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O HOMEM DOS MEUS SONHOS

Just The Man She Needed

Karen Rose Smith

Ele era o homem de quem ela precisava


Surpreendido por uma tempestade de neve, o caubói solitário Raymond Coleburn
procurou abrigo na Fazenda Double Ranch. Mas, ao encontrar a linda, e grávida,
Annebelle Lawrence cuidando sozinha da propriedade, sentiu-se no dever de ajudá-la.
Não demorou muito para sentir-se em casa... e deslumbrado com os beijos dela...
Annebelle não estava preparada para sentir as emoções que Raymond lhe
despertava. Afinal, tinha um filho pequeno e estava em vésperas de dar à luz o segundo.
Embora o carinho de Raymond envolvesse como um bálsamo o combalido coração de
Annebelle, ela sabia que ele não ficaria para sempre. A não ser que conseguisse
convencê-lo de que ela era a mulher de quem ele precisava...

Digitalização: m_nolasco73
Revisão: m_nolasco73 e Janaiana
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

O HOMEM DOS MEUS SONHOS

Sabrina...a cegonha chegou! nº64

Copyright: Karen Rose Smith

Título original: “Just The Man She Needed”

Publicado originalmente em 2000

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

CAPÍTULO I

A DESPEITO da neve que caía cada vez mais forte contra o pára-brisa de sua
caminhonete, Raymond Coleburn avistou o que imaginou ser um celeiro, graças à
iluminação no topo do telhado.
Mas a neve não o preocupava tanto quanto o tanque de gasolina. Imaginou que teria
mais uma chance de abastecer, porém a última parte da estrada em Montana não lhe
fornecera nenhuma oportunidade para comer, ou um posto de gasolina.
Faltava cerca de uma hora para chegar a Billings, seria impossível fazê-lo com o
combustível que restava. Ficar parado em uma estrada deserta debaixo daquela
tempestade fortíssima também era loucura. E Raymond sabia bem como agir em
situações de emergência.
No momento, contudo, a única solução sensata era encontrar abrigo para a noite,
em qualquer lugar que fosse, e arranjar gasolina para o veículo.
Avistou uma placa de madeira e estreitou os olhos para conseguir ler o nome da
propriedade: Fazenda Double Blaze.
A estradinha de acesso terminava em um sobrado com uma grande varanda. A casa
era bastante velha e malcuidada, Raymond observou, logo que saiu da picape e se pôs a
subir os degraus, que rangiam a cada passo dado. Havia muito a consertar ali, de modo
que poderia barganhar, se fosse o caso.
Tocou a campainha, que, como era de se esperar, não funcionou. Então, abriu a
porta de tela que deveria ter sido trocada antes da chegada do inverno. Bateu com força e
esperou alguns instantes.
— Olá! — começou, assim que alguém abriu apenas uma fresta. — O combustível
do meu carro está acabando. Gostaria de saber se você tem um pouco de gasolina de
reserva, ou talvez algum lugar onde eu possa passar a noite.
— Sinto muito — respondeu uma voz doce —, mas não tenho nada de que o senhor
precisa.
Raymond ainda não conseguia enxergá-la, e supôs que deveria estar sozinha ali.
— Sei que deve tomar muito cuidado com pessoas estranhas que chegam sem
avisar, mas, se quiser, pode apontar uma arma para mim até que eu lhe mostre meu
documento de identidade.
O vento trouxe mais neve para a varanda. E também mais frio.
Os instantes que ela demorou para aumentar um pouco mais a fresta pareceram
uma eternidade.
— Sua identidade não será muito útil se você quiser assaltar minha residência ou
nos molestar.
— Senhorita...
— Senhora — corrigiu. — Annebelle Lawrence.
Raymond sorriu, pois as boas maneiras daquela mulher faziam com que se
apresentasse a um completo desconhecido.
— Sra. Lawrence, tenho algumas referências comigo. Quer vê-Ias?
De repente, ela perdeu toda a reserva.
— Se quisesse nos machucar, você já teria tido oportunidade. Entre para se aquecer
um pouco.
Quando Raymond atravessou a soleira, avistou uma linda jovem, alta, de cabelos
castanhos e olhos grandes. E estava nos últimos meses de gravidez.
— Agora compreendo o porquê de tanta cautela.
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Ao tirar o chapéu, Raymond sentiu um puxão no casaco.


— Mamãe me falou para ficar quieto no canto da sala.
Raymond olhou para baixo e viu um belo garoto, que parecia ter uns sete anos.
Tinha os olhos da mãe, mas cabelos mais escuros. Abaixou-se para conversar com o
menino.
— Ela estava tentando proteger você.
— Quer uma bolacha? Foi mamãe que fez.
Sorrindo, Raymond se endireitou.
— Não vou abusar da boa vontade dela. Como eu disse, só preciso de um lugar
para passar a noite.
Annebelle Lawrence entrelaçava as mãos sobre o ventre. Observou o filho, depois
Raymond. Usava um vestido de lã azul com uma malha branca por baixo. Fazia bastante
frio ali dentro, e ele suspeitou que o estoque de lenha terminara.
Analisando a sua volta, notou que a cozinha estava impecável, apesar de precisar
de pintura. As portas dos armários tinham de ser trocadas com urgência.
A julgar pelos anos de experiência, desde que deixara o orfanato em Tucson,
Raymond podia afirmar que Annebelle usava o fogão a lenha para aquecer o ambiente,
diminuindo, assim, os gastos com energia.
— Posso rachar lenha, caso queira. Ou pagar pela estada.
— Não posso aceitar dinheiro por hospedá-lo em um celeiro. — Annebelle foi até a
despensa e pegou uma lata de biscoitos.
Mesmo parecendo estar no nono mês de gravidez, ela se movimentava com muita
graça e elegância. Era esbelta e, pelo visto, engordara apenas o necessário. Seria
casada?
— Seu marido saiu? — perguntou Raymond, sem conseguir se conter.
Após abrir a tampa da lata, Annebelle ergueu o queixo e o estudou por alguns
instantes.
— Sou viúva.
A resposta o surpreendeu, sem dúvida. Deveria ter acontecido no ano passado.
Será que Annebelle cuidava sozinha do rancho?
As perguntas assomavam sem controle, mas Raymond achou melhor não se
intrometer.
— Mark, pode pegar a garrafa térmica para a mamãe, querido?
— Claro — respondeu o pequeno com um grande sorriso.
Assim que o menino entregou-lhe o que lhe fora pedido, ela disse:
— Agora, suba e vista seu pijama. Está na hora de ir para a cama.
— Mas, mamãe...
— Como você se chama? — interrompeu-o Annebelle, dirigindo-se a Raymond.
— Raymond Coleburn.
— Querido, Raymond vai dormir no celeiro. Você não vai perder nada, pois ele já
está indo para lá. Portanto, obedeça-me e prepare-se para dormir.
Com um suspiro resignado, indicando que sempre obedecia a mãe, Mark foi até a
sala e subiu a escadaria.
Annebelle abriu a garrafa e colocou algumas colheres de café.
— Desculpe-me, mas só tenho café instantâneo. Aceita um pouco de leite?
— Não precisa me dar nada, Sra. Lawrence.
— Annebelle. Quando foi a última vez que comeu?
— Por volta do meio-dia.
— Bem, são quase nove da noite. Tenho algumas fatias de carne para um
sanduíche.
— Seria muito gentil de sua parte. E prefiro café preto.

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Movimentando-se com eficiência e rapidez, Annebelle preparou um sanduíche e o


embrulhou em papel alumínio.
— Para onde estava indo, Raymond?
— Billings. Pelo menos por enquanto.
Annebelle o estudou por um momento, analisando seus trajes de caubói.
— A negócios?
Raymond suspeitava que ela tentava descobrir se não cometera um erro permitindo
que entrasse em sua casa.
— Estou procurando uma pessoa. E também trabalho. Posso fazer qualquer coisa.
Annebelle fechou a garrafa térmica, embrulhou algumas bolachas e colocou-as junto
com os lanches.
— Não posso lhe pagar, Raymond.
— Acomodação e comida são mais do que suficientes.
Como não houve resposta, Raymond preferiu não insistir, e guardou sua
improvisada refeição no bolso. Quando esticou a mão para pegar a garrafa, seus dedos
se tocaram e, por um momento, nenhum dos dois se moveu.
Annebelle estava grávida e frágil, portanto, não havia motivos para o coração de
Raymond disparar. Ela logo se afastou.
— Espere um instante. Vou pegar um cobertor.
— É mesmo muita bondade sua — agradeceu ele.
Esperou alguns instantes até que a viu aparecer com duas mantas.
— Por que você permitiu que eu entrasse, Annebelle?
— Quando escutei alguém chegando, comecei a rezar. Então, ouvi meu coração e
segui meu sexto sentido, e resolvi deixá-lo entrar.
Não era bem a resposta que Raymond esperava ouvir. Definitivamente, aquela
belíssima mulher, grávida e com um filho pequeno, o perturbava.
Caminhando até a saída, se virou, antes de abri-la.
— Cortarei lenha para você amanhã cedo. — Apontou-lhe o dedo e abriu um belo
sorriso. — E não abra a porta para mais nenhum estranho.
Quando Raymond a viu sorrir, todo o mundo se resumiu àquele momento.
Entretanto, procurou se convencer de que estava apenas cansado da longa viagem.
Desceu os degraus e seguiu para o celeiro, imaginando que coincidência do destino
o levara até lá... e por quê.

Na manhã seguinte, Annebelle acordou antes do nascer do sol, sabendo que havia
algo diferente. Logo se lembrou: um homem dormia ali perto.
Um estranho, muito alto, com cabelos castanhos, olhos azuis e uma voz que lhe
causava o mesmo torpor do conhaque que experimentara uma vez.
Fazia tempo que não dormia tão bem, tão sossegada. Seria por Raymond Coleburn
estar em seu celeiro?
Quando fora a última vez que um homem a fizera sentir-se segura? Quando seu pai
era vivo, respondeu seu coração.
A Fazenda Double Blaze fora de seu pai e, antes, de seu avô. Quando se casou
com Pete Lawrence, mudaram-se para lá, junto com o pai dela. Entretanto, alguns meses
após a união, Annebelle percebeu que Pete se casara porque queria uma pessoa que
cuidasse dele.
Trabalhava com o sogro, mas fazia o mínimo possível, e só quando necessário.
Tendo terminado a faculdade e sentindo muito a falta da mãe, que morrera alguns anos
antes, Annebelle queria constituir uma família e dar ao pai os netos com que sempre
sonhara. Mas não soubera escolher.
Lembrar-se de seu casamento com Pete ainda lhe causava bastante tristeza.

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O bebê chutou-lhe a barriga, e Annebelle disse a si mesma que não poderia perder
tempo com autocomiseração. Tinha de estar muito bem preparada e bem-disposta para
quando seu segundo filho nascesse.
Se houvesse complicações, ou não conseguisse mais cuidar do rancho sozinha,
decerto teria de vendê-lo. Não via outra opção.
Como não tinha o costume de ficar na cama, mesmo grávida, Annebelle levantou-se
e vestiu uma calça jeans e uma malha vermelha. Então, foi até o quarto de Mark e
abaixou-se para beijar-lhe a testa.
— Querido, vou ao celeiro falar com o Sr. Coleburn, mas voltarei logo.
— Quero ir com você — disse ele, sonolento.
— Agora, não. Tente dormir mais um pouco até que eu volte. — Tornou a beijá-lo e
desceu.
A capa que usara durante os últimos seis meses já não fechava mais. Ficaria tão
contente quando o bebê viesse ao mundo... Mais três semanas e poderia ver seus pés de
novo!
Depois de calçar as botas, que também a apertavam, Annebelle saiu de casa e
deparou-se com um sol maravilhoso iluminando a neve branca.
Protegendo os olhos da claridade que quase a cegava, percebeu que o vizinho já
desobstruíra o caminho de sua residência. Tudo parecia puro, tranquilo e branco.
Annebelle sempre sentia o mesmo sobre a fazenda no inverno. Uma grande alegria.
Alguns fazendeiros temiam a estação, que costumava trazer vários problemas, mas
adorava a estação do frio em Montana, bem mais do que a primavera, o verão e o outono.
As folhas das árvores balançavam com o peso do gelo, notou Annebelle ao seguir
com cuidado por uma passagem ao lado do galpão, em direção ao celeiro.
Agora sua atenção era redobrada com tudo que fazia. O nenê a levava a agir
assim... e não via a hora de dar as boas-vindas àquela nova criatura que traria à
existência.
Abrindo a pequena porta na lateral, entrou. Amava o cheiro daquele lugar, como
também a vista do rancho, com seus cavalos, o feno, a terra molhada... coisas cotidianas
que não existiam nos centros urbanos.
A luz solar entrava através das grandes janelas congeladas, criando formas e
sombras, iluminando montes de feno e nuvens de poeira.
Um relincho foi tudo o que escutou até se dar conta do som abafado na outra
extremidade. Sabia muito bem do que se tratava.
Passou pelo estábulo vazio e avistou os dois cobertores que emprestara a Raymond
Coleburn dobrados sobre uma caixa de madeira. Alimentou os cavalos e ajeitou algumas
coisas, depois abriu o portão que dava para o curral e seguiu o caminho coberto de neve
até a lateral.
Raymond não a escutou aproximar-se por estar muito concentrado cortando lenha.
Mas algo o alertou da presença de alguém, pois parou e virou-se.
— Bom dia! — cumprimentou-a sorridente.
— Bom dia para você também. Não se preocupe em fazer esse serviço. Já lhe disse
que não me deve nada.
— E eu escutei, mas, para mim, a generosidade é algo que trato com muito respeito.
Os vizinhos foram muito simpáticos após a morte de Pete, mas Annebelle jamais
aceitaria caridade. O fato de ele estar cortando lenha como forma de pagamento protegia
seu orgulho, e Raymond Coleburn parecia bastante sensível para percebê-lo.
— Você não deveria estar aqui, Annebelle. — Raymond indicou a capa aberta. —
Faz muito frio.
— Os animais precisam se alimentar mesmo que a temperatura esteja abaixo de
zero.
Os olhos azuis a fitaram por um longo instante.

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— Pretende cuidar desta fazenda sozinha?


— Sim, até achar uma solução melhor. Talvez precise vendê-la.
Um corretor viera, alguns meses atrás, e deixara seu cartão.
Raymond meneou a cabeça, mas não falou mais nada.
— Quer comer algo, Raymond? Aposto como Mark já está de pé. Ele queria vir
comigo para ver o que você estava fazendo.
— Quantos anos tem seu filho?
— Sete.
— Deveria tê-lo deixado vir. A presença de crianças não me incomoda.
Pete não gostava de ter o menino a seu lado, dizendo que o atrapalhava, que lhe
tirava a concentração com as perguntas que fazia.
— Você tem muito contato com crianças? — Annebelle quis saber.
— Não desde que eu era garoto — respondeu ele, sem acrescentar nada.
Uma brisa fria soprou ao longo do curral, apitando nos beirais.
Annebelle esfregou os braços para manter-se quente.
— E então, posso colocar um lugar à mesa para você?
— Lógico! Mas terei de encontrar outra maneira de retribuir.
Quando Annebelle notou a diversão em seu olhar, sorriu com a provocação. Quanto
tempo fazia que um homem não a provocava? Pete não costumava agir assim.
Antes de começar a pensar muito no passado ou em Raymond, Annebelle virou-se e
voltou para a residência.

— Raymond passou frio no celeiro durante a noite, mamãe? Ele vai ficar conosco?
Sabe andar a cavalo?
Vinha uma após a outra, impedindo-a de responder direito. De algumas Annebelle
nem sabia a resposta, e disse ao filho que teria de indagar ao próprio Raymond. Então,
veria se ele tinha ou não paciência.
Annebelle preparou ovos mexidos, fritou bacon e aqueceu seu pão caseiro no forno.
Tudo estava pronto quando Raymond entrou.
— O cheiro está maravilhoso! — Ele pendurou seu chapéu e sobretudo no gancho
ao lado da porta.
Quando ia colocar os ovos mexidos em uma travessa, Annebelle olhou para
Raymond e foi incapaz de continuar seu movimento. Ele usava uma camisa de flanela
azul e uma calça jeans justa o suficiente para delinear seus músculos perfeitos. Seus
ombros eram largos mesmo sem o agasalho. Podia-se dizer que era perfeito: bonito, de
feições marcantes e, sem dúvida, um corpo maravilhoso.
Annebelle tentava se convencer de que a sensação em seu estômago se devia ao
bebê se mexendo, e o calor nas faces, aos hormônios.
Mark o crivou de perguntas, repetindo, inclusive, as que tinha feito à mãe. Mas
Raymond não pareceu se incomodar. Respondia com “sim”, “não”, “talvez”. Olhou para
Annebelle antes de puxar uma cadeira, um pedido de permissão para sentar-se.
— Acho que o rancho necessita de alguns reparos, ainda mais o celeiro.
— Eu já lhe disse que não posso pagar, Raymond.
Ela colocou o prato na frente dele, incomodada por seu coração estar batendo tão
depressa, imaginando por que nunca sentira algo parecido antes.
— Eu também já lhe falei que um canto para dormir e um pouco de comida bastam.
Posso cuidar das tarefas mais pesadas. Você não acha que vai continuar fazendo tudo
isso até o dia de o bebê nascer, não é?
— Tentarei. Até agora não tive problemas. E Mark me ajuda bastante. — Depois de
servir o filho, Annebelle sentou-se na frente de Raymond. — Nós costumamos rezar antes
das refeições.
Raymond deu de ombros.

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Logo após aprece de agradecimento, Annebelle se dirigiu a Mark:


— Acho melhor se apressar para não perder o ônibus, filho.
— Que tal verificar minhas referências antes de tomar alguma decisão? — Raymond
resolveu dar continuidade à conversa.
— Está tão difícil encontrar trabalho?
— Sim, quando não se sabe ao certo quanto tempo se vai ficar no lugar.
A julgar pelas palavras dele, Annebelle julgou que se tratava de um andarilho. Não
sabia quais suas intenções, e muito menos se devia questioná-las. Andava muito curiosa
desde a véspera.
— Tudo bem, Raymond. Vou fazer os telefonemas depois de levar Mark até o ponto
de ônibus. E, antes que você se ofereça, muito obrigada, mas ninguém pode fazer isso. É
um pequeno ritual que temos. Preciso vê-lo dentro do ônibus e acenar-lhe todas as
manhãs.
De repente, a expressão de Raymond evidenciou uma certa mágoa.
Annebelle notou nostalgia naquele olhar, e imaginou o que a teria causado. Mas, o
que quer que fosse, desapareceu com a mesma rapidez que os ovos mexidos de seu
prato.

Quando voltou do ponto de ônibus, Annebelle preparou um pouco de massa de pão.


Tinha escutado o barulho da machadinha ao voltar pela estrada coberta de neve e supôs
que Raymond Coleburn iria cortar um pedaço bastante grande de madeira.
Sorriu, entretida com a determinação dele. A lenha seria muito bem-vinda quando o
bebê chegasse, pois não poderia deixá-lo sozinho na casa.
Enquanto a massa crescia, Annebelle fez alguns telefonemas para checar as
referências de Raymond. Havia três nomes e três endereços, dois em Idaho e um no
Wyoming. Um era uma construtora; os outros dois, fazendas. Todos os empregadores
reiteraram o que se lia nas cartas: Raymond Coleburn era uma pessoa correta, digna de
confiança e ficava até terminar o serviço.
“Mas depois vai embora...”

Apesar da determinação em fazer tudo o que planejara, Annebelle foi ficando mais e
mais cansada com o passar das horas. Ainda assim, fez uma panela de sopa para o
almoço e assou o pão.
Raymond apareceu por volta das onze horas, quando ela tirava a sopa da panela.
— Precisa de ajuda?
— Não, está tudo pronto.
— Você levou essa panela sozinha do fogão até a pia?!
Annebelle lançou-lhe um olhar agastado, mas Raymond nem se afetou.
— Não sabe que mulheres grávidas devem se cuidar, Annebelle?
Aquele homem era a própria voz de sua consciência, fazendo-a pensar em seu
próprio bem. Sendo assim, tomou a decisão que achou a mais correta.
— Telefonei para as referências que você me deu, Raymond. Se quiser, posso lhe
dar cama e comida. em troca de uma série de tarefas e reparos. Há um quartinho no final
do corredor com uma cama de solteiro. Poderá dormir ali.
Indo até a pia, Raymond lavou as mãos e enxugou-as no pano de prato. Annebelle
estava diante do fogão, e Raymond, bem perto.
— Que tipo de marido você tinha, para estar tão acostumada a fazer tudo sozinha?
— Não é de sua conta. — Annebelle sempre fora uma pessoa muito reservada, por
isso irritou-se. — Só porque vamos dormir sob o mesmo teto não significa que você tem o
direito de se intrometer em minha vida.
Os sentimentos desconhecidos que a dominavam, a excitação agitada que
acelerava sua respiração e secava-lhe a boca, a amedrontavam.

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— Está bem. — Raymond não parecia ter ficado aborrecido. — Um não se mete na
vida do outro. Acho ótimo.
Suspirando, Annebelle lançou-lhe um olhar cauteloso. Não fora essa sua intenção.
Dali em diante, ele decerto não lhe contaria mais nada.
— Raymond esticou a mão para pegaras cumbucas de sopa ao mesmo tempo que
ela, que evitou o contato.
— Vou apanhar o pão — murmurou Annebelle.

Durante a tarde, Raymond aproveitou o lindo dia para se familiarizar com o rancho.
Na hora do almoço, descobrira que Annebelle teria o bebê em três semanas. Ela também
lhe contara que possuía quarenta cabeças de gado e que um vizinho lhe fazia as compras
desde que seu marido morrera. Em troca, ela lhe enviava pães e bolos, como forma de
agradecimento.
Era uma cabeça-dura, mas Raymond tinha um desejo irracional de saber tudo a
respeito dela. Entretanto, supôs que isso talvez não acontecesse, por Annebelle ser uma
pessoa muito introspectiva. E ficava se repetindo que não tinha cabimento estar atraído
por uma mulher perto de dar à luz. Mesmo assim, não conseguia impedir o calor que lhe
invadia as entranhas quando estava perto de Annebelle.
Raymond limpava as cocheiras no celeiro quando Mark apareceu correndo, depois
da escola.
— Mamãe falou que eu posso ficar aqui olhando, se você deixar.
— Tudo bem. — Sorriu para o garoto. — Na verdade, pode me ajudar, se quiser.
— Mamãe falou que vai ficar aqui, Raymond. Por quanto tempo?
— Ainda não sei direito.
— Logo, logo vou ter um irmão, ou uma irmã.
— Eu sei. Está contente com isso?
— Acho que sim. Mas só vou saber quando ele ou ela nascer.
Raymond caiu na risada, e a conversa continuou assim até a hora do jantar.
Mark era uma criança acessível, curiosa e esperta, o que o fez imaginar como seria
o pai. Porém, não se atreveria a fazer esse tipo de pergunta ao menino.

Depois da refeição, Mark quis saber se Raymond gostaria de jogar com ele.
— Não se sinta na obrigação — interveio Annebelle.
— Não tenho nada melhor para fazer agora, a não ser que você queira que eu faça
a previsão do tempo — respondeu ele com o discreto bom humor que Annebelle
começava a reconhecer.
— Está bem, mas só por uma hora, senão amanhã Mark não conseguirá acordar
para ir à escola.
O bebê não se mexera muito desde cedo, e a dor nas costas começou à tarde.
Annebelle imaginou que poderia ter sobrecarregado alguns músculos ao pegar a panela
de sopa, mas o desconforto perdurou durante o jantar.
Quando sentou-se no sofá para ver os dois jogando, colocou uma almofada nas
costas para tentar ficar mais confortável. E, com Mark falando sem parar, não havia
espaço para conversas pessoais.
As nove horas, Annebelle levou o filho para cima e leu para ele uma história, como
de costume.
— Mamãe, Raymond pode subir para me dar boa-noite?
— Você já lhe disse boa-noite, filho.
— Sei disso, mas não é a mesma coisa. Por favor, mamãe...
Annebelle não podia dar muito ao menino no aspecto material, mas amor e afeição
não lhe faltavam. E pelo visto agora Mark queria atenção de outra pessoa.
— Vou falar com ele, mas talvez já tenha ido dormir.

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— Duvido. Raymond não iria para a cama antes de mim.


Annebelle também achava isso, mas pelo menos podia torcer para que sim.
A dor piorou ao descer as escadas, mas Annebelle continuou tentando ignorá-la.
Não poderia ser o bebê. Ainda tinha três semanas pela frente, e Mark nascera dez dias
depois da data prevista. Passou pela cozinha e seguiu pelo corredor até chegar no quarto
de Raymond.
Sabendo que o filho ficaria desapontado se não pedisse para ele subir, Annebelle
tentou escutar algum barulho para ver se ainda estava acordado.
— Raymond? — Deu uma batida, alguns instantes depois.
Em um segundo, ele abriu a porta.
— Aconteceu alguma coisa, Annebelle?
Raymond tinha dobrado as mangas da camisa de flanela e aberto os dois primeiros
botões, expondo os pêlos do peito. Eram tão escuros quanto os da barba por fazer.
— Não... E que Mark gostaria que você fosse até seus aposentos dizer-lhe boa-
noite. Sei que é uma imposição, mas...
— De forma alguma dizer boa-noite a um garoto é uma imposição. Mas você não
deveria ficar subindo e descendo esses degraus, não é?
— Com moderação, exercícios são bons para uma grávida.
O coração de Annebelle disparou ao ver aquele lindo sorriso. Afastando-se, seguiu
para cima.
Havia três dormitórios no segundo andar: a suíte dela, o quarto de Mark e um
pequeno aposento que seria do bebê.
Pouco tempo atrás, Annebelle pintara as paredes do dormitório do filho, que colara
um pôster de seu ídolo de beisebol e algumas fotografias de cavalos. Todas as noites,
antes de dormir, Mark juntava seus brinquedos, mas dessa vez o cesto ainda não estava
fechado.
Raymond a acompanhou para dentro e ficou parado ao lado da cama, igual àquela
em que ele iria dormir.
— Sua mãe me disse que você queria me dizer boa-noite, Mark.
— Sim, Raymond. Você sabe contar histórias?
— Mark... — advertiu Annebelle. — Eu já li uma para você.
— Talvez outro dia — ofereceu-se Raymond.
— Você já rezou, filho?
— Já, mamãe.
— Então, até amanhã. Durma bem. — E Annebelle beijou-o.
— Durma com os anjos, parceiro. — Despedindo-se, Raymond afagou-lhe os
cabelos.
Fazia tempos que Annebelle não via um sorriso tão bonito nos lábios do filho.
Quando alcançaram a escada, Annebelle sentiu outra pontada nas costas. Tentou
escondê-la, sem sucesso.
— O que foi?
— Nada, Raymond.
— Tem certeza?
— Acho que exagerei um pouco, hoje. Nada que uma noite de sono não resolva.
— Espero que se esforce menos amanhã.
— Veremos. Boa noite.
— Boa noite.
Annebelle caminhou até a suíte, com a lembrança da voz sensual de Raymond a
persegui-la.
Vestiu a camisola e imaginou como seria bom receber uma massagem, e depois a
figura de Raymond, com suas mãos grandes segurando um frasco de hidratante,
assaltou-lhe a mente, sem aviso.

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Porém, antes que sua imaginação fosse mais longe, Annebelle enfiou-se sob as
cobertas.
Tinha acabado de apagar a luz quando veio uma fisgada muito forte. Respirando
fundo, levantou-se e ficou andando de um lado para o outro. “Só pode ser cãibra, nada
mais”, pensou. No dia seguinte, não exageraria.
Mas andar não adiantou e, depois de alguns momentos, sentiu a pior das dores na
base da espinha e caiu de joelhos. Não conseguia se levantar sozinha, e sabia que
Raymond não a escutaria se tentasse chamar. Pegou o livro no criado-mudo e jogou-o
com toda a força no chão.

CAPÍTULO II

DEITADO EM sua cama, sem conseguir dormir, Raymond fazia os planos para o dia
seguinte. Pensava em ir ao tribunal de Billings quando escutou um barulho no teto.
Desde que dissera boa-noite para Annebelle, não conseguia esquecer que ela
estava no dormitório bem em cima do seu.
Será que tinha derrubado alguma coisa?
Então, ouviu ruídos seguidos. Era estranho, metódico... três golpes, depois mais
três. Não precisou esperar mais para perceber que ela estava tentando mandar-lhe uma
mensagem.
Levantou-se e seguiu depressa pelo corredor. Quando entrou na suíte de Annebelle,
seu coração quase saiu pela boca, tamanho seu susto.
Ela estava no chão, e parecia muito assustada.
— O bebê vai nascer — disse, ofegante. — Não foi assim da outra vez.
Raymond não sabia muito sobre partos e nascimentos de nenês, mas podia ver que
Annebelle estava sofrendo.
— Deixe-me levá-la para a cama. — Ele inclinou-se.
— Preciso ir para o hospital.
— As dores começaram agora?
— Acho que não, mas não percebi nada. Com Mark, as contrações vinham de hora
em hora, depois quinze minutos, e duraram cerca de sete horas. Agora, começou tudo de
uma vez... — Annebelle engoliu em seco, e Raymond notou que era mais uma contração.
— Annebelle, o que posso fazer?
Ela estendeu a mão para a frente, enquanto respirava depressa, pedindo que
Raymond esperasse. Quando a dor passou, enxugou a testa com a mão.
— Pode me levar para o hospital, Raymond? Sei que é uma imposição terrível,
mas...
— Ora, Annebelle! Não se trata de imposição, é um momento de crise!
— É apenas um parto. — Esboçou um sorrisinho.
— Para mim, parece uma crise.
— Temos de acordar Mark. Tentarei descer.
— Nem pense nisso! Vou levá-la para baixo, depois venho pegar Mark.
— É apenas um nascimento... — As palavras sumiram diante de mais uma
contração.
— Que já está para acontecer. Não existe ambulância nesta cidade?

