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Digitalização: m_nolasco73
Revisão: m_nolasco73 e Janaiana
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith
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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith
CAPÍTULO I
A DESPEITO da neve que caía cada vez mais forte contra o pára-brisa de sua
caminhonete, Raymond Coleburn avistou o que imaginou ser um celeiro, graças à
iluminação no topo do telhado.
Mas a neve não o preocupava tanto quanto o tanque de gasolina. Imaginou que teria
mais uma chance de abastecer, porém a última parte da estrada em Montana não lhe
fornecera nenhuma oportunidade para comer, ou um posto de gasolina.
Faltava cerca de uma hora para chegar a Billings, seria impossível fazê-lo com o
combustível que restava. Ficar parado em uma estrada deserta debaixo daquela
tempestade fortíssima também era loucura. E Raymond sabia bem como agir em
situações de emergência.
No momento, contudo, a única solução sensata era encontrar abrigo para a noite,
em qualquer lugar que fosse, e arranjar gasolina para o veículo.
Avistou uma placa de madeira e estreitou os olhos para conseguir ler o nome da
propriedade: Fazenda Double Blaze.
A estradinha de acesso terminava em um sobrado com uma grande varanda. A casa
era bastante velha e malcuidada, Raymond observou, logo que saiu da picape e se pôs a
subir os degraus, que rangiam a cada passo dado. Havia muito a consertar ali, de modo
que poderia barganhar, se fosse o caso.
Tocou a campainha, que, como era de se esperar, não funcionou. Então, abriu a
porta de tela que deveria ter sido trocada antes da chegada do inverno. Bateu com força e
esperou alguns instantes.
— Olá! — começou, assim que alguém abriu apenas uma fresta. — O combustível
do meu carro está acabando. Gostaria de saber se você tem um pouco de gasolina de
reserva, ou talvez algum lugar onde eu possa passar a noite.
— Sinto muito — respondeu uma voz doce —, mas não tenho nada de que o senhor
precisa.
Raymond ainda não conseguia enxergá-la, e supôs que deveria estar sozinha ali.
— Sei que deve tomar muito cuidado com pessoas estranhas que chegam sem
avisar, mas, se quiser, pode apontar uma arma para mim até que eu lhe mostre meu
documento de identidade.
O vento trouxe mais neve para a varanda. E também mais frio.
Os instantes que ela demorou para aumentar um pouco mais a fresta pareceram
uma eternidade.
— Sua identidade não será muito útil se você quiser assaltar minha residência ou
nos molestar.
— Senhorita...
— Senhora — corrigiu. — Annebelle Lawrence.
Raymond sorriu, pois as boas maneiras daquela mulher faziam com que se
apresentasse a um completo desconhecido.
— Sra. Lawrence, tenho algumas referências comigo. Quer vê-Ias?
De repente, ela perdeu toda a reserva.
— Se quisesse nos machucar, você já teria tido oportunidade. Entre para se aquecer
um pouco.
Quando Raymond atravessou a soleira, avistou uma linda jovem, alta, de cabelos
castanhos e olhos grandes. E estava nos últimos meses de gravidez.
— Agora compreendo o porquê de tanta cautela.
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Na manhã seguinte, Annebelle acordou antes do nascer do sol, sabendo que havia
algo diferente. Logo se lembrou: um homem dormia ali perto.
Um estranho, muito alto, com cabelos castanhos, olhos azuis e uma voz que lhe
causava o mesmo torpor do conhaque que experimentara uma vez.
Fazia tempo que não dormia tão bem, tão sossegada. Seria por Raymond Coleburn
estar em seu celeiro?
Quando fora a última vez que um homem a fizera sentir-se segura? Quando seu pai
era vivo, respondeu seu coração.
A Fazenda Double Blaze fora de seu pai e, antes, de seu avô. Quando se casou
com Pete Lawrence, mudaram-se para lá, junto com o pai dela. Entretanto, alguns meses
após a união, Annebelle percebeu que Pete se casara porque queria uma pessoa que
cuidasse dele.
Trabalhava com o sogro, mas fazia o mínimo possível, e só quando necessário.
Tendo terminado a faculdade e sentindo muito a falta da mãe, que morrera alguns anos
antes, Annebelle queria constituir uma família e dar ao pai os netos com que sempre
sonhara. Mas não soubera escolher.
Lembrar-se de seu casamento com Pete ainda lhe causava bastante tristeza.
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O bebê chutou-lhe a barriga, e Annebelle disse a si mesma que não poderia perder
tempo com autocomiseração. Tinha de estar muito bem preparada e bem-disposta para
quando seu segundo filho nascesse.
Se houvesse complicações, ou não conseguisse mais cuidar do rancho sozinha,
decerto teria de vendê-lo. Não via outra opção.
Como não tinha o costume de ficar na cama, mesmo grávida, Annebelle levantou-se
e vestiu uma calça jeans e uma malha vermelha. Então, foi até o quarto de Mark e
abaixou-se para beijar-lhe a testa.
— Querido, vou ao celeiro falar com o Sr. Coleburn, mas voltarei logo.
— Quero ir com você — disse ele, sonolento.
— Agora, não. Tente dormir mais um pouco até que eu volte. — Tornou a beijá-lo e
desceu.
A capa que usara durante os últimos seis meses já não fechava mais. Ficaria tão
contente quando o bebê viesse ao mundo... Mais três semanas e poderia ver seus pés de
novo!
Depois de calçar as botas, que também a apertavam, Annebelle saiu de casa e
deparou-se com um sol maravilhoso iluminando a neve branca.
Protegendo os olhos da claridade que quase a cegava, percebeu que o vizinho já
desobstruíra o caminho de sua residência. Tudo parecia puro, tranquilo e branco.
Annebelle sempre sentia o mesmo sobre a fazenda no inverno. Uma grande alegria.
Alguns fazendeiros temiam a estação, que costumava trazer vários problemas, mas
adorava a estação do frio em Montana, bem mais do que a primavera, o verão e o outono.
As folhas das árvores balançavam com o peso do gelo, notou Annebelle ao seguir
com cuidado por uma passagem ao lado do galpão, em direção ao celeiro.
Agora sua atenção era redobrada com tudo que fazia. O nenê a levava a agir
assim... e não via a hora de dar as boas-vindas àquela nova criatura que traria à
existência.
Abrindo a pequena porta na lateral, entrou. Amava o cheiro daquele lugar, como
também a vista do rancho, com seus cavalos, o feno, a terra molhada... coisas cotidianas
que não existiam nos centros urbanos.
A luz solar entrava através das grandes janelas congeladas, criando formas e
sombras, iluminando montes de feno e nuvens de poeira.
Um relincho foi tudo o que escutou até se dar conta do som abafado na outra
extremidade. Sabia muito bem do que se tratava.
Passou pelo estábulo vazio e avistou os dois cobertores que emprestara a Raymond
Coleburn dobrados sobre uma caixa de madeira. Alimentou os cavalos e ajeitou algumas
coisas, depois abriu o portão que dava para o curral e seguiu o caminho coberto de neve
até a lateral.
Raymond não a escutou aproximar-se por estar muito concentrado cortando lenha.
Mas algo o alertou da presença de alguém, pois parou e virou-se.
— Bom dia! — cumprimentou-a sorridente.
— Bom dia para você também. Não se preocupe em fazer esse serviço. Já lhe disse
que não me deve nada.
— E eu escutei, mas, para mim, a generosidade é algo que trato com muito respeito.
Os vizinhos foram muito simpáticos após a morte de Pete, mas Annebelle jamais
aceitaria caridade. O fato de ele estar cortando lenha como forma de pagamento protegia
seu orgulho, e Raymond Coleburn parecia bastante sensível para percebê-lo.
— Você não deveria estar aqui, Annebelle. — Raymond indicou a capa aberta. —
Faz muito frio.
— Os animais precisam se alimentar mesmo que a temperatura esteja abaixo de
zero.
Os olhos azuis a fitaram por um longo instante.
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— Raymond passou frio no celeiro durante a noite, mamãe? Ele vai ficar conosco?
Sabe andar a cavalo?
Vinha uma após a outra, impedindo-a de responder direito. De algumas Annebelle
nem sabia a resposta, e disse ao filho que teria de indagar ao próprio Raymond. Então,
veria se ele tinha ou não paciência.
Annebelle preparou ovos mexidos, fritou bacon e aqueceu seu pão caseiro no forno.
Tudo estava pronto quando Raymond entrou.
— O cheiro está maravilhoso! — Ele pendurou seu chapéu e sobretudo no gancho
ao lado da porta.
Quando ia colocar os ovos mexidos em uma travessa, Annebelle olhou para
Raymond e foi incapaz de continuar seu movimento. Ele usava uma camisa de flanela
azul e uma calça jeans justa o suficiente para delinear seus músculos perfeitos. Seus
ombros eram largos mesmo sem o agasalho. Podia-se dizer que era perfeito: bonito, de
feições marcantes e, sem dúvida, um corpo maravilhoso.
Annebelle tentava se convencer de que a sensação em seu estômago se devia ao
bebê se mexendo, e o calor nas faces, aos hormônios.
Mark o crivou de perguntas, repetindo, inclusive, as que tinha feito à mãe. Mas
Raymond não pareceu se incomodar. Respondia com “sim”, “não”, “talvez”. Olhou para
Annebelle antes de puxar uma cadeira, um pedido de permissão para sentar-se.
— Acho que o rancho necessita de alguns reparos, ainda mais o celeiro.
— Eu já lhe disse que não posso pagar, Raymond.
Ela colocou o prato na frente dele, incomodada por seu coração estar batendo tão
depressa, imaginando por que nunca sentira algo parecido antes.
— Eu também já lhe falei que um canto para dormir e um pouco de comida bastam.
Posso cuidar das tarefas mais pesadas. Você não acha que vai continuar fazendo tudo
isso até o dia de o bebê nascer, não é?
— Tentarei. Até agora não tive problemas. E Mark me ajuda bastante. — Depois de
servir o filho, Annebelle sentou-se na frente de Raymond. — Nós costumamos rezar antes
das refeições.
Raymond deu de ombros.
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Apesar da determinação em fazer tudo o que planejara, Annebelle foi ficando mais e
mais cansada com o passar das horas. Ainda assim, fez uma panela de sopa para o
almoço e assou o pão.
Raymond apareceu por volta das onze horas, quando ela tirava a sopa da panela.
— Precisa de ajuda?
— Não, está tudo pronto.
— Você levou essa panela sozinha do fogão até a pia?!
Annebelle lançou-lhe um olhar agastado, mas Raymond nem se afetou.
— Não sabe que mulheres grávidas devem se cuidar, Annebelle?
Aquele homem era a própria voz de sua consciência, fazendo-a pensar em seu
próprio bem. Sendo assim, tomou a decisão que achou a mais correta.
— Telefonei para as referências que você me deu, Raymond. Se quiser, posso lhe
dar cama e comida. em troca de uma série de tarefas e reparos. Há um quartinho no final
do corredor com uma cama de solteiro. Poderá dormir ali.
Indo até a pia, Raymond lavou as mãos e enxugou-as no pano de prato. Annebelle
estava diante do fogão, e Raymond, bem perto.
— Que tipo de marido você tinha, para estar tão acostumada a fazer tudo sozinha?
— Não é de sua conta. — Annebelle sempre fora uma pessoa muito reservada, por
isso irritou-se. — Só porque vamos dormir sob o mesmo teto não significa que você tem o
direito de se intrometer em minha vida.
Os sentimentos desconhecidos que a dominavam, a excitação agitada que
acelerava sua respiração e secava-lhe a boca, a amedrontavam.
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— Está bem. — Raymond não parecia ter ficado aborrecido. — Um não se mete na
vida do outro. Acho ótimo.
Suspirando, Annebelle lançou-lhe um olhar cauteloso. Não fora essa sua intenção.
Dali em diante, ele decerto não lhe contaria mais nada.
— Raymond esticou a mão para pegaras cumbucas de sopa ao mesmo tempo que
ela, que evitou o contato.
— Vou apanhar o pão — murmurou Annebelle.
Durante a tarde, Raymond aproveitou o lindo dia para se familiarizar com o rancho.
Na hora do almoço, descobrira que Annebelle teria o bebê em três semanas. Ela também
lhe contara que possuía quarenta cabeças de gado e que um vizinho lhe fazia as compras
desde que seu marido morrera. Em troca, ela lhe enviava pães e bolos, como forma de
agradecimento.
Era uma cabeça-dura, mas Raymond tinha um desejo irracional de saber tudo a
respeito dela. Entretanto, supôs que isso talvez não acontecesse, por Annebelle ser uma
pessoa muito introspectiva. E ficava se repetindo que não tinha cabimento estar atraído
por uma mulher perto de dar à luz. Mesmo assim, não conseguia impedir o calor que lhe
invadia as entranhas quando estava perto de Annebelle.
Raymond limpava as cocheiras no celeiro quando Mark apareceu correndo, depois
da escola.
— Mamãe falou que eu posso ficar aqui olhando, se você deixar.
— Tudo bem. — Sorriu para o garoto. — Na verdade, pode me ajudar, se quiser.
— Mamãe falou que vai ficar aqui, Raymond. Por quanto tempo?
— Ainda não sei direito.
— Logo, logo vou ter um irmão, ou uma irmã.
— Eu sei. Está contente com isso?
— Acho que sim. Mas só vou saber quando ele ou ela nascer.
Raymond caiu na risada, e a conversa continuou assim até a hora do jantar.
Mark era uma criança acessível, curiosa e esperta, o que o fez imaginar como seria
o pai. Porém, não se atreveria a fazer esse tipo de pergunta ao menino.
Depois da refeição, Mark quis saber se Raymond gostaria de jogar com ele.
— Não se sinta na obrigação — interveio Annebelle.
— Não tenho nada melhor para fazer agora, a não ser que você queira que eu faça
a previsão do tempo — respondeu ele com o discreto bom humor que Annebelle
começava a reconhecer.
— Está bem, mas só por uma hora, senão amanhã Mark não conseguirá acordar
para ir à escola.
O bebê não se mexera muito desde cedo, e a dor nas costas começou à tarde.
Annebelle imaginou que poderia ter sobrecarregado alguns músculos ao pegar a panela
de sopa, mas o desconforto perdurou durante o jantar.
Quando sentou-se no sofá para ver os dois jogando, colocou uma almofada nas
costas para tentar ficar mais confortável. E, com Mark falando sem parar, não havia
espaço para conversas pessoais.
As nove horas, Annebelle levou o filho para cima e leu para ele uma história, como
de costume.
— Mamãe, Raymond pode subir para me dar boa-noite?
— Você já lhe disse boa-noite, filho.
— Sei disso, mas não é a mesma coisa. Por favor, mamãe...
