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COM/JKLMNHOP
HISTÓRIA DO BRASIL
história do Brasil
aula 4 A modernização econômica do Segundo Reinado
0012
O caso do Brasil é o de um país que já perdeu todo Foi cultivada no Brasil já na segunda metade do século
o crédito. E o castigo que merece tal país é, nem mais XVIII, sem, no entanto, ocupar grandes extensões de
nem menos, do que a retirada de todos os colonos que terra, pois não havia ainda demanda que justificasse
lá se acham e a supressão do tráfico brasileiro de braços tamanho cultivo. Foi na década de 1820 que essa iguaria
europeus. passou a ocupar lugar central nas exportações brasilei-
Thomas Davatz. Memórias de um colono no Brasil. São Paulo, ras, superando o açúcar e o algodão, tendo como prin-
Martins-Edusp, 1972. cipal destino os mercados europeu e estadunidense,
onde o café era consumido, em quantidades cada vez
maiores, nos nascentes centros urbanos, pelas classes
A cultura cafeeira médias. A produção, a princípio, se dava na província
do Rio de Janeiro, sudeste de Minas Gerais e nordeste
A planta da qual se colhe o café é originária do conti- de São Paulo, tomando lugar de outras lavouras, como
nente africano, de onde atualmente localiza-se a Etiópia. cana-de-açúcar.
Repare que o “Oeste Paulista” não é exatamente no oeste da província de São Paulo, mas certamente é o oeste em relação ao
Vale do Paraíba, onde pioneiramente na província se cultivou café.
Na década de 1840, o Brasil já era o maior exporta- outros. Apesar das dificuldades de transporte, devi-
dor mundial de café, motivo que explica a expansão do à Serra do Mar, o café passou a ser exportado por
das áreas de cultivo para o chamado Oeste Paulista, Santos. O café do Oeste Paulista produzido com mão
onde se desenvolveram municípios importantes, de obra escrava, mas combinando experiências de
como Jundiaí, Campinas, Limeira e Rio Claro, entre assalariamento de imigrantes, sobretudo a partir de
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1850, foi ganhando mercado em relação ao café do substituísse a mão de obra no Brasil? Seria algo motivado
Vale do Paraíba (nordeste de São Paulo, onde se loca- pelo anseio humanitário de abolir a instituição da escra-
lizam as cidades de São José dos Campos, Taubaté...), vidão? Uma sucessão de fatos, desencadeados em 1844,
que era produzido com mão de obra escrava. Muito já conduziram à grande imigração. Vamos a eles.
se discutiu sobre as vantagens comparativas do Oeste
Paulista que lhe permitiam colher um café de boa
qualidade a um preço competitivo. Há quem defenda Tarifa Alves Branco (1844)
que o clima favorável e os solos mais férteis sejam
decisivos, mas deve-se considerar, também, que a mão Tarifa alfandegária é uma espécie de imposto que
de obra assalariada, empregada progressivamente, se paga na ocasião da importação de um bem. É exa-
era mais produtiva, devido à menor insatisfação dos tamente o que é a Tarifa Alves Branco. Nela realizou-se
trabalhadores. Não que os imigrantes trabalhassem fe- uma elevação das tarifas alfandegárias que agora variam
lizes e contentes com as condições que os fazendeiros entre 20% e 60% ad valorem, isto é, sobre o valor do bem.
lhes ofereciam, tendo ocorrido, inclusive, revoltas de A alíquota seria definida entre esses dois valores de acor-
imigrantes contra maus-tratos praticados por fazen- do com o tipo de produto a ser importado. Manuel Alves
deiros, que chegavam até a açoitar os trabalhadores, Branco era o ministro das Finanças em 1844, razão pela
qual o novo imposto tenha levado esse nome.
como ocorrera na revolta de Ibicaba, fazenda de café
Naturalmente, um ambiente protecionista como o
do senador Vergueiro, em Limeira (SP). Mas é inegável
criado pela Tarifa Alves Branco, funciona como certo
que o fato de não ter de desembolsar elevadas somas
impulso à produção industrial nacional, na medida em
de dinheiro na aquisição de escravos garantia aos
que os produtos industrializados importados ficam mais
fazendeiros do Oeste Paulista uma vantagem frente
caros. E foi isso que ocorreu: um rápido e inesperado de-
aos escravistas do Vale do Paraíba. Sem contar que o
senvolvimento industrial de fábricas de bens não durá-
boicote ao trabalho na lavoura era menos frequente, veis, sobretudo calçados e chapéus, no Rio de Janeiro, no
se comparada ao que ocorria nas fazendas escravistas que se pode chamar de surto industrial. Entretanto, deve
tradicionais, que se tornaram decadentes. ficar claro que, segundo José Murilo de Carvalho1, não
era intenção do governo fomentar o desenvolvimento
Quadro das exportações brasileiras industrial do país, e sim, elevar a arrecadação fiscal do
governo, uma vez que a alfândega era a principal fonte
de receitas do Estado. “Era necessário fazer frente aos
1821-30 1831-40 1841-50 1851-60 1861-70 1871-80 1881-90
crescentes gastos da administração pública, que her-
dou dívidas da época da independência. A receita do
Açúcar Café Café Café Café Café Café governo cresceu 33% de 1842/1843 para 1844/1845. E
30,1% 43,8% 41,4% 48,8% 45,5% 56,6% 61,5%
por volta de 1852/1853 era o dobro da arrecadada em
Algodão Açúcar Açúcar Açúcar Algodão Açúcar Açúcar
1842/1843.”2
20,6% 24,0% 26,7% 21,2% 18,3% 11,8% 9,9% Contudo, essa revisão tarifária aboliu privilégios co-
merciais concedidos aos ingleses na época dos tratados
Couros e Couros e
Café Algodão
Pele Pele
Açúcar Algodão Borracha de 1810 (lembra-se da tarifa de 15%, mais vantajosa aos
18,4% 10,8% 12,3% 9,5% 8,0%
8,5% 7,2% britânicos, que os 16% concedidos aos portugueses?) e
Couros Couros e Couros e Couros e renovados em 1827, por ocasião do reconhecimento da
Algodão Algodão Algodão
e Pele Pele
7,5% 6,2%
Pele Pele
4,2% independência brasileira. O resultado foi que a Inglaterra se
13,6% 7,9% 6,0% 5,6%
ressentiu de tal iniciativa brasileira e justificou a realização de
Borracha Borracha Borracha
Couros e retaliações, ou medidas punitivas ao Brasil. Nesse contexto,
Pele
2,3% 3,1% 5,5%
3,2% o Parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen (1845), lei pela
qual a Marinha britânica poderia apreender embarcações
fonte: Luiz Roberto Lopez. História do Brasil Imperial. negreiras no Atlântico Sul e levar a tripulação, os traficantes
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. p. 68.
de escravos, para julgamento nos tribunais ingleses. Mesmo
já havendo no Brasil uma lei de 1831, que proibia o tráfico
Dessa forma o Brasil se consolidava como um país
de escravos, ele ainda ocorria intensamente na década de
agrícola, diferentemente de algumas nações europeias,
1840. Mas agora com a fiscalização inglesa, certamente, o
como Inglaterra e França, e fora da Europa, os Estados Brasil ingressaria num grave problema de reprodução de
Unidos, e um pouco mais tarde, o Japão, que passavam sua mão de obra.
pela Segunda Revolução Industrial, processo que per-
mite agregar mais valores às exportações e trazer mais 1 José Murilo de Carvalho e Leslie Bethell. O Brasil da independência a meados do século
XIX. In: Leslie Bethell (Org.). História da América Latina, v. 3. São Paulo: Edusp, 2001. p. 749.
divisas para o país. Mas qual seria a razão para que se 2 Idem, p. 747.
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Desembarque de escravos africanos no Brasil (1831-1853) O gradativo assalariamento da mão de obra na agri-
ano escravos ano escravos cultura, com a chegada de imigrantes, o protecionismo
econômico da Tarifa Alves Branco, a mercantilização do
1831 138 1844 22 849
acesso à terra e o excedente de capital acumulado com
1835 745 1845 19 453 a produção cafeeira promoveram um aprofundamento
1836 4 966 1846 50 234
das relações capitalistas de produção no país. Alguns
autores chamam esse momento de “modernização ca-
1837 35 209 1847 56 172 pitalista”, no qual surgiram bancos e indústrias no Brasil,
1838 40 256 1848 60 000 bem como foram construídas as primeiras ferrovias,
como a Rio-Petrópolis e a Santos-Jundiaí, que servia para
1839 42 182 1849 54 061 escoar a produção cafeeira do Oeste Paulista. O maior
1840 20 796 1850 22 856 representante dessa fase foi o barão de Mauá, grande
empreendedor da época, que acumulou fortuna muito
1841 13 804 1851 3 287
rapidamente, mas que acabou por perdê-la diante das
1842 17 435 1852 800 mudanças na condução econômica do país, como a re-
1843 19 095 1853 dução tarifária de 1857, a lei Silva Ferraz, que estimulou
importações e comprometeu os seus negócios
fonte: Leslie Bethell. A abolição do comércio brasileiro de No entanto, mesmo com esse surto de desenvolvimento
escravos. Brasília: Senado Federal, 2002. p. 440. industrial, não se pode afirmar que o Brasil se industrializou.
Tampouco que as indústrias nacionais estavam no mesmo
patamar tecnológico das indústrias da Europa. No Velho
Lei Eusébio de Queirós (1850) e as Mundo as principais nações já passavam pela Segunda
transformações econômicas Revolução Industrial, pela qual se desenvolvia a produção
em larga escala de aço, com o qual se construíram centenas
Conforme se percebe pela leitura da tabela sobre o tráfico de quilômetros de ferrovias por quase todo o continente, e
de escravos, o desembarque de cativos no Brasil aumentou na qual o petróleo já figurava como potencial fonte energé-
substancialmente após a lei de 1831,que não“pegou”. Porém, tica, para motores de combustão interna, que equiparia os
a partir de 1850, houve queda acentuada, de 22 856 escravos carros no limiar do século XIX. Dessa forma, a industrializa-
em 1850, para 3 287, em 1851. Qual será o motivo dessa mu- ção brasileira se deu tardiamente, o que gerou, em muitos
dança de tendência? Trata-se da assinatura da Lei Eusébio de setores, dependência de importação de tecnologias para
Queirós, de 1850, pela qual o Parlamento brasileiro, proíbe fabricação de inúmeras mercadorias.
definitivamente o tráfico negreiro para o país. Era uma forma
de acalmar os interesses britânicos e evitar situações vexami-
Fique esperto!
nosas, nas quais a Marinha inglesa poderia fazer apreensões
Lei de Terras (1850)
em águas brasileiras. Importante observar que se extingue
Pouco antes da chegada dos imigrantes já era latente,
ou diminui-se drasticamente o tráfico atlântico de escravos,
entre a classe política (liberais e conservadores) e
não a escravidão, só abolida formalmente em 1888, no Brasil.
fazendeiros, a preocupação com o acesso à posse de
A demanda por escravos fez surgir um tráfico interno,
terras por parte dos mais pobres. Duas semanas após a
das áreas economicamente decadentes do Império para
aprovação da Lei Eusébio de Queirós, que extinguiu o
as mais dinâmicas, isto é, do nordeste do país para o eixo
tráfico de escravos e abriu a possibilidade de entrada
centro-sul, sobretudo as tradicionais lavouras de café do
dos imigrantes, o Parlamento brasileiro aprovou a
sudeste de Minas Gerais e Vale do Paraíba, em São Paulo.
Lei de Terras, pela qual se procurava ordenar a posse
Com o esgotamento dessa possibilidade, a imigração apa-
de terras. A partir de então, as terras públicas seriam
receu como resposta ao problema da mão de obra. Isso se
vendidas por preço de mercado, que deveria ser su-
deu efetivamente na década de 1880, quando o trabalho
ficientemente elevado para impedir que imigrantes
assalariado passou a ser predominante no Oeste Paulista, e
pobres pudessem adquiri-las, e não mais doadas,
a entrada de imigrantes se tornou intensa. A princípio é de
como ocorria desde os tempos coloniais. Mas por
esperar que a mão de obra assalariada seja mais cara que
que impedir que os imigrantes comprassem seus
a escrava, devido ao pagamento de salários. Entretanto,
próprios lotes de terra? Naturalmente, a elite agrária
o valor desembolsado pelos fazendeiros para adquirir os
tinha a intenção de substituir a mão de obra escrava
escravos era muito grande, o que não era necessário no caso
por outra que não representasse gastos adicionais.
dos imigrantes. Isso fez que se liberasse boa quantidade de
Se os imigrantes tivessem suas próprias terras, não se
capitais, antes investida na aquisição de mão de obra, para
submeteriam aos baixos salários pagos como remu-
outros setores da economia, além da agricultura, como os
neração aos trabalhos agrícolas por eles executados.
setores bancário, industrial e ferroviário, por exemplo.
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pressão para expandir a infraestrutura tornou-as mais de representantes e governantes, que com a república
conscientes de sua dependência da administração cen- seriam eleitos por mérito e competência.
tral. A situação era agravada pelos conflitos, dentro de
[...]
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ainda houvesse escravidão, para visitar a Escola de Tiro c) a aprovação da Maioridade, que intensificou as rela-
do Rio de Janeiro, razão pela qual Sena Madureira foi pu- ções econômicas com os Estados Unidos.
nido com a transferência para o Rio Grande do Sul, onde d) a eliminação da escravidão e a consequente liberação
passou a fazer várias críticas à monarquia. A monarquia de capitais para novos investimentos.
chegou a proibir que militares se manifestassem pela e) o estabelecimento da Lei Alves Branco, a partir da qual
imprensa sobre política, intensificando as divergências. a intervenção do Estado na economia se tornou nula.
Em 1887 Deodoro da Fonseca funda o Clube Militar para
defender os interesses dos “homens de farda”. A primeira 2. (Mack) A abolição do tráfico escravo, por pressão
reivindicação de Deodoro, para o ministro da Guerra, foi a inglesa em 1850, resultou em várias alterações no
de que o Exército não mais perseguiria escravos fugidos. quadro da economia imperial, EXCETO:
A recusa do ministro a tal pedido não impediu que, na a) a transferência de capitais do tráfico para as ativida-
prática, os militares não mais exercessem essa função. des industriais.
b) a Lei de Terras, que dificultava o acesso à propriedade
da terra para imigrantes pobres e posseiros.
Fique esperto! c) o desenvolvimento da imigração como alternativa
“A 11 de novembro de 1889, figuras civis e militares, de mão de obra.
como Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo d) o crescimento do tráfico escravo interno, largamente
e Quintino Bocaiuva reuniram-se com o marechal utilizado pelos fazendeiros do Centro-Sul.
