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HISTÓRIA DO BRASIL
história do Brasil
aula 4 A modernização econômica do Segundo Reinado
0012

O caso do Brasil é o de um país que já perdeu todo Foi cultivada no Brasil já na segunda metade do século
o crédito. E o castigo que merece tal país é, nem mais XVIII, sem, no entanto, ocupar grandes extensões de
nem menos, do que a retirada de todos os colonos que terra, pois não havia ainda demanda que justificasse
lá se acham e a supressão do tráfico brasileiro de braços tamanho cultivo. Foi na década de 1820 que essa iguaria
europeus. passou a ocupar lugar central nas exportações brasilei-
Thomas Davatz. Memórias de um colono no Brasil. São Paulo, ras, superando o açúcar e o algodão, tendo como prin-
Martins-Edusp, 1972. cipal destino os mercados europeu e estadunidense,
onde o café era consumido, em quantidades cada vez
maiores, nos nascentes centros urbanos, pelas classes
A cultura cafeeira médias. A produção, a princípio, se dava na província
do Rio de Janeiro, sudeste de Minas Gerais e nordeste
A planta da qual se colhe o café é originária do conti- de São Paulo, tomando lugar de outras lavouras, como
nente africano, de onde atualmente localiza-se a Etiópia. cana-de-açúcar.

A expansão da cultura cafeeira em direção ao oeste paulista

Repare que o “Oeste Paulista” não é exatamente no oeste da província de São Paulo, mas certamente é o oeste em relação ao
Vale do Paraíba, onde pioneiramente na província se cultivou café.

Na década de 1840, o Brasil já era o maior exporta- outros. Apesar das dificuldades de transporte, devi-
dor mundial de café, motivo que explica a expansão do à Serra do Mar, o café passou a ser exportado por
das áreas de cultivo para o chamado Oeste Paulista, Santos. O café do Oeste Paulista produzido com mão
onde se desenvolveram municípios importantes, de obra escrava, mas combinando experiências de
como Jundiaí, Campinas, Limeira e Rio Claro, entre assalariamento de imigrantes, sobretudo a partir de
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história do Brasil • aula 4

1850, foi ganhando mercado em relação ao café do substituísse a mão de obra no Brasil? Seria algo motivado
Vale do Paraíba (nordeste de São Paulo, onde se loca- pelo anseio humanitário de abolir a instituição da escra-
lizam as cidades de São José dos Campos, Taubaté...), vidão? Uma sucessão de fatos, desencadeados em 1844,
que era produzido com mão de obra escrava. Muito já conduziram à grande imigração. Vamos a eles.
se discutiu sobre as vantagens comparativas do Oeste
Paulista que lhe permitiam colher um café de boa
qualidade a um preço competitivo. Há quem defenda Tarifa Alves Branco (1844)
que o clima favorável e os solos mais férteis sejam
decisivos, mas deve-se considerar, também, que a mão Tarifa alfandegária é uma espécie de imposto que
de obra assalariada, empregada progressivamente, se paga na ocasião da importação de um bem. É exa-
era mais produtiva, devido à menor insatisfação dos tamente o que é a Tarifa Alves Branco. Nela realizou-se
trabalhadores. Não que os imigrantes trabalhassem fe- uma elevação das tarifas alfandegárias que agora variam
lizes e contentes com as condições que os fazendeiros entre 20% e 60% ad valorem, isto é, sobre o valor do bem.
lhes ofereciam, tendo ocorrido, inclusive, revoltas de A alíquota seria definida entre esses dois valores de acor-
imigrantes contra maus-tratos praticados por fazen- do com o tipo de produto a ser importado. Manuel Alves
deiros, que chegavam até a açoitar os trabalhadores, Branco era o ministro das Finanças em 1844, razão pela
qual o novo imposto tenha levado esse nome.
como ocorrera na revolta de Ibicaba, fazenda de café
Naturalmente, um ambiente protecionista como o
do senador Vergueiro, em Limeira (SP). Mas é inegável
criado pela Tarifa Alves Branco, funciona como certo
que o fato de não ter de desembolsar elevadas somas
impulso à produção industrial nacional, na medida em
de dinheiro na aquisição de escravos garantia aos
que os produtos industrializados importados ficam mais
fazendeiros do Oeste Paulista uma vantagem frente
caros. E foi isso que ocorreu: um rápido e inesperado de-
aos escravistas do Vale do Paraíba. Sem contar que o
senvolvimento industrial de fábricas de bens não durá-
boicote ao trabalho na lavoura era menos frequente, veis, sobretudo calçados e chapéus, no Rio de Janeiro, no
se comparada ao que ocorria nas fazendas escravistas que se pode chamar de surto industrial. Entretanto, deve
tradicionais, que se tornaram decadentes. ficar claro que, segundo José Murilo de Carvalho1, não
era intenção do governo fomentar o desenvolvimento
Quadro das exportações brasileiras industrial do país, e sim, elevar a arrecadação fiscal do
governo, uma vez que a alfândega era a principal fonte
de receitas do Estado. “Era necessário fazer frente aos
1821-30 1831-40 1841-50 1851-60 1861-70 1871-80 1881-90
crescentes gastos da administração pública, que her-
dou dívidas da época da independência. A receita do
Açúcar Café Café Café Café Café Café governo cresceu 33% de 1842/1843 para 1844/1845. E
30,1% 43,8% 41,4% 48,8% 45,5% 56,6% 61,5%
por volta de 1852/1853 era o dobro da arrecadada em
Algodão Açúcar Açúcar Açúcar Algodão Açúcar Açúcar
1842/1843.”2
20,6% 24,0% 26,7% 21,2% 18,3% 11,8% 9,9% Contudo, essa revisão tarifária aboliu privilégios co-
merciais concedidos aos ingleses na época dos tratados
Couros e Couros e
Café Algodão
Pele Pele
Açúcar Algodão Borracha de 1810 (lembra-se da tarifa de 15%, mais vantajosa aos
18,4% 10,8% 12,3% 9,5% 8,0%
8,5% 7,2% britânicos, que os 16% concedidos aos portugueses?) e
Couros Couros e Couros e Couros e renovados em 1827, por ocasião do reconhecimento da
Algodão Algodão Algodão
e Pele Pele
7,5% 6,2%
Pele Pele
4,2% independência brasileira. O resultado foi que a Inglaterra se
13,6% 7,9% 6,0% 5,6%
ressentiu de tal iniciativa brasileira e justificou a realização de
Borracha Borracha Borracha
Couros e retaliações, ou medidas punitivas ao Brasil. Nesse contexto,
Pele
2,3% 3,1% 5,5%
3,2% o Parlamento inglês aprovou o Bill Aberdeen (1845), lei pela
qual a Marinha britânica poderia apreender embarcações
fonte: Luiz Roberto Lopez. História do Brasil Imperial. negreiras no Atlântico Sul e levar a tripulação, os traficantes
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982. p. 68.
de escravos, para julgamento nos tribunais ingleses. Mesmo
já havendo no Brasil uma lei de 1831, que proibia o tráfico
Dessa forma o Brasil se consolidava como um país
de escravos, ele ainda ocorria intensamente na década de
agrícola, diferentemente de algumas nações europeias,
1840. Mas agora com a fiscalização inglesa, certamente, o
como Inglaterra e França, e fora da Europa, os Estados Brasil ingressaria num grave problema de reprodução de
Unidos, e um pouco mais tarde, o Japão, que passavam sua mão de obra.
pela Segunda Revolução Industrial, processo que per-
mite agregar mais valores às exportações e trazer mais 1 José Murilo de Carvalho e Leslie Bethell. O Brasil da independência a meados do século
XIX. In: Leslie Bethell (Org.). História da América Latina, v. 3. São Paulo: Edusp, 2001. p. 749.
divisas para o país. Mas qual seria a razão para que se 2 Idem, p. 747.
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Desembarque de escravos africanos no Brasil (1831-1853) O gradativo assalariamento da mão de obra na agri-
ano escravos ano escravos cultura, com a chegada de imigrantes, o protecionismo
econômico da Tarifa Alves Branco, a mercantilização do
1831 138 1844 22 849
acesso à terra e o excedente de capital acumulado com
1835 745 1845 19 453 a produção cafeeira promoveram um aprofundamento
1836 4 966 1846 50 234
das relações capitalistas de produção no país. Alguns
autores chamam esse momento de “modernização ca-
1837 35 209 1847 56 172 pitalista”, no qual surgiram bancos e indústrias no Brasil,
1838 40 256 1848 60 000 bem como foram construídas as primeiras ferrovias,
como a Rio-Petrópolis e a Santos-Jundiaí, que servia para
1839 42 182 1849 54 061 escoar a produção cafeeira do Oeste Paulista. O maior
1840 20 796 1850 22 856 representante dessa fase foi o barão de Mauá, grande
empreendedor da época, que acumulou fortuna muito
1841 13 804 1851 3 287
rapidamente, mas que acabou por perdê-la diante das
1842 17 435 1852 800 mudanças na condução econômica do país, como a re-
1843 19 095 1853 dução tarifária de 1857, a lei Silva Ferraz, que estimulou
importações e comprometeu os seus negócios
fonte: Leslie Bethell. A abolição do comércio brasileiro de No entanto, mesmo com esse surto de desenvolvimento
escravos. Brasília: Senado Federal, 2002. p. 440. industrial, não se pode afirmar que o Brasil se industrializou.
Tampouco que as indústrias nacionais estavam no mesmo
patamar tecnológico das indústrias da Europa. No Velho
Lei Eusébio de Queirós (1850) e as Mundo as principais nações já passavam pela Segunda
transformações econômicas Revolução Industrial, pela qual se desenvolvia a produção
em larga escala de aço, com o qual se construíram centenas
Conforme se percebe pela leitura da tabela sobre o tráfico de quilômetros de ferrovias por quase todo o continente, e
de escravos, o desembarque de cativos no Brasil aumentou na qual o petróleo já figurava como potencial fonte energé-
substancialmente após a lei de 1831,que não“pegou”. Porém, tica, para motores de combustão interna, que equiparia os
a partir de 1850, houve queda acentuada, de 22 856 escravos carros no limiar do século XIX. Dessa forma, a industrializa-
em 1850, para 3 287, em 1851. Qual será o motivo dessa mu- ção brasileira se deu tardiamente, o que gerou, em muitos
dança de tendência? Trata-se da assinatura da Lei Eusébio de setores, dependência de importação de tecnologias para
Queirós, de 1850, pela qual o Parlamento brasileiro, proíbe fabricação de inúmeras mercadorias.
definitivamente o tráfico negreiro para o país. Era uma forma
de acalmar os interesses britânicos e evitar situações vexami-
Fique esperto!
nosas, nas quais a Marinha inglesa poderia fazer apreensões
Lei de Terras (1850)
em águas brasileiras. Importante observar que se extingue
Pouco antes da chegada dos imigrantes já era latente,
ou diminui-se drasticamente o tráfico atlântico de escravos,
entre a classe política (liberais e conservadores) e
não a escravidão, só abolida formalmente em 1888, no Brasil.
fazendeiros, a preocupação com o acesso à posse de
A demanda por escravos fez surgir um tráfico interno,
terras por parte dos mais pobres. Duas semanas após a
das áreas economicamente decadentes do Império para
aprovação da Lei Eusébio de Queirós, que extinguiu o
as mais dinâmicas, isto é, do nordeste do país para o eixo
tráfico de escravos e abriu a possibilidade de entrada
centro-sul, sobretudo as tradicionais lavouras de café do
dos imigrantes, o Parlamento brasileiro aprovou a
sudeste de Minas Gerais e Vale do Paraíba, em São Paulo.
Lei de Terras, pela qual se procurava ordenar a posse
Com o esgotamento dessa possibilidade, a imigração apa-
de terras. A partir de então, as terras públicas seriam
receu como resposta ao problema da mão de obra. Isso se
vendidas por preço de mercado, que deveria ser su-
deu efetivamente na década de 1880, quando o trabalho
ficientemente elevado para impedir que imigrantes
assalariado passou a ser predominante no Oeste Paulista, e
pobres pudessem adquiri-las, e não mais doadas,
a entrada de imigrantes se tornou intensa. A princípio é de
como ocorria desde os tempos coloniais. Mas por
esperar que a mão de obra assalariada seja mais cara que
que impedir que os imigrantes comprassem seus
a escrava, devido ao pagamento de salários. Entretanto,
próprios lotes de terra? Naturalmente, a elite agrária
o valor desembolsado pelos fazendeiros para adquirir os
tinha a intenção de substituir a mão de obra escrava
escravos era muito grande, o que não era necessário no caso
por outra que não representasse gastos adicionais.
dos imigrantes. Isso fez que se liberasse boa quantidade de
Se os imigrantes tivessem suas próprias terras, não se
capitais, antes investida na aquisição de mão de obra, para
submeteriam aos baixos salários pagos como remu-
outros setores da economia, além da agricultura, como os
neração aos trabalhos agrícolas por eles executados.
setores bancário, industrial e ferroviário, por exemplo.
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A grande migração e a “política de grantes precisavam era comprado, a crédito, no armazém


branqueamento” da própria fazenda, havendo, não raro, reclamações dos
migrantes no tocante aos preços e às contas do que foi
Migração é o deslocamento voluntário de população consumido, sempre alterados para cima. Então, quando
pelo espaço. As pessoas se mudam em caráter definitivo os fazendeiros pagavam a passagem dos imigrantes,
de um lugar para o outro devido à existência do que se praticava-se o sistema de parceria, pelo qual a produ-
chama de fatores de repulsão, como desemprego, deses- ção agrícola era dividida ao meio, numa espécie de
perança, poucas possibilidades de instrução formal... Em sociedade entre os fazendeiros e os migrantes, em que
contrapartida, outros lugares de maior desenvolvimento os primeiros entravam com as terras e os financiamen-
econômico podem apresentar fatores de atração, como tos, e os segundos, com a mão de obra. Contudo, esse
maior oferta de empregos e vagas em universidades, por sistema fracassou, pois os migrantes eram submetidos
exemplo. Usa-se a palavra emigrante para classificar o a uma rigorosa disciplina de trabalho, tendo, inclusive,
migrante que deixa sua terra natal, e a palavra imigrante suas correspondências violadas, sem contar o endivida-
para denominar aquele que chega a uma nova terra, na mento, que só crescia de um mês para o outro, apesar
qual espera trabalhar, estudar ou outra coisa. do trabalho árduo nas lavouras. Para piorar, havia ainda
Conforme já discutido, na década de 1850, vários os castigos físicos contra os imigrantes, fato gerador da
países europeus realizavam a Segunda Revolução In- Revolta dos Parceiros, em 1856, na fazenda Ibicaba, razão
dustrial. Porém, ainda assim, havia centenas de milhares pela qual alguns países europeus desaconselharam ou
de desempregados na Europa, o que abria espaço para proibiram a migração para o Brasil. Nicolau Vergueiro,
a migração. No Brasil, por sua vez, a quase extinção do dono da fazenda, após a revolta, apelou novamente para
tráfico negreiro gerou um problema de falta de mão a mão de obra escrava. O assalariamento dos imigrantes
de obra, resolvido em parte com a política de migração só se tornou predominante no “Oeste Paulista” na década
posta em prática pelo governo e a qual estabelecia a de 1880, momento em que a imigração se intensificou, a
procedência desses migrantes: deveriam ser europeus, produção cafeeira cresceu e a burguesia cafeeira ganhou
brancos! O branqueamento da população brasileira foi importância política, através do recém-fundado partido
uma meta do governo imperial, num claro posiciona- Republicano.
mento racista, no qual era perceptível a convicção de
que o nível de civilização do país seria aumentado se

Juca Martins/Olhar Imagem


houvesse mais brancos na sociedade.

A maior parte dos migrantes dirigiu-se para a região


Centro-Sul do Brasil, para o que hoje chamamos de regi-
ões Sudeste e Sul, para trabalhar nas lavouras cafeeiras. Tentando combater os problemas do sistema de par-
Em São Paulo a experiência pioneira foi feita, em 1847, ceria, o governo provincial de São Paulo criou a migração
por Nicolau de Campos Vergueiro, que trouxe alemães subvencionada, na década de 1870, cuja característica
e suíços para trabalhar em sua fazenda, a Ibicaba, e maior era o pagamento, pelo governo, da passagem do
outras do Oeste Paulista. A passagem da Europa para o migrante para o Brasil, o que contribuiu para retardar o
Brasil era paga pelos fazendeiros e depois cobrada dos momento em que o migrante se tornaria um devedor,
recém-chegados, de modo que os migrantes já saíam pois, além da passagem, o governo construiu um edifício
de seu país endividados. Dívida que crescia quando de- chamado Hospedaria de Imigrantes, localizado no Brás,
sembarcavam no Brasil, pois precisariam de transporte bairro da capital paulista, na qual os imigrantes poderiam
até a fazenda onde ficariam, de comida, de habitação, ficar até 8 dias, sem fazer gastos por sua conta, e teriam
de ferramentas de trabalho, tudo pago na forma de também o transporte subsidiado até a fazenda onde
empréstimo pelos fazendeiros. Boa parte do que os mi- trabalhariam.
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realizadas com escravos. A região do Oeste Paulista se


Fique esperto!
desenvolvia economicamente e os maiores sintomas
Desde o começo do Primeiro Reinado, isto é, a
disso eram a acumulação de capitais que ocorria nessa
década de 1820, o governo de D. Pedro I vinha
área, o avanço da urbanização e a consolidação de um
incentivando a migração de italianos e alemães
mercado consumidor interno. Os estudos do econo-
para a Região Sul, sobretudo, para o Rio Grande do
mista John Mainard Keynes, que divulgou suas ideias
Sul e Santa Catarina, com o objetivo de colonizar
no livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, nas
e ocupar essa parte do território brasileiro, cujos
décadas de 1930 e 1940, são úteis, para compreender
traços culturais da população se assemelhavam aos
o que ocorria no Brasil a partir de 1850, por fornecer
das populações das repúblicas platinas (Argentina,
uma ferramenta valiosa: a constatação da existência
Uruguai e Paraguai). Não vieram para trabalhar
do efeito multiplicador na demanda. Não cabe aqui
na grande lavoura, como em São Paulo, mas para
elucidar os pormenores do pensamento keynesiano,
se tornarem pequenos proprietários rurais. Nessa
mas é válido usá-lo para afirmar que a produção de
época surgiram colônias alemãs, mais tarde cida-
café, bem como sua exportação em larga escala, não
des, como Blumenau, Joinville e Brusque, em Santa
estimulava apenas a agricultura, mas toda uma cadeia
Catarina e, São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
econômica, de forma direta ou indireta. Por exemplo: o
café precisa ser transportado, seja por mulas, seja por
ferrovias, alguém lucrará com a criação de gado muar, ou
com a construção de ferrovias, cuja realização demanda
A economia se moderniza, a monarquia e madeira, ferro e muitos trabalhadores. Serão necessárias,
sua base de apoio, não então, empresas que forneçam madeiras, outras, ferro,
que, por sua vez, precisam de transporte. Todos esses
A economia brasileira passou por um conjunto de
trabalhadores precisam ser alimentados, de forma que
transformações, sobretudo a partir de 1850, que lhe de-
surgem pequenos comércios para suprir essa demanda,
ram, no mínimo, diversificação de atividades econômicas.
o que motiva a contratação de mais trabalhadores. O
O surto de desenvolvimento industrial, a proliferação de
café precisa ser embalado, então surgem indústrias de
bancos e casas comerciais, a construção de ferrovias, a
sacarias. Os trabalhadores dos mais variados setores
utilização cada vez maior de mão de obra assalariada, a
necessitam de vestimentas, então se desenvolvem indús-
extinção do tráfico negreiro, a progressiva abolição da
trias têxteis. Todos esses negócios nascentes precisam
escravidão são exemplos dessa diversificação. Do ponto
de crédito e financiamentos, então se desenvolvem os
de vista capitalista liberal, isso configura modernização
bancos. E assim sucessivamente, o café exerce um efeito
econômica.
estimulante, através do efeito multiplicador, sobre toda
economia do Oeste Paulista.
Coleção particular

Todas essas transformações econômicas refletem-se


na sociedade. Novos grupos sociais, aos poucos, ganham
identidade e interesses próprios. O mais notável deles é
a chamada burguesia cafeeira do Oeste Paulista, grupo
enriquecido, mas não identificado com aqueles que
comandam as altas esferas do poder no Rio de Janeiro,
capital do Império. Portanto, transformações socioeco-
nômicas começam a gerar tensões políticas. Segundo a
historiadora Emilia Viotti da Costa3:

O crescimento econômico gerou desequilíbrios entre


o poder econômico e o poder político. A diversificação
econômica criou conflitos de interesse entre as províncias
Não se trata, contudo, de se chegar à conclusão de cuja economia estava orientada principalmente para o
que o Brasil está deixando de ser um país agrícola para mercado interno e aquelas voltadas sobretudo para o
se tornar um país de economia fortemente baseada na mercado externo, entre aquelas que continuavam a de-
indústria, como é a da China atualmente, ou baseada na pender do trabalho escravo e aquelas onde a escravidão
prestação de serviços, como é o caso da Índia do início já não constituía problema. As províncias competiam
do século XXI. Mas havia algo de diferente. A produção entre si por subsídios e por créditos do governo. E a
do café feita com braço assalariado dos imigrantes, ainda
que não fossem em condições ideais para os trabalha-
3 Emilia Viotti da Costa. Brasil: a era da reforma, 1870-1889. In: Leslie Bethell (Org.). História
dores, não era como as produções agrícolas anteriores, da América Latina. São Paulo: Edusp, 2003. p. 712-713.
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história do Brasil • aula 4

pressão para expandir a infraestrutura tornou-as mais de representantes e governantes, que com a república
conscientes de sua dependência da administração cen- seriam eleitos por mérito e competência.
tral. A situação era agravada pelos conflitos, dentro de

Quintino Bocaiuva. Óleo de Távola. Museu Republicano “Convenção de Itu”, Itu


cada província, entre os agricultores que modernizaram
seus métodos de produção e aqueles que continuavam
a empregar técnicas tradicionais.