Annebelle não podia dar muito ao menino no aspecto material, mas amor e afeição
não lhe faltavam. E pelo visto agora Mark queria atenção de outra pessoa.
— Vou falar com ele, mas talvez já tenha ido dormir.
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Porém, antes que sua imaginação fosse mais longe, Annebelle enfiou-se sob as
cobertas.
Tinha acabado de apagar a luz quando veio uma fisgada muito forte. Respirando
fundo, levantou-se e ficou andando de um lado para o outro. “Só pode ser cãibra, nada
mais”, pensou. No dia seguinte, não exageraria.
Mas andar não adiantou e, depois de alguns momentos, sentiu a pior das dores na
base da espinha e caiu de joelhos. Não conseguia se levantar sozinha, e sabia que
Raymond não a escutaria se tentasse chamar. Pegou o livro no criado-mudo e jogou-o
com toda a força no chão.
CAPÍTULO II
DEITADO EM sua cama, sem conseguir dormir, Raymond fazia os planos para o dia
seguinte. Pensava em ir ao tribunal de Billings quando escutou um barulho no teto.
Desde que dissera boa-noite para Annebelle, não conseguia esquecer que ela
estava no dormitório bem em cima do seu.
Será que tinha derrubado alguma coisa?
Então, ouviu ruídos seguidos. Era estranho, metódico... três golpes, depois mais
três. Não precisou esperar mais para perceber que ela estava tentando mandar-lhe uma
mensagem.
Levantou-se e seguiu depressa pelo corredor. Quando entrou na suíte de Annebelle,
seu coração quase saiu pela boca, tamanho seu susto.
Ela estava no chão, e parecia muito assustada.
— O bebê vai nascer — disse, ofegante. — Não foi assim da outra vez.
Raymond não sabia muito sobre partos e nascimentos de nenês, mas podia ver que
Annebelle estava sofrendo.
— Deixe-me levá-la para a cama. — Ele inclinou-se.
— Preciso ir para o hospital.
— As dores começaram agora?
— Acho que não, mas não percebi nada. Com Mark, as contrações vinham de hora
em hora, depois quinze minutos, e duraram cerca de sete horas. Agora, começou tudo de
uma vez... — Annebelle engoliu em seco, e Raymond notou que era mais uma contração.
— Annebelle, o que posso fazer?
Ela estendeu a mão para a frente, enquanto respirava depressa, pedindo que
Raymond esperasse. Quando a dor passou, enxugou a testa com a mão.
— Pode me levar para o hospital, Raymond? Sei que é uma imposição terrível,
mas...
— Ora, Annebelle! Não se trata de imposição, é um momento de crise!
— É apenas um parto. — Esboçou um sorrisinho.
— Para mim, parece uma crise.
— Temos de acordar Mark. Tentarei descer.
— Nem pense nisso! Vou levá-la para baixo, depois venho pegar Mark.
— É apenas um nascimento... — As palavras sumiram diante de mais uma
contração.
— Que já está para acontecer. Não existe ambulância nesta cidade?
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Vinte minutos depois, já na estrada, Annebelle ofegou, mas dessa vez foi um som
diferente.
— O que houve?
— A bolsa de água se rompeu, e a pressão...
Raymond pisou mais forte no acelerador. Cinco minutos se passaram, e ela levou a
cabeça aos joelhos.
— Annebelle?
— Acho que vou ter meu filho, Raymond.
— Agora?! — perguntou ele, sem saber se tinha entendido direito.
— Sim.
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As contrações eram cada vez mais constantes e fortes, porém, de repente o bebê
parecia não querer nascer. Havia anos que Raymond não rezava, mas pediu ajuda a
Deus.
— Um carro está vindo! — Mark informou.
As luzes vinham na direção deles, mas Raymond não queria deixar Annebelle
sozinha. Por outro lado, precisava de ajuda.
Assim, quando desceu da van, o automóvel parou, e um senhor de barba baixou o
vidro.
— O que aconteceu?
— Ela está tendo um bebê. Por favor, encontre um telefone e chame uma
ambulância.
— Tenho um celular aqui.
Raymond agradeceu e voltou para o lado de Annebelle, imaginando o que seria
melhor fazer.
— Annebelle, vou levantá-la um pouco. Acho que será mais fácil e, quando a
próxima contração vier, faça força. Use todo o vigor que puder, está bem?
Subindo no bagageiro, Raymond abraçou-a a fim de auxiliá-la a apoiar-se contra a
porta. Mesmo em tais circunstâncias, tinha plena consciência de tudo sobre Annebelle, do
cheiro de seu xampu à maciez de sua pele, da determinação em seus olhos castanhos.
Sem conseguir se conter, afagou-lhe o rosto.
— Nós vamos conseguir, Annebelle.
Ela ficou imóvel por alguns instantes, e lágrimas se formaram em seus olhos.
— Estou pronta.
Raymond torceu para que estivesse mesmo.
Voltando para perto dos pés dela, Raymond esperou pela próxima contração, que
logo veio. Não foi preciso encorajá-la, pois Annebelle fazia sua parte usando toda a força.
De repente, Raymond estava com a cabeça do bebê nas mãos.
— De novo, Annebelle, vamos!
Pareceu parecer uma eternidade até a contração seguinte, mas, quando veio,
Annebelle lutou com coragem até dar à luz seu bebê, uma linda menina.
Ao olhar para a pequena criatura em suas mãos, Raymond sentiu um nó na
garganta. Jamais passara por uma experiência como aquela. Era um verdadeiro milagre!
Então, agiu depressa, certificando-se de que a garotinha respirava, cortando o
cordão umbilical e enrolando-a na manta.
— Qual será o nome dela? — Raymond perguntou ao passar o bebê para os braços
da mãe.
O pranto escorria sem parar pelo rosto de Annebelle.
— Amanda. Bem-vinda, Amanda.
Ainda perdidos na maravilha daquele momento, eles escutaram a sirene, e logo
Raymond viu as luzes da ambulância. Saiu do caminho e, alguns minutos depois,
segurava o ombro de Mark, enquanto os médicos cuidavam de Annebelle e de Amanda.
Ao seguir a ambulância até o hospital, Raymond ia torcendo para que tivesse feito
tudo certo.
O pequeno Mark acabou adormecendo na sala de espera da maternidade, deitado
no ombro de Raymond. Ele olhou para o garoto e sentiu um pouco da responsabilidade
que Annebelle deveria experimentar todos os dias.
— O senhor pode ver sua esposa agora — informou a enfermeira.
— Nós não... — Parou de falar, entretanto, pois temeu que não o deixassem vê-Ia
se soubessem que não eram casados. — Não gostaria de deixar o menino sozinho.
— Fique sossegado, eu cuido dele. Por favor, não demore, porque ela precisa de
uma boa noite de sono depois de tudo por que passou.
— Qual é o número do quarto?
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— Vinte e dois.
Havia duas camas, mas uma estava vazia. Ao lado da cama de Annebelle, Amanda
fora acomodada em seu berço.
Quando viu Amanda de olhos fechados, Raymond achou que já adormecera.
— Que loucura, não? — Annebelle surpreendeu-o abrindo os olhos.
— Não pretendo passar por isso de novo — brincou Raymond, sorrindo. — Pelo
menos não tão rápido.
— Nem eu.
Ele puxou uma cadeira e sentou-se ao lado do leito.
— Está mesmo bem, Annebelle?
— Estou. E Amanda também. Mas, Raymond...
— Fale, Annebelle.
— Eu não deveria ter vindo para cá. É um hospital caro e...
Durante anos Raymond trabalhara, gastando apenas o necessário. Portanto, suas
economias eram muito boas. Talvez, se o conhecesse melhor, Annebelle aceitasse sua
ajuda. Nada neste mundo o impediria de cuidar dela naquele momento.
— Não se preocupe com isso agora. Você e o bebê precisam de cuidados especiais.
Foi a melhor decisão.
— Irei para casa amanhã.
— Tem certeza?
— O médico disse que, se eu não me esforçasse demais, poderia ir.
— A que horas quer que eu esteja aqui?
— Quer mesmo se envolver ainda mais nessa história, Raymond?
— Já estou envolvido. A que horas?
— Por volta das onze estará ótimo.
— Sem problemas. Não tenho nenhum compromisso — brincou. Depois, olhou para
o bebê e sorriu. — Ela é linda, Annebelle.
— Também acho. Obrigada, Raymond.
De repente, ele desejou poder ficar ali a noite toda, segurando-lhe a mão. Quis
poder abraçá-la, mas seria rematada loucura.
— Voltarei amanhã cedo, Annebelle. Vou buscar Mark para ele se despedir. Não
quero que fique preocupado com você ou com Amanda.
— É uma boa ideia. — Sorriu, agradecida.
Ao sair do quarto, Raymond respirou fundo. Fora uma noite difícil, e estava mais do
que envolvido. De alguma forma, acabara se deixando levar. Deveria ter sido mais
cauteloso.
Nada durava para sempre, e ele não sabia se deveria durar. Nunca tivera algo
estável. Fizera alguns amigos no orfanato, mas eles sempre acabavam indo embora. E a
equipe estava sempre mudando. Quando chegou sua vez de partir, nada mais natural do
que ter aprendido que não se ficava muito tempo em um mesmo lugar.
Além disso, havia seu irmão para encontrar.
Entretanto, quando foi pegar Mark, entendeu que, independente do que fosse
acontecer dali para a frente, não se esqueceria daquela noite.
Nunca.
Como Raymond suspeitava, o garoto adormeceu no caminho de casa. Quando
chegaram, pegou-o no colo e o levou para o quarto. Ajudou-o a vestir o pijama e em
seguida o colocou na cama.
— Pode ficar aqui em cima comigo, Raymond?
— Acho que você acordará com meus roncos, Mark.
— Por favor...
Não havia como recusar.
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— Vamos fazer um trato, Mark. Por que não fico aqui até você dormir? Depois, me
deitarei no quarto de sua mãe.
Mark sorriu, concordando, então abraçou o travesseiro. Em poucos instantes, já
dormia profundamente.
Raymond se levantou e saiu do aposento, deixando a porta aberta. Parou diante da
suíte de Annebelle.
Era uma péssima ideia ficar ali. Havia uma grande cama no centro, com lençóis
brancos desarrumados. A colcha também era branca, simples, porém delicada.
Raymond se aproximou, encantado com o aroma de rosas. O mesmo cheiro que
envolvia Annebelle. De certo era a loção que estava no criado-mudo.
Dormir no leito dela parecia invasão de privacidade, mas não queria desapontar
Mark. Desse modo, ajeitou os lençóis e a colcha e se deitou em cima.
Notou algumas fotografias do menino em cima da cômoda e também uma de um
homem mais velho, na certa o pai de Annebelle. Ao lado, uma foto menor do mesmo
homem de braço dado com uma bela jovem. O pai e a mãe. Todavia, não avistou nenhum
retrato do falecido marido de Annebelle, o que o fez imaginar por quê.
Avistou um penhoar de seda azul-claro pendurado em um antigo cabide, que parecia
confortável e macio, e logo Raymond a imaginou usando-o.
Annebelle era uma mulher contraditória; dócil e delicada, porém forte e teimosa.
Então, lhe ocorreu mais uma vez a criancinha que trouxera ao mundo.
Apagando a luz, fechou os olhos, sentindo que tinha entrado para sempre na vida de
Annebelle Lawrence.
Na manhã seguinte, Raymond resolveu não acordar Mark. O garoto perderia a aula,
mas esperar a mãe e a irmã chegarem do hospital era um acontecimento muito
importante.
Depois de tomar um banho, enrolou-se em uma toalha e desceu para trocar de
roupa. No entanto, não podia se esquecer de arrumar o quarto antes que ela chegasse.
Depois de cuidar dos animais, fez ovos mexidos e torrou algumas fatias de pão.
Tinha acabado de pôr a mesa quando Mark apareceu.
— Você ficou lá em cima a noite toda — disse ele, feliz da vida. — Acordei para
beber água e aproveitei para ver se estava no quarto de mamãe.
— Eu lhe falei que ficaria — respondeu Raymond, olhando o garoto com certa
curiosidade.
— Meu pai costumava falar que faria as coisas, mas depois não fazia.
— Que tipo de coisas?
— Jogar bola, pescar, andar de bicicleta...
Raymond colocou a cadeira perto de Mark.
— Talvez ele fosse um homem muito ocupado. Cuidar de uma fazenda não é uma
tarefa fácil.
— Mas mamãe nunca está ocupada. Ela sempre tem tempo para brincar comigo.
Era evidente que Annebelle cumpria tudo o que prometia ao garoto.
— Você deve sentir muito a falta de seu pai, não?
— Acho que sim — respondeu ele, depois de pensar por um momento.
Raymond cometeu o erro de achar que Mark responderia a um comentário sobre o
tema em questão.
— E creio que sua mãe também sente falta dele.
O pequeno deu de ombros, pegou a torrada e deu uma bela mordida.
“É isso o que acontece quando se tenta tirar informação de uma criança.”
Assim que terminaram de comer, Raymond lavou a louça, arrumou um pouco a
cozinha e subiu para o quarto de Annebelle.
Na véspera, toda envergonhada, ela lhe pedira para levar uma saia jeans e uma
camisa branca que estavam pendurados no armário, além de outros itens de uso pessoal.
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Raymond lhe garantira que não haveria o menor problema, mas, quando abriu o armário,
deparou com um lindo vestido branco com detalhes florais. Nunca se envolvera tanto com
uma mulher aponto de tal intimidade. Pegou tudo bem depressa, desceu as escadas e
chamou Mark para ir para o carro.
Annebelle abriu um lindo sorriso quando os viu entrar pela porta do quarto no
hospital. Tinha a aparência descansada e alegre. E estava linda.
Porém, Raymond sabia que seria um erro elogiá-la. Pelo menos por enquanto.
— Esqueci-me de pedir as roupas do bebê, Raymond. Amanda terá de ir para casa
com a manta do hospital.
— Acho que ela não se importará — brincou Raymond.
— Venha dar um beijo na mamãe, Mark.
O garoto a obedeceu de imediato.
— Vou me trocar para podermos ir, Raymond. Os papéis já estão todos assinados.
Ele saiu com Mark para que Annebelle se arrumasse e, depois de dez minutos, uma
enfermeira os acompanhava para fora do hospital.
O olhar que Raymond recebeu de Annebelle, cheio de brilho e agradecimento,
ficaria para sempre gravado em sua memória.
— Ainda bem que tenho as roupas de Mark, pois ainda não estava preparada para a
chegada de Amanda.
— Vou ter de vir até a cidade para abastecer meu carro, Annebelle. Se quiser, posso
comprar o que precisar.
De repente a alegria dela desapareceu.
— Já fez muito por mim, Raymond. Nós não somos sua responsabilidade.
