Você está na página 1de 67

RECREAÇÃO E LAZER

BELO HORIZONTE / MG
RECREAÇÃO E LAZER

Sumário
1 O JOGO COMO PRODUÇÃO HUMANA NAS DIFERENTES CULTURAS ......... 3

1.1 Jogos Tradicionais Brasileiros: a cultura posta em ação ................................... 6

1.2 Brincadeiras e brinquedos culturais................................................................. 18

1.3 DEFINIÇÕES ENTRE BRINQUEDO, BRINCADEIRA E JOGO ...................... 20

2 OS JOGOS E BRINCADEIRAS NOS ESPAÇOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL


.............................................................................................................................25

2.1 Os benefícios para o docente ao utilizar de formas lúdicas em suas aulas .... 28

2.2 A importância do lúdico no início da vida escolar ............................................ 32

3 O JOGO E A BRINCADEIRA COMO CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA


ESCOLAR E SUAS RELAÇÕES COM AS QUESTÕES ÉTNICOS RACIAIS E DE
GÊNERO................................................................................................................... 34

4 O LAZER E SUAS DIMENSÕES ........................................................................ 37

4.1 Conceitos de lazer ........................................................................................... 38

4.2 As barreiras do lazer ....................................................................................... 39

4.3 Facilitadores para a prática do lazer ................................................................ 40

5 LAZER: CONCEITUAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO ............................................ 41

6 LAZER E CONSUMO ......................................................................................... 45

6.1 Trabalho, consumo e lazer .............................................................................. 51

7 O LAZER E A EDUCAÇÃO ................................................................................ 53

8 LAZER E POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................... 58

9 LAZER, MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR ........................... 61

9.1 O discurso da Educação Ambiental................................................................. 61

9.2 Educação Física e meio ambiente: Algumas possibilidades ........................... 63

9.3 Meio ambiente, temperatura e aulas de Educação Física ............................... 63

9.4 Educação Física, Lazer e Meio Ambiente ....................................................... 63

9.5 Espaços disponíveis para as aulas de Educação Física ................................. 64

9.6 Esportes de aventura e o Meio Ambiente ........................................................ 64

10 BIBLIOGRAFIA................................................................................................ 67

2
RECREAÇÃO E LAZER

1 O JOGO COMO PRODUÇÃO HUMANA NAS DIFERENTES CULTURAS

A história dos jogos e brincadeiras, assim como a história de uma forma geral,
é uma construção humana que envolve fatores sócio-econômicos-culturais. Para
Elkonin (1998), o trabalho, como atividade humana transformadora da natureza, é
anterior a atividades como os jogos e a arte, estas atividades surgiriam em
conseqüência do trabalho humano e do uso de ferramentas. Esta concepção,
fortemente influenciada pelo marxismo é predominante nas análises de pesquisadores
soviéticos como Elkonin (1998), Vygotsky (1984; 1990) e Leontiev (1988), mas
também aparecem no trabalho de Benjamim (1984).

Fonte: sremetropb.blogspot.com

Para Plekhánov (apud ELKONIN, 1998, p. 38), “É de suma importância para


explicar a gênese da arte esclarecer a atitude do trabalho em face do jogo ou, se
preferir, do jogo em face do trabalho”.
Defendendo a tese de que o trabalho antecede ao jogo, Plekhánov utiliza o
exemplo dos jogos de guerra:

“Primeiro surge a guerra verdadeira, e a necessidade por ela criada, e logo depois, os
jogos de guerra para satisfazer essa necessidade” (PLEKHÁNOV, apud ELKONIN,
1998, p. 38). A brincadeira é a porta de entrada da criança na cultura, sua apropriação

3
RECREAÇÃO E LAZER

passa por transformações histórico-culturais que seriam impossíveis sem o aspecto


sócio-econômico, neste sentido, a história, a cultura e a economia se fundem
dialeticamente fornecendo subsídios, ou melhor, símbolos culturais, com os quais a
criança se identifica com sua cultura. Expliquemos melhor. Os jogos e brincadeiras
tiveram ao longo da história um papel primordial na aprendizagem de tarefas e no
desenvolvimento de habilidades sociais, necessárias às crianças para sua própria
sobrevivência. Segundo Elkonin (1998), o jogo deve se apresentar como uma
atividade que responde à uma demanda da sociedade em que vivem as crianças e da
qual devem chegar a ser membros ativos. Ora, se são sempre os adultos que
introduzem os brinquedos na vida das crianças e as ensina a manejá-los, é de fato
também, como aponta Brougère (1995), que manipular brinquedos é acima de tudo,
manipular símbolos, nesse sentido, nem sempre a criança vai fazer do brinquedo o
uso que o adulto espera quando o apresenta à criança.
Aqui, encontramos uma diferença nas posições de Elkonin e Brougère, para o
primeiro, interessa desvendar o surgimento do jogo protagonizado na história, mas
para tal, o autor precisa investigar a atividade de jogo em sua fase menos complexa:
a de imitação e reprodução de atividades sociais, sobretudo o trabalho. Para o
segundo, interessa investigar a cultura lúdica infantil, bem como o papel do jogo, mais
especificamente o brinquedo, na impregnação cultural da criança. Arkin (apud
ELKONIN, 1998, p. 40), escreve que para se construir “uma prática educativa sã,
fecunda e estável” deve-se conhecer a história do jogo infantil, opinião compartilhada
por Brougère (1995, 1997).
Huizinga (1991), também traça uma história dos jogos a partir da relação do
homem com o trabalho. Segundo ele, na sociedade antiga, o trabalho não tinha o valor
que lhe atribuímos atualmente, tão pouco, ocupava tanto tempo do dia. Os jogos e os
divertimentos eram um dos principais meios de que dispunha a sociedade para
estreitar seus laços coletivos e se sentir unida.
Isso se aplicava a quase todos os jogos, e esse papel social era evidenciado
principalmente em virtude da realização das grandes festas sazonais.

O referido autor também fala em características comuns que são encontradas


entre jogos, cultos e rituais, tais como: ordem, tensão, mudança, movimento,
solenidade e entusiasmo. Além disso, segundo Huizinga (1991), ambos têm o poder
de transferir os participantes, por um espaço de tempo, para um mundo diferente da
vida cotidiana.

4
RECREAÇÃO E LAZER

Adultos, jovens e crianças se misturavam em toda a atividade social, ou seja,


nos divertimentos, no exercício das profissões e tarefas diárias, no domínio das armas,
nas festas, cultos e rituais. O cerimonial dessas celebrações não fazia muita questão
em distinguir claramente as crianças dos jovens e estes dos adultos. Até porque esses
grupos sociais estavam pouco claros em suas diferenciações.
Outro fator de extrema importância a ser ressaltado nessas festas era seu
caráter místico. Nas representações sagradas, principalmente nas sociedades não
industriais, encontrava-se em jogo um elemento espiritual, difícil de definir, algo de
invisível e inebriante ganhava uma forma real, bela e sagrada.
Conforme Huizinga (1991, p. 17), os participantes do ritual estavam "certos de
que o ato concretiza e efetua uma certa beatificação, faz surgir uma ordem de coisas
mais elevada do que aquela em que habitualmente vivem". Apesar desta intenção
estar restrita à duração do ritual e da festividade, acreditava-se que seus efeitos não
cessariam depois de acabado o jogo; pois sua magia continuaria sendo projetada
todos os dias, garantindo segurança, ordem e prosperidade para todo o grupo até a
próxima época dos rituais sagrados.
Elkonin (1998) aponta a história dos povos do extremo oriente como sendo
ilustrativa da relação trabalho-jogos. Escreve que, nesses povos, o brinquedo e a
atividade da criança foram em determinada época, uma ferramenta de trabalho
modificada e uma modificação da atividade dos adultos com essa ferramenta,
encontrando-se em relação direta com a futura atividade da criança, o que aponta para
uma imagem de criança que acompanhava aqueles povos. A história do brinquedo e
dos jogos ilustra toda uma representação de infância e à modificação da imagem da
criança, acompanha a modificação de seus jogos e brinquedos, estando sua história
“organicamente vinculada à da mudança de lugar da criança na sociedade e não pode
compreender-se fora dessa história” (ELKONIN, 1998, p. 47).

5
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: educador.brasilescola.uol.com.br

O lugar da criança na sociedade nos dá a chave para a explicação do lugar que


jogos e brincadeiras ocupam em seu desenvolvimento, por exemplo, a criança
indígena brasileira quando brinca de arco e flecha está manipulando uma atividade
própria dos adultos e que ela terá que aprender muito cedo para a sobrevivência de
sua comunidade. A natureza dos jogos infantis só pode ser compreendida pela
correlação existente entre eles e a vida da criança na sociedade.

1.1 Jogos Tradicionais Brasileiros: a cultura posta em ação

O fenômeno dos jogos tradicionais infantis pode ser considerado mundial, se


em Elkonin (1998) encontramos uma crítica ácida ao trabalho de Arkin (1935), onde
este procurou identificar jogos, brincadeiras e brinquedos “primários” na humanidade,
em Kishimoto (1993), encontramos uma pesquisa que aponta que certos jogos e
brinquedos são encontrados em diferentes culturas e momentos históricos. A pergunta
que acompanhou Elkonin e Kishimoto é a mesma:

Como surgiram esses jogos? Representariam eles uma espécie de unidade


psíquica da humanidade, a-histórica e atemporal? Para se chegar à resposta, Elkonin
baseia-se, como vimos, sobretudo no marxismo, na relação brinquedo trabalho, já

6
RECREAÇÃO E LAZER

Kishimoto (1993), à busca na Antropologia e na tradição oral, responsável pela


transmissão do folclore, sobre isso escreve:

Considerado como parte da cultura popular, o jogo tradicional guarda a


produção cultural de um povo em certo período histórico. Essa cultura não
oficial, desenvolvida sobretudo pela oralidade, não fica cristalizada. Está
sempre em transformação, incorporando criações anônimas das gerações
que vão se sucedendo. Por ser elemento folclórico, o jogo tradicional assume
características de anonimato, tradicionalidade, transmissão oral,
conservação, mudança e universalidade. Não se conhece a origem desses
jogos [...] a tradicionalidade e universalidade dos jogos assenta-se no fato de
que povos distintos e antigos como os da Grécia e Oriente brincaram de
amarelinha, de empinar papagaios, jogar pedrinhas, e até hoje as crianças o
fazem quase da mesma forma. (KISHIMOTO, 1993, p. 15)

Os jogos não permanecem exatamente os mesmos quando transpostos para


outros cenários histórico-culturais. Enquanto manifestação espontânea da cultura
popular, eles têm a função de perpetuar a cultura infantil, ou nos dizeres de Brougère
(1995) “impregnar culturalmente a criança”.

Fonte: folclore23deagosto.blogspot.com

Os jogos tradicionais brasileiros carregam a marca de nossa miscigenação, a


mistura do europeu (essencialmente o português), do negro e do índio fez surgir uma
combinação genética e cultural influenciando a vida social do brasileiro.

7
RECREAÇÃO E LAZER

Mas os costumes portugueses, dentre eles seus jogos e brincadeiras, já


carregavam a influência dos costumes de povos asiáticos, oriundos da presença
portuguesa nessas terras. Kishimoto (1993) ressalta o exemplo da pipa, também
conhecida como papagaio ou arraia, que embora divulgada pelos portugueses, teve
sua origem em terras asiáticas. Os jogos tradicionais recebem forte influência do
folclore, conforme assinalamos anteriormente, nesse sentido, os contos, lendas e
histórias que alimentavam o imaginário português se fizeram presentes em
brincadeiras e brinquedos brasileiros.
Personagens como a mula-semcabeça, a cuca e o bicho-papão, trazidos pelos
portugueses, foram incorporados em brincadeiras que vão desde a bola de gude até
o pique ou pega-pega. Outro exemplo é o nosso carnaval. Conhecido em Portugal
como entrudo, esta brincadeira portuguesa que baseava-se em jogar água, tinta,
sujeira uns nos outros, teve sua regulamentação no final da idade média, início da
moderna, pelo Papa Paulo II em 1466. Ainda entre os jogos de bater palmas existe a
brincadeira acompanhada com os versos:

Fiorito que bate, bate;


Fiorito que já bateu; Quem
gosta de mim é ela, Quem
gosta dela sou eu.

Esta versão é encontrada por Alexina de Magalhães (1909, p. 143) e descrita


na obra Os Nossos Brinquedos. A autora comenta que Fiorito aparece em álbuns de
anúncios portugueses do início do século. Em São Paulo, predomina a versão que
substitui o Fiorito por pirulito e que é cantada pela maioria das crianças pré-escolares.
Grande parte dos jogos tradicionais popularizados no mundo inteiro, como o jogo de
saquinhos (ossinhos), amarelinha, bolinha de gude, jogo de botão, pião, pipa e outros,
chegou ao Brasil por intermédio dos primeiros portugueses.

A influência portuguesa penetrou de tal forma em nossos costumes e valores,


que fica difícil detectar a contribuição exata de portugueses no folclore e,
respectivamente, nos jogos tradicionais. Kishimoto (1993), aponta algumas pistas,
conforme descritas por nós acima. Sua pesquisa procura detectar a representação de

8
RECREAÇÃO E LAZER

infância presente nos diferentes agrupamentos humanos, que no presente momento


trata-se do português, e o papel desempenhado pelos jogos infantis na construção e
manutenção da cultura popular.
Mas não podemos nos esquecer, que além do português, descrevemos no
início do capítulo a influência de outras duas etnias na consolidação dos jogos
tradicionais brasileiros, quais sejam, a negra e a indígena.
Por todos os séculos XVI, XVII E XVIII, os negros africanos entraram no Brasil
para substituir o trabalho indígena. Conforme escreve o Pe Anchieta em 1585 (apud
KISHIMOTO, 1993, p. 27): “Havia na colônia, para uma população de 57.000 pessoas,
14.000 negros escravos, distribuídos pelos trabalhos agrícolas de Pernambuco, da
Bahia e do Rio”. Em relação à procedência, Kishimoto (1993) ressalta a vinda de três
culturas principais para o Brasil: Sudanesas, Sudanesas Islamizadas e Bantus, que
predominavam no sudeste e nordeste. Essa caracterização faz-se necessária porque
do mesmo modo que não podemos igualar o português ao dinamarquês, só pelo fato
de serem europeus, não podemos afirmar que os Bantus e Sudaneses
compartilhavam dos mesmos modos e costumes, ou nos dizeres de Geertz (1989), da
mesma “teia de significados”. Outra questão a ser colocada, é saber se as crianças
africanas aqui chegadas no séc. XVI encontraram no Brasil as condições necessárias
para reproduzirem seus jogos e brincadeiras.
Como dissemos anteriormente, a cultura infantil necessita da oralidade para se
disseminar. Kishimoto (1993) levanta a hipótese das crianças africanas terem
difundidos entre elas o repertório de brincadeiras das crianças brasileiras: “jogos
puramente verbais talvez tenham encontrado barreiras na linguagem, dificultando o
processo de transmissão” (KISHIMOTO, 1993, p. 28). Com o passar do tempo e a
mistura de etnias nos engenhos, as crianças que nasciam recebiam desde cedo a
influência das culturas portuguesa, indígena e africana.