[...]

O crescimento e a diversificação econômicas não


produziram apenas conflitos no interior dos grupos
agrários; criaram grupos de interesse ligados às estradas
de ferro, às indústrias, aos bancos, às empresas de seguro,
às companhias de imigração e aos serviços de utilidade
pública.Esses grupos tinham suas próprias reivindicações,
e seus interesses nem sempre coincidiam com os daqueles
que controlavam o governo central.
Dessa forma, surge uma oposição ao governo mo-
nárquico, liderado principalmente pelos cafeicultores
do Oeste Paulista, residentes, sobretudo, na cidade de
São Paulo, onde se envolvem com negócios bancários,
industriais, investimentos em imóveis e na construção Quintino Bocaiuva propunha que a proclamação da República
de ferrovias. deveria se dar após a morte de D. Pedro II.

O excesso de centralização do poder era outro ponto


Guilherme Gaensly Instituto Moreira Salles.

atacado pelos republicanos, pois, segundo eles, as pro-


víncias não tinham poder nem mesmo para escolher
os presidentes de províncias! Em 1873 é fundado, na
Convenção de Itu, o partido Republicano Paulista, e na
mesma década fundam-se partidos republicanos em
Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, o PRM e o PRR,
respectivamente. Na região atualmente denominada
Nordeste, na época conhecida como Norte, o republi-
canismo não se desenvolveu como no Centro-Sul. O
conde D’eu, marido da princesa Isabel, chegou a afirmar,
por exemplo, que os do Norte “são sempre mais dóceis a
voz do governo” 4. Silva Jardim, republicano carioca, não
conseguiu fazer comício republicano, em 1888, na cidade
de Salvador, devido à hostilidade do público. Enquanto
Esses oposicionistas urbanos defendiam a imigração,
havia 204 clubes republicanos no Centro-Sul, no Norte
o fim da escravidão, a separação entre o Estado e a Igreja –
havia apenas 33.
pois isso prejudicava a vinda de imigrantes protestantes,
a extinção do Senado vitalício, do Poder Moderador e do
Conselho de Estado. Na década de 1870, grupos urbanos, Os sintomas da crise da monarquia
mormente profissionais liberais, de outras províncias
“engrossaram o coro” contra a monarquia, inclusive na A causa da crise da monarquia já fora discutida: a
própria capital do Império, Rio de Janeiro, onde surgiu modernização econômica que gerou novos interesses
no dia 3 de dezembro de 1870 o jornal A República, que políticos não identificados à base de sustentação
trazia o manifesto do Partido Republicano, cujo teor era, social do Império. É importante agora analisarmos as
segundo seus editores, para esclarecer sobre os vícios manifestações dessa crise, seus sintomas, os conflitos
da monarquia e as virtudes da república. Argumenta- entre a monarquia e os diferentes grupos da socieda-
vam que a monarquia era permeada de privilégios (de de brasileira, que culminaram com o isolamento polí-
posição social, de raça, de religião) cujo resultado era a tico de D. Pedro II e sua consequente deposição, num
“decadência moral” do país, refletida na má administra-
ção, na ausência de participação dos cidadãos, na escolha 4 José E. Casalecchi. A proclamação do República. São Paulo: Brasiliense, 1992. p. 50.
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história do Brasil • aula 4

golpe militar encabeçado pelo marechal Deodoro

Acervo de D. João de Orléans e Bragança.


da Fonseca. Comecemos pelo menos importante dos
conflitos, no que se refere à instituição da República,
o conflito com a Igreja.
A Questão Religiosa foi um conflito entre o Estado
monárquico e a Igreja Católica. Na década de 1870, o
papa Pio IX tinha por objetivo reafirmar o domínio
espiritual da Igreja no mundo, por isso lançou o dogma
da infalibilidade do papa, pelo qual se estabelece a
crença de que o papa nunca erra, não importando a
circunstância. Pio IX, por razões institucionais, proibiu,
mediante a Bula Syllabus, a participação de maçons
nas irmandades católicas e na própria Igreja, algo
que foi seguido à risca pelo bispo de Recife, Dom Vi-
tal Maria Gonçalves de Oliveira, que suspendeu dois
padres maçons de participar de irmandades católicas.
No entanto, desde a Constituição de 1824, as deter-
minações papais, para valerem na Igreja brasileira,
deveriam passar pelo beneplácito (aval) do imperador,
pois havia subordinação da Igreja ao Estado (lembra-
-se do Padroado?). O Conselho de Estado é acionado
para invalidar a decisão de D. Vital, que, fiel ao papa,
mantém a suspensão, razão pela qual é condenado
pelo Supremo Tribunal a 4 anos de prisão com traba-
lhos forçados. D. Pedro II comutou a pena para prisão A Questão Militar foi o conflito que opôs o governo
simples e 1 ano depois, aproximadamente, libertou monárquico ao alto escalão das Forças Armadas. Tais
D. Vital. Contudo, isso não foi suficiente para evitar conflitos guardam relação com três acontecimentos
o rompimento das relações amistosas entre Igreja e importantes: 1) a vitória na Guerra do Paraguai deixou os
governo monárquico, que seguiu sem o apoio do papa militares brasileiros cheios de pretensões políticas, entre
e do alto escalão da Igreja brasileira. outros motivos, porque o presidente que acabaram de
A Questão Social foi o mais importante conflito entre depor no Paraguai, Solano Lopez, era militar. Foi inevi-
a monarquia e um grupo da sociedade brasileira, aquele tável a comparação com a realidade brasileira, em que
que realmente sepultou o regime imperial e abriu as portas os militares tinham peso e representação políticos bem
da República. O grupo em questão são os fazendeiros menores; 2) a penetração das ideias positivistas entre os
escravistas, sobretudo, do Vale do Paraíba, em São Paulo, militares brasileiros era bastante grande. O Positivismo,
os quais, nos idos da década de 1880, eram, praticamente, em linhas gerais, é uma filosofia política professada
os únicos apoiadores do governo monárquico, mas que pelo francês Augusto Comte em que se propõe, entre
agora deixariam de sê-lo. O afastamento de D. Pedro II outros aspectos, a separação entre Igreja e Estado, re-
do poder por motivo de doença permitiu a ascensão da publicanismo, Poder Executivo forte e intervencionista,
princesa regente Isabel ao trono. Tentando se aproximar capaz de modernizar as estruturas econômicas e sociais
da burguesia cafeeira, grupo progressista que defendia do país para promover desenvolvimento e progresso
a abolição, a princesa Isabel, numa tentativa de ganhar material. Os militares brasileiros, sobretudo aqueles
apoio para um Terceiro Reinado, assinou a Lei Áurea, no influenciados pelo professor da Escola Militar do Rio de
dia 13 de maio de 1888, que decretou a abolição. Foi um Janeiro, Benjamin Constant, principal defensor das ideias
erro de cálculo político de Isabel, pois os republicanos positivistas no Brasil, acreditavam que deveria ser instau-
do Oeste Paulista não se tornaram monarquistas, mas rada uma ditadura republicana, chefiada por um militar
os senhores escravistas do Vale do Paraíba se tornaram que pudesse conduzir o Brasil na direção da ordem e
republicanos e, portanto, deixaram de apoiar o governo do progresso, lema que mais tarde seria incorporado à
monárquico em sinal de represália à Lei Áurea. Nas pala- bandeira nacional; 3) o abolicionismo também era uma
vras do abolicionista José do Patrocínio, eles se tornaram bandeira dos militares, ponto maior de atrito com o
republicanos em 14 de maio. Estava derrubado um dos governo monárquico: em 1884 o tenente-coronel Sena
principais alicerces da monarquia, a escravidão. Agora, Madureira convidou um jangadeiro do Ceará, primeira
o estabelecimento da República era uma questão de província a abolir a escravidão, que se recusara a trans-
tempo, de pouco tempo. portar escravos do Ceará para outras províncias onde
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história do Brasil • aula 4

ainda houvesse escravidão, para visitar a Escola de Tiro c) a aprovação da Maioridade, que intensificou as rela-
do Rio de Janeiro, razão pela qual Sena Madureira foi pu- ções econômicas com os Estados Unidos.
nido com a transferência para o Rio Grande do Sul, onde d) a eliminação da escravidão e a consequente liberação
passou a fazer várias críticas à monarquia. A monarquia de capitais para novos investimentos.
chegou a proibir que militares se manifestassem pela e) o estabelecimento da Lei Alves Branco, a partir da qual
imprensa sobre política, intensificando as divergências. a intervenção do Estado na economia se tornou nula.
Em 1887 Deodoro da Fonseca funda o Clube Militar para
defender os interesses dos “homens de farda”. A primeira 2. (Mack) A abolição do tráfico escravo, por pressão
reivindicação de Deodoro, para o ministro da Guerra, foi a inglesa em 1850, resultou em várias alterações no
de que o Exército não mais perseguiria escravos fugidos. quadro da economia imperial, EXCETO:
A recusa do ministro a tal pedido não impediu que, na a) a transferência de capitais do tráfico para as ativida-
prática, os militares não mais exercessem essa função. des industriais.
b) a Lei de Terras, que dificultava o acesso à propriedade
da terra para imigrantes pobres e posseiros.
Fique esperto! c) o desenvolvimento da imigração como alternativa
“A 11 de novembro de 1889, figuras civis e militares, de mão de obra.
como Rui Barbosa, Benjamin Constant, Aristides Lobo d) o crescimento do tráfico escravo interno, largamente
e Quintino Bocaiuva reuniram-se com o marechal utilizado pelos fazendeiros do Centro-Sul.
Deodoro, tratando de convencê-lo a liderar um movi- e) o acesso democrático às terras públicas, a redução
mento contra o regime. A participação de Deodoro era das atividades econômicas e o retrocesso no proces-
importante como figura conservadora e de prestígio no so de modernização do país.
Exército. Ele resistia por ser amigo do imperador e não
gostar da presença de civis na conspiração” 5 que leva- 3. (Mack) Guerra do Paraguai, modernização e poli-
ria à proclamação da República, em 15 de novembro tização do exército e queda da Monarquia são fatos
de 1889, via golpe de Estado. O que movia Deodoro diretamente relacionados, já que:
era, principalmente, o receio sobre as iniciativas do a) o exército identificava-se com o elitismo do governo
recém-empossado chefe de governo liberal viscon- imperial, enquanto a marinha compunha-se basica-
de de Ouro Preto, sobre as quais pairavam suspeitas mente de classes populares e médias, contrárias à
de redução do efetivo militar no país, dissolução do monarquia.
Exército e até a prisão de Deodoro da Fonseca. b) vitorioso na guerra, o exército adquiriu consciência
política, transformando-se num instrumento de de-
fesa da abolição e do republicanismo.
Articulava-se, dessa forma, uma aproximação entre c) a derrota na guerra e o endividamento do país for-
os grupos urbanos, os fazendeiros do Oeste Paulista e taleceram a oposição militar ao regime imperial.
os militares, todos republicanos e abolicionistas. A pre- d) embora sem vínculos com ideias positivistas, o exér-
sença dos militares nesse movimento dava a certeza à cito aproximou-se dos republicanos radicais.
burguesia cafeeira que a queda da monarquia não viria e) para combater os interesses das camadas médias
acompanhada de agitações populares, que pudessem que apoiavam o governo monárquico, o exército
pôr em risco os privilégios sociais, como a posse da terra, desfechou o golpe de 15 de novembro.
mas abriria espaço para a participação desse grupo social
na configuração do governo republicano.
Estudo orientado

Exercícios 1. (Uel) Em relação às consequências da Guerra do


Paraguai, no Brasil, pode-se afirmar que:
1. (Fuvest - adaptada) Durante o Império, a economia a) o declínio da monarquia foi concomitante à guerra
brasileira foi marcada por sensível dependência em e as críticas atingiram seu ponto vital: a escravidão.
relação à Inglaterra e a outros países europeus. Essa Foi através dessa brecha, que os ideais republicanos
situação foi alterada em 1844 com: se propagam.
a) a substituição do quase livre-cambismo por medidas b) o território foi devastado e a população gravemente
protecionistas, através da Tarifa Alves Branco. afetada pelas mortes, o que retardou o desenvolvi-
b) a criação da Presidência do Conselho de Ministros, mento econômico do país.
que fortaleceu a aristocracia rural. c) a abertura do mercado externo paraguaio, resultante
da derrota na Guerra, trouxe grandes benefícios à
5 Boris Fausto. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2003. p. 234. expansão da economia cafeeira no país.
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história do Brasil • aula 4

d) ao favorecer o desenvolvimento do setor naval con- ilícito comércio e fazê-los convergir a um centro onde
tribuiu para a reorganização da marinha que, após a pudessem ir alimentar as forças produtivas do país, foi
guerra, colocou-se contra a monarquia. o pensamento que me surgiu na mente, ao ter certeza
e) a participação das camadas mais pobres da popu- de que aquele fato era irrevogável.
lação na guerra respondeu pela sua integração nas Visconde de Mauá – Autobiografia. Citado por MATTOS, Ilmar
decisões políticas após a proclamação da República. R. & GONÇALVES, Marcia de A. O Império da boa sociedade.
São Paulo, Atual, 1991.
2. (Fatec) Considere como possíveis fatores envolvidos Os centros urbanos brasileiros,principalmente a capital –
no movimento abolicionista os seguintes:
a cidade do Rio de Janeiro, – passaram por grandes
I. a resistência dos escravos.
transformações a partir da segunda metade do século
II. o custo do escravo que, a partir do Bill Aberdeen
(1845), aumentou, encarecendo e tornando inviável XIX. Irineu Evangelista de Souza, Visconde de Mauá,
a sua utilização. foi um dos principais personagens desse processo de
III. os abolicionistas, moderados ou radicais, que lutavam mudanças.
contra esse sistema de mão de obra. No período citado, a capital do império sofreu, dentre
IV. os latifundiários nordestinos, que perceberam que outras, as seguintes transformações:
a mão de obra livre era mais eficiente para suas a) criação de indústrias metalúrgicas e siderúrgicas,
lavouras. surgimento de bancos e diversificação da agricultura.
b) crescimento da economia cafeeira, utilização da
Conjugaram-se para a abolição da escravatura no mão de obra imigrante assalariada e mecanização
Brasil os fatores expostos em: do cultivo.
a) I, II e III apenas. c) diminuição da importância da economia agroexpor-
b) I, II e IV apenas. tadora, desenvolvimento de manufaturas e exporta-
c) I e II somente. ção de bens de consumo manufaturados.
d) I, II, III e IV. d) aplicação de capitais na modernização da infraestrutura
e) III e IV somente. de transportes,no aprimoramento dos serviços urbanos
e desenvolvimento de atividades industriais.
3. (UFMG) Leia a frase.
Precisamos de braços [...] no intuito de aumentar 5. (UFRN) No Brasil, o Movimento Republicano se
a concorrência de trabalhadores e, mediante a lei da fortaleceu a partir de 1870 e culminou com o fim do
oferta e procura, diminuir o salário. período monárquico.
Fala de um deputado paulista, Anais da Câmara,1888. Inspiravam o ideário desse Movimento:
a) Liberalismo, coronelismo e soberania nacional.
A frase acima se refere: b) Anarquismo, militarismo e abolição da escravatura.
a) à polêmica em torno da preparação dos trabalhado- c) Positivismo, federalismo e separação entre Igreja e
res brasileiros, visando a sua adequação ao trabalho Estado.
no interior das fábricas. d) Iluminismo, reformismo e centralização política.
b) à discussão frente às revoltas populares que, no final
6. (Fuvest) Fazendo um balanço econômico do Segundo
do século XIX, reivindicavam a manutenção dos níveis
Reinado, podemos afirmar que ele foi um período no
salariais.
qual:
c) ao debate em torno da política imigratória, que
permitiu a criação de condições para sustentar a a) algumas atividades ganharam importância, como a
expansão cafeeira. criação do gado no Rio Grande do Sul e as lavouras
d) à proposta de solução para a escassez de mão de de açúcar no Nordeste.
obra escrava no centro-sul do País, no contexto do b) o Brasil deixou de ser um país essencialmente agrário,
abolicionismo. ingressando na era da industrialização.
c) a Amazônia passou a ter um grande destaque com
4. (Uerj) o boom, desde 1830, da produção da borracha.
Acompanhei com vivo interesse a solução desse d) ocorreram grandes transformações econômicas com
grave problema [a extinção do tráfico negreiro]. as quais o centro-sul ganhou projeção em detrimen-
Compreendi que o contrabando não podia reerguer- to do nordeste.
-se, desde que a “vontade nacional” estava ao lado do e) as diversas regiões brasileiras tiveram um crescimen-
ministério que decretava a supressão do tráfico. Reunir to econômico constante, uniforme e progressivamen-
os capitais que se viam repentinamente deslocados do te integrado.
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história do Brasil • aula 4