— Talvez não, mas acha mesmo que eu a deixaria ter o bebê sozinha dentro de um
carro?
Annebelle não respondeu, e o resto da viagem transcorreu em silêncio.
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Annebelle detestava depender dos outros daquela maneira, mas o médico lhe
dissera para descansar durante dois dias. O problema era que Raymond já não era mais
tão desconhecido, e isso estava acontecendo depressa demais.
— Já limpei o berço — avisou Raymond, interrompendo os devaneios dela. — E
Mark achou uma caixa cheia de brinquedos. Disse que vai tentar separar alguns para
Amanda.
O tom divertido dele indicava que não tentara proibir o menino.
— Creio que terei de ensiná-lo a ser um bom irmão.
— Duvido que precisará de muito esforço.
Raymond montou o berço e colocou o colchão. Quando Annebelle se ergueu para
pegar os lençóis que tinha lavado, ele a impediu.
— Como está se sentindo? E não venha me dizer que está bem.
O aroma Annebelle que sentiu exalar da pele de Raymond fez com que o
imaginasse dormindo em seu leito.
— Mas eu estou bem, sim. Tenho uma linda filhinha e muito a descobrir a respeito
dessa criança que conheço há apenas um dia.
— Você é uma mulher muito especial, Annebelle Lawrence. — Raymond a encarou.
Havia tempos que Annebelle não se sentia interessante, ou bonita, ou mesmo
atraente para um homem. E agora estava diante de Raymond Coleburn, toda
envergonhada por ter recebido um elogio. O que a fascinava tanto nele?
No instante em que viu sua mão se levantando, Annebelle soube que Raymond a
tocaria. E também que deveria tentar impedi-lo.
CAPÍTULO III
MAS ANNEBELLE não conseguiu dar um só passo para trás. Não com aqueles
olhos azuis a fitá-la. Não com seu coração disparado, muito menos com a mão quente
tocando-lhe o rosto.
Parecia que Raymond tinha se aproximado. Ou fora ela?
Annebelle fechou os olhos como se pudesse bloquear todos os sentimentos que
afloravam. Entretanto, quando sentiu os lábios molhados contra os seus, mais uma
provocação do que um beijo, Annebelle não conseguiu pensar em mais nada.
Raymond lhe proporcionava sensações desconhecidas. Com Pete, não tivera
grandes satisfações. Depois do casamento, sua única preocupação tinha sido com o
próprio bem-estar. O fugaz toque de lábios continha mais prazer e gentileza do que todos
seus momentos ao lado do falecido marido.
Mas como? Raymond era um completo estranho. Conheciam-se havia apenas...
O choro de Amanda interrompeu a quietude.
Raymond se afastou e, quando Annebelle ergueu as pálpebras, viu várias
indagações no olhar dele, decerto refletindo as suas.
O que acontecera? Acabara de ter um bebê! Uma criança que precisava dela. Não
podia estar tão perto de um homem que não parava em lugar algum, quanto menos beijá-
lo.
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Confusa, com as faces quentes, Annebelle foi até a cama pegar a filha. Esse
incidente jamais poderia se repetir. Com certeza eram seus hormônios em alvoroço. Nada
além disso.
E se Raymond fosse o culpado?
Annebelle lhe diria que tinha dois filhos para criar e que não havia espaço em sua
vida para um andarilho.
Aninhando a pequena Amanda no peito, encarou Raymond.
— Preciso amamentá-la.
— Você tem mamadeiras e tudo de que precisa?
— Vou dar-lhe o seio, Raymond.
A declaração continha bem mais implicações do que o simples ato de amamentar.
Annebelle foi até a cadeira de balanço, quase tremendo com a ideia de ser
observada por ele.
— Você quer alguma coisa, Annebelle?
“Espaço para respirar”, ela pensou, mas apenas meneou a cabeça indicando que
não.
— Sendo assim, irei ver se Mark terminou de separar os brinquedos. Depois, vamos
preparar algo para o almoço.
— Raymond, não precisa...
—...ajudá-la? Você precisa de ajuda, sim, Annebelle. Então, é bom se acostumar
com isso. Pelo menos, agora no começo.
— Mas tem seus assuntos para resolver em Billings, não é?
— Não é nada que não possa esperar um pouco mais.
Amanda voltou a chorar, interrompendo-os. Raymond compreendeu que a pequena
não aguentava mais esperar, e retirou-se.
Annebelle desabotoou os primeiros botões da blusa, expondo o seio cheio de leite.
Ao ver sua filhinha a sugá-lo, foi tomada por uma gama de emoções que misturavam
alegria, amor e outras que ainda não conseguia entender direito.
Ao mesmo tempo, escutou as botas de Raymond batendo contra os degraus da
escadaria. Foi aí que recordou o beijo, mas afastou a imagem da mente no mesmo
instante.
Raymond se dava melhor na cozinha do que a média dos homens. Além de saber
mexer no microondas, não tinha nenhum problema com o fogão. Deixou Mark limpando
os brinquedos que trouxera do sótão e colocou a sopa para esquentar. Também cortou
algumas fatias do pão que Annebelle fizera na véspera. Só de imaginá-la amamentando o
bebê...
Não deveria estar tendo esse tipo de pensamento. Annebelle era mãe de duas
crianças. E também ele não ficaria muito tempo naquele rancho, motivo suficiente para
não se apegar a Annebelle ou a Mark. Havia anos que sabia que ligações desse tipo
sempre resultavam em tristeza e decepção.
— Por que não vai até o quarto de sua mãe e pergunta se ela está pronta para
almoçar, Mark? Diga-lhe que levarei uma bandeja para cima.
De forma alguma Raymond queria voltar àquela suíte e correr o risco de flagrá-la
amamentando Amanda. Afinal, já existia tensão suficiente entre ambos.
Talvez fosse coisa de sua cabeça e Annebelle não estivesse nem notando.
Entretanto, ela não se afastara...
— Podemos ir até lá juntos e comer com ela, Raymond?
Sem saber como responder, Raymond optou pelo mais simples:
— Ter um bebê não é nada fácil, amigão, e sua mãe está muito cansada. Acho que
seria bem melhor se a deixássemos descansar hoje. E se Annebelle estiver melhor,
poderemos jantar juntos.
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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith
— Está bem. — Mark ficou aborrecido, mas logo seu ânimo voltou. — Posso sair
com você hoje à tarde?
— Se sua mãe deixar.
Assim que o menino correu para cima, Raymond foi mexer a sopa e deixou a colher
de pau cair no chão.
— Droga! — Era preciso prestar mais atenção ao que fazia.
Melhor que isso, devia tomar cuidado com cada passo dado.
Mark passava manteiga em sua torrada, e Raymond subiu levando a bandeja com
um prato de sopa, duas fatias de pão e um copo de leite. Parou à soleira ao escutar
Annebelle cantando uma canção de ninar para Amanda. Sentiu um aperto no peito e
respirou fundo, batendo.
— Pode entrar.
O sol começara a se pôr e brilhava pela janela da suíte, realçando os cabelos claros
de Annebelle. Estava linda, com a filha no colo, e mais uma vez Raymond parou para
pensar em como teria sido o relacionamento dela com o marido e se ainda o amava.
— Está com fome, Annebelle?
— Na verdade, não, mas sei que preciso me alimentar para ficar saudável e poder
amamentar Amanda. Temos de conversar sobre o jantar. Há algumas coisas que não
posso comer por... bem, por estar amamentando.
— Que tal bolo de carne? Vi um pacote de carne moída no freezer.
— Ótimo, desde que não exagere no tempero. — Ela esboçou um sorriso tímido. —
Acho que a maioria dos homens não sabe fazer bolo de carne.
— Não faço parte da maioria, Annebelle. — Colocou a bandeja sobre a cômoda. —
Também sei fazer purê de batata.
— Então será amigo de Mark para o resto da vida. Esse é o prato predileto dele.
Amigo para o resto da vida... Raymond quase não compreendia o conceito.
— Mark quer saber se você permite que ele me acompanhe, à tarde.
— Para mim, não há problema.
— Certo. Assim poderei mantê-lo ocupado enquanto você repousa. Mas... E se você
precisar de alguma coisa?
— Fique sossegado, Raymond. Depois de trocar Amanda, vou tomar um banho, me
trocar e tentar dormir um pouco.
— Caso precise de mim, pendure uma fronha na janela. Vou verificar de vez em
quando.
Annebelle baixou os olhos e acariciou o rosto da filha.
— Está me ajudando muito, Raymond. Nunca poderei agradecer-lhe.
— Generosidade não se paga, Annebelle. Ela caminha lado a lado com a verdade e
a honestidade.
Calada, ela recebeu um olhar de Raymond que a incomodou.
— Se precisar de algo, grite. Se não respondermos, pendure a fronha na janela. —
E Raymond saiu, fechando a porta atrás de si.
A tarde passou depressa, com Mark ajudando Raymond com as tarefas da fazenda.
Em momento algum vira uma fronha na janela.
Voltando para casa, ensinou o pequeno a preparar bolo de carne. Mark aprendia
rápido, e divertiu-se misturando a massa. Raymond deixou-o por alguns instantes para
ver se Annebelle estava bem.
Encontrando a porta entreaberta, empurrou-a com cuidado. Deitada na cama, de
lado, com as mãos debaixo do rosto, Annebelle estava linda e serena.
Amanda também dormia, junto dela, enrolada em uma manta cor-de-rosa. Raymond
entrou e pegou a colcha dobrada ao pé do leito para cobri-las.
Então, Annebelle ergueu as pálpebras.
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Na hora do jantar, Annebelle desceu com Amanda no colo, como se não pudesse se
separar da filha.
— Tenho mais um favor para lhe pedir — ela falou, antes de sentar-se à mesa.
Raymond sabia que era difícil para Annebelle pedir ajuda. Assim, não fez nenhum
tipo de comentário, apenas esperou que continuasse.
— Há um carrinho de bebê no sótão. Será que poderia pegá-lo para eu colocar
Amanda?
— Claro. Eu o vi antes. Está um pouco velho, não?
— Era meu. Foi meu pai quem fez.
As diferenças entre ambos o sensibilizavam. Annebelle sabia o que era uma família
e ser querida por pessoas próximas. Raymond nunca passara por isso.
Annebelle o elogiou pela refeição, mais de uma vez. Comeu tudo, e mostrava-se
descansada. Logo recuperaria suas forças, ele notou. Entretanto, não sabia se aprovava
muito a ideia, pois gostava de ter alguém que dependesse de seus préstimos.
Depois da refeição, Annebelle deixou o pequeno Mark segurar a irmã e contar todos
seus dedinhos. Raymond parecia encantado por Amanda, temendo tocá-la, com medo de
aproximar muito. Mais tarde, convidou Mark para jogar cartas.
Relaxada, Annebelle ficou sentada no sofá, tricotando um casaco para a filha.
Sempre levantava os olhos para os dois, pensativa. O que aquele estranho tinha de tão
especial? Fazia apenas dois dias que se conheciam, mas Raymond já agia com a
naturalidade de um membro da família.
— Vou subir para dar de mamar a Amanda — disse ela quando a menina começou
a chorar. — Mark, vista seu pijama. Daqui a pouco deverá ir para a cama.
Fazia muito tempo que Raymond ouvia Amanda resmungar, no andar de cima, por
isso decidiu ir ver o que estava acontecendo.
Pela porta entreaberta, avistou Annebelle andando de um lado para o outro com o
bebê no colo, ninando-a e cantando.
— Há algo errado?
— Acho que não, Raymond. Os bebês têm momentos de manha. Mark costumava
reclamar da meia-noite às duas da manhã.
— Creio que o segundo filho é sempre mais fácil, não?
— Sim, e dessa vez não estou tão medrosa. Com Mark eu temia fazer algo de
errado ou machucá-lo.
Amanda começara a chorar, e era evidente que Annebelle não queria deixá-la só.
— Posso colocá-lo na cama, se você quiser.
— Diga-lhe para vir até aqui me dizer boa-noite. E não precisa ler uma história...
— Não me importo de ler para ele, Annebelle.
Os olhares deles se encontraram, o dela, repleto de gratidão, e Raymond viu-se
querendo algo além de agradecimento. Virou-se e saiu para cuidar de Mark.
Raymond notou as sobrancelhas de Mark franzidas, já deitado.
— Qual é o problema, parceiro? Acha que não sei ler uma história tão bem quanto
sua mãe?
— A mamãe sempre me coloca na cama.
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Raymond foi até o balcão e pegou alguns bolinhos embrulhados em papel alumínio.
Annebelle lhe pedira para tirá-los do freezer para comê-los no jantar, mas haviam sobrado
alguns.
— Aceita? — ofereceu ele, abrindo o embrulho.
— Sim. — Annebelle tirou o leite do microondas. — Mas vamos para a sala, pois
será mais fácil escutar, se Amanda chorar. Se você for para a cidade amanhã, gostaria de
lhe pedir para comprar uma babá eletrônica.
— Faça uma lista de tudo de que necessita — disse Raymond, acompanhando-a
para a sala.
Em vez de sentar-se na poltrona diante de Annebelle, ele acomodou-se no sofá,
bem perto dela.
— Obrigada, Raymond — agradeceu, pegando o bolinho.
— Foi você quem os fez, ora...
— Você sabe do que estou falando. Obrigada por ter ficado aqui me ajudado tanto.
Cada vez aparece mais uma coisa... Não sei se um dia serei capaz de retribuir.
— Já lhe disse que não espero nenhum tipo de retribuição.
Ficaram em silêncio e, sem saber o que fazer, Annebelle comeu um pedaço do
bolinho. Raymond não conseguia parar de observá-la. Annebelle tinha um perfil tão lindo,
lábios tão carnudos...
— Você afirmou que vai até Billings amanhã. Pretende ficar fora o dia todo?
— Ainda não sei.
— Sinto muito, não quis me intrometer.
— Imagine, você não está se intrometendo. É que...
— Raymond passou a mão nos cabelos. — Não tenho certeza do que vou encontrar.
Eles se encararam. Raymond não conseguia adivinhar o que se passava pela
cabeça dela.
— Está procurando uma mulher, Raymond?
Ele ficou surpreso, mas ao mesmo tempo sentiu uma grande satisfação. Será que
ela se importava?
— Não, Annebelle. Procuro meu irmão.
Teria visto um certo alívio no lindo semblante?
— Você não sabe onde ele mora?
Raymond podia encerrar o assunto ou podia se abrir. Se não lhe contasse um pouco
sobre sua vida, Annebelle também não lhe daria informações, e ele estava cada vez mais
curioso de saber sobre o casamento dela com Pete Lawrence.
— Não tive uma infância como a maioria das pessoas. — Raymond deu de ombros.
— A maioria das crianças tem pais e um lar. Eu nunca conheci meus pais. Fui criando em
um orfanato.