Deodoro, tratando de convencê-lo a liderar um movi- e) o acesso democrático às terras públicas, a redução
mento contra o regime. A participação de Deodoro era das atividades econômicas e o retrocesso no proces-
importante como figura conservadora e de prestígio no so de modernização do país.
Exército. Ele resistia por ser amigo do imperador e não
gostar da presença de civis na conspiração” 5 que leva- 3. (Mack) Guerra do Paraguai, modernização e poli-
ria à proclamação da República, em 15 de novembro tização do exército e queda da Monarquia são fatos
de 1889, via golpe de Estado. O que movia Deodoro diretamente relacionados, já que:
era, principalmente, o receio sobre as iniciativas do a) o exército identificava-se com o elitismo do governo
recém-empossado chefe de governo liberal viscon- imperial, enquanto a marinha compunha-se basica-
de de Ouro Preto, sobre as quais pairavam suspeitas mente de classes populares e médias, contrárias à
de redução do efetivo militar no país, dissolução do monarquia.
Exército e até a prisão de Deodoro da Fonseca. b) vitorioso na guerra, o exército adquiriu consciência
política, transformando-se num instrumento de de-
fesa da abolição e do republicanismo.
Articulava-se, dessa forma, uma aproximação entre c) a derrota na guerra e o endividamento do país for-
os grupos urbanos, os fazendeiros do Oeste Paulista e taleceram a oposição militar ao regime imperial.
os militares, todos republicanos e abolicionistas. A pre- d) embora sem vínculos com ideias positivistas, o exér-
sença dos militares nesse movimento dava a certeza à cito aproximou-se dos republicanos radicais.
burguesia cafeeira que a queda da monarquia não viria e) para combater os interesses das camadas médias
acompanhada de agitações populares, que pudessem que apoiavam o governo monárquico, o exército
pôr em risco os privilégios sociais, como a posse da terra, desfechou o golpe de 15 de novembro.
mas abriria espaço para a participação desse grupo social
na configuração do governo republicano.
Estudo orientado
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d) ao favorecer o desenvolvimento do setor naval con- ilícito comércio e fazê-los convergir a um centro onde
tribuiu para a reorganização da marinha que, após a pudessem ir alimentar as forças produtivas do país, foi
guerra, colocou-se contra a monarquia. o pensamento que me surgiu na mente, ao ter certeza
e) a participação das camadas mais pobres da popu- de que aquele fato era irrevogável.
lação na guerra respondeu pela sua integração nas Visconde de Mauá – Autobiografia. Citado por MATTOS, Ilmar
decisões políticas após a proclamação da República. R. & GONÇALVES, Marcia de A. O Império da boa sociedade.
São Paulo, Atual, 1991.
2. (Fatec) Considere como possíveis fatores envolvidos Os centros urbanos brasileiros,principalmente a capital –
no movimento abolicionista os seguintes:
a cidade do Rio de Janeiro, – passaram por grandes
I. a resistência dos escravos.
transformações a partir da segunda metade do século
II. o custo do escravo que, a partir do Bill Aberdeen
(1845), aumentou, encarecendo e tornando inviável XIX. Irineu Evangelista de Souza, Visconde de Mauá,
a sua utilização. foi um dos principais personagens desse processo de
III. os abolicionistas, moderados ou radicais, que lutavam mudanças.
contra esse sistema de mão de obra. No período citado, a capital do império sofreu, dentre
IV. os latifundiários nordestinos, que perceberam que outras, as seguintes transformações:
a mão de obra livre era mais eficiente para suas a) criação de indústrias metalúrgicas e siderúrgicas,
lavouras. surgimento de bancos e diversificação da agricultura.
b) crescimento da economia cafeeira, utilização da
Conjugaram-se para a abolição da escravatura no mão de obra imigrante assalariada e mecanização
Brasil os fatores expostos em: do cultivo.
a) I, II e III apenas. c) diminuição da importância da economia agroexpor-
b) I, II e IV apenas. tadora, desenvolvimento de manufaturas e exporta-
c) I e II somente. ção de bens de consumo manufaturados.
d) I, II, III e IV. d) aplicação de capitais na modernização da infraestrutura
e) III e IV somente. de transportes,no aprimoramento dos serviços urbanos
e desenvolvimento de atividades industriais.
3. (UFMG) Leia a frase.
Precisamos de braços [...] no intuito de aumentar 5. (UFRN) No Brasil, o Movimento Republicano se
a concorrência de trabalhadores e, mediante a lei da fortaleceu a partir de 1870 e culminou com o fim do
oferta e procura, diminuir o salário. período monárquico.
Fala de um deputado paulista, Anais da Câmara,1888. Inspiravam o ideário desse Movimento:
a) Liberalismo, coronelismo e soberania nacional.
A frase acima se refere: b) Anarquismo, militarismo e abolição da escravatura.
a) à polêmica em torno da preparação dos trabalhado- c) Positivismo, federalismo e separação entre Igreja e
res brasileiros, visando a sua adequação ao trabalho Estado.
no interior das fábricas. d) Iluminismo, reformismo e centralização política.
b) à discussão frente às revoltas populares que, no final
6. (Fuvest) Fazendo um balanço econômico do Segundo
do século XIX, reivindicavam a manutenção dos níveis
Reinado, podemos afirmar que ele foi um período no
salariais.
qual:
c) ao debate em torno da política imigratória, que
permitiu a criação de condições para sustentar a a) algumas atividades ganharam importância, como a
expansão cafeeira. criação do gado no Rio Grande do Sul e as lavouras
d) à proposta de solução para a escassez de mão de de açúcar no Nordeste.
obra escrava no centro-sul do País, no contexto do b) o Brasil deixou de ser um país essencialmente agrário,
abolicionismo. ingressando na era da industrialização.
c) a Amazônia passou a ter um grande destaque com
4. (Uerj) o boom, desde 1830, da produção da borracha.
Acompanhei com vivo interesse a solução desse d) ocorreram grandes transformações econômicas com
grave problema [a extinção do tráfico negreiro]. as quais o centro-sul ganhou projeção em detrimen-
Compreendi que o contrabando não podia reerguer- to do nordeste.
-se, desde que a “vontade nacional” estava ao lado do e) as diversas regiões brasileiras tiveram um crescimen-
ministério que decretava a supressão do tráfico. Reunir to econômico constante, uniforme e progressivamen-
os capitais que se viam repentinamente deslocados do te integrado.
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ras brasileiras e chilenas, além de 10 000 lanternas republicanas com um acontecimento inesquecível,
venezianas. Seis salões abrigavam as danças. No uma marca da solidez do Império.
primeiro deles, as paredes se escondiam sob cachos Tudo foi montado para atingir esse objetivo, e o Rio
de flores naturais e palmas. Nos dois maiores, entre de Janeiro parou para participar da festa ou apenas
tapetes vermelhos, âncoras douradas e prateadas, assisti-Ia. O ministro chileno, Manoel Villamil Blanco,
foram colocados retratos recém-pintados do almi- e o comandante Banem, do Almirante Cochrane, le-
rante Cochrane e do almirante Greenfell. Um repu- vantaram vivas e moções de solidariedade ao governo
blicano infiltrado no baile, que dias depois publicou brasileiro e ao imperador. Pelos salões desfilou a fina
suas impressões na Revista Ilustrada, comenta que flor da aristocracia, da oficialidade e da sociedade
a certa altura os salões tornaram-se pequenos para cariocas. Para se ter uma ideia da animação do evento,
o número de convidados. “Para conseguir o espaço basta ver a lista, recentemente divulgada, dos despo-
necessário às danças, o senhor Hasselmann, guarda- jos encontrados nos salões na manhã do domingo. A
-mor da alfândega, teve de suar, não só o topete, mas lista inclui, por exemplo, oito raminhos de corpete, três
também o colarinho, de tal modo que este perdeu coletes de senhora, dezessete ligas, dezesseis chapéus,
toda a compostura e tomou o aspecto de uma sim- nove dragonas, treze lenços de seda, nove de linho
ples tripa enrolada no pescoço”. e quinze de cambraia. Sabe-se lá o que essas moças
A ceia foi um capítulo à parte na festa. Foram estavam fazendo quando perderam as ligas. Coisa
armadas mesas em forma de ferradura, para 250 muita séria não era.
talheres cada uma. Nas cabeceiras das mesas, dois Mal sabiam o visconde de Ouro Preto, o impera-
enormes pavões empalhados estendiam as caudas dor e os convidados ilustres que o baile, em vez de
multicoloridas. Seguiam-se pratos de peixe e de caça pavimentar a suposta solidez do Império, marcaria o
colocados alternadamente e, entre eles, havia enormes seu último suspiro. É bem verdade que, na corrida aos
castelos de açúcar, em cujos torreões foram colocados cofres públicos para organizar festas suntuosas para
bombons. À frente de cada prato havia nove copos de os oficiais chilenos, Ouro Preto e as hostes monárquicas
feitios diferentes, três brancos e seis coloridos. Por essas não estiveram sozinhos. Sabe-se de pelo menos um
mesas, passou um desfile monumental de iguarias caso de corporação do Exército – a da Fortaleza de
que daria para alimentar um exército. Republicano, São João – que, não desejando ficar atrás da Marinha
naturalmente. nas homenagens aos oficiais do Almirante Cochrane,
A família imperial chegou ao cais pouco antes pediu e obteve verbas do governo imperial para or-
das 10 horas. D. Pedro II, fardado de almirante, a im- ganizar seu ágape. “O tenente-coronel Leite de Castro
peratriz Teresa Cristina e o príncipe D. Pedro Augusto me escreveu pedindo 1 conto de réis e eu o atendi
embarcaram primeiro. Quinze minutos depois foi a prontamente” , diz o visconde.
vez da princesa Isabel e do conde D’Eu. Uma vez no É possível que o próprio imperador, em seu exílio,
palácio, foram conduzidos a um salão em separado, esteja a essa hora se arrependendo de ter atravessado
onde já se achavam reunidos membros do corpo a Baía de Guanabara rumo à Ilha Fiscal naquela noite
diplomático estrangeiro oficiais e alguns eleitos da faustosa e fatídica. Desde que, na juventude, granjeou
sociedade carioca. O guarda-roupa da imperatriz fama como um autêntico pé de valsa, e do tipo galan-
não chegou a causar impressão especial entre os teador, D. Pedro nunca mais demonstrou prazer em
convidados – um vestido de renda de chantilly preta, participar de grandes bailes oficiais e sequer tomou
guarnecido de vidrilhos. A toalete da princesa Isa- a iniciativa de promovê-los. Numa monarquia, por
bel, no entanto, causou exclamações de admiração tradição, é o monarca e sua família que dão o tom
pelo luxo e pela beleza. Ela portava uma roupa de da vida social da corte. Se dependesse dele, o tom dos
moiré preta listada, tendo na frente um corpinho salões cariocas teria sido pálido.
alto bordado a ouro. Nos cabelos, carregava um Coube aos grandes anfitriões da cidade, como o
diadema de brilhantes. barão de Cotegipe e a Mme. Haritoff, movimentarem
O grande baile do visconde de Ouro Preto estava a sociedade durante o Império, com suas festas ines-
marcado inicialmente para o dia 18 de outubro. No quecíveis. A princesa Isabel e o conde D’Eu reagiram
dia 14, porém, chegou ao Rio a notícia de que D. Luiz I, a essa frieza social de D. Pedro, organizando reuniões
rei de Portugal, estava à morte, o que efetivamente animadas no Paço de Petrópolis e no Paço Isabel.
ocorreu cinco dias depois. Mesmo envolta em luto, a Nada disso, porém, encontrava eco no Paço de São
corte decidiu manter a festa e adiá-la para este mês. Cristóvão. Com o baile da Ilha Fiscal, organizou-se a
Para o visconde de Ouro Preto – embora ele tivesse mais suntuosa das festas para marcar a derrocada
confiança na firmeza do poder monárquico brasileiro – de um imperador que detestava festas suntuosas.
o baile serviria para rebater a disseminação das ideias Certamente, ele poderia ter partido para o exílio sem
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carregar na bagagem as marcas dessa idéia luminosa • Museu do Imigrante, localizado no bairro do Brás em
do visconde de Ouro Preto. São Paulo. A edificação é a antiga Hospedaria dos Imi-
fonte: http://veja.abril.com.br/historia/republica/sociedade- grantes, onde eles ficavam hospedados até irem para
baile-imperio-ilha-fiscal.shtml. acesso em: 30 jan. 2011. as fazendas. É possível fazer um pequeno passeio de
maria-fumaça.
Reflita: Segundo o texto, o que representou para a • Estação da Luz, localizada no bairro da Luz, cidade de
monarquia brasileira o baile de Ilha Fiscal? São Paulo. Trata-se de uma estação de trem construída
com ajuda dos ingleses na estrada de ferro que ligava
pesquisar e ler Jundiaí a Santos, para viabilizar a grande exportação
de café. Aproveite que está na região, embora não haja,
• Regina S. Bega. Migração no Brasil. São Paulo: Scipione, especificamente, pertinência com o tema desta aula, e
2002. Traz, em linguagem didática, uma boa síntese do visite o Museu da Língua Portuguesa, praticamente na
fenômeno migração no Brasil. Os capítulos 1 e 2 têm mesma edificação da estação e, do outro lado da rua,
particular pertinência para o problema da mão de a Pinacoteca do Estado, onde há um enorme acervo
obra, relativo ao tema desta aula. Boa leitura! de artes plásticas. Bom passeio!
• Aluísio Azevedo. O cortiço. Interessante narrativa lite- • Ilha Fiscal (RJ), bem próxima da cidade do Rio de Ja-
rária que se passa no Segundo Reinado e que mostra, neiro, na baía de Guanabara. Lá existe uma espécie de
com muita propriedade, o universo dos grupos mais palácio onde eram realizadas cerimônias importantes,
humildes da sociedade brasileira daquele período. e que, naturalmente, envolviam importantes membros
Nas palavras do próprio autor, a narrativa é sobre o da corte brasileira. Foi lá, inclusive, que foi realizado
contraste dos mundos de “galegos e cabras”. o último baile do Império, no dia 9 de novembro de
• J. E. Casalecchi. A proclamação da República. São Paulo: 1889, uma semana antes da proclamação da Repúbli-
Brasiliense, 1992. Livro de cunho historiográfico, que ca, ocorrida em 15 de novembro. A festa foi feita para
analisa as estruturas do Segundo Reinado que entra- recepcionar um ministro e oficiais da Marinha chilena.
ram em crise e ruíram. Tratou-se de um acontecimento de tal ordem, que
mesmo após o fim da monarquia comentava-se nos
jornais aquela noite. É possível comprar, no Museu da
ver e ouvir Marinha, no centro do Rio de Janeiro, o ingresso do
barco que leva até a ilha. Imperdível!