9
RECREAÇÃO E LAZER

Crianças Africanas dançando ao som de tambores. Fonte: youtube.com.br

Se nas brincadeiras, as crianças adotavam o repertório cultural de onde viviam,


na literatura oral elas mantinham suas raízes, pois suas mães jamais deixavam de
transmitir às crianças as histórias de suas terras. Conforme escreve Câmara Cascudo
(1958), o traço marcante do africano permaneceu presente na educação das crianças
africanas, haja vista, a utilização de elementos naturais ser prática universal de quase
todos os povos, podendo ser vista nos dias atuais no continente africano.
Kishimoto (1993, p. 29), comenta a confecção de um brinquedo comum no
século XVII, a espingarda de bananeira:

Para confeccioná-lo, basta fazer uma série de incisões no talo da bananeira,


deixando os fragmentos presos pela base. Ao levantar todos esses pedaços,
seguros por uma haste, e ao passar a mão ao longo da haste, fazendo-os
cair, eles soltam um ruído seco e uníssono, simulando o tiro de espingarda.
Nas brincadeiras de guerra, a espingarda de bananeira foi uma das armas
preferidas de seu avô materno, nascido em 1825.

10
RECREAÇÃO E LAZER

O avô materno a que se refere Kishimoto, é o de Câmara Cascudo. Usar como


fonte de pesquisa a vida particular de um personagem ou ator social (como designa a
Psicologia Social), não é privilégio somente da metodologia conhecida como História
de Vida. Kishimoto (1990, 1993), se utiliza de romances, contos, lendas e biografias
para reconstruir historicamente as brincadeiras de crianças negras-escravas e as
demais que viviam nos engenhos-de-açúcar. A infância representada pela autora é a
da casa-grande e senzala, dos canaviais e engenhos-de-açúcar, e entender a
dinâmica relacional dessa sociedade passa ser fundamental para a compreensão das
atividades lúdicas praticadas pelas crianças.

A vida nos engenhos-de-açúcar refletia o modo como a sociedade brasileira


estava organizada, um regime escravocrata e patriarcal, onde à mulher cabia uma
condição secundária na educação dos filhos. Kishimoto (1993) escreve acerca do
cotidiano dessa mulher:

Afastada do convívio da sociedade, das relações sociais em geral, sobravalhe


apenas a companhia das escravas e filhos. Dispondo de educação
doméstica, trancada no interior da casa-grande, sua única função restringiase
a tocar piano, administrar escravas, bordar e cuidar dos filhos. Nem mesmo
a amamentação era feita por ela, e sim pelas escravas, a mãe brasileira
anulava-se, abdicando de seu papel de orientadora, deixando a total
permissibilidade vigorar entre as relações mãe-filho. (KISHIMOTO, 1993, p.
31)

A infância como categoria distinta da idade adulta foi reconhecida em meados


do séc. XVI, conforme aponta Ariès (1978), mas no Brasil esse reconhecimento veio
tardiamente, conforme apontam os trabalhos de Del Priore (1998) e Kishimoto (1990,
1993). A alta mortalidade infantil registrada no período colonial e a forma como as
crianças eram aproximadas dos adultos, apontam para o reconhecimento da infância
como categoria distinta somente em meados do séc. XIX. Em 1845, o Barão de
Lavradio, em uma série de artigos de jornal, aponta as causas da mortalidade infantil
no Rio de Janeiro: o mau tratamento do cordão umbilical, vestuário impróprio, pouco
cuidado no início das moléstias das escravas e as crianças de mais idade, alimentação
desproporcional, insuficiente ou imprópria, desprezo pelas moléstias da primeira
infância. Os problemas de saúde, que refletiam uma desigualdade social, eram
tratados como de origem particular dos adultos que cuidavam das crianças.

11
RECREAÇÃO E LAZER

Os meninos de engenho estavam sempre cercados de meninos-escravos,


viviam soltos, com os meninos escravos exercendo o papel de leva pancada, nada
mais do que uma reprodução, em escala menor, das relações de dominação no
sistema de escravidão, pois o menino branco usava o menino negro como escravo em
suas brincadeiras, conforme lembram Freyre e Veríssimo (apud KISHIMOTO, 1993,
p. 32). Frequentemente os meninos escravos viravam bois de carro, cavalo de
montaria, burros de liteiras, que eram os meios de transporte da época. Aqui temos
um exemplo da relação brincadeira-cultura, sobretudo na função que tem a brincadeira
de colocar a criança em contato com o mundo adulto, seus valores e normas.
As travessuras aumentavam quando da chegada da segunda infância, dos
cinco aos dez anos, quando, segundo Freyre (1963), “os meninos tornavam-se
verdadeiros meninos diabos”, na cidade, o panorama era o mesmo. Citando palavras
do Padre Lopes da Gama, Freyre (1963, p. 411) escreve: “Não compreendia que
deixassem os meninos da família viver pelos telhados como gatos e pelas ruas
empinando papagaios, jogando o pião com a rapaziada mais porca e brejeira”. Para
finalizar a exposição acerca da contribuição da cultura africana, particularmente seus
jogos e brincadeiras, Kishimoto (1993) aponta a dificuldade de se isolar o componente
negro do branco no convívio no engenho-de-açúcar, pois, após séculos de
convivência, as duas culturas misturaram-se, influenciando-se mutuamente. Cita o
exemplo do jogo A-í-u, que consistia:

[...] num pedaço de madeira, com doze partes côncavas, onde colocavam e
retiravam os a-i-u-s, pequenos frutos cor de chumbo, originário da África e de
forte consistência [...] tudo leva a crer que se trate do Wari ou mancala, um
jogo de damas encontrado em várias partes do mundo. (KISHIMOTO, 1993,
p. 58)

O negro acabava por ressignificar jogos do qual participava de forma direta ou


indiretamente, auto afirmando sua cultura e dando novos sentidos aos jogos
portugueses e indígenas com o qual entrava em contato.
Por último, resta analisarmos o elemento indígena nos jogos tradicionais
infantis. Inúmeras são as contribuições da cultura indígena à sociedade brasileira, na
verdade, falar numa sociedade brasileira ou cultura brasileira é impossível sem passar
pelo índio.

A forma de organização social dos índios brasileiros estava intrincadamente


ligada à natureza quando do descobrimento do Brasil, dessa forma, é de se esperar

12
RECREAÇÃO E LAZER

que as atividades lúdicas das crianças indígenas fossem fortemente influenciadas


pelos elementos da natureza, notadamente animais e rios.

Fonte: brasileirinhos.wordpress.com

Assim como ocorreu com a cultura lúdica portuguesa e africana, a indígena foi
marcada pela influência do folclore, essencialmente os contos, lendas e histórias
passadas de pai para filho. Os animais, presentes na cultura indígena, assumiam
papéis mágicos, sendo incluídos nos rituais religiosos de muitas etnias, conforme
lembra Kishimoto (1993, p. 60): “ algumas mães faziam para os filhos brinquedos de
barro cozido, representando figuras de animais e de gente, predominantemente do
sexo feminino”. Esse gosto pela imitação de animais permaneceu na cultura lúdica
infantil ao longo do tempo, sendo transferido para os brinquedos destinados tanto aos
meninos quanto à meninas, como é evidente nas feiras do interior do país, onde se
encontra facilmente brinquedos na forma de macacos, lagartixas, besouros e
tartarugas (FREYRE, 1963; KISHIMOTO, 1993).
Ainda sobre a influência das brincadeiras indígenas na cultura lúdica atual,
Cardim (apud KISHIMOTO, 1993, p. 1), comenta:

Tem muitos jogos ao seu modo, que fazem com muito mais alegria que os
meninos portugueses: nesses jogos arremedam pássaros, cobras e outros
animais [...] os jogos são muito graciosos e desenfadiços, nem há entre eles
desavenças, nem queixumes, pelejas, nem se ouvem pulhas, ou nomes ruins
e desonestos.

13
RECREAÇÃO E LAZER

Como ressaltamos anteriormente, o predomínio de brincadeiras junto à


natureza, nos rios, é característica marcante do brincar indígena. A mistura que ocorre
com os animais e rios tem um registro totêmico nessas culturas, misturando-se, muitas
vezes, com a religião, como é o caso das bonecas. Se a boneca de barro era uma
tradição entre tribos de Roraima, a nossa boneca industrializada recebeu mais
influência das bonecas de pano africanas do que, propriamente, das construídas por
essas tribos, estas, sequer ganhavam forma humana (KISHIMOTO, 1993).
A brincadeira indígena mais conhecida e que, talvez, tenha sido a mais influente
e presente no imaginário brasileiro, é a de arco e flecha. Sabe-se por meio da pesquisa
histórica que essa brincadeira está presente na cultura greco-romana e que foram
encontradas pinturas rupestres de cavernas situadas na região do deserto do Saara,
cerca de 30.000 a.C. (FERREIRA, 1990), portanto, ela não é privilégio de nossos
antepassados indígenas. Cascudo (1958), comenta que em qualquer registro dos
séculos XVI e XVII encontramos relatos de meninos indígenas brincando de arco e
flecha, tacapes e propulsores, ou seja, o arsenal guerreiro de que os pais dispunham.
Retomando as palavras de Plekhánov (apud ELKONIN, 1998), o brinquedo
surge depois da guerra, e esta, depois do trabalho. A brincadeira de arco e flecha tinha
uma conotação diferente para o menino branco e o índio, este, mais do que brincar
com um instrumento adulto, já caçava pequenos animais, abatia aves e tentava
pescar, atividades que mantinham uma estreita relação com o trabalho, preparandoo
para a vida adulta.
A separação adulto-criança, que se acentuou nas sociedades industriais, não
estava presente entre os índios, a criança era integrada em um todo social, não sendo
inserida na divisão do trabalho. Sobre isso, escreve Kishimoto (1993, p. 62): “Se o
curumim auxiliava sua mãe na plantação da mandioca ou na do trigo, para em seguida
ver crescer, chegar a fase da colheita e depois fazer o beiju ou o pão, essa não era a
realidade da maioria das crianças que comprava o pão na padaria.”
Essa proximidade com o mundo adulto, fazia da criança indígena um ser
menos reprimido, pouco lhes restava de proibido e suas investigações acerca da vida
eram incentivadas desde muito cedo, onde “encantos e descobertas podiam se
transformar em traquinagens infantis” (KISHIMOTO, 1993, p. 62).
Kishimoto (1993) cita uma pesquisa etnográfica realizada por Koch-Grünberg
(1974), junto às tribos do estado de Roraima. Embora não especifique a etnia dos
indígenas com quem trabalhou, o autor relata o cotidiano das crianças que lá viviam,
o que nos dá indícios acerca do modo como se organizavam socialmente esses povos.

14
RECREAÇÃO E LAZER

Relata que durante os dois primeiros anos de vida, a criança fica permanentemente
sob os cuidados da mãe ou avó, descansando enquanto permanece amarrada às
costas da mãe, acompanhando-a nas mais diversas atividades, desde o banho no rio
até o trabalho na plantação. Ao crescer, a vida em grupo estimula a cooperação e a
atividade, quando uma criança ganha alguma fruta, imediatamente divide-a com outra.
Koch-Grünberg comenta, também, a ausência de brigas e xingamentos, reflexo do
modo de vida e educação dada às crianças.
A partir dos dois anos a educação de meninos e meninas diferencia-se. A
menina, desde muito cedo, auxilia sua mãe nos serviços domésticos e na plantação,
além de ajudar na criação dos irmãos. Tem pouco tempo livre e, quando o tem, imitam
suas mães, sempre com um fusozinho, preparando pequenas tecelagens. Já o
menino, ganha como primeiro brinquedo um chocalho de cascas de frutas ou unha de
veado que se amarra a uma boneca. Tão logo passa a engatinhar, brinca no chão com
pedrinhas ou pedacinhos de madeira, cava a areia e, às vezes, põe na boca um
punhado de areia, divertindo-se com um inseto amarrado a um fio (KISHIMOTO,
1993).
Koch-Grünberg (apud KISHIMOTO, 1993), relata que viu um indiozinho de
poucos anos de idade montar a cavalo em seu irmão maior, enquanto meninos
maiores de pião e matraca. Entre os wapischana, Grünberg encontrou um brinquedo
presente também no alto do rio Negro:

Trata-se de uma pequena mangueira, trançada elasticamente, como uma


prensa para mandioca. Aberta por um lado, a outra extremidade desemboca
em um aro trançado e a ele ligado, quando se põe o dedo na abertura e se
estica a mangueira pelo aro, esta se contrai e o dedo fica enroscado no
trançado. O dedo só fica livre quando a mangueira se dilata (GRÜNBERG,
apud KISHIMOTO, 1993, p. 65).

Outro jogo observado por Grunberg é o enigma, este jogo consiste em se cortar
um pedaço de cana de forma artística em três partes independentes, e que somente
com muita força se pode separá-las. Outro jogo praticado por tribos como os tapirapé,
taulipáng e xamacocó, é o jogo do fio. Presente até hoje entre os jogos tradicionais
brasileiros, este consiste em se fazer o maior número possível de figuras manipulando
um fio de algodão entre os dedos e pés, chegando a ser praticado entre os adultos
xamacocó.
O que intriga Kishimoto (1993), é que povos muito distantes como os esquimós
do Ártico, os índios da América do Norte e as tribos da África constróem figuras

15
RECREAÇÃO E LAZER

idênticas quando brincam com o jogo do fio, existindo uma sazonalidade na


brincadeira, que só é praticada em determinadas épocas do ano. No Brasil ainda é
possível ver crianças brincando com o jogo do fio. Entre as tribos brasileiras citadas
por Kishimoto (1993), encontrou-se uma variedade de mais de trinta figuras realizadas
no jogo do fio, dentre as mais realizadas estão: o tamanduá-bandeira, o urubu, a
libélula, o morcego, a arraia, a piranha, a mandioca, a rede de dormir, mulheres e o
coito.
Dentre outros jogos presentes entre as crianças indígenas e que se
perpetuaram e incorporaram à cultura lúdica infantil estão o jogo de peteca e o aro.
Existe uma diferença entre a peteca brasileira e a norte-americana, a brasileira, de
origem indígena, era feita de um punhado de pedrinhas envolvidas em folhas e
amarradas em uma espiga de milho (FERREIRA, 1990), ao contrário da americana,
idealizada por João Perrenoud Teixeira e semelhante ao voleibol, com a peteca
substituindo a bola.
Todos os jogos, brinquedos e brincadeiras aqui relatados contribuíram para a
construção da cultura lúdica infantil brasileira, destacando-se na contribuição
indígena, as atividades lúdicas que imitam elementos da natureza, principalmente
animais.

Fonte: sites.google.com

Os jogos e brincadeiras presentes na cultura portuguesa, africana e indígena


acabaram por fundirem-se na cultura lúdica brasileira. Esta cultura lúdica é formada,
entre outras coisas, por jogos geracionais e costumes lúdicos. Dentre os chamados

16
RECREAÇÃO E LAZER

“jogos tradicionais brasileiros”, podemos citar:

a) Queimado/caçador;
b) Carniça;
c) Pique;
d) Cabra-cega;
e) Mamãe posso ir;
f) Peteca;
g) Amarelinha;
h) Chicotinho queimado;
i) Pau de sebo;
j) Cabo de guerra;
k) Totó/Pebolin;
l) Bambolê;
m) Ciranda, cirandinha;
n) Futebol de botão;
o) Peão;
p) Passa anel;
q) Estátua;
r) Palitinhos;
s) Malmequer;
t) Boca de forno;
u) Reco-reco;
v) Escravos de Jó;
w) Papagaio, Pipa, Arraia; Fonte: Kishimoto (1993).

Se tomarmos as afirmação de Benjamim (1984, p. 74): “o brinquedo é um mudo


diálogo da criança com o seu povo", e de Kishimoto (1993, p. 29): “não se pode
escrever uma história dos povos sem uma história do jogo”, veremos que um estudo
detalhado das brincadeiras tradicionais, mais que simplesmente recuperar
comportamentos perdidos no tempo, possibilita o resgate de toda uma cultura infantil,
que se configura como parte irrevogável da identidade de um povo. 1

1Texto extraído parcialmente de


http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1203/1018 Por: Alvaro Marcel Palomo
Alves, Psicólogo, mestre em Psicologia da Infância e da Adolescência pela UFPR. Professor
Assistente da UNIPAN/FACIAP - Cascavel (Pr). E-mail: ampalves@hotmail.com.