roda de leitura do que se verificava nas lojas de roupas finas, como a


Casa Wellimcamp, a Casa PaIais Royal e a Mme. Roche.
Festança sobre o vulcão: com a República já nos Nelas, fervilhavam as senhoras e senhoritas em busca
calcanhares, o Império se divertiu à larga no baile de suas requintadas toaletes de seda, rendas de Bruxe-
da Ilha Fiscal las, chamalote ou veludo.
Jamais o Rio de Janeiro havia servido de cená- Nos alfaiates, o movimento não era menor. Os
rio para tanto fausto e cintilância. No último dia cavalheiros acorriam em busca de suas casacas
9, sábado, os salões do Palácio da Ilha Fiscal, na feitas especialmente para a ocasião. Os mais ou-
entrada da Baía de Guanabara, inaugurado em sados faziam os últimos ajustes em seus vestons –
abril passado para abrigar o serviço marítimo da essa extravagante indumentária recém-surgida no
alfândega, foram palco do baile mais extraordi- mundo da moda, composta de vestes compridas
nário entre todos os promovidos pelo Império. Foi e pretas com gola, inteiras de seda. Os festeiros se
também o último, o apagar das luzes da monarquia apressavam também para conseguir dar os últimos
no Brasil, realizado apenas seis dias antes que as retoques no trato pessoal. As filas nos barbeiros
forças republicanas instaurassem no país a nova eram enormes, e muitos cavalheiros que desejavam
ordem. O baile foi oferecido pelo então presidente apenas fazer a barba tinham que esperar paciente-
do Conselho de Ministros, Visconde de Ouro Preto, mente até que se fizessem nas melenas dos jovens, a
aos oficiais do cruzador chileno Almirante Cochrane, ferro quente, as pastinhas, hoje tão populares entre
que no dia 11 de outubro chegara ao porto, com 300 eles. “Os ministros escovavam as casacas para o bai-
tripulantes a bordo, em escala de boa vizinhança. E le dos arrependidos, e a Guarda Nacional narcisava
nada foi poupado para que os convidados, que se ao espelho a bizarria marcial dos seus figurinos
calcula terem chegado a 4 500, entre eles, é claro, a para a batalha das contradanças”, assim definiu Rui
família imperial, passassem uma noite de sonho e Barbosa os preparativos. Os cabeleireiros da cidade,
fantasia, revezando-se entre um banquete fenome- estes então, trabalharam a não mais poder. Muitas
nal e as contradanças, entre os brindes aos oficiais senhoras, para conseguir vaga num deles, fizeram
chilenos e a palestra fina. A festa custou aos cofres seus penteados de baile às 9 horas da manhã.
públicos cerca de 250 contos de réis, quase 10% do O baile estava marcado para as 8h30, mas desde
orçamento previsto da Província do Rio de Janeiro cedo uma multidão se acotovelava em volta do Cais
para o ano que vem. Pharoux, que dá acesso à ilha, e nas ruas próximas
Dançou-se muito no baile da Ilha Fiscal, mas o que para ver chegarem os convidados. A impressão que
os convidados não imaginavam, nem o imperador D. se tinha era que boa parte dos 500 000 habitantes
Pedro II, é que se dançava sobre um vulcão. À mesma com que hoje conta o Rio de Janeiro estava lá. A
hora em que se acendiam as luzes do palacete para suntuosidade da festa começava ainda na ponte
receber os milhares de convidados engalanados, os flutuante montada junto ao cais para o embarque,
republicanos reuniam-se no Clube Militar, presidi- ornamentada com seis grandes arcos e dois can-
dos pelo tenente-coronel Benjamin Constant, para delabros de gás. Junto a ela, tocava a primeira das
maquinar a queda do Império. “Mais do que nunca, seis bandas e orquestras contratadas para animar
preciso sejam-me dados plenos poderes para tirar a a festa.
classe militar de um estado de coisas incompatível Da ponte, os convivas eram levados até a ilha
com sua honra e sua dignidade”, discursou Constant pela barca Primeira, coberta de tapetes luxuosos e
na ocasião, tendo como alvo justamente o Visconde ornamentada com as bandeiras brasileira e chilena.
de Ouro Preto. Longe dali, ao lado da família imperial, Ainda no cais, o cenário que se erguia das águas
o visconde desmanchava-se em sorrisos ao comandar da baía era deslumbrante. O Palácio da Ilha Fiscal
seu suntuoso festim. projetava-se em meio a uma iluminação feérica,
Passados dez dias de sua realização, o baile da Ilha feita com 700 lâmpadas elétricas. No alto da torre,
Fiscal ainda é comentado na cidade, seja nas rodas um holofote produzia um foco de 60 000 velas, mais
chiques da Rua do Ouvidor, seja nos bairros. Pela for- da metade da força projetada pela iluminação da
ma como mobilizou não apenas os convidados mas Torre Eiffel.
também toda a população do Rio de Janeiro e por ter Ao chegar à ilha, os convidados desembarcavam
marcado o canto do cisne do Império, pode-se prever em meio a um bosque. Nas paredes do torreão, um
que ele ficará inscrito na História da cidade e do país. quadro simbolizando a recepção ao navio Almirante
Já no início da tarde daquele sábado, o Rio de Janeiro Cochrane mostrava ninfas e golfinhos saindo da
passou a viver um clima diferente. Acabou mais cedo baía para oferecer ramos de flores aos marinheiros
do que de costume o movimento no centro, à exceção chilenos. Toda a ilha foi ornamentada com bandei-
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história do Brasil • aula 4

ras brasileiras e chilenas, além de 10 000 lanternas republicanas com um acontecimento inesquecível,
venezianas. Seis salões abrigavam as danças. No uma marca da solidez do Império.
primeiro deles, as paredes se escondiam sob cachos Tudo foi montado para atingir esse objetivo, e o Rio
de flores naturais e palmas. Nos dois maiores, entre de Janeiro parou para participar da festa ou apenas
tapetes vermelhos, âncoras douradas e prateadas, assisti-Ia. O ministro chileno, Manoel Villamil Blanco,
foram colocados retratos recém-pintados do almi- e o comandante Banem, do Almirante Cochrane, le-
rante Cochrane e do almirante Greenfell. Um repu- vantaram vivas e moções de solidariedade ao governo
blicano infiltrado no baile, que dias depois publicou brasileiro e ao imperador. Pelos salões desfilou a fina
suas impressões na Revista Ilustrada, comenta que flor da aristocracia, da oficialidade e da sociedade
a certa altura os salões tornaram-se pequenos para cariocas. Para se ter uma ideia da animação do evento,
o número de convidados. “Para conseguir o espaço basta ver a lista, recentemente divulgada, dos despo-
necessário às danças, o senhor Hasselmann, guarda- jos encontrados nos salões na manhã do domingo. A
-mor da alfândega, teve de suar, não só o topete, mas lista inclui, por exemplo, oito raminhos de corpete, três
também o colarinho, de tal modo que este perdeu coletes de senhora, dezessete ligas, dezesseis chapéus,
toda a compostura e tomou o aspecto de uma sim- nove dragonas, treze lenços de seda, nove de linho
ples tripa enrolada no pescoço”. e quinze de cambraia. Sabe-se lá o que essas moças
A ceia foi um capítulo à parte na festa. Foram estavam fazendo quando perderam as ligas. Coisa
armadas mesas em forma de ferradura, para 250 muita séria não era.
talheres cada uma. Nas cabeceiras das mesas, dois Mal sabiam o visconde de Ouro Preto, o impera-
enormes pavões empalhados estendiam as caudas dor e os convidados ilustres que o baile, em vez de
multicoloridas. Seguiam-se pratos de peixe e de caça pavimentar a suposta solidez do Império, marcaria o
colocados alternadamente e, entre eles, havia enormes seu último suspiro. É bem verdade que, na corrida aos
castelos de açúcar, em cujos torreões foram colocados cofres públicos para organizar festas suntuosas para
bombons. À frente de cada prato havia nove copos de os oficiais chilenos, Ouro Preto e as hostes monárquicas
feitios diferentes, três brancos e seis coloridos. Por essas não estiveram sozinhos. Sabe-se de pelo menos um
mesas, passou um desfile monumental de iguarias caso de corporação do Exército – a da Fortaleza de
que daria para alimentar um exército. Republicano, São João – que, não desejando ficar atrás da Marinha
naturalmente. nas homenagens aos oficiais do Almirante Cochrane,
A família imperial chegou ao cais pouco antes pediu e obteve verbas do governo imperial para or-
das 10 horas. D. Pedro II, fardado de almirante, a im- ganizar seu ágape. “O tenente-coronel Leite de Castro
peratriz Teresa Cristina e o príncipe D. Pedro Augusto me escreveu pedindo 1 conto de réis e eu o atendi
embarcaram primeiro. Quinze minutos depois foi a prontamente” , diz o visconde.
vez da princesa Isabel e do conde D’Eu. Uma vez no É possível que o próprio imperador, em seu exílio,
palácio, foram conduzidos a um salão em separado, esteja a essa hora se arrependendo de ter atravessado
onde já se achavam reunidos membros do corpo a Baía de Guanabara rumo à Ilha Fiscal naquela noite
diplomático estrangeiro oficiais e alguns eleitos da faustosa e fatídica. Desde que, na juventude, granjeou
sociedade carioca. O guarda-roupa da imperatriz fama como um autêntico pé de valsa, e do tipo galan-
não chegou a causar impressão especial entre os teador, D. Pedro nunca mais demonstrou prazer em
convidados – um vestido de renda de chantilly preta, participar de grandes bailes oficiais e sequer tomou
guarnecido de vidrilhos. A toalete da princesa Isa- a iniciativa de promovê-los. Numa monarquia, por
bel, no entanto, causou exclamações de admiração tradição, é o monarca e sua família que dão o tom
pelo luxo e pela beleza. Ela portava uma roupa de da vida social da corte. Se dependesse dele, o tom dos
moiré preta listada, tendo na frente um corpinho salões cariocas teria sido pálido.
alto bordado a ouro. Nos cabelos, carregava um Coube aos grandes anfitriões da cidade, como o
diadema de brilhantes. barão de Cotegipe e a Mme. Haritoff, movimentarem
O grande baile do visconde de Ouro Preto estava a sociedade durante o Império, com suas festas ines-
marcado inicialmente para o dia 18 de outubro. No quecíveis. A princesa Isabel e o conde D’Eu reagiram
dia 14, porém, chegou ao Rio a notícia de que D. Luiz I, a essa frieza social de D. Pedro, organizando reuniões
rei de Portugal, estava à morte, o que efetivamente animadas no Paço de Petrópolis e no Paço Isabel.
ocorreu cinco dias depois. Mesmo envolta em luto, a Nada disso, porém, encontrava eco no Paço de São
corte decidiu manter a festa e adiá-la para este mês. Cristóvão. Com o baile da Ilha Fiscal, organizou-se a
Para o visconde de Ouro Preto – embora ele tivesse mais suntuosa das festas para marcar a derrocada
confiança na firmeza do poder monárquico brasileiro – de um imperador que detestava festas suntuosas.
o baile serviria para rebater a disseminação das ideias Certamente, ele poderia ter partido para o exílio sem
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história do Brasil • aula 4

carregar na bagagem as marcas dessa idéia luminosa • Museu do Imigrante, localizado no bairro do Brás em
do visconde de Ouro Preto. São Paulo. A edificação é a antiga Hospedaria dos Imi-
fonte: http://veja.abril.com.br/historia/republica/sociedade- grantes, onde eles ficavam hospedados até irem para
baile-imperio-ilha-fiscal.shtml. acesso em: 30 jan. 2011. as fazendas. É possível fazer um pequeno passeio de
maria-fumaça.
Reflita: Segundo o texto, o que representou para a • Estação da Luz, localizada no bairro da Luz, cidade de
monarquia brasileira o baile de Ilha Fiscal? São Paulo. Trata-se de uma estação de trem construída
com ajuda dos ingleses na estrada de ferro que ligava
pesquisar e ler Jundiaí a Santos, para viabilizar a grande exportação
de café. Aproveite que está na região, embora não haja,
• Regina S. Bega. Migração no Brasil. São Paulo: Scipione, especificamente, pertinência com o tema desta aula, e
2002. Traz, em linguagem didática, uma boa síntese do visite o Museu da Língua Portuguesa, praticamente na
fenômeno migração no Brasil. Os capítulos 1 e 2 têm mesma edificação da estação e, do outro lado da rua,
particular pertinência para o problema da mão de a Pinacoteca do Estado, onde há um enorme acervo
obra, relativo ao tema desta aula. Boa leitura! de artes plásticas. Bom passeio!
• Aluísio Azevedo. O cortiço. Interessante narrativa lite- • Ilha Fiscal (RJ), bem próxima da cidade do Rio de Ja-
rária que se passa no Segundo Reinado e que mostra, neiro, na baía de Guanabara. Lá existe uma espécie de
com muita propriedade, o universo dos grupos mais palácio onde eram realizadas cerimônias importantes,
humildes da sociedade brasileira daquele período. e que, naturalmente, envolviam importantes membros
Nas palavras do próprio autor, a narrativa é sobre o da corte brasileira. Foi lá, inclusive, que foi realizado
contraste dos mundos de “galegos e cabras”. o último baile do Império, no dia 9 de novembro de
• J. E. Casalecchi. A proclamação da República. São Paulo: 1889, uma semana antes da proclamação da Repúbli-
Brasiliense, 1992. Livro de cunho historiográfico, que ca, ocorrida em 15 de novembro. A festa foi feita para
analisa as estruturas do Segundo Reinado que entra- recepcionar um ministro e oficiais da Marinha chilena.
ram em crise e ruíram. Tratou-se de um acontecimento de tal ordem, que
mesmo após o fim da monarquia comentava-se nos
jornais aquela noite. É possível comprar, no Museu da
ver e ouvir Marinha, no centro do Rio de Janeiro, o ingresso do
barco que leva até a ilha. Imperdível!
• Mauá, o imperador e o rei. Brasil, 1999. Filme dirigido por
Sérgio Rezende. Boa oportunidade para tomar contato
com o clima de negócios surgidos com a moderniza- senha
ção capitalista do Segundo Reinado.
• Policarpo Quaresma, o herói do Brasil. Brasil, 1998. Fil- “Saio da vida para entrar na História.”
me adaptado da obra literária Triste fim de Policarpo Que presidente brasileiro escreveu essas palavras
Quaresma, de Lima Barreto. Trata-se de uma divertida proféticas?
tradução de um pouco das ideias republicanas em
voga no fim do Segundo Reinado.
• Amistad. EUA, 1997. Dirigido por Steven Spilberg.
Trata-se de um bom filme que retrata bem as pressões
inglesas pelo fim do tráfico negreiro no século XIX.
• Gilberto Gil, “A mão da limpeza”, álbum Raça Humana,
1984. Música cuja letra desconstroi um ditado
popular racista. Vale a pena conferir!

passear

• Fazenda Ibicaba, localizada na cidade de Limeira (SP).


Era a antiga fazenda do senador Vergueiro, onde pio-
neiramente se introduziu o trabalho imigrante e onde,
também, ocorreu a Revolta dos Parceiros, uma revolta
de imigrantes.
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A Era Vargas: a construção do populismo aula 5
Getúlio Vargas que estais no Rio Grande do Sul, glo- clara centralização do poder no governo federal, em
rificada seja a vossa luta. Venha a nós a vossa força, seja detrimento da oligarquia paulista, predominante na
vitoriosa a vossa causa assim no sul como no norte. Per- política do Café com Leite.
doai as nossas covardias, assim como nós perdoamos aos

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legalistas. Não nos deixeis cair em poder de Washington
Luís e livrai-nos de Júlio Prestes. Amém.
O “Padre Nosso” dos revolucionários de 1930

Antecedentes

Getúlio Dornelles Vargas, derrotado nas eleições de


1930, chegou ao poder em outubro de 1930, após a vi-
tória da Revolução de 30, por ele liderada. Tal revolução
representou uma reação ao suposto assassinato político
de João Pessoa, governador da Paraíba e candidato a
vice-presidente na chapa de Vargas, a Aliança Liberal.
Fora um crime passional sem conotação política, conse-
quência de um triângulo amoroso no qual João Pessoa se
envolvera. O assassinato foi usado politicamente por Var-
gas, que lançou suspeitas sobre a dupla Washington Luís
e Júlio Prestes, respectivamente, o então presidente e o
candidato vitorioso nas eleições presidenciais daquele
ano. Do Rio Grande do Sul os revolucionários chegaram
ao Rio de Janeiro, depuseram o presidente e impediram
Ao lado do ensino religioso, que voltou ao currículo escolar das
a posse de Júlio Prestes. É claro que as oligarquias que
escolas públicas, o Cristo Redentor representa a gratidão do
estavam no poder, sobretudo a paulista, estavam enfra- governo golpista de Vargas ao apoio da Igreja Católica a seu
quecidas política e economicamente, razão pela qual governo.
ruíram. O enfraquecimento político se deu após décadas
de predomínio da política do Café com Leite, que só As Forças Armadas se submeteram ao governo de
foi possível devido ao pacto oligárquico entre as elites Vargas, algo muito importante, pois com elas era pos-
paulista, fluminense, gaúcha, mineira... Entretanto, essa sível manter sob controle as oligarquias estaduais. Mas
situação não existia mais, pois havia muitas oligarquias se engana quem pensa que Vargas rompeu completa-
dissidentes e ansiosas para se colocar no poder federal. mente com os interesses dos oligarcas latifundiários
Vargas centralizou essas insatisfações e conseguiu de- cafeicultores!
salojar os paulistas do poder. Alie-se a isso os problemas A política de valorização do café prosseguiu, isto é,
econômicos decorrentes da crise do capitalismo de 1929, o Estado brasileiro continuou comprando café da bur-
cujo centro de difusão foram os Estados Unidos, maior guesia cafeeira. A diferença, agora, é que não mais se es-
comprador do café brasileiro (sobretudo paulista) e se toca a mercadoria, esperando a valorização do produto,
entenderá por que a reação militar dos paulistas e das como na República Velha, mas literalmente queima-se o
tropas federais não foi suficiente para impedir a vitória café. Então, não houve mudanças em relação à política
da Revolução de 30. Café com Leite? Houve sim, e muitas, pois a atividade
industrial foi posta na agenda governamental, coisa
O governo provisório (1930-1934): que não ocorria antes. Mas por que segurar o preço do
café, trabalhismo e Revolução café via subsídio do Estado? Não se esqueça de que,
meses antes do início do governo provisório, estourou
Vargas quebrou a ordem legal no país: o resultado a Crise de 29, causando uma depressão econômica
das urnas foi ignorado e a Constituição de 1891,“rasgada”. mundial e prejudicando as vendas de café no mercado
O Poder Legislativo foi fechado temporariamente, o que externo. Lembre-se também de que o café ainda era o
inclui o Senado, a Câmara dos deputados federais, as câ- principal produto de exportação do Brasil. Já imaginou
maras municipais e as assembleias legislativas estaduais. a catástrofe socioeconômica que seria para o Brasil,
Os presidentes dos estados passaram a ser indicados por se a atividade cafeeira simplesmente parasse, ou quase
Vargas, nas chamadas interventorias estaduais, cargos parasse? Não só os cafeicultores iriam à falência, mas
muitas vezes ocupados pelos tenentes, apoiadores de milhares de empregos seriam eliminados, provocando
Vargas durante a Revolução de 30. Há, portanto, uma recessão também no Brasil.
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13
história do Brasil • aula 5

um impeachment, Fernando Collor. Criaram-se, então,


Alexandre Tokitaka/ Pulsar Imagens

muitas leis trabalhistas, que regularam a relação entre


patrões e empregados nas indústrias. Foram concedidos
diversos direitos aos trabalhadores como:

• registro em carteira profissional, recém-criada;