• Mauá, o imperador e o rei. Brasil, 1999. Filme dirigido por
Sérgio Rezende. Boa oportunidade para tomar contato
com o clima de negócios surgidos com a moderniza- senha
ção capitalista do Segundo Reinado.
• Policarpo Quaresma, o herói do Brasil. Brasil, 1998. Fil- “Saio da vida para entrar na História.”
me adaptado da obra literária Triste fim de Policarpo Que presidente brasileiro escreveu essas palavras
Quaresma, de Lima Barreto. Trata-se de uma divertida proféticas?
tradução de um pouco das ideias republicanas em
voga no fim do Segundo Reinado.
• Amistad. EUA, 1997. Dirigido por Steven Spilberg.
Trata-se de um bom filme que retrata bem as pressões
inglesas pelo fim do tráfico negreiro no século XIX.
• Gilberto Gil, “A mão da limpeza”, álbum Raça Humana,
1984. Música cuja letra desconstroi um ditado
popular racista. Vale a pena conferir!
passear
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A Era Vargas: a construção do populismo aula 5
Getúlio Vargas que estais no Rio Grande do Sul, glo- clara centralização do poder no governo federal, em
rificada seja a vossa luta. Venha a nós a vossa força, seja detrimento da oligarquia paulista, predominante na
vitoriosa a vossa causa assim no sul como no norte. Per- política do Café com Leite.
doai as nossas covardias, assim como nós perdoamos aos
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legalistas. Não nos deixeis cair em poder de Washington
Luís e livrai-nos de Júlio Prestes. Amém.
O “Padre Nosso” dos revolucionários de 1930
Antecedentes
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história do Brasil • aula 5
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história do Brasil • aula 5
Acervo Iconographia
“mãe dos ricos”.
Fique esperto!
No dia 23 de maio de 1932, quatro estudan- “Ouro para o bem de São Paulo”, campanha em que o gover-
tes foram assassinados no centro de São Paulo, no paulista arrecadou fundos para financiar parte da guerra
quando participavam de uma manifestação cívica contra as tropas getulistas.
antigetulista. Simpatizantes do governo varguista
dispararam contra a multidão, acertando e matan- Num fragmento de jornal da época, constatamos o
do Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo. A morte anseio dos paulistas pela retomada do controle político
do quarteto MMDC foi amplamente usada em São do estado de São Paulo:
Paulo numa campanha contra Vargas. Cerca de um
mês e meio depois, estourava a Revolução de 32, no São Paulo não está apenas descontente. Está ferido
dia 9 de julho. na sua sensibilidade. O que a Revolução lhe pediu ele
lho deu [...] Por que a Revolução tarda em restaurá-lo
na sua autonomia e no governo direto de seus filhos?
A Revolução de 32 foi uma tentativa de a oligar- Cansado de viver como terra conquistada, São Paulo
quia paulista retomar o controle político do Estado [...] pede apenas, à frente da administração de seus
brasileiro, pois o objetivo dos revolucionários era negócios, um de seus filhos que lhe compreenda o
marchar até o Rio de Janeiro e depor o presidente espírito e não lhe golpeie o coração.2
Vargas. Contudo, não era esse o escopo declarado
da Revolução. Havia um verniz ideológico que lhe Os revolucionários paulistas contavam receber apoio
atribuía uma causa nobre: São Paulo lutava para que militar do Mato Grosso e de Minas Gerais, mas este não se
Vargas fizesse uma Constituição para o país, capaz de concretizou. O general Bertoldo Klinger, de Mato Grosso,
regular os direitos dos cidadãos brasileiros diante de desembarcou em São Paulo com algumas poucas cen-
um governo golpista, que já havia dois anos governava tenas de homens, frustrando os paulistas. Ao longo de
sem um conjunto consistente de leis. Isso atraía para aproximadamente três meses, a Força Pública de São
o corpo de apoio da Revolução a classe média urbana, Paulo enfrentou as tropas getulistas, superiores na posse e
reunida em torno do Partido Democrático (PD), que no uso de equipamentos militares, bem como no número
deixara de apoiar Vargas, pois ele demorava a cumprir de soldados. Para tentar compensar a inferioridade no
promessas como o voto secreto, que fizera na época
da Aliança Liberal. 2 O Estado de S.Paulo, 27 jan. 1932.
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história do Brasil • aula 5
campo das armas, a Escola Politécnica, atual Escola de En- pertenciam: profissionais liberais, funcionários públi-
genharia da USP, desenvolveu uma geringonça chamada cos, empregados e empregadores. Os demais cento e
matraca. Esta não disparava nem um tiro sequer, apenas setenta deputados eram eleitos proporcionalmente à
fazia o barulho de muitos disparos sucessivos, como se população de cada estado da federação. Esse critério
fosse uma metralhadora. Foi o suficiente para conseguir, de representação classista rendeu a essa Constituição
algumas vezes, afugentar do campo de batalha membros o rótulo de corporativista, a exemplo do que ocorria
da tropa federal! Imaginem a coragem desses soldados do na mesma época em governos nazifascistas como o
Exército! Apesar de tudo isso, a Revolução de 32 foi der- da Alemanha e o da Itália.
rotada no campo de batalha, mas os paulistas obtiveram • Nacionalização dos recursos hídricos e minerais da
uma importante vitória política:Vargas percebeu que não superfície e do subsolo brasileiro. Só o Estado poderia
podia subestimar a oligarquia paulista, uma vez que esta explorá-los, ou uma empresa nacional sob concessão
era capaz de pegar em armas para depô-lo. Era prudente, do Estado.
então, nomear para governar o estado um interventor civil • Mandatos para cargos executivos de 4 anos (presi-
e paulista, caso de Armando de Salles Oliveira, ligado ao dente, prefeito e governador), com voto direto e sem
Partido Democrático. direito a reeleição.
Acervo Iconographia
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo
Coleção particular
Acervo Iconographia
A segunda fase do governo de Getúlio Vargas, é
dita constitucional devido à promulgação de uma
nova Constituição, elaborada pela Assembleia Nacional
Constituinte, cujos trabalhos se iniciaram em 15 de no-
vembro de 1933 e terminaram em 16 de julho de 1934.
Após a promulgação, a mesma Assembleia votou mais
um mandato presidencial de 4 anos para Vargas, que se
encerraria em 1938. Quanto às inovações da Carta de
1934, merecem destaque:
• Voto secreto e obrigatório para maiores de 18 anos,
tanto do sexo masculino quanto do feminino. No en-
tanto, só podiam votar as mulheres que exercessem Primeira deputada do Brasil: a médica Carlota Pereira Queiroz.
“função pública remunerada”, conforme estabelece
o artigo 109. Estavam excluídos do direito ao voto No entanto, o presidente Vargas parece não ter apre-
os estrangeiros, os analfabetos, os mendigos e os ciado muito o que se estabeleceu na nova Constituição.
militares das Forças Armadas com patente inferior à Em discurso na própria Assembleia, disse:
de sargento.
• Representação classista: havia, em 1934, cinquenta A Constituição de 34, ao revés da que se promul-
deputados eleitos por sindicatos ou associações pro- gou em 1891, enfraquece os elos da federação: anula,
fissionais, de acordo com a classe profissional a que em grande parte, a ação do presidente da República,
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história do Brasil • aula 5
cerceando-lhe os meios imprescindíveis à manutenção indígena, ao mesmo tempo em que erguiam a mão
da ordem, ao desenvolvimento normal da administra- direita para um pouco mais alto que o ombro.
ção: acoroçoa as Forças Armadas à prática do faccio-
sismo partidário, subordina a coletividade, as massas
proletárias e desprotegidas ao bel-prazer das empresas Fique esperto!
poderosas; coloca o indivíduo acima da comunhão. [...] A AIB foi a maior manifestação do fascismo brasileiro.
Serei o primeiro revisor da Constituição. 3 Segundo os pesquisadores Marcos Chor e Roney
Cytrynowicz, o fascismo tem os seguintes aspectos:
Revisor talvez não fosse a palavra certa: pouco mais Controle exclusivo do exercício da representação
de três anos depois, Vargas seria o maior responsável por política mediante a atuação de um partido único
um golpe de Estado no próprio governo, cujo resultado de massa, caracterizado por estrutura fortemente
foi o estabelecimento de uma ditadura e a consequente hierárquica; ideologia centrada no culto à liderança
anulação da Carta de 34, ao que se seguiu a redação da política; exacerbação dos valores da nacionalidade;
Carta de 1937, esta sim mais a seu gosto. recusa dos princípios que norteiam o liberalismo
Quanto ao debate político nos três anos de governo individual; oposição radical aos valores do socialismo
constitucional (1934-1937), pode-se afirmar que ele e do comunismo; exaltação da colaboração de classes
esteve polarizado entre duas agremiações políticas e crença no ideal corporativo; atribuição de um papel
responsáveis por sintonizar o Brasil no vocabulário central ao aparato estatal no plano econômico, social
ideológico europeu. Trata-se da AIB (Ação Integralista e político; domínio absoluto do Estado sobre as infor-
Brasileira) e ANL (Aliança Nacional Libertadora), cujos mações e, especialmente, os meios de comunicação
programas eram bem definidos e responsáveis por de massa; eliminação de qualquer forma de plura-
grande mobilização em nível nacional. lismo político, com o aniquilamento das oposições,
embasado na violência e no terror.4
Acervo Iconographia
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história do Brasil • aula 5
Acervo Iconographia
em 1935, pois a revolução não estava sedimentada no
povo. Uma tentativa revolucionária frustrada poderia ser
o motivo dado ao governo para aumentar a repressão
sobe os grupos de esquerda.
Agência OGlobo
Acervo Iconographia
Manchetes da primeira edição do jornal O Globo, do dia 26 de Olga Benário presa, indo
junho de 1935, nas quais se denuncia que o Brasil é alvo de um para uma audiência.
perigoso plano subversivo: “SOVIETS NO BRASIL”.
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história do Brasil • aula 5
7 Maria Helena Capelato. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: Jorge Ferreira (Org.).
Para a professora Maria Helena Capelato, o golpe Brasil republicano, livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 116-117.
do Estado Novo pode ser entendido como uma conti- 8 Leviatã é o nome de um monstro bíblico usado por Thomas Hobbes para nomear o Estado
absolutista, que em quase tudo interferia nos países europeus da época moderna (século
nuidade da Revolução de 1930. Só em 1937 foi possível XV ao XVIII).
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história do Brasil • aula 5
mas, ao mesmo tempo, os impediram de fazer greve Mas, sem dúvida, o ponto
Acervo Iconographia
ou de se mobilizar, pois os sindicatos passaram a ser alto da concentração de tec-
controlados por tecnocratas do Estado. nocratas foi a criação do De-
A intervenção do Estado na economia não parou partamento de Administra-
aí, com a mediação dos conflitos entre patrões e em- ção do Serviço Público (Dasp),
pregados. Vargas deu novo impulso à industrialização, que contratou milhares de
via substituição de importações, erguendo barreiras funcionários públicos para as
tarifárias para produtos estrangeiros que poderiam inúmeras novas empresas e
ser produzidos no Brasil e abaixando as tarifas alfan- órgãos recém-criados como
degárias de máquinas e equipamentos industriais, os Conselhos Técnicos – cujos
o que permitiria a aquisição de bens de capital para melhores exemplos são o
reequipar as indústrias brasileiras. Conselho de Segurança Na-
Foi o Estado também que investiu em setores cional e o Conselho Nacional
pouco interessantes para a iniciativa privada, nos do Petróleo –, que substituí-
quais o investimento inicial é grande e a lucratividade, ram o parlamento no debate
pequena, o que implica retorno de longo prazo, como com a sociedade sobre temas
são exemplos os setores de mineração e de siderurgia. relevantes da administração Júlio de Mesquita Filho,
A criação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, pública. Entretanto, era pre- dono do jornal O Estado de
S. Paulo, que foi fechado e
em Minas Gerais, estatal do ramo minerador, e a ciso contratar técnicos que, expropriado em 1940, por or-
fundação, no mesmo ano, da Companhia Siderúrgica além de ter conhecimentos dem da ditadura, em virtude
Nacional (CSN), do ramo siderúrgico, também conhe- específicos satisfatórios, fos- de seus artigos em defesa
cida como Usina de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, sem ideologicamente alinha- das teses liberais.
são testemunhos da penetração do Estado nas áreas dos com o governo. Respon-
consideradas estratégicas para a economia do país. sável pela contratação, gestão e demissão de pessoal,
No mesmo contexto criou-se a Fábrica Nacional de o Dasp procedeu a uma depuração do serviço público,
Motores (FNM), estatal inicialmente ligada à produção excluindo funcionários que se opusessem ao governo
de motores para aviões, depois tratores e, na década ou ao próprio Vargas.
de 1950, caminhões. Criou-se ainda o Departamento de Imprensa e Pro-
Com finalidade diferente da CSN ou da FNM, a paganda (DIP), responsável pela imagem do governo pe-
ampliação dos quadros do Dops também demonstra rante o público e pelo estabelecimento da censura, isto
o inchaço do aparelho de Estado. O Dops, Departa- é, do cerceamento da liberdade de imprensa. A ditadura
mento de Ordem Política e Social, teve papel central varguista mostrava uma de suas faces mais autoritárias.
na repressão daqueles que se opunham ao governo No plano externo, o Estado Novo teve de enfrentar a
varguista. À frente desse departamento, estava o ex- Segunda Guerra Mundial. Vargas acabou optando pelos
-tenente Filinto Muller, que conduziu ferrenha perse- Aliados, aliança entre EUA, União Soviética, Inglaterra,
guição aos membros do PCB, da ANL e até mesmo da França... Esse lado do conflito, aliás, foi vitorioso, derrotan-
AIB, além de muitos intelectuais que se recusavam a do no campo de batalha italianos, alemães e japoneses,
colaborar com o regime ditatorial. que representavam as ditaduras nazifascistas, modelo
por que Vargas nutria uma certa simpatia e com o qual
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história do Brasil • aula 5
Estudo orientado
exercícios
1. (Ufes)
Foi a ascensão das classes sociais urbanas, com
a deposição do governo Washington Luís, em 1930,
que criou novas condições sociais e políticas para a
conversão do Estado oligárquico em Estado burguês.
Esse foi o contexto em que o governo Getúlio Vargas,
nos anos 1930-1945, passou a pôr em prática novas
diretrizes políticas quanto às relações entre assalaria-
dos e empregadores.