17
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: www.luzdegaia.net

1.2 Brincadeiras e brinquedos culturais

Existem brincadeiras e brinquedos que hoje conhecemos por passar de


geração em geração. Possuem várias origens e participaram de várias etapas do
desenvolvimento do país. Hoje, essas brincadeiras fazem parte da cultura do nosso
povo e parte do folclore brasileiro que marcam os períodos por aqui vividos.

Os índios que viviam no Brasil antes do seu período de descobrimento


utilizavam uma trouxa de folha cheia de pedras que eram amarradas numa espiga de
milho. Brincavam de jogar esta trouxa de um lado para outro, chamavam-na de
Pe’teka, que em tupi significa bater.

18
RECREAÇÃO E LAZER

De origem francesa, a amarelinha chegou ao Brasil e rapidamente se tornou


popular. A brincadeira consiste em um desenho formado por blocos numerados de 1
a 9, com semicírculos nas extremidades que são jogados com uma pedrinha que deve
obedecer as paredes de cada bloco.

Cerca de 1000 anos antes de Cristo a pipa era utilizada como forma de
sinalização, mas ao chegar ao Brasil, trazida pelos portugueses, a pipa se tornou
somente uma forma de diversão. Ela voa através da força dos ventos e é controlada
por uma corda que permite ao condutor deixá-la cada vez mais alta ou mais baixa.

19
RECREAÇÃO E LAZER

A ciranda, que é a dança mais famosa do Brasil, foi trazida de Portugal como
dança adulta, mas logo sofreu transformações e passou a alegrar as brincadeiras
infantis. É bastante utilizada ainda hoje em escolas, parques e espaços que prezam
as brincadeiras antigas, passando-as às novas gerações, mostrando sua importância
folclórica e cultural.

O jogo do osso de origem pré-histórica também é bastante passado aos netos


pelos avós. Consiste em jogar um objeto para o alto e pegar outro em seu lugar
fazendo um jogo de malabarismo.2

1.3 DEFINIÇÕES ENTRE BRINQUEDO, BRINCADEIRA E JOGO

Brinquedo, brincadeira e jogo são termos que podem se confundir, uma vez que
a sua utilização varia de acordo com o idioma utilizado. Bomtempo e cols (1986),
Kishimoto (1994), Brougère; Wajskop (1997) e Baptista da Silva (2003) discutem as
dificuldades existentes na definição dessas palavras nas línguas francesa, inglesa e
portuguesa. Segundo os autores, cada idioma possui particularidades na utilização
das mesmas, o que as faz diferirem entre si.
Para a caracterização do objeto lúdico, cada idioma possui um termo próprio,
que identifica e designa o material concreto utilizado na brincadeira infantil. O vocábulo
brinquedo, utilizado no português, é jouet no francês e toy na língua inglesa, com clara
distinção semântica.

2DANTAS, Gabriela Cabral da Silva. “Brincadeiras e Brinquedos culturais"; Brasil Escola. Disponível
em: https://brasilescola.uol.com.br/cultura/brincadeiras-brinquedos-culturais.htm. Acesso em 05 de
agosto de 2019.

20
RECREAÇÃO E LAZER

Quanto à designação dos verbos brincar e jogar, existem dificuldades na sua


utilização. Enquanto no português há uma definição que distingue as duas ações, no
inglês e no francês ambas têm diversos significados, muitos dos quais diferentes da
ação lúdica infantil. No inglês, o termo game designa o ato de jogar e se refere mais
especificamente aos jogos de regras, entretanto, ele pode se confundir e ter o mesmo
significado de play, que indica o brincar, a ação da brincadeira. A língua francesa
designa o termo jouer para as ações de brincar e de jogar, não fazendo distinção
semântica entre elas. Tanto no inglês quanto no francês, os vocábulos que designam
as ações de brincar e de jogar também têm outros significados. Eles também podem
ser utilizados para tarefas como representar, tocar instrumentos e uma gama imensa
de atividades, diferentes da ação lúdica infantil.
A palavra em português que indica a ação lúdica infantil é caracterizada pelos
verbos brincar e jogar, sendo que brincar indica atividade lúdica não estruturada e
jogar, atividade que envolve os jogos de regras propriamente ditos. Baptista da Silva
(2003) afirma que os verbos brincar e jogar, em português, não têm significados tão
amplos quanto os seus correspondentes em inglês e francês. A mesma autora aborda
que, no cotidiano da língua portuguesa, os verbos brincar e jogar também podem ter
outros sentidos, entretanto, seu significado principal está relacionado à atividade
lúdica infantil. Ainda na língua portuguesa, existe uma falta de discriminação na
utilização dos termos brincar e jogar. Mesmo estando o termo jogar diferenciado de
brincar pelo aparecimento das regras, a utilização de ambos, muitas vezes, se
confunde.

Fonte: maesamigas.com.br

21
RECREAÇÃO E LAZER

Para esclarecer essa polissemia dos termos, Henriot (1983, 1989), Brougère
(1998) e Baptista da Silva (2003) dissertam sobre a necessidade de investigar a
utilização dessas palavras no contexto social e cultural no qual se encontram e são
empregadas. Biscoli (2005) tenta definir a diferenciação entre brincar e jogar pelo
aparecimento de regras. Conforme a autora, a utilização de regras pré-estabelecidas
designa o ato de jogar. “A brincadeira é a ação que a criança tem para desempenhar
as regras do jogo na atividade lúdica. Utiliza-se do brinquedo, mas ambos se
distinguem” (BISCOLI, 2005; p. 25).
Como se pode depreender, até este ponto, definir o que é brincadeira não é
uma tarefa simples, pois o que pode ser considerado como brincar, em determinado
contexto, pode não o ser em outros. Kishimoto (1994) conceitua o brinquedo como o
objeto suporte da brincadeira. Brougère; Wajskop (1997) vão um pouco mais além,
quando consideram o brinquedo um objeto cultural que, como muitos objetos
construídos pelos homens, tem significados e representações. Esses significados e
representações podem ser diferentes, de acordo com a cultura, o contexto e a época
no qual estão inseridos os objetos. Por exemplo, a boneca Barbie representa o padrão
de beleza feminina para a atual sociedade ocidental, todavia, em épocas passadas,
ela poderia representar falta de saúde e raquitismo. Para Sutton-Smith (1986), o
brinquedo é o produto de uma sociedade e, como objeto lúdico da infância, possui
funções sociais.
Quanto à função do brinquedo, Brougère e Wajskop (1997) esclarecem que ele
tem um valor simbólico que domina a função do objeto, ou seja, o simbólico torna-se
a função do próprio objeto. Um cabo de vassoura pode exemplificar esta relação entre
função e valor simbólico. A função de um cabo de vassoura pode mudar nas mãos de
uma criança que, simbolicamente, o transforma em um cavalo.

Fonte: colegiosantaluzia.com/

22
RECREAÇÃO E LAZER

Portanto, a função do brinquedo é a brincadeira. O brinquedo tem como


princípio estimular a brincadeira e convidar a criança para esta atividade. A brincadeira
é definida como uma atividade livre, que não pode ser delimitada e que, ao gerar
prazer, possui um fim em si mesma. Um elenco de autores como Bomtempo e cols
(1986), Friedmann (1996), Negrine (1994), Kishimoto (1999), Alves (2001), e Dohme
(2002) confirmam e reforçam a afirmativa anterior. Bomtempo e cols (1986) colocam
que a brincadeira é uma atividade espontânea e que proporciona para a criança
condições saudáveis para o seu desenvolvimento biopsicossocial. Friedmann (1996)
inclui que a brincadeira tem características de uma situação não estruturada. Para
Kishimoto (1999) o brincar tem a prioridade das crianças que possuem flexibilidade
para ensaiar novas combinações de idéias e de comportamentos. Alves (2001) afirma
que a brincadeira é qualquer desafio que é aceito pelo simples prazer do desafio, ou
seja, confirma a teoria de que o brincar não possui um objetivo próprio e tem um fim
em si mesmo.
A perspectiva sócio-cultural estuda o brincar a partir da concepção de que é o
social que caracteriza a ação na atividade lúdica do sujeito. Vygotsky (1991) seguido
de Leontiev (1994) e Elkonin (1998) são representantes desta perspectiva que teve
base na sociedade soviética. Dias Facci (2004) concordando com as concepções de
Vygotsky (1991), Leontiev (1994) e Elkonin (1998), afirma que é a percepção que a
criança tem do mundo dos objetos humanos que irá definir os conteúdos da
brincadeira. A autora ainda completa que o brincar “é influenciado pelas atividades
humanas e pelas relações entre as pessoas” (DIAS FACCI, 2004; p.69).
Nos relatos sobre a brincadeira infantil Vygotsky (1991) afirma que esta é uma
situação imaginária criada pela criança e onde ela pode, no mundo da fantasia,
satisfazer desejos até então impossíveis para a sua realidade. Portanto, o brincar “é
imaginação em ação” (FRIEDMANN, 1996). Para Vygotsky (1991) a brincadeira nasce
da necessidade de um desejo frustrado pela realidade. Elkonin (1998) amplia essa
sentença quando afirma que os objetos, ao terem seus significados substituídos,
transformam-se em signos para a criança. Desta forma, “a criança não faz distinção
entre o brinquedo e o que ele significa, mas a utilidade que terá nas representações
que serão feitas com ele” (BISCOLI, 2005; p. 29).
Vygotsky (1991) também afirma que a brincadeira, mesmo sendo livre e não
estruturada, possui regras. Para o autor todo tipo de brincadeira está embutido de
regras, até mesmo o faz-de-conta possui regras que conduzem o comportamento das
crianças. Uma criança que brinca de ser a mamãe com suas bonecas assume

23
RECREAÇÃO E LAZER

comportamentos e posturas pré-estabelecidas pelo seu conhecimento de figura


materna. Para Vygotsky (1991) o brincar é essencial para o desenvolvimento cognitivo
da criança, pois os processos de simbolização e de representação a levam ao
pensamento abstrato. Elkonin (1998) avançando nos estudos de Vygotsky elaborou a
lei do desenvolvimento do brinquedo. Para este autor o brincar passa por momentos
evolutivos. A brincadeira vai de uma situação inicial, onde o papel e a cena imaginária
são explícitas e as regras latentes, para uma situação em que as regras são explícitas
e o papel e a cena imaginária latentes.
Existe uma linha muito tênue que diferencia a brincadeira do jogo.
Pesquisadores como Negrine (1994), Friedmann (1996), Baptista da Silva (2003),
Biscoli (2005) e o próprio Vygotsky (1991) não fazem diferenciação semântica entre
jogo e brincadeira. Estes autores utilizam ambas as palavras para designar o mesmo
comportamento, a atividade lúdica. Negrine (1994), acrescenta que o termo jogo vem
do latim iocus e significa diversão, brincadeira. Entretanto existem algumas
características que podem diferenciar o jogar do brincar. Brougère e Wajskop (1997)
afirmam que a brincadeira é simbólica e o jogo funcional, ou seja, enquanto a
brincadeira tem a característica de ser livre e ter um fim em si mesma, o jogo inclui a
presença de um objetivo final a ser alcançado, a vitória. Este objetivo final pressupõe
o aparecimento de regras pré-estabelecidas. Estas regras geralmente já chegam
prontas às mãos da criança. As regras dos jogos têm relação íntima com as regras
sociais, morais e culturais existentes. O jogo de xadrez é um exemplo disso, uma vez
que, quanto maior a grau de poder da peça maiores são as possibilidades de ações
junto ao jogo.
Mesmo as regras chegando prontas às crianças, estas têm a liberdade e a
flexibilidade de aceitar, modificar ou simplesmente ignorá-las. Isto pode depender do
contexto no qual a criança estará inserida e dos parceiros dos jogos. O objetivo final
de uma criança perante um jogo é a vitória sobre o oponente, entretanto, mesmo que
a criança não vença, o prazer usufruído durante o jogo pode fazer com que a criança
retorne a jogar (BROUGÈRE 1998). Portanto, o prazer do jogo pelo jogo faz com que
esta atividade tenha um fim em si mesma, não importando mais a vitória final, mas sim
o processo. Estas características, de flexibilidade, de prazer e de fim em si mesmo,
fazem com que o jogar se confunda com o brincar, ou melhor, o brincar e o jogar
passam a ser indistintos.
Pelos relatos anteriores pode-se perceber que, a concepção dos termos
depende não somente da perspectiva utilizada pelo autor, mas também dos seus

24
RECREAÇÃO E LAZER

objetivos de investigação. Autores como Vygotsky (1991), Leontiev (1994), Elkonin


(1998), Brougère (1998), Dias Facci (2004) e Biscoli (2005) mantém os estudos
centrados na influência que a cultura e a sociedade exercem no brincar. Tanto que
afirmam em seus conceitos ser a brincadeira um resultado da construção histórica e
cultural da sociedade.
Já, autores como Negrine (1994), Friedmann (1996), Bomtempo (1997),
Kishimoto (1999) e Dohme (2002) ao conceituarem brincadeira procuram identificar as
suas características. Estes autores não negam a influência social e cultural do brincar,
mas focam suas pesquisas principalmente em estudar as características e influências
comportamentais e desenvolvimentais da brincadeira. Percebe-se portanto a
necessidade de os autores e pesquisadores exporem de forma clara os pressupostos
teóricos que estão embasando seus estudos e conceitos bem como seus objetivos,
uma vez que isto conduzirá e orientará os resultados de suas pesquisas.
Tendo em vista a necessidade de uma exposição conceitual, se faz necessário
que este trabalho também apresente quais as suas definições a respeito dos termos
brinquedo, brincadeira e jogo. Como o objetivo deste trabalho é o de apresentar
evidências sobre as contribuições que a brincadeira oferece ao desenvolvimento
infantil e à aprendizagem no contexto escolar, este estudo estará focado nas
influências e características do brincar. Para tanto, o termo brinquedo será entendido
como o objeto suporte para a brincadeira, ou seja, o objeto que desencadeia, pela sua
imagem, a atividade lúdica infantil. Brincadeira será a descrição de uma atividade não
estruturada, que gera prazer, que possui um fim em si mesma e que pode ter regras
implícitas ou explícitas. O jogo, como objeto, será caracterizado como algo que possui
regras explícitas e préestabelecidas com um fim lúdico, entretanto, como atividade
será sinônimo de brincadeira.3

2 OS JOGOS E BRINCADEIRAS NOS ESPAÇOS DE ATUAÇÃO


PROFISSIONAL

Atualmente, o jogo é um tópico de pesquisa crescente. Há várias teorias que


procuram estudar alguns aspectos particulares do comportamento lúdico.

3Texto extraído parcialmente de http://www.revispsi.uerj.br/v7n1/artigos/pdf/v7n1a09.pdf Por: Scheila


Tatiana Duarte Cordazzo *,I ; Mauro Luís Vieira **,II - I Doutoranda em Psicologia pela Universidade
Federal de Santa Catarina - UFSC II Professor Doutor do Departamento de Pós-Graduação em
Psicologia da UFSC

25
RECREAÇÃO E LAZER

Primeiro vamos entender o que significa ludicidade. Para Santos (1999, p.