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— Estamos em Montana, Raymond. Se sairmos agora, quando a ambulância chegar


aqui, já estaremos na metade do caminho para Billings.
Apesar de não ver pelo mesmo prisma, Raymond não discutiria. Antes que
Annebelle pudesse objetar, pegou-a no colo.
— Raymond!
— É mais rápido, Annebelle. A última coisa que precisa acontecer é você cair da
escada.
— E se nós dois cairmos?
— Você é a mulher mais teimosa que já conheci em toda minha vida! — Meneou a
cabeça.
— Mas faz só um dia que você me conhece.
— E acho que isso significa alguma coisa, não? — Raymond foi até a sala e
acomodou-a no sofá. — Volto logo.
Raymond correu até o quarto de Mark, acordou o garoto e contou-lhe o que estava
acontecendo.
— Mamãe está bem?
— Sim, tudo dará certo, mas precisamos levá-la depressa ao hospital. Acha que
consegue se vestir sozinho enquanto fico cuidando dela?
Mark afirmou que sim.
Deixando o menino sozinho, Raymond desceu as escadas para cuidar de Annebelle.
Mas, lógico, ela não estava mais no sofá. Pelo visto daria mais trabalho do que Mark.
Encontrou-a na cozinha, com o sobretudo, tentando calçar as botas.
Quanta teimosia! Raymond foi até ela e tirou-lhe o calçado da mão.
— Está apertada. — Annebelle parecia envergonhada.
— Você está grávida, mocinha. Imagino que tudo esteja apertado.
A risada dela foi tão excitante quanto todos seus gestos. Era a primeira vez que
Raymond a escutava. E adorara! Esperava poder vê-la rir daquele jeito mais vezes.
Mark apareceu logo em seguida, interrompendo seus devaneios.
Annebelle se ergueu e apanhou um chaveiro na janela.
— Há uma van parada ao lado do celeiro. Não é muito nova, mas anda bem. E o
tanque está cheio de gasolina.
A fazenda e Annebelle Lawrence tinham preenchido o mundo de Raymond por um
dia, tanto que ele até se esquecera de que estava sem combustível.
— Não se mexa — ordenou Raymond, ao ver que ela pretendia ir caminhando até o
veículo.
Apesar de todos os protestos, ele a levou no colo até a van e colocou-a no assento.
Depois, acomodou Mark no banco de trás.
Tentou agir depressa, sem entrar em pânico, para não assustar nenhum dos dois.
Entretanto, conhecia os perigos daquela viagem ao hospital. Qualquer coisa podia
acontecer quando um bebê estava para nascer. Só queria que Annebelle estivesse a
salvo sob os cuidados de médicos competentes quando chegasse a hora.

Vinte minutos depois, já na estrada, Annebelle ofegou, mas dessa vez foi um som
diferente.
— O que houve?
— A bolsa de água se rompeu, e a pressão...
Raymond pisou mais forte no acelerador. Cinco minutos se passaram, e ela levou a
cabeça aos joelhos.
— Annebelle?
— Acho que vou ter meu filho, Raymond.
— Agora?! — perguntou ele, sem saber se tinha entendido direito.
— Sim.

12
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Raymond avistara algumas luzes adiantes.


— Consegue aguentar só mais um pouco?
— Eu posso, mas não sei o bebê...
Era uma noite fria, os termômetros marcavam dez graus, mas Raymond suava mais
do que se estivesse cortando lenha debaixo de um sol escaldante.
— Mamãe vai ficar boa? — perguntou Mark com a voz trêmula.
— Claro que sim. Nós vamos ajudá-la.
A luminosidade que Raymond vira antes não estava tão perto assim, e também não
ficava na estrada.
— Raymond, pare o carro — pediu Annebelle, agarrando-lhe o braço.
Ele tinha de manter a calma. Jurou a si mesmo que faria o que tivesse de ser feito.
Cuidaria de Annebelle Lawrence a qualquer custo. Acendeu o pisca-pisca e parou no
acostamento.
— Mark, precisarei de seu auxílio.
— O que posso fazer?
Olhando nos olhos do menino, Raymond agradeceu por a mãe tê-lo ensinado a
escutar os outros.
— Você vai ficar sentado aqui no banco do motorista apertando a buzina. Três
vezes... espere um pouco... depois três vezes de novo. Faça assim e não pare de jeito
nenhum, entendeu?
— Sim.
Saltando do veículo, Raymond tirou o chapéu e a capa. Em seguida, ajudou Mark a
sentar-se na frente.
— Pode começar, garotão.
O menino apertou a buzina uma vez, depois repetiu com mais confiança.
Raymond foi, então, cuidar de Annebelle, que respirava rápido e com uma certa
dificuldade. Teria de baixar o banco de trás e colocá-la no bagageiro da van, mas, a julgar
pela situação, aquela não seria uma tarefa fácil. Agiu o mais depressa que pôde.
— Há algumas mantas para o bebê. — avisou ela, quando Raymond colocou a
casaco para apoiar-lhe a cabeça.
Raymond pegou-lhe a mão e apertou-a por alguns segundos.
— Tudo vai ficar bem, Annebelle. Não se preocupe.
Encontrou dois cobertores, um mais leve que o outro. Achou também uma pá, uma
garrafa de água, uma lanterna e um saco com lenha.
Pelo visto Annebelle se preparara para o caso de a neve a pegar de surpresa.
Raymond sorriu, impressionado com a independência dela.
Mark continuou a buzinar, e Raymond cobriu Annebelle com a manta de lã.
— Como você está?
— Tenho de fazer força, Raymond. Não sei se deveria, mas não aguento mais.
— Pode parar um minuto, Mark. — Depois olhou para ela, sem graça. — Vou ter de
olhar.
A luz da van iluminou-lhe o rosto, e Raymond viu a expressão serena de Annebelle.
— Eu sei, Raymond. Faça o que for necessário.
A primeira coisa que ele fez foi descalçá-la para tentar deixá-la confortável. A ideia
de olhá-la e tocá-la o envergonhava tanto quanto a ela mesma.
Mas, quando Raymond foi verificar se tudo estava bem e viu a cabeça do bebê,
soube que não demoraria muito para aquela criança vir ao mundo.
— Raymond, pegue isto. — Annebelle estendeu-lhe a mão. — Você vai precisar
para cortar o cordão umbilical.
Sob a fraca iluminação, ele viu que era uma fita de cetim, na certa da camisola de
Annebelle.
— Mark, pode continuar a buzinar — pediu, tentando não entrar em pânico.

13
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

As contrações eram cada vez mais constantes e fortes, porém, de repente o bebê
parecia não querer nascer. Havia anos que Raymond não rezava, mas pediu ajuda a
Deus.
— Um carro está vindo! — Mark informou.
As luzes vinham na direção deles, mas Raymond não queria deixar Annebelle
sozinha. Por outro lado, precisava de ajuda.
Assim, quando desceu da van, o automóvel parou, e um senhor de barba baixou o
vidro.
— O que aconteceu?
— Ela está tendo um bebê. Por favor, encontre um telefone e chame uma
ambulância.
— Tenho um celular aqui.
Raymond agradeceu e voltou para o lado de Annebelle, imaginando o que seria
melhor fazer.
— Annebelle, vou levantá-la um pouco. Acho que será mais fácil e, quando a
próxima contração vier, faça força. Use todo o vigor que puder, está bem?
Subindo no bagageiro, Raymond abraçou-a a fim de auxiliá-la a apoiar-se contra a
porta. Mesmo em tais circunstâncias, tinha plena consciência de tudo sobre Annebelle, do
cheiro de seu xampu à maciez de sua pele, da determinação em seus olhos castanhos.
Sem conseguir se conter, afagou-lhe o rosto.
— Nós vamos conseguir, Annebelle.
Ela ficou imóvel por alguns instantes, e lágrimas se formaram em seus olhos.
— Estou pronta.
Raymond torceu para que estivesse mesmo.
Voltando para perto dos pés dela, Raymond esperou pela próxima contração, que
logo veio. Não foi preciso encorajá-la, pois Annebelle fazia sua parte usando toda a força.
De repente, Raymond estava com a cabeça do bebê nas mãos.
— De novo, Annebelle, vamos!
Pareceu parecer uma eternidade até a contração seguinte, mas, quando veio,
Annebelle lutou com coragem até dar à luz seu bebê, uma linda menina.
Ao olhar para a pequena criatura em suas mãos, Raymond sentiu um nó na
garganta. Jamais passara por uma experiência como aquela. Era um verdadeiro milagre!
Então, agiu depressa, certificando-se de que a garotinha respirava, cortando o
cordão umbilical e enrolando-a na manta.
— Qual será o nome dela? — Raymond perguntou ao passar o bebê para os braços
da mãe.
O pranto escorria sem parar pelo rosto de Annebelle.
— Amanda. Bem-vinda, Amanda.
Ainda perdidos na maravilha daquele momento, eles escutaram a sirene, e logo
Raymond viu as luzes da ambulância. Saiu do caminho e, alguns minutos depois,
segurava o ombro de Mark, enquanto os médicos cuidavam de Annebelle e de Amanda.
Ao seguir a ambulância até o hospital, Raymond ia torcendo para que tivesse feito
tudo certo.
O pequeno Mark acabou adormecendo na sala de espera da maternidade, deitado
no ombro de Raymond. Ele olhou para o garoto e sentiu um pouco da responsabilidade
que Annebelle deveria experimentar todos os dias.
— O senhor pode ver sua esposa agora — informou a enfermeira.
— Nós não... — Parou de falar, entretanto, pois temeu que não o deixassem vê-Ia
se soubessem que não eram casados. — Não gostaria de deixar o menino sozinho.
— Fique sossegado, eu cuido dele. Por favor, não demore, porque ela precisa de
uma boa noite de sono depois de tudo por que passou.
— Qual é o número do quarto?

14
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— Vinte e dois.
Havia duas camas, mas uma estava vazia. Ao lado da cama de Annebelle, Amanda
fora acomodada em seu berço.
Quando viu Amanda de olhos fechados, Raymond achou que já adormecera.
— Que loucura, não? — Annebelle surpreendeu-o abrindo os olhos.
— Não pretendo passar por isso de novo — brincou Raymond, sorrindo. — Pelo
menos não tão rápido.
— Nem eu.
Ele puxou uma cadeira e sentou-se ao lado do leito.
— Está mesmo bem, Annebelle?
— Estou. E Amanda também. Mas, Raymond...
— Fale, Annebelle.
— Eu não deveria ter vindo para cá. É um hospital caro e...
Durante anos Raymond trabalhara, gastando apenas o necessário. Portanto, suas
economias eram muito boas. Talvez, se o conhecesse melhor, Annebelle aceitasse sua
ajuda. Nada neste mundo o impediria de cuidar dela naquele momento.
— Não se preocupe com isso agora. Você e o bebê precisam de cuidados especiais.
Foi a melhor decisão.
— Irei para casa amanhã.
— Tem certeza?
— O médico disse que, se eu não me esforçasse demais, poderia ir.
— A que horas quer que eu esteja aqui?
— Quer mesmo se envolver ainda mais nessa história, Raymond?
— Já estou envolvido. A que horas?
— Por volta das onze estará ótimo.
— Sem problemas. Não tenho nenhum compromisso — brincou. Depois, olhou para
o bebê e sorriu. — Ela é linda, Annebelle.
— Também acho. Obrigada, Raymond.
De repente, ele desejou poder ficar ali a noite toda, segurando-lhe a mão. Quis
poder abraçá-la, mas seria rematada loucura.
— Voltarei amanhã cedo, Annebelle. Vou buscar Mark para ele se despedir. Não
quero que fique preocupado com você ou com Amanda.
— É uma boa ideia. — Sorriu, agradecida.
Ao sair do quarto, Raymond respirou fundo. Fora uma noite difícil, e estava mais do
que envolvido. De alguma forma, acabara se deixando levar. Deveria ter sido mais
cauteloso.
Nada durava para sempre, e ele não sabia se deveria durar. Nunca tivera algo
estável. Fizera alguns amigos no orfanato, mas eles sempre acabavam indo embora. E a
equipe estava sempre mudando. Quando chegou sua vez de partir, nada mais natural do
que ter aprendido que não se ficava muito tempo em um mesmo lugar.
Além disso, havia seu irmão para encontrar.
Entretanto, quando foi pegar Mark, entendeu que, independente do que fosse
acontecer dali para a frente, não se esqueceria daquela noite.
Nunca.
Como Raymond suspeitava, o garoto adormeceu no caminho de casa. Quando
chegaram, pegou-o no colo e o levou para o quarto. Ajudou-o a vestir o pijama e em
seguida o colocou na cama.
— Pode ficar aqui em cima comigo, Raymond?
— Acho que você acordará com meus roncos, Mark.
— Por favor...
Não havia como recusar.

15
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— Vamos fazer um trato, Mark. Por que não fico aqui até você dormir? Depois, me
deitarei no quarto de sua mãe.
Mark sorriu, concordando, então abraçou o travesseiro. Em poucos instantes, já
dormia profundamente.
Raymond se levantou e saiu do aposento, deixando a porta aberta. Parou diante da
suíte de Annebelle.
Era uma péssima ideia ficar ali. Havia uma grande cama no centro, com lençóis
brancos desarrumados. A colcha também era branca, simples, porém delicada.
Raymond se aproximou, encantado com o aroma de rosas. O mesmo cheiro que
envolvia Annebelle. De certo era a loção que estava no criado-mudo.
Dormir no leito dela parecia invasão de privacidade, mas não queria desapontar
Mark. Desse modo, ajeitou os lençóis e a colcha e se deitou em cima.
Notou algumas fotografias do menino em cima da cômoda e também uma de um
homem mais velho, na certa o pai de Annebelle. Ao lado, uma foto menor do mesmo
homem de braço dado com uma bela jovem. O pai e a mãe. Todavia, não avistou nenhum
retrato do falecido marido de Annebelle, o que o fez imaginar por quê.
Avistou um penhoar de seda azul-claro pendurado em um antigo cabide, que parecia
confortável e macio, e logo Raymond a imaginou usando-o.
Annebelle era uma mulher contraditória; dócil e delicada, porém forte e teimosa.
Então, lhe ocorreu mais uma vez a criancinha que trouxera ao mundo.
Apagando a luz, fechou os olhos, sentindo que tinha entrado para sempre na vida de
Annebelle Lawrence.
Na manhã seguinte, Raymond resolveu não acordar Mark. O garoto perderia a aula,
mas esperar a mãe e a irmã chegarem do hospital era um acontecimento muito
importante.
Depois de tomar um banho, enrolou-se em uma toalha e desceu para trocar de
roupa. No entanto, não podia se esquecer de arrumar o quarto antes que ela chegasse.
Depois de cuidar dos animais, fez ovos mexidos e torrou algumas fatias de pão.
Tinha acabado de pôr a mesa quando Mark apareceu.
— Você ficou lá em cima a noite toda — disse ele, feliz da vida. — Acordei para
beber água e aproveitei para ver se estava no quarto de mamãe.
— Eu lhe falei que ficaria — respondeu Raymond, olhando o garoto com certa
curiosidade.
— Meu pai costumava falar que faria as coisas, mas depois não fazia.
— Que tipo de coisas?
— Jogar bola, pescar, andar de bicicleta...
Raymond colocou a cadeira perto de Mark.
— Talvez ele fosse um homem muito ocupado. Cuidar de uma fazenda não é uma
tarefa fácil.
— Mas mamãe nunca está ocupada. Ela sempre tem tempo para brincar comigo.
Era evidente que Annebelle cumpria tudo o que prometia ao garoto.
— Você deve sentir muito a falta de seu pai, não?
— Acho que sim — respondeu ele, depois de pensar por um momento.
Raymond cometeu o erro de achar que Mark responderia a um comentário sobre o
tema em questão.
— E creio que sua mãe também sente falta dele.
O pequeno deu de ombros, pegou a torrada e deu uma bela mordida.
“É isso o que acontece quando se tenta tirar informação de uma criança.”
Assim que terminaram de comer, Raymond lavou a louça, arrumou um pouco a
cozinha e subiu para o quarto de Annebelle.
Na véspera, toda envergonhada, ela lhe pedira para levar uma saia jeans e uma
camisa branca que estavam pendurados no armário, além de outros itens de uso pessoal.

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Raymond lhe garantira que não haveria o menor problema, mas, quando abriu o armário,
deparou com um lindo vestido branco com detalhes florais. Nunca se envolvera tanto com
uma mulher aponto de tal intimidade. Pegou tudo bem depressa, desceu as escadas e
chamou Mark para ir para o carro.

Annebelle abriu um lindo sorriso quando os viu entrar pela porta do quarto no
hospital. Tinha a aparência descansada e alegre. E estava linda.
Porém, Raymond sabia que seria um erro elogiá-la. Pelo menos por enquanto.
— Esqueci-me de pedir as roupas do bebê, Raymond. Amanda terá de ir para casa
com a manta do hospital.
— Acho que ela não se importará — brincou Raymond.
— Venha dar um beijo na mamãe, Mark.
O garoto a obedeceu de imediato.
— Vou me trocar para podermos ir, Raymond. Os papéis já estão todos assinados.
Ele saiu com Mark para que Annebelle se arrumasse e, depois de dez minutos, uma
enfermeira os acompanhava para fora do hospital.
O olhar que Raymond recebeu de Annebelle, cheio de brilho e agradecimento,
ficaria para sempre gravado em sua memória.
— Ainda bem que tenho as roupas de Mark, pois ainda não estava preparada para a
chegada de Amanda.
— Vou ter de vir até a cidade para abastecer meu carro, Annebelle. Se quiser, posso
comprar o que precisar.
De repente a alegria dela desapareceu.
— Já fez muito por mim, Raymond. Nós não somos sua responsabilidade.
— Talvez não, mas acha mesmo que eu a deixaria ter o bebê sozinha dentro de um
carro?
Annebelle não respondeu, e o resto da viagem transcorreu em silêncio.

Em casa, Annebelle colocou a filha no sofá e tirou seu sobretudo.


— Que tal descansar um pouco? — Raymond sugeriu. — Consegue subir as
escadas?
— Creio que sim. Irei bem devagar.
— Irei com você, para ajudá-la.
— Tudo bem.
Os olhos dela ficaram cheios de lágrimas. Raymond estava sendo muito amável e,
além disso, com toda a franqueza, não saberia o que fazer sem sua ajuda. O pensamento
a assustou da mesma forma que a proximidade dele.
— Não precisava ter arrumado a cama — ela disse ao entrarem em sua suíte.
— Mark me pediu para ficar aqui em cima, na noite passada. Dormi sobre a colcha.
— Imaginei que ele fosse fazer isso. Desse jeito, nunca vou parar de agradecer-lhe.
— Ora, Annebelle, não estou fazendo nada demais... Quer mais alguma coisa?
— O quarto de Amanda será o menor, aquele que uso para costurar. Já tirei tudo,
menos a máquina, e também não tive tempo de pegar o berço no sótão. Você me faria
mais esse favor?
— Com o maior prazer. Quer que eu o traga para cá? Posso fazer alguns arranjos
para acomodar melhor o bebê.
— Adoraria pintar as paredes de rosa, mas... — Ela não terminou. — Pode colocar o
berço aqui, por enquanto. Para chegar ao sótão, há uma escada nesse quartinho.
Annebelle acomodou Amanda no meio do colchão. Seu filho acompanhou Raymond,
com a desculpa de ajudá-lo, e ela ficou olhando para a criaturinha que trouxera ao mundo.
Acariciando os cabelos castanhos, lembrou-se da expressão no rosto daquele
estranho, que fizera seu parto.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Raymond Coleburn...
Annebelle detestava depender dos outros daquela maneira, mas o médico lhe
dissera para descansar durante dois dias. O problema era que Raymond já não era mais
tão desconhecido, e isso estava acontecendo depressa demais.
— Já limpei o berço — avisou Raymond, interrompendo os devaneios dela. — E
Mark achou uma caixa cheia de brinquedos. Disse que vai tentar separar alguns para
Amanda.
O tom divertido dele indicava que não tentara proibir o menino.
— Creio que terei de ensiná-lo a ser um bom irmão.
— Duvido que precisará de muito esforço.
Raymond montou o berço e colocou o colchão. Quando Annebelle se ergueu para
pegar os lençóis que tinha lavado, ele a impediu.
— Como está se sentindo? E não venha me dizer que está bem.
O aroma Annebelle que sentiu exalar da pele de Raymond fez com que o
imaginasse dormindo em seu leito.
— Mas eu estou bem, sim. Tenho uma linda filhinha e muito a descobrir a respeito
dessa criança que conheço há apenas um dia.
— Você é uma mulher muito especial, Annebelle Lawrence. — Raymond a encarou.
Havia tempos que Annebelle não se sentia interessante, ou bonita, ou mesmo
atraente para um homem. E agora estava diante de Raymond Coleburn, toda
envergonhada por ter recebido um elogio. O que a fascinava tanto nele?
No instante em que viu sua mão se levantando, Annebelle soube que Raymond a
tocaria. E também que deveria tentar impedi-lo.

CAPÍTULO III

MAS ANNEBELLE não conseguiu dar um só passo para trás. Não com aqueles
olhos azuis a fitá-la. Não com seu coração disparado, muito menos com a mão quente
tocando-lhe o rosto.
Parecia que Raymond tinha se aproximado. Ou fora ela?
Annebelle fechou os olhos como se pudesse bloquear todos os sentimentos que
afloravam. Entretanto, quando sentiu os lábios molhados contra os seus, mais uma
provocação do que um beijo, Annebelle não conseguiu pensar em mais nada.
Raymond lhe proporcionava sensações desconhecidas. Com Pete, não tivera
grandes satisfações. Depois do casamento, sua única preocupação tinha sido com o
próprio bem-estar. O fugaz toque de lábios continha mais prazer e gentileza do que todos
seus momentos ao lado do falecido marido.
Mas como? Raymond era um completo estranho. Conheciam-se havia apenas...
O choro de Amanda interrompeu a quietude.
Raymond se afastou e, quando Annebelle ergueu as pálpebras, viu várias
indagações no olhar dele, decerto refletindo as suas.
O que acontecera? Acabara de ter um bebê! Uma criança que precisava dela. Não
podia estar tão perto de um homem que não parava em lugar algum, quanto menos beijá-
lo.

18
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Confusa, com as faces quentes, Annebelle foi até a cama pegar a filha. Esse
incidente jamais poderia se repetir. Com certeza eram seus hormônios em alvoroço. Nada
além disso.
E se Raymond fosse o culpado?
Annebelle lhe diria que tinha dois filhos para criar e que não havia espaço em sua
vida para um andarilho.
Aninhando a pequena Amanda no peito, encarou Raymond.
— Preciso amamentá-la.
— Você tem mamadeiras e tudo de que precisa?
— Vou dar-lhe o seio, Raymond.
A declaração continha bem mais implicações do que o simples ato de amamentar.
Annebelle foi até a cadeira de balanço, quase tremendo com a ideia de ser
observada por ele.
— Você quer alguma coisa, Annebelle?
“Espaço para respirar”, ela pensou, mas apenas meneou a cabeça indicando que
não.
— Sendo assim, irei ver se Mark terminou de separar os brinquedos. Depois, vamos
preparar algo para o almoço.
— Raymond, não precisa...
—...ajudá-la? Você precisa de ajuda, sim, Annebelle. Então, é bom se acostumar
com isso. Pelo menos, agora no começo.
— Mas tem seus assuntos para resolver em Billings, não é?
— Não é nada que não possa esperar um pouco mais.
Amanda voltou a chorar, interrompendo-os. Raymond compreendeu que a pequena
não aguentava mais esperar, e retirou-se.
Annebelle desabotoou os primeiros botões da blusa, expondo o seio cheio de leite.
Ao ver sua filhinha a sugá-lo, foi tomada por uma gama de emoções que misturavam
alegria, amor e outras que ainda não conseguia entender direito.
Ao mesmo tempo, escutou as botas de Raymond batendo contra os degraus da
escadaria. Foi aí que recordou o beijo, mas afastou a imagem da mente no mesmo
instante.

Raymond se dava melhor na cozinha do que a média dos homens. Além de saber
mexer no microondas, não tinha nenhum problema com o fogão. Deixou Mark limpando
os brinquedos que trouxera do sótão e colocou a sopa para esquentar. Também cortou
algumas fatias do pão que Annebelle fizera na véspera. Só de imaginá-la amamentando o
bebê...
Não deveria estar tendo esse tipo de pensamento. Annebelle era mãe de duas
crianças. E também ele não ficaria muito tempo naquele rancho, motivo suficiente para
não se apegar a Annebelle ou a Mark. Havia anos que sabia que ligações desse tipo
sempre resultavam em tristeza e decepção.
— Por que não vai até o quarto de sua mãe e pergunta se ela está pronta para
almoçar, Mark? Diga-lhe que levarei uma bandeja para cima.
De forma alguma Raymond queria voltar àquela suíte e correr o risco de flagrá-la
amamentando Amanda. Afinal, já existia tensão suficiente entre ambos.
Talvez fosse coisa de sua cabeça e Annebelle não estivesse nem notando.
Entretanto, ela não se afastara...
— Podemos ir até lá juntos e comer com ela, Raymond?
Sem saber como responder, Raymond optou pelo mais simples:
— Ter um bebê não é nada fácil, amigão, e sua mãe está muito cansada. Acho que
seria bem melhor se a deixássemos descansar hoje. E se Annebelle estiver melhor,
poderemos jantar juntos.

19
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Está bem. — Mark ficou aborrecido, mas logo seu ânimo voltou. — Posso sair
com você hoje à tarde?
— Se sua mãe deixar.
Assim que o menino correu para cima, Raymond foi mexer a sopa e deixou a colher
de pau cair no chão.
— Droga! — Era preciso prestar mais atenção ao que fazia.
Melhor que isso, devia tomar cuidado com cada passo dado.

Mark passava manteiga em sua torrada, e Raymond subiu levando a bandeja com
um prato de sopa, duas fatias de pão e um copo de leite. Parou à soleira ao escutar
Annebelle cantando uma canção de ninar para Amanda. Sentiu um aperto no peito e
respirou fundo, batendo.
— Pode entrar.
O sol começara a se pôr e brilhava pela janela da suíte, realçando os cabelos claros
de Annebelle. Estava linda, com a filha no colo, e mais uma vez Raymond parou para
pensar em como teria sido o relacionamento dela com o marido e se ainda o amava.
— Está com fome, Annebelle?
— Na verdade, não, mas sei que preciso me alimentar para ficar saudável e poder
amamentar Amanda. Temos de conversar sobre o jantar. Há algumas coisas que não
posso comer por... bem, por estar amamentando.
— Que tal bolo de carne? Vi um pacote de carne moída no freezer.
— Ótimo, desde que não exagere no tempero. — Ela esboçou um sorriso tímido. —
Acho que a maioria dos homens não sabe fazer bolo de carne.
— Não faço parte da maioria, Annebelle. — Colocou a bandeja sobre a cômoda. —
Também sei fazer purê de batata.
— Então será amigo de Mark para o resto da vida. Esse é o prato predileto dele.
Amigo para o resto da vida... Raymond quase não compreendia o conceito.
— Mark quer saber se você permite que ele me acompanhe, à tarde.
— Para mim, não há problema.
— Certo. Assim poderei mantê-lo ocupado enquanto você repousa. Mas... E se você
precisar de alguma coisa?
— Fique sossegado, Raymond. Depois de trocar Amanda, vou tomar um banho, me
trocar e tentar dormir um pouco.
— Caso precise de mim, pendure uma fronha na janela. Vou verificar de vez em
quando.
Annebelle baixou os olhos e acariciou o rosto da filha.
— Está me ajudando muito, Raymond. Nunca poderei agradecer-lhe.
— Generosidade não se paga, Annebelle. Ela caminha lado a lado com a verdade e
a honestidade.
Calada, ela recebeu um olhar de Raymond que a incomodou.
— Se precisar de algo, grite. Se não respondermos, pendure a fronha na janela. —
E Raymond saiu, fechando a porta atrás de si.
A tarde passou depressa, com Mark ajudando Raymond com as tarefas da fazenda.
Em momento algum vira uma fronha na janela.
Voltando para casa, ensinou o pequeno a preparar bolo de carne. Mark aprendia
rápido, e divertiu-se misturando a massa. Raymond deixou-o por alguns instantes para
ver se Annebelle estava bem.
Encontrando a porta entreaberta, empurrou-a com cuidado. Deitada na cama, de
lado, com as mãos debaixo do rosto, Annebelle estava linda e serena.
Amanda também dormia, junto dela, enrolada em uma manta cor-de-rosa. Raymond
entrou e pegou a colcha dobrada ao pé do leito para cobri-las.
Então, Annebelle ergueu as pálpebras.

20
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— Não pretendia acordá-la. Achei que pudessem estar com frio.


— Obrigada.
— Volte a dormir.
Sonolenta, ela fechou os olhos, e sua respiração tornou-se ritmada.
Raymond ficou olhando para as duas, de uma para outra, e foi tomado por uma
sensação jamais vivida antes. Só que não sabia explicar o que era.

Na hora do jantar, Annebelle desceu com Amanda no colo, como se não pudesse se
separar da filha.
— Tenho mais um favor para lhe pedir — ela falou, antes de sentar-se à mesa.
Raymond sabia que era difícil para Annebelle pedir ajuda. Assim, não fez nenhum
tipo de comentário, apenas esperou que continuasse.
— Há um carrinho de bebê no sótão. Será que poderia pegá-lo para eu colocar
Amanda?
— Claro. Eu o vi antes. Está um pouco velho, não?
— Era meu. Foi meu pai quem fez.
As diferenças entre ambos o sensibilizavam. Annebelle sabia o que era uma família
e ser querida por pessoas próximas. Raymond nunca passara por isso.
Annebelle o elogiou pela refeição, mais de uma vez. Comeu tudo, e mostrava-se
descansada. Logo recuperaria suas forças, ele notou. Entretanto, não sabia se aprovava
muito a ideia, pois gostava de ter alguém que dependesse de seus préstimos.
Depois da refeição, Annebelle deixou o pequeno Mark segurar a irmã e contar todos
seus dedinhos. Raymond parecia encantado por Amanda, temendo tocá-la, com medo de
aproximar muito. Mais tarde, convidou Mark para jogar cartas.
Relaxada, Annebelle ficou sentada no sofá, tricotando um casaco para a filha.
Sempre levantava os olhos para os dois, pensativa. O que aquele estranho tinha de tão
especial? Fazia apenas dois dias que se conheciam, mas Raymond já agia com a
naturalidade de um membro da família.
— Vou subir para dar de mamar a Amanda — disse ela quando a menina começou
a chorar. — Mark, vista seu pijama. Daqui a pouco deverá ir para a cama.