Comício Queremista no Largo da Carioca.
Octávio Ianni. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930
As declarações de Vargas de que não se importaria de – –1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. p. 34.
continuar na presidência, como propunham os petebistas,
motivaram o general Góes Monteiro, ministro do Exército, Conforme o texto, novas diretrizes políticas passaram
a articular um “golpe preventivo”, que afastou Vargas do a nortear o governo Vargas, especialmente após 1937,
cargo para garantir a realização das eleições. Em seu lugar, quando foi decretado o Estado Novo, que intensificou
foi empossado José Linhares, presidente do Supremo a regulamentação das relações entre as classes patro-
Tribunal Federal. Em dezembro de 1945, saiu vitorioso do nais e os trabalhadores, no processo de industrializa-
pleito eleitoral para presidência da República o general ção vivido pelo Brasil no período posterior a 1930. O
Eurico Gaspar Dutra. espírito dessa intervenção estatal se expressa na:
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história do Brasil • aula 5
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história do Brasil • aula 5
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aula 6 A ditadura militar (1964-1985)
Cada episódio fora da lei é um passo atrás na opinião o golpe, denominado – impropriamente – pelos gene-
pública [...] e uma restrição no estrangeiro. Não sou o rais “revolução”. Engendraram-se ameaças – ou falsas
presidente dos expurgos e prisões. ameaças – à “segurança nacional”. A vã tentativa de
General-presidente Castello Branco1 dar ao regime militar uma aura de legalidade implicou
manter o Congresso em funcionamento a maior parte
Mas para meu desencanto, o que era doce acabou do tempo, permitindo a existência de um partido de
Tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor. fazendo os presidentes militares usarem trajes civis e
Chico Buarque2 garantindo a “alternância no poder”, uma vez que a
ditadura brasileira teve cinco presidentes diferentes.
A economia vai bem, mas o povo vai mal. Assim, não era personalista como a chilena, em que o
General-presidente Emílio Garrastazu Médici3
general Augusto Pinochet permaneceu no poder de
1973 até 1991, quando o país deixou de ser governado
pelos militares. Contudo, tanto o Congresso quanto
A exceção que se tornou a regra o MDB eram constantemente amordaçados por Atos
Institucionais, espécie de decretos presidenciais com
Qual é a diferença entre democracia e ditadura? O
força de lei, alterando a Constituição e tornando legais
que mudou no governo brasileiro após o golpe civil-
as medidas ditatoriais. Até mesmo os civis que aber-
-militar de 31 de março de 1964? Havia uma Constitui-
tamente queriam o golpe militar foram aos poucos se
ção em vigor no país que assegurava a João Goulart
arrependendo dessa posição, diante da truculência e
o cargo de mandatário máximo da nação, duas vezes
da violência com que o regime se impunha. O maior
vitorioso nas urnas: uma em 1960, quando foi o mais
exemplo foi o de Carlos Lacerda, então governador
votado para vice-presidente, outra em dezembro de
do estado da Guanabara4 (pela antiga UDN), que no
1962, quando os eleitores votaram, por ampla maioria,
segundo semestre de 1967 formou com o ex-presidente
pela volta do presidencialismo. No entanto, a ordem
Juscelino Kubistchek (do extinto PSD) e com João Gou-
legal, representada pela Constituição, foi atropelada,
lart (do antigo PTB) a Frente Ampla, uma fraca aliança
não só porque o presidente deixou de ser Jango, mas
política de oposição à ditadura.
principalmente porque vários direitos dos cidadãos
Quanto ao fato de os militares se referirem ao golpe
foram suspensos, como a liberdade de expressão e a
como “revolução”, diz Florestan Fernandes:
plena participação política pelo voto para a escolha
de alguns dirigentes do Estado, como o presidente da
A palavra “revolução” tem sido empregada de
República. Essas subtrações caracterizam o ambiente
modo a provocar confusões... No essencial, porém,
ditatorial, em oposição ao democrático. O primeiro é
há pouca confusão quanto ao seu significado central:
considerado uma exceção, o segundo, a regra. Contu-
sabe-se que a palavra se aplica para designar mudan-
do, o que se observou no Brasil foi o estabelecimento
ças drásticas e violentas na estrutura da sociedade.5
de um governo militar que durou 21 anos, tornando-
-se regra. O golpe de 1964 teria representado drásticas mudan-
As palavras do primeiro presidente da ditadura ças na estrutura da sociedade? Teriam os trabalhadores
militar, Castello Branco, reproduzidas na epígrafe, rurais do Brasil, finalmente, acesso à propriedade da terra?
mostram que o governo ditatorial se preocupava com Teria os analfabetos, finalmente, acesso ao voto? Teriam,
sua imagem perante a opinião pública no Brasil e no revolucionariamente, se universalizado o acesso ao ensino
exterior. Por isso, era preciso um bom motivo para o básico e superior no país? Teria o Estado deixado de se
golpe. A ditadura queria manter as aparências de lega- comprometer com os interesses da burguesia industrial,
lidade, estava “envergonhada”, como a caracterizou o nacional ou estrangeira, ou com os dos latifundiários?
jornalista Elio Gaspari. Desavergonhar-se seria justificar Nada disso. O que houve foi a continuidade das mazelas
sociais e da negligência do Estado em resolvê-las. A
1 Citado por Elio Gaspari. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. diferença residia no recurso a uma repressão violenta e
p. 136.
2 Última estrofe da canção “A banda”, com a qual Chico venceu, em 1966, o Festival de na quase nula participação política da sociedade civil na
Música Popular Brasileira. Disponível em: www.letras.com.br/chico-buarque/a-banda
(acesso em: 15 maio 2010). condução do país, agora governado por militares que
3 Citado por Luiz Carlos Delorme e Fábio Earp. O milagre brasileiro: crescimento acelerado,
integração internacional e concentração de renda (1967-1973). In: Jorge Ferreira (Org.). 4 Incorporado ao estado do Rio de Janeiro em 1975.
O Brasil republicano, v. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 228. 5 Florestan Fernandes. O que é revolução. São Paulo: Brasiliense, 1981. pp. 7-8.
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história do Brasil • aula 6
praticamente não respondiam a nenhuma instituição Alencar Castello Branco. Segundo Elio Gaspari,6 essa
republicana, nem ao Congresso nem ao Judiciário, e eleição resultou de uma articulação entre alguns
mesmo a hierarquia militar era desrespeitada. Eis o que generais e políticos civis para evitar a “autocoroação”
foi o movimento de 1964: antes um golpe que trocou do general Costa e Silva como presidente, pois ele
os agentes do poder que efetivamente uma revolução representava a ala mais radical dos militares, muito
transformadora da estrutura socioeconômica do país. numerosa em 1964, que ambicionava o poder e a
instalação de uma ditadura permanente no país. Essa
ala era chamada de “linha dura” ou ala dos ultrarre-
As novas regras do jogo volucionários, e, além de Costa e Silva, um de seus
maiores expoentes era o coronel Emílio Garrastazu
Os anos da ditadura foram caracterizados pelo for- Médici. Opondo-se aos “duros”, havia os “brandos”,
talecimento do Poder Executivo Federal, que acumulou também conhecidos como castelistas, os quais se dis-
várias atribuições, entre as quais as sucessivas inter- tinguiam dos primeiros por entender que a ditadura
ferências no Poder Legislativo, não só porque cassou deveria ser um governo de exceção, uma ditadura
deputados e senadores ou porque fechou e reabriu o temporária, de curta duração, até que os perigos de
Congresso diversas vezes, mas porque legislou em seu subversão comunista fossem eliminados do país. Seus
lugar. A ditadura impunha à sociedade brasileira os Atos maiores representantes eram o próprio Castello Branco,
Institucionais: 17, ao longo dos 21 anos de autoritarismo. o general Ernesto Geisel e o general Golbery do Couto
No dia 9 de abril de 1964, foi baixado o primeiro Ato e Silva. Castello Branco esperava, em dois anos, passar
Institucional, o AI-1, que vigoraria até 31 de janeiro de o governo para um presidente escolhido por eleições
1966 e estabelecia: livres no país, mas isso não aconteceu. A “linha dura”
• eleição indireta para presidente da República; era também a mais indisciplinada, pois costumava
uma votação no Congresso Nacional seria a res- desobedecer aos comandos dos oficiais “brandos”
ponsável pela escolha; e, às vezes, do próprio presidente Castello Branco.
• prazo limite de 30 dias para a Câmara dos De- Considerada ato de indisciplina militar, a tortura era
putados e mais 30 para o Senado analisarem os a principal infração dos “duros”, mas eles dificilmente
projetos do governo; ultrapassado esse tempo, eram punidos. Montavam-se Inquéritos Policiais Milita-
o projeto seria aprovado por “decurso de prazo”. res (IPM) para apurar as denúncias de abusos militares,
Os deputados da base aliada do governo fre- mas raramente eles concluíam pela culpa dos militares,
quentemente obstruíam as votações para que pois os processos quase sempre eram conduzidos por
se esgotassem os 30 dias e os projetos fossem oficiais conhecidos dos infratores e sob sua influência.
aprovados sem o referendo do Congresso;
• suspensão da imunidade parlamentar; O governo Castello Branco
• possibilidade de cassação de mandatos de depu- (15 de abril de 1964 a 15 de março de 1967)
tados federais ou estaduais, senadores, vereado-
res, prefeitos ou governadores; Ao longo de 1964, 49 juízes foram expulsos e 50
• suspensão dos direitos políticos por dez anos; e parlamentares cassados, 18 deles do PTB, o partido
• possibilidade de demissão de magistrados (juízes, mais prejudicado. A UDN não teve nenhum parlamen-
desembargadores...) e outros funcionários públi- tar cassado, o que demonstra seu apoio e alinhamento
cos, os quais poderiam ser expurgados. com a ditadura desde os primeiros anos. Houve uma
Apesar de o Congresso escolher o presidente, como depuração também entre os funcionários públicos e
ocorre em sistemas parlamentares de governo, não se entre os próprios militares acusados de envolvimento
pode afirmar que a democracia tenha sido mantida, com a esquerda ou contrários ao golpe de 1964. No
pois deputados e senadores não tinham imunidade total, cerca de dois mil civis foram exonerados ou
parlamentar para votar conforme sua consciência. aposentados compulsoriamente do serviço público
Além disso, os candidatos a presidente quase sempre federal. Nas Forças Armadas, exoneraram-se 24 dos
91 generais na ativa, mostrando que o golpe não era
pertenciam à cúpula militar, sendo a eleição indireta
unanimidade entre eles. Ao todo, 421 oficiais foram
uma mera confirmação da vontade desse grupo. A
afastados em razão de seu não alinhamento com a
primeira eleição deu vitória ao chefe do Estado-Maior
do governo João Goulart, o general Humberto de 6 Elio Gaspari. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 125.
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história do Brasil • aula 6
nova situação política do país. Os sindicatos e as con- Ainda que Castello Branco não quisesse ser conheci-
federações de trabalhadores também foram alvo de do como o presidente dos expurgos e das prisões, como
intervenções do governo, responsável pelo expurgo vimos na epígrafe desta aula, nos quase três anos de
de mais de 10 mil pessoas de cargos diretivos dessas seu governo empreenderam-se a “limpeza” da máquina
organizações. pública e a desmobilização da sociedade. Ex-diretor da
Escola Superior de Guerra, Castello foi conivente com
Acervo Iconographia
7 Ibidem, p. 132.
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história do Brasil • aula 6
era composta de “brandos”, sendo Golbery um dos mais Em outubro de 1965, Castello decretou o AI-2, que
prestigiados pelo presidente, por ter idealizado o Serviço estabeleceu o bipartidarismo. Extinguiram-se os partidos
Nacional de Informações. O SNI foi um dos mais relevantes políticos fundados no fim do governo Vargas, em 1945 (a
departamentos criados pela ditadura, e sua atuação era, UDN, o PTB e o PSD), e criaram-se dois novos e únicos par-
guardadas as proporções, semelhante à da CIA (agência tidos: o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), com-
de inteligência dos EUA) e da KGB (agência do serviço posto majoritariamente do extinto PTB, e a Arena (Aliança
secreto da União Soviética), muito atuantes na Guerra Renovadora Nacional), composta, em grande medida,
Fria. Funcionava como os “olhos” do regime: por meio de da antiga UDN. Os membros do PSD dividiram-se quase
investigações, contato com informantes, observação da igualmente entre os dois novos partidos. O delineamen-
imprensa e até escutas telefônicas, o SNI informava ao to ideológico da Arena e do MDB eram opostos, aquela
presidente quem eram os “inimigos” do governo, onde es- apoiando os militares e este fazendo-lhes oposição, mas
tavam, o que faziam e como neutralizá-los. Periodicamen- dentro da ordem legal e permitida por eles. Pelo AI-1, o
te, Golbery elaborava relatórios (denominados Impressão governo podia cassar o mandato dos deputados, o que
Geral) atualizando o presidente sobre a “realidade” do país. consistia numa forma de controle sobre o MDB. A real
Aos poucos, o Serviço (como era chamado) foi ganhando oposição ao regime militar viria mesmo da luta armada
importância no governo, sendo responsável pela con- que mais tarde se organizou contra a ditadura.
cessão de canais de rádio e televisão a “empresários de Depois do êxito eleitoral de políticos da oposição nas
confiança” e exercendo grande influência na indicação de eleições para governador de estado, em fevereiro de 1966,
governadores de estado, como no caso de Laudo Natel, Castello baixou o AI-3, pelo qual essas eleições também
que substituiu Adhemar de Barros, governador de São seriam indiretas, feitas pelas Assembleias Legislativas
Paulo cassado em 1966. O jornal Correio da Manhã, crítico Estaduais, em que o governo federal exerceria maior
ao regime militar, assim definia o SNI: “[...] é um ministério controle político. Nas capitais, os prefeitos eram “eleitos”
de polícia política, instituição típica do Estado policial e pelas Câmaras Municipais, e de modo geral, os resultados
incompatível com o regime democrático”.8 Dezessete anos confirmavam as indicações da cúpula militar.
depois, o próprio Golbery afirmou ter criado um monstro, Em 1967, por meio do AI-4, o governo de Castello
pois, em 1982, o SNI contava com mais de 6 mil servido- obrigou o Congresso Nacional a promulgar uma nova
res e condensava informações dos serviços secretos do Constituição federal, que entrou em vigor no governo
Exército, da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia Federal Costa e Silva, em março desse ano. Essencialmente, a
e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de Carta de 1967 caracterizava-se por:
todos os estados da federação, o que lhe permitia um • fortalecer o Poder Executivo federal, que legis-
grande controle e repressão sobre indivíduos considera- laria sobre a Segurança Nacional e o orçamento
dos subversivos. governamental;
Folhapress
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história do Brasil • aula 6
Ministério da Fazenda o economista Octávio Gouvêa de não se podia demitir trabalhadores com mais de dez
Bulhões e, para o Ministério do Planejamento, Roberto anos de serviço numa mesma empresa; com a nova
Campos, que redigira a Carta de 1937, de teor autoritário. regra, poder-se-ia dispensá-los a qualquer momento.