49) É uma experiência vivenciada que nos dá prazer ao executá-la. Por meio da
ludicidade a criança se relaciona com o outro e aprende a ganhar e perder, a respeitar
a ordem na fila, a aceitar as frustrações, e a expressar as suas emoções.
Qualquer atividade que cause uma experiência positiva, divertida e prazerosa
pode-se chamar de lúdica. Percebemos a importância de oportunizar ao educando
momentos de prazer e de experiências lúdicas, experiências que são capazes de
contribuir para o convívio social na escola e na sociedade.

Fonte: modernaeducacional.com

Brincar faz parte do esforço infantil para entender o mundo. A menina que
cuida de sua boneca, imita a mãe; as crianças que brincam de trabalhar com os pais,
estão, na verdade, tentando entendê-los, em princípio como pessoas, mas também
por suas ocupações, identificando seus atos (GARCIA & MARQUES, 2001).
Brincar é a atividade principal da criança, e é brincando que ela interage com
o mundo a sua volta, expressando seus valores, maneiras de pensar e agir. O jogo e
a brincadeira, além de educar, satisfazem uma necessidade natural (interior) da
criança. É uma atividade física e mental que integra várias dimensões do
desenvolvimento humano (cognitiva, afetiva e psicomotora). As atividades lúdicas são
formas de expressar a corporeidade, e desta forma a criança está operando sobre
objetos, interagindo com colegas e professor, desenvolvendo estruturas mentais,
sócio-afetivas e motoras (BURGOS, 1997).

26
RECREAÇÃO E LAZER

As escolas necessitam cultivar a espontaneidade, diálogo, convivência em


grupo, pois as crianças geralmente não brincam sozinhas, sendo que o jogo
proporciona oportunidades para ela pensar e falar, saber combinar momentos de
brincadeiras livres (lazer) e atividades orientadas (escola) (KISHIMOTO, 1998).
Conforme Almeida (2000), a ludicidade contribui e influencia na formação do
aluno, possibilitando uma evolução constante no conhecimento. Contudo o mesmo só
será garantido se o educador estiver preparado para realizá-lo. Santos (2001, p.14)
confirma que “a aceitação da ludicidade, por parte dos professores, não garante uma
postura lúdico-pedagógica na sua atuação”.
O jogo propicia um ambiente favorável ao interesse da criança, não apenas
pelos objetos que o constituem, mas também pelo desafio das regras impostas por
uma situação imaginária.
Rizzo (1996), cita alguns procedimentos que auxiliam ao educador na
realização de jogos, sendo que alguns destes itens são comuns a qualquer disciplina:

• Incentivar a ação do aluno;


• Apoiar as tentativas do aluno, mesmo que os resultados, no momento, não
pareçam bons;
• Incentivar a decisão em grupo no estabelecimento das regras;
• Apoiar os critérios escolhidos e aceitos pelo grupo para decisões, evitando
interferir ou introduzir a escolha destes critérios;
• Limitar-se a perguntar, frente ao erro ou acerto, se concordam com os
resultados ou se alguém pensa diferente e porquê, evitando apontar ou corrigir
o erro;
• Estimular a comparação, termo a termo, entre grandezas lineares;
• Estimular a tomada de decisões que envolvam sempre que possível avaliação
de grandeza;
• Estimular a discussão de ideias entre os jogadores e a criação de argumentos
para defesa de seus pontos de vista;
• Estimular a criação de estratégias eficientes, discutindo os possíveis
resultados;
• Estimular a antecipação dos resultados, no encaminhamento que se quer dar
a partida;
• Incentivar a criação e uso de sistemas próprios de operar (ação mental).

27
RECREAÇÃO E LAZER

Neste sentido, o jogo, pelo seu caráter propriamente competitivo, apresenta-se


como uma atividade capaz de gerar situações-problema “provocadoras”, onde o
sujeito necessita coordenar diferentes pontos de vista, estabelecer várias relações,
resolver conflitos e estabelecer uma ordem.
A necessidade de formação lúdica para os professores decorre da
necessidade de preparação por parte desses profissionais para confrontar-se com a
demanda de alunos querendo uma educação que se desenvolva a partir da diversão,
do jogo e da utilização do brinquedo e das brincadeiras.

2.1 Os benefícios para o docente ao utilizar de formas lúdicas em suas aulas

Qual a função do professor perante o lúdico? Um expectador? Ou é aquele que


fará o espetáculo acontecer?
Brougère (1998, p. 122) cita “como, pois, conciliar essa necessidade de jogar
que é irresistível no ser humano com a educação que deve dar-lhe? Muito simples:
fazendo do jogo o meio de educar o aluno”.
A intenção, segundo Moura (1991), parte do professor, sendo estabelecida
segundo seu plano de ensino que esteja vinculado a um projeto pedagógico da escola,
como um todo. O objetivo do jogo é definido pelo educador através de sua proposta
de desencadeamento da atividade de jogo, que pode ser o de construir um novo
conceito ou aplicar um já desenvolvido. Assim sendo, um mesmo jogo pode ser
utilizado, num determinado contexto, como construtor de conceitos e, num outro
contexto, como aplicador ou fixador de conceitos. Cabe ao professor determinar o
objetivo de sua ação, pela escolha e determinação do momento apropriado para o
jogo. Neste sentido, o jogo transposto para o ensino passa a ser definido como jogo
pedagógico.
Através dos jogos e brincadeiras, as crianças se preparam para a vida adulta,
e sabemos o quanto é necessário ensinar e aprender a conviver, uns com os outros,
na sociedade, pois as brincadeiras tem um grande poder educativo. Para isso, é
preciso criar uma pedagogia baseada no respeito, ajuda mútua, cooperação e no
amor, os seres humanos precisam de alegria para viver com plenitude (SOLER 2005).

28
RECREAÇÃO E LAZER

Conforme as orientações dos novos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’


s, MEC, 1998, p.47), as atividades com jogos podem representar um importante
recurso pedagógico, já que:
“Os jogos constituem uma forma interessante de propor problemas, pois
permitem que estes sejam apresentados de modo atrativo e favorecem a criatividade
na elaboração de estratégias de resolução e busca de soluções. Propiciam a
simulação de situações-problema que exigem soluções vivas e imediatas, o que
estimula o planejamento das ações”
Além disso, nos PCN's existe a defesa de que os jogos podem contribuir na
formação de atitudes – construção de uma atitude positiva perante os erros, na
socialização (decisões tomadas em grupo), enfrentar desafios, desenvolvimento da
crítica, da intuição, da criação de estratégias e dos processos psicológicos básicos.
Muitas vezes os educadores tentam utilizar jogos em sala de aula sem, no
entanto, entender como dar encaminhamento ao trabalho, depois do jogo em si.
Também, nem sempre dispõem de subsídios que os auxiliem a explorar as
possibilidades dos jogos e avaliar os efeitos dos mesmos em relação ao processo
ensino-aprendizagem. A grande maioria ainda vem desenvolvendo as atividades com
jogos espontaneamente, isto é, com um fim em si mesmo, “o jogo pelo jogo” , ou
imaginando privilegiar o caráter apenas motivacional.
A mediação do docente com seu aluno na hora do jogo é muito importante e
deve ser feita no momento certo. Assim o aluno assimilará melhor o conteúdo
trabalhado, poderá vivenciar, descobrir, criar e recriar regras.
Conforme Spodek e Saracho (1998) pode haver dois modos de mediação por
parte do professor durante o jogo ou brincadeira: o participativo e o dirigido. Sendo
que no modo participativo a mediação visa à aprendizagem incidental, ao encontrar
um problema os alunos tentam, junto com o professor, encontrar a solução. Já no
modo dirigido o professor utiliza o lúdico para inserir a aprendizagem dos conteúdos
e dirigir as atividades para situações lúdicas.
Independente dos modos de mediação o professor precisa ter em mente que o
lúdico deve ser encarado com muita seriedade, ou seja, o professor que irá utilizar o
lúdico em suas aulas deve saber planejar, organizar o ambiente e os materiais e ter
consciência da funcionalidade motivadora do lúdico e sua contribuição no
desenvolvimento de seus alunos. O professor não deve utilizar o lúdico para preencher
o tempo livre após uma explicação ou avaliação e sim utilizá-lo como fim pedagógico.

29
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: efikazcursos.com.br
Conforme Dohme (2003), a partir daí o aluno passa a ver o professor de uma
forma mais próxima, não é o adulto que espera dele um comportamento sério que o
faça compreender as “coisas difíceis” que eles estão ensinando. Mas é o adulto que
de forma leve e alegre entra no “mundo da criança” para transmitir aquilo que sabe.
Dessa forma, atividades lúdicas, entre elas os jogos, quando bem orientadas,
tem ação preventiva e terapêutica, criando associações emocionais agradáveis que
favorecem a autoestima, os laços de companheirismo e a aprendizagem, por
produzirem equilíbrio entre as exigências e o prazer.
Professores são os profissionais preparados para auxiliar o aluno em seu
processo de aprendizagem, selecionando e organizando as informações e
direcionando as atividades escolares. Entretanto, suas vivências anteriores, pessoais
e como alunos, sustentam sua ação docente.
Ao utilizar o lúdico em sala, o professor precisa ter a consciência de que o
mesmo pode dar ou não os resultados esperados, uma vez que a atividade proposta
estará envolvida com múltiplos fatores, os quais irão variar de acordo com o grupo,
cabendo ao professor adaptar conforme o grupo com o qual pretende trabalhar, para
que isso ocorra com sucesso é necessário que o professor esteja capacitado, e,
sobretudo, consciente de que atividades e experiências alternativas, como o lúdico,
promovem a aprendizagem no aluno. Conforme aponta Carneiro (2011), “falta preparo
aos profissionais que atuam no mercado, mas acima de tudo, falta disponibilidade
para mudar”.
Segundo Moratori (2003, p.14), ao optar por uma atividade lúdica o educador
deve ter objetivos bem definidos. Esta atividade pode ser realizada como forma de
conhecer o grupo como qual se trabalha ou pode ser utilizada para estimular o
desenvolvimento de determinada área ou promover aprendizagens específicas (o jogo
como instrumento de desafio cognitivo).
De acordo com seus objetivos, o educador deve:

30
RECREAÇÃO E LAZER

• Propor regras ao invés de impô-las, permitindo que o aluno as elabore e tome


Decisões;
• Promover a troca de ideias para chegar a um acordo sobre as regras;
• Permitir julgar qual regra deve ser aplicada a cada situação;
• Motivar o desenvolvimento da iniciativa, agilidade e confiança;
• Contribuir para o desenvolvimento da autonomia. (MORATORI, 2003, p.14).
A inserção de jogos, segundo Grando (2001, p. 6), no contexto de
ensinoaprendizagem implica em vantagens e desvantagens:

Fonte: crisbelo-pedagogia.blogspot.com/

31
RECREAÇÃO E LAZER

Enfim o lúdico se trabalhado corretamente poderá proporcionar ao professor


resultados satisfatórios quanto ao ensino aprendizagem, desde que o mesmo esteja
preparado e disposto a fazê-lo.

2.2 A importância do lúdico no início da vida escolar

Conforme Mariotti (2004, p. 32), o jogo é a atividade primordial da infância, ao


mesmo tempo espontânea, prazenteira criativa e elaboradora de situações. É uma
linguagem, uma das principais formas de relação da criança consigo mesma, com os
demais e com os objetos do mundo que a rodeia.
Com o jogo a criança aprende a se defender e aquela máscara que costuma
defendê-la dos mais velhos, começa a cair.
Segundo Murcia (2005, p. 74), Jogo é um meio de expressão e comunicação
de primeira ordem, de desenvolvimento motor, cognitivo, afetivo, sexual e socializador
por excelência. É básico para o desenvolvimento da personalidade da criança em
todas as suas facetas. Pode ter fim em si mesmo, bem como ser meio para a aquisição
das aprendizagens. Pode acontecer de forma espontânea e voluntária ou organizada,
sempre que respeitando o princípio da motivação.
O jogo é uma atividade lúdica que sempre estará presente na vida do ser
humano, apresenta inúmeras formas de realização e auxilia no desenvolvimento da
criança, principalmente na construção e entendimento das regras.
Segundo Vygotsky (1991), durante a pré-escola ou em idade escolar, as
habilidades conceituais da criança são ampliadas a partir do brinquedo, do jogo, e,
portanto, do uso da imaginação. Segundo ele, ao brincar, a criança está sempre acima
da própria idade, acima de seu comportamento diário, maior do que é na realidade.
Assim sendo, quando a criança imita os mais velhos em suas atividades culturalmente
e/ou socialmente padronizadas, ela gera oportunidades para o seu próprio
desenvolvimento intelectual.
Sendo assim o jogo lúdico é uma atividade que tem valor educacional
intrínseco. Leif (1978), diz que "jogar educa, assim como viver educa: sempre sobra
alguma coisa".
A utilização de jogos educativos no ambiente escolar traz muitas vantagens
para o processo de ensino e aprendizagem, entre elas:

• O jogo é um impulso natural da criança funcionando assim como um grande


motivador;

32
RECREAÇÃO E LAZER

• A criança através do jogo obtém prazer e realiza um esforço espontâneo e


voluntário para atingir o objetivo do jogo;
• O jogo mobiliza esquemas mentais: estimula o pensamento, a ordenação de
tempo e espaço;
• O jogo integra várias dimensões da personalidade: afetiva, social, motora e
cognitiva;
• O jogo favorece a aquisição de condutas cognitivas e desenvolvimento de
habilidades como coordenação, destreza, rapidez, força, concentração, etc.
O brincar não visa somente à busca do prazer, ele está ligado também aos
aspectos do desenvolvimento físico e da atividade simbólica. O aspecto físico abrange
as habilidades motoras e sensoriais que a criança necessita desenvolver para
sobreviver e adaptar-se, enquanto o desenvolvimento das habilidades linguísticas,
cognitivas e sociais pode ser observado pelo brincar simbólico. Pelo faz-de-conta, as
crianças testam e experimentam os diferentes papéis existentes na sociedade e, com
isso, desenvolvem suas habilidades. Com o avançar da idade o faz-de-conta declina
e começam a aparecer brincadeiras que imitam cada vez mais o real e os jogos de
regras (CORDAZZO, VIEIRA, 2008).
Segundo Freire (2007), as habilidades motoras precisam ser desenvolvidas,
mas devem estar claras quais serão as consequências disso do ponto de vista
cognitivo, social e afetivo. Sem se tornar uma disciplina auxiliar de outras, a Educação
Física precisa garantir que as ações físicas e as noções lógico-matemáticas que a
criança usará nas atividades escolares e fora da escola possam se estruturar
adequadamente. A Educação Física e o jogo não são as únicas soluções para os
problemas pedagógicos, mas diante das características da criança na primeira
infância, não há por que não valorizá-las. Se o contexto for significativo para a criança,
o jogo, como qualquer outro recurso pedagógico, tem consequências importantes em
seu desenvolvimento.4

4 Texto extraído de https://www.efdeportes.com/efd186/jogos-e-brincadeiras-em-aula.htm

33
RECREAÇÃO E LAZER

3 O JOGO E A BRINCADEIRA COMO CONTEÚDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA


ESCOLAR E SUAS RELAÇÕES COM AS QUESTÕES ÉTNICOS RACIAIS E DE
GÊNERO.

Nos últimos anos as atividades recreativas e a Educação Física Escolar vem


ganhando mais enfoque sendo discutida em seminários, congressos e fazendo parte
da lista de preferências em estudos e pesquisas acadêmicas.
Para Cavallari e Zacharias a atividade que a pessoa pratica e através da qual
ela consegue atingir a sua recreação chamamos de atividade lúdica ou atividade
recreativa.
Para Silva e Gonçalves (2010 Pág. 29) as atividades recreativas têm uma
importância na formação de todo ser humano, compreendendo seu desenvolvimento
integral (motor,social e cognitivo).
Uma das motivações para esse crescimento é a percepção da importância
dessa prática em todos os momentos da educação básica, inclusive na educação
infantil.