— Ah, Raymond...
— Não lamente. As pessoas que cuidavam de nós eram muito amáveis, porém, não
eram uma família de verdade. As crianças iam e vinham. E a equipe também.
— Seu irmão também foi criado lá?
—Eu não sabia que tinha um até poucos meses atrás. O orfanato em que vivi, em
Tucson, fechou. Agora existe um outro tipo de entidade com um sistema completamente
diferente. Eu trabalhava em uma fazenda em Idaho quando recebi uma carta deles.
Todos os finais de ano Raymond enviava uma doação, como forma de
agradecimento.
— Junto, no envelope, encontrei a certidão de óbito de minha mãe e duas certidões
de nascimento. Uma era minha, a outra, de meu irmão, Hunter. As datas de nascimento
são as mesmas, mas há cinco minutos de diferença de horário.
— Então você tem um gêmeo!
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— Acho que sim. Na mensagem estava escrito que Hunter fora adotado aos oito
meses. E uma cópia dela foi enviada a um endereço em Billings. Tentei contatar as
autoridades de Tucson para pedir mais informações, mas ninguém sabia de nada. Tudo
aconteceu há muito tempo.
— Acha que seu irmão está em Tucson?
— Eu esperava que sim, mas não encontrei nenhum número de telefone de Hunter
Coleburn. Vou dar uma olhada nos registros públicos, fazer algumas perguntas, ir ao
endereço que tenho. Se não conseguir nada, terei de contratar um detetive.
— Mas é muito caro, Raymond.
— Sei disso, mas tenho algumas economias.
— Eu não estava tentando descobrir...
— Não precisa se explicar, Annebelle. Desde que saí de Tucson, com dezoito anos,
não tive muitos gastos. Um homem não precisa de muito quando não tem um lar fixo.
— Quer dizer que nunca morou em um lugar por muito tempo?
— Não. Sempre corri atrás de empregos. Trabalhei em construções, em ranchos...
Posso dizer que viajei bastante. Você já saiu de Montana?
Annebelle terminou o bolinho e colocou o guardanapo na mesa de centro.
— Não. Nunca fui mais longe que Helena. Meu pai me levou uma vez a um rodeio
lá.
— E seu marido?
— Pete cresceu aqui, como eu. E jamais teve vontade de... bem, de conhecer
lugares diferentes.
Algo em seu tom de voz que fazia Raymond querer especular um pouco mais. Mas
não queria assustá-la. Portanto, era melhor fazer uma pergunta de cada vez, dando-lhe
espaço para se acostumar à ideia de conversar sobre o passado.
Parecendo nervosa, Annebelle bebeu um gole de leite.
— Por quanto tempo pretende ficar aqui?
— Não sei, Annebelle. Depende do que vier a descobrir em Billings. E também de
quanto tempo você possa precisar de meus serviços.
— Contudo, assim não aumentará suas economias.
— Já lhe disse que não preciso de muito para viver.
Ela o olhava como se estivesse tentando decifrá-lo. Seus olhos castanhos eram
serenos, os lábios brilhavam dos goles de leite.
— Você é uma linda mulher, Annebelle.
— Acho que esteve muito concentrado no trabalho nos últimos tempos — respondeu
ela, sem conseguir evitar o rubor.
Raymond sorriu, e Annebelle também, mas seu bom senso não o impediu de levar a
mão até os cabelos sedosos. Queria dar-lhe tempo de se afastar, de raciocinar, de se
acostumar a ser beijada.
A mente dela funcionava sem parar diante do olhar fixo de Raymond. Tantos
sentimentos ecoavam a cada batimento cardíaco...
O que ainda fazia sentada ali sabendo o que aconteceria depois? Prometera a si
mesma que se manteria longe dele, mas existia algo naquelas íris azuis que a
convidavam ao desconhecido. E a força e gentileza daquele homem a encantavam de
uma forma incontrolável. Um beijo de Raymond Coleburn...
Ele inclinou a cabeça, e Annebelle cerrou as pálpebras. Seu corpo todo já tremia
antes de sentir o calor da respiração dele. Esperava um toque faminto, exigente, como
sempre acontecia quando Pete a beijava. Mas estava com Raymond, que já lhe dera
várias provas de sua amabilidade.
Primeiro, sentiu o contato de sua boca úmida, depois da barba por fazer. Um aroma
másculo e cítrico o envolvia, e Annebelle não acreditava em seu desejo crescente para
que o beijo se consumasse.
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CAPÍTULO IV
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— Raymond tem assuntos para resolver em Billings que não têm nada a ver
conosco. Está procurando um irmão que não conhece, e essa busca pode levá-lo para
bem longe daqui.
O pequeno não olhou para a mãe quando puxou o cobertor até o queixo.
— Boa noite, mamãe.
— Querido, se quiser conversar sobre...
Mark meneou a cabeça.
Pelo que conhecia do garoto, Annebelle entendia que de nada adiantava pressioná-
lo. Quando sentisse segurança, falaria daquilo.
— Eu te amo. — Annebelle abraçou-o.
Mas o pequeno não respondeu.
Antes de sair do quarto, ela o beijou na testa.
— Boa noite, amorzinho.
Annebelle entrou debaixo do chuveiro para tentar relaxar. Assim que saiu, se pôs a
amamentar Amanda, sentada na cadeira de balanço, cantarolando e pensando em como
agir com o filho. Foi quando escutou uma batida na porta.
— Precisamos conversar. — E Raymond entrou sem esperar resposta. — Mark
acabou de descer e me perguntou se...
As palavras lhe faltaram assim que Raymond a viu dando o seio para a filha.
Ao encará-lo, Annebelle viu algo tão poderoso nos olhos dele que se assustou. Uma
mistura de saudade e desejo, e algo completamente desconhecido. Procurou alguma
coisa com que se cobrir, mas não achou nada.
Notando seu desconforto, Raymond foi até o berço, pegou uma manta e passou-a
para Annebelle.
— Por fim, aconteceu: eu a vi seminua. Annebelle, há décadas as mulheres
amamentam seus filhos em público. Por que você precisa se esconder aqui na suíte, para
fazê-lo?
Ela não compreendeu a raiva e frustração dele.
— Não tem o direito de me dizer como devo cuidar de minha filha, Raymond.
— Você pode estar cuidando de sua filha, mas não de seu filho. Mark acabou de
descer e me perguntou quanto tempo vou ficar aqui. Quando afirmei que não sabia, ele
subiu para o quarto, e agora não quer mais falar comigo.
Annebelle sabia que Mark estava magoado. Portanto, dessa vez não poderia
esperar que ele falasse. Teria de forçar o assunto.
Sentiu os olhos marejados ao se dar conta de tudo o que tinha para fazer.
Recuperar-se do parto, cuidar de um recém-nascido, dedicar-se a uma criança enciumada
sem saber como, lidar com o desejo evidente de Raymond, lutar contra seus sentimentos
cada vez mais fortes em relação àquele estranho.
Tentou contê-las, mas as lágrimas escorreram por suas faces, sem controle.
Raymond aproximou-se, abaixando-se ao lado dela.
— Ah, Annebelle, eu não queria que você se sentisse mal... Depois que terminar de
alimentar Amanda, nós conversamos, está bem?
Ela assentiu, percebendo que tinha de enfrentar o que sentia por Raymond, bem
como o que incomodava seu filho.
O pranto não cessou nem depois que ele saiu da suíte. Enxugou-as, enquanto sua
filha mamava, torcendo para que fosse apenas uma desordem hormonal, pois não
costumava ser tão suscetível.
Depois de colocar a pequena no berço, lavou o rosto, penteou os cabelos e
preparou-se para enfrentá-lo.
Passou pelo quarto de Mark e ficou contente ao vê-lo dormindo. Deixando a porta
entreaberta, desceu as escadas.
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Na manhã seguinte, Raymond saiu logo cedo para alimentar os animais e cortar
lenha.
Annebelle despertou com a energia renovada, e Raymond suspeitou que se tratava
mais de determinação do que de uma boa noite de sono. Agia como se tivesse pensado
muito em tudo o que estava acontecendo e tomado algumas decisões importantes. Ele,
todavia, nem imaginava quais seriam.
Decerto insegura, Annebelle evitava chegar muito perto, mas Raymond recordava
muito bem o brilho em seus olhos, na véspera. Fora uma estupidez dizer-lhe que teria de
pedir-lhe para ser beijada. Por conta disso, na certa nunca mais a beijaria, já que era tão
teimosa.
Ficou desapontado, mas procurou afastar o sentimento e continuar a cuidar dos
cavalos.
Quando voltou para casa, Annebelle colocava o café na mesa: ovos mexidos, leite
quente, fatias de pão torrado. Chamou o filho para comer e sorriu ao vê-lo descendo as
escadas. Fez o possível para conseguir conversar, e logo Mark estava lhe contando sobre
o peru que desenhara na aula de artes.
— Falta bem pouco para o dia de Ação de Graças, querido. Acho que precisamos
comprar um peru.
— Tem certeza de que quer ter todo esse trabalho? — perguntou Raymond.
— É Ação de Graças — ela repetiu, como se aquilo explicasse tudo, após olhar para
o filho.
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Esse dia nunca significara nada de especial para Raymond, como a maioria dos
feriados. E também não tinha ninguém com quem comemorá-lo.
Como não encontrara nenhum sinal do irmão, decidiu colocar anúncio em alguns
dos grandes jornais de Chicago até Los Angeles. Temia alimentar muitas expectativas,
mas era sua última tentativa antes de contratar um detetive particular.
— Por que não faz uma lista, Annebelle? Mark e eu poderemos ir até a cidade e
comprar o que precisa. Mas só iremos fazer as compras se você prometer que
poderemos ajudá-la, não é, companheiro?
Mark arregalou os olhos, surpreso.
— Sim, eu posso picar o pão para o recheio.
Contente, Annebelle sorriu para o filho e bebeu mais um gole de suco. De repente,
escutaram o choro de Amanda, que vinha da sala.
A expressão alegre de Mark desapareceu como que por encanto.
Em vez de sair correndo amparar a filha, porém, Annebelle virou-se para o menino:
— Por que não me mostra o desenho que fez na escola? Posso olhá-lo enquanto
dou de mamar para sua irmã.
— Verdade? — Mark e fitou, confuso.
— Lógico que sim. Vou esperá-lo na sala.
O olhar de Raymond encontrou o de Annebelle. Pelo visto, as mudanças só lhes
trariam satisfação. Para tanto, resolveu dar-lhe espaço para se adaptar.
— Fique sossegada, Annebelle, eu cuido da cozinha. Depois, irei para o celeiro.
Ao ver o lindo sorriso agradecido, o coração de Raymond bateu mais forte. Aquele
gesto o fez acreditar que a partir de então começariam a se entender.
Sentia que Annebelle gostava de sua companhia, de tê-lo por perto. Estaria indo
longe demais pensando assim?
Antes de sair, escutou Annebelle contando a Mark como seria o desenvolvimento da
irmã, desde a primeira gargalhada até o primeiro passo.
Contente por mãe e filho estarem se entendendo, ele dirigiu-se para o celeiro.
Cerca de uma hora depois, Raymond avistou uma bela caminhonete prateada,
reluzindo de tão polida. Deveria ser a vizinha, Marvis O'Neill, pois Annebelle lhe dissera
que a amiga viria visitá-la.
Raymond pretendia cuidar um pouco do jardim, mas mudou de ideia assim que viu o
motorista. Um homem alto e moreno, usando chapéu, caminhava atrás de um casal de
mais idade. Sentiu a curiosidade aumentar.
Seguiu até a residência e, entrando, deparou com todos, exceto Mark, na sala de
estar. A senhora de cabelos grisalhos segurava Amanda. Seu marido estava ao lado,
olhando orgulhoso para o bebê. Mas foi o jovem que chamou a atenção de Raymond.
Acomodado ao lado de Annebelle, ele a olhava como se fosse a mulher mais
deslumbrante do mundo. E era, mesmo. Ela usava uma malha vermelha de gola alta e
uma calça jeans. Também tinha os cabelos soltos.
Aproximando-se, Raymond pigarreou e manteve o olhar fixo em Annebelle. Todos
voltaram a atenção para ele.
— Raymond, estes são Marvis e Rod O'Neill, e o filho deles, Dallas. Queridos,
apresento-lhes Raymond Coleburn. Ele está me ajudando a cuidar da fazenda —
explicou, com as faces rosadas.
— Mamãe deveria ter dito que eu viria para o dia de Ação de Graças, Annebelle. Eu
poderia tê-la ajudado.
— Você já tem preocupações demais, Dallas. De qualquer maneira, muito obrigada.
Negando o ciúme que começava a torturá-lo, Raymond estendeu a mão para o
rapaz, procurando ser amistoso.
— Prazer em conhecê-lo, Dallas.
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— Mais uma vez, muito obrigada por tudo o que fez por mim durante a gravidez,
Rod.
— E nós continuamos adorando seus bolos e suas tortas — respondeu o pai de
Dallas, olhando para a esposa.
Annebelle passou uma xícara de café para Dallas.
— Também lhe agradeço. E, quando Raymond for embora, eu lhes avisarei se
precisar de alguma coisa.
— Promete? — Dallas indagou, com o carinho da amizade de muitos anos.
— Prometo.
Houve um silêncio pesado durante alguns segundos, até que Raymond se levantou.
— Foi um prazer conhecê-los, mas tenho de voltar ao trabalho.
Percebendo que ele não estava à vontade, Annebelle não se manifestou em
contrário.
— Você não tomou seu café. Vou colocar um pouco na garrafa térmica.
Raymond a seguiu até a cozinha. E não tirou os olhos dela.
— O que aconteceu, Raymond?
— Nada, Annebelle. Gostaria apenas de lhe fazer uma pergunta. — A voz dele era
profunda e baixa. — O que Dallas O'Neill significa para você e desde quando isso vem
acontecendo?
CAPÍTULO V
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uma senhora o recebera. Raymond perguntou sobre os antigos proprietários, mas ela só
soube informar-lhe que tinham se mudado para o Colorado.
Concentrado em colocar mais anúncios nos periódicos do Colorado, Raymond pôs a
última carta em cima da pilha.
Annebelle estava sentada na sala com Mark, quando Amanda começou a chorar. Já
passara da hora de o garoto ir para a cama, e agora ele parecia mais contente. A mãe lhe
dava mais atenção, mas mesmo assim devia ser difícil não ser mais filho único.
— Por que não me deixa cuidar um pouco de Amanda enquanto você põe Mark para
dormir? — sugeriu Raymond.
— Mas você nunca a pegou no colo! — Annebelle arregalou os olhos.
— É verdade, mas creio que não deve ser difícil.
A expressão de Annebelle não era das mais satisfeitas.
