento ou próximo,
permanecendo uma boa parte do dia com a família. Os
adolescentes meninos frequentam a escola municipal
local e realizam as tarefas de casa da escola; em casa se
distraem jogando vídeo game. Referem dormir cedo e
acordar cedo. Para distração geral, assistem televisão,
novelas e ouvem músicas. Ouvi por várias vezes o
ritmo do forró. Recebem visitas de vizinhos.
9 Crenças e Valores Participaram da primeira eucaristia na Paróquia de
Religiosos (ou Nossa Senhora do Amparo em Tanguá, foram
espirituais) catequizados pelo Padre no acampamento. Durante a
missa fizeram apresentação do Hino Cigano que faz
referencia às perseguições sofridas por este povo
durante o holocausto, na língua romani. Fazem
promessas e visitam a cidade de Aparecida do Norte.
Creem em Deus e expressam sentimentos de gratidão.
10 Fatores econômicos Uma das famílias recebe auxílio doença devido à
(custo de vida difícil, doença do filho. Os homens desenvolvem atividades
estimado e distintas, como a de cigano tacheiro, que faz tachos e
rendimentos) panelas artesanais a partir de panelas de pressão velhas.
Cigano que trabalha com venda de cavalos. Cigano
ourives que trabalha produzindo peças e adornos em
ouro e prata.
11 Valores Educacionais Uma das ciganas me pediu ajuda para ler a embalagem
ou Fatores de Crença do shampoo, ficou na dúvida se o produto era
composto por sal, para não prejudicar a química do
cabelo. Não frequentaram escola seguindo uma prática
transgeracional, onde as crianças, principalmente as
meninas, não podiam se misturar com crianças de outra
cultura pra não aprender coisas sem interesse cultural e
não arrumar namorado. Não existe namoro na cultura
cigana. Uma delas admirou-se ao me ver escrever e
achou bonito.
12 Influenciadores O chefe é escolhido pela capacidade de liderança, seu
Políticos ou Legais espaço é conquistado, respeitado e reconhecido
inclusive na vizinhança. Sentem-se representados e
apoiados pela União Cigana Do Brasil.
13 Usos na Alimentação Enfatizam a necessidade de alimentação reforçada
e Valores durante a gestação para um bom desenvolvimento do
Nutricionais, Crenças bebê. Têm o hábito a tomar café. Utilizam ovos
e Tabus produzidos por galinhas do quintal, porém não comem
as galinhas, consideradas animais de estimação.
14 Cuidado à Saúde Valorizam o cuidado popular enfatizando a
Popular (genérico ou longevidade de alguns ancestrais que nunca foram
indígena-cura) assistidos por cuidados profissionais.
Valores, Crenças e
práticas
15 Cuidado à Saúde Há uma tendência em priorizar o parto cesáreo na
Profissional (cura) atualidade, numa tentativa de coibir a dor, o
Valores, Crenças e reconhecimento de que agravos à saúde e riscos de
Práticas morte devem sofrer intervenção profissional e
hospitalização.
16 Conceitos ou Padrões Podem procurar os setores popular ou profissional sem
de Cura que orientem abandono de suas tradições.
as ações, isto é,
referentes a apoio,
presença, etc.
17 Padrões ou As mães cuidam de seus filhos, mas seguem a
Expressões de orientação das mulheres mais velhas; há participação
Cuidado das mães, avós e tias sob uma retrospectiva
transgeracional.
18 Visões dos Modos de: Seguem os calendários vacinais e participam de alguns
1) Prevenção de programas de saúde com pré-natal, puericultura.
Doença; 2) Prevenção
ou Manutenção do
Bem-estar ou da
Saúde, 3) Cuidado
Próprio ou com os
outros
19 Outros indicadores de Após o casamento, as mulheres, geralmente, vão morar
apoio mais próximo às famílias do marido e recebem apoio da
tradicionais ou não, sogra, tias e mulheres em geral.
aos modos de vida
Quadro 13 - Reflexão na comunidade e no cuidado de mulheres e crianças.

Aspecto REFLEXÃO Anotações


1 Linguagem, O dialeto calón utilizado é uma linguagem ágrafa
Comunicação & transmitida transgeracionalmente. Entre si, os ciganos
Gestual (nativa ou não se comunicam com este dialeto; as crianças são criadas
nativa) aprendendo o português e o dialeto calón, tornando-se,
assim, bilíngues, porém sem escrita.
2 Contexto de vida Não há portão, as cortinas são fechadas apenas à noite,
ambiental geral e quem passa na rua pode observar tudo o que acontece
(símbolos, materiais e dentro da barraca. A barraca acaba em continuidade
não materiais) com a rua, gerando uma sensação de liberdade e
continuidade. Para as ciganas parece não haver limites
com a estrada.
3 Vestuário em uso & Aparentam expressar, por meio de suas das
Aparência Física vestimentas, paixão pelo ouro, pela natureza e pela
alegria, salvaguardando a proteção e a sorte de que
necessitam mediante o uso de santinhos, escapulários,
ferraduras e etc. Os decotes não possuem conotação
erótica; ao contrário, o seio é exposto naturalmente
durante a amamentação.
4 Tecnologia utilizada Possuem duas formas de abastecimento de água,
em ambiente de vida através da rede local de fornecimento e por poço
(residencial) artesiano acionado por bomba elétrica. A água fica
acondicionada em duas caixas d’água; uma delas coleta
água da rua para banhos. A outra capta água do poço
para a limpeza das barracas e atividades domésticas.
Para ingestão, é utilizada água mineral comprada em
galões de vinte e cinco litros.

5 Visão de Mundo Desaprovam e abominam atitudes de pessoas não


(como a pessoa ciganas que cometem crimes contra a infância e idosos;
percebe/observa sobre uma vez que o cuidado com estes últimos,
o mundo) principalmente os idosos, é fundamental porque são
considerados verdadeiras relíquias entre os ciganos.
Acompanham o desenvolvimento da sociedade em
geral abrindo espaço para a modernização sem
comprometimento cultural.
6 Modo de vida familiar Seguem suas tradições e lidam com as coisas do
(valores crenças e cotidiano à luz dos ensinamentos dos mais velhos;
normas) transgeracionalmente, as mulheres desempenham
importante papel na família não só com os afazeres e
cuidados com os filhos, mas com o complemento de
renda através de seus ofícios. Exaltam as cores vivas
como celebração da alegria em viver. Já o ouro, metal
precioso, está relacionado com ideia de prosperidade.
7 Interação Social e São abertos ao estudo de sua cultura com boa
Geral e Laços de receptividade extensiva ao contato com não ciganos
Parentesco (gadjés). Nesses casos, o clima é respeitoso, com as
devidas restrições impostas por suas arraigadas
tradições que, a exemplo de seus hábitos, costumes e
expressões, são transmitidos transgeracionalmente.
8 Atividades As atividades diárias não são fixas de uma localidade.
Padronizadas Diárias Em casos de viagem fecham suas barracas e levam
facilmente suas ferramentas e utensílios de maneira a
adequar sua estada em outros acampamentos. É
comum encontrar familiares procedentes de outros
acampamentos visitando a barraca.
9 Crenças e Valores Professam a fé católica, são devotos a Santos e
Religiosos (ou acreditam na existência de energias negativas que
espirituais) devem ser afastadas.
10 Fatores econômicos Tendem a permanecer em acampamentos onde, de
(custo de vida difícil, certa forma, conseguem clientela para seus serviços e
estimado e desenvolvem atividades itinerantes que podem ser
rendimentos) realizadas em outros acampamentos; costumam levar
consigo suas ferramentas de trabalho, como máquinas
de costura, solda, martelo e etc.
11 Valores Educacionais Acompanhando as mudanças no mundo e por isso
ou Fatores de Crença acreditam que as crianças, meninos e meninas, devam
“saber ler e escrever pra poder se defender”.
Estimulam, assim, os filhos a estudar e almejam que
eles, no futuro, frequentem a faculdade. Estimulam
também as crianças a conviverem com não ciganos na
escola sem que os filhos, no entanto, não abandonem
suas tradições: “cada um com seu modo de viver”.
12 Influenciadores O chefe tem o poder de veto e cabe a ele permitir a
Políticos ou Legais chegada e permanência de outras barracas ao
acampamento. Ele estabelece as normas a serem
cumpridas e está à frente dos interesses do grupo. Seus
princípios e valores influenciam os demais membros
do grupo.
13 Usos na Alimentação Separam a água que utilizam para beber e cozinhar
e Valores com a finalidade de evitar doenças. Valorizam os
Nutricionais, Crenças gastos com uma boa alimentação e lutam para nunca
e Tabus passar necessidades.
14 Cuidado à Saúde Verbalizam as experiências com cuidados populares
Popular (genérico ou transmitidas por transgeracionalidade e as priorizam
indígena-cura) até os dias de hoje. Costumam lançar mão de uma
Valores, Crenças e cigana mais velha para o manejo em caso de dúvidas.
práticas Alguns cuidados são secretos e não podem ser
revelados.
15 Cuidado à Saúde Lançam mão de cuidados profissionais com
Profissional (cura) acompanhamento, sem abandono das práticas culturais
Valores, Crenças e populares naturalísticas.
Práticas
16 Conceitos ou Padrões Independente dos setores procurados para a cura e
de Cura que orientem tratamento, em primeiro lugar os ciganos recebem
as ações, isto é, ajuda das mulheres da família e dos ensinamentos
referentes a apoio, transgeracional.
presença, etc.
17 Padrões ou A criança é cuidada pela mãe, com participação
Expressões de familiar, pois ela é considerada uma alegria para toda
Cuidado família.
18 Visões dos Modos de: A participação em programas e procura ao cuidado
1) Prevenção de profissional parece ser uma prática das gerações mais
Doença; 2) Prevenção atuais. As gerações passadas estão mais habituadas ao
ou Manutenção do cuidado popular, sendo possível destacar ciganos que
Bem-estar ou da nunca receberam assistência profissional.
Saúde, 3) Cuidado
Próprio ou com os
outros
19 Outros indicadores de Podem receber ajuda financeira dos familiares para
Apoio mais tratamentos profissionais na rede privada, como partos
tradicionais ou não, e consultas de rotina.
aos modos de vida

Análise dos Dados

A análise dos depoimentos foi fundamentada na Análise de Dados de


Etnoenfermagem. Segundo Leininger & McFarland (2006) esta é uma prática sistemática,
profunda e rigorosa da pesquisa qualitativa, dividida em quatro fases:
Fase I
- Coleta, Descrição e Documentação de Matéria Prima. O pesquisador coleta,
descreve, registra e começa a analisar os dados relativos aos objetivos, domínio de inquirição
ou das questões em estudo;
Fase II
- Identificação e Categorização de Narradores e Componentes. Os dados aqui são
codificados e classificados de acordo com o domínio da inquirição e, às vezes, as questões em
estudo;
Fase III
- Padrão e Análise Contextual. Os dados são escrutinados para descobrir a saturação
de ideias e os padrões recorrentes de significados semelhantes ou diferentes, expressões,
formas estruturais, interpretações, ou explanação de dados relativos ao domínio da inquirição.
Os dados são também examinados para mostrar a padronização com respeito aos significados
no contexto e junto com outros dados confiáveis e de confirmação, promovendo-se, assim,
uma recodificação;
Fase IV
- Temas principais, resultados de Pesquisas, Formulações Teóricas e Recomendações.
Esta é a mais alta fase de análise de dados, síntese e interpretação. Requer a síntese de
pensamento, análise da configuração, resultados de interpretação e formulação criativa de
dados das fases anteriores. A tarefa do pesquisador é abstrair e confirmar os principais temas,
resultados de pesquisas, recomendações e, às vezes, fazer novas formulações teóricas.
(LEININGER E MCFARLAND, 2006).
Na análise dos dados, o pesquisador começa, pela Fase I, analisando dados
estabelecidos e detalhados antes de passar para a Fase II. Neste segundo estágio, o
pesquisador identifica os "representados", "indicadores" e as "categorias" dos primeiros dados
da Fase I. Já na Fase III, o pesquisador identifica os "padrões recorrentes" dos dados como
derivados das Fases I e II. Na Fase IV, os "temas" do comportamento e de outros "resultados
sumarizados da pesquisa" são apresentados e abstraídos dos dados como derivados das três
fases anteriores. Em todos os estágios, os resultados de pesquisa da análise dos dados podem
ser transportados de volta, a cada fase e aos dados estabelecidos na Fase I, para confirmar e
conferir os resultados em cada fase. (LEININGER & MCFARLAND, 2006).
Após intensa leitura, os dados transcritos foram divididos por meio da técnica de
coloração das falas afins e agrupamentos. Foi possível identificar, então, 101 unidades
temáticas. Essas últimas foram filtradas por um novo olhar e as chamadas unidades acabaram
concentradas nos 27 tópicos aqui alinhavados:

Unidades Temáticas
1. Passar necessidade de fome
2. Valorização do idoso
3. Cuidado profissional
4. Cuidado com a criança
5. Cuidado com a mulher
6. Crenças, misticismo e superstição
7. Cuidado popular
8. Transgeracionalidade
9. Longevidade
10. Diferenças culturais
11. Segredos culturais
12. Amamentação e desmame
13. Preconceito
14. Educação
15. Castigo e disciplina aos filhos
16. Modernização
17. Distanciamento cultural
18. Vestimentas e decotes
19. Religiosidade
20. Festividades
21. Gênero e perpetuidade da raça
22. Casamento
23. Essência cigana
24. Relação sexual
25. Liderança
26. Civilidade
27. Modos de vida

Após a síntese das unidades temáticas procedemos à fase de sua codificação nos
seguintes núcleos temáticos:
 Cuidado da criança
 Cuidado da mulher
 Cuidado popular x profissional
 Modos de vida
 Aspectos transgeracionais

Com base nos núcleos temáticos foi possível, então, desenvolver a seguinte categoria
analítica:

Categoria - O cuidado popular e o cuidado profissional das crianças e


mulheres ciganas: modos de vida e transgeracionalidade.
A categoria analítica foi desmembrada em duas subcategorias.

Subcategoria 1.1 – A transgeracionalidade do cuidado materno com as


crianças ciganas.

Subcategoria 1.2 - A transgeracionalidade da saúde da mulher cigana na fase


reprodutiva.
CAPÍTULO III

DISCUSSÃO DOS DADOS

Ao examinar o modo de vida da população cigana, percebemos que os modos de


cuidado são um conjunto de ações que perpassam por aspectos populares e profissionais. Seus
saberes e práticas, por sua vez, são transmitidos transgeracionalmente pelos mais velhos do
grupo aos mais novos. Já as questões referentes ao cuidado que envolve a saúde da criança e
da mulher ficam a cargo das mulheres ciganas mais velhas que, tradicionalmente, transmitem
seus ensinamentos, saberes e práticas às mais novas pela oralidade. Seguindo esta trajetória,
em consonância com os dados obtidos através dos discursos das depoentes, foi possível
sintetizá-los e concentrá-los em uma categoria analítica assim denominada: O cuidado
popular e o cuidado profissional das crianças e mulheres ciganas: modos de vida e
transgeracionalidade.
Para facilitar a compreensão do leitor, a categoria em questão foi dividida em duas
subcategorias. A primeira subcategoria discorre sobre o cuidado prestado à criança cigana
dentro de seu ambiente familiar e leva em consideração os valores culturais deste grupo, tais
como a proteção materna, a higiene, os cuidados místicos entre outros. Da mesma forma, a
segunda subcategoria discute como este processo se dá em relação ao cuidado com a saúde
das mulheres ciganas.
O desdobramento das categorias se deu à luz da Teoria do Cuidado Cultural
fundamentada por Madeleine Leininger. A autora assinala que o cuidado, enquanto base
teórica é dividido em popular e profissional e tem como intuito identificar diferenças e
semelhanças entre as culturas, influenciando sua aplicação na saúde ou no bem-estar dos
diversos contextos culturais. Leininger propõe inclusive a distinção entre o cuidar popular e o
profissional (Leininger e McFarland, 2010). Reproduzimos aqui o desmembramento feito
pelas autoras:

O Cuidado popular, também chamado genérico, refere-se ao conhecimento


aprendido e transmitido, tradicional ou popularmente, para prestar assistência, suporte,
capacidade e facilidade aos atos para, ou dirigidos a outros com necessidades de saúde
evidentes ou antecipadas. Sua finalidade é melhorar o bem-estar ou ajudar em caso de
morte e outras condições humanas (Leininger & Mc Farland, 2006).