• salário-mínimo;
• jornada máxima de trabalho de 8 horas diárias, 6 dias
por semana;
• descanso semanal remunerado;
• férias anuais remuneradas;
• aposentadoria.
A fundação da Universidade de São Paulo, em 1934, ilustra a
tentativa de a elite paulista formar quadros intelectuais para A concessão de direitos trabalhistas contribuiu
comandar o país, pois a Revolução de 32 não conseguiu condu-
para que, aos poucos, se formasse a imagem de Vargas
zir os paulistas de volta ao poder federal, onde permaneceram
por um bom período da República Velha. como o “pai dos pobres”. Entretanto, ressalte-se que
essas leis só valiam para os trabalhadores urbanos,
Entretanto, a política de desenvolvimento industrial excluindo a maioria dos trabalhadores brasileiros,
também foi uma prioridade para Vargas. Os principais residentes no campo. Costumava-se dizer, à época,
incentivos para impulsionar a indústria brasileira foram que as leis trabalhistas não passavam pela porteira
os incentivos fiscais para a importação de máquinas e das fazendas. Só na década de 1970, quando o Brasil
equipamentos industriais, os chamados bens de capi- se tornaria um país predominantemente urbano, é
tal. A situação externa era favorável, pois a Crise de 29 que as leis trabalhistas teriam grande alcance social.
fez com que inúmeras fábricas se fechassem nos EUA, Considere-se ainda que os sindicatos, grandes per-
acarretando o endividamento de muitos empresários, turbadores das intenções exploratórias dos patrões
cujos esforços para saldar as dívidas caracterizaram-se ao longo das décadas de 1910 e 1920, ficaram de
pela venda de seus equipamentos. O governo brasileiro mãos atadas na Era Vargas, pois sua diretoria não
aproveitou e eliminou ou diminuiu os impostos para a mais seria eleita pelos trabalhadores, mas nomeada
importação desses bens, gerando aumento da produção pelo Ministério do Trabalho, ou seja, os sindicatos se
industrial no país. Desse modo, a Crise de 29 teve seus transformaram num braço do Estado, capaz de contro-
efeitos sobre a economia brasileira atenuados. Mas os lar os trabalhadores, que agora estavam proibidos de
operários deixaram de fazer greves e causar prejuízos fazer greve! Mas, com tantos direitos, os trabalhadores
a seus patrões? Os patrões, finalmente, reconheceram a não precisam fazer greve! Não é bem assim. Trabalhar
importância de uma remuneração justa para os trabalha- 8 horas num dia, mais que poupar o trabalhador da
dores? Nem uma coisa, nem outra! Vargas interveio nessa exaustão, é a garantia para o patrão de que o empre-
área também, como conciliador de classes: a burguesia gado conseguirá, no dia seguinte, executar novamente
industrial e a classe operária. Segundo a historiadora seu trabalho. Ganhar um salário-mínimo que permita
Sonia Bercito: ao trabalhador habitação, vestimenta e alimentação,
bem como para sua família, é o mínimo que o tra-
De março de 1931 a fevereiro de 1940, foram de- balho pode proporcionar a uma pessoa. Concorda?
cretadas mais de 150 leis novas de proteção social e de Talvez essas leis trabalhistas tenham servido mais aos
regulamentação do trabalho em todos os seus setores. interesses dos patrões, pois agora os trabalhadores
Não se tratava apenas de realizações em matéria de estavam “domesticados”, não fazia mais greves, não
previdência e trabalho, mas a valorização deliberada davam mais prejuízos! Por essa razão, muitos historia-
do trabalhador nacional, relacionada às questões jurí- dores costumam classificar essas leis como “pelegas”.
dicas e seus aspectos sociais. Coube, porém, ao Estado O termo refere-se ao tecido de pele de carneiro que
resolver os conflitos entre o capital e o trabalho.1 é colocado entre a sela e o cavalo, nas montarias,
impedindo o atrito da pelagem com a sela, evitando
O presidente Vargas criou o Ministério do Trabalho, possíveis sangramentos, que, se ocorressem, impedi-
Indústria e Comércio e nomeou como seu ministro o riam uma exploração do animal por mais tempo. As
político gaúcho Lindolfo Collor. Isso mesmo, Collor! O avô leis pelegas, portanto, pouparam os trabalhadores do
daquele que seria o primeiro presidente do Brasil a sofrer sangramento, da exaustão, permitindo a intensificação
1 Sonia de Deus Rodrigues Bercito. Nos tempos de Getúlio, da Revolução de 30 ao fim do Estado
da exploração sobre a classe trabalhadora, a qual es-
Novo. São Paulo: Atual, 1998, p. 63. tava impedida de fazer paralisações. Por esse ângulo,
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história do Brasil • aula 5

Vargas era mais que o “pai dos pobres”: parecia ser a

Acervo Iconographia
“mãe dos ricos”.

Emílio Damiani Jr.

Kazumi Munakata. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo:


Brasiliense, 1981.

A Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo,


foi outro grande acontecimento do governo provisório.
A oligarquia paulista, acostumada às altas esferas do
poder na República Velha, perdeu esse lugar hegemô-
nico no pós-Revolução de 30. Até mesmo o estado de
São Paulo deixou de ser controlado por essa elite, pois
Vargas nomeou interventores para governar o estado,
como o tenente pernambucano João Alberto.

Fique esperto!
No dia 23 de maio de 1932, quatro estudan- “Ouro para o bem de São Paulo”, campanha em que o gover-
tes foram assassinados no centro de São Paulo, no paulista arrecadou fundos para financiar parte da guerra
quando participavam de uma manifestação cívica contra as tropas getulistas.
antigetulista. Simpatizantes do governo varguista
dispararam contra a multidão, acertando e matan- Num fragmento de jornal da época, constatamos o
do Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo. A morte anseio dos paulistas pela retomada do controle político
do quarteto MMDC foi amplamente usada em São do estado de São Paulo:
Paulo numa campanha contra Vargas. Cerca de um
mês e meio depois, estourava a Revolução de 32, no São Paulo não está apenas descontente. Está ferido
dia 9 de julho. na sua sensibilidade. O que a Revolução lhe pediu ele
lho deu [...] Por que a Revolução tarda em restaurá-lo
na sua autonomia e no governo direto de seus filhos?
A Revolução de 32 foi uma tentativa de a oligar- Cansado de viver como terra conquistada, São Paulo
quia paulista retomar o controle político do Estado [...] pede apenas, à frente da administração de seus
brasileiro, pois o objetivo dos revolucionários era negócios, um de seus filhos que lhe compreenda o
marchar até o Rio de Janeiro e depor o presidente espírito e não lhe golpeie o coração.2
Vargas. Contudo, não era esse o escopo declarado
da Revolução. Havia um verniz ideológico que lhe Os revolucionários paulistas contavam receber apoio
atribuía uma causa nobre: São Paulo lutava para que militar do Mato Grosso e de Minas Gerais, mas este não se
Vargas fizesse uma Constituição para o país, capaz de concretizou. O general Bertoldo Klinger, de Mato Grosso,
regular os direitos dos cidadãos brasileiros diante de desembarcou em São Paulo com algumas poucas cen-
um governo golpista, que já havia dois anos governava tenas de homens, frustrando os paulistas. Ao longo de
sem um conjunto consistente de leis. Isso atraía para aproximadamente três meses, a Força Pública de São
o corpo de apoio da Revolução a classe média urbana, Paulo enfrentou as tropas getulistas, superiores na posse e
reunida em torno do Partido Democrático (PD), que no uso de equipamentos militares, bem como no número
deixara de apoiar Vargas, pois ele demorava a cumprir de soldados. Para tentar compensar a inferioridade no
promessas como o voto secreto, que fizera na época
da Aliança Liberal. 2 O Estado de S.Paulo, 27 jan. 1932.
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história do Brasil • aula 5

campo das armas, a Escola Politécnica, atual Escola de En- pertenciam: profissionais liberais, funcionários públi-
genharia da USP, desenvolveu uma geringonça chamada cos, empregados e empregadores. Os demais cento e
matraca. Esta não disparava nem um tiro sequer, apenas setenta deputados eram eleitos proporcionalmente à
fazia o barulho de muitos disparos sucessivos, como se população de cada estado da federação. Esse critério
fosse uma metralhadora. Foi o suficiente para conseguir, de representação classista rendeu a essa Constituição
algumas vezes, afugentar do campo de batalha membros o rótulo de corporativista, a exemplo do que ocorria
da tropa federal! Imaginem a coragem desses soldados do na mesma época em governos nazifascistas como o
Exército! Apesar de tudo isso, a Revolução de 32 foi der- da Alemanha e o da Itália.
rotada no campo de batalha, mas os paulistas obtiveram • Nacionalização dos recursos hídricos e minerais da
uma importante vitória política:Vargas percebeu que não superfície e do subsolo brasileiro. Só o Estado poderia
podia subestimar a oligarquia paulista, uma vez que esta explorá-los, ou uma empresa nacional sob concessão
era capaz de pegar em armas para depô-lo. Era prudente, do Estado.
então, nomear para governar o estado um interventor civil • Mandatos para cargos executivos de 4 anos (presi-
e paulista, caso de Armando de Salles Oliveira, ligado ao dente, prefeito e governador), com voto direto e sem
Partido Democrático. direito a reeleição.
Acervo Iconographia
Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo

Coleção particular

• Estabelecimento da Justiça do Trabalho e da Justiça Elei-


toral, o que consolidou direitos trabalhistas e eleitorais.
• Obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas
públicas.
• Estabelecimento de que dois terços dos funcioná-
rios das empresas estrangeiras no Brasil deveriam
ser de brasileiros. Tal exigência permite afirmar que
havia certa xenofobia (aversão aos estrangeiros)
na legislação brasileira. Não era a primeira vez que
isso ocorria, pois havia uma lei de 1907, a chamada
Repare que, nos cartazes para recrutar voluntários, os paulistas lei Adolfo Gordo, que previa a expulsão do país de
recorrentemente fazem referência à memória dos estudantes
estrangeiros envolvidos em greve. Porém, nos anos
MMDC, assassinados num protesto contra Getúlio. Estima-
-se que 60 mil voluntários tenham lutado ao lado das forças 1930, isso demonstra certo alinhamento às ideolo-
revolucionárias paulistas. gias nazifascistas em voga na Europa.

Período Constitucional (1934-1937)

Acervo Iconographia
A segunda fase do governo de Getúlio Vargas, é
dita constitucional devido à promulgação de uma
nova Constituição, elaborada pela Assembleia Nacional
Constituinte, cujos trabalhos se iniciaram em 15 de no-
vembro de 1933 e terminaram em 16 de julho de 1934.
Após a promulgação, a mesma Assembleia votou mais
um mandato presidencial de 4 anos para Vargas, que se
encerraria em 1938. Quanto às inovações da Carta de
1934, merecem destaque:
• Voto secreto e obrigatório para maiores de 18 anos,
tanto do sexo masculino quanto do feminino. No en-
tanto, só podiam votar as mulheres que exercessem Primeira deputada do Brasil: a médica Carlota Pereira Queiroz.
“função pública remunerada”, conforme estabelece
o artigo 109. Estavam excluídos do direito ao voto No entanto, o presidente Vargas parece não ter apre-
os estrangeiros, os analfabetos, os mendigos e os ciado muito o que se estabeleceu na nova Constituição.
militares das Forças Armadas com patente inferior à Em discurso na própria Assembleia, disse:
de sargento.
• Representação classista: havia, em 1934, cinquenta A Constituição de 34, ao revés da que se promul-
deputados eleitos por sindicatos ou associações pro- gou em 1891, enfraquece os elos da federação: anula,
fissionais, de acordo com a classe profissional a que em grande parte, a ação do presidente da República,
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história do Brasil • aula 5

cerceando-lhe os meios imprescindíveis à manutenção indígena, ao mesmo tempo em que erguiam a mão
da ordem, ao desenvolvimento normal da administra- direita para um pouco mais alto que o ombro.
ção: acoroçoa as Forças Armadas à prática do faccio-
sismo partidário, subordina a coletividade, as massas
proletárias e desprotegidas ao bel-prazer das empresas Fique esperto!
poderosas; coloca o indivíduo acima da comunhão. [...] A AIB foi a maior manifestação do fascismo brasileiro.
Serei o primeiro revisor da Constituição. 3 Segundo os pesquisadores Marcos Chor e Roney
Cytrynowicz, o fascismo tem os seguintes aspectos:
Revisor talvez não fosse a palavra certa: pouco mais Controle exclusivo do exercício da representação
de três anos depois, Vargas seria o maior responsável por política mediante a atuação de um partido único
um golpe de Estado no próprio governo, cujo resultado de massa, caracterizado por estrutura fortemente
foi o estabelecimento de uma ditadura e a consequente hierárquica; ideologia centrada no culto à liderança
anulação da Carta de 34, ao que se seguiu a redação da política; exacerbação dos valores da nacionalidade;
Carta de 1937, esta sim mais a seu gosto. recusa dos princípios que norteiam o liberalismo
Quanto ao debate político nos três anos de governo individual; oposição radical aos valores do socialismo
constitucional (1934-1937), pode-se afirmar que ele e do comunismo; exaltação da colaboração de classes
esteve polarizado entre duas agremiações políticas e crença no ideal corporativo; atribuição de um papel
responsáveis por sintonizar o Brasil no vocabulário central ao aparato estatal no plano econômico, social
ideológico europeu. Trata-se da AIB (Ação Integralista e político; domínio absoluto do Estado sobre as infor-
Brasileira) e ANL (Aliança Nacional Libertadora), cujos mações e, especialmente, os meios de comunicação
programas eram bem definidos e responsáveis por de massa; eliminação de qualquer forma de plura-
grande mobilização em nível nacional. lismo político, com o aniquilamento das oposições,
embasado na violência e no terror.4
Acervo Iconographia

No outro lado desse debate, está a ANL, instituição


que nasceu dos quadros do PCB e dos integrantes do te-
nentismo, movimento contestador da antiga política do
Café com Leite. Quando voltaram do exílio na Bolívia, os
tenentes se dividiram em dois grupos: uma parte apoiou
Vargas na Revolução de 1930 e seus integrantes se tor-
naram interventores estaduais; outra parte ingressou no
PCB. Na década de 1930, a ideologia comunista se pro-
pagou em parte das Forças Armadas brasileiras, fazendo
Participantes da AIB ao lado de Plínio Salgado.
Luís Carlos Prestes acreditar que a revolução comunista
estava madura no país. No início de 1935, Prestes, que
A AIB foi criada em 1932 por Plínio Salgado e
se encontrava no Internacional Comunista5 em Moscou,
tinha estrutura paramilitar. Era inspirada no fascismo
decidiu voltar ao Brasil, pois:“achava que no Brasil tinha
italiano e defendia um nacionalismo e moralismo ex-
que se travar a luta armada, porque havia força militar
tremados, razão maior para que tivesse atraído muitos
para isso. Tínhamos influência nas Forças Armadas [...]”6.
militares e alguns católicos radicais para o corpo do
A ANL foi lançada em 30 de março de 1935, no Rio de
movimento. A Ação Integralista era contra os partidos
Janeiro, e um de seus principais objetivos era formar
políticos, pois queria uma comunhão integral entre
uma frente única de combate ao avanço do fascismo no
sociedade e Estado, representados por uma única
Brasil, representado pela AIB. Prestes foi estabelecido seu
instituição: a própria AIB. Seu lema maior era Deus,
primeiro e único presidente, a partir da sugestão de um
Pátria e Família. Os integralistas organizavam festas,
jovem estudante comunista chamado Carlos Lacerda,
palestras e manifestações de rua nas quais, não raro,
durante comício no Teatro João Caetano.
entravam em choque com os comunistas. Vestiam-se
com uniforme de tons verdes (motivo pelo qual eram
chamados de “camisas-verdes”) e com o símbolo do 4 Marcos Chor e Roney Cytrynowicz. Ação Integralista Brasileira: um movimento fascista no
movimento: a letra grega sigma (Σ). Costumavam se Brasil. In: Jorge Ferreira (Org.). Brasil republicano, livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003. p.44.
cumprimentar com a expressão Anauê, de origem 5 Reunião com lideranças comunistas de todo o mundo, sob a tutela do Partido Comunista
Soviético, que tinha por objetivo maior o estabelecimento de estratégias para fazer revo-
luções vermelhas mundo afora.
3 Citado em Dulce Pandolfi. Os anos 1930: as incertezas do regime. In: Jorge Ferreira (Org.). 6 Marly de Almeida Viana. O PCB, a ANL e as Insurreições de novembro de 1935. In: Jorge
Brasil republicano, livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 29. Ferreira (Org.). Brasil republicano, livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 80.
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história do Brasil • aula 5

Em novembro de 1935, houve um levante aliancista


Fique esperto! em três agrupamentos do Exército brasileiro: no Rio de
O comunismo, segundo Karl Marx, é o estágio final do Janeiro, em Natal e em Recife. No Rio Grande do Norte,
desenvolvimento da civilização, momento no qual não os militares rebelados chegaram a tomar o poder na
haveria Estado, desigualdades sociais ou propriedade cidade por 4 dias, ao que se seguiu violenta repressão
privada dos meios de produção (fábricas, comércios, de tropas legalistas, que culminou em várias mortes. O
fazendas...). Para se chegar a esse estágio, a revolução mesmo aconteceu no Recife, onde os militares rebe-
proletária seria a responsável pela transição do capita- lados tomaram a cidade por um único dia. No Rio de
lismo ao comunismo, fase denominada socialismo, na Janeiro, a revolta foi no quartel de Praia Vermelha. Os
qual há Estado, mas não há propriedade privada. rebelados tiveram dificuldade para tomar o próprio
quartel, devido à resistência de muitos oficiais; quan-
do conseguiram, as tropas governistas já cercavam o
O programa da ANL baseava-se no tripé anti-im- batalhão, razão maior para o fracasso do motim comu-
perialismo, antilatifúndio e antifascismo. Portanto, seu nista. O conjunto dessas revoltas foi explorado pelo
programa se colocava contra a exploração das grandes governo e pela imprensa conservadora da época, que
potências sobre os países da periferia capitalista, e por rotulou tais rebeliões como Intentona Comunista, para
isso propunham que o Brasil não pagasse sua dívida justificar para a opinião pública a pesada repressão
externa nem aos ingleses nem aos estadunidenses. que se deu sobre os grupos de esquerda existentes no
Queriam a reforma agrária, isto é, a partilha da principal Brasil. PCB e ANL foram postos na ilegalidade, e seus
riqueza da economia brasileira, a terra, e uma união de integrantes foram perseguidos e muitas vezes presos
classes para mudar o país. Nesse ponto, os aliancistas e torturados, como ocorreu com Luís Carlos Prestes,
diferenciavam-se dos comunistas do PCB, pois estes que ficou preso por quase dez anos. Sua esposa, a judia
propunham a luta de classes como único caminho para comunista alemã Olga Benário, foi presa enquanto
tomada revolucionária do Estado e a posterior expro- estava grávida e deportada para a Alemanha, onde
priação dos bens da classe burguesa. Outro ponto de deu à luz Anita Leocádia Prestes. Olga acabou morta
discórdia era o momento ideal do início da luta armada. no campo de concentração de Ravensbruck.
O PCB acreditava que era imprudente começar a luta

Acervo Iconographia
em 1935, pois a revolução não estava sedimentada no
povo. Uma tentativa revolucionária frustrada poderia ser
o motivo dado ao governo para aumentar a repressão
sobe os grupos de esquerda.
Agência OGlobo

Acervo Iconographia

Luís Carlos Prestes


é interrogado na
Polícia Especial.