— Não se preocupe, vou tomar cuidado — garantiu Raymond. — Prestei atenção
quando você ensinou Mark a segurá-la. É preciso manter a cabeça apoiada.
— Ele consegue, mamãe. Raymond é bom em tudo o que faz — intrometeu-se o
pequeno.
— É você quem está falando, companheiro.
Quando o choro da menina aumentou, Annebelle resolveu ceder.
Raymond estendeu os braços e esperou.
— Muito bem, minha garota. — Ele acariciou-lhe o queixo. — Vamos ficar
passeando pela sala até a mamãe voltar. Prometo que não vou deixá-la cair ao chão.
Annebelle se espantou com o silêncio repentino da filha.
— Pelo jeito, Amanda gostou de sua voz — comentou ela.
— Então vamos ficar conversando.
Sozinho na sala com o bebê, Raymond caminhava para lá e para cá, conversando
com Amanda como se ela fosse da mesma idade de Mark. Não entendia por que as
pessoas tratavam nenês como seres de outro planeta.
Parou ao lado da janela, apontando para a lua e mostrando à menina como as
estrelas formavam figuras no céu.
Envolvido em contar a Amanda sobre as constelações, nem percebeu que Annebelle
voltara e estava parada a seu lado.
— Pelo visto você conhece muito bem o firmamento.
— Um pouco, Annebelle. Quando criança, ganhei um livro sobre as estrelas, a lua e
o sol. Foi uma exceção, pois, no orfanato, os garotos não tinham seus próprios
brinquedos, tudo era de todos. No entanto, uma das professoras me presenteou com o
livro por acreditar em meu potencial. Na hora, não entendi direito, mas me pareceu
importante, e eu o lia todas as noites, enquanto os outros dormiam.
Junto com Annebelle, Raymond olhou para a lua através da vidraça coberta de gelo.
— Está na hora de levar Amanda para cima.
— Quer um copo de leite antes de se deitar, Annebelle?
— Sim, por favor. E pegue mais um pedaço de torta.
Assim que Annebelle voltou para a sala, deparou-se com um prato cheio de
migalhas, uma caneca vazia e seu copo de leite ao lado. Raymond, porém, estava parado
novamente à janela, perdido em seus devaneios.
A luminosidade que entrava era pouca, mas podia-se distinguir com perfeição seu
perfil. Annebelle quis saber o que se passava pela cabeça dele. Aproximou-se, mas ele
não se mexeu, como se não a tivesse notado.
— Hoje foi um dia muito especial para mim. Mais do que você possa imaginar —
disse ele, de repente.
— Para nós também — admitiu Annebelle, com sinceridade.
O olhar intenso que recebeu deveria tê-la assustado, mas, pelo contrário, a excitou.
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O salão anexo à igreja estava repleto de gente, na manhã de sábado. Era a primeira
vez que Annebelle levava Amanda para passear.
Planejara passar para entregar as tortas e rever algumas pessoas que só
encontrava nessas ocasiões. Logo que entrou, viu-se rodeada por um grupo de mulheres
querendo conhecer sua filha.
— Ouvi dizer que ela se chama Amanda — comentou uma delas.
— E que o parto foi na estrada.
— Também sabemos que há um homem morando com você — adicionou uma
terceira.
Naquele momento, Raymond entrou carregando a caixa com os doces. Como de
costume, Mark vinha atrás, sentindo-se muito importante por também estar com sua torta
na mão.
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CAPÍTULO VI
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Depois do incidente na igreja, o clima entre os dois não era dos melhores. Não
chegaram a conversar a respeito, porém, Raymond desconfiava que ela não gostava de
ser alvo de mexericos. Mas, como não acontecera nada de mais, não havia motivos para
maiores preocupações.
Todavia, ambos sabiam que existia algo de muito forte entre eles, e esse era o
grande problema.
— Que cheiro bom! — elogiou Raymond.
Tentava agir de forma natural, mas estava cada vez mais difícil. Ainda mais quando
se deparava com aqueles lindos olhos castanhos tão expressivos.
— Fiz pudim de pão — disse Annebelle. — Está quase pronto. Ah! Chegou uma
carta para você.
Ela apontou para a mesa, onde havia um envelope ao lado do galheteiro.
Seria a resposta de algum de seus anúncios? O coração de Raymond disparou.
Pegando o envelope, sentou-se em uma cadeira e ficou olhando-o por alguns momentos.
John Morgan era o remetente. De Denver.
— Raymond? O que foi?
— Não sei se quero saber. O conteúdo desta mensagem pode mudar para sempre
minha vida.
— A única maneira de você saber se isso vai acontecer é abrindo-a.
Em um primeiro momento, Raymond achou que deveria fazê-lo em particular, mas
então percebeu que estava contente por ter a companhia de Annebelle.
Assim, rasgando o envelope, pegou a carta e a desdobrou. Pensou que seu coração
saltaria pela boca à medida que lia e, assim que terminou, encarou Annebelle.
— Morgan diz que ele e a esposa adotaram uma criança há trinta e um anos. O
nome do garoto era Hunter Coleburn. Estavam morando em Tucson, na época, mas se
mudaram para Billings logo depois. E agora moram em Denver.
— E ele conta onde está Hunter?
— É advogado de uma empresa multinacional e está fora do país.
Raymond fitou a missiva de novo. A informação que acabara de dar a Annebelle
pairava no ar entre eles.
— E você pretende ir para Denver?
Dali a duas semanas seria Natal. Raymond não deveria sentir-se ligado àquele
rancho, pois nunca passara por uma experiência como aquela antes. E Hunter Coleburn
nem estava nos Estados Unidos. Por que sair correndo, agora que Annebelle precisava
dele? Mesmo que não o admitisse, ela ainda não tinha condições de cuidar de tudo
sozinha.
— Há os cavalos e o gado para alimentar, e muita neve pela frente. Isso pode
esperar mais um pouco. — Raymond guardou o envelope e colocou-o no bolso.
— Deseja ter uma família, Raymond?
O olhar de Annebelle lhe dizia que ela não deixaria o assunto para depois.
— Nunca tive uma de verdade; portanto, não sei se quero.
— Mas não gostaria de conhecer seu irmão?
— Nem sei se ele é meu irmão. E, mesmo se for, Hunter está fora do país.
— Entretanto, se você fosse falar com os pais dele...
— Achei que tivesse me dito que Mark gostaria de ter-me aqui nas férias.
— Sim, ele quer, Raymond, mas nós não somos seus parentes. E não quero ser
responsável por você não encontrar seu irmão.
— Não falei que não irei a seu encontro. Responderei para John Morgan e lhe
mandarei uma fotografia. Se Hunter e eu somos gêmeos, ele poderá confirmar a
semelhança. E, se tudo não passar de coincidência, também saberei. De qualquer forma:
estarei aqui no Natal. A menos que queira que eu vá embora, Annebelle.
— De jeito nenhum.
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Raymond sabia que Annebelle não aceitaria algo muito grandioso. Em seus
momentos de folga, ele aprendera a fazer esculturas em madeira e, nas duas últimas
semanas, se dedicava a esculpir um objeto para ela, uma pequena e linda árvore.
Mark, por outro lado, era um assunto bem mais delicado.
— Pensei em comprar uma sela para Mark. O que acha? — Raymond quis saber, ao
caminharem entre os brinquedos.
— Mark não precisa de uma nova sela, Raymond. Ele usa a minha. — Annebelle
parou de andar.
— E quando vocês cavalgam juntos?
— Eu uso a que era de Pete.
— Creio que seria bom se Mark tivesse uma só dele.
Annebelle lhe pareceu confusa.
— É um presente muito caro, Raymond. Não posso permitir que você faça isso.
— Em minha opinião, o que importa não é o valor do presente, e sim as intenções.
Annebelle recomeçou a caminhar, indicando que seria difícil fazê-la mudar de ideia.
— O que vai comprar para ele?
— Marvis achou um trenó em um bazar. É usado, mas só precisa de uma pintura. E
quero dar-lhe um novo taco e uma bola de beisebol. Na primavera, Mark jogará no time
da escola.
— E que tal uma luva?
Quando chegaram à parte de itens esportivos, Raymond parou.
— Deixe-me dar-lhe uma luva, uma bola de futebol e talvez uma de basquete. O
gramado ao lado do celeiro é excelente para Mark brincar.
— Raymond...
Ele sabia que viria um sermão, mas não queria escutar.
— O Natal é uma época para se adquirir brinquedos, para as crianças ganharem o
que querem, e não para que as privemos dessas alegrias.
— Dentro de meus limites, não privo Mark de nada. E agora também tenho Amanda.
— Mais um motivo para eu lhe dar algo especial, Annebelle. Se não for uma sela,
que tal um trem elétrico ou uma bicicleta?
— Quer fazer isso para que ele tenha uma lembrança sua quando você for embora?
Talvez ela estivesse certa. Era possível que quisesse que Mark tivesse uma boa
recordação dos deliciosos momentos que haviam passado juntos. Mas não gostou da
forma como Annebelle colocou a situação.
— Só acho que Mark precisa saber que é especial, que não é diferente de nenhuma
criança. Respeitarei sua decisão, se acha que não devo lhe dar a bicicleta e o trem
elétrico, mas comprarei pelo menos as bolas e as luvas.
A caixa registradora estava cheia, apesar de ser meio-dia. Todos faziam compras
para o Natal, cada dia mais próximo.
Na fila, Annebelle observava de vez em quando Raymond, observando os olhos
azuis com um tom acinzentado. Toda vez que ficava pensativo, as íris dele ficavam assim.
Havia algum motivo muito forte para Raymond querer tanto presentear seu filho.
Depois de pagar a conta, foram para o carro para guardar os pacotes. Então,
começou a nevar.
— Espero que a neve não aumente. Prometi a Mark que procuraríamos uma árvore
de Natal para cortar quando ele voltasse da escola. Tem alguma coisa contra árvores de
Natal?
— Por favor, Raymond, não sou nenhuma avarenta. — Annebelle se aborreceu com
o comentário. – Apenas aprendi a economizar.
Raymond a fitou por alguns instantes, depois fechou a porta da caminhonete.
Annebelle apontou para um canto do estacionamento onde havia árvores iluminadas
e pequenas figuras mecânicas de animais e crianças formando um presépio.
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Ver o brilho do Natal nos olhos de Mark enquanto procuravam um pinheiro foi uma
alegria sem tamanho para Raymond. Ao se lembrar da discussão com Annebelle na loja
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de brinquedos, percebeu que seria importante para os dois cortar uma árvore para colocar
dentro de casa. Ela se apegava demais às tradições.
O dia estivera lindo, mas tinham de ir depressa, porque logo escureceria. Raymond
parou ao lado da cerca de arame farpado e constatou que teria de levantar o garoto, pois
ele não passaria por baixo.
— A mamãe me disse que o vovô costumava cortar nossas árvores de Natal — falou
Mark, quando Raymond soltou-lhe o cinto de segurança.
— E depois que seu avô morreu?
— Mamãe cortava uma árvore bem pequena e a levava para nós. Porém, não dava
para colocar muitos enfeites. Podemos pegar uma bem grande?
— Vamos ver se encontramos uma que vá até o teto. Mais alta não pode ser, pois
Annebelle não nos deixará fazer um buraco no telhado. — Raymond deu risada.
Mark também riu, e os dois desceram da picape.
— Você vai estar aqui depois do Natal? — Mark quis saber, ao se porem a caminhar
pelo terreno escorregadio.
— Algum motivo especial para a pergunta? — Raymond desconfiava que o garoto
tinha algo em mente.
— Haverá o Festival da Diversão na escola, logo depois do Ano-Novo. As crianças
farão bonecos de neve com seus pais se o tempo não estiver muito ruim. O mais bonito
ganhará um prêmio. Também há jogos e competições. Pensei que... você poderia ir
comigo.
A julgar pela expressão de Mark, Raymond percebeu que sua presença era mesmo
muito importante.
— Claro que irei com você, amigão. Mas há anos não faço um boneco de neve. Se o
clima continuar assim podemos praticar um pouco.
— Está bem!
Raymond não estava acostumado a ter pessoas se preocupando com ele. E, na
mesma medida que o incomodava, causava-lhe grande satisfação.
— Bem, Mark. — Tocou o ombro do garoto. — Vamos procurar um pinheiro
especial.
Demoraram um pouco mais do que o imaginado para encontrar um pinheiro, pois a
neve estava muito alta. Além disso, Mark não queria apenas uma árvore grande. Tinha de
ser perfeita, sem buracos, muitos galhos e de tronco reto.
Quando, por fim, conseguiram achar uma que o agradasse, o sol já estava baixando
no horizonte.
—Teremos de correr — brincou Raymond —, ou precisaremos da lua para nos
guiar.
— Estou muito contente por você ter resolvido passar o Natal conosco. — Mark o
encarou com seus grandes olhos castanhos, bochechas rosadas e um belo sorriso.
Raymond sentiu um nó na garganta e percebeu que aquele garoto ocupava um lugar
cada vez mais especial em seu peito.
— Também estou feliz por poder estar aqui com vocês. Mas vamos embora, porque
já está tarde. Sua mãe vai ficar preocupada.
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CAPÍTULO VII
CAIXAS E caixas com enfeites de Natal estavam espalhadas pelo chão da sala.
Annebelle segurava o filho em cima de um banco para que ele pudesse pendurar um
pequeno sino no galho. Ao olhar para o lado e ver que Raymond examinava uma bola
azul com o nome de Mark gravado, ela sentiu as faces quentes de novo. Nunca
experimentara o mesmo por homem algum. O coração disparado e as pernas bambas
eram novidade para Annebelle.
E, com a proximidade, sentia o calor de seu corpo, seu perfume, suas pernas, seu...
Quando notara a excitação dele no banheiro, também se excitara, e ficou
imaginando o que aconteceria se deixasse seus desejos falarem mais alto. Dali a algumas
semanas já poderia...
Bem, dali a algumas semanas Raymond já não estaria mais naquela casa, na certa.
— Posso colocar a estrela na ponta do pinheiro antes de ir para a cama, mamãe?
Mesmo quando cortavam uma árvore pequena eles a enfeitavam com a estrela guia.
— Claro que sim, mas o banco não será alto o suficiente.
— Eu o ergo — ofereceu-se Raymond.
— A estrela está na caixa em cima do sofá. — E Annebelle afastou-se.
Mark pulou do banco e saiu correndo para pegá-la.
— Foi você quem pintou essa bola, Annebelle? — Raymond indicou a bola com o
nome e a data de nascimento de Mark, além de um anjinho.
— Sim, no primeiro Natal da vida dele.
— Você sabe mesmo como tornar os momentos especiais.
A voz dele, baixa e profunda, causou-lhe um arrepio delicioso.
— O que quer dizer, Raymond?
