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ANTROPÓLOGOS INDÍGENAS DENTRO DA ANTROPOLOGIA BRASILEIRA

Integrantes: Ajeji Dias Santos, Marco Antonio Silva Pinterich, Maria Eduarda da Silva Jana, Isabelly Narciso Alves
Silva

1. Problemáticas acerca da construção da antropologia sobre os povos originários


no Brasil
A antropologia enquanto área de pesquisa acadêmica se constitui no berço da
expansão capitalista marcada pela invasão de países Europeus aos mais diversos territórios,
tendo assim contato com diferentes povos com suas próprias formas de ler a realidade. Esse
processo de contato com o outro trouxe junto a si questões de ordem epistemológicas e
ontológicas, onde os estudos ocorriam, por serem frutos de uma expansão mercantil, em
colônias de países Europeus, sendo marcados por esse processo, como podemos observar nos
primeiros estudos na Oceania, e demais estudos em África, locais invadidos por potências
europeias como França e Reino Unido.
Esse mesmo processo ocorreu na América Latina como um todo, ainda que os
estudos propriamente antropológicos e acadêmicos fossem acontecer tempos depois que os
estudos nos demais continentes, relatos de viajantes e jesuítas por muitas vezes estigmatizam
e por muito tempo foram o principal material para estudo de povos indígenas na América
Latina, podendo citar o caso do sangue Yanomami na década de 1960 ou os relatos de Hans
Staden sobre a antropofagia entre os Tupinambá, – dois momentos significativos que serão
melhor detalhados no decorrer do texto – fatos esses que estigmatizam diversos povos e estão
até hoje presentes no imaginário coletivo.

1.1 - Os Brancos e os Povos Indígenas no Brasil: Relato sobre “Canibalismo”