Fazia muito tempo que Raymond ouvia Amanda resmungar, no andar de cima, por
isso decidiu ir ver o que estava acontecendo.
Pela porta entreaberta, avistou Annebelle andando de um lado para o outro com o
bebê no colo, ninando-a e cantando.
— Há algo errado?
— Acho que não, Raymond. Os bebês têm momentos de manha. Mark costumava
reclamar da meia-noite às duas da manhã.
— Creio que o segundo filho é sempre mais fácil, não?
— Sim, e dessa vez não estou tão medrosa. Com Mark eu temia fazer algo de
errado ou machucá-lo.
Amanda começara a chorar, e era evidente que Annebelle não queria deixá-la só.
— Posso colocá-lo na cama, se você quiser.
— Diga-lhe para vir até aqui me dizer boa-noite. E não precisa ler uma história...
— Não me importo de ler para ele, Annebelle.
Os olhares deles se encontraram, o dela, repleto de gratidão, e Raymond viu-se
querendo algo além de agradecimento. Virou-se e saiu para cuidar de Mark.
Raymond notou as sobrancelhas de Mark franzidas, já deitado.
— Qual é o problema, parceiro? Acha que não sei ler uma história tão bem quanto
sua mãe?
— A mamãe sempre me coloca na cama.

21
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— As coisas podem mudar um pouco agora — explicou, cauteloso. — Os bebês


necessitam de muitos cuidados.
— Por que minha irmã está chorando tanto?
Respirando fundo, Raymond quis achar a melhor maneira de justificar o que estava
acontecendo.
— Amanda sentiu-se segura, confortável e alegre na barriga de sua mãe durante
todos esses meses. É um lugar quentinho e gostoso. E agora, veio para este mundo
grande, cheio de luzes e de barulho, onde há frio, calor e várias coisas com as quais não
estava acostumada.
— E quanto tempo demora para ela se acostumar? — A expressão de Mark
mostrava preocupação.
— Não tenho certeza, mas creio que daqui um ou dois meses tudo voltará ao
normal.
Mark não fez nenhum comentário, apenas pegou um livro ao lado e passou-o para
Raymond.
Assim que o menino adormeceu, Raymond saiu do aposento e foi até a suíte de
Annebelle, pois Amanda ainda chorava.
— Pode entrar — disse ela, escutando-o bater.
— Posso ajudá-la de alguma forma?
— Acho que não, Raymond, obrigada.
— Bem, qualquer coisa, estarei em meu quarto.
Ao ver Annebelle assentir com um gesto de cabeça, ele sentiu-se um intruso, como
se ela não o quisesse ali. Talvez não desejasse nenhum homem em seu caminho, mesmo
que fosse só para auxiliá-la.
Saindo para o corredor, Raymond fechou a porta mais uma vez e desceu as
escadas.
Passava da meia-noite quando ele se deitou e ficou olhando para o teto, sem
conseguir dormir.
Amanda tinha parado de chorar fazia algum tempo. Raymond escutou o barulho da
cadeira de balanço, e a imagem de Annebelle amamentando-a lhe veio à memória.
Virou-se de lado, esperando o sono chegar, mas as imagens dançando em seu
mente não o deixariam em paz tão cedo.
Concentrando-se em sua viagem para Billings, no dia seguinte, Raymond fez uma
lista do que tinha a fazer. Primeiro, iria ao tribunal tentar procurar algo nos registros
públicos, tentar encontrar algumas respostas. Talvez até mesmo seu irmão gêmeo...
Um pouco da tensão já deixara seu corpo quando ele escutou o som de água
correndo da torneira da cozinha. Uma colher caiu na pia, o que o fez sentar-se no
colchão.
Deveria ficar ali, em seu canto, quieto. Mas saber que Annebelle estava tão próxima
o fez pegar o jeans que jogara na cadeira. Vestiu-o depressa e colocou uma camisa, sem
se importar em abotoá-la.
Na cozinha, viu Annebelle despejar leite em uma caneca. Depois, colocou-a no
microondas para esquentar.
— Achei que estivesse dormindo — disse ela, surpresa por vê-lo. — Não tive
intenção de acordá-lo.
— Não tinha adormecido ainda.
Os cabelos de Annebelle caíam-lhe no rosto. Ela usava uma camisola branca de
flanela e um penhoar azul. Os chinelos também eram azuis e confortáveis. Tudo nela
fazia Raymond querer tomá-la nos braços, abraçá-la e mantê-la segura.
— Suponho que Amanda tenha sossegado.
— Parece que sim. — Annebelle esboçou um sorrisinho, desviando os olhos da
camisa aberta e do peito nu.

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Raymond foi até o balcão e pegou alguns bolinhos embrulhados em papel alumínio.
Annebelle lhe pedira para tirá-los do freezer para comê-los no jantar, mas haviam sobrado
alguns.
— Aceita? — ofereceu ele, abrindo o embrulho.
— Sim. — Annebelle tirou o leite do microondas. — Mas vamos para a sala, pois
será mais fácil escutar, se Amanda chorar. Se você for para a cidade amanhã, gostaria de
lhe pedir para comprar uma babá eletrônica.
— Faça uma lista de tudo de que necessita — disse Raymond, acompanhando-a
para a sala.
Em vez de sentar-se na poltrona diante de Annebelle, ele acomodou-se no sofá,
bem perto dela.
— Obrigada, Raymond — agradeceu, pegando o bolinho.
— Foi você quem os fez, ora...
— Você sabe do que estou falando. Obrigada por ter ficado aqui me ajudado tanto.
Cada vez aparece mais uma coisa... Não sei se um dia serei capaz de retribuir.
— Já lhe disse que não espero nenhum tipo de retribuição.
Ficaram em silêncio e, sem saber o que fazer, Annebelle comeu um pedaço do
bolinho. Raymond não conseguia parar de observá-la. Annebelle tinha um perfil tão lindo,
lábios tão carnudos...
— Você afirmou que vai até Billings amanhã. Pretende ficar fora o dia todo?
— Ainda não sei.
— Sinto muito, não quis me intrometer.
— Imagine, você não está se intrometendo. É que...
— Raymond passou a mão nos cabelos. — Não tenho certeza do que vou encontrar.
Eles se encararam. Raymond não conseguia adivinhar o que se passava pela
cabeça dela.
— Está procurando uma mulher, Raymond?
Ele ficou surpreso, mas ao mesmo tempo sentiu uma grande satisfação. Será que
ela se importava?
— Não, Annebelle. Procuro meu irmão.
Teria visto um certo alívio no lindo semblante?
— Você não sabe onde ele mora?
Raymond podia encerrar o assunto ou podia se abrir. Se não lhe contasse um pouco
sobre sua vida, Annebelle também não lhe daria informações, e ele estava cada vez mais
curioso de saber sobre o casamento dela com Pete Lawrence.
— Não tive uma infância como a maioria das pessoas. — Raymond deu de ombros.
— A maioria das crianças tem pais e um lar. Eu nunca conheci meus pais. Fui criando em
um orfanato.
— Ah, Raymond...
— Não lamente. As pessoas que cuidavam de nós eram muito amáveis, porém, não
eram uma família de verdade. As crianças iam e vinham. E a equipe também.
— Seu irmão também foi criado lá?
—Eu não sabia que tinha um até poucos meses atrás. O orfanato em que vivi, em
Tucson, fechou. Agora existe um outro tipo de entidade com um sistema completamente
diferente. Eu trabalhava em uma fazenda em Idaho quando recebi uma carta deles.
Todos os finais de ano Raymond enviava uma doação, como forma de
agradecimento.
— Junto, no envelope, encontrei a certidão de óbito de minha mãe e duas certidões
de nascimento. Uma era minha, a outra, de meu irmão, Hunter. As datas de nascimento
são as mesmas, mas há cinco minutos de diferença de horário.
— Então você tem um gêmeo!

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— Acho que sim. Na mensagem estava escrito que Hunter fora adotado aos oito
meses. E uma cópia dela foi enviada a um endereço em Billings. Tentei contatar as
autoridades de Tucson para pedir mais informações, mas ninguém sabia de nada. Tudo
aconteceu há muito tempo.
— Acha que seu irmão está em Tucson?
— Eu esperava que sim, mas não encontrei nenhum número de telefone de Hunter
Coleburn. Vou dar uma olhada nos registros públicos, fazer algumas perguntas, ir ao
endereço que tenho. Se não conseguir nada, terei de contratar um detetive.
— Mas é muito caro, Raymond.
— Sei disso, mas tenho algumas economias.
— Eu não estava tentando descobrir...
— Não precisa se explicar, Annebelle. Desde que saí de Tucson, com dezoito anos,
não tive muitos gastos. Um homem não precisa de muito quando não tem um lar fixo.
— Quer dizer que nunca morou em um lugar por muito tempo?
— Não. Sempre corri atrás de empregos. Trabalhei em construções, em ranchos...
Posso dizer que viajei bastante. Você já saiu de Montana?
Annebelle terminou o bolinho e colocou o guardanapo na mesa de centro.
— Não. Nunca fui mais longe que Helena. Meu pai me levou uma vez a um rodeio
lá.
— E seu marido?
— Pete cresceu aqui, como eu. E jamais teve vontade de... bem, de conhecer
lugares diferentes.
Algo em seu tom de voz que fazia Raymond querer especular um pouco mais. Mas
não queria assustá-la. Portanto, era melhor fazer uma pergunta de cada vez, dando-lhe
espaço para se acostumar à ideia de conversar sobre o passado.
Parecendo nervosa, Annebelle bebeu um gole de leite.
— Por quanto tempo pretende ficar aqui?
— Não sei, Annebelle. Depende do que vier a descobrir em Billings. E também de
quanto tempo você possa precisar de meus serviços.
— Contudo, assim não aumentará suas economias.
— Já lhe disse que não preciso de muito para viver.
Ela o olhava como se estivesse tentando decifrá-lo. Seus olhos castanhos eram
serenos, os lábios brilhavam dos goles de leite.
— Você é uma linda mulher, Annebelle.
— Acho que esteve muito concentrado no trabalho nos últimos tempos — respondeu
ela, sem conseguir evitar o rubor.
Raymond sorriu, e Annebelle também, mas seu bom senso não o impediu de levar a
mão até os cabelos sedosos. Queria dar-lhe tempo de se afastar, de raciocinar, de se
acostumar a ser beijada.
A mente dela funcionava sem parar diante do olhar fixo de Raymond. Tantos
sentimentos ecoavam a cada batimento cardíaco...
O que ainda fazia sentada ali sabendo o que aconteceria depois? Prometera a si
mesma que se manteria longe dele, mas existia algo naquelas íris azuis que a
convidavam ao desconhecido. E a força e gentileza daquele homem a encantavam de
uma forma incontrolável. Um beijo de Raymond Coleburn...
Ele inclinou a cabeça, e Annebelle cerrou as pálpebras. Seu corpo todo já tremia
antes de sentir o calor da respiração dele. Esperava um toque faminto, exigente, como
sempre acontecia quando Pete a beijava. Mas estava com Raymond, que já lhe dera
várias provas de sua amabilidade.
Primeiro, sentiu o contato de sua boca úmida, depois da barba por fazer. Um aroma
másculo e cítrico o envolvia, e Annebelle não acreditava em seu desejo crescente para
que o beijo se consumasse.

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Entretanto, Raymond a provocava com carícias delicadas, brincando com os lábios,


depois com a língua e, de repente, ela estava sendo beijada como jamais fora antes.
Foi tomada por um grande torpor, uma quentura desconcertante. Aquele era um
homem de verdade, que sabia como tratar uma mulher. Um homem que...
Que logo sairia de sua vida, talvez tão depressa quanto um relâmpago.
Annebelle se afastou de repente, irritada por não ter pesado suas prioridades. Tinha
dois filhos para criar e uma fazenda para cuidar, portanto, nenhum tempo para alguém
que desconhecia o significado da palavra “origens”.
Indo para o outro canto do sofá, ela respirou fundo e ajeitou o penhoar, tentando se
recompor.
— Isso não pode se repetir, Raymond. Não sei o que aconteceu comigo.
— Annebelle... — A voz dele era rouca e profunda.
— Acabei de ter um filho. Não deveria estar nem pensando em... Eu não posso...
— Acha que quero mais que um beijo?
— Sim... Não... Não sei. Não o conheço, afinal de contas.
Os olhos azuis perderam toda a alegria de antes.
— Você não me conhece? Depois de tudo o que passamos juntos? Bem, vou lhe
dizer uma coisa a meu respeito. Sou um homem de palavra. E lhe prometo que nunca
mais a beijarei, a não ser que me peça.
Em seguida, Raymond se levantou, e sua camisa aberta deixou todo seu peito
musculoso à mostra. A visão a atordoou tanto quanto a presença de Raymond.
— Boa noite, Annebelle — disse ele, antes que pudesse escutar mais uma de suas
respostas adequadas, e virou-se, saindo em direção ao quarto.
Ao pegar a caneca na mesa, ela sentiu o pranto assomar. Não queria depender de
ninguém, muito menos de Raymond Coleburn.
E nem morta pediria um beijo dele!

CAPÍTULO IV

O PREGO escapou dos dedos de Raymond ao martelar um pedaço de madeira na


estrutura da porta. Assim que terminou o serviço, olhou para Annebelle, que levava uma
assadeira ao forno.
Ela se mantivera distante nos últimos dias, esquivando-se sempre que possível, o
que começava a frustrá-lo. Da mesma forma que sua ida a Billings. Talvez nunca
encontrasse o irmão.
Martelando outro prego, notou que Annebelle o distraía de seu objetivo. Não deveria
ter se irritado e dito o que dissera naquela noite. E também não deveria tê-la beijado.
Mas ela parecera gostar do beijo... Gostar não era suficiente, no entanto. Annebelle
podia ser reservada e quieta, mas havia uma grande paixão escondida sob aquela
máscara de seriedade. E, pelo visto, o fato de ser mãe e viúva fazia com que se anulasse
como mulher.
Porém, se Annebelle não queria ser beijada... Raymond a respeitaria.
Perto do horário em que Mark chegava da escola, Amanda começou a chorar.
Annebelle olhou para o relógio, sem saber o que fazer.
— Vá amamentá-la. Eu vou buscar Mark no ponto de ônibus — disse Raymond,
percebendo seu dilema.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

A pequena gritava cada vez mais alto.


— Esperava que ela estivesse dormindo para que eu pudesse ir encontrá-lo. —
Annebelle suspirou.
— Quem sabe na segunda-feira? Não se preocupe. — Raymond fez uma pausa. —
Convidarei Mark para dar um passeio a cavalo comigo, amanhã cedo.
Depois de terminar seu serviço, Raymond pegou o chapéu e a capa no cabide, e
saiu.
— Voltarei logo.
— Obrigada, Raymond.
Ele já não aguentava mais escutar “obrigada”. Preferiria um sorriso que tivesse o
mesmo significado.

Quando Mark desceu do ônibus e viu Raymond, não escondeu o desapontamento.


— Onde está mamãe? — quis saber, ajeitando a mochila nas costas. — Está dando
de mamar para Amanda de novo?
— Pelo visto, sua irmã mama bastante, não? — Raymond brincou, tentando
amenizar a situação.
Mark o fitou de soslaio.
O garoto estava mais calado desde que a mãe voltara do hospital. Até demais.
Todavia, Raymond não sabia como agir, ou se deveria se intrometer.
— Quer andar a cavalo comigo amanhã cedo, Mark? Podemos contar o gado.
— Aposto que mamãe não vai deixar. Ela vai dizer que está muito frio.
— Já pedi para ela.
Nem assim o garoto sorriu. Manteve o mesmo olhar triste durante todo o percurso
para casa.
— Ela deve estar no quarto — resmungou, ao entrar em casa e não encontrar a
mãe.
Raymond não podia deixar a situação daquele jeito. Teria de conversar com
Annebelle antes que o problema aumentasse.
Annebelle desceu as escadas com a filha nos braços. Tentou conversar com Mark
sobre seu dia na escola, mas o menino só respondia em monossílabos, e não mostrava
vontade de falar.
— Estou pensando em fazer alguns biscoitos amanhã, filho. — Ela percebia que
havia algo de errado. — Quer me ajudar?
— Raymond falou que vamos cavalgar.
— Eu sei, mas e à tarde?
— Está bem — respondeu ele, um pouco mais animado.
Mesmo assim, Mark não conversou muito durante o jantar.
Annebelle insistiu que não precisava de ajuda, então Raymond sentou-se na sala
com o garoto e o ensinou a dar nós de marinheiro.
Felizmente, na hora de colocá-lo na cama, Amanda estava dormindo, permitindo que
Annebelle acompanhasse o filho, como de costume. Entretanto, ainda não tinha lido a
história quando o choro recomeçou.
Sentindo-se dividida entre as exigências dos dois filhos, Annebelle despediu-se de
Mark e foi alimentar Amanda.
Uma hora depois, desceu as escadas, imaginando se Raymond já teria ido dormir.
Então, escutou o televisor ligado.
— Os dois estão dormindo?
Annebelle parou à soleira da cozinha.
— Sim. Vim buscar um copo de leite, depois também vou me deitar.
— Nós precisamos conversar. — Ele desligou o aparelho.
— Sobre o quê?

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Raymond se endireitou na poltrona. A camisa de flanela estava um pouco aberta,


ressaltando seus pêlos pretos. Annebelle cerrou as pálpebras e imaginou-se deitada
naquele tórax, recebendo suas carícias.
— Sobre várias coisas — Raymond interrompeu-lhe os devaneios. — A começar por
aquela noite.
— Não há o que falar.
— Lógico que há, Annebelle, pois, cada vez que me aproximo, você sai de perto
como se levasse um choque.
— Ora, Raymond, é sua imaginação...
— Não, Annebelle. Não tem nada a ver com minha imaginação.
Ela estava muito cansada para discutir aquele assunto. Era como se não dormisse
fazia uma semana. Cozinhar, cuidar de Amanda e da casa a estavam deixando exausta.
— Acho que me sinto um pouco... estranha. Nada além disso. Não estou
acostumada a ter um homem a minha volta.
— Mas você tinha um marido, não?
— É diferente, Raymond. Você, de certa forma, é um estranho.
— Nem tanto assim.
Os dois se lembraram da ocasião do nascimento de Amanda. E também do beijo
que os abalara com a mesma intensidade.
— Vou para a cama. — Annebelle virou-se para a escadaria.
Mas Raymond pegou-lhe o braço antes que ela pisasse no primeiro degrau. Só que
Amanda começou a chorar.
— Raymond, prometo que conversaremos amanhã. Pode ser?
— Está bem.

Na manhã seguinte, Mark e Raymond saíram a cavalo, e Annebelle ficou em casa.


Aproveitou o tempo em que Amanda dormia para ajeitar algumas coisas.
Pretendia passar a tarde com o filho, mas, logo depois do almoço, sua vizinha, que
ficara a par do nascimento do bebê, telefonou-lhe para saber se podia fazer uma visita no
dia seguinte, após o culto na igreja. Marvis O'Neill era uma mulher falante e, quando
Annebelle se deu conta, mais meia hora já tinha se passado.
Assim que desligou o telefone, começou a separar os ingredientes para os biscoitos,
porém, logo teve de ir cuidar da filha. Assim, a tarde terminou.
Durante o jantar, Mark quase não abriu a boca.
— Que tal fazermos os biscoitos depois de comermos? — sugeriu Annebelle.
— Raymond vai me ensinar a fazer alguns truques com cartas de baralho.
— Está bem, filho. E amanhã à tarde?
— Os vizinhos não vêm aqui?
— É mesmo, eu tinha me esquecido... Amanhã à noite?
— Tanto faz. — Mark achava que as chances de isso não acontecer eram grandes.
Annebelle sentiu-se culpada e triste, e não sabia como agir. Nem com Mark, nem
com Raymond.
— Mark, antes de Amanda nascer, nós já tínhamos conversado a esse respeito. Sei
que fico muito tempo cuidando dela, mas lhe prometo que amanhã ficaremos juntos.
— Não se preocupe, mamãe. Eu tenho Raymond.
“Raymond?!”
— Querido, não sei quanto tempo Raymond ficará conosco. Ele está apenas de
passagem.
A expressão de Mark indicava que o comentário não o agradara.
— Ele ficará, se eu pedir.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Raymond tem assuntos para resolver em Billings que não têm nada a ver
conosco. Está procurando um irmão que não conhece, e essa busca pode levá-lo para
bem longe daqui.
O pequeno não olhou para a mãe quando puxou o cobertor até o queixo.
— Boa noite, mamãe.
— Querido, se quiser conversar sobre...
Mark meneou a cabeça.
Pelo que conhecia do garoto, Annebelle entendia que de nada adiantava pressioná-
lo. Quando sentisse segurança, falaria daquilo.
— Eu te amo. — Annebelle abraçou-o.
Mas o pequeno não respondeu.
Antes de sair do quarto, ela o beijou na testa.
— Boa noite, amorzinho.

Annebelle entrou debaixo do chuveiro para tentar relaxar. Assim que saiu, se pôs a
amamentar Amanda, sentada na cadeira de balanço, cantarolando e pensando em como
agir com o filho. Foi quando escutou uma batida na porta.
— Precisamos conversar. — E Raymond entrou sem esperar resposta. — Mark
acabou de descer e me perguntou se...
As palavras lhe faltaram assim que Raymond a viu dando o seio para a filha.
Ao encará-lo, Annebelle viu algo tão poderoso nos olhos dele que se assustou. Uma
mistura de saudade e desejo, e algo completamente desconhecido. Procurou alguma
coisa com que se cobrir, mas não achou nada.
Notando seu desconforto, Raymond foi até o berço, pegou uma manta e passou-a
para Annebelle.
— Por fim, aconteceu: eu a vi seminua. Annebelle, há décadas as mulheres
amamentam seus filhos em público. Por que você precisa se esconder aqui na suíte, para
fazê-lo?
Ela não compreendeu a raiva e frustração dele.
— Não tem o direito de me dizer como devo cuidar de minha filha, Raymond.
— Você pode estar cuidando de sua filha, mas não de seu filho. Mark acabou de
descer e me perguntou quanto tempo vou ficar aqui. Quando afirmei que não sabia, ele
subiu para o quarto, e agora não quer mais falar comigo.
Annebelle sabia que Mark estava magoado. Portanto, dessa vez não poderia
esperar que ele falasse. Teria de forçar o assunto.
Sentiu os olhos marejados ao se dar conta de tudo o que tinha para fazer.
Recuperar-se do parto, cuidar de um recém-nascido, dedicar-se a uma criança enciumada
sem saber como, lidar com o desejo evidente de Raymond, lutar contra seus sentimentos
cada vez mais fortes em relação àquele estranho.
Tentou contê-las, mas as lágrimas escorreram por suas faces, sem controle.
Raymond aproximou-se, abaixando-se ao lado dela.
— Ah, Annebelle, eu não queria que você se sentisse mal... Depois que terminar de
alimentar Amanda, nós conversamos, está bem?
Ela assentiu, percebendo que tinha de enfrentar o que sentia por Raymond, bem
como o que incomodava seu filho.
O pranto não cessou nem depois que ele saiu da suíte. Enxugou-as, enquanto sua
filha mamava, torcendo para que fosse apenas uma desordem hormonal, pois não
costumava ser tão suscetível.
Depois de colocar a pequena no berço, lavou o rosto, penteou os cabelos e
preparou-se para enfrentá-lo.
Passou pelo quarto de Mark e ficou contente ao vê-lo dormindo. Deixando a porta
entreaberta, desceu as escadas.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Achei que quisesse — disse Raymond, apontando para a caneca de leite em


cima da mesa.
A bondade e sensibilidade dele a emocionaram de novo. Annebelle recompôs-se
depressa, no entanto, e acomodou-se perto dele... mas não muito.
— Sei que preciso passar mais tempo com Mark, Raymond, mas não imaginei que
seria tão complicado cuidar de duas crianças pequenas. Fiquei feliz quando soube de
minha gravidez, mesmo já sendo viúva. Só que não achei que Amanda fosse exigir tanto
minha dedicação.
Raymond chegou mais perto.
— Sinto muito por ter sido rude, mas você precisa parar de se esconder com
Amanda. Esse é o grande problema. Mark a vê dando atenção para o bebê e acha que
você não se importa mais com ele.
— Mas meu filho pode entrar no quarto a hora que quiser!
— Annebelle, eu até entendo que você deixe a porta fechada para me manter longe.
Aliás, o que achou que aconteceria se eu a visse amamentando Amanda?
— É uma questão de privacidade, Raymond.
— Não é, Annebelle. É porque eu sou homem, e você, mulher. Além disso, nós nos
beijamos. Se eu fosse uma garota, nem estaríamos discutindo isso. E você estaria
amamentando Amanda em qualquer canto da casa.
— Se você fosse uma mulher, eu não...
— Continue — pediu ele, gentil.
Não prenderia a respiração cada vez que o visse. Não tremeria quando ele se
aproximasse. Não sentiria um frio no estômago quando seus olhares se encontrassem.
— Bem, Raymond, você não é mulher e não é membro da família.
A frase o incomodou, mas ele procurou manter o controle.
— Pensa em algum dia sair daqui de dentro com Amanda?
— Claro que sim.
— E o que vai fazer quando tiver de dar-lhe de mamar?
Com Mark, ela sempre procurava fazê-lo em um lugar afastado da vista dos outros.
— Não é difícil achar um local sem muita gente.
— Talvez não, mas creio que seria bom você começar a incluir seu filho, caso não
queira ter problemas mais sérios.
Aquilo era a mais pura verdade. Se Mark começasse a se afastar da mãe com
aquela idade, o que aconteceria depois?
— Creio que durante o dia eu poderia amamentá-la aqui embaixo. Só não queria me
sentir como se você...
— Como se eu quisesse observá-la?
— Sim.
— Esta é sua casa, Annebelle. São seus filhos. Cumprirei quaisquer regras que você
estabelecer.
— Não é tão fácil assim. — Desviou o olhar. De certa forma, queria que Raymond a
olhasse, o que a deixou aturdida. — Obrigada, vou pensar no que fazer.
— Por que é tão difícil aceitar ajuda?
— Porque não quero que os outros façam o que é minha obrigação. Pedir auxílio faz
com que me sinta fraca. — Annebelle se sentia um pouco frustrada por ter de admiti-lo.
— É a mulher mais forte que já conheci, Annebelle, mas tudo tem limite. E você e
Mark já chegaram lá.
Raymond tinha razão.
— O que você acha que devo fazer?
— Deixe-me ajudá-la. Posso cozinhar de vez em quando. Também podemos fazer
sopa enlatada.
— Mas é muito mais caro...

29
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Comprarei um estoque de sopa em lata para as próximas duas semanas.


— Isso é tudo o que não quero.
Annebelle tivera de obrigá-lo a aceitar o dinheiro da babá eletrônica.
Os dois ficaram se encarando sem piscar por vários minutos. Foi Raymond quem
quebrou o silêncio:
— A mulher mais teimosa que conheci...
Sem conseguir resistir, Annebelle sorriu.
Algo no olhar dele mudou. Suas íris se tornaram mais azuis... Hipnotizantes. Quando
Annebelle o viu inclinar-se, não soube o que fazer, mas não se moveu.
Raymond tocou-lhe o rosto com delicadeza.
Ela olhou para cima, confusa com a miríade de sentimentos, querendo beijá-lo, mas
também saber lidar com aquela atração incontrolável.
— Lembre-se do que lhe falei, Annebelle. — Raymond afastou-se. — Da próxima
vez, você terá de pedir-me.
De imediato, ela rememorou o beijo e sua reação. Achou que seria fácil ficar longe
de Raymond. Acreditou que não teria problema em não pedir...
Foi o orgulho que a fez endireitar-se.
— Conversarei a sério com Mark amanhã.
— Em minha opinião, agir seria melhor do que conversar, Annebelle.
— Vou me lembrar disso. — Ergueu-se e foi até a escada.
— Annebelle, você se esqueceu de uma coisa.
Ela olhou para trás, imaginando se Raymond a tomaria nos braços e...
Entretanto, ele estendeu-lhe a caneca de leite.
— Beba isto, para dormir melhor.
Dormiria bem melhor se conseguisse tirar Raymond Coleburn da cabeça. Quando
pegou a caneca, seus dedos se tocaram. Nenhum dos dois se moveu.
— Boa noite. — Annebelle estava cansada daqueles joguinhos.
—Tenha bons sonhos.
Não havia motivo para olhar para trás. Sabia que se o fizesse sonharia a noite toda
com aquele homem maravilhoso e encantador.

Na manhã seguinte, Raymond saiu logo cedo para alimentar os animais e cortar
lenha.
Annebelle despertou com a energia renovada, e Raymond suspeitou que se tratava
mais de determinação do que de uma boa noite de sono. Agia como se tivesse pensado
muito em tudo o que estava acontecendo e tomado algumas decisões importantes. Ele,
todavia, nem imaginava quais seriam.
Decerto insegura, Annebelle evitava chegar muito perto, mas Raymond recordava
muito bem o brilho em seus olhos, na véspera. Fora uma estupidez dizer-lhe que teria de
pedir-lhe para ser beijada. Por conta disso, na certa nunca mais a beijaria, já que era tão
teimosa.
Ficou desapontado, mas procurou afastar o sentimento e continuar a cuidar dos
cavalos.
Quando voltou para casa, Annebelle colocava o café na mesa: ovos mexidos, leite
quente, fatias de pão torrado. Chamou o filho para comer e sorriu ao vê-lo descendo as
escadas. Fez o possível para conseguir conversar, e logo Mark estava lhe contando sobre
o peru que desenhara na aula de artes.
— Falta bem pouco para o dia de Ação de Graças, querido. Acho que precisamos
comprar um peru.
— Tem certeza de que quer ter todo esse trabalho? — perguntou Raymond.
— É Ação de Graças — ela repetiu, como se aquilo explicasse tudo, após olhar para
o filho.