Manchetes da primeira edição do jornal O Globo, do dia 26 de Olga Benário presa, indo
junho de 1935, nas quais se denuncia que o Brasil é alvo de um para uma audiência.
perigoso plano subversivo: “SOVIETS NO BRASIL”.
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história do Brasil • aula 5

Plano Cohen (novembro de 1937) colocar em prática o delineamento de Estado projetado


pelos líderes da Revolução, isto é, um Estado forte, cen-
tralizado, comandado por um líder carismático, capaz
Tratou-se de uma farsa governista veiculada pelos de conter as agitações populares que caminhavam na
meios de comunicação, sobretudo o rádio, na voz do direção da revolução socialista e, ao mesmo tempo,
capitão do Exército Olímpio Mourão Filho, que afirmava conduzir o progresso material do país sem, contudo,
haver uma invasão comunista prestes a ocorrer no Brasil, romper com a ordem capitalista vigente. A Crise de
na qual os trabalhadores brasileiros seriam deportados 29 mostrou a ruína das teses liberais para condução
em massa para a Sibéria, para campos de trabalho for- do Estado. A Revolução Russa de 1917, que estabele-
çado, bem como as Igrejas brasileiras seriam queimadas. ceu um governo comunista naquele país, mostrou o
O nome Cohen, notadamente judaico, era uma forma de desfecho final da convulsão social gerada pela ino-
dar legitimidade à suposta invasão, pois o comunismo perância do Estado nas questões sociais. Assim como
também era visto na época como algo relacionado ocorrera na Alemanha e na Itália, no Brasil, a solução
aos judeus. Karl Marx, um dos idealizadores do comu- encontrada para evitar o liberalismo e o comunismo
nismo, era judeu. Supostamente, o governo descobriu foi o estabelecimento de um Estado autoritário cujo
uma grande conspiração comunista internacional que poder executivo era superdimensionado e chefiado
ameaçava a segurança nacional, razão pela qual Vargas por um líder que buscava consolidar seu carisma frente
precisava de mais poderes para poder combater com à sociedade pelas vias da propaganda e da repressão.
eficiência as potenciais ameaças. Será coincidência o fato Eis, em síntese, o objetivo da Constituição de 37 e o
de se aproximar a data em que Vargas teria de passar o que foi praticado ao longo dos oito anos de ditadura
cargo de presidente da República para o vencedor das estadonovista.
eleições de 1937? De todo modo, a memória dos acon-
tecimentos em Natal, Recife e Rio de Janeiro fez com que Após o golpe, como os partidos e o parlamento
boa parte da sociedade brasileira acreditasse na falsa foram abolidos, não havia mais intermediários entre
ameaça e apoiasse um novo golpe de Estado, liderado as massas e o governo. Este passou a intervir nos
por Vargas, para estabelecer no país uma ditadura, na Estados mediante a nomeação de interventores, que
qual as garantias constitucionais dos cidadãos fossem assumiram o poder executivo orientados pela nova
suspensas em nome do combate à “terrível invasão Constituição. Pessoas de confiança de Getúlio Vargas
comunista”. O Congresso Nacional foi fechado, pasmem, foram escolhidas para as interventorias. Os interven-
com o apoio de muitos deputados! A Constituição de tores reproduziam nos estados a política determinada
1934 foi “rasgada”, e aprovou-se o estado de guerra. Es- pelo governo central, que terminou com o sistema
tava estabelecida a ditadura do Estado Novo. federativo da Primeira República. Após o golpe, apenas
uma bandeira passou a existir para todos os estados e,
O Estado Novo (1937-1945): centralização para demonstrar que o sistema federativo tinha sido
política, repressão, propaganda e guerra derrotado, realizou-se no Rio de Janeiro um ato sim-
bólico: numa cerimônia cívica, ocorreu a queima das
Ao estabelecimento da ditadura, seguiu-se a redação bandeiras estaduais para marcar a vitória do poder
de uma nova Constituição para o país. O redator foi o central sobre os estados.7
jurista mineiro, ministro da Justiça de Vargas, Francisco
Campos, simpatizante das ideias fascistas de Mussolini e
Hitler. A Constituição de 1937, também conhecida como
O avanço da tecnocracia: o Estado Leviatã8
Polaca, em alusão à Constituição fascista em vigor na
Polônia, foi outorgada. Suas principais inovações são: Como vimos na aula anterior, a política trabalhista
• fechamento do poder legislativo municipal, estadual de Vargas foi a maior responsável pelo controle das
e federal; massas durante seu governo. À semelhança da Carta
Del Lavoro, Constituição posta em vigor na Itália fas-
• extinção dos partidos políticos;
cista por Mussolini, as inúmeras leis trabalhistas em
• nomeação de interventores para governar os estados; vigor no Brasil, em 1942 reunidas num compêndio
• expansão da máquina administrativa (tecnocracia); jurídico denominado CLT (Consolidação das Leis
• censura. Trabalhistas), concederam direitos aos trabalhadores,

7 Maria Helena Capelato. O Estado Novo: o que trouxe de novo? In: Jorge Ferreira (Org.).
Para a professora Maria Helena Capelato, o golpe Brasil republicano, livro 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 116-117.
do Estado Novo pode ser entendido como uma conti- 8 Leviatã é o nome de um monstro bíblico usado por Thomas Hobbes para nomear o Estado
absolutista, que em quase tudo interferia nos países europeus da época moderna (século
nuidade da Revolução de 1930. Só em 1937 foi possível XV ao XVIII).
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história do Brasil • aula 5

mas, ao mesmo tempo, os impediram de fazer greve Mas, sem dúvida, o ponto

Acervo Iconographia
ou de se mobilizar, pois os sindicatos passaram a ser alto da concentração de tec-
controlados por tecnocratas do Estado. nocratas foi a criação do De-
A intervenção do Estado na economia não parou partamento de Administra-
aí, com a mediação dos conflitos entre patrões e em- ção do Serviço Público (Dasp),
pregados. Vargas deu novo impulso à industrialização, que contratou milhares de
via substituição de importações, erguendo barreiras funcionários públicos para as
tarifárias para produtos estrangeiros que poderiam inúmeras novas empresas e
ser produzidos no Brasil e abaixando as tarifas alfan- órgãos recém-criados como
degárias de máquinas e equipamentos industriais, os Conselhos Técnicos – cujos
o que permitiria a aquisição de bens de capital para melhores exemplos são o
reequipar as indústrias brasileiras. Conselho de Segurança Na-
Foi o Estado também que investiu em setores cional e o Conselho Nacional
pouco interessantes para a iniciativa privada, nos do Petróleo –, que substituí-
quais o investimento inicial é grande e a lucratividade, ram o parlamento no debate
pequena, o que implica retorno de longo prazo, como com a sociedade sobre temas
são exemplos os setores de mineração e de siderurgia. relevantes da administração Júlio de Mesquita Filho,
A criação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, pública. Entretanto, era pre- dono do jornal O Estado de
S. Paulo, que foi fechado e
em Minas Gerais, estatal do ramo minerador, e a ciso contratar técnicos que, expropriado em 1940, por or-
fundação, no mesmo ano, da Companhia Siderúrgica além de ter conhecimentos dem da ditadura, em virtude
Nacional (CSN), do ramo siderúrgico, também conhe- específicos satisfatórios, fos- de seus artigos em defesa
cida como Usina de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, sem ideologicamente alinha- das teses liberais.
são testemunhos da penetração do Estado nas áreas dos com o governo. Respon-
consideradas estratégicas para a economia do país. sável pela contratação, gestão e demissão de pessoal,
No mesmo contexto criou-se a Fábrica Nacional de o Dasp procedeu a uma depuração do serviço público,
Motores (FNM), estatal inicialmente ligada à produção excluindo funcionários que se opusessem ao governo
de motores para aviões, depois tratores e, na década ou ao próprio Vargas.
de 1950, caminhões. Criou-se ainda o Departamento de Imprensa e Pro-
Com finalidade diferente da CSN ou da FNM, a paganda (DIP), responsável pela imagem do governo pe-
ampliação dos quadros do Dops também demonstra rante o público e pelo estabelecimento da censura, isto
o inchaço do aparelho de Estado. O Dops, Departa- é, do cerceamento da liberdade de imprensa. A ditadura
mento de Ordem Política e Social, teve papel central varguista mostrava uma de suas faces mais autoritárias.
na repressão daqueles que se opunham ao governo No plano externo, o Estado Novo teve de enfrentar a
varguista. À frente desse departamento, estava o ex- Segunda Guerra Mundial. Vargas acabou optando pelos
-tenente Filinto Muller, que conduziu ferrenha perse- Aliados, aliança entre EUA, União Soviética, Inglaterra,
guição aos membros do PCB, da ANL e até mesmo da França... Esse lado do conflito, aliás, foi vitorioso, derrotan-
AIB, além de muitos intelectuais que se recusavam a do no campo de batalha italianos, alemães e japoneses,
colaborar com o regime ditatorial. que representavam as ditaduras nazifascistas, modelo
por que Vargas nutria uma certa simpatia e com o qual
Acervo Iconographia

tinha alguma afinidade. A derrota dessas ditaduras na


Europa, o aumento do custo de vida, devido à inflação,
sobretudo dos alimentos, e os anseios por maior liberda-
de democrática estão na base dos descontentamentos
de setores importantes da sociedade brasileira contra
Vargas. O “Manifesto dos Mineiros” foi um documento
assinado por um grupo de políticos mineiros que arro-
lava exatamente esses descontentamentos. Cedendo às
pressões, em fevereiro de 1945, Vargas assinou um ato
adicional marcando eleições para um prazo máximo de
90 dias. Então, fundaram-se ou ressurgiram (caso do PCB)
os seguintes partidos:
Professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
• UDN (União Democrática Nacional), partido de opo-
Sampaio Dória, que se recusou a ensinar Direito Constitucional sição a Vargas que lançou o candidato à presidência
depois da outorga da Constituição de 37. brigadeiro Eduardo Gomes.
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20
história do Brasil • aula 5

• PSD (Partido Social Democrático), agremiação que, Exercícios


apesar de ter convidado Vargas para ser seu presi-
dente, lançou como candidato à presidência o general 1. (Unicamp) Em 10 de novembro de 1937, Getúlio
Eurico Gaspar Dutra, então ministro da Guerra. Vargas discursava à nação pelo rádio:
• PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), verdadeiro herdeiro A disputa presidencial estava levando o país à
político de Vargas, que, além de tê-lo convidado para desordem. Os comunistas infiltravam-se dia a dia nas
ser seu presidente, lançou o movimento Queremista, instituições nacionais. A Nação corria perigo de uma
pela continuidade do governo de Getúlio. luta de classes e os partidos políticos inquietavam o
• PCB (Partido Comunista Brasileiro), agremiação que nosso povo.
se dividiu politicamente: uma parte do partido, sob
a liderança de Luís Carlos Prestes, participou do mo- a) Que argumentos Vargas usou para implantar o Esta-
vimento Constituinte com Getúlio, que propunha a do Novo?
permanência de Vargas no poder, e outra parte apoiou b) Cite duas características do Estado Novo.
a candidatura de Iedo Fiúza para a presidência.
2. (Faap)
Acervo Iconographia

Batemo-nos pelo Estado Integralista. Queremos


a reabilitação do princípio de autoridade, que esta se
respeite e faça respeitar-se. Defendemos a família, a
instituição fundamental cujos direitos mais sagrados
são proscritos pela burguesia e pelo comunismo.
Esse texto, pelas ideias que defende, é provável que
tenha sido escrito por:
a) Jorge Amado
b) Carlos Drummond de Andrade
c) Mário de Andrade
d) Oswald de Andrade
e) Plínio Salgado
Acervo Iconographia

Estudo orientado

exercícios

1. (Ufes)
Foi a ascensão das classes sociais urbanas, com
a deposição do governo Washington Luís, em 1930,
que criou novas condições sociais e políticas para a
conversão do Estado oligárquico em Estado burguês.
Esse foi o contexto em que o governo Getúlio Vargas,
nos anos 1930-1945, passou a pôr em prática novas
diretrizes políticas quanto às relações entre assalaria-
dos e empregadores.
Comício Queremista no Largo da Carioca.
Octávio Ianni. Estado e planejamento econômico no Brasil (1930
As declarações de Vargas de que não se importaria de – –1970). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977. p. 34.
continuar na presidência, como propunham os petebistas,
motivaram o general Góes Monteiro, ministro do Exército, Conforme o texto, novas diretrizes políticas passaram
a articular um “golpe preventivo”, que afastou Vargas do a nortear o governo Vargas, especialmente após 1937,
cargo para garantir a realização das eleições. Em seu lugar, quando foi decretado o Estado Novo, que intensificou
foi empossado José Linhares, presidente do Supremo a regulamentação das relações entre as classes patro-
Tribunal Federal. Em dezembro de 1945, saiu vitorioso do nais e os trabalhadores, no processo de industrializa-
pleito eleitoral para presidência da República o general ção vivido pelo Brasil no período posterior a 1930. O
Eurico Gaspar Dutra. espírito dessa intervenção estatal se expressa na:
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história do Brasil • aula 5

a) negação de práticas valorizadas pelo fascismo como roda de leitura


o corporativismo e a máquina de propaganda.
b) tentativa de aproximar a política trabalhista cada As mudanças político-institucionais
vez mais dos integralistas, com vistas a aliciar Plínio no Estado varguista
Salgado para a chefia do PTB. Se o primeiro governo Vargas (1930-1945) teve im-
c) busca da harmonia social caracterizada pelo fortale- pacto reformador, foi no plano institucional que essa face
cimento do Estado, que passa a tutelar divergências reformadora revelou-se de forma particularmente clara,
e conflitos baseados em interesses particularistas. atingindo não só a estrutura do Estado,mas também suas
d) valorização exclusiva dos trabalhadores nacionais, relações com a sociedade. Construiu-se de fato um novo
objetivando dar-lhes oportunidade de alcançar o po- arcabouço político-institucional que permitiu aumentar
der e assim fazer prevalecer sua ideologia, conforme o poder interventor do Estado e expandir a capacidade
legislação que previa expulsão dos judeus e outros de incorporação do sistema político, abrindo espaço para
estrangeiros residentes no Brasil. a representação dos interesses dos novos atores ligados
e) concessão do direito de greve aos trabalhadores e à ordem industrial emergente e quebrando a rigidez da
do de lockout aos empresários, com o fim de dirimir estrutura de poder preexistente. Esta, pela inclusão de
conflitos trabalhistas. novos seguimentos de elites, torna-se menos monolítica
e mais diferenciada internamente.
2. (Unesp) Ao negar apoio à Aliança Liberal, Luís Car-
A nova engenharia político-institucional foi resul-
los Prestes manifestava-se a respeito do movimento
tado de uma série de mudanças introduzidas ao longo
contestatório nos seguintes termos:
da década de 1930, no contexto de um processo de
Mais uma vez os verdadeiros interesses popu-
fechamento crescente do sistema político. Entre essas
lares foram sacrificados, e vilmente mistificado
mudanças, cabe ressaltar, desde logo, o fortalecimento
todo um povo por uma campanha aparentemente
do poder do Estado em face das oligarquias regionais.
democrática, mas que no fundo não era mais que
Esse esforço de centralização e concentração do poder
uma luta entre os interesses contrários de duas
na esfera nacional, que teve na criação do sistema de
correntes oligárquicas.
interventorias um de seus suportes, teria implicações
Prestes referia-se ao movimento que ficou conhecido profundas do ponto de vista das relações entre os
como: diferentes grupos dominantes e o Estado.
a) Revolução de 1964 Em primeiro lugar, resultou na subordinação ao
b) Revoltas Tenentistas comando dos governos central dos executivos estaduais
c) Revolução de 1930 mediante sua inserção numa complexa engrenagem
d) Intentona Comunista envolvendo as interventorias, as elites locais e os represen-
e) Ação Integralista tantes do governo federal.Em segundo lugar,desarticulou
3. (UFPE) A Revolução de 1932 pode ser explicada pela: os mecanismos de influência das elites tradicionais, em
a) tentativa de recuperação do poder pela oligarquia virtude da expansão da capacidade decisória do Execu-
paulista. tivo federal, deslocando para essa instância as decisões
b) frustração dos tenentes que foram afastados do poder. estratégicas para o desenvolvimento econômico e social
c) manipulação política das oligarquias nordestinas. do país. Em terceiro lugar, o aperfeiçoamento e a diversi-
d) luta exclusiva em torno de uma nova Constituição. ficação dos instrumentos de intervenção do estado nas
e) insatisfação contra a ditadura de Getúlio Vargas. diferentes esferas da vida social e política viabilizaram
a implementação de um projeto nacional por cima da
4. (Fuvest) O Brasil recuperou-se de forma relativamen- rivalidade entre as elites. Esse conjunto de mudança foi
te rápida dos efeitos da crise de 1929 porque: aprofundado com a experiência da reforma do Estado,
a) o governo de Getúlio Vargas promoveu medidas de que, iniciada durante o governo constitucional, tem seu
incentivo econômico, com empréstimos obtidos no ápice com a instauração do regime autoritário.
exterior. Essa reforma resultou de um conjunto de medidas
b) o país, não tendo uma economia capitalista desen- voltadas para a desarticulação do Estado oligárquico,
volvida, ficou menos sujeito aos efeitos da crise. com a introdução da estabilidade para funcionários pú-
c) houve redução do consumo de bens e, com isso, foi blicos, a instituição do concurso público para o ingresso
possível equilibrar as finanças públicas. no funcionalismo de carreira, em 1934, a criação do De-
d) acordos internacionais, fixando um preço mínimo partamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), em
para o café, facilitaram a retomada da economia. 1938, a elaboração do estatuto dos funcionários públicos,
e) um efeito combinado positivo resultou da diversifi- em 1939, entre outras.Apesar de a reforma administrativa
cação das exportações e do crescimento industrial. ter dado passos importantes no sentido da racionalização
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22
história do Brasil • aula 5

da administração pública, pela introdução do recruta- ver e ouvir


mento com base no sistema de mérito e pela ênfase no
critério da competência técnica no desempenho das • Olga (direção: Jayme Monjardim, 2004). Um filme de
funções burocráticas, o padrão clientelista de expansão grande interesse didático, apesar de o diretor ter en-
da máquina estatal não foi eliminado. O resultado foi a fatizado a dramaticidade da história.
evolução para o sistema estatal híbrido, marcado pela
• O pianista (direção: Roman Polanski, 2002). O filme trata
interpenetração entre os aspectos do modelo racional-
-legal e a dinâmica clientelista. da invasão nazista da Polônia, o que motivou o início da
Finalmente,o padrão de articulação Estado-sociedade Segunda Guerra em 1 de setembro de 1939. Excelente
sofreu profunda alteração com a instauração do corpo- obra cinematográfica que traduz um pouco o que era ser
rativismo estatal, que possibilitou a incorporação política judeu num país ocupado por tropas nazistas.
de empresários e trabalhadores urbanos sob a tutela do • O Velho: a história de Luís Carlos Prestes (direção: Toni
Estado, o que resultaria na montagem de uma rede de Venturi, 1997). Documentário em que o próprio Prestes
organizações de representação de interesse reguladas aparece narrando e interpretando os principais fatos
e controladas pelo poder público. Esse desenho institu- de sua vida, desde a infância até o exílio, passando pelo
cional imposto pelo alto tolheu a evolução para formas movimento tenentista, a Coluna Prestes, a insurreição
mais autônomas de organização dos interesses que se de 1935 e suas várias prisões.
diferenciavam com o avanço da industrialização. [...]
Levando em conta esse conjunto de modificações,
pode-se afirmar que a nova arquitetura político-institu- navegar
cional representou efetivamente um remanejamento dos
recursos de poder à disposição dos diferentes segmentos • Veja a íntegra da Constituição de 1934.
das elites dominantes fechando alguns canais, abrindo www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti-
outros ou,ainda,criando novas arenas de negociação sob tuiçao34.htm
a égide do Estado,de acordo com os princípios corporativos
• No dia da morte de Roberto Marinho, o Centro de
que nortearam as reformas implementadas. Concluindo,
Mídia Independente publicou uma síntese das rela-
cabe insistir ainda uma vez, as mudanças institucionais
ções do empresário com os presidentes da República
representaram as inovações decisivas nessa época. A
desde a década de 1930. Mostra como o magnata ora
modernização da ordem institucional foi o passo mais
audacioso dado pela coalizão que assumiu o poder em colaborou, ora se opôs a determinados governos.
1930.O autoritarismo foi o custo político dessa modalidade midiaindependente.org/pt/blue/2003/08/261407.shtml.
de modernização.
Eli Diniz. Engenharia Institucional e políticas públicas: dos
conselhos técnicos às câmaras setoriais. In: Dulce Pandolfi (Org.).
passear
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999. p. 25-27.
Museu da Força Expedicionária Brasileira (FEB)
Reflita: qual é a diferença, em termos de delineamento Localizado na cidade do Rio de Janeiro, tem no acervo
político do Estado, entre o que se praticava na Repú- muitos objetos cuja história rememora a participação
blica Velha e durante o governo varguista? brasileira na Segunda Guerra.