Tupinambá e o caso do ‘sangue Yanomami’
O processo de contato dos povos indígenas com os brancos1 foi genocida, por meio
das brigadas portuguesas que adentravam a costa da América, e um epistemicídio por meio
dos jesuítas que tentavam cristianizar os povos que viviam – e ainda vivem – em terras
brasileiras. Porém foi com Hans Staden que se criou o que temos de imaginário hoje sobre a
antropofagia dentro dos Tupinambá, o homem alemão que conta em sua história que tinha
uma intenção de ir às Índias e ao chegar no porto de Lisboa se deparou com a saída de navios
apenas para a costa da américa portuguesa, onde, ao chegar em terras brasileiras, foi
"capturado" pelos Tupinambá e foi mantido junto a eles por 9 meses até que fosse liberado e
1
Aqui a ideia de brancos funciona no sentido colocado por Davi Kopenawa no livro “A Queda do
Céu”. Assim a ideia de “branco” funciona em posição contrária à ideia geral de "índio", sendo branco
todos aqueles não-indígenas nascidos no ocidente.
escrevesse o livro “História Verdadeira de Staden”, famoso pelo os relatos de antropofagia
dos Tupinambá e por não ser um relato oficial, mas sim um relato autobiográfico e pessoal,
uma vez que Staden não era cronista ou escrivão do navio onde estava. Deste modo, o Livro
de Staden e todos os relatos que deu posteriormente sobre esse processo causaram um grande
impacto, reforçando a imagem do selvagem como um ser violento e que não era dotado da
razão. É claro que a “representação do nativo esteve ligada à visão de mundo do viajante”
(SILVA, 2012, p.89) e com isso a escrita da enfoque no que causa o choque cultural, deste
modo o "canibalismo", remonta e reafirma um estereótipo racista sobre estes povos.
Outro momento marcante que ressalta outros tipo de violência causados pela
colonização e que deixaram fortes marcas no imaginário em relação a povos originários no
Brasil é o ‘caso do sangue Yanomami’. Napoleon Chagnon (1938-2019) e James Neel
(1915-2000), respectivamente um antropólogo e um geneticista realizaram uma série de
estudos com os Yanomami por volta do final da década de 1960 com duas finalidades: a
primeira, pelo fato de sua população possuir uma particularidade genética de importância
para uma pesquisa referente à radiação nas populações japonesas afetadas pelas bombas
atômicas, pois eram um grupo extremamente isolado com baixa ou nenhuma exposição à
radiação; e a segunda, por serem considerados como um povo violento, “primitivo” (segundo
Chagnon) e terem uma relativa homogeneidade genética (graças ao forte isolamento), Neel e
Chagnon buscavam estudar e relacionar os aspectos de violência com formulações genéticas,
ou seja, buscavam algo como um “gene da violência”. Este estudo foi patrocinado pela
Fundação de Energia Atômica dos Estados Unidos onde colheram 12 mil amostras de sangue
Yanomami com a finalidade de fazer teste de vacina para o sarampo. Além disso Chagnon foi
autor de filmes e livros sobre a cultura yanomami, como Yanomamö: The Fierce People
(1968), reproduzindo a imagem que se manteria até os anos 80 que os Yanomami era povo
selvagem e violento, por muitas vezes servindo de retórica para o apoio de invasão
garimpeira na região. Para além disso, o próprio sangue ser levado para longe do seu local de
origem gera uma problemática cosmológica onde os restos de um defunto devem ser
enterrados junto o mesmo, pois só esse processo ritual permite com que o defunto deixe esse
plano e não leve mais dos seus consigo, nas palavras de Carlos Zacquini, ex-missionário e
fundador da CCPY (em conjunto com outros ativistas): “[estocar o sangue] não permite ao
defunto se afastar, e, tendo algo dele aqui ele vai voltar para amaldiçoar os vivos” (MARIN,
2004).
2. A Queda do Céu: um estudo antropológico de um xamã yanomami sobre as
sociedades brancas
Davi Kopenawa Yanomami é um xamã e liderança Yanomami com uma trajetória
interétnica, perdendo seus familiares ainda na infância por doenças decorrentes do encontro
com os brancos, viveu de perto o contato com o garimpo desde seu início, trabalhou na Funai,
após conhecer seu sogro chamado de “o grande homem” pelo mesmo, volta a sua iniciação
xamãnica e começa a aparecer midiaticamente em defesa dos direitos indígenas de
demarcação de TI, contra a invasão garimpeira, entre outros infinitos problemas gerados pela
forma como se deu o contato dos brancos com os povos indígenas no Brasil.
Entender essa trajetória é um processo de extrema importância para se compreender
de onde vem a fala de Kopenawa, esse que ficou em contato durante anos com o antropólogo
Bruce Albert, que se tornou muito próximo do autor, pediu ao mesmo para que ele escrevesse
suas palavras e publicasse para que os brancos pudessem ler e entender suas palavras e ideias.
Esse fato vai vir em decorrência do propósito do xamã dentro da cosmologia Yanomami, isso
pois é de extrema importância por colocar que o dever do primeiro xamã dentro da
cosmologia vem em função de defender a humanidade como um todo, não se restringindo
apenas aos Yanomami, nesse processo Davi Kopenawa ganhando uma maior notoriedade no
contexto internacional e viajando o mundo e em decorrência desse contato faz assim uma
reflexão cosmológica específica sobre a sociedade ocidental, trabalhando “como um
antropólogo reverso" ao fazer um diagnóstico de seu tempo, olhando para outra sociedade,
neste caso uma reflexão sobre a sociedade ocidental por meio de uma ontologia outra.

2.1. Uma Reflexão Cosmológica Yanomami sobre o Ocidente: Fala aos Brancos
“Povo da mercadoria”, é assim que Davi Kopenawa define os brancos dentro de sua
fala, esse processo se dá por uma reflexão que encontra amparo cosmológico para se manter,
isso pois dentro do contexto de criação para os Yanomami, existiram assim dois seres de
extrema importância, Omama, criador dos Yanomami, da terra-floresta (urihi) e das palavras
que hoje Kopenawa reproduz aos brancos, e seu irmão Yoasi, deu origem aos brancos, estes
estão atrás – mesmo sem saberem – de algo importante que está por debaixo da terra, o Pai do
Ouro. Essa narrativa toma uma segunda camada quando Davi explica o fato do ouro ser um
agente direto dentro do pensamento Yanomami, esse assim é algo perigoso pois é um ser que
está vivo, sua morte se dá ao “ser queimado”, em decorrência dessa morte o ouro solta seu
sopro vital, ou fumaça do ouro (oru wakixi), sobro esse que é uma fumaça nociva que afeta a
todos, alguns – como os brancos – são afetados de forma a terem que usar óculos para que
possam ver, outros – como os Yanomami – se afetados de formas mais intensas, pois essa
fumaça volta para suas terras, como uma fumaça epidêmica chamada de xawara, que se
alimenta dos Yanomami. O ouro toma assim um duplo local na fala de Davi, se o sol aquece a
terra de dia, o ouro que fica abaixo tem a responsabilidade de aquecê-la de noite, para que
não passe frio, por esse motivo tendo que ser mantido na terra junto com os metais.
Para além disso, os seres da epidemia xawara são os responsáveis por matar e
dizimar em grande parte os Yanomami, para esse fato Davi explica a questão da mercadoria,
isso pois esse serem vem a terra-floresta junto aos brancos, mas não estão atrelados
diretamente com todos os não indígenas, Kopenawa coloca o fato desses seres serem atraídos
pelo cheiro da mercadoria, essa que traz esse seres para floresta (urihi), assim o xamã ao
descrever esses seres os coloca como aparentados aos garimpeiros, e vivem cercado de
mercadorias, e se alimentam da carne Yanomami, principalmente das crianças, dos mais
velhos e mulheres. O maior problema alertado por Davi em relação a esse processo se da com
o fim dos xamãs e da floresta, por meio da fala dos xapiri, Kopenawa coloca que no
momento em que não houver mais xamãs, e a floresta for dizimada na busca por metais, o
céu irá cair, pois o mesmo é segurado pelos metais que estão no solo, deste modo soltando
uma fumaça epidemia capaz de matar toda a humanidade.
A análise de Kopenawa se coloca de maneira muito forte sobre o processo de
acumulação de capital, sobre a necessidade da terra enquanto algo que provem, não por acaso
é colocada sempre como terra-floresta, não é apenas um espaço onde os Yanomami vivem,
essa foi dada por Omama como um ser vivo que irá prover todas suas necessidades, e os
deixaram prosperar bem, mediando a existência de humanos e não humanos um local que em
pode ser lido como necessário ao mundo, o olhar de um xamã como um especialista dentro de
seu modo de viver o mundo.