O Cuidado profissional refere-se ao conhecimento e práticas, formais e


explicitadas cognitivamente, aprendidos pelo cuidador profissional, através das instituições
educacionais (usualmente não genéricos). Assim que as enfermeiras são orientadas a
oferecer assistência e suporte ao indivíduo ou a um grupo a fim de melhorar sua saúde,
prevenir doenças, ou, conforme assinalado anteriormente, ajudar com morte ou outras
condições humanas. (Leininger 1991).

Subcategoria 1.1 – A transgeracionalidade do cuidado materno com as crianças


ciganas

O cuidado com a criança cigana neste estudo caracteriza-se por ser um conjunto
de ações que envolvem o cuidado popular e o profissional. Após meu contato com esta
cultura, observei que, dentro do seu contexto de vida, a criança cigana recebe o cuidado,
sendo assistida pela família e, principalmente, pela mãe.

Chrisman, citado por Helman (2009), afirma que entre a maioria das populações
as mulheres são as principais provedoras de serviços de saúde, e normalmente são as mães
ou as avós que diagnosticam a maior parte das enfermidades comuns e as tratam com os
materiais disponíveis. Isto foi observado durante o período de coleta de dados, uma vez
que o cuidado com a saúde no grupo fica a cargo das mulheres, sendo a mãe a figura
central no cuidado prestado às crianças. A mãe recebe em algumas ocasiões a ajuda das
bisavós, avós e tias, dentro de uma visão transgeracional. Afinal de contas, trata-se de uma
cultura voltada para a manutenção de suas tradições, saberes e práticas em geral.

Os acontecimentos relacionados ao processo de saúde e doença são abordados na


comunidade com um enfoque cultural. Ou seja, os ensinamentos são transmitidos pelas
mulheres de gerações anteriores às gerações seguintes e há uma tendência transgeracional
da preservação dos hábitos e costumes. Um bom exemplo é o cuidado com a otalgia
durante o qual a flor da abóbora é usada como analgésico.

Um novo entendimento do tema cuidado - antes dividido por Leininger e Mc


Farland (2010) nas categorias popular e profissional – traz à tona outro desmembramento
observado por Kleinman e citado por Helman (2009). De acordo com este foco, o autor sugere
a existência de três setores atrelados à assistência e saúde. Essa nova categoria resulta do
desmembramento do cuidado popular em setor popular e setor informal.

Este novo enfoque sugere, então, a sobreposição de três setores interligados à


assistência a saúde: o setor informal, o popular e o profissional. Cada um desses setores
tem as suas próprias formas de explicar e de tratar a falta de saúde (HELMAN, 2009).
Portanto, a pessoa que cura pode ser tanto o profissional ou pertencer ao setor popular. Um
bom exemplo é o da uma mulher cigana que ao identificar hipotermia no filho, vê naquilo
algo corriqueiro e sem necessidade de atendimento profissional. Já outras pessoas, fora desse
grupo, mesmo conhecendo práticas tradicionais, como banho e temperatura do ambiente,
procuram imediatamente uma emergência médica para controlar a temperatura elevada de seu
ente querido.

Conceituamos aqui, então, essas duas categorias:

Setor informal – É neste setor que se dá o cuidado primário à saúde de fato. Afinal, a principal
arena da assistência à saúde é a família. No seu âmbito, a maior parte das situações de falta de
saúde é identificada e tratada.

Setor popular – É composto por curandeiros que não pertencem ao sistema médico oficial e
ocupam uma posição intermediária entre os setores informal e profissional. Tais indivíduos se
especializam em formas de cura sagradas ou seculares, ou em uma mistura de ambas. Existem
variações entre os curandeiros e estes podem ser especialistas puramente seculares como
parteiras, pessoas que tiram dentes e até curandeiros espiritualistas e clarividentes. A maioria
dos curandeiros populares compartilha os mesmos valores culturais e a mesma visão de
mundo. (Helman, 2009)

De acordo com a fala da depoente aqui reproduzida, percebe-se que os partos de sua mãe
foram realizados por sua avó dentro das barracas.

Os partos da minha mãe foram tudo feito com parteira que foi minha avó lá no
interior da Paraíba, dentro da barraca, então era feito assim. (Shon)
Reza é tipo com ervas, geralmente e uma pessoa, mais velha no acampamento
que têm esse dom né, reza a criança pra quebranto pra essas coisas assim,
barriga ruim né, diarreia, pra isso, entendeu. (Shon)

Já o setor profissional – compreende as profissões de saúde que são organizadas e


sancionadas legalmente.

Para Helmam (2009), na maioria das sociedades, as pessoas que sofrem de algum
desconforto físico ou emocional contam com diversas formas de ajuda, seja por conta própria
ou por meio de outras pessoas. Desta forma, variados modos terapêuticos coexistem e podem
estar baseados em premissas completamente diferentes podendo, assim, se originar de
diferentes culturas. Denominamos então de pluralismo o fenômeno em que há uma variedade
de opções terapêuticas disponíveis em uma sociedade.

Tal pluralidade mencionada por Helmam (2009) é percebida no modo de vida das
depoentes naquilo que diz respeito aos comportamentos, padrões e expressões de cuidados
relacionados à saúde. É possível afirmar, assim, que as questões relacionadas ao processo
saúde e doença, de acordo com a avaliação cultural das mulheres cuidadoras, circulam pelos
três segmentos sugeridos por Kleinman (1978). No entanto, a maior parte da assistência à
saúde no setor informal se dá entre pessoas que já estão ligadas entre si por laços de família,
amizade ou vizinhança ou porque pertencem a organizações religiosas e profissionais. Ou
seja, tanto o enfermo quanto a pessoa que cura compartilham pressupostos semelhantes sobre
saúde e doença. Aliás, a ocorrência de equívocos e desenvolvimentos entre essas pessoas é
relativamente rara.

Segundo Helman (2009), na maioria das culturas existe um complexo de heranças


populares denominadas teorias leigas. Essas categorias discorrem sobre as causas das
enfermidades e consistem em concepções mais abrangentes sobre a origem dos infortúnios em
geral. Tais teorias são baseadas em crenças sobre a estrutura e o funcionamento do corpo e
sobre as maneiras como o mesmo pode vir a funcionar. Esses enunciados ajudam, muitas
vezes, a vítima da enfermidade a “fazer sentido” sobre o que lhe aconteceu e por que. Deste
modo, a etiologia ou a causa dos problemas de saúde podem estar relacionadas ao indivíduo,
ao mundo natural, ao mundo social e ao mundo sobrenatural.

O setor informal comumente inclui um conjunto de crenças sobre a manutenção


da saúde. Elas (as crenças) são um conjunto de diretrizes específicas de cada grupo cultural e
tratam do comportamento “correto”. A finalidade da crença é evitar a falta de saúde no
próprio indivíduo e nos outros, definindo, entre outras coisas, sobre o modo saudável de
comer, beber, dormir, vestir-se, trabalhar, rezar e conduzir a vida em geral. (Helman, 2009).

Notamos algumas peculiaridades ao examinar as práticas e crenças desenvolvidas


pelas mulheres ciganas com o objetivo de promover a manutenção da saúde e o
comportamento a ela adequado. Foi possível, por exemplo, detectar algumas diretrizes
pertinentes ao estilo de vida naturalístico no qual as crianças são criadas. O estilo de vida
natural é perceptível no cotidiano. Os filhos são criados de forma livre, em contato direto com
a natureza e no convívio em meio aos animais. As mães acreditam com isso promover a saúde
das crianças na medida em que elas conviverem intimamente com as variações climáticas e
intempéries do tempo. Por isso, afirmam não ser necessário proteger muito as crianças para
que, de certa forma, elas desenvolvam resistência para combate enfermidades. É comum
então, nesta população, encontrarmos crianças com os pés descalços, expostas ao sol, à chuva
e ao vento. Este comportamento é característico da teoria leiga, que preconiza a manutenção
da saúde via aproximação do indivíduo com a natureza. Neste contexto detectamos também o
uso da teoria leiga quando ela associa a etiologia das causas da doença ao mundo natural. A
explicação é simples. Considera-se que a possível falta de contato com a natureza e com os
fatores do mundo natural pode dar margem à vulnerabilidade. E nesses casos, as condições
ambientais se tornariam perigosas e ameaçadoras.
Então a gente não protege assim muito do convívio da natureza pra poder pegar
imunidade, entendeu? Então as crianças são muito livres, entendeu? A gente não
protege demais, Deixa muito livre. (Shon)

A gente cuida assim pra caso de falta de imunidade; a gente não tem contato
assim com muita doença, perto de pessoas, muito perto, entendeu; pra gente, já
tem uma certa proteção. (Shon)
A gente coloca quase todas as crianças recém-nascidas; a gente não tem aquele
cuidado assim de proteger muito porque eles têm que ter contato direto com a
natureza, entendeu? Tipo andar a pé, lidar com bicho no quintal pra pegar
imunidade, a gente não protege muito não, até porque vive no tempo né?
Tempestade, enchente quando meus filhos vieram pra cá. (Shon)
Foto autorizada.

Figura 13 - Criança brincando


livremente com o animal de
estimação da família.

Observamos com atenção, na fala desta depoente, o emprego do termo


imunidade. Isso nos levou a refletir sobre o processo de aculturação da depoente, uma vez
que ela frequentou escola (conforme demonstrado no quadro 07) e introjetou conceitos
educacionais. Afinal de contas, o termo imunidade é um conceito moderno e a apropriação
desta ideia está seguramente relacionada ao contato com a cultura externa.

Por força de seus hábitos e costumes, as mulheres ciganas priorizam o cuidado


popular e informal. Mas quando a saúde e o bem estar de um ente querido são de alguma
forma comprometidos, é comum a mãe procurar assistência profissional. Para Moraes e
Ribinovich (2010), a cultura, de um modo geral, pode ser considerada como um sistema de
valores que se encontram inter-relacionados e por meio dos quais são avaliadas as
experiências vividas.

Uma experiência vivida por uma depoente ilustra bem a situação. Seu filho
prematuro necessitou de intervenção hospitalar, de onde se depreende nitidamente a inter-
relação entre os valores e a busca do cuidado profissional associado ao cuidado popular e
informal.

Ele nasceu prematuro demais, meu filho maior, mais velho nasceu muito
prematuro, nasceu em coma, ficou em coma, teve quatro doenças graves; que
entrou em quatro vezes em coma também, foi horrível, então teve que ter toda
atenção né? Então quando ele foi liberado pelo médico, das medicações que o
médico passava a gente começou a tratar com ervas entendeu? Então foi tomado
ervas pro pulmão dele pra fortalecer o pulmão, foi pra cicatrizar um hematoma
que ele teve devido há muito tempo ficar de cama, entendeu? Tudo isso ligado a
ervas que era, a gente usava muito, é aroeira né? Pro pulmão, a gente usava
muito é leite com saião essas coisas toda, tudo pra tirar a secreção de dentro, ele
teve uma pneumonia muito grave e uma septicemia, depois da septicemia ele teve
meningite, aquela bacteriana, entendeu? Tudo isso. Foram quatro comas
quando recém-nascido. A minha primeira gravidez foi muito complicada, do meu
primeiro filho né? Eu tive varias complicações, eu tive que, eu parti pra um
hospital, eu tive risco de morte né, e ele nasceu prematuro demais, meu filho
maior, mais velho nasceu muito prematuro nasceu em coma (Shon).
Doenças mais simples assim, tipo normais. Verme né, que a gente trata, febre que
é normal também, uma hora ou outra que acontece um câncer né? Meu filho
tem, tá tratando, já se recuperou, mas tá fazendo tratamento de outro tipo de
câncer, que é leucemia, mas aí só no médico mesmo. (Shon)

De acordo com Helman (2009), as pessoas sem saúde, em geral, movimentam-se


livremente entre os setores, o informal e os demais, indo e vindo, muitas vezes utilizando
todos eles de uma só vez, especialmente quando o tratamento em um setor não tem sucesso e
não alivia o desconforto físico ou emocional.

As crianças cigana, quando nascia com icterícia, ficava com icterícia, aquele
amarelão, a gente usava muito era cabelo de milho, era muito usado no banho e
chá de picão, entendeu? Até meu filho, quando ele tava internado na UTI,
recém-nascido, ele teve esse amarelão que não curava, os médicos não
conseguiam curar e colocava ela na luz NE; mas não conseguia. Aí minha mãe fez
um chazinho e mandou eu levar pra maternidade, eu dava escondido pra ele e ele
se recuperou, mas o médico nem sabe que foi o chá que minha mãe mandou. A
gente fazia escondido né? (Shon)

Neste caso, é possível identificar, entre as vertentes do cuidado com a criança


recém-nascida e prematura, a necessidade de uma intervenção profissional com
hospitalização, sem o abandono, no entanto, dos saberes e práticas culturais relacionados ao
cuidado informal. Fica claro aqui a importância da utilização de ervas e alimentos, no próprio
ambiente hospitalar, a pluralidade e a influência transgeracional com a participação da avó da
criança.

Mas não notamos apenas a influência transgeracional e a evidência da pluralidade


dos setores utilizados. Percebemos também que o recurso informal e popular foi usado de
maneira oculta. A família da criança internada procurou ajuda profissional, mas os
profissionais que prestaram a assistência não foram informados sobre o uso do chá de picão
dentro da unidade hospitalar. A ocultação do saber e da prática do cuidado popular e informal
deve estar relacionada com a chamada intolerância cultural. Ou seja, foi o medo da proibição
ou não autorização do uso do chá que levou a mãe da criança a agir de forma escamoteada.

Ainda no campo institucional, as mães utilizam o Programa Nacional de Imunização


(Brasil, 2012) para se prevenir contras as doenças controladas. As crianças são vacinadas
regularmente no esquema de calendário vacinal básico. As mães ciganas aproveitam também
a vacinação em campanhas oferecidas pela Unidade Primária de Atenção Básica local.

Todo mundo faz, a gente leva, às vezes atrasa um pouquinho, mas vai lá, acerta
tudinho, não deixa as crianças sem vacina não. (Shon)
Vacina eu vacino no posto, tem todas; mas, sábado, ele tem outra pra tomar, todo
mês eu levo ele no posto; pediatra, vacino direitinho. (Thierain)

A fitoterapia como prática cultural e cuidado popular acompanha a cultura cigana


desde sempre. Não é por outro motivo que destacamos aqui o uso de ervas e plantas para o
tratamento de acometimentos de saúde das crianças. Da mesma forma, certos alimentos, na
cultura cigana, também são aconselhados para a cura e utilizados como remediadores.