— Mark se acha especial toda vez que olha para essa bola. Aposto como você faz
um bolo de aniversário para ele todos os anos, não?
Ela assentiu, imaginando que Raymond nunca comemorara seu aniversário.
— Quando faz anos, Raymond?
— Dia oito de abril.
Nessa data, Raymond, decerto, estaria bem longe.
— Alguns dos enfeites são muito velhos. — Ele resolveu mudar de assunto,
apontando para um floco de neve feito de crochê pendurado no pinheiro.
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Era véspera de Natal. Raymond acabara de voltar do curral quando viu Mark
correndo em sua direção.
— Rápido, Raymond! — disse ele, quase sem fôlego. — A mamãe falou que é um
telefonema importante para você!
Apenas uma pessoa tinha o número de seu telefone na Fazenda Double Blaze: John
Morgan, o pai adotivo de Hunter Coleburn.
Amarrando depressa o cavalo na cerca do curral, Raymond saiu correndo para a
casa, e o garoto foi atrás, tentando alcançá-lo.
— É Hunter Coleburn — disse Annebelle, assim que o viu.
O coração dele disparou.
— Vamos dar um pouco de privacidade para Raymond, querido — ela sugeriu,
abraçando o pequeno e indo para a sala.
Raymond esperou ficar a sós.
— Alô?
— Raymond Coleburn?
— Sim.
— Aqui quem fala é Hunter Coleburn. Acabei de voltar para meu escritório em
Londres e encontrei uma mensagem de meus pais. Depois de conversarmos, eles me
enviaram um fax com sua carta e a fotografia que você mandou. A não ser pelo detalhe
de meus cabelos serem pretos, e meu pai falou que na foto os seus são castanhos,
poderíamos passar um pelo outro. Somos gêmeos, Raymond.
Com a pulsação disparada, ele não sabia o que falar, e também não imaginava o
que Hunter pensava sobre encontrar um irmão que nem sabia existir.
— O que achou dessa história toda, Hunter?
Houve um breve silêncio do outro lado da linha.
— Foi um grande choque. Eu não sabia que tinha uma família de verdade. Bem... é
um assunto meio delicado para se tratar por telefone, e só voltarei aos Estados Unidos
dentro de três semanas. Gostaria de encontrá-lo, então. Você poderia ir até Denver, ou eu
até Montana.
— Vamos combinar melhor quando você chegar ao país — propôs Raymond. —
Ainda não sei se estarei aqui, mas lhe telefonarei, caso não esteja. Pode me dar um
número para contato?
Raymond fez a anotação em um pedaço de papel.
— Existe algum motivo para você continuar usando o sobrenome Coleburn, Hunter?
— Foi meu primeiro sobrenome até os vinte e um, e depois decidi usar apenas ele.
Raymond suspeitava que havia algo mais, porém, precisavam de mais do que cinco
minutos para se conhecerem melhor. Talvez demorassem toda uma vida.
— Meu pai falou que você trabalha em uma fazenda em Montana, Raymond. É isso
o que faz?
— Isso também. Já trabalhei em construtoras, mas prefiro o contato com a natureza.
Não paro muito tempo no mesmo lugar. E você?
— Minha especialidade é Direito Internacional, então viajo bastante. Pelo visto nós
dois temos a mesma necessidade de... vagar.
Mais alguns momentos de silêncio, como se eles não soubessem por onde começar.
— Fiquei muito contente com seu telefonema, Hunter. Não achei que fosse
encontrá-lo.
— Que bom que nos encontramos! Ligarei para você assim,que souber de mais
detalhes sobre meu retorno.
— Ótimo. E eu lhe informarei onde vou estar. Desejo-lhe um feliz Natal.
— Já começou bem — respondeu Hunter, com um traço de emoção na voz. — Feliz
Natal para você também, meu irmão. Cuide-se. Até mais.
Quando Raymond colocou o fone no gancho, sua garganta estava fechada.
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Colocar Mark para dormir na véspera de Natal foi mais difícil do que o esperado. O
garoto estava muito excitado com os acontecimentos, concluiu Raymond, indo ao seu
quarto se trocar para ir para a igreja.
Annebelle já amamentara Amanda, e a pequena dormiria por algumas horas.
Raymond tinha acabado de calçar as botas quando escutou vozes na cozinha.
Imaginou que Marvis tivesse chegado. Tirou seu novo paletó caramelo do armário e
vestiu-o. Depois, seguiu para a cozinha.
Quando as duas mulheres o viram, pararam de falar e ficaram só olhando. Annebelle
o analisou de cima abaixo, e era evidente que estava sem palavras. Será que parecia tão
diferente do normal apenas por usar gravata e uma calça mais elegante do que o
costumeiro jeans?
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Durante todo o tempo Annebelle ficou com as mãos entrelaçadas no colo. Olhou
para Raymond, e eles aproveitaram aquele momento único por alguns segundos.
— Estou muito contente por você ter me convidado para vir à igreja, Annebelle.
Ao receber apenas um sorriso como resposta, Raymond ficou imaginando em que
ela pensava. Estaria se lembrando de outros Natais, talvez ao lado do marido? Não fazia
ideia de como era Pete Lawrence, e só saberia quando, e se, ela estivesse pronta para
lhe contar.
Após os ritos finais, o pastor passou a cumprimentar os membros de sua
congregação. Mas, antes de conseguirem chegar até ele, Dallas tocou o ombro de
Annebelle.
Assim que Dallas a abraçou, Annebelle notou que a expressão de Raymond se
modificou. “Ele está mesmo com ciúme!”, pensou, com certa satisfação.
Quando vira Raymond de paletó e gravata, Annebelle sentiu um forte calafrio
percorrer-lhe o corpo. Até de camisa de flanela ou com a barba por fazer, ele era o
homem mais bonito do mundo. Tudo a respeito dele o tornava especial, e a atração
aumentava a cada dia. Mesmo sentados na igreja, Annebelle teve vontade de segurar-lhe
a mão, de sentir seu toque gentil, sua proximidade.
— Feliz Natal, Dallas — disse ela, soltando-se.
— Feliz Natal para você também. — Dallas olhou para Raymond. — Coleburn...
— Feliz Natal, O'Neill — respondeu ele, sem o menor entusiasmo.
— A mamãe falou que iria convidá-la para o jantar de Natal amanhã. Você irá?
Annebelle se esquecera completamente do convite.
— Ainda não conversei com Raymond. Falei a Marvis que lhe daria a resposta
quando voltasse do culto.
— Bem, espero que possa ir. Você vai à comemoração de Ano-Novo dos Diamond?
Annebelle resolveu incluir Raymond na conversa, e dirigiu-se a ele:
— Um dos fazendeiros, Amos Diamond, cria quartos-de-milha. Todos os anos ele
faz uma festa na área de treinamento de se rancho. É um grande evento, com gente vindo
de todas as partes.
— Parece-me interessante... — comentou Raymond, sem grande interesse.
Após mais alguns minutos de conversa, Dallas beijou Annebelle no rosto e desejou-
lhe boa-noite. Depois apertou a mão do pastor e se foi.
Raymond se manteve calado ao ser apresentado ao pastor por Annebelle. A
quietude continuou, ao saírem da igreja.
— O que há de errado? — perguntou Annebelle, preocupada.
Parado diante do carro, Raymond tirou o chapéu.
— Não se sinta na obrigação de não ir ao jantar de amanhã por minha causa.
Annebelle sabia quantos Natais Raymond passara sozinho. Não permitiria que o
mesmo acontecesse também esse ano. E não se tratava de caridade, queria estar com
ele.
— Você também foi convidado.
— Por educação.
— Não é verdade, e eu só irei se você for comigo. Gostaria muito de passar o Natal
a seu lado.
— Você tem um grande coração, Annebelle, mas não quero sua compaixão.
— Acha que se trata disso? — Ela o encarou.
Não houve resposta. Annebelle meneou a cabeça.
— Podemos fazer o que você quiser, Raymond. Ou jantamos em casa ou com os
O'Neill. Para mim, tanto faz.
Ele pareceu se acalmar um pouco.
— Sabe o que mais, Annebelle? Vou com você a esse jantar dos O'Neill se
pudermos ir juntos à comemoração de Ano-Novo, mas como um encontro.
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CAPÍTULO VIII
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— Amos Diamond sabe como organizar uma festa. Ele não é muito querido, mas as
pessoas o respeitam. Criadores de todo o país vêm até aqui comprar seus cavalos e
treiná-los.
— Quer pendurar seu casaco? — perguntou Raymond, vendo os cabides na entrada
da arena. — Ou prefere segurá-lo?
— Acho melhor pendurá-lo, para não me atrapalhar.
Ao ajudá-la atirar a despir o agasalho, Raymond tocou-lhe os ombros, e Annebelle
sentiu um arrepio.
Era assim desde o Natal: uma onda de eletricidade os envolvia o tempo todo.
Raymond pendurou seu paletó também, ficando apenas com a camisa branca e a
gravata. Alegrou-se por ter se vestido assim, pois a expressão de Annebelle era de
aprovação.
— Você está muito bonita. — Raymond apreciava a forma como Annebelle prendera
os cabelos em um coque solto, assim como a cor de seu batom.
— Obrigada.
— Por nada. — Raymond colocou a mão em volta da cintura dela, e entraram na
festa.
Annebelle não se afastou, e ele sentia o calor que emanava de seu corpo através do
tecido da camisa.
Acomodaram-se a uma mesa com alguns conhecidos de Annebelle. Diferente das
senhoras na igreja, não se mostravam curiosos do relacionamento deles. Queriam apenas
passar uma gostosa noite de réveillon.
Aos poucos, os casais foram se levantando e indo para a pista de dança, pois
começara a tocar uma típica música country.
— Gosta de dançar, Annebelle?
— Sim, desde pequena. — Ela sorriu.
Raymond ergueu-se e estendeu-lhe a mão.
Durante a hora seguinte, ele conheceu um outro lado de Annebelle, alegre e
despreocupado.
Em meio às danças, ela conversava com os outros casais como se não tivesse
nenhuma responsabilidade maior no mundo. Era tão bom vê-la daquele modo...
A banda, então, fez uma pausa, e eles foram até a mesa para comer e beber.
Entretanto, não permaneceram ali por muito tempo, pois logo começou a tocar uma
música lenta, e Raymond queria tê-la nos braços.
— Você também dança bem as lentas?
— Terá de descobrir sozinho — respondeu Annebelle com um sorriso malicioso.
Annebelle era belíssima, sensual e meiga, Raymond concluiu, ao levá-la para o meio
da pista e se puseram a dançar.
Segurando-a bem perto, colocou a mão dela em seu peito para que pudesse sentir
seus batimentos cardíacos. O aroma do perfume floral era mais inebriante do que um
uísque velho, e seu desejo aumentava a cada momento. Era algo mais do que físico, e
essa constatação lhe causou certa estranheza. Tinha a ver com as tradições, com família
e com o vínculo a um determinado lugar... e pessoa.
Durante anos e anos Raymond se considerara um errante, e gostava de ser assim.
Mas aquela proximidade de Annebelle, a intimidade com seus filhos começavam a lhe
mostrar que já não era mais bem assim.
Acariciou-lhe as costas e quando Annebelle levantou os olhos o tempo pareceu
parar. Raymond inclinou a cabeça, ciente de que os vizinhos poderiam estar olhando. Em
vez de beijá-la, encostou o rosto contra o dela e tocou-lhe a testa com os lábios, sentindo
a maciez de sua pele. De certa forma era mais sensual. Mais desconcertante.
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— Espero que no final de agosto. Mas virei algumas vezes, antes. Decidi construir
um chalé na colina com vista para o pasto norte. As obras terão início dentro de um mês,
e ficarei supervisionando de longe. Quando voltar, cuidarei dos detalhes de acabamento.
— Que tipo de chalé será?
— Um bem aconchegante, com bastante madeira e vidro. Quem sabe você não me
ajude a decorá-lo?
— Não prefere que uma decoradora profissional o faça? — brincou.
— Sabe muito bem o que eu penso sobre essas bobagens, Annebelle.
A música terminou, e eles pararam de dançar. Dallas a fitava com orgulho.
— Desejo-lhe tudo de bom. Você sabe disso, não? Quero vê-la feliz.
— Sei que sim, Dallas. Obrigada por se preocupar comigo, meu grande amigo. Nem
imagina como seu carinho é importante para mim.
Annebelle observou uma emoção no rosto dele que não compreendeu direito, mas
logo sumiu. Talvez fosse coisa de sua imaginação.
— Divirta-se com Raymond, se é isso o que deseja, Annebelle. Caso não nos
encontremos mais, feliz Ano-Novo.
— Feliz Ano-Novo, Dallas.
Na ponta dos pés, ela beijou-lhe a face em um gesto carinhoso. Dallas acenou,
despedindo-se, e caminhou em direção à saída. Pelo visto, não ficaria até o fim da festa.
Annebelle torceu para que ele algum dia encontrasse alguém especial.
Raymond conversava com um homem à mesa quando ela voltou.
— Dallas foi embora? — Raymond se levantou.
— Acho que sim.
— Que bom... Assim não precisarei mais me preocupar em ser interrompido. Está
tocando outra melodia lenta. Vamos?
Além de estar nos braços de Raymond, Annebelle estava pronta para muito mais.
Os dois dançaram por muito tempo, indo até a mesa de vez em quando, mas
sempre ansiosos pela proximidade que a dança lhes proporcionava.
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O aquecedor não era suficiente para espantar o frio que entrava na caminhonete.
Annebelle sentava-se bem perto da porta, como se precisasse do espaço entre eles,
como se estivesse a quilômetros de distância.
Raymond achou melhor esperar chegarem à fazenda para começar a conversa.
Parou a picape ao lado da de Marvis e Rod, que tinham se oferecido para ficar com
as crianças, alegando que poderiam muito bem comemorar o Ano-Novo assistindo à
televisão.
Annebelle entrou antes.
— Amanda acabou de dormir — informou Marvis. — Mark ficou acordado até as dez
jogando cartas conosco. Espero que não se importe.
— De forma alguma.
Depois dos costumeiros cumprimentos, o casal partiu, deixando-os a sós.
Raymond tirou a gravata e colocou-a na mesa, depois abriu dois botões da camisa.
— Imagino que queira dar uma olhada nas crianças.
Annebelle assentiu.
— Vou com você para dizer boa-noite para Mark, caso ele acorde.
Os dois subiram juntos a escada. Annebelle se dirigiu a sua suíte, e Raymond abriu
a porta do quarto de Mark.
O pequeno dormia profundamente, mas tinha se descoberto. Entrando, Raymond
cobriu-o e acariciou-lhe os cabelos. Se fosse pai dele, poderia repetir o gesto todas as
noites, sem se cansar.