3. João Paulo Lima Barreto: Uma Antropologia Indígena.


João Paulo Lima Barreto reproduz as primeiras páginas de um texto intitulado “A
natureza, as espécies-pessoa e os humanos na teoria dos índios tukano do noroeste da
Amazônia brasileira”, escrito em 2011, em que expressa as ideias que o autor tinha a respeito
das concepções tukano sobre a organização do cosmos e a relação entre humanos e animais.
É reproduzida a tese de que todos os animais são pessoas (gente) que se diferenciam deles
apenas na forma exterior (como uma roupa), encobrindo uma essência humana.
Após a conclusão do universo e seus fenômenos naturais, Yapa-Oãku e Yepalio
perceberam que a terra recém-nascida se sentia nua, tímida e vergonhosa. Cobriram então de
vegetação, logo após canalizaram a água, dando origem e forma aos rios, lagos e etc. Depois
de construído o ambiente, fizeram aparecer todas as espécies-pessoa, classificando e
distribuindo-as em diferentes domínios e espaços: dita-mahsã, wai-mahsã e os nuhku-mahsã.
- Da classe dita-mahsã participam todas as espécies que dependem do habitat
terrestre;
- Da classe wai-mahsã, todas as espécies que dependem da água ou tiveram na
água sua origem, sua morada ou meio de procriação;
- Da classe nuhku-mahsã, compreende todas as espécies-pessoa que habitam as
árvores da floresta e todas aquelas que fazem da árvore sua moradia ou
extraem da mesma seu alimento.
Todos esses grupos por sua vez se organizam em coletivos mais identificados e
classificados hierarquicamente. Sendo importante ressaltar, que este esquema hierárquico
também é usado entre os povos e as unidades sociais na região do Alto Rio Negro, na
Amazônia.
As espécies em suas formas físicas, morfológicas, são apenas o “invólucro”, a casca
- identificado somente pelos especialistas da comunicação extra-humana - constituindo as
diferentes pessoas habitantes desses distintos ambientes. Essa roupagem dos corpos vivos, foi
a forma encontrada por Yepa-Oãku para oferecer e tornar disponível o alimento para o
consumo dos humanos.
Por mais que estas espécies possuam características morfológicas distintas e se
manifestem de modos específicos, vale lembrar que todas elas são pessoas, portadoras de
atributos antropocêntricos, psicológicos e sociais; são dotadas de intencionalidades, razão,
memória, afetividade, sentimentos etc. A organização é feita em esquemas de parentesco e
hierarquia própria, organização política, social, jurídica, musical, arquitetônica etc idênticos
àqueles das sociedades humanas.
3.1 A trajetória estudantil de João Paulo
Sempre motivado a estudar, o autor era indígena. Seu avô, Ponciano Barreto,
especialista e Yai, conhecido como Ponciano yai, considerado o último grande especialista
tukano da região do rio Tiquié, respeitado pelo seu ofício e procurado por todos da região.
João Paulo ficou sob seus cuidados até os cinco anos de idade, como neto preferido para
assumir o posto do avô quando o mesmo viesse a falecer. Neste período, aprendeu kihti, mas
não pode cumprir o projeto como sucessor por ter sido conduzido à educação dos
missionários pela mãe.
Com o objetivo de superar a condição da família, o autor voltou para o estudo
convencional. Foi dar seguimento nos estudos em um colégio salesiano, em regime de
internato. Enquanto estava no colégio, perdeu o avô e a formação como yai estava
comprometida.
Yai, Kumu e Baya são especialidades essenciais no núcleo social dos povos
indígenas do rio Tiquié. Para se formar em tais especialidades é necessário passar por um
período de formação específica, mas os cuidados começam desde a concepção da criança que
envolve a dieta, acompanhamento do kumu e sua inserção para a vida adulta, conhecido ritual
de iniciação.
João Barreto passou oito anos no internato como aluno do ensino fundamental.
Concluindo, participou de uma seleção de estudantes indígenas feita na região por uma
empresa mineradora. A base era tipo “pré-vestibular”, ou seja, sendo aprovado, iria para a
capital Manaus estudar na Escola de Mineração da empresa, com bolsa integral. Ficando em
primeiro lugar, foi estudar o ensino médio na capital sem antes ter saído das proximidades de
sua região. Após concluir os estudos, volta e é convidado a ministrar as aulas no internato
onde fez seu ensino fundamental. Depois de um tempo, volta a Manaus como seminarista
onde cursa Filosofia, desistindo de ser seminarista por razões pessoais.
Passou alguns anos se aventurando como professor da rede municipal de ensino em
Manaus e logo depois presta novamente o vestibular para Filosofia na UFAM e ingressa pelo
sistemas de cota indigena. Vivendo experiências e desencontros, sobretudo nos confrontos
entre conhecimentos indígenas e científicos.
O autor convivia com crises intelectuais diante da vida acadêmica, principalmente
acerca da validade dos conhecimentos indígenas no contexto onde a objetividade é o motor
de produção de conhecimentos. Vivendo agora com o pai, que o contava sobre os
conhecimentos tukano.
Certo dia, após integrar ao grupo de seminários promovidos pelo Núcleo de Estudos
da Amazônia Indígena (NEAI; onde se discutia a antropologia cruzada e simétrica), João
