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IMIGRAÇÃO ALEMÃ: DA HITÓRIA À LITERATURA

Vanessa Luana Schmitt – UNIOESTE 1


Prof. ª Orientadora Elisangela Redel – UNIOESTE

RESUMO: O presente trabalho analisa o modo como a vinda dos imigrantes alemães é representada
na Literatura Brasileira, na obra Canaã, de Graça Aranha, focalizando, nesta leitura inicial, os
personagens Lentz e Milkau, que são alemães e amigos, instalados em Porto do Cachoeiro, Espírito
Santo, apesar de defenderem ideologias diferentes. Expõe-se, para tanto, primeiramente, algumas
considerações de cunho histórico, social e cultural sobre a vinda de imigrantes alemães ao Brasil e, na
sequência, faz-se menção a obras como A Divina pastora (1847), Um rio imita o Reno (1938) e O
tempo e o vento (1949), que têm como temática a vinda e a adaptação de imigrantes alemães a esta
nova terra chamada Brasil. Adiante, analisa-se, brevemente, alguns aspectos obra Canaã (1902).

PALAVRAS-CHAVE: imigração alemã; literatura brasileira; história.

INTRODUÇÃO

Algumas regiões da Alemanha, situadas perto da França, vivenciaram a modificação da


propriedade feudal para a propriedade individual. Isso ocorreu de forma muito lenta e trouxe
consequências de ordem social e econômica para o país. A miséria econômica e as diversas guerras
trouxeram decadência econômica, como medidas para solucionar os problemas da população, que
gostaria de ter uma vida melhor, algumas destas pessoas buscaram emigrar para outros países, entre
eles, o Brasil, com o objetivo de conseguir uma nova vida. Também as perseguições religiosas
contribuíram para que muitos alemães deixassem sua terra natal, conforme apontam os autores
Oliveira, Hess e Machado (2007).
O resultado da imigração foi a formação de uma população teuto-brasileira, que influenciou a
cultura, o desenvolvimento agrícola e urbano, bem como a arquitetura brasileira. Os alemães tiveram
dificuldades de adaptação no Brasil, por não saberem falar português, e pelo governo brasileiro não ter
oferecido a ajuda que eles necessitavam, e que havia sido prometida aos imigrantes antes de saírem da
Europa. Após o início oficial da imigração alemã no Brasil, ou seja, dia 25 de julho de 1824, data esta
comemorada até hoje como o dia do “colono”, os imigrantes se instalaram, sobretudo, inicialmente, no
Sul do país, onde fundaram suas próprias escolas, igrejas e associações, formando, assim, colônias
relativamente fechadas (VITECK, 2011).
No ano de 1938, inicia-se um projeto de nacionalização, criado por Getúlio Vargas, dentro do
Estado Novo. Os povos estrangeiros foram obrigados a aprender e usar, apenas, português, como
afirma Maltzahn (2011).
Tal cenário histórico, cultural e político que envolve a chegada de imigrantes alemães ao
Brasil foi criticamente e ficcionalmente apropriado e reencenado pela/na Literatura Brasileira. A
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divina Pastora, por exemplo, foi publicada no ano de 1847, no Rio de Janeiro, pelo autor Antônio
Vale Caldre Fião. O romance está espacialmente situado no Sul riograndense, onde uma família de
alemães parece ter conseguido se adaptar bem à realidade brasileira, o que, no entanto, está em
dissonância com os dados históricos, uma vez que os alemães tiveram dificuldades em se adaptar à
nova língua e às terras que receberam – e que, muitas vezes, não era propícia para o plantio – , além do
descaso do governo brasileiro em relaçao às promessas que haviam feito aos imigrantes (AQUINO,
2007).

A obra Canaã é publicada em 1902, por Graça Aranha, pertencendo à fase pré-modernista. O
romance, de forte cunho sociológico, representa um grupo de alemães que se instalaram no Espirito
Santo. Os primeiros imigrantes alemães chegaram àquele Estado em 1869, sendo muitos deles
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Estudante de graduação em Letras Português- Alemão na Universidade Estadual do Oeste do Paraná
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descendentes de pomeranos e Hunsbluckers, conforme Redel (2014).
Em Canaã, os protagonistas Lentz e Milkau são dois alemães e amigos que, no entanto,
defendiam ideologias contrárias. Lentz defendia a ideia de que os alemães eram uma raça superior,
conforme ele menciona:

Passado algum tempo, Lentz exprimiu alto o que ia pensando:


– Não é possível haver civilização neste país... A terra só por si, com esta violência,
esta exuberância, é um embaraço imenso...
– Ora – interrompeu Milkau – tu sabes bem como se tem vencido
aqui a natureza, como o homem vai triunfando...
– Mas o que se tem feito é quase nada, e ainda assim é o esforço do europeu. O
homem brasileiro não é um fator do progresso: é um híbrido. E a civilização não se
fará jamais nas raças inferiores. Vê, a História... (ARANHA, 2013, p.36).