Eles elaboraram o Plano de Ação Econômica do Governo Como forma de compensação, o governo criou o FGTS
(Paeg), cujos objetivos básicos eram: conter a espiral (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), percentual
inflacionária, escalada desenfreada dos preços em toda do salário depositado mensalmente pelo empregador
a cadeia econômica brasileira; reduzir o déficit público, numa conta bancária em nome do empregado, que, ao
tentativa de conter o gasto do governo, fazendo-o ser ser demitido, pode sacar esse fundo como indenização
menor que o imposto arrecadado; e acelerar o cresci- pelo fim compulsório do vínculo empregatício. Criou-se
mento econômico. Bulhões e Campos recusaram-se a ainda um tipo de aplicação popular muito conhecida
conter a inflação com um tratamento de choque como até hoje, a poupança: conta bancária na qual o dinheiro
a contração monetária – retirar dinheiro de circulação, depositado é corrigido por uma taxa de juros um pouco
diminuindo sua oferta e, consequentemente, valori- superior à taxa de inflação10. Dessa forma, os assalaria-
zando-o –, pois isso teria grande impacto social, como dos e a classe média em geral poderiam proteger seu
o aumento da pobreza. Acreditava-se também que não dinheiro da inflação, sem correr riscos. Com o dinheiro
era possível simplesmente cortar gastos públicos para da poupança, o governo criou o Plano Nacional de Ha-
conter o déficit orçamentário. A situação econômica do bitação, caracterizado pela concessão de crédito barato
país era muito grave. Qual foi, então, o caminho adotado para a aquisição da casa própria e operado pelo Banco
pela equipe econômica? Nacional da Habitação (BNH). Ampliou-se também a
Para aumentar a arrecadação, fez-se uma reforma concessão de crédito de modo geral, permitindo que
fiscal e criaram-se novos impostos sobre o consumo, bancos e financeiras estendessem os prazos de paga-
como o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) e o mento. Essas medidas atraíram capital privado para o
ICM (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias), que setor produtivo, aumentando a oferta de mercadorias
deveriam atingir a parte da população com poder de na economia e evitando pressões inflacionárias. As
compra. Ao mesmo tempo, procurava-se incentivar o greves foram praticamente proibidas. Os reajustes
aumento da produção industrial para exportação, razão salariais estavam sempre abaixo da inflação, o que
pela qual foram concedidos incentivos fiscais como era em si uma poderosa ferramenta de contenção da
isenção de IPI e de Imposto de Renda sobre o lucro às demanda agregada e, consequentemente, da própria
empresas interessadas em exportar suas mercadorias. escalada dos preços.
Nesse contexto e com vários objetivos,9 foi criada, em
fevereiro de 1967, a Zona Franca de Manaus, distrito Estas reformas da política fiscal, creditícia e traba-
industrial no coração da Amazônia com diversas redu- lhista eram consideradas necessárias para garantir
ções tributárias – um bordão da época dizia “exportar é a definitiva superação do problema inflacionário
o que importa”. Assim, seriam gerados novos postos de e condições adequadas para que o setor privado
trabalho e entrariam dólares no país. Entretanto, isso promovesse a retomada do desenvolvimento eco-
não foi suficiente para eliminar o déficit público, e foi nômico sob sua liderança. Assim, a estratégia de
necessário financiá-lo. Para tanto, o governo criou as desenvolvimento da equipe econômica pretendia
ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), acabar com os fatores que restringiam uma postura
títulos da dívida pública, isto é, papéis vendidos pelo ativa do empresariado, cujo dinamismo intrínseco era
Banco Central – que acabara de ser criado, no final de um postulado da visão que economistas do governo
1964 – e comprados por investidores interessados em tinham de uma economia de mercado.11
lucrar com os juros pagos pelo governo por esse “em-
préstimo”. Assim, o Estado conseguiu captar recursos Embora a equipe econômica tenha feito bastante,
pagando juros mais baratos e “rolar” suas dívidas para as medidas adotadas no governo de Castello não
prazos mais longos. surtiram o efeito desejado: esperava-se uma inflação
Para estimular os investimentos privados, o gover- de 25% em 1965 e de 10% em 1966, mas nos dois
no aboliu a lei de estabilidade no emprego, pela qual anos ela ficou perto dos 40%, valor muito elevado,
9 Além de impulsionar a produção industrial e as exportações, o governo almejava au- 10 Entretanto, ao longo da história recente observou-se várias vezes que o índice de inflação
mentar a ocupação demográfica da Amazônia, região estratégica do território nacional. superou o índice de correção das cadernetas de poupança.
Tinha também a intenção de levar desenvolvimento econômico aos rincões do país; na 11 Luiz Carlos Delorme Prado e Fábio Sá Earp. O milagre brasileiro: crescimento acelerado,
época, chaminé e fumaça ainda eram vistos como sinal dos novos tempos e do próprio integração internacional e concentração de renda. In: Jorge Ferreira (Org.). O Brasil
desenvolvimento. republicano, vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 216.
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história do Brasil • aula 6
sobretudo se comparado ao percentual de hoje, em Em março de 1968, a Polícia Militar do Rio de Janeiro
torno dos 4,5% ao ano. O crescimento do PIB também foi reprimir uma manifestação de estudantes secunda-
foi decepcionante: 2% em 1965. Porém, num prazo um ristas que se preparavam para o vestibular. O motivo da
pouco mais longo, as reformas financeiras da dupla revolta dos jovens era a má qualidade da refeição servida
de ministros Campos-Bulhões lançaram as bases para no Restaurante Calabouço, como era apelidado na épo-
o acelerado crescimento da economia observado nos ca.13 Segundo o jornalista Elio Gaspari, que comeu por
governos posteriores, quando o país viveu o chamado dois anos nesse restaurante, “[...] eram muitos os sacrifí-
“milagre econômico”. cios que um jovem seria capaz de fazer pela derrubada
do governo, mas pedir-lhe que comesse duas vezes por
O governo Costa e Silva (15 de março de dia no Calabouço tendo outra mesa à disposição seria
1967 a 31 de agosto de 1969) suplício excessivo”.14 Na repressão policial, o estudante
Édson Luís de Lima Souto foi baleado e morreu. No
Arthur da Costa e Silva foi referendado como pre- dia seguinte, o jornal Correio da Manhã denunciava o
sidente pelo Congresso em outubro de 1966; Pedro
Aleixo, um político civil da extinta UDN mineira, como
Agência Estado/AE
vice-presidente. Assumiram o governo em 15 de março
do ano seguinte, conforme estabelecia o protocolo
político da época. Já se sabia que o presidente tinha
saúde debilitada, pois tinha sérios problemas cardíacos
e havia sofrido um enfarte. O médico-coronel Américo
Mourão, chefe do serviço de saúde da presidência, afir-
mou que Costa e Silva “[...] estava mais entupido que
pardieiro”,12 razão pela qual sua morte era considerada
próxima. O novo presidente demitiu toda a equipe de
governo de Castello Branco e nomeou militares para
todos os ministérios, exceto para o da Fazenda e o do
Planejamento, chefiados, respectivamente, pelos civis
Antônio Delfim Netto e Hélio Beltrão. Os aconteci- Enterro do estudante Édson Luís, morto na manifestação pela
mentos mais notáveis da administração Costa e Silva melhoria da comida servida no Calabouço.
foram o aumento do descontentamento da sociedade
com a ditadura, o que levou a inúmeras manifestações assassinato de Édson Luís, a primeira vítima fatal dos
populares, inclusive com o apoio da classe média, que confrontos entre o governo e os estudantes. Na semana
até então apoiava o governo, e a organização da luta seguinte, o adolescente foi enterrado no cemitério São
armada de esquerda contra o regime, acompanhada João Batista, num cortejo fúnebre do qual participaram
do acirramento da truculência do governo contra a 50 mil pessoas que portavam inúmeras faixas com di-
sociedade. zeres como15 “Os velhos no poder, os jovens no caixão”,
“Bala mata a fome?” e “Era apenas uma criança”.
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Folhapress
A polícia militar do Rio de Janeiro cercou a igreja onde se realizava
a missa de sétimo dia de Édson Luís, numa tentativa de intimidar Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968.
os que estavam revoltados com a morte do jovem garoto.
Folhapress
Em abril de 1968, deflagrou-se uma greve de 1 200
trabalhadores da siderúrgica Belgo-Mineira, em Con-
tagem, município mineiro da Região Metropolitana de
Belo Horizonte, que se alastrou para mais quatro indús-
trias, paralisando 16 mil trabalhadores.
Em junho do mesmo ano, no centro do Rio de Janeiro,
aconteceu a Passeata dos Cem Mil, uma manifestação em
prol das “liberdades públicas”, como se dizia na época.
Havia algumas faixas com os dizeres “O povo armado
derruba a ditadura”. Segundo Gaspari:
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Fique esperto!
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No início da década de 1970, a situação política da Inglaterra, Alemanha Ocidental e Itália, já plenamente
oposição ao regime militar não era nada boa, nem no recompostas da Guerra, podiam exportar capitais, o
que se referia à luta armada nem no campo da oposição que muitos de seus bancos e grandes indústrias plane-
legal, desempenhada pelo MDB. Havia mesmo grande di- javam fazer expandindo suas operações mundo afora, e
ficuldade de as organizações de esquerda revolucionária o Brasil se transformava em um destino certo para esses
atraírem novos militantes combatentes. Isso certamente investimentos. Os aportes de capitais privados, tanto de
não se deveu apenas à eficácia do aparato repressivo, mas grupos nacionais quanto estrangeiros, concentraram-se
também ao pouco interesse da sociedade em integrá-las. no setor produtivo, sobretudo no automobilístico e no
Nas eleições legislativas de 1970, a Arena obteve nas urnas de eletrodomésticos, cujos produtos foram comercia-
41 vagas de senador, contra apenas 5 do MDB. Na Câmara lizados como nunca no país, pois o governo tinha ex-
dos Deputados, o fracasso eleitoral do MDB também foi pandido os prazos de financiamento de bens duráveis
significativo, 87 deputados, contra 223 da Arena. E por para até 36 meses.
que a oposição terá perdido prestígio entre a população?
Folhapress
Além da forte repressão do aparato policial, também são
relevantes a intensificação da censura, a intensíssima pro-
paganda política governamental – de caráter ufanista – e,
o que era alardeado pela ditadura como efetivo sucesso
econômico do país, o “milagre econômico”.
Agência Estado/AE
do Planejamento nos governos de Costa e Silva e Médici.
As glórias desse crescimento foram em grande medida
atribuídas a Delfim Netto, suposto “mago” que transfor-
mara o Estado em responsável pelo desenvolvimento
capitalista do país. No entanto, há que considerar as
fundamentais reformas liberais no sistema financeiro
nacional empreendidas por Campos e Bulhões (criado-
res do Paeg), bem como o cenário econômico externo
extremamente favorável.
Desde o fim da Segunda Grande Guerra (1945),
os EUA investiam pesadamente na reconstrução dos
países da Europa ocidental, cujos territórios foram Obras da, até então, maior usina hidrelétrica do mundo: Itaipu.
destruídos pelo conflito. Não se tratava de ajuda
Agência Estado/AE
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Agência Estado/AE história do Brasil • aula 6
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história do Brasil • aula 6
Agência Estado/AE
território nacional, ligada diariamente na TV para ver o
telejornal ou mais um capítulo da novela, permitiu ao
governo veicular a um número enorme de pessoas suas
mensagens propagandísticas, ferramentas poderosas
para criar a imagem de que a ditadura estava mudando
o país para melhor, de que o Brasil estava se tornando
uma potência mundial.
Ziraldo
Folhapress
em público com eles, inclusive se arriscando numas
“embaixadinhas”, quanto pelo então prefeito de São
Paulo, Paulo Maluf, que presenteou cada jogador da se-
leção com um Fusca comprado com dinheiro público.
Foram 25 no total; hoje, algo em torno de R$ 600 mil.
Muitos anos depois, considerando o ato lesivo aos
cidadãos, a Justiça condenou Maluf a devolver aos
cofres da prefeitura o dinheiro gasto na aquisição dos
automóveis. Sob o argumento de que a Câmara dos
vereadores aprovara sua ideia em 1970, ele recorreu
O então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (centro), ao lado de
da decisão, e, em 2006, o Supremo Tribunal Federal Rivelino (esq.) e Pelé (dir.) na entrega dos Fuscas aos jogadores
inocentou o ex-prefeito. Assim, até hoje, o dinheiro da seleção brasileira pela conquista do tricampeonato na Copa
do Mundo do México.
não foi devolvido à cidade de São Paulo.