pesquisar e ler senha


• Fernando Morais. Olga. São Paulo: Companhia das [...] meu Brasil [...]
Letras, 1997. Excelente obra literária na qual é possível
Que sonha com a volta do irmão do Henfil
aprender muito sobre o nazismo e sobre o governo
varguista. Boa leitura. Com tanta gente que partiu
• Graciliano Ramos. Vidas secas. São Paulo: Record, 2005. Num rabo de foguete
Publicado em 1938, durante o Estado Novo, depois Chora a nossa pátria, mãe gentil
de Graciliano ter ficado quase um ano na cadeia, sob Choram Marias e Clarices
a acusação de comunista, que não reconhecia como
justa. Será que essa experiência influenciou a redação No solo do Brasil [...]
do capítulo “Soldado amarelo”? Durante o período em
que esteve preso, escreveu o livro Angústia. O bêbado e o equilibrista. João Bosco e Aldir Blanc.
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aula 6 A ditadura militar (1964-1985)
Cada episódio fora da lei é um passo atrás na opinião o golpe, denominado – impropriamente – pelos gene-
pública [...] e uma restrição no estrangeiro. Não sou o rais “revolução”. Engendraram-se ameaças – ou falsas
presidente dos expurgos e prisões. ameaças – à “segurança nacional”. A vã tentativa de
General-presidente Castello Branco1 dar ao regime militar uma aura de legalidade implicou
manter o Congresso em funcionamento a maior parte
Mas para meu desencanto, o que era doce acabou do tempo, permitindo a existência de um partido de
Tudo tomou seu lugar, depois que a banda passou oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB),
E cada qual no seu canto, em cada canto uma dor. fazendo os presidentes militares usarem trajes civis e
Chico Buarque2 garantindo a “alternância no poder”, uma vez que a
ditadura brasileira teve cinco presidentes diferentes.
A economia vai bem, mas o povo vai mal. Assim, não era personalista como a chilena, em que o
General-presidente Emílio Garrastazu Médici3
general Augusto Pinochet permaneceu no poder de
1973 até 1991, quando o país deixou de ser governado
pelos militares. Contudo, tanto o Congresso quanto
A exceção que se tornou a regra o MDB eram constantemente amordaçados por Atos
Institucionais, espécie de decretos presidenciais com
Qual é a diferença entre democracia e ditadura? O
força de lei, alterando a Constituição e tornando legais
que mudou no governo brasileiro após o golpe civil-
as medidas ditatoriais. Até mesmo os civis que aber-
-militar de 31 de março de 1964? Havia uma Constitui-
tamente queriam o golpe militar foram aos poucos se
ção em vigor no país que assegurava a João Goulart
arrependendo dessa posição, diante da truculência e
o cargo de mandatário máximo da nação, duas vezes
da violência com que o regime se impunha. O maior
vitorioso nas urnas: uma em 1960, quando foi o mais
exemplo foi o de Carlos Lacerda, então governador
votado para vice-presidente, outra em dezembro de
do estado da Guanabara4 (pela antiga UDN), que no
1962, quando os eleitores votaram, por ampla maioria,
segundo semestre de 1967 formou com o ex-presidente
pela volta do presidencialismo. No entanto, a ordem
Juscelino Kubistchek (do extinto PSD) e com João Gou-
legal, representada pela Constituição, foi atropelada,
lart (do antigo PTB) a Frente Ampla, uma fraca aliança
não só porque o presidente deixou de ser Jango, mas
política de oposição à ditadura.
principalmente porque vários direitos dos cidadãos
Quanto ao fato de os militares se referirem ao golpe
foram suspensos, como a liberdade de expressão e a
como “revolução”, diz Florestan Fernandes:
plena participação política pelo voto para a escolha
de alguns dirigentes do Estado, como o presidente da
A palavra “revolução” tem sido empregada de
República. Essas subtrações caracterizam o ambiente
modo a provocar confusões... No essencial, porém,
ditatorial, em oposição ao democrático. O primeiro é
há pouca confusão quanto ao seu significado central:
considerado uma exceção, o segundo, a regra. Contu-
sabe-se que a palavra se aplica para designar mudan-
do, o que se observou no Brasil foi o estabelecimento
ças drásticas e violentas na estrutura da sociedade.5
de um governo militar que durou 21 anos, tornando-
-se regra. O golpe de 1964 teria representado drásticas mudan-
As palavras do primeiro presidente da ditadura ças na estrutura da sociedade? Teriam os trabalhadores
militar, Castello Branco, reproduzidas na epígrafe, rurais do Brasil, finalmente, acesso à propriedade da terra?
mostram que o governo ditatorial se preocupava com Teria os analfabetos, finalmente, acesso ao voto? Teriam,
sua imagem perante a opinião pública no Brasil e no revolucionariamente, se universalizado o acesso ao ensino
exterior. Por isso, era preciso um bom motivo para o básico e superior no país? Teria o Estado deixado de se
golpe. A ditadura queria manter as aparências de lega- comprometer com os interesses da burguesia industrial,
lidade, estava “envergonhada”, como a caracterizou o nacional ou estrangeira, ou com os dos latifundiários?
jornalista Elio Gaspari. Desavergonhar-se seria justificar Nada disso. O que houve foi a continuidade das mazelas
sociais e da negligência do Estado em resolvê-las. A
1 Citado por Elio Gaspari. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. diferença residia no recurso a uma repressão violenta e
p. 136.
2 Última estrofe da canção “A banda”, com a qual Chico venceu, em 1966, o Festival de na quase nula participação política da sociedade civil na
Música Popular Brasileira. Disponível em: www.letras.com.br/chico-buarque/a-banda
(acesso em: 15 maio 2010). condução do país, agora governado por militares que
3 Citado por Luiz Carlos Delorme e Fábio Earp. O milagre brasileiro: crescimento acelerado,
integração internacional e concentração de renda (1967-1973). In: Jorge Ferreira (Org.). 4 Incorporado ao estado do Rio de Janeiro em 1975.
O Brasil republicano, v. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 228. 5 Florestan Fernandes. O que é revolução. São Paulo: Brasiliense, 1981. pp. 7-8.
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história do Brasil • aula 6

praticamente não respondiam a nenhuma instituição Alencar Castello Branco. Segundo Elio Gaspari,6 essa
republicana, nem ao Congresso nem ao Judiciário, e eleição resultou de uma articulação entre alguns
mesmo a hierarquia militar era desrespeitada. Eis o que generais e políticos civis para evitar a “autocoroação”
foi o movimento de 1964: antes um golpe que trocou do general Costa e Silva como presidente, pois ele
os agentes do poder que efetivamente uma revolução representava a ala mais radical dos militares, muito
transformadora da estrutura socioeconômica do país. numerosa em 1964, que ambicionava o poder e a
instalação de uma ditadura permanente no país. Essa
ala era chamada de “linha dura” ou ala dos ultrarre-
As novas regras do jogo volucionários, e, além de Costa e Silva, um de seus
maiores expoentes era o coronel Emílio Garrastazu
Os anos da ditadura foram caracterizados pelo for- Médici. Opondo-se aos “duros”, havia os “brandos”,
talecimento do Poder Executivo Federal, que acumulou também conhecidos como castelistas, os quais se dis-
várias atribuições, entre as quais as sucessivas inter- tinguiam dos primeiros por entender que a ditadura
ferências no Poder Legislativo, não só porque cassou deveria ser um governo de exceção, uma ditadura
deputados e senadores ou porque fechou e reabriu o temporária, de curta duração, até que os perigos de
Congresso diversas vezes, mas porque legislou em seu subversão comunista fossem eliminados do país. Seus
lugar. A ditadura impunha à sociedade brasileira os Atos maiores representantes eram o próprio Castello Branco,
Institucionais: 17, ao longo dos 21 anos de autoritarismo. o general Ernesto Geisel e o general Golbery do Couto
No dia 9 de abril de 1964, foi baixado o primeiro Ato e Silva. Castello Branco esperava, em dois anos, passar
Institucional, o AI-1, que vigoraria até 31 de janeiro de o governo para um presidente escolhido por eleições
1966 e estabelecia: livres no país, mas isso não aconteceu. A “linha dura”
• eleição indireta para presidente da República; era também a mais indisciplinada, pois costumava
uma votação no Congresso Nacional seria a res- desobedecer aos comandos dos oficiais “brandos”
ponsável pela escolha; e, às vezes, do próprio presidente Castello Branco.
• prazo limite de 30 dias para a Câmara dos De- Considerada ato de indisciplina militar, a tortura era
putados e mais 30 para o Senado analisarem os a principal infração dos “duros”, mas eles dificilmente
projetos do governo; ultrapassado esse tempo, eram punidos. Montavam-se Inquéritos Policiais Milita-
o projeto seria aprovado por “decurso de prazo”. res (IPM) para apurar as denúncias de abusos militares,
Os deputados da base aliada do governo fre- mas raramente eles concluíam pela culpa dos militares,
quentemente obstruíam as votações para que pois os processos quase sempre eram conduzidos por
se esgotassem os 30 dias e os projetos fossem oficiais conhecidos dos infratores e sob sua influência.
aprovados sem o referendo do Congresso;
• suspensão da imunidade parlamentar; O governo Castello Branco
• possibilidade de cassação de mandatos de depu- (15 de abril de 1964 a 15 de março de 1967)
tados federais ou estaduais, senadores, vereado-
res, prefeitos ou governadores; Ao longo de 1964, 49 juízes foram expulsos e 50
• suspensão dos direitos políticos por dez anos; e parlamentares cassados, 18 deles do PTB, o partido
• possibilidade de demissão de magistrados (juízes, mais prejudicado. A UDN não teve nenhum parlamen-
desembargadores...) e outros funcionários públi- tar cassado, o que demonstra seu apoio e alinhamento
cos, os quais poderiam ser expurgados. com a ditadura desde os primeiros anos. Houve uma
Apesar de o Congresso escolher o presidente, como depuração também entre os funcionários públicos e
ocorre em sistemas parlamentares de governo, não se entre os próprios militares acusados de envolvimento
pode afirmar que a democracia tenha sido mantida, com a esquerda ou contrários ao golpe de 1964. No
pois deputados e senadores não tinham imunidade total, cerca de dois mil civis foram exonerados ou
parlamentar para votar conforme sua consciência. aposentados compulsoriamente do serviço público
Além disso, os candidatos a presidente quase sempre federal. Nas Forças Armadas, exoneraram-se 24 dos
91 generais na ativa, mostrando que o golpe não era
pertenciam à cúpula militar, sendo a eleição indireta
unanimidade entre eles. Ao todo, 421 oficiais foram
uma mera confirmação da vontade desse grupo. A
afastados em razão de seu não alinhamento com a
primeira eleição deu vitória ao chefe do Estado-Maior
do governo João Goulart, o general Humberto de 6 Elio Gaspari. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 125.
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história do Brasil • aula 6

nova situação política do país. Os sindicatos e as con- Ainda que Castello Branco não quisesse ser conheci-
federações de trabalhadores também foram alvo de do como o presidente dos expurgos e das prisões, como
intervenções do governo, responsável pelo expurgo vimos na epígrafe desta aula, nos quase três anos de
de mais de 10 mil pessoas de cargos diretivos dessas seu governo empreenderam-se a “limpeza” da máquina
organizações. pública e a desmobilização da sociedade. Ex-diretor da
Escola Superior de Guerra, Castello foi conivente com
Acervo Iconographia

a prática da tortura, principal meio para desorganizar


os movimentos civis que não concordavam com a
deposição de Jango e com o estabelecimento da dita-
dura ou que militavam pela causa do comunismo. Os
IPM instaurados em seu governo quase sempre eram
abafados pelos “duros”, representados no governo pelo
ministro do Exército, Costa e Silva, o qual se autono-
meou ministro antes mesmo da ascensão de Castello
ao poder, que permitiu sua presença no governo para
evitar um enfrentamento com os “duros” e garantir o
apoio deles ao novo governo. Nem mesmo a viagem de
Geisel, homem de confiança de Castello, ao Nordeste
(região onde mais havia denúncias) para apurar denún-
cias de tortura foi suficiente para eliminar essa prática.

No dia 2 de abril, no Recife, o dirigente comunista


Gregório Bezerra foi amarrado seminu à traseira de um
jipe e puxado pelos bairros populares da cidade. No fim
da viagem, foi espancado por um oficial do Exército,
com uma barra de ferro, em praça pública. Machucado
e sentado no chão do pátio do quartel da Companhia
de Motomecanização, no bairro da Casa Forte, Gregório
Bezerra foi visto na noite de 2 de abril pelos espectadores
da TV Jornal do Commercio, que o filmara. Episódios
Militante comunista, Gregório Bezerra, de 64 anos de idade, foi semelhantes repetiram-se em algumas cidades do país.
torturado violentamente em Recife. Eram parte do jogo bruto provocado pela radicalização
dos últimos anos. O medo entrara na transação política.
Acervo Iconographia

De sua coluna diária no jornal Correio da Manhã, do Rio


de Janeiro, Carlos Heitor Cony, primeira voz destemida
a denunciar as violências, escrevia, no dia 7 de maio:
“Para atender a essa gente, a todos os Joões de Tal que
não voltaram ou não voltarão um dia, espero merecer
a atenção e o respeito de todos. É preciso que alguém
faça alguma coisa. E já que não se pode pedir justiça,
peço caridade”.7

Castello Branco mostrava-se fraco para conter a “linha


dura” e a tortura prosseguiu como linguagem do gover-
no contra setores oposicionistas até o fim da ditadura,
tornando-se mais intensa nos governos chefiados pelos
“duros”, de Costa e Silva e Médici, de 1967 a 1974. Mas não
Gregório Bezerra em 1946, quando deputado federal por havia só “duros” no primeiro governo ditatorial pós-64.
Pernambuco pelo PCB. Aliás, a maior parte da equipe de governo de Castello

7 Ibidem, p. 132.
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história do Brasil • aula 6

era composta de “brandos”, sendo Golbery um dos mais Em outubro de 1965, Castello decretou o AI-2, que
prestigiados pelo presidente, por ter idealizado o Serviço estabeleceu o bipartidarismo. Extinguiram-se os partidos
Nacional de Informações. O SNI foi um dos mais relevantes políticos fundados no fim do governo Vargas, em 1945 (a
departamentos criados pela ditadura, e sua atuação era, UDN, o PTB e o PSD), e criaram-se dois novos e únicos par-
guardadas as proporções, semelhante à da CIA (agência tidos: o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), com-
de inteligência dos EUA) e da KGB (agência do serviço posto majoritariamente do extinto PTB, e a Arena (Aliança
secreto da União Soviética), muito atuantes na Guerra Renovadora Nacional), composta, em grande medida,
Fria. Funcionava como os “olhos” do regime: por meio de da antiga UDN. Os membros do PSD dividiram-se quase
investigações, contato com informantes, observação da igualmente entre os dois novos partidos. O delineamen-
imprensa e até escutas telefônicas, o SNI informava ao to ideológico da Arena e do MDB eram opostos, aquela
presidente quem eram os “inimigos” do governo, onde es- apoiando os militares e este fazendo-lhes oposição, mas
tavam, o que faziam e como neutralizá-los. Periodicamen- dentro da ordem legal e permitida por eles. Pelo AI-1, o
te, Golbery elaborava relatórios (denominados Impressão governo podia cassar o mandato dos deputados, o que
Geral) atualizando o presidente sobre a “realidade” do país. consistia numa forma de controle sobre o MDB. A real
Aos poucos, o Serviço (como era chamado) foi ganhando oposição ao regime militar viria mesmo da luta armada
importância no governo, sendo responsável pela con- que mais tarde se organizou contra a ditadura.
cessão de canais de rádio e televisão a “empresários de Depois do êxito eleitoral de políticos da oposição nas
confiança” e exercendo grande influência na indicação de eleições para governador de estado, em fevereiro de 1966,
governadores de estado, como no caso de Laudo Natel, Castello baixou o AI-3, pelo qual essas eleições também
que substituiu Adhemar de Barros, governador de São seriam indiretas, feitas pelas Assembleias Legislativas
Paulo cassado em 1966. O jornal Correio da Manhã, crítico Estaduais, em que o governo federal exerceria maior
ao regime militar, assim definia o SNI: “[...] é um ministério controle político. Nas capitais, os prefeitos eram “eleitos”
de polícia política, instituição típica do Estado policial e pelas Câmaras Municipais, e de modo geral, os resultados
incompatível com o regime democrático”.8 Dezessete anos confirmavam as indicações da cúpula militar.
depois, o próprio Golbery afirmou ter criado um monstro, Em 1967, por meio do AI-4, o governo de Castello
pois, em 1982, o SNI contava com mais de 6 mil servido- obrigou o Congresso Nacional a promulgar uma nova
res e condensava informações dos serviços secretos do Constituição federal, que entrou em vigor no governo
Exército, da Marinha, da Aeronáutica, da Polícia Federal Costa e Silva, em março desse ano. Essencialmente, a
e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) de Carta de 1967 caracterizava-se por:
todos os estados da federação, o que lhe permitia um • fortalecer o Poder Executivo federal, que legis-
grande controle e repressão sobre indivíduos considera- laria sobre a Segurança Nacional e o orçamento
dos subversivos. governamental;
Folhapress

• estabelecer eleições indiretas para presidente da


República, conforme preconizava o AI-1 (já fora
do prazo de vigência, que ia até janeiro de 1966);
• impossibilitar a cassação de mandatos parlamen-
tares e a suspensão dos direitos políticos; e
• restringir o direito de greve dos trabalhadores.
Essa Constituição foi uma tentativa de Castello conter
seu sucessor, Costa e Silva, bastante suscetível às reivin-
dicações dos oficiais da “linha dura”. Inserir num texto
constitucional que rege uma ditadura a impossibilidade
de cassar deputados e senadores é tentar limitar os
poderes do presidente. A estratégia do moderado Cas-
tello Branco deu certo por nove meses. Em dezembro
de 1968, o general-presidente Costa e Silva enquadrou
o Congresso e parte da sociedade brasileira com o AI-5,
Armando Falcão, ministro da Justiça e Golbery do Couto discutido adiante.
e Silva, em 1979.
E no âmbito econômico, como se organizou o primei-
8 Ibidem, p. 157. ro governo pós-1964? Castello Branco nomeou para o
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história do Brasil • aula 6