Para Queiroz (2003), o uso de espécies vegetais com a finalidade de tratar doenças
é tão antigo quanto o homem e o tem acompanhado por muitos milênios em todas as
sociedades e culturas conhecidas. Com o desenvolvimento do paradigma positivista
mecanicista da medicina, o foco dirigido ao mundo vegetal, enquanto possibilidade
terapêutica foi diminuindo progressivamente. E esse fenômeno se deu na razão exata em que
crescia, na ciência, uma atitude contrária à natureza e a qualquer tipo de saber popular.

Um estudo desenvolvido por Barata (1997) aponta que o Brasil comporta a maior
flora do mundo, concentrada principalmente na Amazônia e na Mata Atlântica. Há cerca de
55 mil espécies vegetais, sendo 33 mil só na Amazônia, amplamente inexploradas. Destas, 10
mil seriam medicinais. O autor afirma que a população rural brasileira, em geral, e os
indígenas, em particular, conhecem e utilizam muitas centenas de plantas. Com o processo de
aculturação, diz ele, passou a ser um empreendimento de suma importância resgatar esse
conhecimento. “A lógica popular, muitas vezes, não reconhece os componentes naturais,
sobrenaturais, sociais e individuais contidos em cada ação terapêutica”, assinala Barata.

Já para Queiroz (2003), o uso de fitoterápico ocorre por meio de um saber que não pode ser
dissociado da cultura popular e da tradição milenar que os povos trazem em seu modo de
vida. Esse saber empírico, inclusive, é fundamental para o desenvolvimento científico da área.

As ervas que a gente usava seria assim: pro pulmão o que a gente usou pra ele,
pra fortalecer era saião, leite de vaca pura! Não podia ser esses industrializados
não e foi cuidado também muito com leite de cabra, por muito tempo ele usou
leite de cabra. (Shon)
Pra gripe é hortelã, é casca de limão, é mel pra poder fazer chá, aí mistura tudo e
faz aquela xaropada, aí dá pra criança tomar aí a criança melhora. (Thierain)
A gente usava muito erva passarinho que é pra verme; fazia isso pras crianças,
pra quando quiser expulsar verme, erva passarinho. (Shon)

Ao aprofundar a investigação sobre o emprego de ervas e vegetais no processo


doença/saúde, observamos que alguns espécimes citados pelas depoentes são nativos das
Américas (até mesmo do Brasil) e outras são oriundas da Europa e do continente asiático. O
quadro reproduzido na sequência discrimina as ervas utilizadas e suas origens. Admitindo que
os ciganos sejam oriundos da Índia, e em seus processos de migração e diáspora passaram
pelo continente europeu antes de chegar às Américas, é possível concluir o seguinte: a
disseminação das ervas e vegetais acompanhou o processo de dispersão dos povos pelo
mundo e o emprego destas ervas acontecia desde os primórdios.

Segundo Medeiros (2011), ainda é pouco comum o uso de plantas medicinais na


rotina de atendimento em saúde, uma vez que os profissionais de saúde, em sua grande
maioria, desconhecem ou ignoram o assunto. Sabemos, contudo, da existência de estudos bem
estruturados a esse respeito e acreditamos que esta prática poderia ser fortalecida e bem aceita
pelos ciganos. Afinal, eles possuem uma tradição no uso empírico de ervas, raízes e afins.
Abrir-se-ia, ainda, uma oportunidade de fortalecimento do vínculo com a comunidade e de
valorização do conhecimento popular, o que, a nosso ver, não só fortaleceria, mas também
legitimaria os cuidados em saúde.
Quadro 14 - Relação de ervas e vegetais utilizadas em medicação caseira.

Erva Indicação Parte Modo de uso Nome científico Origem


utilizada
Aroeira PULMÃO FOLHA Sul do Brasil (alguns
Schinus molle
* autores consideram
L.
sua origem peruana)
Saião EXPECTORAÇÃO FOLHA Kalanchë brasiliensis Todos os estados
PULMONAR * tropicais e até nas
zonas quentes e
litorâneas
Quixaba TRATAMENTO CASCA INGESTÃO E Sideroxylon Nativa do Brasil,
GINECOLÓGICO TÓPICO obtusifolium Piauí e Minas Gerais
Erva passarinho VERMINOSE Struthantus
* flexicaulis *
Macela FÍGADO FOLHA Achyrocline Flora brasileira nativa
* satureioides do sul do Brasil

Pata de vaca DIABETES FOLHA CHÁ Bauhinia forficata Nativa do Brasil,


Mata Atlântica e
outros biomas
Cabelo de milho ICTERÍCIA BANHO Zea mays Origem mexicana
NEONATAL
Picão ICTERÍCIA FOLHA CHÁ Bidens pilosa América Tropical
NEONATAL
Ervas do mato COTO
UMBILICAL * * * *
Fumo de rolo COTO FLOLHA EMPLASTRO
UMBILICAL * *
Alecrim GRIPE FOLHA XAROPE Rosmarinus Praias do
officinalis Mediterrâneo

Hortelã GRIPE FOLHA XAROPE Mentha crispa L. ou Ásia e Europa


Mentha x villosa
Folha de laranja GRIPE FOLHA XAROPE Citrus sinensis Ásia, especialmente
da China e do
arquipélago Malaio

Casca de limão GRIPE CASCA XAROPE Citrus limonium Índia, Sudeste


Asiático
Folha de GRIPE FLOR E XAROPE Cucúrbita moschata Abóbora e
abóbora FOLHA (abóbora); Cucúrbita abobrinha-italiana –
máxima (moranga); região central do
Cucúrbita pepo México; moranga –
(abobrinha italiana) região sul do Peru,
Bolívia e norte da
Argentina
Erva doce CÓLICAS BEBÊ GRÃO SUMO Pimpinella anisum L. Egito
TORRAD
O
Alho DOR DE DENTE FRUTO Allium sativum Europa mediterrânea
* ou o continente
asiático
Algodão PUERPÉRIO FOLHA CHÁ Nativas das regiões
ANTIBIÓTICO Gossypium subtropicais e
hirsutum L. tropicais
Transage PUERPÉRIO FOLHA Plantago major L. Oriundas do Velho
* Mundo, sem pátria
definida, as
transagens chegaram
no Brasil na bagagem
culinária dos
portugueses

Fonte: Entrevistas realizadas em 2012. Guia de Plantas Medicinais.


Legenda: (*), não encontrado ou mencionado.
É possível afirmar que o cuidado popular e naturalístico é permeado por uma
lógica curativa ou um desígnio reparador. Paralelamente, idealiza-se o cuidado sob o prisma
de um plano místico. Ou seja, o processo envolve a participação de energias que culminam
em prática místicas e ritualísticas dentro de uma perspectiva protetora. Há crença na cura e na
proteção e não apenas nos cuidados.

Segundo Kleinman (1978), em algumas sociedades, a saúde também é mantida


pelo uso de talismãs e amuletos religiosos usados para afastar o azar e as enfermidades
inesperadas, além de atrair a sorte.

É comum encontrar, no acampamento, ciganas com muitos adornos. Observamos,


entre outros, o uso de cordões escapulários contendo a imagem dupla de um santo ou até dois
santos diferentes ligados ao credo da Igreja Católica. Esses cordões (escapulários) ostentam
dois pingentes. Um deles está voltado para o colo da cigana e o outro localizado na região
dorsal próximo da nuca. Os santos representados no cordão são escolhidos de acordo com a
devoção de cada cigana. Na escolha, ela leva em conta o santo designado como seu protetor
na infância. Na crença cigana, assim, os cordões funcionam como amuletos protetores.

Ainda de acordo com a crença cigana, as ferraduras contendo sete buracos


conferem sorte e proteção contra os infortúnios da vida. Por isso, é comum, entre as ciganas, o
uso de cordões com pingentes em forma de ferraduras.

Se você acha na rua, por acaso, a ferradura de um animal, cê conta, se ela tiver
sete buracos, cê não deixa ela lá não, cê pega ela, leva e bota lá na sua casa, por
que é muito raro uma ferradura de sete buracos. Seis não vale, tem que ser sete,
nem se passar de sete também não vale. (risos) (Prama)

Pra nós, a ferradura que tem sete buraco significa a ferradura da sorte; então,
todos os pingentes que faz e bota no cordão, se for ferradura de cavalo, aí faz ,
manda fazer de sete buraco. (Prama)
Fotos autorizadas

Figura 14 - Uso de cordão com pingente de ferradura com sete buracos, brinco com
estrela e ferradura também com sete buracos.
Segundo Helman (2009), algumas culturas possuem manobras ritualísticas que
surgem em momentos de infortúnios inesperados, tais como acidentes ou problemas graves de
saúde. Tais rituais de cura ocorrem, normalmente, em público, em contraste marcante com a
privacidade e o caráter confidencial que caracterizam a consulta médico-paciente no mundo
ocidental. “O objetivo desses rituais públicos é restabelecer, de maneira visível, a harmonia
nos relacionamentos entre os homens, dos homens com as deidades e dos homens com o
mundo natural”, assinala o autor.

Os rituais preenchem muitas funções. Tanto para o indivíduo quanto para a


sociedade, tais funções podem ser psicológicas, sociais e protetoras.

Observamos também que a crença na causa da enfermidade está atrelada à


existência sobrenatural de energias negativas. Isso nos remete as referências de Helman
(2009) sobre as teorias leigas e as concepções de origem dos infortúnios relacionados ao
mundo sobrenatural. Já o processo de cura e melhora da criança internada em um centro de
tratamento intensivo foi vinculado a um ritual realizado pela madrinha da criança.

A gente evita muito também que os males das crianças vêm de alguma energia
negativa né, a gente acredita nisso, então quando meu filho tava internado, a
madrinha, isso é muito feito por madrinha, a madrinha vai, ela a madrinha da
criança né, vai pro hospital, vamos dizer assim, no sétimo dia, vamos dizer assim;
tem sete dias que ele tá internado, são várias madrinhas, mas a principal que
coloca no colo, ela leva nove ovos pra maternidade; aqueles ovos é passado na
criança, depois daquilo a gente vai para uma estrada bem longe e que faz um
ritual pra poder a doença ir embora, é bater e valer, certinho. Tirei um filho de
dentro de um CTI assim. (Shon)

Helman (2009) faz observações interessantes no contexto das teorias leigas. O autor
considera que as causas das enfermidades podem estar ligadas ao mundo social no qual o
indivíduo vive. Tais causas, segundo ele, são atribuídas a pessoas que são culpadas pelos
problemas de saúde das outras. O mau-olhado, por exemplo, é uma condição em que
algumas enfermidades e outras formas de infortúnio são atribuídas a malevolências
interpessoais, sejam elas conscientes ou inconscientes.
O mau-olhado faz parte de culturas de grupos europeus, africanos e asiáticos, e tem
sido relatado como etiologia de algumas enfermidades, sendo conhecido também por olho-
grande, olho-gordo, ou simplesmente olho.
Spooner, citado por Helman (2009), também define as principais características do
mau-olhado. De acordo com ele, o fenômeno “tem a ver com o medo da inveja que está
contida no olho do observador, sendo que a influência é evitada ou contra-atacada por meio
de artifícios que distraiam a atenção deste olho observador, por magia de simpatia. O mau-
olhado, assim, pode causar vários tipos de problemas de saúde, sendo que o emissor (a pessoa
que o lança) geralmente prejudica os outros sem a intenção de fazê-lo. Ele muitas vezes
ignora seus poderes e é incapaz de controlá-los”, explica o autor.
O depoimento reproduzido na sequência evidencia a crença de que possíveis danos
podem ser causados às crianças ciganas em decorrência do mundo social em que elas vivem.
E, como já foi visto, a causa desses danos está centrada em outras pessoas. Chamamos
atenção também para a descrição dos artifícios utilizados para afastar e eliminar o agente
causador, o chamado “olho”.

Quebranto é olho, né, às vezes a criança assim muito bonita né, às vezes até o pai
e a mãe mesmo põe o quebranto. Reza muito com ervas, com terço, com ervas,
entendeu? A gente cospe no chão pra mandar algum mal pra fora, geralmente a
gente cospe muito no chão até quando a gente vai admirar uma criança a gente
faz assim: (neste momento, a entrevistada demonstrou e soprou duas vezes) pra
não botar olho grande nela, tipo assim a gente, se a gente vê uma criança muito
bonita ne? Na mão de outra cigana, a gente fala assim: benza a Deus pra não
botar quebranto nela, são superstições, no rosto da criança. Qualquer criança
que a gente admira, de cigano. Ou então faz assim na orelha também (neste
momento ela também gesticulou), é um ritual, isso aí pra poder tirar o
quebranto. (Shon)
Botamos fita vermelha nas crianças, nos cabelos entendeu? Pra tirar o olho
grande fita vermelha, tanto menino quanto menina, tá. Geralmente, menino com
trança a menina fica amarrado o cabelo. (Shon)

Uma outra questão foi observada na fala a seguir. Ao ser questionada sobre o
número de filhos que têm, a cigana nunca fornece a resposta certa. A entrevistada, neste caso,
acrescenta números interpostos entre o numero de filhos que, em sua concepção, representam
cachorros. De acordo a sua crença, se algum infortúnio vier a acontecer com um de seus
filhos, o cachorro imaginário será atingido, preservando, assim, a vida de seu filho.

O número de filhos a gente sempre bota o cachorro no meio porque se tiver que
levar leva o cachorro entendeu? Então toda cigana quando você perguntar, toda
cigana fala quatro filhos e quatro cachorros no meio entendeu? É uma
superstição nossa. (Shon)

Mesmo quando o parto é realizado no setor popular, pela parteira, os protagonistas do


evento têm consciência de que complicações podem gerar danos e riscos à saúde da criança
recém-nascida. Como, por exemplo, a circular de cordão umbilical, denominada pela cigana
como “nascer laçada”; a apresentação e posição fetal atípica, denominada “criança virada na
barriga” e a cianose, quando a “criança nasce roxa”.

Tudo feito na hora com reza; quando a criança virava na barriga, a minha avó
fazia uma reza, tocando a barriga da minha mãe ou de umas das minhas irmãs; a
criança virava na mesma hora e o parto tava feito; e, geralmente, quando as
crianças ciganas, quando ela nasce laçada, a gente dá o nome de um santo
entendeu? A criança, tá laçada, né, com cordão, então corre o risco de morrer
né? (Shon)
Então, quando consegue tirar, quando consegue tirar da barriga, a criança,
quando nasce roxa, a gente dá o nome de um santo; no caso, meu irmão
aconteceu isso, então a minha mãe colocou o nome dele de Inácio, Santo Inácio;
pro resto da vida dele, ele tem dois nomes: o nome verdadeiro e o nome que
colocou o nome dele de Inácio, então nós crescemos com nome dele de Inácio, na
verdade o nome dele não é esse. (Shon)

Nota-se que o parto, acontecendo em um âmbito popular, ocorre de forma


organizada. Deposita-se na parteira a confiança de que ela está preparada para partos difíceis e
capacitada para superar eventuais dificuldades. Acredita-se, ainda, que o parto pode ser
facilitado pelo emprego de rezas, conduzidas pela parteira. E que a escolha do nome de um
santo para a criança recém-nascida, por sua mãe, conceda a seu filho proteção necessária para
enfrentar todas as complicações.

