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Sobre o projeto

Este é o primeiro volume do projeto Cursed Pence, ele foi pensado para publicar
histórias de horror, fantasia, ficção e mistério, qualquer autor que queira publicar basta
enviar seu conto para que o mesmo seja publicado, sem custo algum, o propósito é
divulgar o autor e as histórias por eles escritas. Uma cópia em PDF será enviada ao
autor(es) e os mesmos podem repassar a quem quiserem gratuitamente ou por um valor
que não ultrapasse R$0,50 centavos, como o nome diz – Cursed Pence (Centavos
Malditos).

O projeto foi inspirado nas antigas Penny Dreadfulls, publicações que eram
muito famosas na Inglaterra do final do Século XVIII e início do sec. XIX, onde eram
publicadas histórias de mistério, horror, e várias outras, eram vendidas por 1 pence, por
isso o nome de Centavos Malditos ou Penny Dreadfull, essas publicações eram
destinadas à classe operária, sua popularidade veio a decrescer na década de 1890,
quando outros tipos de literatura começaram a aparecer. Devido a serem livros baratos,
publicados em papel de baixa qualidade poucos exemplares chegaram até os dias de
hoje, por isso surgiu o desejo de resgatar essa “antiga” tradição, esse projeto seguirá os
mesmos moldes, desejamos que esse seja o trampolim para que muitos autores nacionais
se tornem conhecidos e popularizem a literatura de horror, mistério, fantasia e ficção no
Brasil.

Então, seja bem vindo, boa leitura e belos pesadelos.

João Lopes

Editor

Pouso Alegre MG - 2024

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A Coisa na Neblina
“Pois não sabemos com que feras a Noite sonha quando suas horas ficam longas
demais para que até mesmo Deus esteja acordado” (Hildred Castaigne)

A quela enchente de 1973 mudou drasticamente os moradores da

pequena cidade de Rio Negro, distante 10 km da cidade de Cruz das Almas, Rio Negro é
uma pequena vila de pescadores, aposentados e pessoas em busca de uma vida mais
prosaica. Como toda cidade pequena, Rio Negro também tinha seus segredos. Um desses
segredos, talvez o mais bem guardado, ocorreu em 1973, um segredo que nenhum
morador do povoado ousa a contar em voz alta.

Não testemunhei diretamente os eventos que ali ocorreram, mas tendo contato com
muitos moradores da pequena cidade tive acesso à história àqueles que me contaram
tinham um olhar de pavor, como se algo ainda espreitasse o local e quem ousasse falar
seria punido, ou talvez quisessem esconder como se fosse uma maldição que é melhor ser
esquecida.

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Em 1973 as chuvas de início de ano foram mais abundantes que os anos anteriores
o que fez com que o rio que dá o nome à cidade enchesse além do normal isolando a
pequena Rio Negro da vizinha Cruz das Almas. As autoridades, sejam por incompetência
ou negligência, pouco puderam fazer para amenizar o problema dos moradores e Rio
Negro ficou completamente sem contato com o mundo exterior.

Neste mesmo ano, a Neblina chegou, inicialmente nas imediações da “Rotunda” –


uma antiga instalação da rede ferroviária. – Essa Neblina, inicialmente avistada pelos
pescadores, era densa e seu frio e umidade eram anormais, alguns pescadores chegaram
até a relatar vozes e gritos vindos dessa Neblina. O boato das vozes “fantasmas da
neblina” se espalhou como rastilho de pólvora entre os moradores da pequena cidade,
alguns diziam ser “papo” dos pescadores, que ávidos por histórias, sempre contavam
“lorotas” já outros temiam as histórias e evitavam falar delas. Os mais antigos moradores
de Rio Negro narram que essa neblina sempre foi vista, mas não com tamanha intensidade
como em 1973.

O evento só começou a ser levados a sério quando o pároco da cidade, o Sr. Josué
Marcondes, confidenciou ao seu amigo ter testemunhado a neblina que o perseguiu
enquanto ele retornava da casa de uma de suas beatas, tarde da noite após o jantar. O
sacerdote retornava à casa paroquial e resolveu “cortar caminho” pela rotunda. O mesmo
contou que ao se aproximar do local sentiu um intenso frio, úmido e pegajoso, e dentro
da arruinada rotunda a neblina se condensava e se tornava mais densa. O padre, curioso
com o que poderia estar acontecendo ali, resolveu checar.