Mas não sabia como era ser pai. Nunca ninguém o ensinara. E para ser pai era
preciso ficar bastante tempo em um mesmo lugar.
Ao sair, viu que a porta dos aposentos de Annebelle estava aberta. Diante do berço,
ela olhava para a filha dormindo.
Raymond parou ao lado, ciente da tensão que a assombrava, imaginando quão
fortes eram seus batimentos cardíacos.
— Amanda não é um milagre, Raymond? Quando a pego no colo, quando a
amamento, às vezes não consigo acreditar que é minha filha. E foi você quem a ajudou
nascer.
O nascimento de Amanda com certeza foi o acontecimento mais importante de sua
vida, mas, olhando para a pequena, Raymond lembrou que era fruto da união de
Annebelle e Pete. Não podia esperar mais nenhum segundo para fazer as questões que
dançavam em sua mente.
— Você ainda ama seu falecido marido?
Annebelle arregalou os olhos, mostrando-se surpresa com a possibilidade.
— Não, não amo mais Pete. Quando ele morreu, meus sentimentos por ele quase já
não existiam mais.
Raymond achou melhor começar pelo início.
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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith
— Como se conheceram?
Afastando-se do berço, Annebelle acomodou-se na ponta do leito.
— Na faculdade. Pete estava dois anos na minha frente. Assim que se formou,
conseguiu um emprego em um supermercado, em Billings. Começamos a sair juntos e,
quando me formei, nós nos casamos. Eu nunca me dei conta...
— Continue — pediu Raymond.
— Pete não era bem quem eu achava que fosse. Não havia nada de terrível em
nosso casamento. Imagino que as pessoas até pensassem que vivíamos bem. Mas
Pete... Acho que ele nunca quis as responsabilidades de ser marido ou pai. Após nos
casarmos, nos mudamos para cá, que era a casa de papai. Logo no começo, percebi que
Pete não era de trabalhar muito. Papai nunca falou nada, mas sei que se preocupava
comigo. Pete queria que eu cuidasse dele e de tudo o mais, desde lavar suas roupas
até...
Annebelle ficou rubra.
— Sexo? — Raymond se acomodou ao lado dela.
— Não quero entrar nesses detalhes. Bem, achei que com um filho tudo seria
diferente. Entretanto, nada mudou depois que Mark nasceu, a não ser pelo fato de eu
passar a ter mais trabalho. Tentava manter Pete contente, sabe? Procurava satisfazer
todas suas necessidades, mas chegou um momento em que não compreendia de que ele
precisava. Pete quase nem conversava comigo... Ficava assistindo à tevê, quando não
estava em outro lugar.
Annebelle suspirou.
— Era como se eu estivesse ali para atender a todos seus desejos, e ele nunca fazia
nada por mim. Um ano antes de morrer, Pete começou a beber mais. Foi por isso que
perdeu o controle do carro na estrada.
Havia várias coisas que Raymond queria dizer, mas compreendeu que era melhor
continuar calado. Não queria magoá-la ainda mais ou ofendê-la com algum comentário,
mas era evidente que fora uma união frustrada.
— Por que não se separou dele?
— Porque acreditava nos votos eternos. Achava que se continuasse tentando... —
Meneou a cabeça, desconsolada. — Amanda foi um acidente. Eu não sabia que estava
grávida quando Pete morreu.
— Não sei muito sobre casamentos, mas suponho que não basta uma pessoa
tentar. Permita-me uma indiscrição, Annebelle: Pete era... violento?
— Não, de jeito nenhum. Apenas o que eu sentia por ele mudou. Depois do primeiro
ano de casada, percebi que não estava apaixonada. Queria a segurança de ser parte de
um casal, como as outras garotas, e achei que o fato de Pete ser mais velho me
proporcionaria isso. É por esse motivo que agora prezo tanto minha independência.
O silêncio os rodeou por um longo momento.
— Ele não foi um bom pai para Mark, não é?
— Você lhe deu bem mais atenção e carinho durante esse pouco tempo do que Pete
em toda a vida.
A maneira como Annebelle o olhava fez com que o coração de Raymond disparasse
de tal forma que ele quase nem conseguia respirar. Aproximou-se dela e envolveu-a com
um carinhoso abraço.
— Não comemoramos o Ano-Novo, Annebelle. Ainda quer fazê-lo?
— Sim — respondeu, quase um sussurro.
Quando os lábios se encontraram, Raymond sentiu-se nas nuvens. Na festa,
planejara cortejá-la, ir com calma, aprofundar qualquer tipo de ligação que existisse entre
eles. Mas naquele instante não conseguia controlar seus impulsos, calorosos e
apaixonados.
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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith
A pouca luz do quarto, o silêncio da noite, o vento soprando contra a janela eram um
convite à intimidade. De repente, sem saber como, estava deitado ao lado dela na cama,
acariciando-lhe o rosto, movimentando sua língua até que a realidade escapou de seu
controle.
Annebelle era mais doce que o mel, sua pele, mais macia do que pétalas de rosa,
seu perfume tão envolvente que o enlouquecia. Ou seria a luxúria que fazia sua cabeça
girar e seu corpo doer?
Sem poder esperar mais, deslizou a mão até os botões da blusa dela. Começou a
abrir um por um e sentiu-a puxando sua camisa para fora da calça. Respirou fundo
quando Annebelle acariciou-lhe o tórax.
Mas, quando Raymond tocou-lhe o seio, ela o interrompeu.
— Raymond, eu não posso. — Empurrando-o, Annebelle sentou-se. — Quer dizer,
estou amamentando e...
— Não é nenhuma novidade, Annebelle. Você está me dizendo para ter cuidado?
Está dizendo...
—...que não posso.
— Por que não?
— Achei que podia ficar aqui com você, que poderia deixar que me beijasse, que me
tocasse, mas...
— Ainda é muito cedo?
— Não é isso, Raymond. É que mudaria muita coisa entre nós. Não consigo dormir
com um homem e esquecer o que aconteceu na manhã seguinte. Será que é tão difícil de
entender?
Claro que ele compreendia, e daria tudo para mudar sua forma de pensar. Mas
sabia que era impossível.
— Então, o que aconteceu hoje à noite?
— Acreditei que tudo poderia ser diferente. Peço desculpas.
— Não tem por que se desculpar. Nenhum dos dois tem. Os sentimentos que
existem entre nós começaram a se formar desde o dia em que cheguei aqui, por isso
acho que talvez esteja na hora de eu ir embora. Disse a Mark que o acompanharia ao
festival, e vou fazê-lo. E no final de janeiro partirei.
Annebelle se manteve em silêncio enquanto abotoava a camisa.
— Se é o que você quer...
Raymond se levantou e a fitou.
— Eu quero. Por nós todos. Mas acho melhor ainda não contarmos nada para Mark.
Vamos esperar mais um pouco.
— Se é o que você quer — repetiu Annebelle, cortês.
Antes deixá-la, Raymond parou por alguns instantes ao lado do berço de Amanda.
Em seguida, fechou a porta e desceu as escadas, pensando que o novo ano não
começara nada bem.
Dirigindo-se a Denver, Hunter Coleburn não via a hora de pousar para telefonar para
o irmão e marcar um encontro para conhecê-lo.
Era a primeira semana do ano e, depois de observar a noite fria pela janela do jato
particular, tornou a concentrar-se nos papéis que tinha em mãos.
Terminara as negociações antes do previsto, e poderia ter esperado até o dia
seguinte para retomar a Denver. Mas, assim que chegara a Nova York, seu cliente
colocara o avião a sua disposição, e Hunter tinha motivos de sobra para querer voltar o
mais depressa possível.
Apesar de estar olhando para o contrato, tinha toda a atenção voltada para
Raymond Coleburn.
Ficara atordoado ao saber que tinha um irmão. E gêmeo!
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Deixando mais uma vez a lembrança nos recônditos de sua memória, Hunter
concentrou-se no encontro com o irmão.
O piloto informou que nevava em Denver, mas o aeroporto estava aberto. Pousariam
dentro de dez minutos.
Hunter recolheu os papéis espalhados. Não conseguira trabalhar direito devido à
distração. Colocou os documentos no envelope, depois em sua pasta.
Baixou as mangas da camisa e abotoou os botões do punho, ansioso por pousar em
terra firme, para poder telefonar para seu irmão.
Tomado pela ansiedade, esqueceu-se de fechar o cinto de segurança e ficou
planejando a viagem a Montana e quanto tempo poderia ficar. Uma semana, talvez dez
dias. Tinha uma reunião importante para fechar uma incorporação no dia vinte.
Hunter nem notou a descida da aeronave. De repente, o jato estava se chocando
contra a pista de decolagem. O solavanco o jogou para longe de seu assento, e então
tudo escureceu.
CAPÍTULO IX
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— Não se preocupe, eu alugarei um carro e irei direto para o hospital. Se ele... Deixe
para lá. Mantenha acalma, Sr. Morgan, nós também vamos rezar.
Quando Raymond desligou, Mark já tinha voltado para a cozinha.
— Sente-se, companheiro. — Raymond apontou-lhe uma cadeira. — Precisamos
conversar. Sabe o irmão que lhe contei que logo iria conhecer?
— Sim.
— Ele sofreu um acidente ontem e não está muito bem. Perdeu a consciência, e os
médicos acham que ele talvez... — Raymond respirou fundo. — Preciso ir com urgência
para Denver.
— Mas estará aqui na sexta-feira, não é?
— Não, não estarei. Sei que é uma grande decepção, Mark, e prometo que, quando
eu voltar, faremos alguma coisa para compensar.
Indo até o filho, Annebelle colocou a mão em seu ombro.
— Mark, você precisa entender. Raymond não pode fazer nada.
— Eu não entendo. Você me prometeu que estaria aqui e agora não vai estar! —
Mark se afastou da mãe e saiu correndo para o quarto.
— Sei que o estou desapontando, mas não posso esperar até sábado. Hunter se
acidentou. Estava voltando para Denver no avião particular de um cliente ontem à noite, e
o jato se chocou contra um caminhão, na pista de pouso. Ele quebrou a perna e está
engessado, mas ainda não recobrou a consciência. Os médicos não sabem se vai
conseguir se recuperar. O pai está desesperado.
— Mark compreenderá — disse Annebelle, sem ter tanta certeza assim.
— Será mesmo? E você? Conseguirá cuidar de tudo enquanto eu estiver fora?
Sinto-me como se a estivesse abandonando.
— De qualquer modo, você não ia partir no final do mês?
A simples verdade ficou no ar.
Annebelle duvidava que Raymond voltasse se fosse para Denver. “Homens como
ele se vão sem olhar para trás.”
— Telefonarei para a companhia aérea — resmungou ele, retomando ao telefone. —
É provável que só consiga um voo para amanhã de manhã.
Raymond pegou a lista telefônica e colocou-a na mesinha.
O coração de Annebelle parecia estar se rompendo ao meio. Amava Raymond, e
não queria que ele deixasse a fazenda e sua vida. Mas sabia que não podia fazer nada
para impedi-lo.
Aquela noite, Raymond tentou conversar com Mark, e de novo na manhã seguinte,
mas o menino não compreendia de jeito nenhum por que ele tinha de viajar tão às
pressas. Só entendia que o homem de quem tanto gostava estava quebrando sua
promessa.
A despedida de Raymond e Annebelle foi breve. Ele não a tocara nem a beijara
desde a noite do réveillon, pois imaginava que era o que ela queria. Porém, deixá-la
estava sendo mais difícil do que pudera imaginar.
Prometeu telefonar-lhe assim que soubesse quando regressaria, mas o que viu nos
olhos dela o fez querer ficar: tristeza e saudade.
Empacotara todas suas coisas, dizendo a si mesmo que não sabia por quanto tempo
ficaria no Colorado.
Ao partir de carro, ele olhou pelo espelho retrovisor e viu Annebelle parada na
varanda.
No voo para Denver, Raymond sentia como se tivesse deixado um pedaço seu na
Fazenda Double Blaze, mas procurou centrar os pensamentos em Hunter e no que
poderia encontrar quando chegasse ao hospital.
Raymond alugou um automóvel no final da tarde, dirigiu até o hospital e foi para o
quarto do irmão.
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— Hunter, sei que seu pai e sua mãe conversam bastante com você, mas não me
sinto muito à vontade para fazê-lo. Entretanto, sei que está na hora de deixar essas
tolices para trás. Você é o irmão que nunca conheci, a família que nunca tive. Não pode
ficar assim bem agora que nos encontramos. Hunter, está me escutando?
Olhando-o com atenção, Raymond procurou por algum sinal de compreensão,
alguma coisa que mostras-se que ele queria voltar ao mundo dos vivos. Imaginou ter visto
as pálpebras do irmão tremerem.
— Está me ouvindo, Hunter? Mostre-me que sim. Acorde para que eu possa lhe dar
um abraço.
A princípio, Hunter não respondeu. Mas então um músculo sob a mão de Raymond
saltou e, num rompante, seu irmão abriu os olhos.
— É um... prazer... conhecê-lo... meu irmão — disse ele, com a voz baixa.
O coração de Raymond disparou. Quis gritar para chamar os Morgan e a enfermeira,
porém, segurou a mão de Hunter e apertou o botão de emergência.
— Não sabe que é melhor não viajar de avião quando está nevando?
Um leve sorriso formou-se nos lábios de Hunter.
— Eu queria voltar para casa... e telefonar para você. O piloto está bem?
— Sim. Não sofreu nenhum ferimento grave. E você?
— Estou com uma dor de cabeça terrível. E com muita sede.
Raymond pegou um copo na mesa ao lado e o encheu de água. Depois, ajudou o
irmão a tomar alguns goles. Emocionado, sentiu um vínculo que jamais conhecera.
— Seus pais foram dar uma volta. Daqui a pouco aparecerão.
Hunter se deitou de novo.
— Ontem conheci seu irmão e sua irmã – continuou Raymond, dando tempo para
Hunter poder se orientar.
— O que achou deles?
Antes que Raymond pudesse responder, a enfermeira entrou no quarto. Checou os
sinais vitais e abriu um belo sorriso.
— Vou ligar para o médico.
De novo sozinhos, os irmãos se olharam por alguns instantes e sorriram.
— É estranho, não?
— O quê? Olhar para outro ser humano e ver a mim mesmo? Sim, mas acho que
somos mais diferentes do que parecidos, Hunter. Nossas vidas são diferentes.
— Talvez.
Houve um longo silêncio.
— Então... Você ia me dizer o que achou de minha família.
— Seus pais são maravilhosos. E Jolene também me tratou muito bem. Com Larry,
não tive oportunidade de conversar direito.
Hunter cerrou as pálpebras e, em segundos, tornou a abri-los e encarou Raymond.