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história do Brasil • aula 6
Quanto ao slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o”, havia outros preferiam colocar poemas, e os leitores já sabiam
forte relação com os inúmeros pedidos de exílio político que ali deveria estar uma matéria que fora censurada. Os
que ocorreram durante o governo de Médici. Discordar autores mais visados pela censura eram os historiadores
da ditadura, contestar o autoritarismo, reivindicar liber- Caio Prado Jr. e Nelson Werneck Sodré, o sociólogo Fer-
dade de expressão e participação política ou denunciar nando Henrique Cardoso, o bispo católico dom Helder
a tortura e os assassinatos, segundo o governo, era uma Câmara e o compositor Chico Buarque de Holanda, que
traição ao Brasil. Portanto, quem não amasse o Brasil chegou a assinar algumas de suas obras com o pseudô-
deveria ir embora. Muitos militantes políticos, pesquisa- nimo Julinho da Adelaide, para despistar os censores.
dores de universidades e artistas se exilaram em outros
países nessa época. Como exemplo, podemos citar:
• artistas: Augusto Boal, Caetano Veloso, Chico Geisel e a abertura lenta, gradual e segura
Buarque, Gilberto Gil, Glauber Rocha, José Celso
Martinez Corrêa, Nara Leão. Ernesto Geisel governou o Brasil de 15 de março de
• ativistas políticos: Fernando Gabeira, João Goulart, 1974 a 15 de março de 1979. Foi eleito pelo Colégio Elei-
José Dirceu, José Serra, Leonel Brizola. toral, uma inovação proposta pela Constituição de 1967,
• acadêmicos: Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Emilia mas implantada apenas na eleição de 1973. Tratava-se de
Viotti da Costa, Florestan Fernandes, Maria da uma composição entre membros do Congresso Nacional
Conceição Tavares, Milton Santos, Paulo Freire. e alguns representantes das Assembleias Legislativas
estaduais. A vitória de Geisel representou a volta dos
brandos, ou castelistas, ao poder. Após dez anos de
A censura ditadura, a cúpula militar dava mostras de desgaste e
começava a pensar no retorno aos quartéis. Não que isso
Segundo Carlos Fico,26 a censura nunca deixou de fosse uma unanimidade entre os militares, pois boa parte
existir no Brasil. Livros, jornais, músicas, teatro e cinema da “linha dura” ainda desejava permanecer no poder, no
foram seus alvos preferenciais ao longo da história. Du- regime ditatorial, mas a situação interna e externa já era
rante o governo Médici, entretanto, ela se intensificou, bem diferentes. Considere-se ainda que Ernesto Geisel
respaldada pelo AI-5, herdado do governo Costa e Silva, e tinha fama de bom administrador e era irmão do general
que não tinha, ao contrário dos outros Atos Institucionais, Orlando Geisel, figura forte nos governos da “linha dura”,
prazo de vigência. Seria censurado tudo o que contestasse para entender sua vitória nas eleições indiretas. Em seu
a ditadura: apologia à democracia ou à liberdade de governo, predominaram de ministros ligados à “linha
expressão, denúncias de tortura, êxito da luta armada branda”, mas seu ministro do Exército, Sylvio Frota, per-
contra o regime etc. As notas sobre grandes assaltos ou tencia à ala dos “duros”, mantido estrategicamente por
quaisquer tipos de escândalo deveriam ser reduzidas e Geisel para não romper completamente com essa ala. A
inseridas nas páginas internas dos jornais. Havia ainda a prioridade de Geisel foi a distensão ou a liberalização do
censura em “defesa da moral e dos bons costumes”, contra regime, ou ainda o início da abertura política em direção
obscenidades e violência, e ficava a cargo dos censores es- à democracia. Entretanto, afirmava o presidente, essa
tabelecer o que era obsceno ou violento. Alguns veículos abertura deveria ser “lenta, gradual e segura”; segura
da mídia eram tão visados que tinham censores da Polícia para os militares, que não queriam ser punidos pelos
Federal em suas redações ou estúdios, como acontecia, crimes que cometeram enquanto estiveram no poder.
por exemplo, com os jornais Tribuna da Imprensa, O Pas- Golbery voltou ao governo, dessa vez com o cargo de
quim, A Notícia, Opinião e O Estado de S. Paulo. chefe do gabinete civil da presidência, espécie de arti-
A censura causava muitos prejuízos às emissoras de culador do governo entre os ministros. O SNI ficou sob
rádio e televisão, pois muito se gastava na elaboração de os cuidados do general João Batista Figueiredo, homem
programas que, às vezes, eram censurados na última hora, de confiança de Geisel e futuro presidente da República.
e era comum que, passado algum tempo, os censores No cenário externo, a presidência de Geisel
admitissem que determinado programa não precisava enfrentou sérios problemas; o mais grave, na área
ter sido censurado. Alguns jornais colocavam em páginas econômica. Após sucessivas derrotas militares para
de destaque receitas de bolo e outras receitas culinárias, Israel, alguns países, sobretudo árabes, decidiram or-
ganizar um cartel de produtores de petróleo, a Opep
26 Espionagem, polícia política, censura e propaganda. In: Jorge Ferreira (Org.). O Brasil (Organização dos Países Produtores de Petróleo). A
republicano, vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 187.
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história do Brasil • aula 6
estratégia dos árabes era simples: se era difícil derrotar tortura. Em outubro de 1975, o diretor de jornalismo da TV
Israel pelas armas, pois esse país tinha apoio ocidental Cultura, emissora do governo estadual paulista, sediada
(em especial dos EUA), então o combate seria pela via na cidade de São Paulo, Vladimir Herzog, foi intimado, sob
econômica. A recém-fundada Opep estabeleceu uma suspeita de envolvimento com o PCB, a comparecer ao
política de redução da produção petrolífera e, pela lei DOI-Codi de São Paulo. No dia seguinte, foi dado como
da oferta e da procura, conseguiu uma forte valorização morto. Segundo as autoridades do DOI-Codi, ele teria
do produto. Esse episódio da economia internacional se suicidado, por enforcamento, na cela em que estava
ficou conhecido como o “choque do petróleo”, pois hou- preso. O fato causou repulsa à sociedade paulistana, e,
ve um aumento de cerca de 200% no preço do barril, para protestar contra mais essa morte, foi realizada uma
que passou de US$ 9 a US$ 27! Como a economia da cerimônia ecumênica na Catedral da Sé, no centro de São
maior parte dos países do globo se movimentava com Paulo. A Polícia Militar chegou a bloquear os acessos à
derivados de petróleo, o resultado foi desastroso. A região, o que não impediu a participação de milhares de
economia mundial entrou em recessão, pois quase tudo pessoas. Três meses mais tarde, algo muito semelhante
ficou mais caro, o que dificultava o consumo e reduzia voltou a ocorrer, agora com o operário Manoel Fiel Filho,
a produção, gerando desemprego. A balança comercial metalúrgico e militante do PCB, preso na fábrica onde
de vários países ficou negativa, devido aos gastos com a trabalhava e levado para as dependências do DOI-Codi,
importação de petróleo. O problema atingiu o Brasil em onde foi “interrogado” e acabou morto; segundo os inter-
1973, arruinando o “milagre”, que era um dos principais rogadores, também se suicidara. Apesar de na época a
sustentáculos da ditadura. O governo tentou contornar versão oficial ser a de suicídio em ambos os casos, muitos
o problema lançando o Programa Pró-Álcool, que esti- historiadores e grupos de ativistas políticos, bem como
mulava a produção de etanol, combustível proveniente uma decisão judicial posterior, consideram que Herzog e
da cana, mas, na época, o projeto não rendeu muitos Fiel Filho morreram sob tortura, avaliação fundamentada
frutos econômicos. pelos ferimentos nos corpos, pela impossibilidade de
Além do “choque do petróleo”, Geisel e sua equipe suicídio nas circunstâncias descritas pelos policiais28 e
de governo tinham outro problema internacional: a porque o presidente Geisel demitiu o “linha dura” Ednardo
chegada à presidência dos EUA de Jimmy Carter (1976- D’Ávila Melo, comandante do II Exército, jurisdição a que
-1980), do Partido Democrata, abriu caminho para que estava submetido o DOI-Codi, onde ocorreram as mortes.
o governo estadunidense pressionasse o Brasil na de- Qual seria a responsabilidade do comandante Ednardo, se
fesa dos direitos humanos, na tentativa de recuperar a Geisel acreditasse na hipótese do suicídio? O presidente
imagem do país mundo afora, depois do fiasco de sua acreditava mesmo, assim como boa parte da sociedade
derrota na Guerra do Vietnã. civil, na hipótese de tortura seguida de morte. E houve
Internamente, a sociedade civil pressionava pelo outros dois retrocessos importantes no governo Geisel.
fim da tortura, sendo a Igreja Católica um dos principais
porta-vozes desse movimento, ao lado da OAB (Ordem
Fique esperto!
dos Advogados do Brasil). Nas eleições legislativas de
1974, houve relativa liberdade, garantida pelo governo,
Em julho de 1976, às vésperas das eleições muni-
para os candidatos fazerem suas campanhas, inclusive os
cipais, o governo baixou a Lei Falcão, pois era claro o
da oposição. Nas urnas, o resultado o surpreendeu: das 22
receio de que o crescimento do MDB atingisse tam-
vagas a senador em disputa,27 16 ficaram com o MDB que
bém o nível municipal. Assim, o então o ministro da
também conseguiu eleger 160 deputados, contra 204 da
Justiça Armando Falcão elaborou esse decreto-lei que
Arena. Foi um incrível avanço da oposição em relação às
obrigava os candidatos, no horário da propaganda
eleições de 1970. Em janeiro de 1975, Geisel afrouxou a
eleitoral no rádio e na televisão, a mostrar apenas seu
censura, concedendo liberdade de imprensa ao jornal O
nome, número e currículo; na TV, também poderiam
Estado de S. Paulo, fato que deixou outros veículos mais
mostrar uma foto. Ficaram, portanto, proibidos de
à vontade para fazerem críticas ao regime. No entanto, o
apresentar suas ideias, o que fatalmente prejudicou
avanço da oposição e algumas medidas de liberalização
muito mais os que pleiteavam uma vaga pelo MDB do
eram acompanhadas por retrocessos autoritários condu-
que os que se candidatavam pela situação, a Arena.
zidos pela parcela do governo ligada à “linha dura”: por
exemplo, a violenta repressão ao PCB e a continuidade da
28 No caso de Fiel Filho, ele teria se enforcado com as próprias meias – muito improvável,
pois, quando foi preso, calçava chinelos. Herzog, segundo fontes oficiais, teria se enforcado
27 Nessas eleições, renovou-se apenas um terço dos senadores. com o próprio cinto, mas, quando foi encontrado morto na cela, estava nu.
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história do Brasil • aula 6
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história do Brasil • aula 6
partidário brasileiro. O PT, sobretudo no momen- Aliás, em matéria de nome, a Arena tem se esme-
to de sua fundação, abrigava uma ampla gama rado: virou PDS, passou, no início da década de 1990,
de tendências políticas de esquerda, mas evitava a PR (Partido Reformador), em seguida a PPB (Partido
fazer a apologia da URSS (União Soviética), bem Progressista Brasileiro) e depois a PP (Partido Progres-
como de seu ideário comunista-socialista. Entre sista). Estratégia semelhante adotou o PFL (Partido da
essas tendências, havia desde trotskistas30 até Frente Liberal), surgido como dissidência do PDS, nas
a esquerda católica da extinta Ação Popular eleições indiretas de 1985, e que mudou para DEM
(lembra da AP?). Entretanto, atualmente, a maior (Democratas), em 2007. Como se viu no resultado das
parte de seus membros se qualifica como social- eleições de 1982, a estratégia de enfraquecer o MDB
-democrata, que defende o que se pode chamar deu certo, pois o PDS obteve maioria no Senado e na
de capitalismo de face humana, cuja prioridade Câmara dos Deputados.
na condução do governo seria a justiça social Apesar dos lentos avanços em direção à democracia,
mediante políticas de distribuição de renda. com a livre associação partidária e a anistia, durante o
• O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) foi refundado governo de Figueiredo houve novas manifestações da
por Ivete Vargas e abrigava uma gama de políticos “linha dura”, que não estava satisfeita com os avanços
sem uma plataforma claramente delineada, não arquitetados e executados pelos próprios militares, que
podendo, portanto, ser considerado herdeiro também os beneficiou, com a anistia à tortura e com o
político do trabalhismo jango-varguista. enfraquecimento do MDB alcançado pela reforma par-
tidária. Dessa vez, os “duros” recorreram ao que se pode
Folhapress
Vidal de Trindade/CPDOC JB
Explosão de bomba mata o sargento Guilherme Pereira do Rosário
e fere gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, quando
Metalúrgicos em greve. São Bernardo do Campo (SP), 1979. ambos pretendiam colocar a bomba no Riocentro, por ocasião o
show em homenagem ao dia do trabalhador, em 1981.
O antigo MDB se fragmentou, portanto, em cinco
forças políticas distintas, diferentemente da Arena, que Houve uma série de atentados terroristas contra
se manteve unida, embora tenha mudado seu nome, pessoas e instituições ligadas à defesa da democracia.
pois tê-lo vinculado ao apoio à ditadura significava Bombas explodiam em bancas de jornais que vendiam
prejuízo político. Deliberadamente, a obrigatoriedade publicações taxadas como “subversivas”, como o jornal
da palavra “partido” no nome e, portanto, da letra P nas O Pasquim. Ao presidente da OAB (Ordem dos Advo-
siglas partidárias impunha abandonar “Arena”, e optou-se gados do Brasil), foi enviada uma carta-bomba que
por PDS (Partido Democrático Social) – uma grande matou sua secretária. Dom Adriano Hypólito, bispo de
contradição, posto que seus fundadores não tinham, Nova Iguaçu (RJ), ligado à ala progressista da Igreja, foi
historicamente, nenhuma afinidade com a democra- sequestrado, bem como o jurista Dalmo Dallari, sendo
cia. Assim como o Partido Popular não era popular, o posteriormente libertados. Entretanto, o atentado de
PDS não era democrático nem social. Os políticos mais maior repercussão foi o praticado no Centro de Con-
conhecidos do PDS e que ainda hoje estão no cenário venções Riocentro, na cidade do Rio de Janeiro, onde,
político brasileiro, agora em organizações distintas, são no dia 30 de abril de 1981, se realizava uma festival
Paulo Maluf e José Sarney. de música com a presença de milhares de jovens, de
tradicionais opositores da ditadura e de artistas com
30 Adeptos das ideias do comunista russo Leon Trótsky, rival de Josef Stálin. histórico de militância contra o regime, como o cantor
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história do Brasil • aula 6
Gonzaguinha. A explosão acidental da bomba no carro sua dívida externa. Assim, quando os EUA aumentam
em que estava sendo transportada, antes de ser posta seus juros, ou seja, quando remuneram melhor os capi-
no local planejado, matou um sargento e feriu grave- talistas que compram seus títulos da dívida pública, os
mente um capitão, ambos do Exército. Para apurar o investidores vendem títulos de países considerados de
incidente, montou-se um IPM (Inquérito Policial Militar) risco e compram os estadunidenses. O objetivo dessa
cuja conclusão, entretanto, atribuiu a autoria do atenta- política de juros era intensificar a crise econômica da
do à VPR, grupo de luta armada contra a ditadura ani- União Soviética, que também sofreria com a escassez
quilado pela repressão em 1972. Muito provavelmente, de capitais, mas, na prática, atingiu em cheio os países
o pedido de demissão de Golbery, ministro-chefe da da América Latina. O México, por exemplo, decretou
Casa Civil do presidente Figueiredo, tenha tido rela- moratória32 em 1982. Apesar de as autoridades brasi-
ção com a manipulação do IPM sobre esse atentado. leiras afirmarem constantemente que o Brasil não era
Apesar de o inquérito ter sido reaberto depois e ter se o México, boa parte dos capitais estrangeiros fugiu
comprovado a autoria de militares ligados ao DOI do do país, pois nossa economia era muito semelhante à
Rio de Janeiro, o Supremo Tribunal Federal, na década mexicana e, na visão dos investidores estrangeiros, se
de 1990, anistiou os envolvidos, apesar de esse crime o México tinha quebrado, o Brasil também quebraria.