Fonte: pinterest.com

Para Freire, as crianças brincam, e com muita intensidade em sua fase


préescolar e brincam, também, quando não estão em horário de aula. As crianças são
especialistas em brincadeira.

34
RECREAÇÃO E LAZER

Com isso se faz necessário, quando pensamos em atividade física escolar,


principalmente para a educação infantil, pensarmos em atividades recreativas.
Não cabe ao nosso objetivo, nesse texto, abordarmos a importância da
educação física nesse período ou quem deve aplicar as aulas, e sim a relevância que
a atividades recreativas devem ter nesse período escolar. Falamos de um momento
onde o movimento é de extrema importância para o futuro da criança.
Desenvolver habilidades e capacidades nos primeiros anos de vida pode trazer
benefícios no futuro. E, sem dúvida, a melhor forma de trabalhar como os “pequenos”
é através de brincadeiras.
Bem melhor que trabalhar a velocidade e resistência com corridas pela quadra
é fazer um pic-pega temático com animais, por exemplo.
E quando trabalhar a lateralidade fazer um pic-linha onde os alunos só podem
se deslocar andando em cima da linha. Enfim, trabalhar as competências necessárias
para essa idade de forma que as crianças sintam-se motivadas a participar das
atividades e, às vezes, sem mesmo perceber o que está sendo trabalhado.
Para os alunos do Ensino Fundamental é necessário pensar em qual período
de sua maturidade está e assim desenvolver atividades que agrade e conquiste os
objetivos previstos para aquela fase. Do 1° ao 9° ano muita coisa muda e as atividades
também deve mudar.
Para a primeira fase, Fundamental I (do 1° ao 5° ano), podemos ter como
exemplo estabelecer atividades recreativas em dois momentos:

– nos três primeiros anos (1° ao 3° ano) atividades envolvendo grandes e


pequenos jogos, gincanas e jogos competitivos, Exemplos:
Pic Hot Dog: 3 momentos

Primeiro momento: explicação que a atividade consiste em um pic pega que funciona
da seguinte maneira – o pegador estará correndo para pegar os fugitivos, ao pegar
essa pessoa ficará sentada com as pernas estendidas, ela estará simbolizando uma
salsicha.
Para ela voltar ao jogo duas pessoas devem sentar ao seu lado, simbolizando as duas
fatias do cachorro quente. Quando forma um cachorro quente elas voltam ao jogo.
Segundo momento: troque os pegadores a cada 2 minutos para dinamizar a
atividade.

35
RECREAÇÃO E LAZER

Terceiro momento: poderá ser colocados mais ingredientes do cachorro quente,


como o molho. Assim três pessoas deverão sentar para que a pessoa que foi pega
volte ao jogo.
Material: nenhum

Nunca Três: 3 momentos

Primeiro momento: comece relatando a função do jogo e a importância do respeito


as regras para o bom desenvolvimento do jogo. Divida o grupo em duplas e espalhe
as duplas pelo espaço que você tem. Sentados um na frente e outro atrás. O jogo
começa com dois em pé, sendo um pegador e um fugitivo.
Quando o fugitivo sentar atrás de alguém o da frente passa a ser o pegador e que
estava pegando passa a ser o fugitivo.
Segundo momento: após as crianças começarem a entender o jogo comece a
colocar dificuldades como dois pegadores ou fazer com que as duplas fiquem
sentados em roda.
Terceiro momento: coloque as duplas sentadas uma ao lado da outra e fiquem com
as pernas estendidas e unidas. Para o fugitivo colocar alguém no jogo, tem que pular
as pernas da dupla e sentar. A pessoa que estiver sentado do lado contrário é que
tem que sair. Material: nenhum.

– nos dois últimos anos (4° e 5° ano) trabalhar os jogos pré-desportivos e jogos
recreativos. Exemplos:

Basquete Humano

Descrição: Dividir os participantes em duas equipes. Cada equipe deverá escolher


uma pessoa para ficar em cima de uma cadeira, que ficará no campo de defesa do
adversário. O objetivo é levar a bola até o companheiro da equipe que está em cima
da cadeira. Regras: Não pode correr com a bola nas mãos, apenas passar a bola.
Material: Cadeira e bola.

36
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: galeria.colorir.com
HandNet

Descrição: Dividir os participantes em duas equipes. Utilizando uma quadra de


esportes como base, colocaremos um balde com água no lugar do gol e usamos um
sabonete no lugar de uma bola.
Cada equipe terá que levar o sabonete até o balde adversário.
Regras: Não pode correr com o sabonete na mão, tem que passar para um colega de
time. Ganha quem colocar mais sabonetes dentro do balde adversário.
Material: Balde e sabonete sólido.
Importante relatar que não aprofundamos as ideias por que não está nos principais
objetivos dessa pesquisa e sim mostrar alguns caminhos sobre a utilização da
recreação como atividades físicas nas escolas.
As atividades aqui citadas podem servir como exemplo. Basta você, recreador ou
educador, adaptar a sua realidade ou até mesmo recriá-las.5

4 O LAZER E SUAS DIMENSÕES

Toda atividade que a pessoa executa em seu tempo disponível, o lazer, visa
sempre a diversão, descontração, convívio social e que possa proporcionar para o
indivíduo uma sensação de bem estar.

5Texto extraído parcialmente de


http://www.educacaofisica.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=562

37
RECREAÇÃO E LAZER

O lazer ligado ao aspecto tempo, considera as atividades desenvolvidas no


tempo liberado do trabalho, ou no tempo livre ou disponível, não só das obrigações
profissionais, mas também dos familiares, sociais e religiosas (MARCELLINO, 2000).
Utilizar o lazer como veículo educador, e objeto de educação, é instigar nas
crianças, jovens, adolescentes, adultos e idosos o espírito de coletividade, criar
ambientes lúdicos, e que envolvam atividades físicas associadas a momentos de
alegria e diversão. O objetivo deste texto é apresentar de forma breve alguns conceitos
sobre o lazer, suas barreiras e facilitadores, e assim conseguir motivar um maior
número de pessoas a praticarem atividades físicas durante o seu tempo livre.

4.1 Conceitos de lazer

Um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre


vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda,
para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social
voluntária ou sua livre capacidade criadora, após livrar-se das obrigações
profissionais, familiares ou sociais (DUMAZEDIER, 1973).

Fonte: freepik.com

Segundo Marcelino (2000) deve-se levar em conta que, se o conteúdo das


atividades de lazer pode ser altamente “educativo”, também a forma como são
desenvolvidas abre possibilidades “educativas” muito grandes, uma vez que o
componente lúdico, do jogo, do brinquedo, do “faz-de-conta”, que permeia o lazer é

38
RECREAÇÃO E LAZER

uma espécie de denúncia da “realidade”, deixando clara a contradição entre obrigação


e lazer.
O entendimento de esporte como uma manifestação cultural do lazer, pode
se otimizar com pressuposição da existência de espaços de lazer, que sejam bem
distribuídos, corretamente utilizados e com espaços bem delimitados.
Estado de ser da pessoa, aspectos lúdicos, as relações consigo próprio e
com a natura, estilos de vida, observação das atitudes durante o desempenho das
atividades, economia e entretenimento, ecologia e preservação, geografia do espaço
urbano, arte, educação e turismo são variáveis que caracterizam o lazer.
Ter lazer é um dos sonhos mais acalentados dos seres humanos, livre do
interminável mundo das obrigações, livre para buscar aquilo que queremos e investir
o tempo de maneira voluntária e prazerosa, livre para encontrar e aceitar seu lugar no
mundo, enfim, livre para existir em estado de graça (GODBEY, 1990).
O Lazer é uma dimensão da cultura constituída pela vivência lúdica de
manifestações culturais no tempo/espaço conquistado pelo sujeito ou grupo social,
estabelecendo relações dialéticas com as necessidades, os deveres e as obrigações
– especialmente com o trabalho produtivo.” (GOMES, 2004)
Para Bramante (1998) o lazer se traduz por uma dimensão privilegiada da
expressão humana dentro de um tempo conquistado.

4.2 As barreiras do lazer

As barreiras do lazer são fatores que impossibilitam um maior número de


pessoas a vivenciar uma atividade de recreação, lazer e relaxamento.
Como exemplo destas barreiras tem-se os aspectos econômicos, que
acabam permitindo às vezes que somente pessoas de melhores condições
financeiras, tenham acesso a certas opções de lazer. Para ilustrar esse fato pode-se
observar que em geral cinemas, teatros e outros estabelecimentos do gênero são
visitados apenas por um público da sociedade, ocasionalmente a parcela mais rica.
Outro aspecto que inibe a prática do lazer é o sexo, onde por conta do
machismo, o homem ainda atualmente tem mais opções de lazer, ao ser comparado
com a mulher. Desde um simples futebol a uma mesa de bar com os amigos. Enquanto
a mulher permanece sendo desfavorecida devido a sua dupla jornada de trabalho e
as obrigações matrimoniais.
De acordo com Marcellino (2000) a faixa etária também é um aspecto que
dificulta a prática do lazer, visto que as crianças e os idosos são esquecidos. A criança,

39
RECREAÇÃO E LAZER

por não ter ainda entrado no “mercado produtivo”, e os idosos, por já ter saído deste
mesmo “mercado”.
Dessa forma, a classe social, o nível de instrução, a faixa etária, o sexo, entre
outros fatores, limitam o lazer a uma minoria da população, principalmente se
consideramos a frequência na prática e sua qualidade; são indicadores indesejáveis
e necessitam ser atacados por uma política que objetive a democratização cultural
(MARCELLINO, 2000).

4.3 Facilitadores para a prática do lazer

A estimulação da prática do lazer, nas aulas de educação física, não deve ser
apenas um passatempo, ela deve estar focada em conteúdos, e visar o
desenvolvimento integral do aluno. Essa proposta se aplica a população em geral
quando se trata de lazer em locais fora do ambiente escolar.
Com as atividades físicas realizadas durante o lazer, podem-se desenvolver
elementos positivos, como a autonomia, criatividade, felicidade, diversão, igualdade e
integração.

Fonte: hoje.unisul.br

O jogo é uma atividade que pode ser muito importante quando o assunto é prática
do lazer. É uma atividade natural do ser humano e um elemento essencial para a
educação – para qualquer faixa etária. Além de tudo através de jogos é possível atingir
objetivos pedagógicos de forma prazerosa e agradável.
O movimento é a base da maioria das atividades físicas, através dele é
possível explorar o ambiente, e aprender sobre si mesmo e em relação ao mundo ao
seu redor. Desta forma ao praticar atividades ao ar livre, em praças, clubes, ciclovias

40
RECREAÇÃO E LAZER

e em diversos outros ambientes destinados ao lazer o indivíduo está em um processo


de aprendizado constante.
Uma prática orientada de atividades físicas, pode gerar benefícios
relacionados a saúde, desde ao aumento da flexibilidade, força, resistência muscular
e também favorecer a potência aeróbia.

Já no âmbito motor, atividades voltadas ao lazer, quando supervisionadas por


um professor de Educação Física, possibilitam um acréscimo de agilidade, força de
explosão, equilíbrio, melhora no tempo de reação, velocidade e trazendo benefícios
para a coordenação motora (fina e ampla).6

5 LAZER: CONCEITUAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO

A partir de 1970, quando os trabalhos de Joffre Dumazedier e George


Friedmann foram publicados, o lazer tornou-se tema de estudos. Ao tratarem das
questões do trabalho, notaram a crescente importância do tempo do não-trabalho.
Estes estudos serviram de base para o desenvolvimento das discussões sobre
o uso do tempo e as características do trabalho e seus reflexos no desenvolvimento
do lazer. Entretanto, por conta das dúbias interpretações sobre o termo lazer e suas
etimologias, ainda existe uma grande dificuldade na sua quantificação e
caracterização.
Por isso, não há um consenso exato sobre o que é lazer, e muito menos uma
definição aceita por todos os estudiosos da área. As definições acerca deste fenômeno
residem em três abordagens teóricas principais: a primeira teoria diferencia o tempo
de trabalho e o de não trabalho, onde o lazer aparece apenas no tempo livre, ou seja,
após as obrigações familiares, sociais e profissionais, como na definição de
Dumazedier.
A segunda abordagem teórica argumenta que para a realização do lazer não é
necessário um tempo, pois ele é um estado de espírito ou atitude diante do cotidiano.
Por exemplo, o trabalho ao ser realizado com prazer traz autossatisfação para o
indivíduo e, por isso, é considerado lazer. Já a terceira abordagem integraliza as duas
anteriores, onde o lazer inclui o tempo e a atitude na construção de atividades
relevantes para o tempo de trabalho e de não-trabalho (COSTA, 2003).

6 Texto extraído de https://www.efdeportes.com/efd142/pratica-do-lazer-uma-revisao-de-conceitos.htm

41
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: portaleducacao.com.br

Destes conceitos, o mais aceito é aquele que enfatiza a dicotomia entre tempo
de trabalho e de não-trabalho, elaborado por Dumazedier:
[...] um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre
vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda,
para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua livre capacidade
criadora, após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares
e sociais (Dumazedier, 1979, p.34).
Partindo deste conceito, Munné (1980) assinala algumas características
próprias que difere o lazer de outras atividades como liberatória, pessoal, hedonística
e desinteressada. A característica liberatória implica na relação com o trabalho onde,
no lazer, busca-se compensar um esforço que a vida profissional impõe, somando-se
o desgaste físico e emocional do próprio trabalho com as dificuldades de se viver num
grande centro, a insegurança, o barulho, o trânsito, entre outras. É de livre escolha e,
se ocorrer obrigação, deixa de ser lazer.
Também possui característica pessoal, pois as atividades de lazer atendem aos
interesses e necessidades de cada indivíduo, liberando-os do cansaço, da rotina, do
tédio.
É hedonística, pois as atividades de lazer são essencialmente prazerosas,
independente do resultado; o que vale é o objetivo inicial. Assim, pode ser que, no
final da festa a ressaca seja terrível, mas vale como atividade de lazer se o objetivo
inicial era a busca do prazer.

42
RECREAÇÃO E LAZER

É gratuito, ou seja, possui um caráter desinteressado, onde a realização das


atividades de lazer não tem objetivo de remuneração ou outro tipo de ganho
profissional. Por exemplo, a prática de pintar caixinhas de madeira para passar o
tempo e relaxar, é considerado lazer.
E para que serve o lazer? Tomando como base o conceito dumazediano, o lazer
atende as funções de descanso, diversão e desenvolvimento pessoal. O descanso
significa a liberação da fadiga e a reparação da deterioração física e mental,
provocadas pelas tensões das obrigações e do trabalho.
A diversão significa a liberação do tédio, pela mudança da rotina. O
desenvolvimento da personalidade, obtido através de uma participação social, ampla
e livre que levam a uma cultura geral do corpo, da sensibilidade e da razão.

Fonte: omundodolazeredarecreacao.blogspot.com

Uma nova forma de lazer tem sido muito explorada pelos resorts no Brasil. O
fenômeno conhecido como o ócio produtivo ou ócio do aprendizado centra-se no fato
de que os indivíduos ocupam seu período de férias na busca pelo aperfeiçoamento de
seus conhecimentos ou no aprendizado de novas habilidades.
Os meios de hospedagem aproveitam o tempo livre dos hóspedes para
oferecer-lhes algo mais do que água de coco e rede: cursos de equitação, mergulho,
rapel, oficinas de circo, gastronomia, artesanato, entre outros.