30
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Esse dia nunca significara nada de especial para Raymond, como a maioria dos
feriados. E também não tinha ninguém com quem comemorá-lo.
Como não encontrara nenhum sinal do irmão, decidiu colocar anúncio em alguns
dos grandes jornais de Chicago até Los Angeles. Temia alimentar muitas expectativas,
mas era sua última tentativa antes de contratar um detetive particular.
— Por que não faz uma lista, Annebelle? Mark e eu poderemos ir até a cidade e
comprar o que precisa. Mas só iremos fazer as compras se você prometer que
poderemos ajudá-la, não é, companheiro?
Mark arregalou os olhos, surpreso.
— Sim, eu posso picar o pão para o recheio.
Contente, Annebelle sorriu para o filho e bebeu mais um gole de suco. De repente,
escutaram o choro de Amanda, que vinha da sala.
A expressão alegre de Mark desapareceu como que por encanto.
Em vez de sair correndo amparar a filha, porém, Annebelle virou-se para o menino:
— Por que não me mostra o desenho que fez na escola? Posso olhá-lo enquanto
dou de mamar para sua irmã.
— Verdade? — Mark e fitou, confuso.
— Lógico que sim. Vou esperá-lo na sala.
O olhar de Raymond encontrou o de Annebelle. Pelo visto, as mudanças só lhes
trariam satisfação. Para tanto, resolveu dar-lhe espaço para se adaptar.
— Fique sossegada, Annebelle, eu cuido da cozinha. Depois, irei para o celeiro.
Ao ver o lindo sorriso agradecido, o coração de Raymond bateu mais forte. Aquele
gesto o fez acreditar que a partir de então começariam a se entender.
Sentia que Annebelle gostava de sua companhia, de tê-lo por perto. Estaria indo
longe demais pensando assim?
Antes de sair, escutou Annebelle contando a Mark como seria o desenvolvimento da
irmã, desde a primeira gargalhada até o primeiro passo.
Contente por mãe e filho estarem se entendendo, ele dirigiu-se para o celeiro.

Cerca de uma hora depois, Raymond avistou uma bela caminhonete prateada,
reluzindo de tão polida. Deveria ser a vizinha, Marvis O'Neill, pois Annebelle lhe dissera
que a amiga viria visitá-la.
Raymond pretendia cuidar um pouco do jardim, mas mudou de ideia assim que viu o
motorista. Um homem alto e moreno, usando chapéu, caminhava atrás de um casal de
mais idade. Sentiu a curiosidade aumentar.
Seguiu até a residência e, entrando, deparou com todos, exceto Mark, na sala de
estar. A senhora de cabelos grisalhos segurava Amanda. Seu marido estava ao lado,
olhando orgulhoso para o bebê. Mas foi o jovem que chamou a atenção de Raymond.
Acomodado ao lado de Annebelle, ele a olhava como se fosse a mulher mais
deslumbrante do mundo. E era, mesmo. Ela usava uma malha vermelha de gola alta e
uma calça jeans. Também tinha os cabelos soltos.
Aproximando-se, Raymond pigarreou e manteve o olhar fixo em Annebelle. Todos
voltaram a atenção para ele.
— Raymond, estes são Marvis e Rod O'Neill, e o filho deles, Dallas. Queridos,
apresento-lhes Raymond Coleburn. Ele está me ajudando a cuidar da fazenda —
explicou, com as faces rosadas.
— Mamãe deveria ter dito que eu viria para o dia de Ação de Graças, Annebelle. Eu
poderia tê-la ajudado.
— Você já tem preocupações demais, Dallas. De qualquer maneira, muito obrigada.
Negando o ciúme que começava a torturá-lo, Raymond estendeu a mão para o
rapaz, procurando ser amistoso.
— Prazer em conhecê-lo, Dallas.

31
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— O prazer é meu, Raymond. De onde você é?


— Meu último emprego foi em uma fazenda em Idaho, se é isso o que quer saber.
O olhar de Dallas era intenso, e Raymond sabia muito bem o que lhe passava pela
cabeça.
— Annebelle verificou minhas referências.
Ela tocou o braço de Dallas, dando-se conta do clima tenso.
— Que tal um pouco de café?
Mark entrou correndo, trazendo seu desenho.
— Quer ver o que fiz, Dallas?
Ele sorriu e afagou a cabeça do menino.
— É um lindo peru, Mark.
As duas mulheres foram para a cozinha preparar o café, e os homens ficaram na
sala, conversando.
Dallas contou que terminava o mestrado em Biologia Animal na Universidade de
Illinois. Assim que concluísse o curso, voltaria para o lar, no final do verão. Além de cuidar
do rancho da família, treinaria cavalos.
— Amanda é uma linda menina, Annebelle — disse Marvis, olhando para o bebê no
carrinho.
— Também acho.
Annebelle gostava muito de Marvis O'Neill e a respeitava como mãe. Seu pai e Rod
O'Neill tinham sido muito bons amigos, e essa amizade também existia entre ela e Dallas.
Conheciam-se desde bebês e haviam frequentado a mesma escola.
— Faz quanto tempo que o Sr. Coleburn está aqui? — Marvis apanhou as xícaras
no armário.
Annebelle já esperava o interrogatório. Logo mais, outros vizinhos, além de Marvis e
Rod, saberiam que Raymond trabalhava na fazenda. As notícias corriam.
— Uma semana. Ele ficou preso aqui sem gasolina, no domingo passado, e dormiu
no celeiro. E depois, bem... Foi Raymond quem trouxe Amanda ao mundo. Devo-lhe
muito.
— Ah, é? E até quando pretende ficar?
— Ainda não sei. Raymond está procurando um parente. — Annebelle não se
achava no direito de entrar em mais detalhes.
— Sabe que haverá comentários, não, querida? Faz menos de um ano que Pete
faleceu.
Não existia cerimônia entre as duas.
— Não ligo a mínima para esse tipo de coisa, Marvis. Raymond é uma pessoa
excelente. Não sei o que teria sido de mim sem sua ajuda, na semana passada.
— Sabe que pode me telefonar a qualquer hora...
— Marvis, nós já falamos sobre esse assunto. Aprendi a me cuidar sozinha há
séculos. Raymond está trabalhando para mim, e eu lhe pago com hospedagem e comida.
— O moço dorme aqui dentro?!
— Sim, no quarto que era de papai. Não há nada de errado com isso.
“A não ser o último beijo, e todos os outros que quero lhe dar.”
— Sei que você é muito independente e sabe o que faz, querida, mas lembre-se de
que as pessoas adoram mexericos.
Quando as duas voltaram para a sala, Annebelle notou uma certa tensão no ar.
Foi Raymond quem se pronunciou primeiro:
— Dallas me falou que consertou uma parte da cerca que estava quebrada. Eu lhe
disse que posso fazer isso enquanto estiver aqui.
A competição entre os dois era evidente, e Annebelle sabia que tinha de tomar uma
atitude.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Mais uma vez, muito obrigada por tudo o que fez por mim durante a gravidez,
Rod.
— E nós continuamos adorando seus bolos e suas tortas — respondeu o pai de
Dallas, olhando para a esposa.
Annebelle passou uma xícara de café para Dallas.
— Também lhe agradeço. E, quando Raymond for embora, eu lhes avisarei se
precisar de alguma coisa.
— Promete? — Dallas indagou, com o carinho da amizade de muitos anos.
— Prometo.
Houve um silêncio pesado durante alguns segundos, até que Raymond se levantou.
— Foi um prazer conhecê-los, mas tenho de voltar ao trabalho.
Percebendo que ele não estava à vontade, Annebelle não se manifestou em
contrário.
— Você não tomou seu café. Vou colocar um pouco na garrafa térmica.
Raymond a seguiu até a cozinha. E não tirou os olhos dela.
— O que aconteceu, Raymond?
— Nada, Annebelle. Gostaria apenas de lhe fazer uma pergunta. — A voz dele era
profunda e baixa. — O que Dallas O'Neill significa para você e desde quando isso vem
acontecendo?

CAPÍTULO V

A PERGUNTA de Raymond assustou Annebelle. Não só a insultou como a deixou


furiosa.
— O que você quer dizer com “há quanto tempo isso vem acontecendo”? Do que
está me acusando?!
— Nunca fala sobre seu marido, Annebelle. Não vi nenhuma fotografia dele. E me
parece bastante íntima de Dallas O'Neill.
— Íntima?! — O tom de voz de Annebelle era tão baixo quanto o dele. — Dallas e eu
nos conhecemos desde crianças. Quanto ao meu marido... não é de sua conta. E Dallas
também não. — Passou a garrafa térmica para Raymond.
— Vocês namoraram? — insistiu.
— Dallas e eu somos amigos. Sempre fomos e sempre seremos. Agora, preciso
voltar para meus convidados, se me der licença.
Annebelle tentou passar pela porta, mas Raymond segurou-lhe o braço.
— Seu casamento foi infeliz?
Ela não queria conversar com Raymond sobre esse assunto. Não naquele momento.
E talvez nunca. Sentia-se culpada com os sentimentos que ele lhe despertava, ainda mais
por nunca ter experimentado o mesmo pelo marido.
— Pare de insistir nesse assunto, Raymond, pois posso decidir que não preciso de
você aqui. — Ignorando o olhar intenso, voltou para a sala de estar.

Annebelle não viu Raymond de novo até a hora do jantar.


— Vou tomar um banho — disse ele, assim que apareceu na cozinha.
Tinha um jeito frio, e quase nem sorriu ao falar com Mark.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Mamãe me ajudou a recortar fotos de animais para a escola, Raymond. Quer


ver?
— Pode ser depois de comermos, amigão? — Raymond só esperou a anuência do
menino para seguir até seu quarto.
Nem sequer fitou Annebelle, que foi invadida por diversas emoções conflitantes.
Todo o tempo em que estivera com os O'Neill não conseguira parar de pensar em
Raymond. Permaneceram em silêncio durante todo o jantar, e o que mais a aborrecia era
ele tê-la acusado de ser infiel, mesmo que nas entrelinhas. Como podia imaginar tal
coisa?
Algo fora do comum aconteceu depois que Raymond a ajudou a arrumar a cozinha:
ele foi para seu quarto. Disse que tinha algo para fazer. Annebelle achava que a estava
punindo por não abrir-lhe sua vida pessoal.
Procurando distrair-se, ela fez biscoitos com Mark, depois assistiram a um filme na
televisão.
— Posso dizer boa-noite para Raymond, mamãe?
— Acho melhor não o incomodarmos, hoje, querido. Eu o levo para a cama assim
que terminar de amamentar Amanda.
Depois de pôr o bebê no berço, Annebelle dedicou seu tempo a Mark. Leu-lhe uma
história, rezaram juntos, e então desejou-lhe boa-noite.
— Está brava com Raymond, mamãe?
— Estava — respondeu Annebelle, com sinceridade, pois não mentia para o filho. —
Ele falou algumas coisas de que não gostei. Mas nós vamos resolver o assunto. Não se
preocupe.
— Não quero que ele vá embora, mamãe.
— Sei que não, querido. Tentarei convencê-lo a ficar até depois do dia de Ação de
Graças.
Embora não parecesse satisfeito, Mark assentiu e fechou os olhos. Annebelle o
beijou e saiu.
Foi até a cozinha, mas nenhum sinal de Raymond. Poderia tentar esquecer o que
acontecera entre eles e ir se deitar, mas sabia que não conseguiria dormir. Seu pai
sempre lhe dizia que, para afastar a insônia, nada melhor do que terminar o dia em paz.
E, infelizmente, isso significava ter de conversar com Raymond.
Como não era de seu feitio fugir dos problemas, Annebelle foi, determinada, até o
quarto dele e bateu à porta.
Depois de alguns momentos, Raymond a abriu. Ainda com a camisa verde e a calça
jeans que colocara logo após o banho, estava maravilhoso e muitíssimo másculo.
Annebelle sentiu a boca seca quando viu a expressão dele, quase desafiando-a a
dirigir-lhe a palavra.
— Precisamos conversar, Raymond.
— Era o que eu queria fazer antes, mas você, não.
— Raymond, não vim até aqui para discutirmos.
Depois de estudá-la com atenção, ele se aproximou.
— E por que veio, então? Algumas vezes as discussões são necessárias. Certas
ocasiões, as conversas não são tão agradáveis como gostaríamos que fossem.
— Bem, resolvi vir, pois gostaria de saber o que o fez imaginar que fui infiel a meu
marido.
— Você foi?
Todas as boas intenções de Annebelle explodiram em um sonoro “não”. Seus olhos
se encheram de lágrimas. Em seguida, virou-se e saiu pelo corredor.
Pelo visto, se enganara. Não deveria ter tentado fazer as pazes com Raymond. E
também não poderia lhe pedir para ficar até depois do feriado, em nome do filho.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Em algumas passadas, Raymond a alcançou, virou-a e levou-a de volta para seus


aposentos.
— Não vou entrar aí com você! — Ela soltou-se. — Isso provaria o que você pensa
de mim.
Apesar de tentar evitar, o pranto escorreu-lhe pelo rosto.
— Annebelle, acho que não tem ideia do que penso de você.
Havia algo no olhar de Raymond que a fez perder o fôlego. Não soube quem se
moveu, mas, quando Annebelle se deu conta, estavam mais perto do que antes.
A camisa dele quase lhe tocava o suéter.
— Não conheço muito sobre casamento, mas sei que podem dar errado. E acho que
Dallas quer ser mais do que seu amigo.
— Ele nem mora aqui, Raymond. Nos dois últimos anos, só nos encontramos nos
feriados.
— Poucas vezes são suficientes... quando um homem encontra o que quer.
— Dallas não me quer. E eu também não o quero. Não dessa maneira.
Raymond a estudou por alguns momentos.
— Fiquei com ciúme, Annebelle, e sei que você vai dizer que eu não tinha direito.
Mas não fugiu dele como foge de mim, certo?
— Não fujo de você — murmurou.
— Tem certeza?
O bom senso lhe dizia para sair correndo, mas ela não conseguia se mexer, como
se algo a estivesse prendendo ali.
— A companhia de Dallas me agrada. Agora, com você...
— Continue.
— Sinto coisas que não deveria sentir. Acabei de ter um bebê, sou viúva e...
Raymond tocou-lhe os cabelos.
— É uma mulher, Annebelle. E eu, um homem. Vi-me atraído por você desde o
instante em que cheguei aqui, mas disse a mim mesmo que era loucura.
— Mas eu estava grávida!
— Sim, mas agora não está mais. Nada mudou, a não ser... Bem, imagino que
esses sentimentos não sejam só de minha parte. São?
Raymond era o homem mais honesto que Annebelle já conhecera em toda a vida.
— Não — ela teve de confirmar.
Depois da confissão, Raymond não a puxou para beijá-la, nem tampouco a abraçou.
Ficou ali parado, segurando-lhe uma mecha dos cabelos.
Annebelle lembrou-se do que ele dissera. Só a beijaria se ela pedisse. Mas lhe
faltava coragem, pois temia as possíveis complicações e consequências. Tinha de pensar
também em seus dois filhos.
— Quer que eu vá embora, Annebelle?
— Não. Falei a Mark que você passaria o dia de Ação de Graças conosco. Sei que
ele gostaria que ficasse até o Natal.
— E você?
— Concordo com meu filho.
Raymond ficou em silêncio, ponderando, até que decidiu:
— Está bem. Ficarei até o Natal. E talvez nos acostumemos um com o outro.
Para alívio de Annebelle, ele deu um passo para trás, na direção do quarto.
— Até amanhã — despediu-se Raymond, e entrou.
Quando viu a porta fechada, Annebelle suspirou, aliviada, sabendo que nunca se
acostumaria com Raymond Coleburn sob seu teto. E muito menos em sua vida.
Após o jantar de Ação de Graças, Raymond inclinou-se na cadeira e sorriu para
Annebelle.
— Essa refeição foi digna de um rei.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Apesar de vocês terem me ajudado a prepará-la, Raymond?


— Por isso ficou tão boa, não é, Mark?
O garoto o ajudara a misturar o recheio e a rechear o peru, enquanto Annebelle
preparava a calda de laranja.
— E o melhor é que Amanda dormiu o tempo todo — disse o garoto, olhando para a
mãe em seguida.
— No ano que vem, estaremos dando purê de batata para sua irmãzinha e tentando
mantê-la fora do caminho. Você pode preferir que ela volte a ser bebê assim que começar
a andar.
Raymond imaginou Amanda com os cabelos mais compridos, os olhos brilhando
como os da mãe, correndo de um lado para o outro.
— E por falar em ajuda, tenho de fazer tortas para o bazar de sábado. Você vai me
ajudar?
— Acho que sim. Nós iremos ao bazar?
— Que bazar? — Raymond quis saber.
— Todos os anos, no sábado depois do dia de Ação de Graças, nossa igreja
patrocina um bazar de Natal. Vendem-se doces e artesanato feitos pelas mulheres dos
fazendeiros. Costumo fazer umas dez tortas de abóbora.
— Dez?! Só pode estar brincando!
— Não. É uma tradição, Raymond.
— Não é um certo exagero?
— Começarei e verei quantas consigo fazer. Tenho tudo de que preciso. Dependerá
da cooperação de Amanda.
— Tenho certeza de que todos compreenderiam se você não participasse, este ano.
— Raymond não queria vê-la mais cansada do que já estava.
— Prometi a Marvis que faria dez tortas, e as farei — afirmou, determinada.
— Está bem. Pelo visto, terei de usar bastante o rolo. — Os olhos azuis a
encaravam sem piscar.
— Só se não tiver outras coisas para fazer. – Seu tom era firme, e Raymond sabia
que seria melhor não insistir, por enquanto.
Os dois tomavam o máximo de cuidado para não se esbarrar na cozinha durante a
arrumação. Era como se soubessem que caminhavam sobre uma linha que não deveriam
cruzar.
— Nunca comemorei datas especiais — disse ele, precisando falar algo.
— Eu as adoro. — Annebelle lavava a louça. — Sobretudo o Natal. O mundo parece
tornar-se um lugar mais tranquilo. As pessoas são mais bondosas, menos egoístas. Não
tenho condições de doar muito para a igreja, mas ajudo com os doces. Eles usam a renda
para auxiliar os membros mais necessitados da congregação.
A vida de Annebelle era tão desconhecida para Raymond, a maneira como era
ligada a tudo e a todos...
— Não conheço muito de tradições.
— Se ficar para o Natal, Mark e eu lhe mostraremos algumas. — A expressão dela
era brincalhona, porém, sincera.
Entretanto, usara a palavra “se”. Era como se esperasse que Raymond fosse
arrumar suas malas e partir a qualquer momento.
— Já disse que passarei o Natal com vocês, Annebelle.
Mais tarde, sentado à mesa da cozinha com um bloco de notas e os endereços dos
maiores jornais de Chicago a Los Angeles, Raymond selou vários envelopes, tentando
não perder as esperanças.
Eram poucas as chances de conseguir encontrar o irmão. Quando fora até a casa
em Billings para onde também tinham sido enviadas as certidões de nascimento e óbito,

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

uma senhora o recebera. Raymond perguntou sobre os antigos proprietários, mas ela só
soube informar-lhe que tinham se mudado para o Colorado.
Concentrado em colocar mais anúncios nos periódicos do Colorado, Raymond pôs a
última carta em cima da pilha.
Annebelle estava sentada na sala com Mark, quando Amanda começou a chorar. Já
passara da hora de o garoto ir para a cama, e agora ele parecia mais contente. A mãe lhe
dava mais atenção, mas mesmo assim devia ser difícil não ser mais filho único.
— Por que não me deixa cuidar um pouco de Amanda enquanto você põe Mark para
dormir? — sugeriu Raymond.
— Mas você nunca a pegou no colo! — Annebelle arregalou os olhos.
— É verdade, mas creio que não deve ser difícil.
A expressão de Annebelle não era das mais satisfeitas.
— Não se preocupe, vou tomar cuidado — garantiu Raymond. — Prestei atenção
quando você ensinou Mark a segurá-la. É preciso manter a cabeça apoiada.
— Ele consegue, mamãe. Raymond é bom em tudo o que faz — intrometeu-se o
pequeno.
— É você quem está falando, companheiro.
Quando o choro da menina aumentou, Annebelle resolveu ceder.
Raymond estendeu os braços e esperou.
— Muito bem, minha garota. — Ele acariciou-lhe o queixo. — Vamos ficar
passeando pela sala até a mamãe voltar. Prometo que não vou deixá-la cair ao chão.
Annebelle se espantou com o silêncio repentino da filha.
— Pelo jeito, Amanda gostou de sua voz — comentou ela.
— Então vamos ficar conversando.
Sozinho na sala com o bebê, Raymond caminhava para lá e para cá, conversando
com Amanda como se ela fosse da mesma idade de Mark. Não entendia por que as
pessoas tratavam nenês como seres de outro planeta.
Parou ao lado da janela, apontando para a lua e mostrando à menina como as
estrelas formavam figuras no céu.
Envolvido em contar a Amanda sobre as constelações, nem percebeu que Annebelle
voltara e estava parada a seu lado.
— Pelo visto você conhece muito bem o firmamento.
— Um pouco, Annebelle. Quando criança, ganhei um livro sobre as estrelas, a lua e
o sol. Foi uma exceção, pois, no orfanato, os garotos não tinham seus próprios
brinquedos, tudo era de todos. No entanto, uma das professoras me presenteou com o
livro por acreditar em meu potencial. Na hora, não entendi direito, mas me pareceu
importante, e eu o lia todas as noites, enquanto os outros dormiam.
Junto com Annebelle, Raymond olhou para a lua através da vidraça coberta de gelo.
— Está na hora de levar Amanda para cima.
— Quer um copo de leite antes de se deitar, Annebelle?
— Sim, por favor. E pegue mais um pedaço de torta.

Assim que Annebelle voltou para a sala, deparou-se com um prato cheio de
migalhas, uma caneca vazia e seu copo de leite ao lado. Raymond, porém, estava parado
novamente à janela, perdido em seus devaneios.
A luminosidade que entrava era pouca, mas podia-se distinguir com perfeição seu
perfil. Annebelle quis saber o que se passava pela cabeça dele. Aproximou-se, mas ele
não se mexeu, como se não a tivesse notado.
— Hoje foi um dia muito especial para mim. Mais do que você possa imaginar —
disse ele, de repente.
— Para nós também — admitiu Annebelle, com sinceridade.
O olhar intenso que recebeu deveria tê-la assustado, mas, pelo contrário, a excitou.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Ainda sou um estranho nesta casa? Quer que eu continue me mantendo


distante?
Annebelle sabia que seria mais seguro se fosse desse modo. Além disso, rotulá-lo
de “estranho” era bem mais fácil. Precisava, contudo, parar de mentir para si mesma e
para Raymond.
— Não, não é mais um desconhecido, mas ainda não sei direito o que quero. Minha
vida mudou muito no último ano.
— Acredito que sabe o que quer, sim. Pelo menos por ora. E o agora é tudo o que
temos, Annebelle.
— Você não tem sonhos?
Sem hesitar, Raymond fez que não.
— Vale à pena pensar em algo que pode nunca acontecer? Prefiro viver com o que
tenho em mãos e aproveitar o máximo que puder.
Eles estavam muito próximos, envolvidos pela intimidade da noite que entrava pela
janela. O silêncio era quase gritante, interrompido apenas por alguns barulhos da casa.
— O que você quer, Annebelle?
A essência masculina de Raymond a excitava, e ela sabia muito bem o que
desejava naquele momento, mas não como agir. Será que teria coragem de dizer, mesmo
que ele esperasse essa atitude? Mas, se quisesse sentir aqueles lábios de novo, teria de
pedir.
— Eu...
— Continue — murmurou ele, sensual, encorajando-a a terminar.
— Você...
— Sim?
— Você me beijaria? — Annebelle falou depressa, envergonhada, mas Raymond
não se deu conta.
Tomou-a nos braços e pressionou-a contra seu corpo. Depois, ficou olhando-a,
admirado.
— O que foi? — Annebelle ainda estava surpresa com sua atitude.
— Achei que você nunca fosse pedir.
Então, com um ligeiro inclinar da cabeça, seus lábios quentes, firmes, tocaram os de
Annebelle.
Ela sentiu as pernas bambas quando a língua de Raymond deslizou por seu lábio
superior. Envolveu-lhe o pescoço para garantir que não cairia. Entretanto, as sensações
que vivenciava faziam-na sentir como se estivesse entrando em um grande redemoinho,
de onde nunca mais sairia. A língua dele era macia e provocante, movimentando-se com
sensualidade.
Annebelle não conseguia sentir o chão, e percebeu que Raymond a puxara mais
para cima para poder aprofundar a carícia. Esqueceu-se de tudo e de todos,
concentrando-se apenas em Raymond e no momento, nas sensações que ele lhe
proporcionava. Apenas prazer...
Durante seu casamento, Annebelle não tinha desejo de estar com o marido, mas
agora sentia vontade de ficar com Raymond. Com ele, sentia-se bonita, atraente,
desejada. Entretanto, não poderiam fazer nada durante algumas semanas e...
Queria mais? Em que estava pensando? Era necessário servir de exemplo para
seus filhos e ater-se aos valores em que sempre acreditara.
Além do mais, dali a algumas semanas Raymond talvez nem estivesse mais junto
deles. E ele mesmo dissera que não acreditara em sonhos ou no futuro.
Com esse pensamento perturbando-lhe a mente, Annebelle empurrou-o pelos
ombros. Raymond ainda a segurava, com o olhar cheio de desejo, quase tão sedutor
quanto seu beijo. Mas não podia se deixar fascinar, afinal ele era um homem que não
criava raízes nos lugares.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Por favor, coloque-me no chão, Raymond.


Agindo contra sua vontade, Raymond a obedeceu.
— Não vai agir como se nada tivesse acontecido, não é, Annebelle?
Como poderia? Ainda mais por, de certa forma, ter sido sua culpa. Ela pedira o beijo.
— Não, mas...
— Eu sabia que escutaria um “mas” — resmungou Raymond.
— Nós dois somos muito diferentes.
— Por isso nos gostamos tanto.
— Pode ser. Talvez você me encante por ter estado em tantos locais em que jamais
estive. Porém, encanto não dura, e eu acredito em compromisso. Fui criada escutando
que um homem e uma mulher não devem... Bem, você sabe... antes do casamento.
— Não fez nada com seu marido antes de se casar?
— Não.
Annebelle sempre desconfiara que Pete só se casara por sexo, ainda mais por não
agir como se quisesse estar casado. E Annebelle se perguntava como conseguira
enganar-se tanto a respeito de uma pessoa, pois ele nunca demonstrara o menor
interesse pela esposa ou mesmo pelo filho.
Raymond passou a mão nos cabelos.
— Então quer dizer que devo ficar bem longe de você, caso minhas intenções não
sejam as mais sérias?
— Não sei se estou preparada para essas intenções mais sérias — respondeu ela,
depois de pensar um pouco. — Não pretendo me envolver com nada que possa complicar
mais minha vida do que cuidar de duas crianças e desta fazenda.
Mesmo pensando assim, Annebelle queria que Raymond ficasse.
— Todavia, posso garantir que meu coração tem bastante espaço para um amigo —
terminou, acreditando que poderia controlar a atração que sentia.
— Não acho que um homem e uma mulher possam ser apenas amigos se existe um
algo a mais entre eles. Mas podemos tentar, se você quiser.
A amizade de Annebelle com Dallas nunca tivera maiores problemas ou
complicações. Todavia, em momento algum sentira algo a mais por ele.
— Sim, acho melhor.
Com um suspiro, Raymond a observou por alguns instantes, demorando-se em seus
lábios. O ar ao redor deles carregava toda a excitação que tentavam afastar.
Annebelle respirou fundo.
— Vou me deitar. — Tinha de sair dali, ir para seu quarto, afastar-se daquele
homem irresistível e esquecer-se do poder de seu beijo.
Porque, se isso não acontecesse, jamais conseguiriam ser amigos.

O salão anexo à igreja estava repleto de gente, na manhã de sábado. Era a primeira
vez que Annebelle levava Amanda para passear.
Planejara passar para entregar as tortas e rever algumas pessoas que só
encontrava nessas ocasiões. Logo que entrou, viu-se rodeada por um grupo de mulheres
querendo conhecer sua filha.
— Ouvi dizer que ela se chama Amanda — comentou uma delas.
— E que o parto foi na estrada.
— Também sabemos que há um homem morando com você — adicionou uma
terceira.
Naquele momento, Raymond entrou carregando a caixa com os doces. Como de
costume, Mark vinha atrás, sentindo-se muito importante por também estar com sua torta
na mão.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

As mulheres se calaram ao ver o pequeno com Raymond. Uma delas o analisou de


alto abaixo, outra franziu a testa e outra ainda olhou para Annebelle, pedindo uma
explicação.
Entretanto, antes que ela pudesse se manifestar, Raymond as cumprimentou:
— Bom dia, senhoras. Annebelle, onde devo colocar isto tudo?
— Na cozinha — respondeu ela, desejando não ter feito quitute algum.
Raymond divertiu-se ao notar que era o centro das atenções de todos naquele lugar.
— Então é verdade... — disse a mais velha.
— Não sei ao certo o que você escutou. — Annebelle apertou a filha contra o peito.
— Para minha sorte, o Sr. Coleburn apareceu antes de eu entrar em trabalho de parto. E
quando as contrações começaram, não tivemos tempo de chegar ao hospital. Portanto,
Amanda nasceu em suas mãos, à beira da estrada. Devo-lhe a vida de minha filha e
muito mais. E ele ficará conosco até eu poder cuidar de tudo sozinha de novo.
— Mas onde o moço está hospedado? — Grace Harrison morava em uma.fazenda
bem próxima à dela.
Annebelle sabia que não havia como esconder algo daquela gente. De alguma
forma, elas sempre ficavam sabendo de tudo.
— No quarto que era de meu pai. E não sei o que seria de mim sem o auxílio dele
desde que Amanda nasceu.
Grace virou-se para cozinha. Raymond estava abaixado na frente de Mark, abrindo-
lhe o zíper do casaco. Ambos se divertiam com alguma coisa.
— Parece que ele e Mark se dão muito bem.
— Sim, Grace.
— Mas o Sr. Coleburn não vai ficar aqui? — Foi a vez de Flo Jansen indagar.
As três mulheres trocaram olhares, mas Annebelle recusou-se a ficar envergonhada.
Ninguém tinha de se meter em sua vida.
— Vou dar uma volta para ver o que os demais trouxeram. Depois, levarei Amanda
para casa.
Afastando-se das conhecidas, Annebelle sentiu que estava sendo observada, e
tentou afastar a sensação de ter feito algo errado.
Observava um babador bordado quando Raymond apareceu a seu lado.
— Elas querem minha ficha completa?
— Não tem graça... — respondeu Annebelle, um tanto trêmula.
— Annebelle...
— Acho melhor irmos embora — sugeriu, desvencilhando-se do toque de Raymond
em seu ombro.
— Está bem. Irei pegar Mark, e nos encontramos no carro.
Com os olhos cheios de lágrimas, Annebelle fitou a filha e acariciou-lhe o queixo.
— Tudo ficará bem, Amanda. Acredite na mamãe.
Pensando assim, cruzou o hall de entrada, desejando não ligar para o que os outros
pensavam e procurando descobrir o que na verdade queria.