A escolha do nome de um santo da Igreja Católica, assim, também é utilizada


com a finalidade de conferir proteção à saúde desta criança. O depoimento subsequente fala
por si:

Quando uma criancinha cigana tem alguma... Aconteceu com meu irmão, meu
irmão era pequeno tinha uns sete anos, assim era muito danado, né? Meu irmão,
muito levado, subiu numa árvore muito alta pra pegar uns cocos lá, né? A minha
mãe não tava vendo não, minha mãe tinha saído e tava voltando; ele caiu de
cabeça, quando ele caiu assim abriu, caiu massa cefálica do meu irmão assim no
chão; as galinhas que a minha mãe criava foi tudo salpicando e picou a cabeça
dele aí na mesma hora, até hoje a cabeça dele é funda, minha mãe fez um negoço
na hora. Aí ele teve convulsão na hora. Aí ele com a convulsão, aí minha mãe foi
rasgou a roupa dele todinha, na hora rasgou, chamou o nome dele de um santo e
tocou fogo ali, ele aqui tendo convulsão e o fogo ali tocando, nunca mais meu
irmão teve uma doença dessa. Hoje ele é casado, é pai de família e tudo. (Shon)
É reza, bota fogo na roupa e muda o nome da criança, chama de um santo, aí a
gente passa a chamar com o nome daquele santo e não mais o nome verdadeiro
dele. (Shon)

O nome da criança cigana não representa apenas um vocábulo de identificação do


indivíduo. Ao contrário, é dotado de significação, sendo uma das formas de proteção para esta
criança. No decurso dos depoimentos podemos observar como se dá a dinâmica da escolha
dos nomes entre as crianças ciganas.

A princípio, contemplamos a existência de uma nomeação tripla, onde o primeiro


nome é soprado pela mãe da criança em seu ouvido após seu nascimento. Este segredo só será
revelado ao filho quando ele completar dezoito anos de idade. A finalidade é fazer com que
este ritual seja uma forma de proteção transmitida da mãe ao seu filho. A revelação, contudo,
não pode ser feita a nenhuma outra pessoa e permanece secreta pelo resto da vida. Já o
segundo nome, é aquele com o qual a criança passa a ser identificada na comunidade cigana.
O terceiro simboliza a forma como a criança será reconhecida pela população em geral, não
cigana, para relacionar-se com as demais pessoas.

Torres é um dos poucos autores que se debruçam sobre o tema. Ao dar a primeira
mamada ao filho, a mãe cigana sopra no ouvido da criança seu nome mais secreto. Mais tarde,
a mãe apresenta um nome com o qual a criança será conhecida pelos clãs. Há, ainda, um
terceiro nome que ela irá usar somente no mundo dos gadjos (não ciganos). O segredo do
primeiro nome é mantido até que ela complete a idade apropriada. De acordo com Torres
(2004), caso a mãe morra antes, o segredo é levado com ela, garantindo a segurança do filho
contra magias malignas que possam atingi-lo.

Ciganos têm dois, três nomes. O nome que ele usa é popular. O nome que
divulga. O nome que só eu que sei, só sei eu e minha mãe. Porque na hora do
parto é pra trazer uma proteção assim pros ciganos, né? Assim que o neném
nasce a mãe sopra um nome no ouvido dele, né? Aquele nome só fica entre ele e a
mãe (Shon)
Meu nome só sabe eu e minha mãe, nem o marido sabe. (Shon)
O nome que a gente soprou no ouvido é prá proteção deles então eles só sabem
quando faz dezoito anos; eu só vou passar (aos filhos) aos dezoito anos, entendeu?
é coisa antiga, muito antigo né? (Shon)
O nome de segredo entre mãe e filho na hora do parto. A mãe sopra no ouvido na
hora do nascimento, e diz quando tem dezoito anos. (Shon)
Na minha família tinha, todo filho da minha mãe que nascia era apresentada a
lua; todos eles, eu não sei porque que cargas d’água foi que minha mãe falou que
eu fui a única filha que fui apresentada a lua e ao fogo, porque no dia em que eu
nasci era dia de são João então era acostumado na minha família, todo ano, todos
os ciganos tem devoção com algum um santo né? (Shon)
Então na minha família é Nossa Senhora Aparecida, São Jorge e São João
Batista, e justamente no dia que eu nasci então eu fui batizada na fogueira dele,
entendeu? Isso é um ritual que eles faziam lá no nordeste. Entendeu? (Shon)

De acordo com Monticelli (1997), em nenhuma sociedade conhecida, a vida flui


sem marcações, sem que se registre qualquer tipo de passagem. Pode-se mesmo dizer que
viver é submeter-se a inúmeras passagens sucessivas, que se iniciam com a concepção e
terminam (ou não) com a morte. Estas passagens são geralmente acompanhadas por atos
especiais. Algumas culturas são celebradas com grandes cerimônias e, em outras, o ritual é
pouco elaborado.

Ainda segundo Torres (2004), quando o neném nasce, o ritual do primeiro banho
é esperado e preparado com ansiedade. A cerimônia é chamada de “Banho de Prosperidade” e
é realizada depois do banho de higiene normal. O bebê é colocado em outra banheira com
água limpa, onde são colocadas pétalas de rosa brancas, jóias de ouro em grande número e
gotas de mel. Este banho tem um simbolismo importante de sorte, prosperidade e serenidade.

As nossas crianças ciganas, quando nasce, aí já é minha mãe, a minha avó


ensinou prá minha mãe, a minha mãe me ensinou, eu ensinei prás minhas filhas,
porque quando o bebezinho nasce é sempre bom você ter joias de ouro, você
coloca na água, entendeu, prá você dá banho por que não existe nenhum banho
que você põe lá; nada simplesmente é esse banho de ouro, coloca lá. É o primeiro
banho que vai dá em casa, aí bota aquelas jóias de ouro, você dá o banho nele, é
um banho de sorte, entendeu? É um banho que quando a criança crescer ele
sempre vai ter uma chama de dinheiro no corpo, vamos dizer assim. Porque o
cigano em si lutam muito por causa de dinheiro, prá não passar necessidade, aí
essa criança cresce uma pessoa de sorte, aí sempre tudo o que colocar a mão
sempre dá certo, entendeu? Porque o ouro significa dinheiro, significa sorte, aí é
bom. (Prama)
As minhas filhas foi minha mãe que deu o banho, e no meu neto eu dei, no meu
outro neto também eu dei. A avó que dá o banho, porque a mãe quase nunca dá,
por que ela tá de resguardo, ela nunca vai dá, é a avó sempre que dá o banho
primeiro né? A avó chega primeiro. (Prama)

Observamos na fala dessa depoente um aspecto transgeracional importante, já que


o banho da prosperidade é realizado pela avó da criança, pessoa mais velha e experiente.

Com relação ao tema, percebemos durante as entrevistas que o banho pode ser
utilizado para várias finalidades. Observamos nele uma re-significação. No grupo aqui
estudado este ato corriqueiro não tem apenas fins higiênicos. Ao contrário, o banho se
apresenta com um caráter curativo e protetor. Ele representa votos de sorte e desejo de bons
presságios e bom temperamento.

Destacamos, também, o aspecto curativo do banho quando nele é empregada a


erva denominada picão, na forma de chá, utilizada pelas mulheres ciganas como tratamento
para a icterícia neo natal.

Já dentre os elementos identificados para garantir bons presságios, podemos


destacar:

Mel (gotas), confere docilidade.


Ouro (joias), confere conforto financeiro
Flores (rosas e cravo), confere tranquilidade e paz.

Segundo Torres (2004), cada elemento do banho de prosperidade tem um


simbolismo. A água pura simboliza a perspectiva de uma vida transparente, purificada e rica
de saúde. Com as joias, o bebê apanha a energia do ouro e isto faz com que ele seja feliz
financeiramente. As pétalas de rosa têm a finalidade de garantir uma vida perfumada e bem-
sucedida, principalmente no que diz respeito ao amor e a paz.

Quando é menina moça, é sempre bom você botá uma rosinha branca, uma rosa
vermelha, é sempre bom entendeu? É bom, é bom pra dá sorte, se for menina é
bom pra ter uma sorte boa; pra ser uma menina calma quando tiver maior,
porque as meninas mulher elas são muito regateira, vamos dizer assim. Você
bota rosa, um perfume que você gosta muito, você coloca uma gotinha de
perfume que seja de rosa, uma pedrazinha de cravo também junto. Aí cê dá o
banho da menina moça, ela vai crescer uma menina de sorte. (Prama)
Vai ser uma menina calma, meiga, entendeu? (Prama)
Tem gente que até os trinta dias, quando o bebê tá, o neném tá bem novinho, não
coloca roupa amarela, nem enrola no cobertor amarelo, pra não pegar tirícia. Aí
não coloca roupa amarela, nem coberta amarelo, pra não pegar tirícia. Se pegar
tirícia, cuida com picão, dá banho no picão, um pouquinho dá pro bebê e coloca
na água pra dá banho. (Kambulim)

Um enfoque dado à questão do aleitamento materno, no contexto da cultura


cigana, nos leva a algumas conclusões: há uma valorização do processo de amamentação, que
enaltece a mulher que amamenta, e a eleva a uma condição de virtude e enobrecimento.

Já no que se refere às vestimentas das mulheres, Torres (2004) destaca que é


comum entre as ciganas o uso de grandes decotes. Estes, segundo ele, afirmam a força
feminina, pois o seio cumpre também o papel simbólico de sustentar os novos ciganos que
nascem.

O seio da cigana fica sempre de fora, por quê? A cigana prá muita gente aí fora,
prá muita gente aí fora, eles acham que o peito de fora significa assim.... como é
que eu vou dizer, é sexo, que todo muito gosta de olhar. Nós não nos importamos
com isso, pra nós significa é você dar alimento pros seus filhos, então nós não tem
pudor de tirar o peito em qualquer lugar que nós esteja e botar na boca do filho
pra mamar, entendeu? Prá nós não tem disso, o mundo lá fora já não pensa
assim, mas prá nós, nós não importa, é por isso que tá usando sempre com o peito
de fora.(Prama)

Durante a etapa de coleta de dados, ficou claro que a prática da amamentação é


tradicional e incentivada por fatores de natureza transgeracional. No entanto, este hábito
saudável em alguns casos é interrompido por questões de ordem econômica.

Algumas depoentes, por exemplo, são obrigadas a sair de suas barracas para ir às ruas
em busca de sustento ainda no período puerperal. Esse componente de ordem sócio
econômica dificulta a prática de aleitamento preconizada pela Organização Mundial de Saúde.
Além disso, estimula o desmame precoce e a consequente introdução de outros alimentos na
dieta dos bebês ciganos.
Segundo Helman (2009), o número de mulheres que amamenta diminuiu na maioria
dos países do mundo no século XX. Essa diminuição do aleitamento materno já foi descrita,
inclusive, como uma das maiores crises nutricionais do mundo contemporâneo. Diversas
razões foram alegadas para a mudança do seio para a mamadeira. As mais costumeiras são a
urbanização, o desmantelamento da família extensa e o crescente número de mulheres que
trabalham fora de casa. A experiência relatada na sequência confirma a avaliação.

Amamentação, a gente amamenta até quando pode, porque geralmente a vida da


cigana é muito corrida, né? Então a gente tem que ir prá rua trabalhar. Às vezes
leva a criança e, muitas vezes, a gente tem problema com policial porque acha
que a gente tá pedindo esmola, essas coisas toda, como já teve caso aí na
televisão, né? Então, geralmente, a gente deixa a criança na barraca com outra
cigana tomando conta, aí parte um pouco fora da amamentação, né? Passa já a
comer comida normal, entendeu? (Shon)

Ainda de acordo com Helman (2009), o cuidado com a alimentação dos bebês é uma
das preocupações centrais de qualquer grupo humano. Contudo, existem grandes diferenças
nas técnicas de alimentação dos bebês, na utilização do seio materno, da mamadeira ou de
alimentos artificiais. Assim como em termos da idade e da técnica de desmame.

Amamentação a gente fica um pouco em casa, vamos dizer assim, um mês dois
meses em casa. Depois a gente vai prá rua, entendeu? Quando pode levar a
criança, a gente leva. Quando não, não tem como deixar, né? Aí tem que ficar
mesmo. Leite materno, logo cedo. A criança começa a comer muito cedo, começa
a comer comida mais sólida com três, quatro meses, entendeu? (Shon)
No primeiro mês, só leite, só leite materno, dependendo se a criança tiver
problema; porque tem criança que rejeita leite materno né? A gente passa dar
leite de cabra, essas coisas toda; industrializado também, se precisar a gente dá.
(Shon)

Helman (2009) afirma ainda que, em qualquer país ou comunidade, existe sempre uma
gama de fatores – sociais, culturais, pessoais e econômicos – que influenciam a mulher a
amamentar ou não seus bebês e por quanto tempo. Essas variantes influenciam também como
ela explica para si própria e para os outros um fracasso na amamentação e como ela desmama
o seu bebê.

A busca das mulheres ciganas por fonte de renda se caracteriza pelo oferecimento, ao
público em geral, da leitura de mãos, adivinhações e previsões em troca de quantia em
dinheiro. Como essas práticas ocorrem nas ruas, as depoentes sinalizaram que esta luta pela
sobrevivência é encarada de forma discriminatória pela sociedade e até por autoridades
policiais. Isso acontece, na opinião delas, porque muitas vezes as mulheres necessitam levar
consigo seus filhos por conta do cuidado materno. Ainda por conta da amamentação, em local
público, sobrevém o preconceito e elas acabam sendo confundidas com pedintes que se
aproveitam de crianças para praticar atos de mendicância. Considerando os aspectos judiciais
que permeiam esta questão – até porque esta atitude pode implicar na perda da guarda da
criança – é possível entender porque as mulheres deixam seus filhos sob o cuidado de outras
mulheres e interrompem a amamentação saudável.

Durante estudo desenvolvido por Medeiros (2011), em um acampamento cigano, em


Minas Gerais, as mulheres relataram que a leitura de mão deixou de ser uma atividade de
renda e atualmente se confunde com a mendicância. Por isso, algumas preferem não mais
praticá-la. Relataram, inclusive, que a maioria das filhas não é mais iniciada nesta tradição.

Para Natasha (2005), muitas ciganas já não vão mais às ruas para cumprir um ritual
cigano passado de geração em geração – a leitura das mãos. De acordo com a autora, elas
estão vivendo em um novo tempo e tiveram de se adaptar à evolução dos costumes.

As depoentes mais jovens do acampamento – a terceira geração de ciganas


entrevistadas – que desempenham papéis de netas e mãe de crianças, vivenciam hoje uma
nova realidade. Por isso, não trabalham longe de seus filhos. Elas costumam manter a
amamentação de seus filhos até um ano de idade, mas é comum a introdução de outros
alimentos sólidos na faixa de três meses de idade. Apesar de não haver mais a necessidade do
afastamento por questões de trabalho, o traço cultural da introdução de alimentos
precocemente permaneceu na geração atual.

Mama até hoje, ele mama no peito e come comida. Com três meses eu comecei a
dar comida a ele, foi porque meu leite tava muito ralo e ele não bebia aquele leite
de criança, leite ninho que fala. (Thierain)
Aí eu fui e comecei a dar caldo de feijão prá ele com três meses, ele aceitou a gora
ele tá comendo. Come danoni, come comida, come qualquer coisa. Quem me
ensinou a dar comida com três meses foi a tia do meu marido. Agora eu vivo lá
em Minas Gerais com a família dele. (Thierain)

Helman (2009) refere que em lugares onde a amamentação é opcional, crenças


culturais e modas, assim como fatores econômicos, determinarão se a maioria das mães irá ou
não escolher essa forma de alimentação para os bebês.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde
(MS), as crianças com até 6 meses de vida devem ser alimentadas exclusivamente com leite
materno, sem outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo
vitaminas, sais de reidratação oral, suplementos minerais e medicamentos. Após os seis (6)
meses, o aleitamento deve ser complementado com outros alimentos de forma oportuna e
saudável até os dois (2) anos ou mais.