Barreto questiona o professor Gilton Mendes se era possível “estudar os brancos”, da mesma
forma que se estuda os grupos indígenas. A pergunta foi levada a sério e foi elaborada a ideia
de transformar em projeto de Mestrado. Aos poucos foi se desenvolvendo até ter o projeto
intitulado como: um olhar indígena (tukano) sobre a ciência: uma etnografia no laboratório de
pesquisa de ictiologia no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
Para dar seguimento ao projeto, João Barreto precisaria estudar o branco como da
mesma maneira como os antropólogos fazem com os indígenas. Colocou em prática o
exercício baseado na “teoria indigena” - olhar a prática científica (com peixes) a partir das
balizas do conhecimento tukano.
Durante a pesquisa o autor, depois de ter contato com as teorias antropológicas
percebeu que os povos da Ásia, Melanésia, Nova Guiné e da África possuem um modo de
vida bastante idêntico ao do povo tukano, como as cosmologias, organização social e suas
práticas cotidianas. Deu sequência a pesquisa, desenvolvendo atividades, mesas redondas
para exposições e afins. Percebeu que essa experiência mostrava uma necessidade de
promover uma reflexividade acerca das narrativas para pensar além de dados mitológicos e
de bahsesse para ser inserido no debate antropológico.
Pelo autor ser tukano, existe a vantagem do conhecimento da língua e da cultura
tukana: na maioria das vezes, os informantes indígenas costumam simplificar as noções e os
conceitos mais complexos para facilitar o entendimento do interlocutor; para o autor, isso não
foi um problema. A reflexividade do conteúdo que foi estudado deteve um certo esforço
pensando na parte antropológica - os indígenas não estão acostumados a fazer esse diálogo
com a antropologia. O povo indigena não é estimulado a pensar sobre o próprio
conhecimento, tratando-os na forma de conceito ou teorias. O envolvimento de indígenas nos
projetos e estudos, toma por base a matriz e a metodologia científica, onde os indígenas
aparecem reproduzindo as teorias “de fora para dentro”.
De certa maneira, a proposta do autor de uma “antropologia indígena” não foi dada
pelo fato dele mesmo ser um indigena antropólogo, mas sim porque ele dispõe-se a pensar os
conhecimentos a partir dos conceitos indígenas, os identificando e os colocando em operação
no processo de tradução antropológica.
Começou a pesquisa no INPA e também participou do programa de pós-graduação
em Biologia Aquática Ictiologia e Taxonomia de peixes. Da pesca ao laboratório, sob
condições de observador, a pesquisa centrou-se no peixe, onde ele é o objeto de estudo e um
elemento essencial para a produção de conhecimento.
A abordagem do conhecimento indígena tem sido basicamente de duas maneiras, de
um lado, o ensinamento de bahsesse a um jovem, feito por um velho conhecedor e de outro, a
tradução direta de narrativas míticas de um especialista. No primeiro caso, os velhos são
detentores e disseminadores de kihti e bahsesse, exercendo o ofício de kumuã no seu
cotidiano como agentes preventivos e curadores de enfermidades - na família de João
Barreto, por exemplo, são cinco irmãos, sendo três deles com domínio pleno de
kihti/bahsesse ensinados pelo pai e com outros conhecedores fora do círculo familiar -. No
segundo caso, com a inserção dos povos indígenas no contexto global, com o intuito de
salvaguardar os conhecimentos, os jovens indígenas que sabem falar e compreender
portugues são convocados como tradutores de narrativas míticas, e os velhos kumuã tomados
como informantes.
Em suma, o autor busca investigar algumas narrativas míticas (kihit), centrando-se
entre a concepção destas e a prática de bahsesse. Toma a própria lógica tukana para
compreender o ordenamento do conhecimento e das explicações sobre as origens do cosmos,
das coisas e dos humanos visíveis e invisíveis, sempre querendo ir além da explicação mítica.
O peixe foi escolhido como objeto chave para explorar as complexas relações entre
os humanos e não humanos. A partir deste projeto, foi possível explorar a diferença
fundamental entre wai-mahsã e wai. Os próprios kihti explicam a origem dos seres humanos
invisíveis, aos humanos, dos animais e de todos os elementos da natureza. Eles são, por sua
vez, a própria base da prática de bahsesse (“benzimentos”), ukuse (“oratórias”) e bahsamori
(“cantorias”), sendo portanto, componentes vitais da dinâmica social tukano. Outros
domínios do cosmos, para além da água (terra, floresta e ar), carecem de um inventário
antropológico, de uma reflexividade.
Para concluir, o autor discorre todo o percurso e chega a reflexão que do ponto de
vista dos conhecedores indígenas, o modelo de produção e reprodução do conhecimento
científico não corresponde ao modelo indigena de conhecimento. Todavia, crê que é preciso
investir nesta dimensão de um conhecimento propriamente indigena, que foge do estilo
racional, lógico e explicativo baseado na “epistemologia ocidental”, sendo o caminho talvez
para revelar novos campos de entendimento antropológico e novos métodos de diálogo com o
conhecimento do outro.