43
RECREAÇÃO E LAZER

Entender e analisar a caracterização e conceituação do lazer demonstra porque


é tão importante esta atividade na vida do homem. Se o indivíduo quiser melhorar sua
qualidade de vida, é preciso dedicar mais tempo a estas atividades.
O que nos remete a outra questão: quanto tempo o homem disponibiliza para o
lazer em sua vida diária? Será que há um equilíbrio entre o tempo de trabalho e o
tempo para o lazer?
Estudiosos definiram uma metodologia chamada Orçamento-tempo, que
permite mensurar a sua utilização. Com base em observações diárias de todas as
atividades realizadas, identifica-se como um indivíduo distribui seu tempo para o
trabalho, para as obrigações sociais e pessoais e para o lazer. Esta metodologia serve
para mensurar a utilização do tempo livre.

Deste modo, temos:

TT = TN + [TLB + (TLV)]

Onde,

TT = Tempo Total
TN = Tempo Necessário para as atividades laborais necessárias a conseguir meios
para nossa sobrevivência
TLB = Tempo Liberado do Trabalho é aquele consumido para o cumprimento das
necessidades fisiológicas e sociais impostas.
TLV = Tempo Livre do Trabalho, onde o indivíduo pode, em um tempo livre, optar por
atividades que lhe seja possível exercer.

O tempo total da vida é dividido em dois grandes momentos: o tempo de


trabalho, em que o indivíduo utiliza para suas obrigações profissionais, e o tempo do
não-trabalho, constituído pelo tempo gasto com tarefas pessoais (necessidades
fisiológicas, alimentar-se, dormir), com as obrigações sociais (visita a parentes, festas
de casamento, aniversários, religião, pagar contas etc). Finalmente, obtém-se o tempo
livre, no qual o indivíduo pode desfrutar do lazer, dedicando ao descanso, à distração,
ou mesmo ao desenvolvimento pessoal.
Contudo, este não é um tempo contínuo, está dividido em vários momentos:
diário (após o trabalho, normalmente preenchido com atividades de curta duração,

44
RECREAÇÃO E LAZER

como assistir televisão, ir ao teatro, leituras, entre outros); semanal (envolve um ou 2


dias, permitindo a execução de atividades de lazer no próprio local, como parques,
passeios culturais, museus, exposições, e viagens de fim de semana); férias anuais
(com frequência, este tempo é utilizado para o turismo) e idade não laboral
(corresponde ao período de aposentadoria). Alguns autores discordam que este seja
um tempo livre, pois congrega numa mesma categoria aqueles que ainda não
entraram no setor produtivo, aqueles que estão desempregados e aqueles que já
cumpriram seu tempo de trabalho (ANSARAH,1990).7

6 LAZER E CONSUMO

Nas últimas décadas, a indústria do entretenimento - sinônimo de lazer para


muitos - seduz o consumidor, sugerindo-lhe as sessões adequadas para sua
satisfação.

Vê-se então a ideia reducionista do lazer sendo alimentada e veiculada pelos


meios de comunicação de massa sendo que mal interpretada, a ideia é vendida, na
maioria dos casos, como atividade física/esportiva, artística/cultural, recreativa, ao ar
livre e/ou em espaços intencionalmente construídos para tais fins, com um grande
número de pessoas bonitas e felizes, e uma parafernália de produtos que referenciam,
socialmente, a qualidade de tal lazer.

Capra (1985) comenta a ação sugestionadora dos meios de comunicação de


massa, alertando que a finalidade exclusiva da mídia é o condicionamento do público
ao consumo de toda espécie de bem e/ou serviço, dentre os quais destacamos o lazer.
Ousando ir além, recorro aqui a Ianni (1999), ao entender que na era da globalização,
a mídia representa a articulação entre várias instâncias hegemônicas, assumindo o
papel de príncipe eletrônico. O príncipe é o arquétipo que possui a capacidade de
construir hegemonias, simultaneamente, a organização, consolidação e
desenvolvimento de soberanias. Tipo ideal criado por Maquiavel como figura política,
pessoa, o príncipe assume em Gramsci a identidade do partido político como
intelectual orgânico à classe trabalhadora enquanto que atualmente a mídia assume
a identidade de príncipe eletrônico – expressando segundo Ianni (1999, p. 9) “[...] a

7Texto extraído de https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/turismo-e-


hotelaria/lazerconceituacao-e-caracterizacao/36579#

45
RECREAÇÃO E LAZER

visão de mundo prevalecente nos blocos de poder predominantes, em escala nacional,


regional e mundial, habilmente articuladas.”
Sob esta ótica, o papel assumido pela mídia amplia-se uma vez que pressupõe
a articulação entre várias esferas e instâncias de poder político que exerce influência
relevante na direção e organização da vida social. Em especial, a televisão, como
meio privilegiado - por sua penetração e fascínio - do poder deste príncipe eletrônico
assume dimensões psicossociais, sócio culturais e político-econômicas atingindo
atividades e imaginários individuais e coletivos, sendo um dos principais veículos de
divulgação de posições alienantes sobre o lazer.
Em tal contexto se estabelece um conhecimento restrito dos conteúdos do
lazer, de seus desdobramentos, dos valores que propicia e das atitudes que o envolve
para ajudar na reflexão que envolve o lazer em uma preocupação maior, recorro aqui
a Gutierrez (2001, p. 98).

A discussão sobre a falência do poder macrossociológico determinante da


categoria trabalho, portanto, nos coloca diante da necessidade de encarar a
questão do objeto lazer e procurar situá-la, o mais claramente possível, no
contexto mais amplo da compreensão das relações sociais e políticas
contemporâneas.

Há um escasso domínio e conhecimento sobre as possibilidades, a partir do


lazer, de mudanças de atitudes e valores frente aos grandes problemas sociais como
preconceito, racismo, intolerância de ordem religiosa, sexual, cultural e política entre
outros.
Assim, apesar das crescentes discussões e sua enorme utilização, o conceito
de lazer ainda permanece restrito aos níveis de entendimento que contém em seu
gênero a visão conservadora que não questiona a lógica capitalista e neoliberal de
pensar o mundo. Tal visão pode ser identificada na ótica funcionalista que perpassa o
conceito de lazer e está presente, especificamente, nas abordagens:

46
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: trabalhoealiena.blogspot.com

> Compensatória: que objetiva compensar o que o trabalho retira do indivíduo


e do grupo principalmente através do lazer;
> Utilitarista: que procura recuperar a força de trabalho do sujeito a partir do
lazer desconsiderando todas as outras variáveis que influem nesta recuperação;
> Moralista: através do lazer, objetiva-se afastar as pessoas das drogas lícitas
e ilícitas e dos pensamentos e práticas consideradas perniciosas, discurso bastante
difundido pelos segmentos religiosos e;
> Romântica: cujo entendimento sobre o lazer resguarda um saudosismo
inibidor de novas práticas a partir de uma postura conservadora e às vezes retrograda.

Encaramos como necessidade essencial avançarmos no sentido de um


entendimento mais amplo sobre o lazer que considere suas relações com o mundo do
trabalho e da cultura e, principalmente, suas possibilidades de transformar
qualitativamente a sociedade humana a partir da perspectiva da inclusão sóciocultural
também dos grupos marginalizados como é o caso dos deficientes. Em acordo com
Bramante (1992), o significado do lazer deve ser debatido tanto no âmbito do senso
comum como no da própria universidade para que todos possam compreender sua
importância na vida do indivíduo e da coletividade na sociedade contemporânea,
notadamente, nos países do terceiro mundo onde o lazer torna-se muito mais uma
aspiração do que uma realidade.
A partir de uma visão materialista-dialética, o lazer, para as massas excluídas,
apresenta-se unicamente como uma possibilidade/aspiração e não enquanto uma
realidade histórica. Faz-se mister à reflexão e discussão sobre o lazer, sem que haja

47
RECREAÇÃO E LAZER

discriminação para que ocorra uma contraposição ao discurso hegemônico acerca da


temática. Gutierrez (2001, p. 99) chama a atenção discorrendo sobre a dificuldade de
situar o lazer, enquanto objeto, em algum espaço delimitado da academia.

De uma forma geral, existe uma tendência bastante visível da pesquisa em


sociologia do lazer, seja recuperando o trabalho de autores como Norbert
Elias, ou pela vertente da pesquisa de questões culturais, numa perspectiva
pós-modernidade ou não. [...] trata-se, neste momento, de um objeto
pesquisado multidisciplinar e que ainda não foi monopolizado por nenhum dos
campos acadêmicos constituídos tradicionalmente

No intuito de apresentar uma definição escolhemos perspectivar o lazer


enquanto tudo aquilo que se constitui em valor positivo, fim ou objetivo da ação
humana. Como qualquer atitude e/ou atividade que proporcione bem-estar, vivenciada
no tempo disponibilizado para tal. Tanto seja uma atitude/ação prática quanto
contemplativa e que, referente aos conteúdos que a envolve, venha abranger os
propósitos que formam a globalidade do ser humano como os aspectos lúdicos,
intelectuais, interativos, criativos, estético, físico-esportivos, artísticos, sócioculturais,
afetivos, político, econômicos e todos se inter-relacionando.
Sobre o tempo disponível reservado ao lazer, o conceito aqui utilizado é aquele
momento/tempo diferente do tempo dedicado ao trabalho e que está disponibilizado
para uma atitude/atividade que se caracterize enquanto lazer.

Consideramos, ainda, que lazer é direito de qualquer cidadão - inclusive


daquele que é considerado deficiente -, independente de classe social, crença, idade,
raça, gênero, orientação sexual ou estilo de vida. Marcellino (1995) traz-nos duas
grandes considerações em torno do lazer, importantes para a ampliação de seu
conceito: a especificidade abstrata e a especificidade concreta que envolve o tema. A
saber, o entendimento do lazer unicamente em sua especificidade abstrata define a
não consideração do conjunto de condicionantes sociais, políticas, econômicas,
culturais entre outras que tendo como alicerce a questão sócioeconômica, gera e
estimula, mascaradamente, as desigualdades quanto à apropriação pelo capital do
tempo disponível do trabalhador tanto em quantidade de tempo quanto também em
qualidade.
Tal situação reforça as abordagens funcionalistas, já mencionadas neste texto,
e mantém a ordem social vigente. Isto quer dizer que, existem as possibilidades do
lazer enquanto opção de ação social, mas o contexto em que as opções se inserem

48
RECREAÇÃO E LAZER

não possibilita o acesso da grande massa populacional em função da forte


desigualdade estampada na realidade social.
Estamos falando neste artigo dos deficientes que não tem oportunidade de
trabalho, dos trabalhadores/as expropriados, dos aposentados/as, dos milhões de
desempregados e miseráveis excluídos da dinâmica social. Considerando a própria
dialética da questão, compreendemos que na sua especificidade concreta, o lazer é
componente da cultura historicamente construída, na qual a participação cultural e o
exercício da cidadania são a base para a renovação da sociedade.
Portanto, o lazer se insere como reivindicação e direito social, uma vez que, é
resultado da sociedade urbana moderna sendo produto e agente de cultura. Esta visão
ousada, orgânica à classe excluída do poder, enquanto direito se expressa na oferta
de programas e projetos mantidos pelos poderes públicos que têm como princípio
básico à possibilidade de participação democrática. Tais ações concretas quando
destinadas a grupos específicos: pessoas que são alijadas do processo de
participação social como, por exemplo, as pessoas deficientes, os idosos, as crianças
especialmente aquelas muito pobres que vivem em situação de risco, pessoas
portadoras de HIV entre outros, são, fundamentalmente importantes enquanto ações
políticas que estimulam o exercício da cidadania.
A partir da consolidação de propostas de lazer coerentes e condizentes com a
especificidade concreta de cada grupo, incrementa-se o exercício pleno da cidadania,
através da participação ativa que buscando gerar novas possibilidades de ação, atua
como um instrumento de educação, mobilização, organização, transformação e
inclusão social, operacionalizando o alcance multidimensional, por suas relações com
o mundo do trabalho, da educação e da cultura.
No entanto, devemos refletir sobre três pontos importante ao considerarmos as
questões que Marcellino (1995) denomina de especificidade concreta, quais sejam: >
As dificuldades e tabus sócio-culturais presentes na vida humana, que conturbam o
acontecimento real do lazer, tanto dentro de uma mesma classe social quanto,
principalmente, entre classes sociais diferentes:

49
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: kikimily.com.br

> A artificialização do lazer gerada pela indústria do entretenimento e meios de


comunicação de massa;
> A dominação do tempo através da forma capitalista neoliberal de pensar o
mundo e de se posicionar diante dele. Neste sentido, fazemos destaque ao tempo em
que se pode expressar a ludicidade diferente do tempo cotidiano, como nas
Civilizações ditas primitivas.
Na sociedade moderna o tempo se institucionalizou em intervalos de almoço,
após o expediente, feriado, final de semana, férias e licença. Ilustrando com a
mitologia grega, o tempo de Dionísio - deus grego dos ciclos vitais da alegria e do
vinho, conhecido como Baco entre os romanos - entre em choque com o tempo de
Prometeu, - deus da civilização, do trabalho, da cultura e da repressão.
Prometeu é o titã que dominou o fogo e o trouxe aos homens propiciando a
civilização - e representa o princípio de desempenho, denominação que Marcuse
(1968) dá ao princípio da realidade freudiana, quando extrapola de sua dimensão
individual para a dimensão histórico social. Neste contexto é impossível dissociar
tempo e trabalho quando se reflete sobre o lazer e suas possibilidades de
emancipação.

50
RECREAÇÃO E LAZER

6.1 Trabalho, consumo e lazer

Importante atentarmos para a posição que ocupa o trabalho para o homem


moderno a partir dos diferentes contextos históricos. Fazendo uma retrospectiva
histórica rápida percebemos que a Grécia Antiga valorizava o ócio para seus cidadãos,
o qual somente era possível pela exploração do trabalho escravo. Em um determinado
momento, quem sabe por oposição aos ideais Greco-romanos de ócio, o cristianismo
intentou recuperar o valor do trabalho, sem colocá-lo como valor maior da existência.
Segundo especialistas, mesmo a literatura bíblica apresenta o trabalho como
maldição, porém, contraditoriamente a expressão o trabalho dignifica o homem é de
origem cristã e foi exacerbada pelo protestantismo. Cristãos, Calvinos e Puritanos
acreditaram que a riqueza material seria demonstração de saúde espiritual, e a
pobreza, consequentemente, doenças e males do espírito. Oliveira (1997).
Observamos que paralelo às transformações nos dogmas religiosos, o sistema
urbano-industrial trouxe às práticas trabalhistas da civilização ocidental um novo
sentido. O conceito de trabalho medieval que relacionava o tempo a um caráter
sagrado é alterado para um sentido profano a partir da Idade Moderna. Tempo é
dinheiro - time is money - é a expressão máxima do sistema produtivo capitalista.