Foto autorizada
Figura 15 - Cigana amamentando
seu filho com 1ano.

A mortalidade infantil, sabemos, é uma grande preocupação da Saúde Pública. E


combatê-la é parte de uma série de compromissos assumidos pelo Brasil, como os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Segundo o Ministério da Saúde (2012), nas últimas
duas décadas, no período de 1990 a 2007, a taxa de mortalidade infantil no Brasil apresentou
tendência de queda, passando de 47,1/1.000 nascidos vivos em 1990 para 19,3/1.000 em
2007. A redução média foi da ordem de 59,0%. Apesar do declínio, os níveis atuais ainda são
considerados elevados e incompatíveis com o desenvolvimento do País. Nossa taxa atual é
semelhante a dos países desenvolvidos no final da década de 60, e cerca de três a seis vezes
maior do que a de países como o Japão, Canadá, Cuba, Chile e Costa Rica. Estes últimos
apresentam taxas entre três (3) e 10/1.000 nascidos vivos, segundo dados do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF,2008).
O declínio da mortalidade infantil no Brasil é resultado de um conjunto de fatores, em
especial o aumento das taxas de amamentação. Até porque, em todo o mundo, o aleitamento
materno reduz em até 13% as mortes de crianças menores de cinco (5) anos por causas
evitáveis.

Não são poucos os argumentos que favorecem a prática da amamentação. É


importante destacar que as crianças de menor nível sócioeconômico são as mais vulneráveis e
que o leite materno, além de proteger contra várias infecções, apresenta benefícios em longo
prazo na diminuição dos riscos de doenças crônicas decorrentes da alimentação inadequada.
Entre elas estão a obesidade, hipertensão e dislipidemias, assim como o diabetes melittus tipo
I. Estima-se, nesse último caso, que 30% das ocorrências poderiam ser prevenidas se 90% das
crianças até três (3) meses não recebessem leite de vaca. (GERSTEIN, 1994 apud BRASIL,
2009c, BRASIL, 2012).

A literatura oficial é rica sobre o tema. Segundo o Ministério da Saúde, o gasto médio
mensal com a compra de leite, para alimentar um bebê nos primeiros seis (6) meses de vida
no Brasil, em 2004, variou de 38% a 133% do salário-mínimo, dependendo da marca da
fórmula infantil. Acrescente-se, ainda, a esse gasto, os custos com mamadeiras, bicos, gás de
cozinha, além de eventuais gastos decorrentes de doenças, que são mais comuns em crianças
não amamentadas. Não amamentar pode significar sacrifícios financeiros para a família,
sendo que essa economia nos gastos poderia ser utilizada em outras despesas do núcleo
familiar, proporcionando, assim, um maior bem estar social. (BRASIL,2012)

Para contemplar esse padrão de qualidade, as equipes de saúde devem, entre outras
coisas, conhecer os dez passos para a alimentação saudável de crianças menores de dois (2)
anos. São eles: promover o aleitamento materno e a introdução de outros alimentos saudáveis;
recomendar o aleitamento materno exclusivo até os seis (6) primeiros meses de vida da
criança e, a partir do sexto mês acrescentar a alimentação complementar, compreendendo esse
processo em seu contexto sociocultural e familiar.

Para Cunha e Wendling (2011), “a família compreende todo o sistema emocional de


pelo menos três, e, agora, quatro gerações”. Podemos inferir a partir daí que uma geração vem
permeada pelas vivências e emoções de gerações anteriores e/ou subsequentes, que vão se
mantendo, se desenvolvendo e evoluindo.

Durante os depoimentos aqui colhidos, percebemos a presença de aspectos


geracionais atrelados ao cuidado em diferentes gerações. Um deles foi a marcante presença
desta transgeracionalidade entre a comunidade em estudo, já que a própria cultura cigana é
transmitida com fortes tendências à preservação cultural. Assim é que aprender com os
ciganos mais velhos do grupo e transmitir os ensinamentos às próximas gerações vem a ser
uma das principais características do modo de vida cigano e da perpetuação de sua cultura até
os dias de hoje.

Vou pegando, se é mais velha a gente vai aprendendo, vai ensinando e a gente vai
aprendendo. (Thierain)

Para Cunha e Wendling (2011), a perpetuação da herança psíquica da


transgeracionalidade pode ser percebida desde as primeiras interações do indivíduo. Cabe a
ela construir a identidade do sujeito, revelar expressões da família e trazer à tona os
sentimentos que atravessam gerações.
O cuidado e o respeito com o idoso cigano acabam, assim, por alicerçar, arraigar e
fortalecer as relações transgeracionais.
Para Torres (2004), a palavra de um cigano é não só a sua riqueza, mas a
demonstração de seu caráter. Principalmente se a palavra dada é a de um indivíduo mais
maduro e experiente. Seus conselhos, portanto, são ouvidos e respeitados. É dele a
responsabilidade da transmissão oral dos ensinamentos. Os velhos, então, são considerados
sábios e o passado está vivo. Essas pessoas que a sociedade não cigana chama de “velhos” e
evita, são as pessoas mais respeitadas. Elas têm um lugar de destaque, são respeitadas como
conselheiros e ditam a ética dos vários tópicos da norma de conduta entre os ciganos.
Os idosos no meio de ciganos, não, nunca não são colocados em asilo, porque a
família não permite, porque os ciganos idosos pros ciganos mais jovens é uma
relíquia. É tipo um museu uma coisa que você tem que proteger até não poder
mais estar ali; o cigano idoso ou a cigana idosa no meio dos ciganos é assim,
entendeu? São cuidados com tanto carinho, talvez até mais do que a gente cuida
de uma criança. Porque a criança ainda vai crescer e vai aprender sua vida
própria, o idoso já tá terminando a sua, então tem que ser cuidado muito mais do
que uma criança. (Prama)

Os idosos são uma relíquia. (Thierain)

As falas subsequentes trazem à tona os aspectos transgeracionais relacionados ao


cuidado com as crianças. As experiências relatadas foram transmitidas às gerações recentes.

Meu pai! vocês não vão acreditar, teve um problema também quando nasceu, do
pulmão; ele tomava o leite de jumenta, era dado a ele leite de jumenta, e ele viveu
até noventa e nove anos e nunca teve problema de saúde. Só quando nasceu.
Minha avó tratava ele com leite de jumenta, engraçado né? Ninguém usa isso
hoje em dia! (risos) (Shon)
Ah, e outra coisa! O umbigo também é tratado com ervas. A gente faz, minha
avó faz um preparado de fumo de rolo, preparado de fumo de rolo, com algumas
ervas do mato, né? O umbigo caía com três dias e não tinha infecção. (Shon)

Aí, quando ela foi embora pra casa dela, o neném dela já tava com um mezinho;
aí já tava com o imbigo caído, aí imbigo do neném a gente não cura como o
médico manda. Nós cura com azeite e pó de fumo. (Prama)

Nós não bota álcool iodado, como o médico manda, ele manda, mas nós não põe
não. (Prama)

No cuidado com o coto umbilical após o nascimento, é fácil detectar a influência


transgeracional no chamado cuidado familiar. O modo do cuidado varia da forma tradicional,
com a aplicação de moedas e faixas para evitar a exteriorização da cicatriz umbilical, para a
utilização do álcool a 70%, solução preconizada hoje pelos principais serviços de saúde. Este
último procedimento aparece na geração recente e pode estar relacionado ao parto da
depoente ter ocorrido em ambiente hospitalar. Fruto de uma cirurgia cesariana, o
procedimento foi permeado pela influência profissional. Outro dado importante é que a
própria evolução da ciência transitou por vários consensos até os dias de hoje. E quando nos
reportarmos ao passado, vale lembrar o uso do mercúrio cromo em ferimentos, substância
hoje contraindicada. Outros exemplos, são a utilização do álcool iodado e, mais recentemente,
o uso do álcool a 70% em feridas operatórias e no cuidado com o coto umbilical.

Segundo Cunha e Wendling (2011), a transmissão transgeracional reúne aspectos


relevantes para que se compreenda as famílias no decorrer do tempo. Ela facilita também a
identificação das influências transmitidas através das gerações. E estas últimas, sabemos,
podem perpetuar ou modificar comportamentos.

Ela (sua mãe) me ensinou a cuidar do neném. Ela me ensinou a dar banho, que
eu não sabia. Ela me ensinou cuida do imbigo, que eu não sabia. É com álcool 70,
limpa com álcool 70, coloca a moeda e enrola a faixinha, que ela me ensino, prá
poder não fica prá fora o imbigo, prá fica bonitinho. O imbigo é, nós lavamos
com álcool 70, né? e a mãe pegou moeda e enrolou aquele gás que compra prá
colocar em machucado, prá
colocar no imbigo e enrolar a faixa, prá quando chorar, o imbigo não saí pra fora
e não fica grande, tipo uma bola pra fora, aí fica bonitinho, redondinho, pra não
ficar feio. (Thierain)

Nos depoimentos subsequentes percebemos o cuidado popular prestado à criança pela


mãe através do ensinamento transmitido pela tia de seu marido. A entrevistada, após seu
casamento, passou a conviver com a família do seu companheiro, uma característica muito
comum após os casamentos ciganos.

Aí ela (a tia do marido) me ensinou a dar comida a ele; e quando ele fica doente,
que precisa, que fica gripado ela faz remédio. Ela faz, coloca alecrim, coloca
hortelã, coloca mel, coloca folha de laranja, coloca casca de limão, isso tudo prá
gripe... (Thierain)
Febre é costume dela colocar , molhar o pano com álcool e colocar debaixo do
subaco, aí disse que miora a febre. . (Thierain)
Tipo assim que coloca no ouvido, quando tá com dor de ouvido, ela coloca óleo
quente, um pouquinho de óleo morno, coloca aquela folha de abóbora, esquenta
na colher, tira aquele sumo e coloca dentro do ouvido, pra melhora a dor de
ouvido. . (Thierain)
A erva doce, ela torrou, colocou água, depois ela coou, pegou só aquele sumo e
deu pra ele tomar. . (Thierain)
Tipo um chá, só que torrou a erva doce e deu pra ele, pra poder melhorar a dor
de cólica. Quando ele tava dos dois meses, até cinco meses ela deu prá ele. Até
cinco meses ele sentiu dor de cólica. . (Thierain)
Quando tava assado colocava maisena, ela mandou colocar maisena pura, prá
poder melhorar a assadura. . (Thierain)
Miiller, citado por Moraes e Rabinovich (2010), considera que são os processos
cotidianos no cuidado com o bebê que garantem a continuidade intergeracional. Afinal,
diferentes pessoas, com diferentes conhecimentos, garantem o bem estar e o desenvolvimento
da criança.

Para Grendene (2003), a noção da família, como criadora de um vínculo, é de uma


construção que se origina de um trabalho realizado entre dois ou mais sujeitos. O aparelho
psíquico, durante sua constituição, sofre influência de um ou mais aparelhos psíquicos (mãe,
pai, avós, etc...); o sujeito só se torna sujeito através do desejo de um outro ou do grupo em
que está inserido; ele é um elo de uma cadeia e é herdeiro do que lhe é transmitido. Vem para
ocupar um lugar, tem um cargo a assumir. “A partir deste entendimento, é essencial
entendermos o sujeito como pertencente a uma família, a um contexto, a uma cultura e não
como um ser individual”, sublinha o autor.

Helman (2009) cita a proposta formalizada pelo antropólogo norte americano


Edward Hall sobre a existência de três níveis de cultura em cada grupo humano.

O nível terciário representa a cultura de uma forma explícita, visível na forma de


rituais sociais, trajes típicos, culinária nacional e ocasiões festivas. Considerado como fachada
pública, se apresenta ao mundo em geral.

Já os níveis considerados mais profundos, estão contidos no secundário, onde as


regras e as pressuposições subjacentes são conhecidas pelos membros do grupo, mas
raramente compartilhadas com estranhos.

Por fim, o nível primário é tido como o mais profundo. Nele, as regras são
conhecidas e obedecidas por todos, mas dificilmente, declaradas. Estas regras são implícitas.
Enquanto o nível terciário pode ser facilmente observado, mudado e manipulado, os níveis
mais profundos são os mais ocultos, estáveis e resistentes à mudança.

Apesar da intensa coleta de dados, alguns aspectos culturais não foram


mencionados ou observados. De acordo com as mulheres, certos costumes devem ser
mantidos em segredo e não podem ser divulgados. Bons exemplos são determinados rituais ou
palavras ali proferidas ou determinados medicamentos naturais, próprios da cultura.

Por isso que tem muitas coisa que às vezes vocês vêm fazer uma pesquisa ou uma
pessoa quer fazer uma entrevista aí perguntam, aí tem coisas que a gente enrola e
não fala nada porque são coisas que passou de família pra família, entendeu? De
idade para idade e assim vai indo. Aí não pode falar, aí cê fica quieta, a gente
enrola, fala outra coisa, porque tem coisa que não pode ser dita, é porque já vem
de antigamente, não pode ser explicada nem falada. (Prama)

Tem remédio que é do próprio cigano, entendeu? Tem remédio que é do próprio
cigano, que cura muita das coisas, muitos tipos de doença, mas é o remédio que
não pode ser revelado, porque já é coisa antiga e não tem permissão prá isso,
entendeu?
A gente tem remédio que cura uma ferida que ela tá numa perna de um ser
humano há trinta anos, da natureza. Não tem essas pessoas assim que tem uma
ferida crônica, que ela não sara? A gente tem remédio que cura esse tipo de
machucado. Só que é um remédio da gente, não é permitido a gente dizer: oh! é
essa erva , é essa, é essa, é essa! Porque como a gente passou de geração prá
geração e nunca foi permitido dizer, porque prá muita gente lá de fora, médico
isso e aquilo, isso faz mal, aquilo faz mal, só que prá nós não faz , entendeu?
Então nós prefere não ensinar prá pessoa não fazer e, se mais tarde acontecer
alguma desgraça, foi fulana que ensinou, fez isso, fez aquilo. Aí só fica prá nós.
(Prama)

Ovos brancos todos brancos, mas cru. Aquilo é passado no corpo da criança e
estourado numa estrada com as palavras que a gente fala na hora entendeu?
Que a gente não pode divulgar. (Shon)

Quando tô perto da minha família, mas isso só uma vez por ano, a gente se reúne
uma vez por ano, mas esse ritual a gente não pode falar é uma coisa muito
fechada, não pode falar. .(Shon)

Após analisar os dados colhidos na pesquisa é possível afirmar que o cuidado com a
criança cigana é um conjunto de ações impulsionadas pelo modo de vida, compartilhados
pelas mulheres do grupo. A figura central do cuidado é a mãe e, em seguida, vêm as mulheres
da família. O cuidado é permeado por valores, crenças e práticas transmitidas
transgeracionalmente. Como já foi dito, há uma complementação da assistência entre os
setores informal, popular e profissional. E as crenças nos fatores causadores do infortúnio
podem estar relacionadas ao mundo natural, individual, social e sobrenatural. É possível
ainda enxergar, através das gerações, algumas modificações no modo do cuidado. Isso decorre
de processos de aculturação. Muito embora as tradições sejam preservadas com a manutenção
de alguns segredos culturais.
Subcategoria 1.2 A transgeracionalidade da saúde da mulher cigana na fase
reprodutiva.