4. Conclusão
Para concluir podemos pensar que o protagonismo indigena trazem, junto a sua
ontologia, uma reflexão de outra ordem, que proporciona novos trajetos epistemológicos e
políticos para se pensar o ocidente e sua estrutura, ou até refletir sobre as considerações já
feitas pelo diversos antropólogos sobre comunidades tradicionais, dando ênfase no
contrapondo da perspectiva de João Paulo Lima Barreto com a ideia de Viveiro de Castro
sobre o perspectivismo e multinaturalismo na América indígena (2004), colocando a
diversidade do pensamento indigena, que agregam para novas formas de se pensar o mundo
de forma ampla, passando pelo pensamento xamânico de Kopenawa, ou no resgate
cosmológico de Lima Barreto
BIBLIOGRAFIA
BARRETO, João Paulo Lima. Wai-Mahsã: peixes e humanos. Um ensaio de Antropologia Indígena. 2013. 93 f.
Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus, 2013.

KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Editora Companhia
das Letras, 2015.

NAPËPË. Direção: MARIN, Nadja. Produção: Lente Viva Filmes. São Paulo. 2004. Duração: 40 minutos.
Disponível em: https://vimeo.com/15964569. Acesso realizado em 17 de janeiro de 2023.

SILVA, Andreza Bianca Caxias da. Selvagens, nus, ferozes e canibais: os tupinambás nas representações de
Hans Staden. 2012. 94f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Amazonas, Manaus,
2012.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. O que nos faz
pensar, [S.l.], v. 14, n. 18, p. 225-254, sep. 2004. ISSN 0104-6675. Disponível em:
<http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/197>. Acesso em: 17 jan. 2023.

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