ter sido cometido fora do período delimitado pela Lei Nesse contexto, a economia brasileira entrou no pior
de Anistia, como vimos. cenário que se podia imaginar: a estagflação. O PIB para
Do ponto de vista econômico, a administração Fi- de crescer e pode mesmo diminuir, combinando-se
gueiredo encontrou muitas dificuldades. Assim como com inflação, que é o aumento generalizado de preços
no governo Geisel, Mário Henrique Simonsen ocupou, na cadeia econômica. Foi o que aconteceu em 1981,
o ministério da Fazenda, mas renunciou em pouco quando a inflação ficou em 95,2%, e o PIB encolheu
tempo, dadas as dificuldades políticas de implementar 3,1%. Nos anos seguintes, o problema persistiu: o PIB
sua agenda econômica restritiva para conter a espiral caiu em média 1,6% ao ano e a inflação ficou perto de
inflacionária. Para seu lugar, nomeou-se novamente 100% ao ano. Essas sucessivas quedas do PIB também
Delfim Netto, considerado muito competente, uma são conhecidas como recessão. Na tentativa de conter
vez que teria sido o responsável pelo vigoroso cres- a inflação, Delfim Netto tirou moeda de circulação, para
cimento da época do “milagre”, quando o país crescia valorizá-la (seguindo a lei da oferta e da procura), e cor-
mais de 10% ao ano. O cenário econômico externo tou os investimentos do governo às empresas estatais,
era muito complexo, pois havia uma nova onda de que já tinham sofrido o impacto da retirada de grande
valorização do petróleo, no que se convencionou parte dos investimentos estrangeiros. A ideia era conter
chamar “segundo choque do petróleo”, em 1979, o a demanda por consumo, mas o resultado dessa política
que prejudicou o país, ainda muito dependente da gerava desemprego, e os resultados no decréscimo da
importação do produto. Faltavam dólares no Brasil inflação eram pífios. O Brasil precisava de dólares para
para comprar petróleo, e, como já fazia havia décadas, equilibrar sua balança de pagamentos, razão pela qual
o governo precisava recorrer a empréstimos externos o governo incentivou as vendas no mercado externo,
pela emissão de títulos da dívida pública (as ORTN). oferecendo isenção de impostos aos exportadores. Essa
No entanto, diferentemente do que ocorrera no fim política só começou a dar resultados a partir de 1984,
da década de 1960, não havia capitais disponíveis em quando o PIB voltou a crescer, assim como a inflação,
abundância, pois os EUA aumentaram os juros básicos chegando ao fim desse ano a 223%. Em 1983, o Brasil
de sua economia, numa última tentativa de vencer a obteve um empréstimo junto ao FMI (Fundo Monetário
Guerra Fria e levar a União Soviética à bancarrota. Des- Internacional), cujo acordo estabelecia uma série de re-
de a Conferência de Bretton Woods,31 em 1944, os EUA comendações expressas para que o governo contivesse
eram considerados a economia mais sólida do mundo, seus gastos e comprimisse os salários, de modo que
para onde afluíam os capitais em momentos de crise, houvesse recursos financeiros suficientes para pagar
quando países mais frágeis ameaçavam dar o “calote” não a dívida externa, mas apenas seus juros: pagava-se
em seus credores, isto é, quando não conseguiam pagar pelo direito de continuar devendo!
31 Conferência internacional realizada em 1944, na qual se delineou a hegemonia financeira
estadunidense no mundo, pois, além da criação do FMI e do Banco Mundial, estabeleceu-se
o dólar como padrão de troca internacional, em substituição ao ouro. 32 Quando o país não consegue honrar seus compromissos financeiros externos.
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por parte da corporação como forma de combater dez anos e, por ironia, só começou a ser resolvida pelo
as organizações terroristas. Quinze anos depois do presidente Fernando Henrique Cardoso, forçado ao
fim da ditadura militar, o que se conclui sobre aquele exílio pela Revolução.
período é que ele foi uma zona de contradições. Os Os generais tiveram muito tempo para pensar.
militares de fato conseguiram modernizar. Construí- Hoje, quando se conversa com eles, o que se nota é
ram estradas, hidrelétricas, estimularam fortemente frustração, entre outros sentimentos. A missão que se
a indústria nacional. Mas todo o avanço ficou aquém autoatribuíram não foi cumprida. Talvez tenham per-
dos sonhos daqueles que dirigiam o país a partir da cebido também que não são superiores em nada aos
força de suas estrelas. Os generais remanescentes homens comuns. Nem em habilidades profissionais, em
daquela fase da história nacional ilustram de certa questões morais ou em amor pela pátria. É praticamente
forma aquilo que ficou do regime. certo que a autoimagem dos que governaram durante
Durante os últimos dois meses, Veja conversou com o regime de 64 foi de alguma forma abalada. E que o
catorze dos mais importantes generais do regime de isolamento em que esses homens vivem seja em parte
64. São homens que estão chegando ou já chegaram justificado pelo fato de que a Revolução não é bem-vista
à linha dos 80 anos, desligaram-se da vida pública há pela maioria esmagadora dos brasileiros. Ao deixar
tempos e, na maioria, vivem de forma reclusa. Há várias o poder, o último presidente militar, João Baptista de
notas comuns entre eles, além da farda que vestiram Oliveira Figueiredo, disse uma frase grosseira, bem ao
no passado. São pessoas tristes, como tantos velhos. seu estilo de cavalariano. “Quero que me esqueçam”,
Têm poucos amigos. Seu padrão de vida é bom, mas afirmou Figueiredo quando um jornalista lhe perguntou
nenhum deles é rico. São senhores de classe média, o que mensagem gostaria de passar aos brasileiros na
que desmente a impressão comum durante a ditadura hora em que se afastava da presidência. Por ironia, as
de que a Revolução produziu enormes negociatas e pessoas estão mesmo esquecendo as coisas boas que o
alguns chefões militares milionários (e corruptos). Os regime militar fez. Mas as coisas más continuam vivas.
generais aposentados pensam no regime que ergueram Fala-se no milagre econômico dos anos 70 como uma
e sustentaram durante 21 anos e são críticos a respei- preparação da crise econômica que viria, um prelúdio do
to do que fizeram. Nenhum grupo ou pessoa – nem desastre. Lembra-se dos mortos, torturados e desapare-
mesmo o imperador Pedro II – teve tanto poder para cidos. Há a lembrança, correta, de que muitos militares
realizar um projeto no Brasil. Os militares tiveram tudo. abusaram da farda para conseguir emprego, furar fila
Sufocaram a oposição e tinham um flexível instrumento e estacionar o carro em lugar proibido.
jurídico, o Ato Institucional n. 5, que os livrava de obe- Entende-se, por tudo isso, que essa gente se tenha
decer à Constituição. Censuravam livros, imprensa, TV, recolhido. E que muitos dos que foram poderosos há
teatro e cinema. Podiam contratar os técnicos que bem vinte ou trinta anos cheguem agora aos 80 anos com
entendessem, redigiam seus orçamentos sem nenhum pontos de drama em sua vida. O primeiro presidente
palpite do Congresso e nomeavam governadores como do ciclo de 64 foi o marechal Humberto de Alencar
se contratassem capatazes de fazenda. Castello Branco, um oficial intelectualizado que
Tinham dinheiro, pois os empréstimos internacio- governou por pouco menos de três anos. Naquele
nais eram fáceis e baratos em sua época. Sobretudo, tempo, até os militares achavam que sua intervenção
tinham a ideia bem definida de transformar o Brasil seria passageira. Castello Branco morreu quatro me-
numa potência capitalista do primeiro escalão, com ses depois de afastar-se do governo, em um acidente
influência política internacional. Não conseguiram. aéreo. O último presidente, o general Figueiredo, uma
Eles imaginavam que seus dotes de quartel, como pessoa carrancuda, mais chegada a cavalos de raça
trabalho duro, objetividade, respeito hierárquico, do que a livros, governou seis anos, numa época em
pensamento lógico, hábito de planejamento, discipli- que já não havia razão, ou sentido, para um governo
na, espírito de corpo, os qualificariam como gerentes militar. A Guerra Fria estava terminando, e o Brasil
superiores. Erraram. Quando a ditadura se encerrou, tinha perdido todo o empuxo econômico.
em 1985, o Brasil era um país diferente, mais rico, João Figueiredo fará 82 anos em janeiro e é um
mais moderno, mas estava longe de ser potência homem muito doente. Começa a esquecer pessoas
política ou econômica. Não por culpa dos civis, mas e fatos. Raramente sai de seu apartamento no lu-
dos gerentes militares, o país mergulhou a seguir xuoso condomínio Praia Guinle, em São Conrado,
numa de suas piores crises econômicas. Que durou no Rio de Janeiro, onde vive com a mulher, Dulce,
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na companhia de alguns seguranças e enfermeiras. uma cirurgia espiritual, feita por um médium que diz
Só recebe visitas dos filhos Paulo e João ou do irmão incorporar o espírito do “Doutor Fritz”, o mesmo que
Diogo, também general da reserva. O general sempre movia o falecido Zé Arigó. Não adiantou. O general
levanta por volta das 8 da manhã. Já não pode ler ou também está com problemas financeiros. Há pelo
escrever. De manhã, ele mata o tempo assistindo à TV, menos quatro anos tenta vender uma propriedade
esperando a hora do almoço. Um segurança lhe faz a que possui em Petrópolis, o Sítio do Dragão, mas não
barba apenas duas ou três vezes por semana. Almoça acha comprador. Já vendeu objetos de valor ganhos
sempre um prato leve preparado pela mulher e, no na época em que era presidente da República e acei-
começo da tarde, volta a dormir. Até os passeios de tou doações de amigos para pagar o tratamento
carro que fazia à tarde na orla do Rio entre os bairros médico. Figueiredo recebe aposentadoria do Exército
de São Conrado e a Barra escassearam. de 6 000 reais por mês, além da de ex-presidente, de
Em nada se parece com o homem atlético que 8 500. Ele se trata por um plano de saúde privado e
montava cavalo, fazia ginástica e posava de sunga quer distância dos hospitais públicos, que não con-
para fotografias à beira da piscina. Sua hérnia de sidera confiáveis.
disco, que adquiriu na prática da equitação, limita A última aparição pública de Figueiredo ocorreu
seus movimentos. Ele só caminha amparado por um há quatro meses. A convite de quinze amigos, o
segurança ou um enfermeiro. Perdeu 70% da visão. ex-presidente almoçou na churrascaria Oásis, no
Sofre de incontinência urinária. Seus rins não funcio- Rio, perto de onde mora. Estavam lá alguns de seus
nam bem e toda noite, enquanto dorme, se submete antigos colaboradores, como os ex-ministros Nestor
a hemodiálise peridural, o que o obriga a permanecer Jost, da Agricultura, Alfredo Karam, da Marinha,
com um cateter preso ao ventre durante o dia. Há duas e Ernane Galvêas, da Fazenda, e o ex-presidente
semanas, foi internado pela segunda vez neste ano da Caixa Econômica Federal Gil Macieira. Ele não
na Casa de Saúde São José, no Rio, para uma bateria deixará nenhum testemunho sobre sua vida. Há
de exames. No quarto 815 do hospital, poucos foram pouco tempo, os amigos Antonio de Oliveira Santos,
visitá-lo. Apenas o irmão Diogo, os filhos, a mulher e presidente da Confederação Nacional do Comércio,
dois ou três amigos. O general está só. Está esquecido, e Ernane Galvêas tentaram convencê-lo a gravar um
como havia pedido aos brasileiros. depoimento sobre o tempo em que ficou no governo.
Em vários sentidos, o sofrimento do ex-presidente Ele concordou, chegou a gravar algumas fitas, mas
comove. Figueiredo foi um bom oficial, nunca teve jeito desistiu e destruiu todo o material que tinha gravado.
para ditador, de certa maneira é um homem modesto, “Agora, não há mais tempo. Ele começou a se esque-
teve a ambição de ser querido pelas pessoas e, afinal, cer de coisas”, disse Galvêas.
entregou o governo a um civil (Tancredo Neves) que lhe Como fato histórico, o movimento militar de 64 é
fazia oposição. Pôs fim à ditadura que ajudou a criar e uma conta ainda não encerrada. A seu respeito, muitas
saiu de cena. Faltavam-lhe vocação e legitimidade para coisas precisam ser pesquisadas e esclarecidas pelos
exercer a presidência. Além disso, para alguém com sua historiadores. E, por sua proximidade no tempo – a
responsabilidade, foi um péssimo fazedor de frases. maioria de seus protagonistas ainda vive – , é difícil
Certa vez, disse que preferia o cheiro de cavalos ao do julgar isso e aquilo com isenção. Mas algumas coisas
povo. De outra, falou que “quem não quiser a abertura, podem ser afirmadas com certeza. Os militares brasilei-
eu prendo e arrebento”. Essas frases, evidentemente, ros sempre se julgaram possuidores do direito de tolerar
não poderiam ser tomadas em seu sentido literal. Mas ou vetar atos políticos praticados pelos paisanos. Veta-
foram ditas num momento em que os brasileiros so- ram e exilaram o imperador em 1889. Deram um fim à
friam com o fracasso econômico e simplesmente não República Velha em 1930, trocando o presidente eleito,
suportavam mais os governos militares. Júlio Prestes, pelo candidato derrotado, Getúlio Vargas.
Era inevitável que tivesse saído do governo como Depuseram o ditador Getúlio, em 1945, e contribuíram
saiu, sem um pingo de prestígio político, sem nenhum ativamente para o fim de seu segundo governo, este
reconhecimento. São impressionantes as coisas que eleito democraticamente, em 1954. Atazanaram a vida
acontecem atualmente com o homem que atingiu dos presidentes civis que se seguiram. Mas foi só no
o topo da casta militar e governou o país por tanto ambiente de radicalização política da época de João
tempo. Há dois anos, desesperado com o problema da Goulart que os militares mudaram a prática.
hérnia, apelou para o curandeirismo. Submeteu-se a Em 1964, decidiram não apenas substituir um
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paisano por outro. Eles próprios assumiram o coman- como a contenção dos gastos públicos, para evitar a
do. Em contraste com o que veio depois, o marechal inflação, e do endividamento externo. Mas para que
Castello Branco foi um brando reformador. Do ponto frear a máquina, se ela estava correndo, dava empre-
de vista econômico, suas reformas foram boas. Em seu gos, exibia progressos – e tudo isso escondia a falta
governo foram criados o Banco Central, o mercado de eleições e todos os outros defeitos revolucionários?
aberto para os títulos públicos e o Banco Nacional da Economicamente, o regime de 64 encerrou-se em 1981,
Habitação, o BNH. A inflação foi controlada. Segundo com a crise da dívida. Politicamente, foi liquidado em
historiadores, Castello pretendia promover eleições 1982, com a primeira eleição direta para governadores.
diretas após a intervenção. Só que era uma época Os militares nunca fizeram questão de adular eleitores.
de divisão aguda entre capitalismo e comunismo, e Figueiredo foi o único que tentou, e não conseguiu.
a guerra entre as duas correntes se dava tanto nas Desprezavam os políticos tradicionais. Por isso não
selvas do Vietnã quanto nas ruas de Paris. Os mili- podiam mesmo voltar à política nos braços do povo,
tares ficaram, com uma diferença. Além de financiar como aconteceu com Getúlio. Restou-lhes tempo e o
empresas, fortalecer estatais, tomar empréstimos ex- sofá de casa, para reflexão.
ternos para estimular o desenvolvimento econômico, Leonel Rocha, 15 dez. 1999.