Ministério da Fazenda o economista Octávio Gouvêa de não se podia demitir trabalhadores com mais de dez
Bulhões e, para o Ministério do Planejamento, Roberto anos de serviço numa mesma empresa; com a nova
Campos, que redigira a Carta de 1937, de teor autoritário. regra, poder-se-ia dispensá-los a qualquer momento.
Eles elaboraram o Plano de Ação Econômica do Governo Como forma de compensação, o governo criou o FGTS
(Paeg), cujos objetivos básicos eram: conter a espiral (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), percentual
inflacionária, escalada desenfreada dos preços em toda do salário depositado mensalmente pelo empregador
a cadeia econômica brasileira; reduzir o déficit público, numa conta bancária em nome do empregado, que, ao
tentativa de conter o gasto do governo, fazendo-o ser ser demitido, pode sacar esse fundo como indenização
menor que o imposto arrecadado; e acelerar o cresci- pelo fim compulsório do vínculo empregatício. Criou-se
mento econômico. Bulhões e Campos recusaram-se a ainda um tipo de aplicação popular muito conhecida
conter a inflação com um tratamento de choque como até hoje, a poupança: conta bancária na qual o dinheiro
a contração monetária – retirar dinheiro de circulação, depositado é corrigido por uma taxa de juros um pouco
diminuindo sua oferta e, consequentemente, valori- superior à taxa de inflação10. Dessa forma, os assalaria-
zando-o –, pois isso teria grande impacto social, como dos e a classe média em geral poderiam proteger seu
o aumento da pobreza. Acreditava-se também que não dinheiro da inflação, sem correr riscos. Com o dinheiro
era possível simplesmente cortar gastos públicos para da poupança, o governo criou o Plano Nacional de Ha-
conter o déficit orçamentário. A situação econômica do bitação, caracterizado pela concessão de crédito barato
país era muito grave. Qual foi, então, o caminho adotado para a aquisição da casa própria e operado pelo Banco
pela equipe econômica? Nacional da Habitação (BNH). Ampliou-se também a
Para aumentar a arrecadação, fez-se uma reforma concessão de crédito de modo geral, permitindo que
fiscal e criaram-se novos impostos sobre o consumo, bancos e financeiras estendessem os prazos de paga-
como o IPI (Imposto sobre Produto Industrializado) e o mento. Essas medidas atraíram capital privado para o
ICM (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias), que setor produtivo, aumentando a oferta de mercadorias
deveriam atingir a parte da população com poder de na economia e evitando pressões inflacionárias. As
compra. Ao mesmo tempo, procurava-se incentivar o greves foram praticamente proibidas. Os reajustes
aumento da produção industrial para exportação, razão salariais estavam sempre abaixo da inflação, o que
pela qual foram concedidos incentivos fiscais como era em si uma poderosa ferramenta de contenção da
isenção de IPI e de Imposto de Renda sobre o lucro às demanda agregada e, consequentemente, da própria
empresas interessadas em exportar suas mercadorias. escalada dos preços.
Nesse contexto e com vários objetivos,9 foi criada, em
fevereiro de 1967, a Zona Franca de Manaus, distrito Estas reformas da política fiscal, creditícia e traba-
industrial no coração da Amazônia com diversas redu- lhista eram consideradas necessárias para garantir
ções tributárias – um bordão da época dizia “exportar é a definitiva superação do problema inflacionário
o que importa”. Assim, seriam gerados novos postos de e condições adequadas para que o setor privado
trabalho e entrariam dólares no país. Entretanto, isso promovesse a retomada do desenvolvimento eco-
não foi suficiente para eliminar o déficit público, e foi nômico sob sua liderança. Assim, a estratégia de
necessário financiá-lo. Para tanto, o governo criou as desenvolvimento da equipe econômica pretendia
ORTN (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), acabar com os fatores que restringiam uma postura
títulos da dívida pública, isto é, papéis vendidos pelo ativa do empresariado, cujo dinamismo intrínseco era
Banco Central – que acabara de ser criado, no final de um postulado da visão que economistas do governo
1964 – e comprados por investidores interessados em tinham de uma economia de mercado.11
lucrar com os juros pagos pelo governo por esse “em-
préstimo”. Assim, o Estado conseguiu captar recursos Embora a equipe econômica tenha feito bastante,
pagando juros mais baratos e “rolar” suas dívidas para as medidas adotadas no governo de Castello não
prazos mais longos. surtiram o efeito desejado: esperava-se uma inflação
Para estimular os investimentos privados, o gover- de 25% em 1965 e de 10% em 1966, mas nos dois
no aboliu a lei de estabilidade no emprego, pela qual anos ela ficou perto dos 40%, valor muito elevado,
9 Além de impulsionar a produção industrial e as exportações, o governo almejava au- 10 Entretanto, ao longo da história recente observou-se várias vezes que o índice de inflação
mentar a ocupação demográfica da Amazônia, região estratégica do território nacional. superou o índice de correção das cadernetas de poupança.
Tinha também a intenção de levar desenvolvimento econômico aos rincões do país; na 11 Luiz Carlos Delorme Prado e Fábio Sá Earp. O milagre brasileiro: crescimento acelerado,
época, chaminé e fumaça ainda eram vistos como sinal dos novos tempos e do próprio integração internacional e concentração de renda. In: Jorge Ferreira (Org.). O Brasil
desenvolvimento. republicano, vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 216.
715-2

28
história do Brasil • aula 6

sobretudo se comparado ao percentual de hoje, em Em março de 1968, a Polícia Militar do Rio de Janeiro
torno dos 4,5% ao ano. O crescimento do PIB também foi reprimir uma manifestação de estudantes secunda-
foi decepcionante: 2% em 1965. Porém, num prazo um ristas que se preparavam para o vestibular. O motivo da
pouco mais longo, as reformas financeiras da dupla revolta dos jovens era a má qualidade da refeição servida
de ministros Campos-Bulhões lançaram as bases para no Restaurante Calabouço, como era apelidado na épo-
o acelerado crescimento da economia observado nos ca.13 Segundo o jornalista Elio Gaspari, que comeu por
governos posteriores, quando o país viveu o chamado dois anos nesse restaurante, “[...] eram muitos os sacrifí-
“milagre econômico”. cios que um jovem seria capaz de fazer pela derrubada
do governo, mas pedir-lhe que comesse duas vezes por
O governo Costa e Silva (15 de março de dia no Calabouço tendo outra mesa à disposição seria
1967 a 31 de agosto de 1969) suplício excessivo”.14 Na repressão policial, o estudante
Édson Luís de Lima Souto foi baleado e morreu. No
Arthur da Costa e Silva foi referendado como pre- dia seguinte, o jornal Correio da Manhã denunciava o
sidente pelo Congresso em outubro de 1966; Pedro
Aleixo, um político civil da extinta UDN mineira, como

Agência Estado/AE
vice-presidente. Assumiram o governo em 15 de março
do ano seguinte, conforme estabelecia o protocolo
político da época. Já se sabia que o presidente tinha
saúde debilitada, pois tinha sérios problemas cardíacos
e havia sofrido um enfarte. O médico-coronel Américo
Mourão, chefe do serviço de saúde da presidência, afir-
mou que Costa e Silva “[...] estava mais entupido que
pardieiro”,12 razão pela qual sua morte era considerada
próxima. O novo presidente demitiu toda a equipe de
governo de Castello Branco e nomeou militares para
todos os ministérios, exceto para o da Fazenda e o do
Planejamento, chefiados, respectivamente, pelos civis
Antônio Delfim Netto e Hélio Beltrão. Os aconteci- Enterro do estudante Édson Luís, morto na manifestação pela
mentos mais notáveis da administração Costa e Silva melhoria da comida servida no Calabouço.
foram o aumento do descontentamento da sociedade
com a ditadura, o que levou a inúmeras manifestações assassinato de Édson Luís, a primeira vítima fatal dos
populares, inclusive com o apoio da classe média, que confrontos entre o governo e os estudantes. Na semana
até então apoiava o governo, e a organização da luta seguinte, o adolescente foi enterrado no cemitério São
armada de esquerda contra o regime, acompanhada João Batista, num cortejo fúnebre do qual participaram
do acirramento da truculência do governo contra a 50 mil pessoas que portavam inúmeras faixas com di-
sociedade. zeres como15 “Os velhos no poder, os jovens no caixão”,
“Bala mata a fome?” e “Era apenas uma criança”.
Agência Estado/AE

Na missa de sétimo dia de Édson Luís, na igreja da


Candelária, o clima era muito tenso, pois centenas de
pessoas acompanhavam a cerimônia, inconformadas e
revoltadas com o assassinato. Do lado de fora, um esqua-
drão da cavalaria da PM carioca cercava o prédio. Ao fim
da celebração, os policiais montados prensaram contra a
parede aqueles que saíam da Igreja e pretendiam fazer
uma pequena passeata de protesto; vários grupos de
estudantes foram espancados e presos.

O marechal Costa e Silva e o deputado Pedro Aleixo chegam ao


13 O Restaurante Calabouço era um refeitório popular subsidiado pelo governo e destinado
Congresso para a cerimônia de posse. a estudantes do interior, vestibulandos e universitários.
14 Elio Gaspari. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 277.
12 Elio Gaspari. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 274. 15 Ibidem, p. 282.
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29
história do Brasil • aula 6

bradou “Para cada estudante preso, as entidades estu-


Acervo Iconographia

dantis promoverão o encarceramento de um policial”.17

Folhapress
A polícia militar do Rio de Janeiro cercou a igreja onde se realizava
a missa de sétimo dia de Édson Luís, numa tentativa de intimidar Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968.
os que estavam revoltados com a morte do jovem garoto.

Folhapress
Em abril de 1968, deflagrou-se uma greve de 1 200
trabalhadores da siderúrgica Belgo-Mineira, em Con-
tagem, município mineiro da Região Metropolitana de
Belo Horizonte, que se alastrou para mais quatro indús-
trias, paralisando 16 mil trabalhadores.
Em junho do mesmo ano, no centro do Rio de Janeiro,
aconteceu a Passeata dos Cem Mil, uma manifestação em
prol das “liberdades públicas”, como se dizia na época.
Havia algumas faixas com os dizeres “O povo armado
derruba a ditadura”. Segundo Gaspari:

Olhada, a passeata era uma festa. Manifestação


Chico Buarque de Hollanda e Arduino Colassanti (protagonista
de gente alegre, mulheres bonitas com pernas de
de El Justicero) participam da Passeata dos Cem Mil.
fora, juventude e poesia. Caminhava em cordões.
Havia nela a ala dos artistas, o bloco dos padres, a No mês seguinte, em julho de 1968, no município de
linha dos deputados. Ia abençoada pelo cardeal do Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo, houve
Rio de Janeiro, o arquiconservador d. Jaime Câmara, um movimento grevista na fábrica de vagões de trem
que em abril de 1964 benzera a Marcha da Vitória. Cobrasma do qual participaram 10 mil operários. No
Muitas pessoas andavam de mãos dadas. Todo o entanto, a polícia atacou no terceiro dia da paralisação:
Rio de Janeiro parecia estar na avenida. A serena 400 trabalhadores foram presos, 50 permaneceram
figura de Clarice Lispector, Norma Bengell, Nara Leão, detidos depois do interrogatório e a cidade inteira foi
Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda, ocupada por forças policiais. O líder do movimento,
que com a poesia de Carolina, e seus olhos verdes,
José Campos Barreto, o Zequinha, foi levado à Polícia
encantava toda uma geração. Personagens saídos da
Federal, onde foi torturado com choques elétricos,
crônica social misturavam-se com estudantes saídos
sabão em pó nos olhos e espancamento até confessar
do Dops. Do alto das janelas, a cidade jogava papel
sua ligação com Carlos Marighella, líder comunista que
picado. Catedral frentista, a Passeata dos Cem Mil
fundara a Aliança Libertadora Nacional (ALN). Mais
saiu da Cinelândia, jovem, bela e poderosa. Parecia
uma vez, o governo lançava mão da tortura para se
um funeral do consulado militar.16
impor à sociedade. Sindicatos e universidades foram
Ao fim da passeata, um de seus organizadores, Vladi- invadidos, e muitas de suas lideranças foram presas
mir Palmeira, o mais popular dos dirigentes estudantis, arbitrariamente.
16 Ibidem, p. 296. 17 Ibidem, p. 297.
715-2

30
história do Brasil • aula 6

Com o objetivo de mobilizar os estudantes contra a Às vésperas do feriado de Independência de 7 de


ditadura, os líderes da União Nacional dos Estudantes setembro, ocasião em que geralmente há um desfile
(UNE), desde 1964 na clandestinidade, planejaram militar, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB
um congresso da entidade para outubro de 1968. carioca, fez um discurso no Congresso Nacional que
Para angariar fundos para o evento, os estudantes mudaria o rumo dos acontecimentos no país. Márcio
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas condenou veementemente a invasão militar da Uni-
(FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) fizeram um versidade de Brasília (UnB), ocorrida dias antes, bem
pedágio na rua da faculdade, naquela época sediada como a prática da tortura, cujos casos eram cada vez
na rua Maria Antônia, região central de São Paulo, mais comuns e denunciados nas páginas dos jornais. Ele
onde também ficava – e está até hoje – a Universidade pediu aos brasileiros que boicotassem a Parada Militar
Mackenzie. Pela Maria Antônia, passavam estudantes da Semana da Pátria e também recomendou, quando
das duas universidades; entretanto, alguns alunos do voltou à tribuna, que os pais de família brasileiros não
Mackenzie integravam organizações anticomunistas, deixassem suas filhas se relacionarem com militares que
como o Movimento Anticomunista (MAC) e o Comando silenciassem diante da repressão e da tortura. A cúpula
de Caça aos Comunistas (CCC). Percebendo a rua blo- do governo ficou enraivecida, pois, para os militares,
queada para a cobrança do pedágio, os mackenzistas Moreira Alves ferira a dignidade das Forças Armadas e
atiraram ovos nos estudantes da USP, dando início a deveria ser processado criminalmente. No entanto, antes
um quebra-quebra que só teve fim com a chegada da de processá-lo, era preciso que o Congresso aprovasse
polícia, horas depois. Na manhã seguinte, a Faculdade o fim da imunidade aos parlamentares, garantida pela
de Filosofia, reduto de professores e alunos avessos à Constituição de 1967. Numa votação que surpreendeu
ditadura, foi alvejada por centenas de tiros e coquetéis o governo, por 216 votos contra 141, os parlamentares
molotov, preparados durante a noite nos laboratórios se recusaram a suspender tanto sua imunidade quan-
do Mackenzie. Os estudantes do CCC foram auxilia- to a de Márcio Moreira Alves. Em 13 de dezembro de
dos por dois policiais, um delegado e um comissário, 1968, Costa e Silva decretou o AI-5, o mais “linha dura”
membros da organização. Ninguém foi preso. Mesmo de todos os Atos, pois, além de estabelecer uma série de
a captação de recursos tendo fracassado, o congresso medidas autoritárias, não tinha prazo de vigência, sendo
da UNE foi realizado em 12 de outubro, na cidade de revogado só em 1979, dez anos depois. Seu conteúdo,
Ibiúna, a 70 quilômetros de São Paulo. Como a data e o em síntese, caracterizou-se por:
local do encontro já eram do conhecimento da polícia, • fechar o Congresso Nacional, as Assembleias
o congresso foi cercado e 920 pessoas foram presas e Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais;
• possibilitar ao Poder Executivo cassar mandatos
transportadas para São Paulo em cinco caminhões e
e suspender direitos políticos, bem como demitir
dez ônibus do Exército. Mais tarde, alguns foram liber-
ou aposentar funcionários público e juízes;
tados, outros continuaram detidos e outros, torturados.
• suspender o habeas corpus para crimes come-
tidos contra a Segurança Nacional; e
Folhapress

• suspender a liberdade de expressão e de reunião,


isto é, estabelecr a censura.

Tamanho foi o recrudescimento da ditadura diante do


que propôs o AI-5 que muitos historiadores o chamam
de “golpe dentro do golpe”, pelo fato de Costa e Silva ter
quebrado a ordem constitucional-ditatorial vigente no
país com um novo golpe, disfarçado de Ato Institucional.

Fique esperto!

O ano de 1968 no Brasil foi bastante intenso. Uma


Soldados da Força Pública organizam em filas os estudantes sucessão de acontecimentos sociopolíticos levou
presos no sítio Muduru, em Ibiúna (SP), onde se realizava o 30o à imposição do AI-5: a tortura institucionalizada,
Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) em outubro a censura e a inexistente participação política da
de 1968.
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31
história do Brasil • aula 6

sociedade na condução do país levaram à organiza- A luta armada


ção da luta armada contra o regime. Havia, mundo
afora, vários focos de violência, repressão e rebeldia, “Hoje, ser terrorista é uma condição que enobrece
que em muito faziam lembrar o que ocorria no Bra- qualquer homem de honra, porque isso significa exa-
sil, ou vice-versa. A Guerra do Vietnã, por exemplo, tamente a atitude digna do revolucionário que luta,
entrava num de seus momentos mais decisivos, com as armas na mão, contra a vergonhosa ditadura
a Ofensiva do Tet, em janeiro de 1968, quando as militar e suas monstruosidades.”18 Essas palavras são
tropas comunistas, do Vietnã do Norte, atacaram si- de Carlos Marighella, fundador da ALN, um dos grupos
multaneamente 36 cidades em que havia resistência mais engajados na luta armada contra os militares. Ele
das tropas do Vietnã do Sul e dos EUA. Os comunistas rompeu com a agremiação pelo fato de, mais uma vez,
mostravam sua força, uma das razões para o desgaste o “Partidão”19 não concordar com a luta armada. Mas
político do presidente dos EUA, Lyndon Johnson, que note que Marighella usou a palavra “terrorista”, hoje
anunciou não concorrer à reeleição. carregada de significado político quando usada por
No entanto, dentro do bloco comunista também dirigentes estadunidenses para se referir, de forma
havia fissuras. A Tchecoslováquia, sob a liderança reducionista e preconceituosa, a árabes e islâmicos.
de Alexander Dubcek, enfrentou o autoritarismo
Entretanto, na década de 1960, ela ainda não tinha o
soviético e acabou violentamente reprimida pelas
cunho pejorativo “bushista”20 e aqui designa ataques
tropas do Pacto de Varsóvia, aliança militar criada
anônimos contra o governo. O primeiro deles ocorreu
e liderada pelos soviéticos. A Primavera de Praga,
em 25 de julho de 1966, quando o então ministro do
como ficaram conhecida as manifestações populares
Exército e candidato à presidência, Costa e Silva, esta-
na Tchecoslováquia, testemunhou a energia repres-
siva dos regimes de esquerda cujas armas foram va para desembarcar no aeroporto de Guararapes, no
usadas contra parte da população civil. Recife. Um homem entrou pelo saguão do aeroporto
Na França, várias manifestações estudantis com uma maleta e deixou-a numa banca de jornal;
clamavam por uma reforma universitária que per- minutos depois, ela explodiria, matando duas pessoas
mitisse participação ativa dos estudantes na própria e ferindo treze. Devido a uma pane no avião, Costa e
formação e iam contra o autoritarismo do general Silva desembarcara antes e entrara em Recife de carro,
De Gaulle, então presidente do país. Paralelamente ileso. A responsável pela ação foi a esquerda católica,21
a esses acontecimentos políticos que varriam o organizada em torno da Ação Popular (AP).
mundo, havia um vigoroso movimento de contra- Na ALN, Marighella fez o que os combatentes de
cultura, manifesto na música (sobretudo no rock), esquerda chamavam de “expropriações”, isto é, assaltos a
na revolução sexual feminina e no pacifismo. “Faça comércios e bancos para angariar fundos para esconder e
amor, não faça guerra”, “a imaginação no poder”, treinar combatentes. Outra prática comum foi o sequestro
“amor livre” e “é proibido proibir” eram frases ado- de embaixadores de países capitalistas para trocar por
tadas na época para protestar contra a violência nos presos políticos. Nessas ações, como eram chamadas,
campos comunista e capitalista, o autoritarismo dos atuou também o Movimento Revolucionário 8 de Outu-
governantes e o “moralismo religioso”, que conde- bro22 (MR-8), em que militava Fernando Gabeira, um dos
nava o sexo antes do casamento. As minissaias e a participantes do sequestro do diplomata estadunidense
pílula anticoncepcional vieram a se confirmar, pouco Charles Burke Elbrick, capturado no bairro de Botafogo, no
depois, como símbolos de algumas das conquistas
Rio de Janeiro, em ação promovida com a ALN. Na foto a
da Revolução Feminista.
seguir estão os quinze prisioneiros trocados por Elbrick,
O assassinato de Martin Luther King, nos EUA, em
todos deportados para o México, conforme o AI-13.
abril de 1968, foi um sintoma crônico do grave pro-
blema de tensão racial na sociedade estadunidense.
Defensor da cidadania negra, Luther King liderou 18 Carlos Marighella citado por Elio Gaspari. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia
das Letras, 2009. p. 242.
um movimento pela igualdade de direitos civis en- 19 Chamava-se “Partidão” o Partido Comunista Brasileiro, liderado por Luís Carlos Prestes
e ligado ao movimento comunista internacional.
tre brancos e negros, foi respeitado e seguido por 20 Trata-se de uma referência a George W. Bush, presidente dos EUA à época dos atentados
de 11 de setembro de 2001, quando se forjou e se ampliou o conceito de terrorismo,
muitos devido a seu discurso pacifista sem rancores. abarcando grandes parcelas de populações de países árabes e/ou islâmicos como o
Iraque e/ou o Afeganistão.
Fez inimigos que nem conhecia, acabou morto e 21 Gaspari, 2009. p. 242.
transformado em ícone do movimento negro. 22 A data é uma referência ao cerco feito contra Che Guevara pelas tropas do Exército
boliviano, no dia 8 de outubro de 1967. No dia seguinte, 9 de outubro, ele foi assassinado.
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32
história do Brasil • aula 6