CAPÍTULO VI

DUAS SEMANAS antes do Natal, Raymond entrou em casa perto da hora do


almoço, depois de ter trabalhado a manhã toda. O aroma de canela e algo assando
penetrou-lhe nas narinas.

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Depois do incidente na igreja, o clima entre os dois não era dos melhores. Não
chegaram a conversar a respeito, porém, Raymond desconfiava que ela não gostava de
ser alvo de mexericos. Mas, como não acontecera nada de mais, não havia motivos para
maiores preocupações.
Todavia, ambos sabiam que existia algo de muito forte entre eles, e esse era o
grande problema.
— Que cheiro bom! — elogiou Raymond.
Tentava agir de forma natural, mas estava cada vez mais difícil. Ainda mais quando
se deparava com aqueles lindos olhos castanhos tão expressivos.
— Fiz pudim de pão — disse Annebelle. — Está quase pronto. Ah! Chegou uma
carta para você.
Ela apontou para a mesa, onde havia um envelope ao lado do galheteiro.
Seria a resposta de algum de seus anúncios? O coração de Raymond disparou.
Pegando o envelope, sentou-se em uma cadeira e ficou olhando-o por alguns momentos.
John Morgan era o remetente. De Denver.
— Raymond? O que foi?
— Não sei se quero saber. O conteúdo desta mensagem pode mudar para sempre
minha vida.
— A única maneira de você saber se isso vai acontecer é abrindo-a.
Em um primeiro momento, Raymond achou que deveria fazê-lo em particular, mas
então percebeu que estava contente por ter a companhia de Annebelle.
Assim, rasgando o envelope, pegou a carta e a desdobrou. Pensou que seu coração
saltaria pela boca à medida que lia e, assim que terminou, encarou Annebelle.
— Morgan diz que ele e a esposa adotaram uma criança há trinta e um anos. O
nome do garoto era Hunter Coleburn. Estavam morando em Tucson, na época, mas se
mudaram para Billings logo depois. E agora moram em Denver.
— E ele conta onde está Hunter?
— É advogado de uma empresa multinacional e está fora do país.
Raymond fitou a missiva de novo. A informação que acabara de dar a Annebelle
pairava no ar entre eles.
— E você pretende ir para Denver?
Dali a duas semanas seria Natal. Raymond não deveria sentir-se ligado àquele
rancho, pois nunca passara por uma experiência como aquela antes. E Hunter Coleburn
nem estava nos Estados Unidos. Por que sair correndo, agora que Annebelle precisava
dele? Mesmo que não o admitisse, ela ainda não tinha condições de cuidar de tudo
sozinha.
— Há os cavalos e o gado para alimentar, e muita neve pela frente. Isso pode
esperar mais um pouco. — Raymond guardou o envelope e colocou-o no bolso.
— Deseja ter uma família, Raymond?
O olhar de Annebelle lhe dizia que ela não deixaria o assunto para depois.
— Nunca tive uma de verdade; portanto, não sei se quero.
— Mas não gostaria de conhecer seu irmão?
— Nem sei se ele é meu irmão. E, mesmo se for, Hunter está fora do país.
— Entretanto, se você fosse falar com os pais dele...
— Achei que tivesse me dito que Mark gostaria de ter-me aqui nas férias.
— Sim, ele quer, Raymond, mas nós não somos seus parentes. E não quero ser
responsável por você não encontrar seu irmão.
— Não falei que não irei a seu encontro. Responderei para John Morgan e lhe
mandarei uma fotografia. Se Hunter e eu somos gêmeos, ele poderá confirmar a
semelhança. E, se tudo não passar de coincidência, também saberei. De qualquer forma:
estarei aqui no Natal. A menos que queira que eu vá embora, Annebelle.
— De jeito nenhum.

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— Então, pare de agir como se estivesse cometendo um crime, como se não


devêssemos passar alguns momentos juntos de vez em quando.
As faces de Annebelle enrubesceram no ato, pois Raymond tinha toda a razão:
— Não é como se tivéssemos muito tempo para passar juntos, Raymond.
— Uma família e uma fazenda exigem dedicação, tudo bem, mas, se quiséssemos
encontrar tempo, imagino que não seria tão difícil assim. Na verdade, pretendo ir até a
cidade fazer algumas compras. Será que Marvis poderia ficar com Amanda para você ir
comigo, enquanto Mark está na escola?
Raymond desejou que Annebelle não se mostrasse tão incerta. Quis poder sonhar
com o futuro. Todavia, aprendera que sonhos eram caprichos da vida, imagens que
podiam magoar as pessoas. Depois, como fumaça, eles desapareciam e deixavam as
pessoas sozinhas, entregues à realidade deste mundo.
Já esperava que ela recusasse seu convite.
O timer do fogão tocou, e Annebelle decidiu adiar a resposta. Abriu a porta do forno
e tirou o pudim de pão. Seu aroma era delicioso.
Por fim, colocou-o em cima da mesa e tornou a olhar para Raymond.
— Também preciso fazer algumas compras.
— Quanto tempo Amanda pode ficar sozinha? Gostaria de convidar você para
almoçar.
— Posso tirar leite e guardar na mamadeira. É o que se faz em situações de
emergência. Dessa forma, não teremos de nos preocupar com o horário.
Raymond não conseguiu evitar um sorriso largo.
— Podemos dizer que é um encontro — provocou ele.
— Vamos fazer compras, Raymond.
— Então será um encontro no shopping center.
— Algumas vezes você... — Annebelle balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Continue. — Raymond levantou-lhe o queixo com a ponta dos dedos.
Ela, contudo, não respondeu.
Ficar longe de Annebelle, tentar não desejá-la era uma tarefa quase que impossível
para Raymond.
Diante da quietude dela, Raymond inclinou-se e levou sua boca até a dela. O beijo
aumentava ainda mais sua vontade de possuí-la, detê-la só para si.
A simples tentação quase o levava a crer em sonhar. Annebelle se entregou e o
beijou com um abandono que o surpreendeu.
Mas ele sabia que seria melhor se a deixasse com vontade. Preferia parar primeiro,
antes que Annebelle se confundisse e se convencesse de que tinha de se manter
distante. Controlando-se, Raymond interrompeu os movimentos de sua língua e se
afastou.
O olhar que vinha em sua direção lhe disse que agira bem.
— Irei tomar um banho rápido — informou, tentando manter a voz firme. — Até mais.
E, antes que Annebelle tivesse tempo de dizer-lhe que isso não deveria se repetir,
que não deveriam fazer compra juntos, que ele não deveria achar que se tratava de um
encontro, Raymond caminhava para seu quarto, sorrindo, feliz da vida.

Depois de terem feito suas compras separadamente, Annebelle e Raymond se


encontraram na loja de brinquedos do shopping.
Todos os sonhos de garoto dele estavam ali: bolas, luvas de beisebol, jogos e
bicicletas. Os brinquedos que tinham no orfanato eram doações, coisas que as pessoas
não queriam mais. E jamais Raymond comprara presentes de Natal para alguém.
Também não se lembrava da última vez em que ganhara algo. Mas esse ano seria
diferente. Queria presentear. Precisava fazer isso.

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Raymond sabia que Annebelle não aceitaria algo muito grandioso. Em seus
momentos de folga, ele aprendera a fazer esculturas em madeira e, nas duas últimas
semanas, se dedicava a esculpir um objeto para ela, uma pequena e linda árvore.
Mark, por outro lado, era um assunto bem mais delicado.
— Pensei em comprar uma sela para Mark. O que acha? — Raymond quis saber, ao
caminharem entre os brinquedos.
— Mark não precisa de uma nova sela, Raymond. Ele usa a minha. — Annebelle
parou de andar.
— E quando vocês cavalgam juntos?
— Eu uso a que era de Pete.
— Creio que seria bom se Mark tivesse uma só dele.
Annebelle lhe pareceu confusa.
— É um presente muito caro, Raymond. Não posso permitir que você faça isso.
— Em minha opinião, o que importa não é o valor do presente, e sim as intenções.
Annebelle recomeçou a caminhar, indicando que seria difícil fazê-la mudar de ideia.
— O que vai comprar para ele?
— Marvis achou um trenó em um bazar. É usado, mas só precisa de uma pintura. E
quero dar-lhe um novo taco e uma bola de beisebol. Na primavera, Mark jogará no time
da escola.
— E que tal uma luva?
Quando chegaram à parte de itens esportivos, Raymond parou.
— Deixe-me dar-lhe uma luva, uma bola de futebol e talvez uma de basquete. O
gramado ao lado do celeiro é excelente para Mark brincar.
— Raymond...
Ele sabia que viria um sermão, mas não queria escutar.
— O Natal é uma época para se adquirir brinquedos, para as crianças ganharem o
que querem, e não para que as privemos dessas alegrias.
— Dentro de meus limites, não privo Mark de nada. E agora também tenho Amanda.
— Mais um motivo para eu lhe dar algo especial, Annebelle. Se não for uma sela,
que tal um trem elétrico ou uma bicicleta?
— Quer fazer isso para que ele tenha uma lembrança sua quando você for embora?
Talvez ela estivesse certa. Era possível que quisesse que Mark tivesse uma boa
recordação dos deliciosos momentos que haviam passado juntos. Mas não gostou da
forma como Annebelle colocou a situação.
— Só acho que Mark precisa saber que é especial, que não é diferente de nenhuma
criança. Respeitarei sua decisão, se acha que não devo lhe dar a bicicleta e o trem
elétrico, mas comprarei pelo menos as bolas e as luvas.
A caixa registradora estava cheia, apesar de ser meio-dia. Todos faziam compras
para o Natal, cada dia mais próximo.
Na fila, Annebelle observava de vez em quando Raymond, observando os olhos
azuis com um tom acinzentado. Toda vez que ficava pensativo, as íris dele ficavam assim.
Havia algum motivo muito forte para Raymond querer tanto presentear seu filho.
Depois de pagar a conta, foram para o carro para guardar os pacotes. Então,
começou a nevar.
— Espero que a neve não aumente. Prometi a Mark que procuraríamos uma árvore
de Natal para cortar quando ele voltasse da escola. Tem alguma coisa contra árvores de
Natal?
— Por favor, Raymond, não sou nenhuma avarenta. — Annebelle se aborreceu com
o comentário. – Apenas aprendi a economizar.
Raymond a fitou por alguns instantes, depois fechou a porta da caminhonete.
Annebelle apontou para um canto do estacionamento onde havia árvores iluminadas
e pequenas figuras mecânicas de animais e crianças formando um presépio.

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— Quer ir até lá, antes de almoçarmos?


— Você ficará com frio.
— Não se preocupe, Raymond. Agora meu sobretudo me serve direito. — Sorriu.
Em vez de retribuir o sorriso, ele apenas esperou que Annebelle começasse a dirigir-
se às árvores.
Apesar da neve, quase não ventava, e ela estava aproveitando o passeio. Gostava
de sair de casa e de estar com Raymond.
Quando chegaram ao presépio, Annebelle ficou encantada com a riqueza dos
detalhes.
— Conte-me um pouco sobre o Natal em sua infância, Raymond.
Raymond ficou quieto por tanto tempo que Annebelle achou que não obteria
resposta, mas logo ele confessou:
— Essa época sempre foi uma grande decepção. Todos vivíamos no orfanato, mas
íamos para a escola com os garotos que tinham pai e mãe, e havia todo aquele alvoroço
em torno do Natal. Eles falavam sem parar sobre o que pediriam de presente, o que Papai
Noel lhes traria. E para nós do orfanato não existia Papai Noel. Se nem pais tínhamos,
como acreditar em um velhinho vestido de vermelho que trazia brinquedos? Não que eu
seja ingrato, de forma alguma. Os funcionários faziam o que podiam por nós. Nunca
poderei agradecer por todos os cuidados que recebi naquela instituição. Costumávamos
ganhar frutas, balas e um quebra-cabeça. Como você sabe, é difícil viver fazendo
economia. Os custos eram reduzidos ao máximo.
Annebelle apertou-lhe o braço em um gesto de ternura.
— O Natal não é só presentes com papéis brilhantes, Raymond. Não pense que não
quero que você presenteie meu filho. Desejo que Mark perceba que pode ser feliz sem
eles.
— Ah, Annebelle... Sei que está com a razão, mas só eu sei como me sentia quando
menino. Voltava para a escola depois das férias, e as crianças não paravam de falar
sobre tudo o que tinham ganhado no Natal, as viagens com a família... Como se não
bastasse, levavam os brinquedos para a sala de aula. Era um outro mundo, um mundo do
qual não fazíamos parte.
Aproximando-se, ela olhou bem nos olhos de Raymond e segurou seu braço.
— Você merece ser feliz, Raymond, e ter uma família e pessoas que o amem.
De repente, Annebelle se deu conta do quanto se preocupava com ele. Comprara
um livro para lhe dar de Natal e, em seus momentos de folga, tricotava-lhe um par de
meias de lã. Não era nada demais, porém, em cada ponto dado havia um grande carinho.
Carinho esse que estava se transformando em amor.
Tentou lutar contra o sentimento, mas algo em Raymond Coleburn a envolvera e a
conquistara.
Entretanto, Annebelle tinha de evitar um envolvimento ainda mais profundo. Não
queria ficar com o coração despedaçado quando ele fosse embora.
Achou melhor irem para o restaurante, pois, caso ficassem ali, Raymond acabaria
por beijá-la mais uma vez.
— Tem razão — disse ela, soltando-o. — Está bem frio aqui. Vamos entrar?
— Sim, vamos comer. — Raymond esboçou um belo sorriso. — Qualquer coisa que
você desejar.
Ao fitar o estabelecimento tão seu conhecido, Annebelle soube que jamais
encontraria no cardápio o que na verdade mais desejava. E sabia muito bem o que era.
E estava com muito medo.

Ver o brilho do Natal nos olhos de Mark enquanto procuravam um pinheiro foi uma
alegria sem tamanho para Raymond. Ao se lembrar da discussão com Annebelle na loja

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de brinquedos, percebeu que seria importante para os dois cortar uma árvore para colocar
dentro de casa. Ela se apegava demais às tradições.
O dia estivera lindo, mas tinham de ir depressa, porque logo escureceria. Raymond
parou ao lado da cerca de arame farpado e constatou que teria de levantar o garoto, pois
ele não passaria por baixo.
— A mamãe me disse que o vovô costumava cortar nossas árvores de Natal — falou
Mark, quando Raymond soltou-lhe o cinto de segurança.
— E depois que seu avô morreu?
— Mamãe cortava uma árvore bem pequena e a levava para nós. Porém, não dava
para colocar muitos enfeites. Podemos pegar uma bem grande?
— Vamos ver se encontramos uma que vá até o teto. Mais alta não pode ser, pois
Annebelle não nos deixará fazer um buraco no telhado. — Raymond deu risada.
Mark também riu, e os dois desceram da picape.
— Você vai estar aqui depois do Natal? — Mark quis saber, ao se porem a caminhar
pelo terreno escorregadio.
— Algum motivo especial para a pergunta? — Raymond desconfiava que o garoto
tinha algo em mente.
— Haverá o Festival da Diversão na escola, logo depois do Ano-Novo. As crianças
farão bonecos de neve com seus pais se o tempo não estiver muito ruim. O mais bonito
ganhará um prêmio. Também há jogos e competições. Pensei que... você poderia ir
comigo.
A julgar pela expressão de Mark, Raymond percebeu que sua presença era mesmo
muito importante.
— Claro que irei com você, amigão. Mas há anos não faço um boneco de neve. Se o
clima continuar assim podemos praticar um pouco.
— Está bem!
Raymond não estava acostumado a ter pessoas se preocupando com ele. E, na
mesma medida que o incomodava, causava-lhe grande satisfação.
— Bem, Mark. — Tocou o ombro do garoto. — Vamos procurar um pinheiro
especial.
Demoraram um pouco mais do que o imaginado para encontrar um pinheiro, pois a
neve estava muito alta. Além disso, Mark não queria apenas uma árvore grande. Tinha de
ser perfeita, sem buracos, muitos galhos e de tronco reto.
Quando, por fim, conseguiram achar uma que o agradasse, o sol já estava baixando
no horizonte.
—Teremos de correr — brincou Raymond —, ou precisaremos da lua para nos
guiar.
— Estou muito contente por você ter resolvido passar o Natal conosco. — Mark o
encarou com seus grandes olhos castanhos, bochechas rosadas e um belo sorriso.
Raymond sentiu um nó na garganta e percebeu que aquele garoto ocupava um lugar
cada vez mais especial em seu peito.
— Também estou feliz por poder estar aqui com vocês. Mas vamos embora, porque
já está tarde. Sua mãe vai ficar preocupada.

O céu já escurecera quando os dois seguiram para a caminhonete carregando a


árvore. Raymond deixou o pinheiro e o serrote no chão e passou o garoto para o outro
lado.
— Entre no carro para ficar quentinho, Mark. Vou colocar a árvore na caçamba.
Assim que Mark entrou na picape, Raymond jogou o serrote para o outro lado.
Então, pegou o pinheiro de quase dois metros e meio e subiu na cerca de arame farpado.
Entretanto, como estava escuro, o erro no cálculo do peso o fez puxar mais depressa que
o esperado, e a lateral de sua coxa raspou no arame, rasgando a calça e ferindo-o.

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Blasfemando e culpando-se pela pressa, Raymond ignorou os cortes, ajeitou o pinheiro


na caçamba e entrou na picape.
— Tudo pronto? — perguntou para Mark, certo de que apenas arranhara a perna.
— Estou morrendo de fome, Raymond.
— Eu também.
— Que tal enfeitarmos a árvore hoje?
— Temos de perguntar para sua mãe, amigão, mas creio que não haverá nenhum
problema.
Annebelle deixara um vaso para a árvore na varanda, perto da porta de entrada.
Raymond mandou Mark entrar antes de colocar o pinheiro no lugar. Depois, abriu a porta
da cozinha.
— Posso colocá-la na sala?
Annebelle tirava uma assadeira de carne do forno, e o recebeu com um lindo sorriso.
— Já fiz um lugar para ela, Raymond. Entre.
Erguendo o vaso, Raymond o carregou até a sala de estar. Amanda dormia no
carrinho ao lado da cadeira de balanço. Logo avistou o lugar que Annebelle escolhera,
próximo da janela. Parecia ocupar pelo menos metade do ambiente.
— Adivinhei que Mark iria querer uma árvore bem grande esse ano.
— E também perfeita — afirmou Raymond.
Dando um passo para trás, Annebelle se pôs a examiná-la. Olhou-a de cima a baixo,
e estava prestes a fazer algum comentário quando viu a calça de Raymond rasgada.
— Por Deus, o que aconteceu em sua perna?!
Foi então que avistou os vários rasgos no tecido, bem como manchas de sangue.
— São só alguns arranhões, Annebelle. Tive um probleminha com o arame farpado,
mas não foi nada de mais.
— É melhor cuidarmos bem disso. Tomou vacina antitetânica nos últimos tempos?
— No verão passado.
— Ainda bem. Vamos até o banheiro para eu limpar o ferimento.
— Annebelle, não precisa...
— É melhor deixar a mamãe cuidar disso aí para não infeccionar — advertiu Mark, e
Raymond imaginou que ele escutava várias vezes as mesmas palavras de Annebelle.
— Não quero atrasar o jantar.
— Ele pode esperar um pouco. Mark, por que não sobe e toma um banho rápido?
Enquanto isso, cuidarei do machucado de Raymond.
Em outras circunstâncias, ele teria dado um significado diferente àquilo tudo. Mas
agora não era o caso. Assim, seguiu Annebelle até o banheiro e, uma vez lá dentro,
percebeu como era pequeno para os dois.
— Acho melhor tirar a calça, Raymond.
— Annebelle...
Enrubescida, ela abriu o armário para pegar os medicamentos.
— Terminaremos antes de você perceber. Tem que dar um bom exemplo para Mark,
ouviu?
“Como se eu soubesse que bom exemplo estarei dando ao garoto com a calça
arriada...”
— Prefiro cuidar sozinho do ferimento.
— Não será muito fácil, Raymond. Deixe-me ajudá-lo.
O complicado seria controlar seus nervos diante do desejo que já sentia. Quando
Raymond levou a mão ao cinto, Annebelle ainda mexia no armário, e ficava cada vez
mais vermelha. Melhor seria se fossem depressa. Decidido, Raymond baixou o jeans,
mas não o tirou, pois ainda estava de botas.
— Ah, Raymond, deve estar doendo muito! — Ela estudava os cortes cheios de
sangue na parte posterior da coxa.

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— Não, não está.


Annebelle pegou uma gaze e umedeceu-a com um líquido.
— Vou passar um anti-séptico para limpar tudo antes de aplicar a pomada.
— Está bem. Vamos acabar logo com isso — pediu, mal-humorado.
Embora Annebelle fosse rápida e eficiente como uma enfermeira, Raymond tinha
plena consciência do toque dos dedos delicados em sua pele. Podia imaginá-los em
outros lugares... os dois deitados na cama...
Ao perceber o rumo de seus devaneios, tentou contê-los, o que era tão difícil quanto
manter-se distante de Annebelle.
A luz iluminava-lhe os cabelos sedosos. Se os tocasse, sabia que não conseguiria
parar.
Quando ela começou a espalhar a pomada nos cortes, Raymond fez de tudo para
controlar a vontade de gemer. O toque macio em sua coxa o estava enlouquecendo. Não
podia se virar de jeito nenhum. Se Annebelle visse...
Teria de agir rápido e vestir a calça para tentar esconder o que estava acontecendo.
— Por que não tira o jeans para eu lavá-la? — sugeriu ela, tendo terminado antes
que Raymond pudesse tomar alguma atitude. — Depois, tentarei remendá-la.
— Não precisa.
— E quando você precisar de calça limpa?
A última coisa que queria era ficar discutindo com Annebelle naquele estado. Sua
excitação era evidente, e não havia como escondê-la.
Quando se deu conta do que acontecia, Annebelle pegou o material que usara e o
guardou de volta, com as faces em fogo.
Raymond se recompôs e aproximou-se dela, tocando-a nos ombros.
— Não fique com vergonha, Annebelle. Acho que meus sentimentos não são
nenhuma novidade.
Alguns instantes depois, ela encontrou o olhar de Raymond no reflexo espelho.
— Estou envergonhadíssima. Deveria ter percebido que...
Virando-a, ele tirou-lhe uma mecha do rosto.
— Independente de minhas reações, você sabe que não tem nada a temer, não é?
— Não tenho medo de você, Raymond.
Havia, porém, algo na entonação dela que o fez imaginar como seria o
relacionamento sexual de Annebelle com o marido.
— Mas...
— As necessidades do homem são apenas físicas. Já as da mulher são um pouco
mais complicadas.
— Não vou tentar convencê-la de que minha reação não foi física, mas não é só
isso. Você me proporcionou coisas que jamais tive em minha vida, Annebelle. As
tradições, as datas especiais... E gostei muito. O que existe entre nós não é apenas
desejo. Diga-me, do que tem tanto medo?
— Eu não temo nada. — E ergueu o queixo.
— Ah, é? Se é assim, por que tanto cuidado?
— Sou cautelosa, e preciso ser assim. Quando você for embora, minha vida voltará
a ser a mesma de antes. Tenho dois filhos para criar e um rancho para cuidar, apesar de
não saber até quando conseguirei fazer tudo sozinha. Beijá-lo é muito gostoso, mas não
posso me desviar de meus propósitos.
Para Raymond, a volúpia que sentia por Annebelle, a tranquilidade que sua
presença lhe proporcionava, era muito mais do que gostoso. Porém, Annebelle tinha
razão em estar preocupada com o futuro.
Se Raymond não tivesse um irmão para encontrar, poderia ficar mais... Apesar de
que ela não lhe pedira para ficar, nem lhe dera indícios de que tudo seria diferente, caso
isso acontecesse.

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Quando escutou passos no corredor, Raymond afastou-se dela.


Mark apareceu à soleira.
— Já tomei banho e Amanda está chorando, mamãe. Vamos comer agora?
Annebelle parecia perturbada ao sair do banheiro.
— Pode tentar distrair sua irmã enquanto sirvo o jantar, querido? Depois, irei
amamentá-la enquanto vocês dois comem.
— Tudo bem. A perna de Raymond vai ficar boa?
— Sim, companheiro — respondeu ele.
Queria poder dizer o mesmo sobre o vazio que sentia quando pensava em partir. E
sobre os sentimentos que nutria por Annebelle e seus filhos. No entanto, sua filosofia de
vida sempre fora “viva um dia de cada vez”, e não via motivos para mudá-la agora.

CAPÍTULO VII

CAIXAS E caixas com enfeites de Natal estavam espalhadas pelo chão da sala.
Annebelle segurava o filho em cima de um banco para que ele pudesse pendurar um
pequeno sino no galho. Ao olhar para o lado e ver que Raymond examinava uma bola
azul com o nome de Mark gravado, ela sentiu as faces quentes de novo. Nunca
experimentara o mesmo por homem algum. O coração disparado e as pernas bambas
eram novidade para Annebelle.
E, com a proximidade, sentia o calor de seu corpo, seu perfume, suas pernas, seu...
Quando notara a excitação dele no banheiro, também se excitara, e ficou
imaginando o que aconteceria se deixasse seus desejos falarem mais alto. Dali a algumas
semanas já poderia...
Bem, dali a algumas semanas Raymond já não estaria mais naquela casa, na certa.
— Posso colocar a estrela na ponta do pinheiro antes de ir para a cama, mamãe?
Mesmo quando cortavam uma árvore pequena eles a enfeitavam com a estrela guia.
— Claro que sim, mas o banco não será alto o suficiente.
— Eu o ergo — ofereceu-se Raymond.
— A estrela está na caixa em cima do sofá. — E Annebelle afastou-se.
Mark pulou do banco e saiu correndo para pegá-la.
— Foi você quem pintou essa bola, Annebelle? — Raymond indicou a bola com o
nome e a data de nascimento de Mark, além de um anjinho.
— Sim, no primeiro Natal da vida dele.
— Você sabe mesmo como tornar os momentos especiais.
A voz dele, baixa e profunda, causou-lhe um arrepio delicioso.
— O que quer dizer, Raymond?
— Mark se acha especial toda vez que olha para essa bola. Aposto como você faz
um bolo de aniversário para ele todos os anos, não?
Ela assentiu, imaginando que Raymond nunca comemorara seu aniversário.
— Quando faz anos, Raymond?
— Dia oito de abril.
Nessa data, Raymond, decerto, estaria bem longe.
— Alguns dos enfeites são muito velhos. — Ele resolveu mudar de assunto,
apontando para um floco de neve feito de crochê pendurado no pinheiro.

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— Muitos deles eu pendurava na árvore de Natal quando criança. Mark gosta de


saber a história deles, a origem de cada um. — Annebelle mostrou um boneco de metal.
— Papai comprou-o quando foi visitar um amigo, no Wyoming.
Depois, tocou uma pequena igreja de madeira.
— Este ganhei de Dallas, quando estávamos no colegial. Cada um tem sua história.
Annebelle ficou pensando o que estaria se passando pela cabeça de Raymond, pois
sua expressão era bastante séria.
— Nunca imaginei que as árvores de Natal são cheias de recordações. Deve ser
maravilhoso ter tantas lembranças. Elas devem fazer com que nos sintamos unidos a
muita gente querida.
“Você também poderia se sentir assim”, pensou ela.
Mas, antes que Annebelle pudesse verbalizar o que lhe ia no íntimo, Mark apareceu
com a estrela.
— Aqui está!
Raymond levantou-o para que conseguisse alcançar a ponta do pinheiro e ajeitar o
arranjo. Era dourada e tinha algumas manchas, mas Mark a olhava como se fosse a mais
bonita da face da terra.
— Não ficou linda lá em cima, mamãe? — perguntou ele, já no chão. — Nós
escolhemos a melhor.
— Com certeza, filho. — Annebelle fitou Raymond, que tornara possível tanta alegria
a Mark.
Sua simples presença já alegrava o Natal do garotinho, e, sendo sincera, o dela
também.
— Vamos colocar as luzes, mamãe?
— Está bem, querido, mas depois você vai vestir seu pijama.
— Podemos cantar uma música natalina?
Annebelle virou-se para Raymond.
— Nós sempre cantamos quando a árvore está pronta.
— Mais uma tradição?
— Sim.
Assim que ele acendeu as luzes, Annebelle abraçou Mark.
— Que música prefere, amor?
— Noite feliz — disse ele, sem hesitar.
Então, Annebelle começou a cantar e o garoto a acompanhou, seguido por
Raymond. Ao terminarem, os três ficaram em silêncio, saboreando o momento, que
certamente duraria para sempre.
O telefone tocou, quebrando a magia que os envolvia. Annebelle pegou a babá
eletrônica e foi atender.
— Mark, vá para cima. Subirei assim que desligar.

A noite fora agitada para Raymond. Depois de despedir-se de Mark, ele


acompanhou Annebelle até a cozinha, a caminho de seu quarto.
Nunca estivera envolvido em tradições familiares antes. Jamais cortara um pinheiro
ou observara a alegria do Natal nos olhos de uma criança.
Quando acenderam as luzes, instantes antes, ele não conseguiu evitar o nó que se
formou em sua garganta. E, ao cantar, a desordem de sentimentos que o consumia o fez
perceber que talvez já tivesse ficado muito tempo naquela fazenda.
O que estava fazendo ali se não tinha nenhum vínculo com aquelas pessoas? E por
que às vezes agia como se fosse um membro da família?
Teria ido direto para o dormitório, ordenar seus pensamentos, mas escutou
Annebelle ao telefone:
— Olá, Dallas. Já chegou em casa para o Natal?