— Eu sempre me senti adotado. Por esse motivo, sempre me senti... só. Acho que é
algo difícil de se compreender.
— Entendo o que é sentir-se só. Na verdade, só conheci a solidão até há pouco.
Mas agora será diferente. O simples fato de conhecê-lo já me deu uma grande alegria.
— Meu pai e minha mãe contaram o que aconteceu naquela época, Raymond? Por
que fomos separados?
Raymond balançou a cabeça.
— Teremos tempo de sobra, mas acho que eles devem lhe dizer tudo. Até quando
pode ficar?
Assim que soubesse que o irmão estaria bem, Raymond decidiu voltar para
Annebelle e Mark. Tinha de fazê-lo.
— Dessa vez não poderei me demorar muito, pois tenho assuntos pendentes em
Montana. No entanto, assim que resolvê-los, voltarei para cá.
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CAPÍTULO X
69
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— Rod não é... — começou ele. — Rod não é como um pai. E todas as outras
crianças estariam com seus pais na escola.
As palavras de Mark surtiram o efeito de uma punhalada no peito de Raymond, e ele
se deu conta do quanto magoara o pequeno.
— Será que posso tentar consertar meu erro?
— Como? — Mark mostrou-se interessado.
— Vou pensar durante a noite. Pode ser?
O menino ponderou por alguns instantes, depois concordou.
Amanda, então, começou a chorar.
— Direi para ela que você já vai, mamãe. — E Mark saiu correndo.
Annebelle desligou o fogo e, quando ia para a sala, Raymond segurou seu braço.
— Deixe-me dar-lhe o dinheiro para pagar as dívidas.
— Você não faz ideia de quanto seja.
— E você não faz ideia do quanto economizei. Trabalho desde os dezoito anos e
quase não tive gastos.
— E por que daria suas economias para mim?
— Porque não preciso delas, mas você sim.
— Não posso aceitar, Raymond. Tenho de começar a construir uma vida sozinha,
com meus filhos.
— E se for um empréstimo?
— De jeito nenhum. O motivo de eu ter decidido vender o rancho é por não aguentar
mais ter dívidas. Seja presente ou empréstimo, eu estaria em dívida com você. Mas
agradeço muito por sua bondade.
Raymond continuou com a mão no braço de Annebelle, querendo tocá-la com
menos casualidade e mais intimidade.
— Quer vender a propriedade?
— Não, claro que não quero vendê-la! Todavia, não vejo outra solução. Já conversei
com um corretor e vou assinar a papelada amanhã. Segunda-feira a fazenda estará à
venda.
— Por que não quer aceitar meu auxílio? — Ele queria chacoalhá-la para que
compreendesse, beijá-la e satisfazer sua saudade; tudo ao mesmo tempo.
— Porque você já me ajudou demais. Está na hora de prosseguirmos nossos
caminhos.
Annebelle tinha razão, e seu plano era ir embora dali. Mas Raymond não estava
contente com a decisão que tomara.
O grito vindo da sala reverberou, e Annebelle se soltou de Raymond.
Desde a noite de Ano-Novo ele percebia que Annebelle tentava a todo custo tirá-lo
da cabeça. E sabia por quê. Porque compromissos instáveis não tinham lugar em sua
vida.
Pelo jeito, voltaria para Denver bem antes do esperado.
Raymond sabia que a importância do festival para Mark devia-se mais, à atmosfera
do que ao acontecimento em si. As crianças, a diversão, o barulho... Sendo assim, decidiu
criar a mesma atmosfera, só que em menores proporções.
Depois de pedir permissão para Annebelle e conversar com os pais dos amigos do
garoto, planejou uma tarde de diversão na fazenda. Embora os pais também tivessem
sido convidados, eles preferiram apenas deixar os filhos.
Por sorte, o tempo tinha cooperado, e puderam brincar quase a tarde toda, fazendo
bonecos de gelo, passeando de trenó, inventando guerra de bolas de neve.
Depois, foram para dentro, onde comeram sanduíches e bolos feitos por Annebelle.
Assaram até marshmallow na lareira.
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Mais tarde, no celeiro, Raymond ensinou-lhes truques com corda. Mark parecia estar
se divertindo muito e, quando todos se despediram, Raymond supôs que a tarde agradara
a todos.
Quando o último menino se foi, Raymond encontrou Mark em seu quarto, calçando
os tênis.
— Gostou de nossa tarde de brincadeiras?
— Sim. — O garoto amarrou um cadarço.
— Aposto que foi tão engraçado quanto o Festival da Diversão. — Raymond
esperava que Mark concordasse.
— Os pais não estavam aqui.
— Mas eu sim.
— É, mas você brincou com todos nós. Não era como... se eu estivesse fingindo que
você era meu pai por um dia.
A palavra “fingindo” o aborreceu, bem como tudo o que Mark falara. Porém, não
tinha nada a dizer.
Quando terminou de colocar os tênis, Mark olhou para cima.
— Queria que você fosse meu pai.
Raymond ficou surpreso com o que escutou.
— Não sei ser pai, Mark. Nunca tive um. E também não estive entre crianças que os
tivessem. Precisa de alguém que saiba como tratá-lo, amigão.
— Você podia ser meu pai, se quisesse. Mas acho que não quer.
— Não depende só de mim — Raymond afirmou, na defensiva. — Sua mãe também
tem uma opinião.
— Mas eu sei que você pode convencê-la.
Antes que tivesse tempo para responder, Annebelle chamou:
— Raymond, telefone. É seu irmão.
— Continuaremos essa conversa mais tarde. — E Raymond se pôs a descer as
escadas, temendo que tivesse acontecido algo em Denver.
Mas não havia nada de errado. Hunter ligara para avisar que recebera alta e que
estava na casa da mãe, a conselho do médico.
— Vou ter de aguentar a mamãe me mimando o tempo todo — brincou.
— As mães são assim, Hunter.
— É, eu sei. Vou parar de reclamar. Só lhes devo agradecimentos por tudo o que
fizeram por mim. É como se... — De repente, ele mudou de assunto: — Quando voltará
para cá?
Raymond olhou para Annebelle, sentada no sofá da sala com a filha no colo.
— Ainda não sei direito. Eu lhe telefono avisando, daqui a alguns dias.
Depois de desligar, Raymond foi até a sala e ficou admirando-a ninar Amanda.
— Está tudo bem? — ela quis saber, ao perceber que tinha companhia.
— Sim, Hunter já foi para casa. Pelo visto, está melhor, mas terá de ficar alguns dias
com os pais.
A conversa com Mark o deixara impaciente e sentindo-se mais culpado por ter de
partir.
— Quero comprar uma bicicleta para Mark.
— Por quê, Raymond?
— Porque ele ainda não me perdoou por eu ter partido. Divertiu-se hoje à tarde, mas
disse que não foi a mesma coisa que o festival na escola.
— E acha que uma bicicleta resolverá tudo?
— Ora, Annebelle, não sei, mas pelo menos vai alegrá-lo um pouco.
— Você já contou para ele que vai embora?
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— Mark, meu amor, não tenha medo. Estamos cuidando para que logo você saia
daí.
— Raymond, você está com mamãe? — perguntou o menino com a voz chorosa.
— Sim, filho, estou aqui. Mantenha a calma.
A neve voava para todos os lados enquanto eles cavavam, parando apenas quando
conseguiram desobstruir a porta.
No instante em que Raymond abriu-a, Mark correu para seus braços. Annebelle
abaixou-se para enlaçar o menino, e os três ficaram ali, juntos, aliviados. Quando os
olhares dos dois se encontraram, ela viu tanta emoção na expressão de Raymond que
seu coração disparou.
Talvez estivesse na hora de se arriscar, de jogar seu orgulho e sua cautela pela
janela...
Respirando fundo, Annebelle deixou os próprios sentimentos de lado e concentrou-
se no filho, abraçando-o forte, mostrando-lhe que estava tudo bem. Por fim, soltou-o e
segurou seu rostinho entre as mãos.
— Você está bem, querido?
— Estava tão escuro lá dentro, mamãe... Eu gritei, chorei, mas acho que ninguém
me escutou. E depois achei que vocês nunca me encontrariam...
Annebelle tomou a abraçá-lo.
— Sempre encontrarei você, meu filho.
Dessa vez foi Mark quem se desvencilhou do abraço e olhou para Raymond.
— Acho que eu não deveria ter chorado...
Raymond ajoelhou-se e encarou garoto.
— Não há nada de mais em se chorar por um bom motivo, e você, com certeza,
tinha um.
As mãos de Raymond tremiam quando ele soltou Mark e se levantou. Seu ritmo
cardíaco estava tão acelerado que parecia que nunca mais voltaria ao normal.
Quando Mark se jogou em seus braços ao sair do depósito, Raymond visualizou
como a vida deveria ser, e poderia ter essa felicidade se juntasse toda sua coragem para
não permitir que escapasse entre seus dedos.
De repente, tudo ficou muito claro para Raymond. Seus sentimentos por Annebelle
eram bem mais profundos do que a vontade de levá-la para a cama. Precisava dela a seu
lado até o fim de seus duas. Tinha de ver aquele lindo rosto quando acordasse todas as
manhãs. Queria poder beijá-la quando voltasse do trabalho. Necessitava do seu calor e
determinação para ter um objetivo, um motivo para querer se vincular a algum lugar.
No entanto, não sabia como dizer tudo isso a Annebelle. Mas sabia que ela não
adivinharia, o que o obrigava atentar ser franco e não omitir nenhum detalhe do que lhe ia
na alma.
— Acho que vamos ter de esquentar o chocolate quente — disse ela, provocando o
filho e olhando para Raymond. — Você vem para casa?
Raymond precisava de cinco minutos para organizar seus pensamentos. Queria
encontrar as palavras que a convenceriam a aceitá-lo e a ficar com ele.
— Vou terminar de tirar a neve do telhado, para evitar mais acidentes.
Annebelle assentiu, com os olhos brilhantes. Havia alguma coisa diferente neles,
notou Raymond. Talvez fosse apenas gratidão.
Porém, quando ela e Mark se viraram e seguiram para a residência, Raymond soube
que aquela mulher e as crianças já moravam em seu coração.
Ao entrar na cozinha alguns minutos depois, Raymond ainda não sabia direito o que
dizer, nem como. Tirou as botas e pendurou o casaco, e então viu Mark sentado diante da
televisão com sua caneca de chocolate quente nas mãos.
Annebelle se levantou da mesa da cozinha e foi até o fogão.
— Está pronto para tomar uma xícara fumegante?
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— Não.
A resposta abrupta a fez colocar o bule de volta.
— Prefere café?
— Annebelle, tanto faz a bebida. Eu... — Raymond parou, sentindo-se tolo e
desconcertado, temendo expressar seus sentimentos mais íntimos. Mas não podia parar
agora.
Eles falaram ao mesmo tempo:
— Quero que se case comigo.
— Quero que fique aqui.
— O quê? — perguntaram em uníssono.
Diminuindo a distância entre eles, Raymond segurou-a pelos ombros.
— Você me pediu para ficar?
Ela fez que sim.
— Você me pediu em casamento?
A incerteza dela fez com que Raymond se aproximasse mais.
— Tenho muitos hábitos para mudar, Annebelle, e precisará ter paciência comigo.
Demorei um tempo para perceber que queria algo além de seus beijos e do prazer de
uma noite de amor. Você se tornou parte de mim, bem como Mark e Amanda. Toda vez
que pensava em partir, tinha uma sensação de vazio imensa, e não compreendia o que
era. Agora, enfim, a compreendi. Quero construir um futuro com você. Quero ser o pai de
Mark e de Amanda. Não fazia ideia do que era amor até conhecê-la. Quer se casar
comigo?
Annebelle tinha lágrimas nos olhos, mas sorria com um contentamento que o
envolveu.
— Sim, eu quero me casar com você, o homem mais maravilhoso e encantador que
conheci. Eu te amo, Raymond Coleburn.
Ele não conseguia acreditar no que escutava. Não podia crer que Annebelle sentia o
mesmo. Ela seria sua!
Para comemorar, puxou-a para si e beijou-lhe os lábios com ternura.
— Nossa! Nunca vi um beijo assim antes!
Perdidos um no outro, os dois se assustaram ao ouvir o comentário de Mark, parado
ao lado deles.
Pelo visto, a vida de pai de Raymond começaria naquele instante, e não depois do
casamento.
O garoto se aproximou, e Raymond colocou as mão nos ombros pequenos.
— Lembra-se de quando você me disse que eu poderia ser seu pai se realmente
quisesse?
Mark fez que sim.
— Bem, eu realmente quero ser seu pai. O que acha de eu me casar com sua mãe?
— Você será meu pai de verdade?! E de Amanda também?!
— Eu gostaria muito. E como você é o irmão mais velho e ela ainda não fala, terá de
decidir por Amanda também.
— Sim, eu quero que seja meu pai, Raymond. E Amanda também! — Mark afirmou,
solene.
Raymond abaixou-se para beijar a testa do menino.
— Você é um garoto muito especial, Mark. Agora vamos marcar a data do
casamento.
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EPÍLOGO
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meus próprios filhos. E, acima de tudo, prometo-lhe ser fiel. Eu te amo, Annebelle, e me
entrego de corpo e alma em suas mãos.
Encarando-se, os dois absorveram as promessas e as juras sagradas que tinham
acabado de fazer, até que Hunter entregou as alianças ao irmão.
Eles as colocaram com o mesmo fervor das palavras que haviam proferido. Quando
o pastor lhes pediu para ficarem de frente para a prece final, os dois tinham as mãos
entrelaçadas, como seus corações, para toda a eternidade.
No final da cerimônia, o sacerdote pediu-lhes que olhassem para a congregação.
— Eu vos declaro marido e mulher, Sr. e Sra. Raymond Coleburn.
Todos começaram a aplaudir, e Mark foi correndo até eles.
— Agora você é meu pai? — perguntou o pequeno, todo sorridente.
Raymond afagou-lhe os cabelos e abraçou a esposa. Annebelle pegou Amanda das
mãos de Grace.
— Sim, sou seu pai.
O rostinho de Mark resplandecia.
— Então somos uma família?
— Sim, uma família de verdade.
— Acho que você se esqueceu de um detalhe, caro irmão. — Hunter bateu nas
costas de Raymond. — O noivo não deve beijar a noiva?
Annebelle sabia que Raymond a respeitaria na frente de todas aquelas pessoas,
mas estava orgulhosa com o casamento e queria prová-lo ao marido.
— Sim, deve — disse ela, olhando com paixão o marido.
Quando os lábios de Raymond tocaram os dela, Annebelle o beijou com
sofreguidão, ansiosa pela noite que teriam juntos, pela vida que compartilhariam dali em
diante. Encontrara seu companheiro e sua alma gêmea.
E não via a hora de o futuro começar.
FIM
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