Disponível em: http://veja.abril.com.br/151299/p_050.html
iriam também surrar a oposição. De várias maneiras.
(acesso em: 18 jul. 2011)
Nos casos mais simples, cassando os direitos políticos
dos opositores ou decretando sua aposentadoria nos
Reflita: o ex-presidente Figueiredo morreu nove dias
cargos públicos. Nos casos mais graves, sua ala mais
após a publicação dessa matéria, no dia 24 de dezembro
radical prendeu, torturou, matou.
de 1999. Já o ex-presidente Ernesto Geisel, também cita-
É pela marca da “linha dura” que se conhecerá o
do na matéria, morreu no dia 12 de setembro de 1996.
período de sete anos durante o qual governaram dois
Será que todos os militares que fizeram parte do governo
outros militares, o marechal Artur da Costa e Silva
ditatorial já morreram, como os presidentes da época? E
(que morreu de trombose em 1969) e o general Emílio
os políticos civis que deram apoio à ditadura por meio
Garrastazu Médici, falecido em 1985. O sucessor de
da Arena e também fora dela, será que já morreram?
Médici foi Ernesto Geisel, pertencente a uma outra
família – esta disposta a acabar com a tortura e iniciar
a distensão política. Como queria Geisel, a abertura pesquisar e ler
política seria lenta. Foi lentíssima. Durou dez anos.
Na forma e na prática, a ditadura de 64 foi diferente Frei Beto. Batismo de sangue: guerrilha e morte de
de outras que se espalharam pelo mundo. Nenhum Carlos Marighella. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. Exce-
de seus chefes quis permanecer indefinidamente no lente reflexão sobre como conciliar o cristianismo com
Planalto. Davam ao seu revezamento uma aparência a esquerda revolucionária, ou pelo menos como isso
de legitimidade – eram empossados pelo voto de um aconteceu para Frei Beto.
colégio eleitoral. O Congresso foi fechado, mas por Heloisa Buarque de Holanda e Marcos A. Gonçalves.
períodos breves. Os políticos de oposição podiam ao Cultura e participação nos anos sessenta. São Paulo: Bra-
menos fazer discursos, embora se arriscassem a perder siliense, 1982. Obra que dá uma visão panorâmica sobre
o mandato. Os militares que torturaram não foram a história da ditadura brasileira.
punidos, e a probabilidade é de que nunca se saiba Luciano Oliveira. Do nunca mais ao eterno retorno:
quem eram e quantos eram. Mas também não subi- uma reflexão sobre a tortura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
ram na carreira. A tortura e o assassinato não foram Mais uma obra sintética sobre outro importante aspecto
digeridos entre os colegas de arma, e é compreensível da ditadura – a tortura.
que muitos se envergonhem até hoje dessa mancha. Zuenir Ventura. 1968, o ano que não terminou. Rio
A revolução perdeu o rumo econômico na segunda de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. Excelente livro sobre
metade da década de 70. Por essa época, investimen- a escalada de tensões que levaram ao AI-5.
tos pesados já estavam feitos na infraestrutura do
país (nos setores de energia e de telecomunicações, ver e ouvir
por exemplo), e a indústria leve, de consumo, estava
suficientemente preparada para uma abertura econô- “Saudosa maloca”, de Adoniran Barbosa. Foi a música
mica. A prudência recomendava essa abertura, assim cantada pelos estudantes da Faculdade de Filosofia da
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história do Brasil • aula 6
USP quando viram o prédio, ainda na região central de Terra em transe (direção: Glauber Rocha, Brasil, 1967).
São Paulo, destruído após o “quebra-quebra da Maria Outro filme de Glauber Rocha, para o qual vale o que foi
Antônia”. dito sobre o anterior.
“Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque. Foi a música Lamarca (direção: Sérgio Rezende, Brasil, 1994). Nar-
vencedora do Festival da Canção realizado em setem- ra os últimos quatro anos da vida do capitão Lamarca:
bro de 1968, no Maracanãzinho (Rio de Janeiro, RJ). desde a deserção do Exército levando armas e munição
Contudo, Tom Jobim não conseguiu cantá-la, depois de para combater a ditadura, até sua execução na Bahia em
confirmada sua vitória, pois as vaias da plateia eram en- 1971, pelas forças de repressão da ditadura.
surdecedoras. Não que “Sabiá” ou seu interprete fossem
ruins, todos na plateia sabiam que não. Tratava-se de um O que é isso, companheiro? (direção: Bruno Barreto,
protesto contra a derrota da música citada a seguir, de Brasil, 1997). Baseado no livro homônimo de Fernando
Geraldo Vandré. Gabeira, trata do sequestro do embaixador estaduni-
dense Elbrick no fim dos anos 1960.
“Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo
Vandré. Essa música se transformou num hino da juven- Ação entre amigos (direção: Beto Brant, Brasil, 1998).
tude revolucionária, que emociona muita gente até hoje. Muitos anos depois de ter lutado juntos contra a ditadu-
Além de melodia e letra muito bonitas, a música tinha, e ra, um grupo de amigos se reencontra e reconhece um
tem, forte conteúdo político, pois conclamava as pessoas de seus torturadores. O que devem fazer?
a se unirem no combate ao autoritarismo. AI-5, o dia que não existiu (direção e roteiro: Paulo
“Carcará”, de Chico Buarque. Em dezembro de 1964, Markun, Brasil, 2004). Excelente trabalho do jornalista-
essa música fazia parte de um espetáculo teatral, espécie -documentarista Paulo Markun, que tentou reconstituir a
de musical, intitulado Teatro Opinião. Nele, Nara Leão sessão na Câmara dos Deputados do dia 12 de dezembro
cantava “Carcará”, a história de um pássaro que “pega, de 1968, um dia antes do AI-5, que fechou o Congresso.
mata e come”, ruim como a ditadura. Essa música pas- Zuzu Angel (direção: Sérgio Rezende, Brasil, 2006).
sou a ser, no início da ditadura, a identidade ideológica O filme conta a história da estilista Zuleika Angel, resi-
daqueles que estavam chocados com os primeiros casos dente no Brasil, que viu seu filho Stuart se envolver na
de tortura, que começavam a espocar na imprensa. luta contra a ditadura. Apesar de não concordar com
“Roda viva”, de Chico Buarque. Música composta em a luta, Zuzu encampa a defesa de seu filho. É possível
1967, para fazer parte da peça teatral Roda viva, vista observar o terrorismo de Estado na postura dos militares
hoje como manifestação do tropicalismo no teatro. Para apresentados no filme.
chocar o público, ao menos nas encenações dirigidas por O ano em que meus pais saíram de férias (direção:
José Celso Martinez, os atores atiravam gotas de sangue Cao Hamburger, Brasil, 2006). A luta armada contra a
na plateia e até pedaços de fígado bovino, para fazê-la ditadura é vista a partir do olhar de uma criança. Assim
sair da previsível rotina alienante e conformista com a como no filme A vida é bela, de Roberto Benigni, que re-
situação política do país, numa clara alusão ao sangue trata a participação italiana na Segunda Guerra Mundial
derramado pela ditadura na repressão a seus opositores. sob a ótica infantil, com sua docilidade e simplificação
Na temporada paulista da peça, o Teatro Ruth Escobar características, reconstitui de forma peculiar grandes
foi invadido e depredado pelo Comando de Caça aos tragédias da história. A fórmula também deu certo no
Comunistas (CCC). Parte do elenco foi espancado, con- filme de Cao Hamburger.
forme informa matéria do Jornal do Brasil.35
Deus e o diabo na terra do sol (direção: Glauber Rocha, Batismo de sangue (direção: Helvécio Ratton, Brasil,
Brasil, 1964). Esse filme integra o movimento cinematográfi- 2007). Filme sobre tortura nos porões da ditadura. Boa
co do Cinema Novo, cujo maior expoente foi Glauber Rocha. adaptação do livro homônimo.
Essa cultura cinematográfica foi uma das influências do
movimento tropicalista. Sua linguagem é muito diferente Pra frente Brasil (direção: Roberto Farias, Brasil, 1983).
da que se pratica hoje, pois, naquela época, a preocupação Em 1970, na euforia do milagre econômico e da vitória
maior era o engajamento político, não a bilheteria. da seleção brasileira na Copa do mundo, um cidadão de
classe média (Jofre Godoi da Fonseca) é confundido com
35 Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2004/06/12/jor-
cab20040612001.html (acesso em: 12 ago. 2010). um ativista político, preso e torturado por um grupo que
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história do Brasil • aula 6
combate “subversivos” com patrocínio de empresários. Não é só conhecer a tortura, temos que saber
Sua mulher e seu irmão investigam seu desaparecimento como foi negociado o acordo nuclear com a Alema-
e não têm apoio da polícia. nha, como foi feito e o que foi decidido para debelar a
inflação no começo dos anos 80. Qual a política, quais
navegar decisões e como foram feitas as grandes obras, como
a ponte Rio-Niterói ou a rodovia Transamazônica.
www.marciomoreiraalves.com.br – muito material Tudo isso está guardado e precisa aparecer.
sobre a atuação política desse deputado. Carlos Fico Disponível em: http://ultimosegundo. ig.com.
br/politica/arquivos+da+ditadura+vao+alem+da+tortura+diz
www.franklinmartins.com.br – muito material sobre +professor/n1237952107604.html (acesso em: 1 jun. 2012)
a ditadura e a história recente do país.
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de-
www.desaparecidospoliticos.org.br – muita docu- fendeu a manutenção do sigilo eterno sobre documentos
mentação e informações sobre as maiores vítimas do considerados ultrassecretos. [...] Na visão de Sarney, a
autoritarismo da ditadura instaurada em 1964 no Brasil. abertura de documentos históricos pode “abrir feridas”
www.memoriasreveladas.gov.br – trata-se de um do passado: “Os documentos históricos que fazem parte
site governamental com muita documentação sobre o da nossa história diplomática, do Brasil, e que tenham
período analisado nesta aula. articulações, como o Rio Branco teve que fazer muitas
vezes, não podemos revelar esses documentos, senão
ágora vamos abrir feridas”. Ele afirmou que é preciso manter o
segredo para “preservar” o Brasil.
A seguir, trechos da campanha lançada pela OAB-RJ Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/radar-
(Ordem dos Advogados do Brasil) pela abertura dos politico/2011/06/13/sarney-defende-sigilo-eterno-de-
-documentos-para-nao-abrir-feridas/ (acesso em: 1 jun. 2012)
arquivos da ditadura.
Discuta com seus colegas: os arquivos da ditadura
“Sou Sônia de Morais Angel, professora e econo- devem ser abertos? Qual é a importância da publicação
mista”, diz, na TV, Fernanda Montenegro. “Em 1973, desses documentos para o Brasil?
fui presa e brutalmente torturada e assassinada. De
mim, só restaram os ossos”. Em outro filmete, Eliane
Giardini é a professora Ana Rosa Kucinski: “Em 1974, senha
eu e meu marido fomos presos no centro de São
Paulo. Nossas famílias esperam notícias até hoje”, Vivemos esperando dias melhores
diz ela. Glória Pires é Helena Guariba: “Professora Dias de paz
universitária e diretora de teatro. Fui presa em 1970 Dias a mais
e brutalmente torturada. Depois de solta, fui presa Dias que não deixaremos para trás
novamente e, desde, então, estou desaparecida”. Vivemos esperando
José Mayer interpreta David Capistrano: “Jornalista O dia em que seremos melhores
e dirigente político. Desapareci entre o Rio Grande do Melhores no amor
Sul e São Paulo. Minha família nunca mais soube de Melhores na dor
mim”. O ator Mauro Mendonça diz: “Eu sou Fernando Melhores em tudo
Santa Cruz, líder estudantil. Fui preso numa rua do Rio
de Janeiro em 1974 e levado para São Paulo. Minha Vivemos esperando
família nunca mais soube de mim”. E Osmar Prado: O dia em que seremos
“Sou Maurício Grabois, militante político. Desapareci para sempre
no Natal de 1973, quando comandava a Guerrilha do Vivemos esperando
Araguaia. São mais de 30 anos sem saberem de mim”. Dias melhores pra sempre
Todas as falas terminam sempre com a seguinte frase: Dias melhores pra sempre
“Será que essa tortura nunca vai acabar?” Os artistas
nada cobraram pela participação na campanha. Rogério Flausino36
Disponível em: http://congressoemfoco. uol.com.br/
noticias/manchetes- anteriores/oab-rj-lanca-campanha-por- 36 Disponível em: www.vagalume.com.br/jota-quest/dias-melhores.html (acesso em: 1
abertura-dos-arquivos-da-ditadura (acesso em: 1 jun. 2012) jun. 2012)
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gabarito
aula 4
1. a
2. a
3. c
4. d
5. c
6. d
aula 5
1. c
2. c
3. a
4. e
aula 6
1.
a) Foi um movimento popular conduzido, sobretudo
por passeatas e comícios em grandes centros ur-
banos, para implantar eleições diretas para presi-
dente da República. Reivindicava-se a aprovação da
Emenda Dante de Oliveira, que tinha esse objetivo.
Entretanto, o Congresso Nacional não cedeu ao cla-
mor popular e votou contra a aprovação da Emenda.
b) O Estado é composto de instituições permanentes que
permitem governar o país como as Forças Armadas,
o Congresso, as empresas estatais etc. Já a nação é
o povo, são as pessoas que vivem naquele território
onde o Estado exerce sua autoridade. Na ditadura, o
patriotismo – ou ufanismo – foi algo imposto ao povo,
como forma de propagandear o governo autoritário.
Na campanha pelas diretas, cantar o Hino Nacional era
um símbolo do patriotismo, mas ligado ao civismo e
ao clamor por liberdades democráticas.
2. e
3. c
4. d
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