Na cultura cigana os limites entre as classes etárias são determinados por questões
culturais como, por exemplo, a separação entre as fases de adolescência e adulta. Nesta fase, a
menina, ao entrar na adolescência, já começa a ser preparada para exercer plenamente os
papéis femininos. Os casamentos entre ciganos ocorrem nesta fase. James, citado por Helman
(2009), salienta que as definições de infância são “socialmente construídas” e, por isso,
tendem a variar bastante em diferentes grupos humanos.

Segundo Torres (2004), a sexualidade é muito importante para os ciganos. Como


o povo tem uma moral conservadora, a mulher cigana casa muito cedo. Os casamentos são
firmados em acordos entre os clãs. Ainda que hoje aconteça com alguma frequência, é
totalmente desaconselhado o casamento com pessoas não ciganas.

As mulheres ciganas participantes do estudo casaram-se na faixa etária entre onze


e dezenove anos, na fase de adolescência. De acordo com elas, casar nesta fase da vida é um
velho costume.

As meninas casam cedo. Eu tenho duas casadas; uma casou com onze anos, a mais
nova. A outra casou com catorze anos, a mais velha. Tá casada há cinco anos.
(Prama)

De acordo com Helman (2009), as diferentes sociedades estabelecem idades


diferentes para determinar quando as crianças podem ser educadas, participar de certos rituais
religiosos, trabalhar fora de casa, ter relações sexuais, controlar suas finanças, tomar decisões
independentes (sobre sua saúde, educação ou local de residência), ter seus próprios
documentos de identidade ou passaportes, assumir responsabilidade legal por suas ações e
assim por diante.

Porque é assim: casa com onze anos, mas só vai ficar junto com o marido depois que
já tem catorze, quinze anos. Convive junto, vive junto, todo mundo junto. Mas, só
que como é cigano, aí tem o respeito; tanto faz de um lado como do outro, que já
casa sabendo tudo certinho, entendeu? Porque é muito novinha, aí realmente o
casamento, como se diz, o casamento só é consumado depois que ela tem quatorze,
quinze anos. (Prama)

Ainda segundo Helman (2009), assim como a velhice, a definição de infância não
é algo fixo e finito, com base somente em critérios biológicos. Cada uma das classes etárias
compreende mais do que apenas um estágio biológico da vida. “Seu inicio e fim também são
definidos pela cultura, assim como o são os eventos esperados em cada classe”, esclarece o
autor.

Para Larraia (2001), a participação de um indivíduo, em sua cultura, depende de


sua idade. Esta afirmação, no entanto, permite dois tipos de explicação: uma de ordem
cronológica e outra estritamente cultural, sendo o componente etário determinado
culturalmente.

A cigana tem a barraca dela no dia em que ela é entregue ao noivo. Naquele dia ela
passa a ser mulher dele, vamos dizer assim. São cinco dias de casamento; no terceiro
dia ela casa, mas ela ainda não dorme com o marido. Ela só dorme no dia da entrega
da noiva. Aí ela passa a ser da família do marido. (Prama)
Casamento acontece com cigano muito novinho, né? Não existe namoro, não existe
nada entre os dois ciganos que estão pra casar. Geralmente as festas acontecem, os
rapazes conhecem as moças de longe; assim aí, chama o pai, se se interessa por
aquela moça pro filho dele, conversa os pais e já marca um casamento daqui um
mês. Aí fazem as festas, entendeu? Não tem namoro não, não existe namoro, não.
Onze, doze, catorze anos, são cinco dias de festa. (Shon)

De acordo com as entrevistas, foi possível constatar que na população em estudo


as normas para a união matrimonial entre os ciganos ainda seguem a tradição antiga. O
cônjuge é escolhido pelas famílias do noivo e da noiva, confirma Natasha (2005). Essa autora
afirma que entre os ciganos dos tempos antigos, os pais escolhiam o marido para a filha e a
esposa para o filho. Esta prática é adotada até hoje por grupos mais tradicionais, que realizam
o casamento de acordo com o velho ritual. Depois do casamento, a esposa passa a fazer parte
da família do marido. Helman (2009) mencionou que, em algumas culturas tradicionais,
esperava-se das crianças, inclusive, que casassem, sendo organizada uma cerimônia de
contrato ou compromisso de casamento pelos pais e parentes próximos.

Já Torres (2004) refere que, na maioria das vezes, o casamento cigano é escolhido
e combinado pelos pais. São levados em conta muitos fatores importantes, como a capacidade
de ganhar dinheiro da noiva e o caráter do homem. A moça, após o casamento, passa a
pertencer à família do marido.

Outro fator diz respeito às peculiaridades cerimoniais da cultura cigana.


Notadamente o casamento, um motivo de festejo importante, cuja comemoração se estende
por um período de cinco dias. As cerimônias podem ser feitas no próprio acampamento, com
a presença de um representante religioso, geralmente um padre. Ou na igreja católica local,
considerando que o grupo em estudo professa a fé Católica Apostólica Romana. Ao longo dos
anos, no entanto, alguns costumes foram modificados. Tomamos como exemplo, a mudança
na aquisição dos vestidos de noiva. Outrora confeccionados pelas próprias ciganas, os trajes
atualmente circulam num sistema de locação para as cerimônias.

Então é casado na igreja. É o padre faz o casamento, tudo certinho. Ou no


acampamento, o padre vem direto no acampamento. (Prama)
Mas, hoje em dia, tem muitas ciganas que ainda casa com o vestido que a própria
cigana que faz. É muito bonito. (Shon)
O vestido, eu aluguei. O casamento foi em Angra dos Reis, foi no acampamento.
Porque elas já são mais novinhas, então modernou mais, né? Aí que vem o vestido
alugado, vestido normal, tudo certinho. Porque o vestido feito pela cigana, esse que é
o tradicional, entendeu? Mas aí vem aquela que quer mudar um pouco, aí alugou
dois vestidos. (Prama)

Segundo Moraes e Rabinovich (2010), mulheres que vivem em uma mesma época
tendem a praticar uma cultura coletiva que, de algum modo, aproxima experiências.

Para Helman (2009), a maioria das sociedades modernas complexas, passaram a


contar com minorias étnicas e religiosas, como imigrantes, turistas, estudantes estrangeiros,
refugiados políticos, caracterizados por culturas distintas, e muitos desses grupos, diz o autor,
sofrerão algum grau de aculturação com o passar do tempo, incorporando algum dos atributos
culturais da sociedade maior.

Outro dado levantado foi a questão do analfabetismo entre as depoentes. É


possível afirmar que esta carência foi impulsionada pelo distanciamento cultural exigido pelas
gerações anteriores. Na tentativa de preservar valores e costumes, era vetado às crianças o
direito de frequentar escolas. A intenção era evitar que elas convivessem com crianças de
outras culturas. Tal proibição, é claro, foi mais marcante para o gênero feminino.
Principalmente às meninas ciganas era vedada a convivência com meninos não ciganos.

É, filha de cigano, mulher, não pode ir em escola, aí porque filha de cigano não usa
namorar, entendeu? Só casa, noiva, casa, e durante esse tempo não pode namorar.
Aí cigana evita de ir prá escola, prá poder não arrumar namorado, aí então, a gente,
filha mulher não vai prá escola. Filha mulher de cigano não vai prá escola, só
homem que pode ir. (Thierain)
Agora tá mudando um pouquinho! Agora já vai. (Shon)
Agora já vai, agora o mundo tá evoluindo, eu não ia, só agora que pode ir. É todo
cigano, entendeu? Aí, minha mãe também não deixava eu ir. (Thierain)
Eu não sei escrever, porque minha mãe não deixou eu ir na escola, entendeu? O meu
pai, por ele, talvez eu até ia, mas por não, prá não deixar nós menina mulher se
misturar com pessoas que não era cigana na escola, prá não aprender coisa que não
precisava, que é assim que ela fala. Aí eu não aprendi a ler e não aprendi a escrever
e não fui na escola. Aí dizer, hoje eu só sei assinar meu nome e o básico, mas
estudar, estudar mesmo eu não estudei. Aí, quer dizer, como eu não fui, agora eu
quero que meus filhos vão bem na escola.(Prama)
Durante os depoimentos notamos que as mulheres das gerações mais antigas
temiam os processos de aculturação. E como estratégia de preservação cultural, lançavam
mão do distanciamento entre crianças ciganas e não ciganas. O motivo é simples: é nesta fase
da vida que o indivíduo está mais propenso a introjetar valores e delinear sua formação
cultural.

Para Helman (2009), seja qual for a contribuição da biologia para o


comportamento humano, é evidente que a cultura contribui com um conjunto de diretrizes –
explícitas e implícitas. Esses princípios são adquiridos a partir da primeira infância e ditam ao
indivíduo como ele deve perceber, pensar, sentir e agir enquanto membro masculino ou
feminino daquela sociedade.

Muito embora as gerações anteriores proibissem as crianças, principalmente as


meninas, de frequentarem a escola, o que contribuiu para um elevado grau de analfabetismo
entre as mulheres ciganas, hoje em dia o grupo entende a necessidade de alfabetização e da
formação educacional escolar.

Saber ler e escrever prá poder se defender. Hoje em dia é exigido isso. Agora, de ir
prá faculdade é raro o que vai, né? Raro o que vai. (Shon)
Sinto muito, eu quero que meu filho, vai. (Risos) Agora, só resta saber se ele vai
querer, por que ele não gosta de estudar. Mas eu quero que ele vá, sabe por causa
de que? O mundo evolui muito. Não é porque a gente tem uma tradição, não é
porque você ir pra uma faculdade, que você estudar, que você vai deixar de ser o
que você é, entendeu? Por que você não pode ser o que você é e incluir um pouco
mais do mundo lá fora? Então eu quero que ele vai. (Prama)

Segundo Larraia (2001), a cultura tem um caráter dinâmico porque os homens têm
a capacidade de questionar os seus próprios hábitos e modificá-los. No entanto, é possível
entender que as sociedades mais isoladas têm um ritmo de mudança menos acelerado do que
os de uma sociedade complexa, atingida por sucessivas inovações tecnológicas. Esse ritmo
decorre do fato de que a sociedade não está satisfeita com muitas de suas respostas ao meio e
que não são resolvidas por suas soluções tradicionais.

Neste contexto, Larraia faz referência ao manifesto sobre aculturação, resultado


de um seminário realizado na Universidade de Stanford, em 1953. Ali, os autores do
documento afirmaram que qualquer sistema cultural está num contínuo processo de
modificação. “Assim sendo, a mudança é inculcada pelo contato e não representa um salto de
um estado estático para um dinâmico mas, antes, a passagem de uma espécie de mudança para
outra. O contato, muitas vezes, estimula a mudança mais brusca, geral e rápida do que as
forças internas".
Podemos agora afirmar que existem dois tipos de mudança cultural: uma que é
interna, resultante da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado
do contato de um sistema cultural com um outro. É praticamente impossível imaginar a
existência de um sistema cultural que seja afetado apenas pela mudança interna. Isto somente
seria possível no caso, quase absurdo, de um povo totalmente isolado dos demais. Por isto, a
mudança proveniente de causas externas mereceu sempre uma grande atenção por parte dos
antropólogos. Para atendê-la foi necessário o desenvolvimento de um esquema conceitual
específico. Surge, então, o conceito de aculturação.

Aí meu filho hoje tá na escola e eu faço questão que ele vá. Se ele não quer ir eu faço
ele ir à força. Aí as meninas hoje também vão pra escola, só que a gente pede prá
não se misturar muito, prá não aprender muita coisa. Nós temos nossa tradição, eles
têm outra. Cada um com a sua vida, claro, cada um com seu modo de viver. Cê vai
brincar, vai conviver com as crianças, nada do que você aprender lá você não vai
trazer prá aqui. O que você vai trazer prá aqui é o seu lápis e o seu caderno, seu
dever de casa. O que você ouviu lá, porque na escola ouve muita coisa, fala muita
coisa, aprende muito palavriado diferente, então eu falo oh! Isso vai ficar lá, não
vem prá aqui não, as crianças vão aprendendo, vão aprendendo a conviver
entendeu?(Prama)

As culturas nunca são homogêneas quando explicam as crenças e o


comportamento das pessoas. Generalizações levaram Larraia (2001) a afirmar que as culturas
nunca são estáticas. Elas geralmente são influenciadas por outros grupos humanos à sua volta
e, na maior parte dos lugares, estão em constante processo de adaptação e de mudança.

Antigamente, as meninas não iam prá escola, nem os meninos, entendeu? No meio
dos meninos era difícil de acontecer. No meio de trinta crianças tinha dois que ia,
entendeu? Porque aquela família brigava prá poder aquele filho ir porque não era
permitido. Aí hoje, como o mundo evoluiu muito, os meninos sempre estão na
escola, hoje pra nós é lei a criança tá na escola, entendeu? Ela eu não deixei, chegou
ir, porque eu não fui, minha mãe não deixou eu ir e quando eu ganhei também eu
era nova, então eu fui pela decisão da minha mãe.(Prama)
Aí hoje ela não vai mais porque também ela não quer mais; casou, tem filho, não
quer ir mais, mas se ela tivesse solteira hoje eu queria ela na escola; só que o que
passou prá mim eu achei que tinha que criar ela assim. Só que o tempo vai mudando
e cê vai pensando diferente. (Prama)

A geração atual do grupo estudado entende que não há necessidade da


preservação cultural em detrimento da proibição da instrução escolar. Ao contrário, com a
evolução do mundo, as demandas da atualidade requerem que os indivíduos tenham instrução
para conquistar seu espaço no mundo. Tais mudanças se sobrepõem ao receio de aculturação,
mas não implicam no abandono das práticas e costumes. As crianças de hoje recebem
incentivo das mães para ir à escola com o compromisso de preservar seus valores, hábitos e
aprendizado cultural.
Larraia (2001) entende, por sua vez, que cada sistema cultural está sempre em
mudança. Entender esta dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e
evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a
humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessario
saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único
procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável
mundo novo do porvir.

Após os estágios de observação, participação e aproximação da cultura cigana,


percebemos que o período reprodutivo da mulher é cercado de singularidades. Identifiquei
nesta fase um período repleto de peculiaridades culturais.

Os significados que são dados aos fenômenos fisiológicos, como o ciclo


menstrual, por exemplo, são dotados de significados culturais que influenciam o
comportamento das mulheres ciganas.

Para Helman (2009), a menstruação é um processo normal da fisiologia feminina,


da menarca até a menopausa. Contudo, muitas vezes, é cercado de vários tabus e condutas
especiais, criados para proteger simbolicamente a mulher menstruada do mal durante esse
período vulnerável. Eles existem também para proteger o homem contra o perigoso poder
poluidor do sangue menstrual.

Em dias que a gente tá na menstruação, assim, a gente procura,assim evitar


fazer as coisas. É, geralmente as ciganas não cozinha nesse dia né? Essas coisas
de resguardo, entendeu? (Shon)

Prá fazer assim alguns trabalhos espirituais tipo assim, fazer algum trabalho prá
reza de criança, também não é feito, entendeu? Que é um dia que a gente tá
impura mesmo, é uma coisa negativa prá mulher. O homem também não encosta
na gente, tem repulsa. (Shon)

Já a confirmação de uma gestação e a chegada de uma nova criança são encaradas


de forma positiva. O nascimento de uma criança cigana é uma alegria e motivo de festa.
Afinal, trata-se de um mecanismo de perpetuação da etnia.