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De repente, Raymond ficou com vontade de tomar um copo de leite, e demoraria o


quanto fosse necessário para pegá-lo.
Escutando com discrição a conversa, descobriu que Dallas ainda estava na
faculdade e, mesmo sem saber o que ele dizia, era evidente que queria saber se estava
tudo bem.
— Sim, ele ainda está aqui — respondeu Annebelle, olhando para Raymond. —
Passará o Natal conosco.
Alguns minutos depois, enquanto ele ainda bebia seu copo de leite, Annebelle
desligou o aparelho.
— Dallas queria algo em especial? — Raymond indagou, mostrando-se o mais
casual possível.
— Não. Só queria saber se estava tudo em ordem. Os vizinhos cuidam um dos
outros por aqui. Não era assim nas outras em fazendas que você trabalhou?
— Nelas eu morava no alojamento dos empregados e não sabia o que acontecia na
vida dos meus patrões. Apenas trabalhava. Annebelle, não acha que Dallas está um
pouco longe para querer saber se você precisa de alguma coisa?
— A distância não interfere na amizade. Depois que Pete faleceu, Dallas sempre me
liga para saber se está tudo bem.
Os olhares deles se encontraram.
— Como está sua perna, Raymond?
— Bem.
— Não me diria se não estivesse, não é?
— Não quero estragar minha imagem de durão — brincou.
O tom jovial fez com que Annebelle se aproximasse mais.
— Tem um bom coração, Raymond. Este Natal será inesquecível para Mark.
— Não só para ele, Annebelle. Você e seus filhos estão tornando essa data muito
importante para mim. Nunca tive vontade de comemorá-la antes. — Fez uma breve
pausa. — Estava dando uma olhada naquele trenó que comprou. Já que descartou a
hipótese de eu dar uma bicicleta ou um trem elétrico para Mark, que tal se o consertasse?
Poderíamos dar o presente em nome dos dois.
Annebelle fingiu pensar no assunto.
— Só se eu puder jogar bola com você e com Mark depois.
Seria bem divertido vê-la jogando futebol, decidiu Raymond.
— Combinado — concordou, sorridente.
E então os dois se entreolharam de novo, sentindo a eletricidade que os
aproximava, a ligação cada vez mais forte, mesmo que fizessem de tudo para evitá-la.
Raymond queria tanto beijá-la, tomá-la nos braços... Mas acreditava que não
conseguiria se contentar apenas com beijos. E não sabia se deveria continuar naquela
casa depois do Natal.
Annebelle deu um passo para trás.
— Acho melhor eu ir me deitar.
— Se quiser, fico com a babá eletrônica, enquanto você conta uma história para
Mark. Caso Amanda acorde antes de você terminar, poderei distraí-la por alguns minutos.
— Raymond adorava pegá-la no colo, porém, não costumava fazê-lo para não se
habituar.
Quando Annebelle passou-lhe o aparelho, os dedos deles se esbarraram, e nenhum
dos dois se afastou.
Raymond encontrou nos olhos castanhos a mesma emoção que sentia, mas preferiu
atribuí-la à alegria das festividades natalinas.
Ao ver-se sozinho na sala, ele ficou pensando em sua verdadeira família, no irmão
que ainda não encontrara e na diferença que Hunter Coleburn viria a fazer.

50
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Era véspera de Natal. Raymond acabara de voltar do curral quando viu Mark
correndo em sua direção.
— Rápido, Raymond! — disse ele, quase sem fôlego. — A mamãe falou que é um
telefonema importante para você!
Apenas uma pessoa tinha o número de seu telefone na Fazenda Double Blaze: John
Morgan, o pai adotivo de Hunter Coleburn.
Amarrando depressa o cavalo na cerca do curral, Raymond saiu correndo para a
casa, e o garoto foi atrás, tentando alcançá-lo.
— É Hunter Coleburn — disse Annebelle, assim que o viu.
O coração dele disparou.
— Vamos dar um pouco de privacidade para Raymond, querido — ela sugeriu,
abraçando o pequeno e indo para a sala.
Raymond esperou ficar a sós.
— Alô?
— Raymond Coleburn?
— Sim.
— Aqui quem fala é Hunter Coleburn. Acabei de voltar para meu escritório em
Londres e encontrei uma mensagem de meus pais. Depois de conversarmos, eles me
enviaram um fax com sua carta e a fotografia que você mandou. A não ser pelo detalhe
de meus cabelos serem pretos, e meu pai falou que na foto os seus são castanhos,
poderíamos passar um pelo outro. Somos gêmeos, Raymond.
Com a pulsação disparada, ele não sabia o que falar, e também não imaginava o
que Hunter pensava sobre encontrar um irmão que nem sabia existir.
— O que achou dessa história toda, Hunter?
Houve um breve silêncio do outro lado da linha.
— Foi um grande choque. Eu não sabia que tinha uma família de verdade. Bem... é
um assunto meio delicado para se tratar por telefone, e só voltarei aos Estados Unidos
dentro de três semanas. Gostaria de encontrá-lo, então. Você poderia ir até Denver, ou eu
até Montana.
— Vamos combinar melhor quando você chegar ao país — propôs Raymond. —
Ainda não sei se estarei aqui, mas lhe telefonarei, caso não esteja. Pode me dar um
número para contato?
Raymond fez a anotação em um pedaço de papel.
— Existe algum motivo para você continuar usando o sobrenome Coleburn, Hunter?
— Foi meu primeiro sobrenome até os vinte e um, e depois decidi usar apenas ele.
Raymond suspeitava que havia algo mais, porém, precisavam de mais do que cinco
minutos para se conhecerem melhor. Talvez demorassem toda uma vida.
— Meu pai falou que você trabalha em uma fazenda em Montana, Raymond. É isso
o que faz?
— Isso também. Já trabalhei em construtoras, mas prefiro o contato com a natureza.
Não paro muito tempo no mesmo lugar. E você?
— Minha especialidade é Direito Internacional, então viajo bastante. Pelo visto nós
dois temos a mesma necessidade de... vagar.
Mais alguns momentos de silêncio, como se eles não soubessem por onde começar.
— Fiquei muito contente com seu telefonema, Hunter. Não achei que fosse
encontrá-lo.
— Que bom que nos encontramos! Ligarei para você assim,que souber de mais
detalhes sobre meu retorno.
— Ótimo. E eu lhe informarei onde vou estar. Desejo-lhe um feliz Natal.
— Já começou bem — respondeu Hunter, com um traço de emoção na voz. — Feliz
Natal para você também, meu irmão. Cuide-se. Até mais.
Quando Raymond colocou o fone no gancho, sua garganta estava fechada.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Escutou Mark subindo as escadas, e Annebelle apareceu na cozinha em seguida,


com Amanda no colo.
— Quer conversar, Raymond?
Ele nunca tivera com quem compartilhar seus problemas antes, mas também não
achara necessário. Um homem tinha de lidar com suas dificuldades. Um homem seguia
seu bom senso e tinha de encontrar as próprias respostas.
Entretanto, Hunter Coleburn não era um problema, e não havia respostas para
buscar. Pelo menos por enquanto.
— Tenho um irmão gêmeo, Annebelle. O pai de Hunter enviou-lhe um fax com
minha foto, e ele disse que somos idênticos. A única diferença é a cor dos cabelos.
— Como é descobrir que se tem um irmão?
— Estranho. Quero dizer, acho que não esperava encontrá-lo. Mas foi como falar
com um desconhecido.
— Vocês são desconhecidos. E serão até passarem um tempo juntos. Pretendem se
ver pessoalmente?
— Com certeza, mas Hunter está em Londres a negócios e só voltará daqui a três
semanas, em meados de janeiro. Assim, terei de esperar.
— Como ele é?
— Reservado e educado. Pelo jeito, não temos muito em comum.
— Vocês têm o mesmo sangue, Raymond. Isso é muito importante.
Amanda começou a resmungar no colo da mãe, e Raymond pegou-a, procurando
uma distração, pensando em sua ligação com o irmão.
Em seguida, fitou Annebelle, admitindo que sua afinidade com ela aumentava cada
vez mais. Desde o dia em que haviam enfeitado o pinheiro, o relacionamento deles se
mostrava mais descontraído. Ainda tentavam controlar a química, mas ela não se
afastava diante de qualquer toque acidental, e ele aproveitava cada oportunidade para
estar por perto. Tinham pintado o trenó de Mark juntos, certa noite.
— Gostaria de me acompanhar à igreja, mais tarde? — Annebelle convidou-o.
— E Amanda?
— Marvis disse que ficaria com as crianças se... se quiséssemos ir.
Raymond achou pouco provável a vizinha ter se oferecido para ser babá, porém,
preferiu não entrar em maiores detalhes.
— Será um grande prazer acompanhá-la. Mas Mark não ficará sentido se não for
junto?
— Ele estará dormindo até lá. O culto começa às dez e meia. Por volta da meia-
noite, estaremos de volta.
De repente, Raymond pensou na igreja, nos vizinhos e nas roupas que trouxera.
— Irei até a cidade hoje à tarde, Annebelle. Quer alguma coisa?
— Não, obrigada. Tenho tudo de que preciso.
Olhando para ela, Raymond pensou que também tinha.

Colocar Mark para dormir na véspera de Natal foi mais difícil do que o esperado. O
garoto estava muito excitado com os acontecimentos, concluiu Raymond, indo ao seu
quarto se trocar para ir para a igreja.
Annebelle já amamentara Amanda, e a pequena dormiria por algumas horas.
Raymond tinha acabado de calçar as botas quando escutou vozes na cozinha.
Imaginou que Marvis tivesse chegado. Tirou seu novo paletó caramelo do armário e
vestiu-o. Depois, seguiu para a cozinha.
Quando as duas mulheres o viram, pararam de falar e ficaram só olhando. Annebelle
o analisou de cima abaixo, e era evidente que estava sem palavras. Será que parecia tão
diferente do normal apenas por usar gravata e uma calça mais elegante do que o
costumeiro jeans?

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Annebelle estava linda com um vestido longo de lã de gola alta.


— Não fiz a barba direito? — perguntou ele, divertindo-se.
Annebelle enrubesceu, e Marvis caiu na risada.
— As mulheres não conseguem deixar de admirar um homem todo arrumado para o
Natal — comentou ela, sorrindo.
— É verdade, Annebelle? — provocou-a Raymond.
— Sim... Você nem parece o mesmo!
— Agradei ou não?
— Quase não o reconheci.
— Sou o mesmo homem por baixo destas roupas.
Ela ficou ainda mais vermelha.
— Acho melhor irmos embora para não nos atrasarmos.
Raymond decidiu deixá-la mudar de assunto.
— Estou pronto — afirmou, pegando a capa de Annebelle de cima da cadeira.
Quando ela se aproximou para vesti-la, Raymond sentiu o delicioso aroma floral. Em
seguida, ajeitou-lhe a gola, tocando ligeiramente a nuca, como que sem querer. Annebelle
olhou para trás, e ele sentiu o coração disparar.
Durante quase todo o caminho para a igreja, os dois permaneceram: quietos, até
Annebelle resolver quebrar o silêncio:
— Você está muito bonito, hoje.
— Eu me lavei direitinho, não?
— Raymond...
— Não consigo deixar de provocá-la. Você precisava ter visto sua expressão de
surpresa. Não sabia que havia tanta diferença entre usar uma camisa de flanela e um
paletó.
— Não é assim.
— O que é então?
— Achei que estávamos nos conhecendo e, quando o vi tão diferente, parei para
pensar se o conheço mesmo.
— Conhece-me, sim, Annebelle. O fato de eu ter comprado alguns trajes não
significa que me comportarei de outra forma. Você não age diferente quando usa batom,
certo?
Annebelle passara um brilho rosado nos lábio, ressaltando-os.
— Na verdade, sim. Vestir um traje elegante e me pintar faz com que me sinta
mais... mulher.
— Vou me lembrar disso — respondeu Raymond com o pulso acelerado.
Ao chegarem à igreja, o pequeno estacionamento já estava lotado.
Raymond e Annebelle entraram e conseguiram um lugar no fundo, ao lado de uma
família. Quando Raymond deixou-a passar primeiro, sentiu alguns olhares curiosos.
Acomodou-se ao lado dela, e logo viu Dallas O'Neill sozinho, isto é, sem a companhia de
uma garota.
Fazia anos que Raymond não ia a um culto. A última vez, pelo que se recordava,
fora na Páscoa, cinco anos atrás. Acompanhara seus colegas, no rancho onde
trabalhava. Mas agora era diferente. Era uma ocasião mais especial, pois tinha a
companhia de uma mulher encantadora.
Sentiu uma grande emoção quando todos começaram a cantar, algo que estava
adormecido em seu íntimo desde criança.
Pequenas rosas brancas decoravam o altar. Raymond foi percebendo o senso de
comunidade, de um conhecer o outro, de estarem contentes por poderem se encontrar
em uma ocasião tão especial.
As pessoas leram trechos para os doentes, cumprimentaram os que tinham se
casado e abençoaram os bebês recém-nascidos. O culto começou em seguida.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Durante todo o tempo Annebelle ficou com as mãos entrelaçadas no colo. Olhou
para Raymond, e eles aproveitaram aquele momento único por alguns segundos.
— Estou muito contente por você ter me convidado para vir à igreja, Annebelle.
Ao receber apenas um sorriso como resposta, Raymond ficou imaginando em que
ela pensava. Estaria se lembrando de outros Natais, talvez ao lado do marido? Não fazia
ideia de como era Pete Lawrence, e só saberia quando, e se, ela estivesse pronta para
lhe contar.
Após os ritos finais, o pastor passou a cumprimentar os membros de sua
congregação. Mas, antes de conseguirem chegar até ele, Dallas tocou o ombro de
Annebelle.
Assim que Dallas a abraçou, Annebelle notou que a expressão de Raymond se
modificou. “Ele está mesmo com ciúme!”, pensou, com certa satisfação.
Quando vira Raymond de paletó e gravata, Annebelle sentiu um forte calafrio
percorrer-lhe o corpo. Até de camisa de flanela ou com a barba por fazer, ele era o
homem mais bonito do mundo. Tudo a respeito dele o tornava especial, e a atração
aumentava a cada dia. Mesmo sentados na igreja, Annebelle teve vontade de segurar-lhe
a mão, de sentir seu toque gentil, sua proximidade.
— Feliz Natal, Dallas — disse ela, soltando-se.
— Feliz Natal para você também. — Dallas olhou para Raymond. — Coleburn...
— Feliz Natal, O'Neill — respondeu ele, sem o menor entusiasmo.
— A mamãe falou que iria convidá-la para o jantar de Natal amanhã. Você irá?
Annebelle se esquecera completamente do convite.
— Ainda não conversei com Raymond. Falei a Marvis que lhe daria a resposta
quando voltasse do culto.
— Bem, espero que possa ir. Você vai à comemoração de Ano-Novo dos Diamond?
Annebelle resolveu incluir Raymond na conversa, e dirigiu-se a ele:
— Um dos fazendeiros, Amos Diamond, cria quartos-de-milha. Todos os anos ele
faz uma festa na área de treinamento de se rancho. É um grande evento, com gente vindo
de todas as partes.
— Parece-me interessante... — comentou Raymond, sem grande interesse.
Após mais alguns minutos de conversa, Dallas beijou Annebelle no rosto e desejou-
lhe boa-noite. Depois apertou a mão do pastor e se foi.
Raymond se manteve calado ao ser apresentado ao pastor por Annebelle. A
quietude continuou, ao saírem da igreja.
— O que há de errado? — perguntou Annebelle, preocupada.
Parado diante do carro, Raymond tirou o chapéu.
— Não se sinta na obrigação de não ir ao jantar de amanhã por minha causa.
Annebelle sabia quantos Natais Raymond passara sozinho. Não permitiria que o
mesmo acontecesse também esse ano. E não se tratava de caridade, queria estar com
ele.
— Você também foi convidado.
— Por educação.
— Não é verdade, e eu só irei se você for comigo. Gostaria muito de passar o Natal
a seu lado.
— Você tem um grande coração, Annebelle, mas não quero sua compaixão.
— Acha que se trata disso? — Ela o encarou.
Não houve resposta. Annebelle meneou a cabeça.
— Podemos fazer o que você quiser, Raymond. Ou jantamos em casa ou com os
O'Neill. Para mim, tanto faz.
Ele pareceu se acalmar um pouco.
— Sabe o que mais, Annebelle? Vou com você a esse jantar dos O'Neill se
pudermos ir juntos à comemoração de Ano-Novo, mas como um encontro.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Você pretende ficar?


— Andei pensando um pouco. Mark me pediu para acompanhá-lo ao festival da
escola na primeira semana do ano. Você ainda precisa de ajuda. Desse modo, acho
melhor ficar até Hunter retornar ao país. Após tudo isso, tornarei a pensar no assunto.
Annebelle sentiu o coração se iluminar em seu peito ao saber que Raymond ainda
não partiria, mas o bom senso a advertia a não se animar tanto. Mesmo assim, a ideia do
encontro a excitava.
— Será um prazer ter sua companhia na festa dos Diamond.
— Então, temos um encontro marcado – brincou Raymond, com as pupilas
brilhando.
Uma noite sozinha com ele... Annebelle notou que o relacionamento deles atingira
outro patamar. A constatação a fez tremer por dentro, e não sabia se era antecipação ou
medo.
No caminho para casa, Raymond sintonizou em uma rádio que tocava canções de
Natal, e o clima natalino os envolveu.
Deixou Annebelle na porta de casa e foi estacionar. Ela aceitava o convite de Marvis
para o jantar de Natal quando ele entrou.
— Estamos contentes por saber que teremos sua companhia amanhã. — Marvis
abraçou Annebelle. Então, apertou a mão de Raymond. — Acho bom você gostar de
tênder, pois é o que comeremos.
— É o meu prato preferido.
Eles se despediram, e Raymond acompanhou Marvis até o automóvel.
Quando voltou, disse a Annebelle:
— Sei que é tarde, mas gostaria de lhe dar algo esta noite.
— Raymond, você não precisa...
— É Natal, Annebelle. Sente-se no sofá e me espere. Volto em um minuto.
Em vez de obedecê-lo, ela foi até o pinheiro enfeitado e pegou um dos pacotes.
Então, acomodou-se, verificou a babá eletrônica, e estava colocando o presente na
mesinha de centro quando Raymond apareceu.
Ele tirara a jaqueta, e seus ombros pareciam mais largos com a camisa branca. O
sorriso em seus lábios dava-lhe a aparência de um garoto.
— Para você, Annebelle. — E entregou-lhe um embrulho vermelho com uma fita
dourada. Em seguida, sentou-se ao lado dela.
Depois de desamarrar a fita, Annebelle deparou-se com uma caixa de sapatos.
— Desculpe-me, mas foi o único pacote que consegui achar.
Quando ergueu a tampa, Annebelle ficou encantada.
— Raymond, é linda! — elogiou, pegando a árvore em miniatura. — Foi você que
fez?
— Sim. Faço esculturas em madeiras desde criança, para me distrair. É uma
excelente forma de meditar.
Ao examiná-la mais de perto, os olhos de Annebelle se encheram de lágrimas.
— Obrigada. É o presente mais lindo que já recebi em toda minha vida.
Sem pensar duas vezes, Annebelle virou o rosto e beijou-lhe a face. Era um beijo
diferente dos outros, mas também especial. E percebeu que Raymond achava o mesmo,
quando o encarou.
Respirando fundo, ela pegou o pacote em cima da mesa e entregou a ele.
Raymond o abriu bem depressa.
— Que belo par de meias, Annebelle! Meus pés ficarão quentinhos. — Só então ele
viu o livro. Era um compêndio de astronomia.
— Imaginei que você fosse gostar...

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— Ah, Annebelle, eu adorei! O que eu tinha quando menino se perdeu em uma de


minhas mudanças. Agradeço muito, do fundo do coração. Quem sabe um dia não vamos
juntos olhar as estrelas?
Raymond pegou a árvore e colocou-a na mesa junto, com seus presentes, agindo
com segurança. O mesmo aconteceu quando encostou seus lábios nos de Annebelle,
antecipando um beijo apaixonado.
Afastou-se um pouco para estudar-lhe o semblante, depois tornou a beijá-la, de um
modo quente, envolvente, cheio de desejo.
Annebelle perdeu-se por completo na sensualidade daqueles lábios e do cheiro dele,
mas foi interrompida pelos sons da babá eletrônica.
— É Amanda. Preciso amamentá-la.
Raymond assentiu. Ela pegou suas coisas e subiu as escadas.
— Annebelle, nada vai nos atrapalhar qualquer noite dessas...
A força de seus sentimentos por aquele homem quase a fizeram perder o equilíbrio.
Por isso, teve de se segurar no corrimão.
— Boa noite. Até amanhã — foi tudo o que conseguiu dizer antes de seguir
depressa para o refúgio de sua suíte.
Estava apaixonada por Raymond Coleburn. O que faria quando ele partisse?

CAPÍTULO VIII

FLOCOS DE neve grandes e fofos voavam diante de Annebelle e Raymond quando


eles entraram na área de treinamento onde acontecia a festa de ano-novo na fazenda da
família Diamond.
O Natal superara as expectativas dele, começando pelo olhar encantado de Mark ao
ver seus presentes, as exclamações de alegria ao abrir cada um.
Annebelle não parava de lhe agradecer pela escultura, e a colocara na mesa-de-
cabeceira ao lado da cama. Talvez tivesse algum significado especial... Talvez ele
estivesse começando a significar algo na vida dela.
O pensamento o assustou. Queria que isso acontecesse? Não conseguia ficar muito
tempo em um mesmo lugar. Não sabia ser marido ou pai, ou o tipo de homem que uma
mulher precisa a seu lado.
O engraçado era que sua costumeira impaciência não o importunara desde que
chegara à Double Blaze. Mas pensaria nisso mais tarde.
Raymond imaginou se encontraria Dallas O'Neill na comemoração. Com certeza,
sim. A noite de Natal teria sido perfeita se ele não estivesse presente. Mas fora educado,
e até mantivera um diálogo com seu suposto rival, para agradar Annebelle.
A decoração do lugar estava linda. Mesas e cadeiras haviam sido dispostas na
arena. Montes de feno empilhados serviam de assentos, e também para criar um clima.
Em uma das extremidades fora montado um palco, e uma banda tocava. Uma mulher
cantava uma balada country. Vasos com flores brancas enfeitavam as toalhas de mesa,
além de velas em castiçais de madeira.
— É um evento maravilhoso — disse ele próximo à orelha de Annebelle.
Quando ela virou-se para olhá-lo, suas faces quase se tocaram.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Amos Diamond sabe como organizar uma festa. Ele não é muito querido, mas as
pessoas o respeitam. Criadores de todo o país vêm até aqui comprar seus cavalos e
treiná-los.
— Quer pendurar seu casaco? — perguntou Raymond, vendo os cabides na entrada
da arena. — Ou prefere segurá-lo?
— Acho melhor pendurá-lo, para não me atrapalhar.
Ao ajudá-la atirar a despir o agasalho, Raymond tocou-lhe os ombros, e Annebelle
sentiu um arrepio.
Era assim desde o Natal: uma onda de eletricidade os envolvia o tempo todo.
Raymond pendurou seu paletó também, ficando apenas com a camisa branca e a
gravata. Alegrou-se por ter se vestido assim, pois a expressão de Annebelle era de
aprovação.
— Você está muito bonita. — Raymond apreciava a forma como Annebelle prendera
os cabelos em um coque solto, assim como a cor de seu batom.
— Obrigada.
— Por nada. — Raymond colocou a mão em volta da cintura dela, e entraram na
festa.
Annebelle não se afastou, e ele sentia o calor que emanava de seu corpo através do
tecido da camisa.
Acomodaram-se a uma mesa com alguns conhecidos de Annebelle. Diferente das
senhoras na igreja, não se mostravam curiosos do relacionamento deles. Queriam apenas
passar uma gostosa noite de réveillon.
Aos poucos, os casais foram se levantando e indo para a pista de dança, pois
começara a tocar uma típica música country.
— Gosta de dançar, Annebelle?
— Sim, desde pequena. — Ela sorriu.
Raymond ergueu-se e estendeu-lhe a mão.
Durante a hora seguinte, ele conheceu um outro lado de Annebelle, alegre e
despreocupado.
Em meio às danças, ela conversava com os outros casais como se não tivesse
nenhuma responsabilidade maior no mundo. Era tão bom vê-la daquele modo...
A banda, então, fez uma pausa, e eles foram até a mesa para comer e beber.
Entretanto, não permaneceram ali por muito tempo, pois logo começou a tocar uma
música lenta, e Raymond queria tê-la nos braços.
— Você também dança bem as lentas?
— Terá de descobrir sozinho — respondeu Annebelle com um sorriso malicioso.
Annebelle era belíssima, sensual e meiga, Raymond concluiu, ao levá-la para o meio
da pista e se puseram a dançar.
Segurando-a bem perto, colocou a mão dela em seu peito para que pudesse sentir
seus batimentos cardíacos. O aroma do perfume floral era mais inebriante do que um
uísque velho, e seu desejo aumentava a cada momento. Era algo mais do que físico, e
essa constatação lhe causou certa estranheza. Tinha a ver com as tradições, com família
e com o vínculo a um determinado lugar... e pessoa.
Durante anos e anos Raymond se considerara um errante, e gostava de ser assim.
Mas aquela proximidade de Annebelle, a intimidade com seus filhos começavam a lhe
mostrar que já não era mais bem assim.
Acariciou-lhe as costas e quando Annebelle levantou os olhos o tempo pareceu
parar. Raymond inclinou a cabeça, ciente de que os vizinhos poderiam estar olhando. Em
vez de beijá-la, encostou o rosto contra o dela e tocou-lhe a testa com os lábios, sentindo
a maciez de sua pele. De certa forma era mais sensual. Mais desconcertante.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Raymond apertou-lhe mais a cintura, e Annebelle estreitou mais os braços ao redor


do pescoço dele. Era como se estivessem flutuando, e não dançando. A proximidade
parecia necessária, uma parte do que estava se formando entre os dois...
Raymond quase se esquecera das outras pessoas e dos falatórios, tamanha a
vontade de beijá-la.
A música, as vozes e o cheiro de feno, comida e flores se misturavam como uma
realidade nebulosa diante dos olhos de Annebelle.
Naquele momento, Raymond preenchia seu mundo com um poder e força e uma
proteção que lhe proporcionavam uma excelente sensação de bem-estar.
Nunca quisera ser protegida, mas com ele era diferente. A tensão em seu ventre lhe
dizia que aquele homem poderia mostrar-lhe sensações jamais vividas antes.
Os olhares, os toques, o perfume, enfim, tudo o que o envolvia incitavam-lhe uma
necessidade básica que sempre temera. Mas naquele momento queria explorá-la e, a
julgar pela maneira como a abraçava, Raymond sentia o mesmo. Sentiu o roçar dos
lábios em sua testa, acompanhado de um arrepio.
E, de repente, Raymond se afastou.
Annebelle olhou para cima e logo entendeu o porquê. Dallas estava parado ao lado
deles, sério e determinado.
— Posso interromper?
— Depende de Annebelle — afirmou Raymond.
Não queria sair dos braços dele, mas não podia fazer essa desfeita com seu amigo
de longa data. E também teria a noite inteira na companhia de Raymond. Ele, então, a
soltou, e Annebelle achou que poderia ter tomado a decisão errada, a julgar pela
expressão dele.
— Depois dançamos mais — disse ela, tocando-lhe o ombro.
— Estarei esperando. — Raymond resolveu aplacar os ânimos.
— É sério o que está acontecendo entre vocês? — Dallas indagou, sem rodeios.
— O que quer dizer com “sério”?
— Por favor, Annebelle, não se faça de desentendida. Está apaixonada por
Coleburn?
Annebelle estudou o amigo tão querido por alguns momentos. Os olhos verdes, os
cabelos castanhos, os traços perfeitos.
— Faz anos que somos amigos, Dallas, mas não me sinto à vontade discutindo esse
assunto com você.
— Já entendi tudo. De nada adiantará eu lhe dizer que sairá machucada dessa
história, não é?
— Sei muito bem onde estou pisando, e também que Raymond logo irá embora, se
é o que quer dizer.
— Não achei que você fosse esse tipo de mulher, Annebelle.
Ela parou de dançar.
— A que tipo se refere?
— Deixe para lá...
— Dessas que dormem com um homem e depois fingem que nada aconteceu? —
Annebelle não se importava em conter a irritação. — Pelo visto, só os homens gostam
dessa ideia. Não estou vendo uma aliança em seu dedo, Dallas. Está querendo me dizer
que está se guardando para a garota certa?
Dallas ficou vermelho, e seus olhos quase a fuzilaram, mas depois ele suspirou.
— Claro que não. Desculpe-me, não quis me intrometer. Podemos terminar a dança
ou vai ficar parada no meio da pista?
— Quando pretende voltar de vez para casa? — Annebelle quis saber, retomando o
passo.

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— Espero que no final de agosto. Mas virei algumas vezes, antes. Decidi construir
um chalé na colina com vista para o pasto norte. As obras terão início dentro de um mês,
e ficarei supervisionando de longe. Quando voltar, cuidarei dos detalhes de acabamento.
— Que tipo de chalé será?
— Um bem aconchegante, com bastante madeira e vidro. Quem sabe você não me
ajude a decorá-lo?
— Não prefere que uma decoradora profissional o faça? — brincou.
— Sabe muito bem o que eu penso sobre essas bobagens, Annebelle.
A música terminou, e eles pararam de dançar. Dallas a fitava com orgulho.
— Desejo-lhe tudo de bom. Você sabe disso, não? Quero vê-la feliz.
— Sei que sim, Dallas. Obrigada por se preocupar comigo, meu grande amigo. Nem
imagina como seu carinho é importante para mim.
Annebelle observou uma emoção no rosto dele que não compreendeu direito, mas
logo sumiu. Talvez fosse coisa de sua imaginação.
— Divirta-se com Raymond, se é isso o que deseja, Annebelle. Caso não nos
encontremos mais, feliz Ano-Novo.
— Feliz Ano-Novo, Dallas.
Na ponta dos pés, ela beijou-lhe a face em um gesto carinhoso. Dallas acenou,
despedindo-se, e caminhou em direção à saída. Pelo visto, não ficaria até o fim da festa.
Annebelle torceu para que ele algum dia encontrasse alguém especial.
Raymond conversava com um homem à mesa quando ela voltou.
— Dallas foi embora? — Raymond se levantou.
— Acho que sim.
— Que bom... Assim não precisarei mais me preocupar em ser interrompido. Está
tocando outra melodia lenta. Vamos?
Além de estar nos braços de Raymond, Annebelle estava pronta para muito mais.
Os dois dançaram por muito tempo, indo até a mesa de vez em quando, mas
sempre ansiosos pela proximidade que a dança lhes proporcionava.