A industrialização crescente, os aspectos da produção e da mais-valia, a


mercadorização e coisificação do homem são características deste sistema
econômico, gerando, progressivamente, uma sociedade que ressalta como
representação maior da vida o trabalho, e inibe o lúdico como direito à felicidade,
sustentando um discurso de atrelamento entre a felicidade almejada e o aumento de
produção.
A diminuição da jornada de trabalho é uma luta histórica que esbarra no
preconceito e na mitificação em torno da trilogia tempo/trabalho/lazer. No Brasil,
apenas na segunda metade da década de 1920 é que passa a haver alguma
regulamentação sobre férias. Os trabalhadores obtiveram, em alguns períodos, estas
conquistas, atendendo, porém, sempre aos interesses da acumulação capitalista. A
carta Del Lavoro, elaborada pelo governo fascista de Mussolini serve, no Brasil, para
a elaboração da legislação trabalhista no governo Vargas. Sob este aspecto o lazer
também é normatizado bem como as práticas desportivas. Tal fato impediria que o
aumento do número de horas disponíveis inclusive para o lazer oportunizasse o
crescimento do mal estar causado pela injustiça social, colocando em questão o direito

51
RECREAÇÃO E LAZER

à preguiça, que comprovadamente, contribui para o equilíbrio individual e coletivo e é


negado à maioria.
O pensamento que está historicamente no poder - mesmo atualmente na
sociedade pós-industrial, sociedade do conhecimento - entende que disponibilizar
horas para o lazer desestabiliza os valores de felicidade e harmonia difundidos pela
ideologia capitalista. Diga-se de passagem, existe uma parcela significativa de
governantes que entende lazer e consumo como sinônimos. Assim afirma Oliveira
(1997, p. 968):
A desautomatização humana só terá início de fato quando for permitido que
o homem expresse sua ludicidade nos diferentes momentos da
materialização de sua existência, sem esmagamento sistemático do ludens
pela supervalorização imatura do faber.

O lazer é, portanto, aqui entendido como resultado do tipo de organização


socioeconômica urbano-industrial e, simultaneamente, atua sobre tal organização
como implementador de novos valores, pensamentos, práticas que contestam esta
mesma lógica organizacional. Para que isto aconteça é necessário à construção de
consciências críticas bem como de políticas públicas que venham atender as
necessidades concretas dos sujeitos na sociedade que queremos.
A educação para o lazer em seu sentido amplo, que ocorre na família, na rua,
na igreja, no sindicato, nos clubes, parques, praças entre outros espaços, e em seu
sentido restrito, na escola é importante referência quando pensamos na construção e
consolidação de consciências críticas, criativas e questionadoras. Devendo ser
compromisso de todos aqueles que se empenham na transformação social a
assunção plena dos desafios colocados na perspectiva de contribuir para esta
transformação onde a inclusão sócio-cultural de grupos excluídos a exemplo pessoas
com deficiência entre outros grupos já mencionados seja objetivo maior a ser
alcançado.8

8Texto extraído parcialmente de


https://ufsj.edu.br/portalrepositorio/File/dcefs/Prof._Adalberto_Santos2/21-
_sobre_lazer_tempo_e_trabalho_na_sociedade_de_consumo.pdf

52
RECREAÇÃO E LAZER

7 O LAZER E A EDUCAÇÃO

A escola constitui um pilar básico na sociedade para a formação dos indivíduos


e da própria comunidade em que se integram. Este atributo da escola é inegável, tanto
mais que a maioria das crianças cresce no seio dela.
Para Neto (1984), a escola representa o espaço onde se criam condições para
promover, de maneira organizada, as aquisições consideradas fundamentais para o
normal desenvolvimento da criança.
No entanto, parece que a escola se tem empenhado em esquecer que dos 365
dias do ano, os alunos passam cerca de 170 dias na estrutura escolar e que os
restantes dias (cerca de 195) correspondem a tempo livre dessa estrutura. A escola
parece que quer esquecer essas centenas de horas em que as crianças e os jovens
se encontram noutra formação, em auto-formação ou mesmo (de)formação.
Mas porque não aproveitar as aprendizagens dos alunos durante o tempo extra-
escolar? Porque é que a escola teima em não aceitar que uma parte significativa dos
conteúdos das aprendizagens escolares são adquiridas voluntariamente pelas
crianças e jovens nas suas atividades individuais ou coletivas durante o tempo livre?
Será que não há nada de positivo nos interesses dos alunos?

A Escola, ao desconsiderar fatores que também desempenham um papel


importante na formação do aluno, ignorando todos os processos educativos que
atualmente se produzem à margem dela, como a existência no ambiente sociocultural
de meios que transmitem outras mensagens de informação (televisão, rádio, video,
internet…), torna-se numa escola enfraquecida, que se limita a ensinar para o
momento e a não dar bases para um reajuste permanente de conhecimentos e
capacidades exigido numa sociedade que evolui aceleradamente.
Esta situação é denunciada por um estudo de Hassenforder e col. (1985),
realizado nos liceus parisienses. Os autores inquiriram os jovens sobre os
conhecimentos adquiridos na escola e fora dela tendo chegado aos seguintes
resultados:

• É durante o tempo extraescolar que os jovens se declaram mais felizes


(90.4%);
• É fora da instituição escolar que se situam os momentos onde se tomam
maiores iniciativas e decisões (72.4%);

53
RECREAÇÃO E LAZER

• 57% dos jovens estimam que os momentos mais importantes do dia se situam
geralmente fora dos estabelecimentos escolares;
• Somente 14% dos jovens manifestam realizar os objetivos da educação, mais
dentro da escola do que fora dela;

Considerando estes aspectos, a Escola não se pode esquecer do tempo livre


como processo de formação. Será tarefa da Escola proporcionar aos alunos
conhecimentos e oportunidades para que eles possam viver, conviver e trabalhar,
dando sentido às suas vidas. E hoje em dia, não podemos alcançar estes objetivos
simplesmente pela óptica de uma educação para o trabalho, mas paralelamente por
uma de educação para o lazer.
Para Requixa (1979, p.21), "a educação é hoje entendida como o grande
veículo para o desenvolvimento, e o lazer, um excelente e suave instrumento para
impulsionar o indivíduo a desenvolver-se, a aperfeiçoar-se, a ampliar os seus
interesses e a sua esfera de responsabilidades". O mesmo autor (1980, p.72)
sugerenos um duplo aspecto educativo do lazer:

• O lazer como veículo de educação – educação pelo lazer;


• O lazer como objeto de educação – educação para o lazer.

A relação existente entre lazer e educação parece não causar qualquer


inquietude. Requixa (1980) defende que nada seria mais adequado que considerar a
importância do aproveitamento das ocupações de lazer como instrumentos auxiliares
da educação. Argumenta que o indivíduo, ao participar em atividades de lazer,
desenvolve-se quer individualmente, quer socialmente, condições estas
indispensáveis para garantir o seu bem-estar e participação mais ativa no atendimento
de necessidades e aspirações de ordem individual, familiar, cultural e comunitária.

54
RECREAÇÃO E LAZER

Fonte: blog.conectaclassificados.com.br

Por outro lado, a educação para o lazer pode ter um efeito significativo na
participação em atividades de lazer e na satisfação de vida (Kanters e col., 1994 cit.
por Mota, 1997).
Mas o termo educação para o lazer acarreta diversas conotações. Para alguns,
significa transmitir informação relacionada com o lazer através do sistema
educacional. Tradicionalmente, a educação para o lazer tem sido vista como um meio
de transmissão de conhecimentos e habilidades para o lazer, através da oportunidade
de participação em programas de recreação, bem como em programas pós-escolares
(Mundy, 1976).
A educação para o lazer, ou a educação para o tempo livre, para sermos mais
abrangentes, tem como objetivo formar o indivíduo para que viva o seu tempo
disponível da forma mais positiva, sendo um processo de desenvolvimento total
através do qual um indivíduo amplia o conhecimento de si próprio, do lazer e das
relações do lazer com a vida e com o tecido social. Por tal, deve ser considerada como
um processo integral da vida diária da escola, no sentido de que é necessário ensinar
o lazer ativo.

55
RECREAÇÃO E LAZER

Em 1985, as escolas secundárias de New Brunswick (Canadá) adaptaram um


curso de 50' por semana, denominado "Lifetime Fitness and Physical Recreation
Activities" (Standeven, 1987). Este programa teve como objetivo principal desenvolver
as habilidades motoras dos níveis um a seis (dos 5 aos 12 anos de idade), e a aptidão
física, ginástica, jogos de equipa, dança e educação para a saúde, dos níveis sete a
nove (dos 12 aos 15 anos). O seu objetivo principal era o de proporcionar aos
estudantes conhecimentos sobre a relação entre a sua saúde e atividade física e
introduzi-los em diversas atividades físicas de recreação, garantindo-lhes a
capacidade de as escolher após o termo da escola secundária (Standeven, 1987).
Martin e Mason (1987) assinalam que a educação para o lazer deve envolver
várias organizações educativas, desempenhando as instituições de educação formal
um papel cada vez mais activo nesta área. Estes autores (1987) também defendem a
necessidade de toda a comunidade se comprometer na educação dos jovens,
devendo existir mais interacção entre a Escola e aquela.
Para Teeters (1992), o sistema escolar pode ser um meio através do qual os
indivíduos podem, em segurança, autotestarem-se, explorar, aprender a correr riscos
e jogar sem fracassar, descobrir e ter prazer em aprender.

Dar conta deste potencial, no entanto, requer uma transformação nas práticas
educacionais para que venham a ser reconhecidos os valores do lazer, dotando os
alunos de instrumentos e conhecimentos necessários para que possam organizar a
sua própria vida, tanto do ponto de vista laboral, como do aproveitamento do seu
tempo livre.
Várias pesquisas demonstraram que as atividades de lazer no contexto escolar
facultam, entre outros aspectos, o bem-estar psicológico e o desenvolvimento pessoal
dos indivíduos que nelas participam (Driver e col., 1991 cit. por Beauregard e Ouellet,
1995).
Num excelente artigo de revisão acerca da ocupação dos tempos livres por
parte dos estudantes, Beauregard e Ouellet (1995) lembram que, no que diz respeito
às atividades de complemento curricular, as primeiras pesquisas foram iniciadas em
reação aos trabalhos de Coleman (1959; 1961), que alegava que a participação neste
tipo de atividades constituía um entrave ao êxito académico dos estudantes.
As conclusões de Coleman inscreveram-se numa abordagem dita "académica"
(Beauregard e Ouellet, 1995, p.376), que concebia a escola como um meio de
transmissão do saber formal e onde o primeiro objetivo era o sucesso escolar. Nessa

56
RECREAÇÃO E LAZER

perspectiva, as actividades de complemento curricular tinham por objetivo principal


ocupar os tempos livres dos estudantes, antes de procurar o prazer nessas atividades.
Em contrapartida, uma segunda abordagem dita "desenvolvimentalista" (Holland e
Andre, 1987; Marsh, 1992 cit. por Beauregard e Ouellet, 1995, p.376) assume que a
escola deve favorecer o desenvolvimento integral dos estudantes. Os adeptos desta
abordagem viram-se obrigados a justificar a importância das atividades de
complemento curricular como meio educativo complementar das atividades
tradicionais de ensino.
Um estudo realizado nos Estados Unidos da América por Schaffer e Armer, em
1968 (Holland e Andre, 1987 cit. por Beauregard e Ouellet, 1995) tentou identificar a
relação entre o rendimento escolar e a participação dos alunos em atividades de
complemento curricular. As conclusões revelaram que os alunos-atletas do sexo
masculino que participavam em atividades desportivas alcançavam melhores
resultados escolares do que os seus congéneres não participantes.
A literatura (Holland e Andre, 1987 cit. por Beauregard e Ouellet, 1995) sugere
igualmente que o sexo do participante, o tipo de atividade de complemento curricular
praticada, o grau de implicação na atividade e a dimensão da escola, podem conduzir
a variações importantes ao nível da auto-estima, observada junto dos participantes
nas atividades de complemento curricular.
Marsh (1992), citado por Beauregard e Ouellet (1995), sugeriu que as
atividades de complemento curricular, mesmo as que não estão associadas de forma
evidente ao rendimento académico, levam a um aumento do interesse do aluno face
à escola e aos valores da escola, que conduz indiretamente a um melhor rendimento
académico.
Uma realidade mais próxima da nossa é nos apresentada por um estudo
realizado na Galiza sobre o tempo livre dos jovens (Aza, 1992). Este estudo pretendia
analisar as necessidades e expectativas daqueles, comparando-as com a oferta das
escolas e outras instituições formativas, bem como a relação entre o tempo livre e o
rendimento escolar. As conclusões desta investigação apontam para a existência de
diferenças significativas entre o que os jovens fazem durante o tempo livre fora da
escola e o tipo de atividade em que participam nos centros escolares. No que se refere
à relação entre as classificações escolares e a prática desportiva dos estudantes no
seu tempo livre, comprovou-se que existe uma relação positiva.
De fato, a literatura parece evidenciar que a participação em atividades de
complemento curricular está associada a uma percepção positiva de si próprio e do

57
RECREAÇÃO E LAZER

meio escolar, ao elevado nível de motivação pela escola, ao baixo nível de absentismo
escolar, bem como a resultados académicos prósperos.
Sendo assim, a escola não pode alienar-se, por um lado, dos tempos livres dos
alunos, e por outro, das atividades de complemento curricular, que poderão ser uma
excelente alternativa a esses tempos desocupados de atividades curriculares. Esta
preocupação, que deverá ser concomitantemente um objectivo da escola (Bento,
1995), deverá ter em conta três preocupações fundamentais (Mota, 1997):

• Aumentar os incentivos referenciados às motivações intrínsecas, fornecendo


orientação e informação aos alunos, levando-os a optar pela participação na
atividade física;
• Fornecer uma correta perspectiva de sucesso, facultando aos alunos uma clara
distinção entre os objetivos do desporto de rendimento e os objetivos do
desporto direcionado para a saúde e para a manutenção de um estilo de vida
ativo;
• Fornecer razões válidas para ser ativo, transmitindo aos alunos os benefícios
derivados da prática regular da atividade física e criando-lhes condições para
a consciencialização da importância de um estilo de vida ativo.

Em resumo, gostaríamos de ver a Escola cada vez mais próxima da vida do aluno
para que o aluno sinta a necessidade de integrar a Escola na sua vida. Este desígnio
poderá ser alcançado se entendermos as atividades físicas de complemento curricular
como algo que propícia a liberdade - já que são facultativas – e ao mesmo tempo que
formam e educam para a Liberdade.9

8 LAZER E POLÍTICAS PÚBLICAS

Uma vez sendo importante a presença e o desenvolvimento do lazer numa


sociedade, a quem compete a responsabilidade de promovê-lo e organizá-lo?
Avaliando os diversos autores que tratam do assunto é perceptível que esta
responsabilidade não é somente de órgãos públicos, como também dos profissionais
do lazer, empresas privadas e de toda uma sociedade.

9Texto extraído de http://www.ipv.pt/millenium/ect10_ana.htm Por: Ana Isabel Marques. Assistente do


2º Triénio da Área de Educação Física da ESEV.

58
RECREAÇÃO E LAZER

De acordo com Andrade (2001), sob a forma da lei, ao poder público compete
a ordenação de recursos para a capacitação e estímulo da sociedade no
planejamento, criação, administração e desenvolvimento de mecanismos de
recreação e lazer nos locais em que haja necessidade, nos bairros e nas cidades,
assim como em locais de trabalho e centros de convivência social. A legislação
brasileira reconhece, através da Constituição, o lazer como exercício social,
determinando que ele ocorra através do repouso semanal remunerado, das férias
anuais e contemplação da aposentadoria, além do incentivo ao lazer como promoção
social.
Sendo a falta de lazer um dos problemas centrais da sociedade e que a
recreação favorece o bem estar físico e mental dos indivíduos, além de ser vantajosa
à economia e à cultura do grupo, o governo deve amparar, estimular, facilitar e
promover sua prática. Dentre algumas medidas que competem ao poder público,
encontram-se a reserva compulsória de áreas para recreação no planejamento
urbano; o recolhimento de tributos a serem aplicados na aquisição de novas áreas
para recreação e desenvolvimento de programas; a concessão de incentivos fiscais
às empresas privadas que ofereçam atividades recreativas ou que formem pessoal
especializado para operar na comunidade em que vivem.