A continuidade da raça é a maior alegria pro cigano, continuidade da raça, né?


(Shon)

Segundo Larraia (2001), a maior parte das sociedades humanas permite uma
participação mais ampla na vida cultural aos elementos do sexo masculino.
De acordo com Torres (2004), em qualquer grupo cigano, é grande a alegria
contida no nascimento de uma criança porque, como já foi dito, ela é considerada a
continuação do povo. Para a família, é da maior importância quando o primogênito do casal é
homem, pois com ele o pai ganha autoridade e prestígio.

Os meninos são mais bem vistos dentro do acampamento cigano. Quer dizer,
todo homem gosta quando a mulher tá esperando um filho homem né?
Geralmente faz uma festa, a menina já não é tão bem aceita, né? A gente gosta,
eu jamais por filho nenhum, mas geralmente quando nasce um filho homem a
festa é maior. (Shon)

Ao dar à luz um filho primogênito homem, a mulher cigana muda sua posição
dentro do clã, deixando de ser considerada nora, e ganha privilégios iguais aos das ciganas
mais velhas.

De acordo com Moraes e Rabinovich (2010), uma das maiores transições


humanas é a maternidade. Etimologicamente, ela significa ir através, e é nesse sentido que a
mulher, ao se tornar mãe, re-significa seu lugar no mundo, adquirindo, ao mesmo tempo, uma
nova identidade. Esta ressignificação se estende à família e ao novo ser, ao qual é atribuído
um significado único.

Para Donoso (2006), os diferentes padrões de ética e estética, as crenças religiosas


e os costumes vigentes em determinadas épocas e locais, historicamente impuseram às
crianças, principalmente as do sexo feminino, realidades nem sempre justas.

A saúde da mulher cigana, por sua vez, também é um complexo que envolve o
cuidado popular e cultural. No que se refere ao período gravídico gestacional, observa-se uma
mudança no modelo de assistência com o passar das gerações.

Nas gerações anteriores, a suspeita e o diagnóstico de gravidez eram baseados


apenas no empirismo deflagrado pela experiência das mulheres ciganas mais velhas – que
reconheciam os sinais e sintomas ocasionados pela gestação. Assim como os cuidados com as
gestantes demandavam as orientações das ciganas mais velhas, seguindo um fluxo
transgeracional, as condutas e os programas pré-natais disponíveis nos dias de hoje parecem
não ter atingido as gerações anteriores. Nas gerações atuais, é comum que a suspeita de
gestação esteja ainda relacionada a alguns sintomas manifestados pelas mulheres. Há, no
entanto, uma procura pelo setor profissional para a busca do diagnóstico desta condição. Os
três depoimentos a seguir explicam:

Geralmente, como é que a gente sabe que tá grávida? Eu senti que eu tava
grávida do meu primeiro filho, tinha certeza que eu tava grávida. Um mês depois
eu fui fazer exame, foi bater e valer, eu senti de alguma forma, não sei te dizer
como, mas descobri. Geralmente a gente sente pelo mal estar, né? Mal estar
normal como qualquer mulher. (Shon)
Depois, confirma gravidez no médico. Porque os ciganos agora estão fazendo pré-
natal. Antigamente não fazia não, minha mãe nunca fez um pré-natal. Mas hoje
em dia, até porque têm muita cigana tendo problema de parto, né? (Shon)
Antigamente era com boa alimentação; a cigana comia bem tudo, comia de tudo,
hoje em dia não é mais, com médico mesmo. (Shon)

Assim como o diagnóstico de gravidez era baseado nos sintomas apresentados, as


medidas utilizadas para diminuí-los eram baseadas em crenças, manobras e manejos culturais.
No próximo depoimento a cigana informa os recursos de que dispunha para remediar o mal
estar causado pela gestação.

A mulher cigana, quando ela tá grávida, ela tem muito mal estar e enjoo; na
minha família, a gente costuma cruzar o homem dormindo, ele dormindo no
chão, eu fiz assim ó! (neste momento demostrou dando um passo como se
estivesse dando um passo por cima do marido); todo negócio que eu sentia, enjoo,
passa tudo pra ele. Toda vez que eu senti enjoo passou tudo pra ele, é bater e
valer. Ele falou “eu tô passando mal,” não sei o quê. Eu dizia “eu não tô sentido
nada” (risos). (Shon)

O episódio mais rico no dia a dia das mulheres ciganas é a participação das
gerações anteriores na assistência ao parto. Essas mulheres, que têm vínculo familiar com a
gestante, são reconhecidas como parteiras.

Para Helman (2009), em quase todas as culturas, a maior parte da assistência


primaria à saúde ocorre dentro da família, no setor informal. As mulheres, mães e avós, são as
principais responsáveis pela assistência à saúde. No chamado setor popular, elas
desempenham um papel central. Não raro são olhadas como sábias, curandeiras e assistentes
tradicionais do parto. E acabam assumindo a maior parte do atendimento obstétrico em vários
países.

Segundo Torres (2004), a organização hierárquica dos clãs designa que as avós,
enquanto membros da família, sejam responsáveis pela transmissão de ensinamentos sobre
magia, uso de ervas e pelo cuidado das mulheres grávidas. As gestantes ciganas são cercadas
de cuidados místicos para que a mãe tenha uma boa hora (parto), a criança nasça bonita e a
mulher fique bela após o parto.

Os partos da minha mãe foram tudo feito com parteira que foi minha avó,
lá no interior da Paraíba; dentro da barraca, então era feito assim: os homens
saíam todos do lugar, ficavam só as mulheres, né? Nisso é feito. (Shon)
Na opinião de Araújo e Moura (2004), o papel da mãe, o processo de gravidez e o
parto são construídos social e historicamente.

Observamos ao longo da pesquisa uma tendência pela procura do parto cesáreo


entre as mulheres da última geração. O fenômeno pode estar relacionado com a melhoria das
condições financeiras da família, até porque os partos em questão aconteceram na rede
privada. Outro fator é o medo e a fuga da dor natural no parto normal. Depreende-se, assim,
que os cuidados com as gestantes ciganas são repletos de influências culturais, tanto as
exercidas pelas mulheres mais velhas quanto pelos ditames de saúde institucionais.
Chamamos a isso, aqui, de plurarismo de cuidados.

Estudos realizados por Zola, citados por Helmam (2009), buscam compreender as
razões pelas quais os indivíduos procuram assistência profissional médica. Denominado de
“Caminhos que conduzem ao médico”, o trabalho alinhava uma série de fatores relacionados
a esta procura – entre ele a disponibilidade da assistência, a capacidade financeira de arcar
com custos, o fracasso ou sucesso de tratamento nos setores familiar ou popular e a maneira
como o paciente e as outras pessoas ao redor percebem o problema.
No processo saúde e doença, a definição de quais sintomas são considerados normais e
anormais é arbitrária e escapa ao controle do paciente e de seus familiares. Para Zola, tais
definições dependem de quão comumente determinado sintoma ocorre na sociedade e de
como ele se encaixa nos principais valores daquela sociedade ou grupo.
Ao abordarmos as questões relativas ao parto das depoentes podemos observar
mudanças ocorridas de uma geração para outra, na escolha do tipo de parto. Tais alterações
ocorreram desde a primeira geração, quando os partos eram realizados por ciganas parteiras
dentro das barracas.
A segunda geração optou pelo ambiente de parto hospitalar em unidades de saúde.
Já na geração atual, chamada neste estudo de terceira geração, duas ciganas
programaram o parto cesariana na rede privada. A escolha vai ao encontro dos fatores
apontados por Zola: a grande disponibilidade de assistência em rede privada e a opção do
parto cesariana, a disponibilidade financeira do pai e da família e a percepção que a gestante e
familiares têm de que o sintoma de dor é ocasionado pelo processo de parturição.
Segundo Vadeboncoeur (2012), no Brasil, cada vez mais mulheres dão à luz por
cesariana. Em 2010, mais de uma mulher a cada duas foram submetidas a este procedimento
(taxa em 2010 52%). Isso transformou nos transformou em um dos países que têm as taxas
mais altas de cesarianas. Acredita-se que, muitas das vezes, isso ocorre porque as mulheres
brasileiras pedem, em sua maioria, para realizar uma cesariana. A autora cita uma pesquisa
segundo a qual fatores não obstétricos têm sido, há muito tempo, amplamente associados à
cesariana, seja aqui ou no resto do mundo. No Brasil, estes fatores estão particularmente
presentes no setor privado. O levantamento indica ainda que o número cada vez maior de
mulheres que fazem cesariana em nosso país contribuiu para um efeito geracional.
Helman (2009) afirma que, especialmente na sociedade ocidental, muitos dos
marcos do ciclo vital (puberdade, menstruação, gravidez, parto, menopausa e até mesmo a
morte) tornaram-se gradativamente mais medicalizados e foram transformados em estados
patológicos em vez de naturais.
Vadeboncoeur (2012) acrescenta que nos últimos anos, algumas mulheres manifestam
o desejo de fazer cesariana porque não passaram pela experiência e tem medo de dar à luz.
Segundo Pimenta e Portinari (1999), citados por Gualda, valores, crenças, atitudes e
comportamentos relativos à dor são adquiridos no processo de aculturação. A família e os
métodos de educação infantil exercem papel fundamental no desenvolvimento de condutas e
expectativas em relação a dor. O aprendizado social e a influência dele decorrente ocorrem
desde a infância na unidade familiar. Quando a criança chora, acusando a dor, esse estímulo
leva a mãe, ou outra pessoa, a procurar uma resposta para atenuar o sofrimento.
Esses autores ressaltam, ainda, que o limiar de dor e sua tolerância são influenciados
por aspectos culturais. Isso se dá na medida em que grupos étnicos distintos podem apresentar
comportamentos semelhantes de expressão da dor, embora os fatores determinantes desta
sensação sejam de natureza diversa dentro de um mesmo grupo. Os indivíduos podem alterar,
assim, seus padrões de comportamento em consonância com o grupo a que pertencem.

Segundo Gualda (2004), a dor de parto, como as demais, é um sintoma que possui um
caráter altamente subjetivo. Por isso, sua avaliação é igualmente problemática para as
mulheres. Estudo realizado na cidade de São Paulo identificou um tema pautado na busca
pela supressão ou, no mínimo, o alívio da dor na assistência obstétrica. A autora ressalta que,
na situação do parto, a dor vivenciada pela mulher tem sua dimensão cultural. “Dar à luz uma
criança nunca é um simples ato fisiológico, mas um evento definido e desenvolvido num
contexto cultural determinado”, argumenta.
De acordo com Ferreira, citado por Gualda (2004), as palavras dor e doença no latim
possuem uma raiz etimológica comum. Isso reforça a “íntima relação que existe entre a dor e
o reconhecimento de um estado mórbido”. A situação de parto, no entanto, é uma das poucas,
se não a única, em que a presença da dor não é indicativo de enfermidade.
Apesar da dor de parto ser um sintoma fisiológico das contrações uterinas, as mulheres
recebem informação deste evento de forma pejorativa e estas informações induzem
sentimentos de medo.
Gualda (2004) faz referencia a um estudo em que as expectativas das mulheres em
relação a dor de parto e as lembranças das puérperas sobre o tema datavam não apenas de suas
experiências, mas do período da infância, adolescência ou, no máximo, do período
gestacional. O acesso a informações sobre o tema, durante a infância e a adolescência no
contexto da experiência de dar à luz, na prática potencializa a intensidade das sensações
dolorosas.
Para Gualda (2004), a gestação é a fase durante a qual a mulher recebe uma maior
carga de informações sobre o parto. A dor de parto, então, ganha destaque e essa sensação, é
reforçada por outras mulheres com quem ela mantém laços de parentesco ou amizade. As
informações dadas às gestantes são passadas com alta carga de negatividade e geram
sentimentos igualmente de temor, ansiedade, incredulidade e, principalmente, de medo.
O pai não queria que ela sentisse dor (risos). Ela ficou grávida lá em Minas, aí o
meu marido foi lá, buscou ela e o marido dela, trouxe prá aqui; aí aqui a gente
pagou cesárea, pagou o quarto particular, tudo certinho prá ela, porque ela é
uma criança, é de menor, nós fica com medo dela sentir dor porque ela é muito
medrosa.(Prama)

Eu tenho medo e eu não gosto de sentir dor não, eu tenho medo de sentir dor, aí a
cesárea a gente não sente dor não; corta a barriga, toma remédio aí melhora
rapidinho, aí eu quis ter cesárea. Eu pedi pro meu pai, que eu não queria ter
normal, eu queria ....(pausa), meu pai desembolsar um bocado de grana , prá
fazer cesárea. (Thierain)

Com relação ao processo do parto e suas expectativas, Gualda (2004) constata a


existência de uma variedade de sentimentos. O autor destaca a conotação negativa, em
especial o medo, o que conduz a mulher, com frequência, a elevar seus pensamentos em Deus
e outras divindades. Nessas situações fica implícito o desejo de que o parto transcorra sem
anormalidades e a criança nasça em boas condições de saúde.

No próximo depoimento, prestado por gestante que participou de rotinas pré-natal


e parto em ambiente hospitalar privado, podemos perceber a influência cultural religiosa que
parece reger e sustentar todos os processos.

É, mediu a barriga quando eu fui ter neném; a Shon mediu minha barriga com a
fita, mediu prá poder colocar nos pés da Nossa Senhora Aparecida, que a gente
tem muita fé nela prá poder dá tudo bem na gestação, na hora de ganhar lá tá
tudo bem. (Thierain)

Destacamos aqui ainda o uso de substâncias naturais para tratamento de saúde e


cuidados com a mulher cigana. A utilização das ervas como medicamentos, por exemplo, está
relacionada aos setores popular e informal, sendo estas práticas também transmitidas
transgeracionalmente.

Segundo Torres (2004), a avó ensina a magia, o uso de ervas e cuida das mulheres
grávidas do clã.

Nos depoimentos que vêm a seguir encontramos a utilização das ervas como
tratamento para complicações obstétricas e para infertilidade.

Aí, no caso, eu né? Que eu tive algumas inflamações depois porque eu não tive
um resguardo direito por causa até da doença dele; eu fui tratada com quixaba,
durante três meses, quixaba, a gente toma ela e aplica, né! isso prá colocar o
útero no lugar, prá cicatrizar, porque eu tive um parto com ferro, tirado a ferro,
então rasgou o útero todinho; eu tive uma ferida que tomava o útero todo.
(Shon)
Tem uma que é prá ficar grávida, tem uma que a gente toma prá gestação vir
mais rápido; a mulher que tem dificuldade de pegar filho aí pega mais rápido; eu
vou lembrar, e vou passar tudo prá vocês, que a gente usa, toma durante um mês,
aí a mulher engravida, entendeu? (Shon)
E geralmente é difícil uma mulher cigana não engravidar; todas elas são férteis,
né? Raramente cê vê uma cigana sem filho, não existe né, praticamente não tem,
entendeu? (Shon)

Segundo Natasha (2005), a tradição do povo cigano orienta que os mais velhos sempre
ensinem suas doutrinas e seus rituais para os mais novos.