Estava perto a meia-noite quando Raymond afastou Annebelle do demais casais


que ainda dançavam. Pegou-a pela mão, levando-a para trás de uma pilha de feno.
— O que há de errado? — perguntou Annebelle, quando, enfim, pararam em um
canto isolado.
— Nada. Só achei que poderíamos ter um pouco de privacidade quando da
passagem do ano.
Alguém começou a contagem regressiva. Não era preciso uma bola de cristal para
se adivinhar o que Raymond planejava.
— É uma ótima ideia — ela concordou, sorridente.
Olhando para cima, Annebelle antecipou o beijo, pronta para desfrutá-lo. Mas,
quando Raymond puxou-a para perto, escutaram algumas risadas.
— Acho que alguém teve a mesma ideia que nós — disse uma voz masculina.
Annebelle se afastou de Raymond e deparou com Sharon Conner, uma de suas
colegas de escola, na companhia de um rapaz robusto.
— Olá, Sharon — cumprimentou-a, tentando esconder o desconforto.
A jovem respondeu com um sorriso.
— Vamos procurar outro canto, querido. Annebelle foi casada com Pete Lawrence
— explicou para o namorado, alto o suficiente para os dois escutarem. — Ouvi dizer que o
sujeito é um errante, mas qualquer um é melhor do que Pete.
Soou a meia-noite. Sirenes tocaram, as pessoas gritavam e batiam palmas, e
Annebelle sentiu-se como se o mundo todo soubesse tudo sobre ela.
Por que inventara de vir à festa com Raymond, expondo-se à maledicência? Por que
achou que poderia se divertir sem ninguém comentar nada?

59
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Annebelle? — chamou Raymond, olhando-a com preocupação.


— É melhor irmos para casa.
Mas ele segurou-a pelos ombros, decidido a saber mais.
— O que aquela mulher quis dizer?
— Aqui não é o lugar...
Em meio à gritaria, Raymond ergueu a voz:
— Acho que chegou o momento de você me contar como era seu casamento. Posso
esperar uma hora ou mais, caso queira dançar de novo, mas vamos conversar ainda hoje.
Dessa vez não teria como escapar das perguntas de Raymond a julgar pela
determinação que sentia nele. Por um lado, tinha a sensação desconfortável de estar
sendo invadida, m&s por outro sabia que não havia como adiar mais falar do assunto.
— Não quero mais dançar. Vamos embora.

O aquecedor não era suficiente para espantar o frio que entrava na caminhonete.
Annebelle sentava-se bem perto da porta, como se precisasse do espaço entre eles,
como se estivesse a quilômetros de distância.
Raymond achou melhor esperar chegarem à fazenda para começar a conversa.
Parou a picape ao lado da de Marvis e Rod, que tinham se oferecido para ficar com
as crianças, alegando que poderiam muito bem comemorar o Ano-Novo assistindo à
televisão.
Annebelle entrou antes.
— Amanda acabou de dormir — informou Marvis. — Mark ficou acordado até as dez
jogando cartas conosco. Espero que não se importe.
— De forma alguma.
Depois dos costumeiros cumprimentos, o casal partiu, deixando-os a sós.
Raymond tirou a gravata e colocou-a na mesa, depois abriu dois botões da camisa.
— Imagino que queira dar uma olhada nas crianças.
Annebelle assentiu.
— Vou com você para dizer boa-noite para Mark, caso ele acorde.
Os dois subiram juntos a escada. Annebelle se dirigiu a sua suíte, e Raymond abriu
a porta do quarto de Mark.
O pequeno dormia profundamente, mas tinha se descoberto. Entrando, Raymond
cobriu-o e acariciou-lhe os cabelos. Se fosse pai dele, poderia repetir o gesto todas as
noites, sem se cansar.
Mas não sabia como era ser pai. Nunca ninguém o ensinara. E para ser pai era
preciso ficar bastante tempo em um mesmo lugar.
Ao sair, viu que a porta dos aposentos de Annebelle estava aberta. Diante do berço,
ela olhava para a filha dormindo.
Raymond parou ao lado, ciente da tensão que a assombrava, imaginando quão
fortes eram seus batimentos cardíacos.
— Amanda não é um milagre, Raymond? Quando a pego no colo, quando a
amamento, às vezes não consigo acreditar que é minha filha. E foi você quem a ajudou
nascer.
O nascimento de Amanda com certeza foi o acontecimento mais importante de sua
vida, mas, olhando para a pequena, Raymond lembrou que era fruto da união de
Annebelle e Pete. Não podia esperar mais nenhum segundo para fazer as questões que
dançavam em sua mente.
— Você ainda ama seu falecido marido?
Annebelle arregalou os olhos, mostrando-se surpresa com a possibilidade.
— Não, não amo mais Pete. Quando ele morreu, meus sentimentos por ele quase já
não existiam mais.
Raymond achou melhor começar pelo início.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Como se conheceram?
Afastando-se do berço, Annebelle acomodou-se na ponta do leito.
— Na faculdade. Pete estava dois anos na minha frente. Assim que se formou,
conseguiu um emprego em um supermercado, em Billings. Começamos a sair juntos e,
quando me formei, nós nos casamos. Eu nunca me dei conta...
— Continue — pediu Raymond.
— Pete não era bem quem eu achava que fosse. Não havia nada de terrível em
nosso casamento. Imagino que as pessoas até pensassem que vivíamos bem. Mas
Pete... Acho que ele nunca quis as responsabilidades de ser marido ou pai. Após nos
casarmos, nos mudamos para cá, que era a casa de papai. Logo no começo, percebi que
Pete não era de trabalhar muito. Papai nunca falou nada, mas sei que se preocupava
comigo. Pete queria que eu cuidasse dele e de tudo o mais, desde lavar suas roupas
até...
Annebelle ficou rubra.
— Sexo? — Raymond se acomodou ao lado dela.
— Não quero entrar nesses detalhes. Bem, achei que com um filho tudo seria
diferente. Entretanto, nada mudou depois que Mark nasceu, a não ser pelo fato de eu
passar a ter mais trabalho. Tentava manter Pete contente, sabe? Procurava satisfazer
todas suas necessidades, mas chegou um momento em que não compreendia de que ele
precisava. Pete quase nem conversava comigo... Ficava assistindo à tevê, quando não
estava em outro lugar.
Annebelle suspirou.
— Era como se eu estivesse ali para atender a todos seus desejos, e ele nunca fazia
nada por mim. Um ano antes de morrer, Pete começou a beber mais. Foi por isso que
perdeu o controle do carro na estrada.
Havia várias coisas que Raymond queria dizer, mas compreendeu que era melhor
continuar calado. Não queria magoá-la ainda mais ou ofendê-la com algum comentário,
mas era evidente que fora uma união frustrada.
— Por que não se separou dele?
— Porque acreditava nos votos eternos. Achava que se continuasse tentando... —
Meneou a cabeça, desconsolada. — Amanda foi um acidente. Eu não sabia que estava
grávida quando Pete morreu.
— Não sei muito sobre casamentos, mas suponho que não basta uma pessoa
tentar. Permita-me uma indiscrição, Annebelle: Pete era... violento?
— Não, de jeito nenhum. Apenas o que eu sentia por ele mudou. Depois do primeiro
ano de casada, percebi que não estava apaixonada. Queria a segurança de ser parte de
um casal, como as outras garotas, e achei que o fato de Pete ser mais velho me
proporcionaria isso. É por esse motivo que agora prezo tanto minha independência.
O silêncio os rodeou por um longo momento.
— Ele não foi um bom pai para Mark, não é?
— Você lhe deu bem mais atenção e carinho durante esse pouco tempo do que Pete
em toda a vida.
A maneira como Annebelle o olhava fez com que o coração de Raymond disparasse
de tal forma que ele quase nem conseguia respirar. Aproximou-se dela e envolveu-a com
um carinhoso abraço.
— Não comemoramos o Ano-Novo, Annebelle. Ainda quer fazê-lo?
— Sim — respondeu, quase um sussurro.
Quando os lábios se encontraram, Raymond sentiu-se nas nuvens. Na festa,
planejara cortejá-la, ir com calma, aprofundar qualquer tipo de ligação que existisse entre
eles. Mas naquele instante não conseguia controlar seus impulsos, calorosos e
apaixonados.

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A pouca luz do quarto, o silêncio da noite, o vento soprando contra a janela eram um
convite à intimidade. De repente, sem saber como, estava deitado ao lado dela na cama,
acariciando-lhe o rosto, movimentando sua língua até que a realidade escapou de seu
controle.
Annebelle era mais doce que o mel, sua pele, mais macia do que pétalas de rosa,
seu perfume tão envolvente que o enlouquecia. Ou seria a luxúria que fazia sua cabeça
girar e seu corpo doer?
Sem poder esperar mais, deslizou a mão até os botões da blusa dela. Começou a
abrir um por um e sentiu-a puxando sua camisa para fora da calça. Respirou fundo
quando Annebelle acariciou-lhe o tórax.
Mas, quando Raymond tocou-lhe o seio, ela o interrompeu.
— Raymond, eu não posso. — Empurrando-o, Annebelle sentou-se. — Quer dizer,
estou amamentando e...
— Não é nenhuma novidade, Annebelle. Você está me dizendo para ter cuidado?
Está dizendo...
—...que não posso.
— Por que não?
— Achei que podia ficar aqui com você, que poderia deixar que me beijasse, que me
tocasse, mas...
— Ainda é muito cedo?
— Não é isso, Raymond. É que mudaria muita coisa entre nós. Não consigo dormir
com um homem e esquecer o que aconteceu na manhã seguinte. Será que é tão difícil de
entender?
Claro que ele compreendia, e daria tudo para mudar sua forma de pensar. Mas
sabia que era impossível.
— Então, o que aconteceu hoje à noite?
— Acreditei que tudo poderia ser diferente. Peço desculpas.
— Não tem por que se desculpar. Nenhum dos dois tem. Os sentimentos que
existem entre nós começaram a se formar desde o dia em que cheguei aqui, por isso
acho que talvez esteja na hora de eu ir embora. Disse a Mark que o acompanharia ao
festival, e vou fazê-lo. E no final de janeiro partirei.
Annebelle se manteve em silêncio enquanto abotoava a camisa.
— Se é o que você quer...
Raymond se levantou e a fitou.
— Eu quero. Por nós todos. Mas acho melhor ainda não contarmos nada para Mark.
Vamos esperar mais um pouco.
— Se é o que você quer — repetiu Annebelle, cortês.
Antes deixá-la, Raymond parou por alguns instantes ao lado do berço de Amanda.
Em seguida, fechou a porta e desceu as escadas, pensando que o novo ano não
começara nada bem.

Dirigindo-se a Denver, Hunter Coleburn não via a hora de pousar para telefonar para
o irmão e marcar um encontro para conhecê-lo.
Era a primeira semana do ano e, depois de observar a noite fria pela janela do jato
particular, tornou a concentrar-se nos papéis que tinha em mãos.
Terminara as negociações antes do previsto, e poderia ter esperado até o dia
seguinte para retomar a Denver. Mas, assim que chegara a Nova York, seu cliente
colocara o avião a sua disposição, e Hunter tinha motivos de sobra para querer voltar o
mais depressa possível.
Apesar de estar olhando para o contrato, tinha toda a atenção voltada para
Raymond Coleburn.
Ficara atordoado ao saber que tinha um irmão. E gêmeo!

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Era o segundo acontecimento mais importante de sua vida. O primeiro...


Durante toda a infância, sempre achara que não pertencia à família. John e Marta
Morgan tinham lhe dado tudo do bom e do melhor, assim como para seus dois filhos
naturais. Mas Hunter sempre se sentira diferente de seu irmão Larry e da irmã Jolene.
Larry fazia questão de lembrá-lo de que era adotado. E os olhos de John Morgan
não brilhavam da mesma forma quando fitavam o filho adotivo. Era um sentimento de
solidão inexplicável, e, pelo visto, dentro em breve descobriria o motivo.
Quando seus pais lhe telefonaram em Londres, pouco antes do Natal, Hunter, enfim,
descobriu o segredo que tinham lhe escondido por tantos anos.
A conversa estava gravada em sua mente:
— Hunter, sua mãe e eu temos algo para lhe contar. Ela está na extensão — disse
John Morgan.
Hunter sentiu um aperto no coração. Será que um dos dois estava doente? Será que
acontecera alguma coisa com Larry ou Jolene? Mas, antes que pudesse perguntar, Marta
começou a explicar:
— Filho, nós escondemos algo de você durante todos esses anos. Achamos que
tinha sido a melhor solução, mas...
— O que é, mãe?
— Você tem um irmão gêmeo — respondeu John.
— Um irmão gêmeo?!
— Sim. Ele se chama Raymond — prosseguiu John Morgan. — É muito complicado
tentar explicar por telefone, mas o rapaz está a sua procura. Colocou um anúncio no
jornal, e eu lhe escrevi. Recebemos uma foto dele e... vocês dois são parecidíssimos. Só
a cor dos cabelos é um pouco diferente.
Absorvendo a ideia de ter um irmão que não conhecia, muito menos sabia da
existência, demorou alguns minutos para tomara a falar:
— Por que vocês nunca me disseram nada sobre isso?
— Não sabíamos se ele ainda estava vivo. Deveríamos ter adotado vocês dois, mas
aconteceram muitas coisas de uma vez... Raymond contraiu pneumonia e foi
hospitalizado. Sua mãe descobriu que estava grávida, e eu consegui um emprego em
Montana. Tivemos de tomar decisões que eram melhores para nós, na época, Hunter. O
orfanato não permitiu que continuássemos com os trâmites da adoção de Raymond
devido a seu estado de saúde. Disseram que, se ele sobrevivesse, encontrariam uma boa
família para adotá-lo. Com um novo bebê a caminho e a mudança, nosso orçamento
estava bastante apertado.
— Então, vocês deixaram Raymond para trás.
— Sim.
Hunter respirou fundo.
— Sabem onde posso encontrá-lo, pai?
— Sabemos. Ele deixou o telefone de uma fazenda, a Double Blaze, em Billings.
— Hunter?
— Sim, mãe?
— Conversaremos com mais calma quando você voltar.
E agora estava voltando. Será que ainda havia o que discutir? Seus pais tinham
deixado seu irmão gêmeo para trás, e Hunter não sabia se conseguiria perdoá-los por
isso.
Ele não era o tipo de homem que acreditava em conexões psíquicas. Não conseguia
crer no que não podia ver, tocar ou sentir. Entretanto, desde que escutara a voz de
Raymond...
Talvez encontrar o irmão pudesse suprir seu vazio, como acontecera quando
conhecera sua Eve, anos atrás.

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Deixando mais uma vez a lembrança nos recônditos de sua memória, Hunter
concentrou-se no encontro com o irmão.
O piloto informou que nevava em Denver, mas o aeroporto estava aberto. Pousariam
dentro de dez minutos.
Hunter recolheu os papéis espalhados. Não conseguira trabalhar direito devido à
distração. Colocou os documentos no envelope, depois em sua pasta.
Baixou as mangas da camisa e abotoou os botões do punho, ansioso por pousar em
terra firme, para poder telefonar para seu irmão.
Tomado pela ansiedade, esqueceu-se de fechar o cinto de segurança e ficou
planejando a viagem a Montana e quanto tempo poderia ficar. Uma semana, talvez dez
dias. Tinha uma reunião importante para fechar uma incorporação no dia vinte.
Hunter nem notou a descida da aeronave. De repente, o jato estava se chocando
contra a pista de decolagem. O solavanco o jogou para longe de seu assento, e então
tudo escureceu.

CAPÍTULO IX

ANNEBELLE COLOCOU em cima da mesa a roupa que tirara da máquina de lavar.


Ao ver uma cueca de Raymond, lembrou-se da noite do ano-novo, dos momentos de
prazer entre eles em sua cama e da distância que se criara entre os dois desde então.
Seu coração doía só de pensar que logo ele iria embora. Naquela noite, descobrira
que o amava o suficiente para fazerem amor, para passar a vida toda a seu lado. Mas
Raymond não era o tipo de homem que se comprometeria em um casamento, e ela não
admitia outro tipo de relacionamento.
Chegava a hora do jantar quando a porta se abriu, depois bateu com a entrada
tempestuosa de Mark. O garoto estivera ajudando Raymond a cuidar dos cavalos.
— Raymond falou que vamos ganhar na sexta-feira. O que você acha, mamãe?
Dentro de dois dias aconteceria o Festival da Diversão na escola de Mark. O garoto
estava tão ansioso que não parara de falar a respeito a semana toda.
A porta se abriu de novo. Era Raymond.
— O importante não é vencer, mas sim participar, filho.
— Sua mãe tem razão, Mark. Não fará a menor diferença se ganharmos ou
perdermos. — Afagou os cabelos do menino. — Mas seria ótimo se ganhássemos, não é,
companheiro? E, se nos esforçarmos, não vejo motivo para não ficarmos em primeiro
lugar.
Quando o telefone tocou, Raymond correu para atendê-lo.
Annebelle sabia que esperava uma ligação de Hunter, pois estivera vinha se
mostrando muito impaciente. Além disso, suspeitava que ele iria embora antes do final do
mês.
Após cumprimentar o interlocutor, Raymond ficou mudo, apenas escutando. Era
evidente para Annebelle que havia algo de muito errado.
Mark continuava falando sem cessar. Portanto, Annebelle entregou-lhe algumas
peças de roupa e pediu-lhe que as levasse até o quarto.
— Sim, entendi — dizia Raymond. — Estarei aí amanhã o mais cedo possível.
Silêncio.

64
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Não se preocupe, eu alugarei um carro e irei direto para o hospital. Se ele... Deixe
para lá. Mantenha acalma, Sr. Morgan, nós também vamos rezar.
Quando Raymond desligou, Mark já tinha voltado para a cozinha.
— Sente-se, companheiro. — Raymond apontou-lhe uma cadeira. — Precisamos
conversar. Sabe o irmão que lhe contei que logo iria conhecer?
— Sim.
— Ele sofreu um acidente ontem e não está muito bem. Perdeu a consciência, e os
médicos acham que ele talvez... — Raymond respirou fundo. — Preciso ir com urgência
para Denver.
— Mas estará aqui na sexta-feira, não é?
— Não, não estarei. Sei que é uma grande decepção, Mark, e prometo que, quando
eu voltar, faremos alguma coisa para compensar.
Indo até o filho, Annebelle colocou a mão em seu ombro.
— Mark, você precisa entender. Raymond não pode fazer nada.
— Eu não entendo. Você me prometeu que estaria aqui e agora não vai estar! —
Mark se afastou da mãe e saiu correndo para o quarto.
— Sei que o estou desapontando, mas não posso esperar até sábado. Hunter se
acidentou. Estava voltando para Denver no avião particular de um cliente ontem à noite, e
o jato se chocou contra um caminhão, na pista de pouso. Ele quebrou a perna e está
engessado, mas ainda não recobrou a consciência. Os médicos não sabem se vai
conseguir se recuperar. O pai está desesperado.
— Mark compreenderá — disse Annebelle, sem ter tanta certeza assim.
— Será mesmo? E você? Conseguirá cuidar de tudo enquanto eu estiver fora?
Sinto-me como se a estivesse abandonando.
— De qualquer modo, você não ia partir no final do mês?
A simples verdade ficou no ar.
Annebelle duvidava que Raymond voltasse se fosse para Denver. “Homens como
ele se vão sem olhar para trás.”
— Telefonarei para a companhia aérea — resmungou ele, retomando ao telefone. —
É provável que só consiga um voo para amanhã de manhã.
Raymond pegou a lista telefônica e colocou-a na mesinha.
O coração de Annebelle parecia estar se rompendo ao meio. Amava Raymond, e
não queria que ele deixasse a fazenda e sua vida. Mas sabia que não podia fazer nada
para impedi-lo.
Aquela noite, Raymond tentou conversar com Mark, e de novo na manhã seguinte,
mas o menino não compreendia de jeito nenhum por que ele tinha de viajar tão às
pressas. Só entendia que o homem de quem tanto gostava estava quebrando sua
promessa.
A despedida de Raymond e Annebelle foi breve. Ele não a tocara nem a beijara
desde a noite do réveillon, pois imaginava que era o que ela queria. Porém, deixá-la
estava sendo mais difícil do que pudera imaginar.
Prometeu telefonar-lhe assim que soubesse quando regressaria, mas o que viu nos
olhos dela o fez querer ficar: tristeza e saudade.
Empacotara todas suas coisas, dizendo a si mesmo que não sabia por quanto tempo
ficaria no Colorado.
Ao partir de carro, ele olhou pelo espelho retrovisor e viu Annebelle parada na
varanda.
No voo para Denver, Raymond sentia como se tivesse deixado um pedaço seu na
Fazenda Double Blaze, mas procurou centrar os pensamentos em Hunter e no que
poderia encontrar quando chegasse ao hospital.
Raymond alugou um automóvel no final da tarde, dirigiu até o hospital e foi para o
quarto do irmão.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Sentiu um nó na garganta, ao se ver parado diante da porta. Um senhor de cabelos


grisalhos, muito elegante, estava sentado ao pé da cama. Tinha a camisa toda amassada,
na certa por ter passado a noite ali.
Do outro lado, uma senhora loira segurava a mão de Hunter. Então, Raymond
observou o rapaz deitado no leito. Sua perna engessada estava em um suporte, elevada.
Havia cicatrizes em seu rosto e um tubo de oxigênio no nariz. Parecia dormir. A não ser
pelos cabelos pretos, era como se Raymond estivesse fitando a própria imagem.
— Ah, meu Deus, como vocês são parecidos! — exclamou Marta, que se levantou
para cumprimentá-lo.
— Raymond Coleburn. — Ele estendeu-lhe a mão.
Em vez de apertá-la, Marta tomou-a entre as suas.
— Sou Marta Morgan. Estamos tão contentes por você ter vindo!
John também se ergueu.
— Não houve nenhuma mudança no quadro. O estado de Hunter é estável, mas os
médicos ainda não sabem dizer se ele acordará ou não.
Ao olhar para o filho, o semblante de John Morgan mostrava toda sua preocupação.
— Nossa filha foi para casa trocar de roupa e se alimentar, e Larry, nosso outro filho,
só virá à noite. — John abraçou a esposa, fitou Hunter de novo e depois Raymond. —
Nós vamos tomar um café.
O casal o deixaria a sós com o irmão, o que o alegrou bastante, embora não fosse
bem assim que imaginara conhecê-lo.
Na verdade, não era nada daquilo o que esperava. Forçou um sorriso para os
Morgan e, uma vez a sós, foi até a cama.
Seu irmão gêmeo...
Raymond sentou-se na cadeira para continuar a vigília. Não sabia o que dizer.
Colocou a mão no braço do irmão e murmurou:
— Estou aqui, Hunter.

Raymond conheceu os irmãos de Hunter. Como os pais, Jolene o cumprimentou


com carinho. Tinha os cabelos escuros iguais aos de John. Larry Morgan, por outro lado,
mostrou-se distante. Apesar de muito parecido com a mãe, não tinha a mesma
personalidade sociável.
Raymond imaginou que também estava preocupado, como todos os demais. Os
Morgan eram bastante simpáticos, o tipo de família com o qual ele sempre sonhara. Será
que o irmão o aceitaria em sua vida, visto que já tinha tantas pessoas queridas?
Na tarde de sexta-feira, Raymond sentou-se ao lado de Hunter, de novo. John e
Marta insistiram em hospedá-lo em sua residência. A princípio, ele recusou, mas decidiu
aceitar, pois percebeu que os dois ficariam muito desapontados se fosse para um hotel.
Jolene lhe dissera que a mãe tinha necessidade de sempre estar cuidando de
alguém. E, como não podia fazer nada por Hunter, a estada de Raymond em seu lar a
ajudaria a lidar com a situação. Desse modo, conversara com a mulher, contando-lhe um
pouco de sua vida, e comera a omelete que ela lhe preparara.
Por volta das duas horas da tarde, Marta saiu para dar uma volta, deixando
Raymond com o irmão. Ao consultar o relógio, imaginou que Mark estaria fazendo seu
boneco de neve.
Ainda sentia-se mal por ter sido obrigado a partir daquela maneira, mas, como
Annebelle dissera, ele iria embora, de uma forma ou de outra.
Observou o irmão, rezando para que sobrevivesse, para que voltasse a ser
saudável. E de repente percebeu que querer talvez não fosse suficiente. Deveria dizê-lo
em voz alta, apresentando-se para aquela pessoa com quem compartilhara nove meses
dentro de um mesmo útero.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Hunter, sei que seu pai e sua mãe conversam bastante com você, mas não me
sinto muito à vontade para fazê-lo. Entretanto, sei que está na hora de deixar essas
tolices para trás. Você é o irmão que nunca conheci, a família que nunca tive. Não pode
ficar assim bem agora que nos encontramos. Hunter, está me escutando?
Olhando-o com atenção, Raymond procurou por algum sinal de compreensão,
alguma coisa que mostras-se que ele queria voltar ao mundo dos vivos. Imaginou ter visto
as pálpebras do irmão tremerem.
— Está me ouvindo, Hunter? Mostre-me que sim. Acorde para que eu possa lhe dar
um abraço.
A princípio, Hunter não respondeu. Mas então um músculo sob a mão de Raymond
saltou e, num rompante, seu irmão abriu os olhos.
— É um... prazer... conhecê-lo... meu irmão — disse ele, com a voz baixa.
O coração de Raymond disparou. Quis gritar para chamar os Morgan e a enfermeira,
porém, segurou a mão de Hunter e apertou o botão de emergência.
— Não sabe que é melhor não viajar de avião quando está nevando?
Um leve sorriso formou-se nos lábios de Hunter.
— Eu queria voltar para casa... e telefonar para você. O piloto está bem?
— Sim. Não sofreu nenhum ferimento grave. E você?
— Estou com uma dor de cabeça terrível. E com muita sede.
Raymond pegou um copo na mesa ao lado e o encheu de água. Depois, ajudou o
irmão a tomar alguns goles. Emocionado, sentiu um vínculo que jamais conhecera.
— Seus pais foram dar uma volta. Daqui a pouco aparecerão.
Hunter se deitou de novo.
— Ontem conheci seu irmão e sua irmã – continuou Raymond, dando tempo para
Hunter poder se orientar.
— O que achou deles?
Antes que Raymond pudesse responder, a enfermeira entrou no quarto. Checou os
sinais vitais e abriu um belo sorriso.
— Vou ligar para o médico.
De novo sozinhos, os irmãos se olharam por alguns instantes e sorriram.
— É estranho, não?
— O quê? Olhar para outro ser humano e ver a mim mesmo? Sim, mas acho que
somos mais diferentes do que parecidos, Hunter. Nossas vidas são diferentes.
— Talvez.
Houve um longo silêncio.
— Então... Você ia me dizer o que achou de minha família.
— Seus pais são maravilhosos. E Jolene também me tratou muito bem. Com Larry,
não tive oportunidade de conversar direito.
Hunter cerrou as pálpebras e, em segundos, tornou a abri-los e encarou Raymond.
— Eu sempre me senti adotado. Por esse motivo, sempre me senti... só. Acho que é
algo difícil de se compreender.
— Entendo o que é sentir-se só. Na verdade, só conheci a solidão até há pouco.
Mas agora será diferente. O simples fato de conhecê-lo já me deu uma grande alegria.
— Meu pai e minha mãe contaram o que aconteceu naquela época, Raymond? Por
que fomos separados?
Raymond balançou a cabeça.
— Teremos tempo de sobra, mas acho que eles devem lhe dizer tudo. Até quando
pode ficar?
Assim que soubesse que o irmão estaria bem, Raymond decidiu voltar para
Annebelle e Mark. Tinha de fazê-lo.
— Dessa vez não poderei me demorar muito, pois tenho assuntos pendentes em
Montana. No entanto, assim que resolvê-los, voltarei para cá.

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Primeiro precisava certificar-se de que Annebelle conseguiria cuidar do rancho sem


ajuda.

As contas do hospital referentes ao tratamento a que Annebelle fora submetida após


o nascimento de Amanda chegaram um dia após a partida de Raymond. Pelo visto seus
problemas tinham apenas começado.
A situação já não era das mais fáceis, mas aquela conta fora a gota d’água.
Decidida, pegara o cartão da corretora de imóveis e marcara um encontro com o corretor
para o mesmo dia.
Na tarde de domingo, sentou-se à mesa da cozinha com recibos e contas para
tentar organizá-los. Mas não via alternativa a não ser vender a fazenda.
Além disso, não conseguia conciliar as tarefas da propriedade e cuidar dos filhos.
Contudo, tinha de tentar. Afinal de contas, crescera ali. Só de pensar em partir...
Seus olhos sé encheram de lágrimas, mas Annebelle não podia se permitir ser fraca
naquele momento. Tinha de tomar decisões pensando no futuro dos filhos.
Mudar-se-iam para Billings, onde ela tentaria arrumar um emprego em uma loja, ou
como secretária. Também poderia fazer um curso de computação. Faria tudo o que
estivesse a seu alcance para assegurar o melhor para Amanda e Mark.
Quando o telefone tocou, Annebelle levou um susto, disse a si mesma para não
esperar escutar a voz de Raymond quando tirou o fone do gancho.
Desde a quinta-feira em que ele partira, Annebelle ficava ansiosa quando o aparelho
tocava. Mas por que Raymond lhe telefonaria se não tinha a intenção de voltar? E não
tinha a menor dúvida de que ele não retomaria para a fazenda.
— Annebelle?
— Olá, Raymond... — Respirou fundo, tentando manter-se calma.
— Como vai? — A preocupação dele era evidente.
Annebelle percebeu que não queria seus cuidados, mas sim seu amor. E para o
resto da vida. Mas como isso era impossível...
— Estamos bem.
— Mark aproveitou o Festival da Diversão?
— Ele não foi.
Annebelle fizera de tudo para tentar convencer o filho a ir. Pedira até a Rod O'Neill
para acompanhá-lo, mas de nada adiantou. Se não podia ir com Raymond, não iria com
ninguém.
— O garoto ainda está bravo comigo.
— Eu lhe expliquei várias vezes o que aconteceu com seu irmão, mas Mark ficou
decepcionado demais. Como está Hunter?
— Ele ficará bem.
Annebelle notou que havia um grande alívio na entonação de Raymond, além de um
imenso contentamento. Pelo visto, encontrara o vínculo que sempre lhe faltara.
— Que ótimo!
— Annebelle?
— Sim?
— Pare de falar comigo como se fôssemos estranhos. Voltarei dentro de alguns
dias.
— Você vai voltar?! — perguntou ela, quase não conseguindo crer no que escutara.
— Eu lhe disse que o faria.
Sendo assim, Annebelle tinha algumas novidades para lhe dizer.
— Raymond, estou colocando o rancho à venda e vou me mudar para Billings com
as crianças.
— Como? O que aconteceu?