Já Milkau defendia a harmonia entre as raças, e que dessa harmonia surgiria uma nova geração:

MILKAU (Olhando a mata) – A natureza inteira, o conjunto de seres, de coisas e


homens, as múltiplas e infinitas formas da matéria no cosmos, tudo eu vejo como
um só, imenso todo, sustentado em suas íntimas moléculas por uma coesão de
forças, uma recíproca e incessante permuta, num sistema de compensação, de liga
eterna, que faz a trama e o princípio vital do mundo orgânico. E tudo concorre para
tudo. Sol, astro, terra, inseto, planta, peixe, fera, pássaro, homem, formam a
cooperação da vida sobre o planeta. O mundo é uma expressão da harmonia e do
amor universal. (E apontando para a vegetação no alto de uma rocha.) Na verdade, a
vida dos homens na terra é como a daquelas plantas sobre a pedra. O cume da
montanha era uma laje estéril, e sobre ela não frutificavam as sementes de árvores e
de grandes plantas trazidas pelos pássaros e pelos ventos. Um dia, enfim, trouxeram
eles sementes de algas e vegetais primitivos, para os quais o mineral da terra é um
alimento. Muito tempo passado, quando aquelas sementes primeiro rejeitadas foram
de novo para ali carregadas, já encontraram a terra formada pelas algas e sobre ela
medraram, espalhando pelo chão a sombra, protegendo os primitivos moradores
da pedra, que então ousaram crescer, entrelaçando-se nos troncos das árvores, no
corpo de suas filhas. Do muito amor, da solidariedade infinita e íntima, surgiu aquilo
que nós admiramos: um jardim tropical expandindo-se em luz, em cor, em aromas,
no alto da montanha nua, que ele engrinalda como uma coroa de triunfo... A vida
humana deve ser também assim. (ARANHA,2013, p.51)

Um rio imita o Reno é publicado em 1938. Escrito por Vianna Moog, o romance relata a vida
de Geraldo, na cidade de Blumentau, e problematiza a questão do preconceito em relação aos
brasileiros, pois Geraldo é um caboclo que, a despeito de ser brasileiro, sente-se estrangeiro em seu
próprio país.
O tempo e o vento é uma trilogia de Érico Verissimo, de 1949. O primeiro volume foi
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publicado em 1949, chamado O continente. O retrato é o segundo volume, publicado em 1951, e o


terceiro é Arquipélago, publicado em 1961. O continente trata da chegada das primeiras famílias
alemãs à região Sul do Brasil. Na obra, Capitão Cambará iria se casar com Bibiana Terra, mas acabou
se envolvendo com uma moça de família alemã. Os povos nativos olham com estranhamento para a
moça que imigrou a “Santa fé”, cidade fictícia.
A obra A Ferro e a Fogo, de Josué Guimarães, é publicada em 1972. Os alemães são
representados na obra como lutadores pela sobrevivência, visto que o governo brasileiro não lhes deu
boas terras, e nem o auxílio que havia sido a eles prometido, ainda quando estavam na Europa.
Conforme Kuhlmannn (2010), a decepção do imigrante é a temática central neste livro. Hábitos de
cultivo e de trabalho das personagens fictícias revelam, também, características dos costumes alemães.

Ainda de acordo com Kuhlmann (2010), a obra Videiras de Cristais foi publicada em 1990,
por Luiz Antônio de Assis Brasil, e oferece como tema a revolta dos imigrantes contra o governo,
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dadas as promessas não compridas. Tal revolta é marcada por um conflito religioso dos imigrantes
alemães, a revolta dos Muckers, liderada por Jacobina Mauer (KUHLMANN, 2010).
Na sequência, serão analisados alguns aspectos do romance Canaã, focalizando os
personagens Milkau e Lentz.