Aí minha avó falou assim: não, cê vai ser tratada com quixaba, então fazia.
(Shon)
Até hoje minha mãe só lida com ervas, minha mãe tá com 88 anos, até hoje ela só
toma ervas, entendeu? Ela hoje é diabética e todo tratamento dela é feito com
ervas e ela nunca amputou um dedo; pata de vaca que ela toma que é pra
diabete né, pata de vaca, tem vários. (Shon)
Minha mãe, ela tem 88 anos, nunca fez um pré-natal e, até hoje, ela tem o útero;
nunca teve mioma, nunca teve nada dessas doenças normais que os brasileiros
têm aí; ela não tem não, tudo dela é direitinho, com 88 anos, só se tratando com
ervas. (Shon)
Eu tinha uma ferida que tava circulando o útero; você é enfermeira, cê sabe disso
né? circulava e o médico falou assim que, se não fosse tratado, poderia dar
câncer, tratei durante três meses certinho; a ferida saiu tudinho, inteirinha
assim, pela vagina assim, saiu um calor muito grande, depois aquilo é expulso e
depois eu fui fazer uma ultrassonografia e tava tudo ok; não tive mais nada.
(Shon)
Não tomava nada, quando eu tava doente ela me dava remédio, chá de mato prá
eu poder tomar. (Thierain)
Quando eu tava com dor de dente, ela colocava alho pra puxar a dor de dente,
prá poder parar de doer, que não pode dor de dente quando tá grávida.
(Thierain)
Quando tá grávida não pode tomar anestesia de dente, aí ela me dava, colocava
alho para poder puxar a dor. Quando o neném tava sentindo dor de cólica ela
deu tipo erva doce, erva doce torrada, ela torrou, e deu pra ele tomar, pra dor de
cólica. (Thierain)

Segundo Helman (2009), todas as culturas compartilham crenças sobre a vulnerabilidade da


mãe e do feto durante a gravidez, o que pode se estender por todo o período do pós parto e da
lactação. Na maioria das culturas, acredita-se que o comportamento da mãe – dieta, atividade
física, estado mental, comportamento moral, consumo de bebida, drogas ou tabaco – pode
afetar diretamente a fisiologia da reprodução e causar dano à criança ao nascer. No caso de
estados fisiológicos especiais, como a gravidez, lactação e menstruação, certos alimentos são,
algumas vezes, evitados ou então receitados para ajudar no processo fisiológico.

A minha mãe me passou e eu passei pra elas: uma cigana, quando ela tá grávida,
prá nós, cá pra nós, ela não pode passar vontade das coisas senão o neném não
nasce bem; nasce fraco, não nasce com saúde, se a mãe passar vontade de comer
as coisas. Passar necessidade de comer, vamos dizer assim. Se quando ganha o
neném, a cigana que ganha o neném tem certas comidas que não come; não come
peixe durante dois meses, não come peixe, não come cebola, não come pele de
galinha e não chupa laranja, não come. (Prama)

Ainda de acordo com Helman (2009), em algumas sociedades, as dietas especiais são
vistas como forma de remédio para certas doenças ou certos estados psicológicos. Para o
autor, a comida não é apenas uma fonte de nutrição. Em todas as sociedades humanas ela tem
muitos papéis e está profundamente entrelaçada aos aspectos sociais, religiosos e econômicos
do dia-a-dia.

A minha mãe disse prá mim que faz mal, disse que a laranja faz o rosto ficar
cheio de manchinha; a pele de galinha faz o corpo ficar cheio de caroço; o bife de
fígado faz o rosto ficar cheio de mancha preta, a testa fica preta, tudo preto,
aquelas mancha que dá quando as mulheres ganham neném, porque as cigana
em si são muito vaidosa. (Prama)
Entendeu? Mesmo que elas não estão bonitas, mas elas acham que estão, então
elas querem assim, entendeu? Aí, as ciganas quando parem, bebe quando têm
parto normal claro, aí tem um próprio chá que as ciganas fazem com cachaça,
com gengibre, com açúcar prá poder elas tomar, prá poder limpar por dentro;
quando elas têm neném no parto normal, mesmo que ganhe no hospital, mas
quando chega em casa, da família quem é mais velha, ela já faz, pode ser a mãe
ou a sogra faz aquele remédio; tem uma outra garrafinha de água assim, também
que eu esqueci, que essa cê já compra na farmácia, entendeu, uma água inglesa;
aí, cigana sempre bebe depois que tem neném, prá poder limpar por dentro que
as cigana fala que isso é muito bom, que ajuda; aí, quando faz cesárea, aí bebe
chá de algodão prá poder melhorar por dentro, prá poder dá limpeza que não
deixa dar infecção. (Prama)
Você já viu um pé de algodão? É uma árvore que dá algodão. Aí pega aquela
folha daquela árvore e põe prá cozinhar, prá poder tomar banho, prá beber e
tira a infecção, tira tudo, é um chá, folha de algodão, é um chá, ele é antibiótico,
pra infecção, tira toda infecção; prás mulheres que parem é muito bom porque
limpa tudo por dentro; aprendi isso com a minha mãe e ensinei prá minha filha,
tudo o que a minha mãe fez pra mim eu fiz pra elas. (Prama)

A partir dos depoimentos aqui reproduzidos foi possível identificar aspectos


relacionados aos saberes e às práticas culturais das mulheres ciganas. Entre eles, os fatores
relacionados a união matrimonial. Os casamentos, sabemos, têm sua origem na fase de
adolescência, durante a qual prevalece uma estrutura conservadora. Não há relacionamento
antes do casamento, os cônjuges são escolhidos pelas famílias dos noivos e a união deve ser
selada apenas entre ciganos. Destacamos ainda um certo distanciamento cultural, marcado
pela proibição que impede as crianças de frequentar a escola. A intenção, aqui, é clara: evitar
processos de aculturação. Presente nas gerações passadas, esse distanciamento vem sendo
atenuado nas mais recentes. Hoje, as crianças são estimuladas a frequentar escolas. O
fantasma da convivência com outras culturas, no entanto, ainda persiste, pois elas (as
crianças) são orientadas a preservar seus saberes e tradições.

No que se refere à saúde da mulher (no período reprodutivo), observamos que esta
fase é cercada por comportamentos e modos de vida baseados em crenças que perpassam
pelos setores popular, informal e profissional. Um ponto a destacar é o período menstrual da
mulher cigana, durante o qual não é a ela permitido executar funções domésticas e se
relacionar sexualmente. É que neste período a mulher é considerada impura. Já com relação
ao diagnóstico de gestação das ciganas, observa-se, notadamente nas gerações anteriores, que
a gravidez era identificada de forma empírica. A comunidade baseava-se em sintomas comuns
a este período. Não havia pré-natal ou qualquer outra assistência profissional. Os cuidados
com as gestantes e os partos eram restritos aos setores informal e popular. Constatamos, no
entanto, com o decorrer dos anos, o surgimento da interferência profissional. Essa
transformação pode ser vista com clareza no comportamento da geração atual. Hoje em dia,
tanto o diagnóstico da gestação, as rotinas pré-natais e o parto ocorrem no âmbito
profissional. Até mesmo entre os grupos mais tradicionais, depositários da tradição,
encontramos membros da geração atual submetendo-se ao parto cirúrgico cesáreo. Outro
ponto a destacar no setor popular e informal é a preservação do uso de ervas para o
tratamento do trato ginecológico - principalmente na fase de puerpério. Exemplo claro de uma
perspectiva transgeracional baseada nos ensinamentos transmitidos pelas mulheres mais
velhas do grupo.
CAPÍTULO IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo em questão demonstra como os saberes e práticas culturais das mulheres


influenciam o cuidado com as mulheres e crianças ciganas. Sob uma proposta transcultural
sugerida pela teorista Madeleine Leininger, o trabalho procurou identificar a íntima relação
entre o cuidado e a cultura. Nossa pesquisa, assim, dá margem e abre espaço para a projeção
de futuras estratégias voltadas para o cuidado cultural coerente.

Foto autorizada
Figura 16 - Família hospitaleira se despedindo ao final de um dia de coleta de dados.

No decorrer do estudo identificamos, no universo pesquisado, a ocorrência do enlace


matrimonial e o exercício da maternidade na fase de adolescência das mulheres. A mãe
adolescente, no caso das comunidades ciganas, é a figura central do cuidado com os filhos.
Não podemos deixar de destacar também o apoio prestado pelas demais mulheres da família -
como as avós, tias e bisavós. Todas, sem exceção, seguem a perspectiva transgeracional -
tanto para o cuidado com as crianças ciganas como na atenção prestada às mulheres em seu
período reprodutivo. Desnecessário enfatizar, a transgeracionalidade é um elemento marcante
entre os ciganos devido ao respeito creditado aos saberes dos membros mais experientes da
família.

Percebemos também um certo receio inicial, por parte dos ciganos, quando
procuramos fazer as entrevistas. Uma reação natural. A receptividade, no entanto, mudou
significativamente tão logo eles perceberam os objetivos de nosso estudo. Tal sentimento de
desconfiança, sabemos, está relacionado às ações discriminatórias e preconceituosas vividas
por seus antepassados e que acompanham os ciganos até os dias atuais.

Foi possível notar, aliás, que o grupo social estudado, dada sua instabilidade, tem
medo de passar fome. Não é por outro motivo que o uso de adornos de ouro é muito comum.
O metal, de acordo com sua cultura, contém o potencial simbólico de atrair uma vida farta e
provida. Assim como o banho de prosperidade, constituído de água, mel, flores e peças de
ouro, realizado nas crianças logo após seu nascimento. Aqui, ao ouro é atribuído o poder de
trazer bons presságios às crianças. Paralelamente, e na contramão das tradições, observou-se
alguns processos de aculturação no acampamento visitado. O principal deles é o afastamento
cultural da mais recente geração em relação às mais antigas no que diz respeito à proibição
das crianças frequentarem a escola. O costume antigo contribuiu inclusive para o alto índice
de analfabetismo entre as mulheres ciganas. Hoje, no entanto, uma mudança comportamental
significativa estimula a ida delas ao colégio. Desde que mantenham suas tradições.

Detectou-se uma predominância do cuidado dentro dos setores popular e informal nas
gerações anteriores e a presença do cuidado profissional ganhando maior proporção nas
gerações atuais. Deste confronto dialético floresceu uma tendência clara de procura pelo setor
profissional publico e até privado. Isso é percebido diante do comportamento das mulheres
mais jovens. Atualmente, a opção de parto escolhida pelas mulheres e a família é a cesariana,
ainda que elas vivam num contexto cultural crivado pela preservação de suas tradições.

É interessante aqui não só localizar o ponto de partida deste estudo, mas rever nossos
objetivos. Ele se originou de um olhar respeitoso e desprovido de preconceito sobre o
encontro de uma cultura tradicional e outro grupo com diferentes modos de vida. Foi
gratificante identificar aspectos sociais preservados por um grupo étnico – como os ciganos
aqui investigados – que não mantém registros escritos de sua cultura e a transmite sempre por
meio da fala. Isso sem levar em conta o fascínio contido nesta prática social de transmitir
apenas verbalmente valores elevados como o cumprimento de normas, o cuidado humano e o
respeito ao idoso e a criança. Conhecer os saberes e as práticas culturais das mulheres ciganas,
e relacioná-los ao processo saúde e doença, nos permite antever a possibilidade de uma nova
prática social no futuro. Abre-se no horizonte, assim, uma janela para um cuidado
culturalmente mais coerente.
O levantamento de algumas questões a serem consideradas relevantes, como o
desmame precoce, as manobras de manejo com o coto umbilical e a tendência da inclinação a
opção pelo parto cesáreo, surgem, portanto, como propostas de uma interseção entre os
cuidados popular e profissional do enfermeiro. E essa convivência saudável pode viabilizar
novos estudos de Etno-Enfermagem.
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CIGANO. 2005 Revista Trilhos – Revista da Faculdade do Sudeste Goiano. V.3, n. 3, p. 95-
109.
APÊNDICES
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Sr.(ª) _________________________________________________________________, estamos Prezada
desenvolvendo um estudo intitulado: Valores culturais que influenciam o cuidado materno infantil nas
comunidades ciganas, com os objetivos de: Conhecer os significados, expressões, padrões e experiência de
vida das mulheres ciganas e a influência do autocuidado durante o período reprodutivo (gestação e
puerpério) e o cuidado com o recém-nascido, discutir os saberes e as práticas culturais da mulher cigana
com relação ao seu autocuidado (gestação e puerpério) e cuidado do recém-nascido e a influência na saúde
e na doença e propor decisões e ações do cuidado cultural na perspectiva da Teoria do Cuidado Cultural,
coerente a realidade cigana, neste sentido gostaríamos de utilizar as informações obtidas a partir de uma
entrevista onde você poderá falar sobre sua história vida.
Este estudo tem apenas fins científicos e visa contribuir para que haja melhoria das ações de
cuidado cultural coerentes a realidade cigana. Para tanto, é de grande importância a sua participação.
Esclarecemos que nesta pesquisa, não haverá riscos, desconfortos, gastos, nem remuneração para
você, que possui a liberdade, a qualquer momento, de retirar o consentimento e deixar de participar do
estudo. Será utilizado um codinome a fim de garantir que o seu nome não seja revelado. As entrevistas
serão gravadas e posteriormente transcritas para serem analisadas. Sempre que desejar, estaremos
esclarecendo qualquer dúvida sobre o projeto e outros assuntos relacionados com a pesquisa, entrando em
contato com a Prof. Dra. Leila Rangel da Silva ou com a enfermeira Monik Nowotny Gomes, em horário
comercial, pelos telefones (21) 2542-7101 (Dra. Leila) ou 22644541 (Enf. Monik).
Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o
Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
(UNIRIO).
Para afirmarmos a sua compreensão em relação a este convite e seu interesse em contribuir para
realização desta pesquisa, em concordância com a Resolução 196/96 – CNS, que regulamenta a realização
de pesquisas envolvendo seres humanos, é fundamental a sua assinatura neste consentimento informado.
Agradecemos sua atenção.
Rio de Janeiro, ____ de _____________ de 2012.
Eu, _______________________________________, RG n. _________________, após a leitura deste
consentimento, confirmo meu interesse em participar desta pesquisa,

_________________________________

Assinatura da Depoente

Enfermeira: Monik Nowotny Gomes Profª Drª Leila Rangel da Silva


Rua: Mariz e Barros 775,Tijuca NuPEEMC / DEMI / EEAP / UNIRIO
Tel.: 2264-4541 Tel:2542-7101 – Dep. Enf. Materno-Infantil
Email: moniknowotnygomes@gmail.com
Email: rangel.leila@gmail.com.br

Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos –CEP- UNIRIO


UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, PROPG
Av. Pasteur, 296, Urca – Tel. 21-2542-7796
Cep-unirio@unirio.br e cep.unirio09@gmail.com
Formulário do perfil sócio-econômico-cultural

Tanguá, de de Hora:
Nome: Idade:
Naturalidade:
Nº filhos vivos:
Nº filhos adotivos:
Idade no primeiro parto:
Nº abortos:
Quem cuida do filho?
Perfil Sócio-Econômico-Cultural
Possui luz na residência?
Possui água na residência?
Qual a forma de transporte?
Possui eletrodomésticos?
Como é feita a coleta de lixo na comunidade?
Religião e filosofia
Em que religião foi criada?
Qual religião pratica agora?
Companheirismo e sociais
Vive com alguém? Há quanto tempo?
Modos de vida
Quem mora na sua casa?
Como é a casa?
Possui banheiro dentro de casa?
Local onde dorme?
Hábito diurno?
Hábito noturno?
Possui animal de estimação?
Políticos e legais
Qual o líder político?
Sistema de escolha de liderança local?
Econômicos
Você trabalha? Fonte de renda?
Educacionais?
Você estudou?
Frequentou a escola até quando?
Interrompeu os estudos por quê?
ANEXOS

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