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Chegou a conta do hospital, e andei analisando minha situação financeira. Não


posso ficar aqui, Raymond. De jeito nenhum. Tenho de tentar construir um patrimônio
para meus filhos, e não ficar ligada ao passado.
Eles ficaram em silêncio por alguns minutos.
— Estarei aí amanhã, e conversaremos sobre o assunto.
— Não há mais o que conversar.
— Sim, há, Annebelle. Portanto, não faça nada de que possa se arrepender mais
tarde. Espere até eu chegar aí. Entendeu?
Annebelle já tinha do que se arrepender. Perdera seu coração para Raymond
Coleburn.

CAPÍTULO X

AO AVISTAR a casa, Raymond pisou fundo no acelerador, apesar de toda a neve


na estrada. Sentira muito a falta de Annebelle e queria chegar logo. Ficara arrasado com
a ideia da venda da fazenda, mas não sabia explicar direito por quê.
A conversa que tivera com Hunter e os pais dele sobre o que acontecera trinta e um
anos atrás lhe parecia distante agora. Embora não o tivesse dito, Raymond percebera o
ressentimento do irmão por os pais o terem deixado no orfanato.
Uma vez sozinhos, disse-lhe para não se preocupar com isso, visto que agora
tinham se encontrado e nada mais os separaria. Entretanto, a tristeza que Raymond vira
nos olhos de Hunter não se devia ao ocorrido ou ao acidente. Ainda demoraria um tempo
para se conhecerem melhor, para se descobrirem.
Raymond estacionou, pegou sua mochila e correu para a residência. Abriu a porta
da cozinha e foi recebido por uma cena da qual sentira muita falta: Mark sentado à mesa
fazendo a lição de casa e, como sempre, um aroma maravilhoso preenchia o ambiente.
Annebelle mexia uma panela no fogão, e tudo o que ele queria fazer era pegá-la nos
braços e enchê-la de beijos. Porém, ficou ali, deliciando-se com seu sorriso. Ela parecia
contente por vê-lo.
— Como foi o voo?
Raymond deixou a mochila no chão, tirou o chapéu e pendurou-o junto com sua
capa no cabide.
— Tranquilo. Olá, Mark, tudo bem?
O menino deixou o lápis na mesa e se levantou.
— Vou para meu quarto.
— Raymond está falando com você, querido. Não seja mal-educado.
O menino olhou para a mãe depois para Raymond.
— Olá, Raymond. Agora posso ir para meu quarto?
— Acho que antes teremos que conversar, Mark. Fiquei sabendo que você não foi
ao festival.
— Eu não quis ir.
Raymond foi até a mesa e sentou-se em uma cadeira, ficando quase da mesma
altura do garoto.
— Sinto muito por não ter podido acompanhá-lo, mas você deveria ter deixado sua
mãe ligar para o Rod.

69
Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Rod não é... — começou ele. — Rod não é como um pai. E todas as outras
crianças estariam com seus pais na escola.
As palavras de Mark surtiram o efeito de uma punhalada no peito de Raymond, e ele
se deu conta do quanto magoara o pequeno.
— Será que posso tentar consertar meu erro?
— Como? — Mark mostrou-se interessado.
— Vou pensar durante a noite. Pode ser?
O menino ponderou por alguns instantes, depois concordou.
Amanda, então, começou a chorar.
— Direi para ela que você já vai, mamãe. — E Mark saiu correndo.
Annebelle desligou o fogo e, quando ia para a sala, Raymond segurou seu braço.
— Deixe-me dar-lhe o dinheiro para pagar as dívidas.
— Você não faz ideia de quanto seja.
— E você não faz ideia do quanto economizei. Trabalho desde os dezoito anos e
quase não tive gastos.
— E por que daria suas economias para mim?
— Porque não preciso delas, mas você sim.
— Não posso aceitar, Raymond. Tenho de começar a construir uma vida sozinha,
com meus filhos.
— E se for um empréstimo?
— De jeito nenhum. O motivo de eu ter decidido vender o rancho é por não aguentar
mais ter dívidas. Seja presente ou empréstimo, eu estaria em dívida com você. Mas
agradeço muito por sua bondade.
Raymond continuou com a mão no braço de Annebelle, querendo tocá-la com
menos casualidade e mais intimidade.
— Quer vender a propriedade?
— Não, claro que não quero vendê-la! Todavia, não vejo outra solução. Já conversei
com um corretor e vou assinar a papelada amanhã. Segunda-feira a fazenda estará à
venda.
— Por que não quer aceitar meu auxílio? — Ele queria chacoalhá-la para que
compreendesse, beijá-la e satisfazer sua saudade; tudo ao mesmo tempo.
— Porque você já me ajudou demais. Está na hora de prosseguirmos nossos
caminhos.
Annebelle tinha razão, e seu plano era ir embora dali. Mas Raymond não estava
contente com a decisão que tomara.
O grito vindo da sala reverberou, e Annebelle se soltou de Raymond.
Desde a noite de Ano-Novo ele percebia que Annebelle tentava a todo custo tirá-lo
da cabeça. E sabia por quê. Porque compromissos instáveis não tinham lugar em sua
vida.
Pelo jeito, voltaria para Denver bem antes do esperado.
Raymond sabia que a importância do festival para Mark devia-se mais, à atmosfera
do que ao acontecimento em si. As crianças, a diversão, o barulho... Sendo assim, decidiu
criar a mesma atmosfera, só que em menores proporções.
Depois de pedir permissão para Annebelle e conversar com os pais dos amigos do
garoto, planejou uma tarde de diversão na fazenda. Embora os pais também tivessem
sido convidados, eles preferiram apenas deixar os filhos.
Por sorte, o tempo tinha cooperado, e puderam brincar quase a tarde toda, fazendo
bonecos de gelo, passeando de trenó, inventando guerra de bolas de neve.
Depois, foram para dentro, onde comeram sanduíches e bolos feitos por Annebelle.
Assaram até marshmallow na lareira.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Mais tarde, no celeiro, Raymond ensinou-lhes truques com corda. Mark parecia estar
se divertindo muito e, quando todos se despediram, Raymond supôs que a tarde agradara
a todos.
Quando o último menino se foi, Raymond encontrou Mark em seu quarto, calçando
os tênis.
— Gostou de nossa tarde de brincadeiras?
— Sim. — O garoto amarrou um cadarço.
— Aposto que foi tão engraçado quanto o Festival da Diversão. — Raymond
esperava que Mark concordasse.
— Os pais não estavam aqui.
— Mas eu sim.
— É, mas você brincou com todos nós. Não era como... se eu estivesse fingindo que
você era meu pai por um dia.
A palavra “fingindo” o aborreceu, bem como tudo o que Mark falara. Porém, não
tinha nada a dizer.
Quando terminou de colocar os tênis, Mark olhou para cima.
— Queria que você fosse meu pai.
Raymond ficou surpreso com o que escutou.
— Não sei ser pai, Mark. Nunca tive um. E também não estive entre crianças que os
tivessem. Precisa de alguém que saiba como tratá-lo, amigão.
— Você podia ser meu pai, se quisesse. Mas acho que não quer.
— Não depende só de mim — Raymond afirmou, na defensiva. — Sua mãe também
tem uma opinião.
— Mas eu sei que você pode convencê-la.
Antes que tivesse tempo para responder, Annebelle chamou:
— Raymond, telefone. É seu irmão.
— Continuaremos essa conversa mais tarde. — E Raymond se pôs a descer as
escadas, temendo que tivesse acontecido algo em Denver.
Mas não havia nada de errado. Hunter ligara para avisar que recebera alta e que
estava na casa da mãe, a conselho do médico.
— Vou ter de aguentar a mamãe me mimando o tempo todo — brincou.
— As mães são assim, Hunter.
— É, eu sei. Vou parar de reclamar. Só lhes devo agradecimentos por tudo o que
fizeram por mim. É como se... — De repente, ele mudou de assunto: — Quando voltará
para cá?
Raymond olhou para Annebelle, sentada no sofá da sala com a filha no colo.
— Ainda não sei direito. Eu lhe telefono avisando, daqui a alguns dias.
Depois de desligar, Raymond foi até a sala e ficou admirando-a ninar Amanda.
— Está tudo bem? — ela quis saber, ao perceber que tinha companhia.
— Sim, Hunter já foi para casa. Pelo visto, está melhor, mas terá de ficar alguns dias
com os pais.
A conversa com Mark o deixara impaciente e sentindo-se mais culpado por ter de
partir.
— Quero comprar uma bicicleta para Mark.
— Por quê, Raymond?
— Porque ele ainda não me perdoou por eu ter partido. Divertiu-se hoje à tarde, mas
disse que não foi a mesma coisa que o festival na escola.
— E acha que uma bicicleta resolverá tudo?
— Ora, Annebelle, não sei, mas pelo menos vai alegrá-lo um pouco.
— Você já contou para ele que vai embora?

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Ir embora... O pensamento não o incomodara antes. Mas também não pensara o


que faria depois que deixasse a Fazenda Double Blaze, esquecendo a linda Annebelle e
seus dois filhos encantadores para trás.
— Não, ainda não.
— Vou começar a limpar o sótão amanhã. O corretor trará três pessoas na segunda-
feira, para conhecer o rancho. Ele acha que não terei problemas em vender a propriedade
se o preço for justo.
— Gostaria que reconsiderasse a minha oferta.
Annebelle pareceu confusa.
— Não posso aceitar seu dinheiro, Raymond. Não posso... — Respirou fundo e
olhou para o bebê em seus braços. — Quero começar uma nova existência. Será melhor
para mim.
A ideia de Annebelle longe dele o incomodou. Desejava...
Sabendo que os desejos não costumavam se tornar realidade, Raymond desistiu de
insistir.
— Irei cuidar dos cavalos.
Annebelle não o fitou, o que o levou a crer que não se importava com o que ele
fizesse.
Um soluço escapou-lhe dos lábios assim que Raymond saiu da cozinha. Annebelle
manteve a filha contra o peito, confortando-se com a pequena.
Não queria que ele fosse embora, não podia nem imaginar o que seria dela sem
Raymond por perto. Contudo, também não tinha como fazê-lo ficar. Raymond lhe
oferecera dinheiro, mas não era isso o que queria dele.
Queria Raymond.
Entretanto, não se achava no direito de pedir-lhe para ficar. Raymond tinha um
irmão em Denver e quilômetros a percorrer antes de se estabelecer.
Se é que isso um dia aconteceria.

O sótão continha um tesouro repleto de lembranças. No dia seguinte, Annebelle


tentou conter o choro, aproveitando o sono de Amanda para organizar as coisas de seu
pai e também as suas.
Enfim, sentou-se no chão e deixou as lágrimas rolarem. Chorava porque seu pai
jamais conheceria a neta. Estava chorando porque adorava aquela casa, aquelas terras e
tudo o que a fazenda representava.
Seu pranto rolava porque amava Raymond, apesar de saber que era um amor
impossível.
Seu orgulho a impedia de pedir-lhe para ficar. Também era seu orgulho que não a
deixava aceitar sua ajuda financeira não lhe permitia mais uma vez amar um homem que
não a amava.
Raymond era carinhoso, bondoso e seguro de que tinha muito a oferecer.
Entretanto, sua criação, ou a falta dela, fazia com que não se apegasse a lugar algum. E
a grande ironia era estar em busca de algo que na certa nunca encontraria, caso não
criasse raízes. Mas ele tinha de chegar a essa conclusão por conta própria, o que talvez
nunca acontecesse.
Suspirando, Annebelle se levantou e enxugou as lágrimas. Não conseguiria fazer
nada, desse jeito.
Achou melhor começar a empacotar as coisas em vez de escolher o que levar. Sem
dúvida ficaria com os cachimbos do pai, que ainda cheiravam a tabaco. Podia se lembrar
dele.fumando, enquanto lhe contava histórias.
Também levaria sua coleção de selos e algumas das ferramentas antigas que
colecionava. Mas teria de embrulhar tudo com muito cuidado. Trouxera caixas e caixas,
mas não jornal.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

Quando desceu pelo quarto de Amanda, Mark apareceu correndo.


— Posso ir até o celeiro ajudar Raymond a cuidar dos cavalos?
O filho estivera brincando naquele dormitório e, pelo visto, tinha se cansado.
— Tenho uma ideia, querido. Por que não vai até o depósito e pega um pouco de
jornal para mim? Enquanto isso, irei preparar um pouco de chocolate quente. Depois,
você toma uma xícara e leva um pouco para Raymond. Que tal?
Sorrindo, Mark assentiu e desceu correndo as escadas na frente da mãe.
Mark foi pegar seu casaco, e Annebelle ficou olhando pela janela. O céu estava
completamente azul e a neve brilhava com os reflexos do sol. Embora o tempo estivesse
bom, a meteorologia previra uma grande tempestade de neve para o dia seguinte.
Torceu para que estivessem errados. Quanto mais rápido o corretor pudesse
mostrar a propriedade aos compradores, melhor seria, pois assim não demoraria para
vender a fazenda. Além disso, seria menos doloroso se todo o processo corresse bem
depressa.
“E quanto mais rápido Raymond for embora, melhor”, disse-lhe o bom senso. Porém,
era difícil de acreditar.
Annebelle abriu o armário da cozinha e pegou o chocolate em pó.
Mark calçou as botas e girou a maçaneta.
— Volto logo, mãe!
Annebelle tirou o leite da geladeira e colocou-o para esquentar, imaginando como
Amanda seria com a idade de Mark.
Seria inquieta ou gostaria de brincar de bonecas? Sentiria tanto a falta de um pai
como o garoto? Raymond seria tão bom pai se...
“Pare! Você só está piorando as coisas!”
Perdida em seus pensamentos, Annebelle só se deu conta de que Mark estava
demorando demais quando o chocolate quente ficou pronto. Talvez tivesse ido até o
celeiro dizer a Raymond que lhe traria uma bebida quentinha. Ou quem sabe o estivesse
ajudando e esquecera de lhe trazer o jornal. Mas não se esqueceria do chocolate...
Caminhando até a janela, Annebelle olhou para fora, primeiro para o curral, depois
para o depósito. Quando seus olhos depararam com a pequena construção, a respiração
parou em seu peito. Havia uma montanha de neve diante da portinha. Pelo visto, Mark
batera a porta, fazendo com que a neve desabasse.
Agindo por instinto, Annebelle pegou o agasalho e chutou longe os chinelos para
calçar as botas. Sem demora, saiu em disparada para o depósito, gritando, desesperada.
— Mark? Mark? — Achou que o escutara gritando ao se aproximar do pequeno
depósito, e o chamou de novo.
— Mamãe! — berrou ele, lá de dentro. — Não consigo sair! Tire-me daqui!
Havia pelo menos um metro de neve impedindo a abertura da porta.
— Estou com medo. Está muito escuro aqui dentro.
— Sei disso, meu amor. Vou chamar Raymond.
— Não me deixe sozinho, mamãe!
— Mark, ouça-me: respire fundo e conte até dez. Não acontecerá nada. Eu volto em
um instante com Raymond.
Annebelle escutava os gritos angustiados do filho, e sentiu uma dor incrível por
deixá-lo sozinho, mas Raymond o tiraria mais depressa dali.
Aos escorregões, ela começou a gritar o nome dele assim que o viu.
— Pegue uma pá! Mark está preso no depósito! Depressa! — Então, virou-se e
voltou para perto do filho.
Alguns minutos depois, Raymond apareceu com duas pás, e os dois começaram a
remover a neve.
— Tenha calma, Annebelle. Não adiantará nada se você se machucar.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Mark, meu amor, não tenha medo. Estamos cuidando para que logo você saia
daí.
— Raymond, você está com mamãe? — perguntou o menino com a voz chorosa.
— Sim, filho, estou aqui. Mantenha a calma.
A neve voava para todos os lados enquanto eles cavavam, parando apenas quando
conseguiram desobstruir a porta.
No instante em que Raymond abriu-a, Mark correu para seus braços. Annebelle
abaixou-se para enlaçar o menino, e os três ficaram ali, juntos, aliviados. Quando os
olhares dos dois se encontraram, ela viu tanta emoção na expressão de Raymond que
seu coração disparou.
Talvez estivesse na hora de se arriscar, de jogar seu orgulho e sua cautela pela
janela...
Respirando fundo, Annebelle deixou os próprios sentimentos de lado e concentrou-
se no filho, abraçando-o forte, mostrando-lhe que estava tudo bem. Por fim, soltou-o e
segurou seu rostinho entre as mãos.
— Você está bem, querido?
— Estava tão escuro lá dentro, mamãe... Eu gritei, chorei, mas acho que ninguém
me escutou. E depois achei que vocês nunca me encontrariam...
Annebelle tomou a abraçá-lo.
— Sempre encontrarei você, meu filho.
Dessa vez foi Mark quem se desvencilhou do abraço e olhou para Raymond.
— Acho que eu não deveria ter chorado...
Raymond ajoelhou-se e encarou garoto.
— Não há nada de mais em se chorar por um bom motivo, e você, com certeza,
tinha um.
As mãos de Raymond tremiam quando ele soltou Mark e se levantou. Seu ritmo
cardíaco estava tão acelerado que parecia que nunca mais voltaria ao normal.
Quando Mark se jogou em seus braços ao sair do depósito, Raymond visualizou
como a vida deveria ser, e poderia ter essa felicidade se juntasse toda sua coragem para
não permitir que escapasse entre seus dedos.
De repente, tudo ficou muito claro para Raymond. Seus sentimentos por Annebelle
eram bem mais profundos do que a vontade de levá-la para a cama. Precisava dela a seu
lado até o fim de seus duas. Tinha de ver aquele lindo rosto quando acordasse todas as
manhãs. Queria poder beijá-la quando voltasse do trabalho. Necessitava do seu calor e
determinação para ter um objetivo, um motivo para querer se vincular a algum lugar.
No entanto, não sabia como dizer tudo isso a Annebelle. Mas sabia que ela não
adivinharia, o que o obrigava atentar ser franco e não omitir nenhum detalhe do que lhe ia
na alma.
— Acho que vamos ter de esquentar o chocolate quente — disse ela, provocando o
filho e olhando para Raymond. — Você vem para casa?
Raymond precisava de cinco minutos para organizar seus pensamentos. Queria
encontrar as palavras que a convenceriam a aceitá-lo e a ficar com ele.
— Vou terminar de tirar a neve do telhado, para evitar mais acidentes.
Annebelle assentiu, com os olhos brilhantes. Havia alguma coisa diferente neles,
notou Raymond. Talvez fosse apenas gratidão.
Porém, quando ela e Mark se viraram e seguiram para a residência, Raymond soube
que aquela mulher e as crianças já moravam em seu coração.
Ao entrar na cozinha alguns minutos depois, Raymond ainda não sabia direito o que
dizer, nem como. Tirou as botas e pendurou o casaco, e então viu Mark sentado diante da
televisão com sua caneca de chocolate quente nas mãos.
Annebelle se levantou da mesa da cozinha e foi até o fogão.
— Está pronto para tomar uma xícara fumegante?

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

— Não.
A resposta abrupta a fez colocar o bule de volta.
— Prefere café?
— Annebelle, tanto faz a bebida. Eu... — Raymond parou, sentindo-se tolo e
desconcertado, temendo expressar seus sentimentos mais íntimos. Mas não podia parar
agora.
Eles falaram ao mesmo tempo:
— Quero que se case comigo.
— Quero que fique aqui.
— O quê? — perguntaram em uníssono.
Diminuindo a distância entre eles, Raymond segurou-a pelos ombros.
— Você me pediu para ficar?
Ela fez que sim.
— Você me pediu em casamento?
A incerteza dela fez com que Raymond se aproximasse mais.
— Tenho muitos hábitos para mudar, Annebelle, e precisará ter paciência comigo.
Demorei um tempo para perceber que queria algo além de seus beijos e do prazer de
uma noite de amor. Você se tornou parte de mim, bem como Mark e Amanda. Toda vez
que pensava em partir, tinha uma sensação de vazio imensa, e não compreendia o que
era. Agora, enfim, a compreendi. Quero construir um futuro com você. Quero ser o pai de
Mark e de Amanda. Não fazia ideia do que era amor até conhecê-la. Quer se casar
comigo?
Annebelle tinha lágrimas nos olhos, mas sorria com um contentamento que o
envolveu.
— Sim, eu quero me casar com você, o homem mais maravilhoso e encantador que
conheci. Eu te amo, Raymond Coleburn.
Ele não conseguia acreditar no que escutava. Não podia crer que Annebelle sentia o
mesmo. Ela seria sua!
Para comemorar, puxou-a para si e beijou-lhe os lábios com ternura.
— Nossa! Nunca vi um beijo assim antes!
Perdidos um no outro, os dois se assustaram ao ouvir o comentário de Mark, parado
ao lado deles.
Pelo visto, a vida de pai de Raymond começaria naquele instante, e não depois do
casamento.
O garoto se aproximou, e Raymond colocou as mão nos ombros pequenos.
— Lembra-se de quando você me disse que eu poderia ser seu pai se realmente
quisesse?
Mark fez que sim.
— Bem, eu realmente quero ser seu pai. O que acha de eu me casar com sua mãe?
— Você será meu pai de verdade?! E de Amanda também?!
— Eu gostaria muito. E como você é o irmão mais velho e ela ainda não fala, terá de
decidir por Amanda também.
— Sim, eu quero que seja meu pai, Raymond. E Amanda também! — Mark afirmou,
solene.
Raymond abaixou-se para beijar a testa do menino.
— Você é um garoto muito especial, Mark. Agora vamos marcar a data do
casamento.

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EPÍLOGO

Três semanas depois


ANNEBELLE ESTAVA na pequena saleta da igreja onde se casaria dentro de
alguns minutos, tentando ficar quieta, enquanto Marvis fechava seu vestido. Era de seda
pérola, bem discreto, com gola alta e mangas compridas, todo bordado. Sua saia armada
fazia-a sentir-se uma princesa.
— É um traje maravilhoso — elogiou Marvis. — Você sem dúvida é a noiva mais
linda que já vi em toda minha vida.
— Ora, Marvis, não exagere! Foi ideia de Hunter. Ele tem um cliente que cria
vestidos de noiva. Mandou-me algumas fotografias dos modelos, e escolhi este. Quase
nem acredito que sou eu.
Annebelle tinha enrolado os cabelos e prendido um pouco. O véu era simples, preso
a uma tiara. Ainda não se acostumara direito à ideia de que dentro em breve seria a
esposa de Raymond.
Esposa de Raymond...
Aquela noite se tomariam marido e mulher, uma única pessoa.
Fora ele quem insistira para não fazerem amor antes das núpcias, sabendo que o
momento seria mais especial se esperassem. A lua-de-mel ficaria para depois, por causa
das crianças, mas Raymond lhe prometera que, assim que se acostumassem a ser uma
família de verdade, os dois partiriam para uma viagem inesquecível, sozinhos.
Alguém bateu com toda a força na porta da sala.
— Quem é? — perguntou Marvis.
— Sou eu, mãe. Posso entrar?
— Claro, Dallas — respondeu Annebelle.
O amigo de Annebelle entrou, e os dois ficaram se olhando por alguns instantes.
— Você está uma beleza, Annebelle.
— Obrigada — disse, contente por ele estar lá em um dia tão especial.
— Estará muito ocupada recebendo cumprimentos após a cerimônia, por isso eu
vim. Queria lhe dizer que espero vê-la sempre radiante como hoje. Ontem percebi que
Raymond é o marido perfeito para você.
Hunter chegara na véspera, e Annebelle fizera um jantar em sua casa. Convidara os
O'Neill para conhecerem-no. A tensão que um dia existira entre Raymond e Dallas
desaparecera por completo no final do encontro.
— Estou contente que tenha percebido isso, Dallas. Raymond também será um pai
maravilhoso para meus filhos.
— Qualquer um que olha para vocês dois juntos percebe que estão perdidamente
apaixonados. — Dallas respirou fundo antes de continuar: — O irmão dele também é uma
excelente pessoa. Quando soube que é advogado internacional, achei que não se
adaptaria a nossa pequena cidade, mas Hunter foi muito simpático.
Annebelle achara Hunter mais reservado do que Raymond, porém, agradável.
Parecia querer saber tudo sobre o irmão, o que a alegrara bastante, pois Raymond
também queria o mesmo.
Assim que os O'Neill partiram de sua fazenda, Annebelle o encontrou lendo o cartão
de casamento que viera junto com o presente de Marvis. Parecia tão triste... Mas quando
ela lhe perguntou se havia algo errado, todas as emoções sumiram do semblante de
Hunter como se nunca tivessem estado lá, e repetira que sentia muita honra por ter sido
convidado para ser padrinho do irmão.

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Sabrina A Cegonha Chegou 64 – O Homem dos Meus Sonhos – Karen Rose Smith

A música do órgão chegou à saleta.


Dallas sorriu.
— Acho melhor eu procurar um lugar para me sentar — disse ele. Depois, beijou a
amiga na testa. — Prometo que não vou interromper quando vocês estiverem dançando a
valsa dos noivos.
Assim que Dallas saiu, Annebelle respirou fundo.
— Acho que está na hora.
— Sim — concordou Marvis.
Rod a esperava no vestíbulo. Annebelle lhe pedira para acompanhá-la, por ter sido o
melhor amigo de seu pai. Marvis entregou-lhe o buquê de lírios brancos, e eles entraram
na igreja.
— Vamos, minha querida. — Rod acariciou-lhe a mão.

Annebelle e Rod seguiram devagar pelo tapete vermelho.


Havia poucos bancos cheios, pois os noivos decidiram fazer uma cerimônia discreta.
Apenas os amigos mais próximos tinham sido convidados.
Grace Harrison se encontrava no primeiro banco, com Mark e Amanda. Dallas se
acomodara do outro lado, com à mãe, e Rod também ficaria ali.
Quando Annebelle olhou para o altar, deparou com Hunter, muito elegante, sorrindo.
Mas logo passou se voltou para seu futuro marido. Caminhando com segurança,
abriu um lindo sorriso assim que Rod a entregou a ele.
Raymond aproximou-se da orelha dela.
— Eu te amo — murmurou.
— Também te amo, meu amor.
Quando olharam para o sacerdote, nada lhes parecia mais correto.
Completamente consciente da presença de Raymond a seu lado e da cerimônia que
se desenrolava, Annebelle achou que seu coração explodiria de tanta felicidade.
Imagens de Raymond chegando à Double Blaze, ajudando-a no parto de Amanda,
suas palavras dóceis e beijos apaixonados, dançavam em sua memória.
Na hora de repetir os votos, ela se virou e o olhou no fundo dos olhos, querendo
expressar tudo que estava em sua alma. Tinham decidido fazer suas próprias promessas
a sua maneira.
— Eu, Annebelle Lawrence, te aceito, Raymond Coleburn, como meu marido,
companheiro e amigo. — Sentiu as lágrimas chegarem, mas continuou. — Prometo ficar
sempre a seu lado, independente do que puder acontecer, apoiando-o e escutando-o, e
respeitá-lo durante todos os dias de nossas vidas. Deus o enviou para mim no momento
em que eu mais precisava. Você cuidou de Mark e de Amanda como se fossem suas joias
mais preciosas. Há tantas características suas que admiro... Sua honestidade, sua força,
seu carinho.
Respirando fundo, Annebelle ignorou o pranto que escorria por seu rosto.
— Prometo ser-lhe fiel e amá-lo até o último de meus dias.
O aperto da mão de Raymond na dela foi suficiente para lhe dizer que adorara
aquela declaração. Agora seria sua vez.
— Annebelle, não tenho palavras para expressar o que sinto. Você é meu lar, minha
fortaleza. Nunca tive uma casa de verdade. Cresci querendo ter algum vínculo, pertencer
a algum lugar, mas acho que não sabia direito o que isso tudo significava. E, graças a
você, descobri o que é ter uma família.
A emoção também ficou evidente em seu semblante.
— Você é minha inspiração, minha alegria de viver, a razão de meu futuro. Adoro
tudo em você, desde sua doçura até sua teimosia. Juro te amar nos momentos bons e
nos momentos ruins. Prometo cuidar de você, e de Mark e de Amanda como se fossem

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meus próprios filhos. E, acima de tudo, prometo-lhe ser fiel. Eu te amo, Annebelle, e me
entrego de corpo e alma em suas mãos.
Encarando-se, os dois absorveram as promessas e as juras sagradas que tinham
acabado de fazer, até que Hunter entregou as alianças ao irmão.
Eles as colocaram com o mesmo fervor das palavras que haviam proferido. Quando
o pastor lhes pediu para ficarem de frente para a prece final, os dois tinham as mãos
entrelaçadas, como seus corações, para toda a eternidade.
No final da cerimônia, o sacerdote pediu-lhes que olhassem para a congregação.
— Eu vos declaro marido e mulher, Sr. e Sra. Raymond Coleburn.
Todos começaram a aplaudir, e Mark foi correndo até eles.
— Agora você é meu pai? — perguntou o pequeno, todo sorridente.
Raymond afagou-lhe os cabelos e abraçou a esposa. Annebelle pegou Amanda das
mãos de Grace.
— Sim, sou seu pai.
O rostinho de Mark resplandecia.
— Então somos uma família?
— Sim, uma família de verdade.
— Acho que você se esqueceu de um detalhe, caro irmão. — Hunter bateu nas
costas de Raymond. — O noivo não deve beijar a noiva?
Annebelle sabia que Raymond a respeitaria na frente de todas aquelas pessoas,
mas estava orgulhosa com o casamento e queria prová-lo ao marido.
— Sim, deve — disse ela, olhando com paixão o marido.
Quando os lábios de Raymond tocaram os dela, Annebelle o beijou com
sofreguidão, ansiosa pela noite que teriam juntos, pela vida que compartilhariam dali em
diante. Encontrara seu companheiro e sua alma gêmea.
E não via a hora de o futuro começar.

FIM

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