O IMIGRANTE ALEMÃO EM CANAÃ

Canaã conta a história de dois imigrantes alemães que moram em Porto do Cachoeiro, e que
apesar de defenderem posições diferentes, convivem bem um com o outro, e trabalham juntos. Maria
aparece na história, filha de pobres imigrantes, sendo abandonada, com um filho à espera.
Reconhecida como prostituta, é rejeitada da igreja e é acolhida por Milkau. Os dois se
conheceram numa festa, e ela passa a morar em uma fazenda onde continua a ser maltratada, até um
dia ser acusada de ter matado seu filho e ir para a cadeia. Na cadeia, ela recebe visitas de Milkau, que
resolve salvá-la no meio da noite, com uma fuga.
O romance Canaã é publicado em 1902, e inicia mostrando, de um lado, os primitivos da
terra, brasileiros e escravos e, do outro, os fortes e dedicados alemães e suas colônias. Pode-se notar
isso através do erudito imigrante alemão, Milkau.
No romance são descritas as maravilhas das terras brasileiras e, por outro lado, os feitos dos
alemães, com o objetivo de problematizar a quem o futuro do país deveria ser entregue, aos
brasileiros, ou aos imigrantes alemães. Lentz acreditava que, no futuro, a raça superior dominaria as
raças inferiores, ou seja, os alemães teriam o domínio sobre todas as outras raças, que seriam
eliminadas. Já Milkau acreditava que o progresso aconteceria através da miscigenação, da mistura das
raças, acreditava num mundo onde não haveria sofrimento para os homens.
Para além dos discursos preconceituosos sobre a superioridade das raças, Maria Perutz chama
atenção do leitor para as reais condições do sujeito que imigra em busca de sobrevivência, pois ela,
apesar da cor branca e da nacionalidade alemã, é delegada à margem. Não há lugar para ela no Porto
Cachoeiro, dadas suas condições de miséria. Tal representação aponta claramente para a instabilidade
de teorias raciais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste trabalho pode-se perceber que a Literatura Brasileira representou e
problematizou, no universo fictício, um pouco da realidade da vinda dos imigrantes alemães para cá.
Este trabalho deixa em aberto a discussão sobre as outras obras brasileiras que incorporaram a
temática da imigração alemã à literatura brasileira, pois trata-se, ainda, de uma pesquisa inicial e os
resultados são, portanto, elementares.

REFERÊNCIAS
AQUINO, Ivânia Campigotto. A representação do imigrante alemão no romance sul rio
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grandense: a divina pastora, frida meyer, um rio imita o reno, o tempo e o vento e a ferro e a fogo.
2007. 300 f. Tese (Doutorado) - Curso de Literatura Brasileira, Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2007.
ARANHA, Graça. Canaã 1.ed. Rio de Janeiro. Fundação Darcy Ribeiro, 2013.
FRUNGILLO, Mário Luiz. Controverso e contraditório: sobre Canaã, de Graça Aranha. 2008. XI
Congresso Internacional ABRALIC. São Paulo, 2008.
JOHN, Helder. A imigração alemã no Rio Grande do Sul na literatura alemã contemporânea: A
formação de uma identidade hibrida. 2015. 121 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Literatura,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
KUHLMANNN, Mariana Corallo M. de A. A Imigração Alemã na Literatura Brasileira: uma breve
análise. Revista Anagrama: Revista Científica Interdisciplinar da Graduação. Ed.3, Ano3. São Paulo,
2010.

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MALTZAHN, Paulo César. A construção da identidade étnica teuto-brasileira em São Lourenço
do sul (década de 1980 até os dias atuais). 2011. 282 f. Tese (Doutorado) - Curso de História,
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2011.
OLIVEIRA, Idalina Maria Amaral de. A ideologia do branqueamento na sociedade brasileira.
2008. 14 f. TCC (Graduação) - Curso de Didática, Programa de Desenvolvimento Educacional, Santo
Antônio do Paraíso, 2008.
OLIVEIRA, Mylena Cristine; MACHADO, Rodolfo; HEES, Carlos Renato. Alemães no sul do
Brasil: imigração e colonização. 2007. 8 f. TCC (Graduação) - Curso de História, Ulbra, Guaiba,
2007.
REDEL, Elisangela. Entre a ciência, a critica e o drama: O imigrante alemão em Canaã, Um rio
imita o Reno, e a Ferro e Fogo. 2014. 176 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Letras, Universidade
Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel, 2014.
SPINASSÉ, Karen Pupp. Os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil: A língua como
fator identitário e inclusivo. 2009. 13 f. TCC (Graduação) - Curso de Letras, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.
SORRENTINO, Lucas Martins. Panorama crítico de algumas obras literárias e científicas sobre
os imigrantes alemães e descendentes escritas entre 1900-1945. 2012. 89 f. TCC (Graduação) -
Curso de Ciências Sociais, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012.
VITECK, Harto. Imigração alemã no Paraná 180 anos 1829/2009. Marechal Candido de Rondon.
Editora Germânica, 2011.

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