O pobre homem foi encontrado horas depois vagando pelas margens do rio
balbuciando palavras desconexas, seu olhar era vazio e havia em seu semblante um pavor
nunca visto. O pouco que se conseguiu entender do que era dito pelo padre era que Ele
havia chegado para punir os homens pelos seus crimes e que Deus havia abandonado Rio
Negro.

Ninguém ousou a perguntar ao velho padre quem ou o que poderia ser Ele, e os
policiais locais não encontraram ninguém na região próxima às ruínas da rotunda. Quando
a cidade ficou isolada os eventos se intensificaram, o que antes era visto apenas pelos que
se aventuravam pelas ruas desertas, tarde da noite, passou a ser testemunhado por todos
os moradores da cidade. Após uma forte tempestade, povoada de trovões e relâmpagos
que riscavam o céu negro a Neblina se fez visível a todos os habitantes apavorados de

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Rio Negro. Fria, densa, úmida e pegajosa, a Névoa maligna dominou toda a cidade e os
habitantes não conseguiam enxergar um palmo a sua frente.

Visões de uma imensa e terrível planície dominaram os moradores. Em seu


vocabulário simples eles me narraram terem visto o Inferno, ou o que eles imaginavam
ser o Inferno. Uma planície dominada por corpos espalhados pelo chão e corvos que
bicavam os olhos dos mortos deleitando-se com sua sombria refeição; um sol negro
pairava sobre o descampado tornando a cena ainda mais terrível aos olhos dos apavorados
moradores. Uma sinfonia de vozes e gritos lancinantes dominavam o cenário. Os
moradores da cidade não souberam precisar quanto tempo permaneceram nesse êxtase
macabro, mas disseram que quando a visão cessou todos estavam tomados de um pavor
que não sabiam explicar. Alguns se dirigiram às suas casas e outros correram em busca
de consolo na pequena igreja da cidade, mas o martírio dos habitantes de Rio Negro estava
apenas em seu início. Nada os havia preparado para o que estava por vir, a outrora
pequena e aconchegante igreja da cidade agora se convertera em uma imensa catedral,
que nas palavras daquele povo simples, assemelhava-se a um grande castelo de pedras
negras tomado pelo “barro” e povoado de criaturas demoníacas. No interior desse
“castelo” um coral sinistro entoava lamentos dolorosos, o coral era regido pelo velho
sacerdote.

“Devolvam-me!” Foram essas as palavras que todos ouviram sair dos lábios do
padre. Visões dominaram todos os presentes, seres grandiosos em uma assembleia
observavam enquanto milhares de almas eram torturadas e massacradas em campos de
morte e destruição. “Devolvam-me!”

Da mesma maneira que a neblina se formou ela se findou, as tenebrosas visões,


ainda fortemente impressas nas mentes dos moradores de Rio Negro terminaram também
abruptamente, deixando todos atordoados. Aqueles mais ousados, os que se atreveram
adentrar o templo profanado não se teve mais notícias e diante dos olhos espantados de
todos habitantes da pequena cidade, jazia, crucificado, o velho sacerdote agarrado a uma
imagem de Nossa Senhora. Seu olhar, agora frio e vazio estampava pavor e dor e de seus
lábios emudecidos pela morte, um grito silente clamando pela sua alma. “Devolvam-me!”
O grito ainda foi ouvido pelos moradores, e ao olharem em direção das ruínas da rotunda,
uma luz, pairando sobre a Neblina que se concentrava ali foi essa avistada antes de
desaparecer.

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Aquele lugar passou desde então a ser evitado pelos moradores de Rio Negro, e
aqueles que ousam adentrar o arruinado local sentem um desconforto tomar conta de sua
mente. Dizem que se você permanecer em silêncio ainda consegue ouvir o coro sombrio
daqueles que pereceram na fatídica noite de 1973. Confesso que minha visita àquele lugar
me deixou deveras assombrado. E em noites tempestuosas, quando os trovões ressoam
pode-se ouvir ainda o sombrio grito “Devolvam-me!” E uma luz esverdeada cercada por
uma densa e fria Neblina é avistada.

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