Fonte: m.sabedoriapolitica.com.br

Convém lembrar que as áreas de lazer sejam destinadas a todos os habitantes


e visitantes independentes das condições peculiares de cada localidade. Outro
aspecto importante nessa organização e espaço do lazer diz respeito ao processo de
urbanização, onde há necessidade de aprimorar a situação da moradia e do sistema

59
RECREAÇÃO E LAZER

de transportes, controlando a poluição e o barulho excessivo. Para tanto, um


planejamento preventivo e corretivo é fundamental para a ordenação do lazer público.
Cada entidade privada ou pública tem sua parcela de atribuições e a
comunidade, através desses organismos, deve fornecer meios para a diversificação
do lazer. E quanto a nós? Tendo em conta que hoje disponibilizamos mais tempo livre
e que nos oferecem instrumentos para o exercício do lazer, será que sabemos usufruir
desse tempo livre do trabalho e de outras obrigações?
Ao longo dos últimos tempos, o homem sempre trabalhou muito. Com a
tecnologia, a globalização e as modificações ocorridas na sociedade, ele passou a
trabalhar menos. Algumas empresas também permitem que o homem possa trabalhar
em casa, dispondo seu horário da forma que melhor lhe convir.
Com essa maior disponibilidade de tempo, o que fazer? Nós fomos preparados
para o trabalho. Por toda nossa vida, seja na escola, na faculdade ou em casa, fomos
educados para o trabalho. Aprendemos a trabalhar, mas não aprendemos a cuidar do
nosso tempo livre. Como De Masi (1999, p. 137) afirma, “ninguém nunca nos preparou
para o tempo livre e muitos de nós sabemos trabalhar, mas não sabemos administrar
o tempo livre”.
A sociedade não prepara as pessoas para o tempo livre; continua a formá-las
para o trabalho; as escolas também continuam educando para o trabalho, mas não
educam para o lazer.

Nesse caso, cabe ao poder público fornecer através de dispositivos


legais:

a) a educação sistemática para o bom aproveitamento do lazer, por meio de


programação regular nas escolas com a ajuda de outras instituições de serviços à
comunidade;
b) planejamento e construção de acomodações à recreação pública e centros de
recreação, onde as atividades culturais e artísticas possam vir a ser cultivadas e
difundidas;

c) programação variada de recreação pública durante o ano inteiro;


d) criação da consciência do valor da recreação e estímulo à educação dos
adultos no tempo de folga, “incentivando o trabalhador a ocupar de forma construtiva
o seu lazer, cultivando atividades condizentes com as próprias inclinações e

60
RECREAÇÃO E LAZER

necessidades espirituais, de relaxamento e de ampliação de cultura” (MEDEIROS,


1975).
Observando estas variáveis na escolha do lazer, e considerando que sua
prática deve ser de livre escolha pessoal e prazerosa, o poder público e a iniciativa
privada devem organizar e desenvolver programas e projetos de recreação que
abranjam todos esses segmentos.10

9 LAZER, MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Com a divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais brasileiros (1997 e


1998), a temática relacionada ao Meio Ambiente, juntamente com Ética, Saúde,
Orientação Sexual, Pluralidade Cultural, Sexualidade e Trabalho e Consumo - por
envolverem múltiplos aspectos e diferentes dimensões da vida social, vem merecendo
um lugar de destaque nas discussões relacionadas à elaboração e à implementação
de novas propostas educacionais, muito embora essas temáticas não sejam
recorrentes na Educação Física.
Que relações podem ser construídas a partir da aproximação entre a temática
relacionada ao Meio Ambiente e as aulas de Educação Física Escolar? Que
referências conceituais servem de subsídio para essa aproximação? Qual abordagem
metodológica viabiliza a aproximação desses dois núcleos temáticos? O ambiente
escolar compreende tais conceitos?
Os fatos cotidianos nos encaminham para a necessidade de um entendimento
mais aprofundado e ao mesmo tempo, ampliado de inúmeros conceitos, entre os
quais, o Meio Ambiente.
Entendimento este que se dá a partir das relações, das interfaces, da
construção de uma rede de significados que impõem uma nova ordem, dando um
sentido diferenciado à Escola, à Sociedade, ao Universo. Construir um campo
ilustrativo, explorando essa rede de significados, com aplicações no contexto da
Educação Física Escolar, parece ser um desafio promissor.

9.1 O discurso da Educação Ambiental

Os primeiros movimentos considerando a contribuição do processo educativo


relacionados à questão ambiental ocorreram em meados da década de 60.

10Texto extraído de https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/turismo-e-


hotelaria/politicaspublicas-de-lazer/36621

61
RECREAÇÃO E LAZER

As referências básicas para a estruturação da educação ambiental como uma


área do conhecimento aplicado encontram-se nos documentos produzidos pela
UNESCO, especialmente na Carta de Belgrado, de 1976, e no documento produzido
em Tbilisi, em 1983 e 1985.
Como metas para a educação ambiental, propõe o desenvolvimento da
consciência em relação à interdependência das esferas econômica, social, política e
ecológica em áreas urbanas e suburbanas e como dotar os indivíduos de
conhecimentos, atitudes, motivações, engajamento e instrumentos para a solução e
prevenção de problemas.
Como objetivos da educação ambiental, são colocados a aquisição de
conhecimentos, atitudes e valores sociais que levem à participação ativa na melhoria
do meio ambiente.
Destaca-se a necessidade da abordagem dos aspectos relacionados ao meio
biofísico do homem e as suas complexas relações, bem como as formas de interação
do homem com o ambiente, nas dimensões política, social e cultural. Outros pontos a
serem considerados são as consequências da onda tecnológica que envolve a
sociedade, para que o cidadão possa fazer escolhas, tanto do ponto de vista ambiental
como social.
O debate em torno do termo desenvolvimento sustentável, apresentado
pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), em 1991, como
melhoria da qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte
dos ecossistemas (Brasil, 1998, p.177), introduziu o termo sustentabilidade.
Em Thessaloniki, dezembro de 1997, a temática da sustentabilidade
assumiu centralidade das discussões.

Fonte: maceio.al.gov.br

62
RECREAÇÃO E LAZER

9.2 Educação Física e meio ambiente: Algumas possibilidades

Olhar o meio ambiente e toda a sua complexidade a partir das aulas de


educação física é tarefa extremamente delicada, dada à abrangência e a profundidade
das temáticas. Algumas temáticas e suas discussões se sobrepõem, o que, ao invés
de ser considerado negativo, pode ser mais um instrumento para o enfrentamento da
realidade social.

9.3 Meio ambiente, temperatura e aulas de Educação Física

A análise da incidência de sol e chuva em quadras externas e as soluções para


a diminuição das interferências negativas dos fatores climáticos nas aulas poderiam
configurar-se em um projeto de trabalho.
Alguns encaminhamentos seriam, no caso da incidência de sol, os plantios de
árvores que deve levar em consideração o tempo de crescimento, o posicionamento,
o tipo de árvore e de copa, as correções no solo para melhor germinação, o
espaçamento entre as árvores como também a construção de uma cobertura artificial.
Poderia ser avaliado o material a ser utilizado, o impacto ambiental gerado
para a construção da cobertura, produção da matéria-prima a ser utilizada, a
disponibilidade de recursos financeiros, a forma de captação... A partir da
problematização de um fato relacionado à aula de educação física, estaríamos
mobilizando uma série de conhecimentos (conceituais, procedimentais e atitudinais)
que poderiam ser extremamente úteis ao cotidiano dos alunos sobretudo pelo fato de
estimular a vivência social cidadã.

9.4 Educação Física, Lazer e Meio Ambiente

Outro grande tópico apresentado pelo tema transversal meio ambiente


propõese analisar as diversas maneiras de relacionamento entre a sociedade e o meio
ambiente. Uma interface promissora dentro dessa temática relaciona-se às reflexões
sobre a extinção ou privatização dos espaços públicos destinados as atividades de
lazer e recreação. Entender as razões históricas e estruturais responsáveis pela
apropriação dos espaços públicos de lazer e buscar alternativas para assegurar
condições mínimas de segurança e adequação bem como estratégias para a
ampliação da oferta dos espaços por parte dos órgãos públicos caracterizam-se como
uma ação pedagógica significativa.

63
RECREAÇÃO E LAZER

A efetivação da cidadania pela Educação Física, passa pelas discussões


envolvendo o lazer e a disponibilidade de espaços públicos para as práticas da cultura
corporal de movimento. Essas são necessidades essenciais ao homem
contemporâneo e, por isso, direitos do cidadão. Os alunos podem compreender que
os esportes e as demais atividades corporais não devem ser apenas privilégio dos
esportistas profissionais ou das pessoas em condições de pagar academias ou clubes.
Dar valor a essas atividades e reivindicar acesso a centros esportivos e de lazer e
programas de práticas corporais dirigidos à população em geral pode ser incentivado
a partir dos conhecimentos adquiridos nas aulas de Educação Física.

9.5 Espaços disponíveis para as aulas de Educação Física

A problemática da inadequação do espaço físico para a prática de atividades


corporais também pode ser identificada no interior das escolas, especialmente das
públicas.
Um caminho possível é o envolvimento da comunidade local, visto que a
escassez de espaços públicos para o lazer e para o esporte coloca-se como uma
realidade com desdobramentos sociais que merecem ser analisados. Seria ingênuo
acreditar que a simples construção de uma quadra ou equipamento lúdico/esportivo
qualquer traria soluções para os problemas estruturais da sociedade. Cabe aos
envolvidos com a escola refletir e procurar soluções para a diminuição ou, mesmo,
extinção dessa problemática.
A depredação dos prédios escolares também tem sido motivo de grandes
preocupações para todos. A recuperação dos espaços, muitas vezes, torna-se mais
difícil do que a construção de novo equipamento. Refletir sobre essas questões, bem
como desenvolver atitudes de preservação e conservação, configura-se como mais
uma possibilidade que pode ser trabalhada nas aulas de Educação Física.

9.6 Esportes de aventura e o Meio Ambiente

Em oposição à vertente institucionalizada do esporte espetáculo em que


preponderam as práticas mecanizadas, a eficácia do rendimento corporal e a
produção de bens e serviços, os esportes de aventura buscam, segundo Costa (2000),
resgatar os valores de beleza, auto realização, liberdade, cooperação e solidariedade.
É necessário, então, um olhar mais cuidadoso em relação à inserção dos esportes de
aventura e as suas influências no cenário da cultura corporal de movimento.

64
RECREAÇÃO E LAZER

O movimento esportivo institucional assume posição de destaque do ponto de


vista social e exerce grande influência nas atividades escolares.
Como um dos elementos que compõem a cultura corporal de movimento, o
esporte coloca-se como objeto de estudo, tendo em vista as suas interfaces com o
movimento ambientalista.

Da Costa (1997), ao analisar a Declaração do Rio de Janeiro como o resultado


final da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
cita o princípio, da redução e eliminação de padrões de produção e consumo
nãosustentáveis (p.23), no qual o desporto é colocado como um padrão, devido a sua
crescente expansão, por vezes de forma não saudável à sociedade e freqüentemente,
em desarmonia com a natureza.
De acordo com o autor, inúmeras discussões têm sido desencadeadas no meio
desportivo, abrangendo as federações regionais, nacionais e, mesmo, o Comitê
Olímpico Internacional, buscando encaminhamentos para a adequação à nova ordem,
qual seja, a gestão de um desporto sustentável. Bento (1991, citado por Da Costa,
1997) constata que "o cenário desportivo, impulsionado por uma primeira tendência
de trazer o desporto do exterior para o interior, para o espaço fechado e coberto, é
hoje marcado por uma segunda tendência, nomeadamente a de levar o desporto para
o espaço aberto, para o ar livre, para o exterior, para a natureza" (p.61).
Tal tendência pode ser evidenciada pela crescente busca dos esportes de
aventura, o que pode carregar valores que retratam uma nova dimensão do
relacionamento homem-natureza.
A relação entre os esportes de aventura e os esportes tradicionais, pode conter
grande potencial educacional. Piageassou (1997a), compara o sistema de
pensamento tradicional com o sistema de pensamento ambientalista, conforme o
quadro 2:

65
RECREAÇÃO E LAZER

Piageaussou (1997b) aponta essa tendência como uma nova forma de


mediação desportiva que supera as formas tradicionais de competição e oposição
(p.126).

Costa (2000) constata que a opção por modalidades esportivas sob a ótica
ambientalista tem como motivação a superação de obstáculos na busca do
autoconhecimento, da auto realização, da satisfação pessoal, nas quais são
reintroduzidas as noções de jogo e de prazer, tais como a fantasia, o desejo, o sonho,
o desafio e a vertigem.
O esporte de aventura, sobretudo aquele realizado junto à natureza,
representa mais uma possibilidade de aproximação entre o indivíduo e o meio
ambiente, devido à interação com os elementos naturais e as suas variações, como
sol, vento, montanha, rios, vegetação densa ou desmatada, lua, chuva, tempestade,
desencadeando atitudes de admiração, respeito e preservação. Seria ingênuo
acreditar que o simples contato com a natureza fosse condição suficiente considerar
o indivíduo como defensor do meio ambiente.
Tais temáticas são muito amplas e ultimamente vêm merecendo grande
destaque, especialmente por parte da mídia, o que pode ser entendido como
colaboração ou também como gerador de problemas. A pluralidade de ideias e de
propostas práticas é fundamental para o debate educacional e para a consolidação da
representatividade social da Educação Física.
Aproximar três realidades, a Educação Física, o Meio Ambiente e a Escola, em
constante processo de atualização e transformação, demanda cuidados e ousadia.
São temáticas que isoladamente vêm merecendo um destaque significativo nos meios
de comunicação de massa, o que também deve ser olhado com ressalvas.
Os temas relacionados à análise dos ciclos corporais e suas relações com
os ciclos da natureza, as interferências climáticas, a disponibilidade e o estado de
conservação dos espaços públicos e privados de esporte e lazer como também os
espaços destinados às aulas de Educação Física, as relações que se constróem a
partir da aproximação entre as temáticas da saúde e do meio ambiente, a análise
crítica relacionada às propostas dos esportes de aventura como um estímulo à
preservação do meio ambiente, configuram-se como propostas e encaminhamentos
pedagógicos.

66
RECREAÇÃO E LAZER

Tais propostas bem como as sugestões de tratamento metodológico só se


tornarão viáveis, se os profissionais apropriarem delas e as transformarem, tendo em
vista a realidade onde se encontram.11

10 BIBLIOGRAFIA

CAVALLARI, V.R.; ZACHARIAS, V. Trabalhando com a recreação. 7ªed. São Paulo:


Ícone, 2004.

FERREIRA NETO, R. Recreação na Escola. 2ªed. Rio de Janeiro:Sprint, 2002.

FERREIRA, S.L. et al. Recreação, jogos, recreação. Rio de Janeiro: Sprint, 1993

ROSAMILHA, N. Psicologia do jogo e aprendizagem infantil. São Paulo: Pioneiras,


1979.

SILVA, E.N. Atividades Recreativas na 1ª infância: 3ªed. Rio de Janeiro: Sprint,


2002.

MELO, Victor Andrade de; ALVES JÚNIOR, Edmundo Drumond. Introdução ao


Lazer. 2 Ed. Barueri, SP: Manole, 2012.

MARCELINO, Nelson Carvalho. Lazer e Educação. 13 Ed. Campinas, SP: Papirus,


2008.

WERNECK, ChristianneLuce Gomes; ISAYAMA, Hélder Ferreira. Lazer, Recreação


e Educação Física. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

11 Texto extraído parcialmente de https://www.efdeportes.com/efd100/ma.htm

67

Você também pode gostar