Aproveitando a estrutura repressiva dos governos


Acervo Iconographia

anteriores, Médici ampliou a capacidade de sua adminis-


tração de produzir informações pela coordenação de vá-
rios departamentos de informações federais e estaduais,
bem como das Forças Armadas. Inovou também ao
possibilitar que a produção de informação passasse a ser
feita de modo integrado pelos órgãos repressivos, como
o Destacamento de Operações e Informações – Centro
de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). Ou seja, a
espionagem e a elaboração de pequenas biografias de
suspeitos de subversão passaram a ser feitas pela mes-
De pé, a partir da esquerda: Luís Travassos, José Dirceu, José ma instituição, que prendia, interrogava, torturava e até
Ibrahim, Onofre Pinto, Ricardo Vilas, Maria Augusta, Ricardo
Zarattini e Rolando Frati. mesmo assassinava as pessoas. Mas as informações – por
Agachados: João Leonardo, Agonalto Pacheco, Vladimir Palmeira, meio de escutas telefônicas, análise da vida pregressa dos
Ivens Marchetti e Flávio Tavares. suspeitos de subversão e do material de imprensa e de
diligências investigativas – e os relatórios informativos não
A Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) se nota-
eram produzidos pelas mesmas pessoas que se dedica-
bilizou pela participação de membros da esquerda das
vam às operações (como as prisões ou os interrogatórios),
Forças Armadas, entre os quais o capitão Lamarca, que
o que facilitava e dava agilidade à repressão. Dessa forma
“expropriou” um veículo carregado de armas do quartel
articulada e sempre lançando mão da tortura, a ditadura
de Quitaúna, no município de Barueri, no oeste da Re-
obteve informações sobre o paradeiro de alguns dos
gião Metropolitana de São Paulo. Em junho de 1968, um
principais líderes da luta armada como Carlos Marighella,
grupo de terroristas do Comando de Libertação Nacional
morto numa emboscada policial em novembro de 1969,
(Colina) tentou jogar uma caminhonete contra o portão
e Carlos Lamarca, perseguido e executado no sertão da
do quartel-general do Ibirapuera, área nobre da cidade de
Bahia em janeiro de 1971. Assim também foram desbara-
São Paulo, mas falhou e o carro bateu num poste. Quando
tadas as mais combativas agremiações que lutavam con-
o soldado de prontidão, Mário Kozel Filho, de 18 anos, foi
tra a ditadura como a ALN e VPR. A Guerrilha do Araguaia,
ver o que tinha acontecido, 50 quilos de dinamites explo-
foco de luta no campo organizada pelo PCdoB24 (Partido
diram, matando-o e ferindo mais treze pessoas.
Comunista do Brasil) às margens do rio Araguaia, no leste
É importante salientar, porém, que a direita também
do Pará, também foi desarticulada. No entanto, o Exército
se armou e recorreu ao mesmo expediente, o terrorismo.
encontrou grande dificuldade para fazê-lo, podendo-se
Os principais responsáveis por esses ataques foram os
afirmar que foi só em 1975, quando Médici já não era
já mencionados CCC e MAC, além, é claro, do próprio
mais presidente, que a guerrilha, organizada pelo menos
Estado, cujo recurso à tortura passara a ser corriqueiro.
desde 1968, foi extinta, tendo muitos de seus integrantes
sido presos ou assassinados. Esses foram os chamados de
Governo Médici (30 de outubro de 1969 a “anos de chumbo”, ou, segundo o jornalista Elio Gaspari,
15 de março de 1974)23 a época em que a ditadura se escancarou, sem vergonha
de mostrar sua face mais autoritária e violenta.
O general de quatro estrelas (exigência primordial
Agência Estado/AE

para se tornar presidente) Emílio Garrastazu Médici as-


sumiu o governo com a incumbência de eliminar a luta
armada contra a ditadura. Foi o mais repressivo de todos
os presidentes da experiência ditatorial brasileira, sendo
considerado o mais radical “linha dura” que chegou ao
poder. Seu governo caracterizou-se por crescimento
econômico, o chamado “milagre”, pela censura, pela pro-
paganda do regime e pela desarticulação dos principais
Posse do ex-general Emílio Garrastazu Médici (dir.) para presi-
focos de resistência armada ao governo. dente da República.
23 Entre o governo de Costa e Silva e o de Médici, houve um curto governo de aproximada-
mente 3 meses, chefiado por uma junta militar, que é pouco explorado nos vestibulares 24 Não confunda PCdoB com PCB, pois são partidos diferentes. Lembre-se de que o PCB não
e, por isso, aqui não será abordado. encampou a luta armada, razão pela qual Marighella o abandonou.
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33
história do Brasil • aula 6

No início da década de 1970, a situação política da Inglaterra, Alemanha Ocidental e Itália, já plenamente
oposição ao regime militar não era nada boa, nem no recompostas da Guerra, podiam exportar capitais, o
que se referia à luta armada nem no campo da oposição que muitos de seus bancos e grandes indústrias plane-
legal, desempenhada pelo MDB. Havia mesmo grande di- javam fazer expandindo suas operações mundo afora, e
ficuldade de as organizações de esquerda revolucionária o Brasil se transformava em um destino certo para esses
atraírem novos militantes combatentes. Isso certamente investimentos. Os aportes de capitais privados, tanto de
não se deveu apenas à eficácia do aparato repressivo, mas grupos nacionais quanto estrangeiros, concentraram-se
também ao pouco interesse da sociedade em integrá-las. no setor produtivo, sobretudo no automobilístico e no
Nas eleições legislativas de 1970, a Arena obteve nas urnas de eletrodomésticos, cujos produtos foram comercia-
41 vagas de senador, contra apenas 5 do MDB. Na Câmara lizados como nunca no país, pois o governo tinha ex-
dos Deputados, o fracasso eleitoral do MDB também foi pandido os prazos de financiamento de bens duráveis
significativo, 87 deputados, contra 223 da Arena. E por para até 36 meses.
que a oposição terá perdido prestígio entre a população?

Folhapress
Além da forte repressão do aparato policial, também são
relevantes a intensificação da censura, a intensíssima pro-
paganda política governamental – de caráter ufanista – e,
o que era alardeado pela ditadura como efetivo sucesso
econômico do país, o “milagre econômico”.

É pelo santo que se conhece o milagre

Chamava-se de “milagre” o vigoroso crescimento


econômico que o Brasil viveu de 1968 a 1973, quando o
PIB cresceu em média 11,2% ao ano. Delfim Netto e Hélio Médici inaugura trecho da rodovia Transamazônica.
Beltrão foram, respectivamente, ministros da Fazenda e

Agência Estado/AE
do Planejamento nos governos de Costa e Silva e Médici.
As glórias desse crescimento foram em grande medida
atribuídas a Delfim Netto, suposto “mago” que transfor-
mara o Estado em responsável pelo desenvolvimento
capitalista do país. No entanto, há que considerar as
fundamentais reformas liberais no sistema financeiro
nacional empreendidas por Campos e Bulhões (criado-
res do Paeg), bem como o cenário econômico externo
extremamente favorável.
Desde o fim da Segunda Grande Guerra (1945),
os EUA investiam pesadamente na reconstrução dos
países da Europa ocidental, cujos territórios foram Obras da, até então, maior usina hidrelétrica do mundo: Itaipu.
destruídos pelo conflito. Não se tratava de ajuda
Agência Estado/AE

humanitária, mas de uma estratégia para impedir o


avanço do comunismo na região, pois terra arrasada,
desemprego, fome e miséria são fatores que podem
levar a revoluções, sobretudo comunistas, nas quais, em
geral, se propõe a partilha da riqueza e a extinção da
propriedade privada dos meios de produção. Portanto,
reconstruir a Europa era necessário para consolidar ali
o capitalismo, e as verbas do Plano Marshall e a ajuda
financeira estadunidense aos europeus cumpriam
objetivos estratégicos dos EUA na Guerra Fria. Na dé-
cada de 1970, algumas nações europeias como França, Obras da ponte Rio-Niterói.
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34
Agência Estado/AE história do Brasil • aula 6

Usina Nuclear Angra I, em Angra dos Reis, municí-


pio no sul do estado do Rio de Janeiro. No entanto,
o Brasil ainda não tinha a tecnologia necessária
para a construção de reatores nucleares, o que
levou o governo a adquirir um reator da Westin-
ghouse, empresa privada estadunidense, num
acordo que não previa a transferência de tecnolo-
gia, o que suscitou muitas críticas ao projeto. O re-
ator de Angra I só entrou em operação treze anos
depois, em 1985, quando já estava obsoleto. Fa-
lhas constantes em seu funcionamento, decorren-
Agência Estado/AE

tes de problemas no alicerce da usina, provocaram


o desligamento do reator onze vezes, rendendo-
-lhe o apelido de “usina vaga-lume”. Mesmo assim,
Angra I responde por 0,9% do consumo ener-
gético nacional, tendo grande relevância para o
estado do Rio de Janeiro. Outro foco de críticas foi
o local de construção da usina, a praia de Itaorna,
palavra tupi que significa “pedra podre”. Os índios,
antigos habitantes da região, já sabiam da instabi-
Acima, fotos da usina nuclear de Angra dos Reis. lidade do terreno naquela área, sujeita a tremores
de terra por estar sobre uma falha geológica.
A indústria da construção civil estava a pleno vapor.
Os recursos da poupança continuavam a ser usados
para o financiamento de novas casas e apartamentos, Delfim Netto chamava esse modelo econômico de
via crédito do BNH. Fizeram-se inúmeros investimentos capitalismo associado, mas seus críticos chamavam-no
públicos em infraestrutura como a construção da ponte de capitalismo dependente, pois havia grande entrada
Rio-Niterói, da rodovia Transamazônica, da Usina Hidre- de capitais externos, principal razão do aumento subs-
létrica Itaipu, na época a maior do mundo, e da Usina tancial da dívida externa nos anos do “milagre”. Outro
Nuclear de Angra dos Reis, foram feitos, transformando
subproduto do crescimento acelerado foi a inflação,
o Brasil num verdadeiro canteiro de obras grandiosas,
que nos anos de “milagre”, só ficou abaixo dos 20%
ditas “faraônicas”, numa referência à opulência da anti-
anuais uma vez, chegando a 23% em 1973. Se, por
ga civilização egípcia, que construiu as pirâmides. Em
consequência, geraram-se milhares de novos empregos, um lado, havia uma acelerada produção de riqueza,
aquecendo a demanda por bens e serviços no país, o por outro, a inflação corroía o poder de compra dos
que repercutiu no aumento da produção industrial e mais pobres; até porque o governo pretendia acha-
na geração de mais empregos e mais consumo, num tar os salários, numa política de arrocho salarial que
novo ciclo de crescimento econômico. Mas de onde visava conter minimamente o aumento da inflação.
provinha o dinheiro para o governo fazer tantas obras? Os trabalhadores ficaram de mãos atadas, pois não
Entre outras origens, da emissão de títulos da dívida podiam fazer greve, por causa da máquina repressiva
externa brasileira (as Obrigações Reajustáveis do Tesouro do governo. Assim, o “milagre” foi um período de forte
Nacional – ORTN). concentração de renda, característica do país até hoje,
com uma diferença abissal entre ricos e pobres. Delfim
Fique esperto! reconhecia o problema, a que respondia com a “teo-
ria do bolo”, que recomendava primeiro fazer o bolo
Em 1972, ainda no governo do general Emílio crescer para depois dividi-lo. Dizia que não haveria
Garrastazu Médici, teve início a construção da divisão suficiente se o bolo fosse pequeno demais.
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história do Brasil • aula 6

história do país em que havia fortes tendências frag-


mentárias, devido ao autoritarismo do regime militar.
De sua parte, por meio da Aerp, elaborava e difundia
pela TV “filmetes”, como dizia o coronel Otávio Costa,
com uma “[...] narração breve, com imagens elaboradas
e um ‘gancho’ musical que prendesse o telespectador.
Ao final, um slogan que, muitas vezes, era reproduzido
em campanhas de apoio através de cartazes e outros
suportes”.25 Em geral, esses slogans vendiam a ideia de
que o Brasil estava se desenvolvendo aceleradamente,
como comprovavam, segundo o governo, as elevadas
taxas de crescimento econômico e as gigantescas
construções que o Estado empreendia – como a usina
Itaipu ou a rodovia Transamazônica –, indícios maiores,
de acordo com a propaganda, da modernização do
Brasil. Veja alguns slogans muito difundidos na época,
P. C. Bocayuva e S. M. Veiga (Orgs.). Afinal, que país é este? considerados ufanistas por supervalorizar a suposta
Rio de Janeiro: DP&A, 1999. grandiosidade do país e de seu povo:

Contudo, apesar da constatação dos problemas • “Brasil, o país do futuro”


com a inflação, a dívida externa e a concentração de • “Este é um país que vai pra frente”
renda crescentes, a ditadura se afirmava pela eficácia • “O Brasil é um país feito por nós”
econômica, sendo um dos mais importantes pilares
• “Brasil, potência”
de sua sustentação política, diante de uma sociedade
perplexa, que se deixava ludibriar pelas promessas de • “Ninguém segura este país”
um Brasil grandioso. • “Brasil: ame-o ou deixe-o”
Quanto ao teor dos filmetes, o historiador Carlos
A propaganda ufanista Fico constata:
Esses filmes dividiam-se em dois grupos prin-
Médici fez amplo uso da propaganda como forma
cipais: os de natureza educativa e os de caráter
de comunicação do governo com a sociedade, e foi em
ético-moral. Vários, de ambos os tipos, se tornaram
seu governo que a Aerp (Assessoria Especial de Rela-
famosos. Sugismundo era o personagem de desenho
ções Públicas) ganhou relevo e teve seu orçamento “ca-
animado que ensinava a não sujar as ruas; “Não
librado”. Seu chefe, o coronel Otávio Costa, procurava
faça de seu carro uma arma, a vítima pode ser você”
fazer da Aerp um departamento muito diferente do DIP
era o slogan de uma campanha que também ficou
(Departamento de Imprensa e Propaganda, de Vargas),
famosa pelas imagens fortes que veiculava; o Dr.
que, além de fazer propaganda, também espionava e
Prevenildo ditava normas de saúde pública. As cam-
censurava para o governo. A década de 1970 assistiu a
panhas de caráter ético-moral tratavam dos mais
um grande desenvolvimento da mídia televisiva, que
diversos temas: a dimensão cultural do carnaval e
passou a ser em cores e ampliou seu alcance social, pois
do futebol, o papel simbólico de heróis nacionais
o “milagre” econômico permitiu que um número cres-
como Tiradentes; o papel dos jovens na sociedade;
cente pessoas adquirisse um aparelho televisor. Criava- as relações entre pais e filhos; o respeito devido aos
-se a rede nacional, pela qual o sinal das emissoras idosos; a importância do trabalho; a solidariedade;
percorria todo o território brasileiro, diferentemente do a harmonia; o desapego; o amor. Havia também
que ocorria antes com as emissoras regionais. A primei- campanhas periódicas como as que comemoravam
ra emissora a transmitir em nível nacional foi a Globo, a Semana da Independência ou a que marcava o
empresa privada cujo sinal era difundido pelas torres da aniversário da “revolução” de 64.
Embratel, na época, uma empresa estatal. A formação
da rede teve um papel importante na sedimentação
25 Carlos Fico. Espionagem, polícia política, censura e propaganda. In: Jorge Ferreira (Org.).
da unidade nacional, justamente num momento da O Brasil republicano, vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 197.
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história do Brasil • aula 6

Assim, a criação de uma audiência cativa em todo o

Agência Estado/AE
território nacional, ligada diariamente na TV para ver o
telejornal ou mais um capítulo da novela, permitiu ao
governo veicular a um número enorme de pessoas suas
mensagens propagandísticas, ferramentas poderosas
para criar a imagem de que a ditadura estava mudando
o país para melhor, de que o Brasil estava se tornando
uma potência mundial.
Ziraldo

Charge “Tricampeonato”, criada por Ziraldo.

Os slogans “Ninguém segura este país” e “Brasil:


Obras do Elevado Costa e Silva, famoso minhocão, construído
ame-o ou deixe-o” tinham relação com fatos espe-
pelo prefeito Paulo Maluf em 1970. O nome é uma homenagem
cíficos da realidade nacional. O primeiro se referia à ao presidente que o indicou à Prefeitura. Do ponto de vista urba-
nístico, o viaduto degradou e desvalorizou, com o tempo, as áreas
vitória brasileira na Copa de 1970, no México, quando de seu entorno. Atualmente, inclusive, há uma polêmica sobre
Pelé e companhia conquistaram o tricampeonato o futuro do Elevado: muitos defendem sua demolição, outros o
bloqueio definitivo ao tráfico de automóveis e sua transformação
mundial de futebol. Em sua volta ao país, os jogadores em área de lazer e cultura.
foram fartamente explorados politicamente, tanto
pelo presidente Médici, que fez questão de aparecer

Folhapress
em público com eles, inclusive se arriscando numas
“embaixadinhas”, quanto pelo então prefeito de São
Paulo, Paulo Maluf, que presenteou cada jogador da se-
leção com um Fusca comprado com dinheiro público.
Foram 25 no total; hoje, algo em torno de R$ 600 mil.
Muitos anos depois, considerando o ato lesivo aos
cidadãos, a Justiça condenou Maluf a devolver aos
cofres da prefeitura o dinheiro gasto na aquisição dos
automóveis. Sob o argumento de que a Câmara dos
vereadores aprovara sua ideia em 1970, ele recorreu
O então prefeito de São Paulo, Paulo Maluf (centro), ao lado de
da decisão, e, em 2006, o Supremo Tribunal Federal Rivelino (esq.) e Pelé (dir.) na entrega dos Fuscas aos jogadores
inocentou o ex-prefeito. Assim, até hoje, o dinheiro da seleção brasileira pela conquista do tricampeonato na Copa
do Mundo do México.
não foi devolvido à cidade de São Paulo.
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história do Brasil • aula 6

Quanto ao slogan “Brasil: ame-o ou deixe-o”, havia outros preferiam colocar poemas, e os leitores já sabiam
forte relação com os inúmeros pedidos de exílio político que ali deveria estar uma matéria que fora censurada. Os
que ocorreram durante o governo de Médici. Discordar autores mais visados pela censura eram os historiadores
da ditadura, contestar o autoritarismo, reivindicar liber- Caio Prado Jr. e Nelson Werneck Sodré, o sociólogo Fer-
dade de expressão e participação política ou denunciar nando Henrique Cardoso, o bispo católico dom Helder
a tortura e os assassinatos, segundo o governo, era uma Câmara e o compositor Chico Buarque de Holanda, que
traição ao Brasil. Portanto, quem não amasse o Brasil chegou a assinar algumas de suas obras com o pseudô-
deveria ir embora. Muitos militantes políticos, pesquisa- nimo Julinho da Adelaide, para despistar os censores.
dores de universidades e artistas se exilaram em outros
países nessa época. Como exemplo, podemos citar:
• artistas: Augusto Boal, Caetano Veloso, Chico Geisel e a abertura lenta, gradual e segura
Buarque, Gilberto Gil, Glauber Rocha, José Celso
Martinez Corrêa, Nara Leão. Ernesto Geisel governou o Brasil de 15 de março de
• ativistas políticos: Fernando Gabeira, João Goulart, 1974 a 15 de março de 1979. Foi eleito pelo Colégio Elei-
José Dirceu, José Serra, Leonel Brizola. toral, uma inovação proposta pela Constituição de 1967,
• acadêmicos: Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Emilia mas implantada apenas na eleição de 1973. Tratava-se de
Viotti da Costa, Florestan Fernandes, Maria da uma composição entre membros do Congresso Nacional
Conceição Tavares, Milton Santos, Paulo Freire. e alguns representantes das Assembleias Legislativas
estaduais. A vitória de Geisel representou a volta dos
brandos, ou castelistas, ao poder. Após dez anos de
A censura ditadura, a cúpula militar dava mostras de desgaste e
começava a pensar no retorno aos quartéis. Não que isso
Segundo Carlos Fico,26 a censura nunca deixou de fosse uma unanimidade entre os militares, pois boa parte
existir no Brasil. Livros, jornais, músicas, teatro e cinema da “linha dura” ainda desejava permanecer no poder, no
foram seus alvos preferenciais ao longo da história. Du- regime ditatorial, mas a situação interna e externa já era
rante o governo Médici, entretanto, ela se intensificou, bem diferentes. Considere-se ainda que Ernesto Geisel
respaldada pelo AI-5, herdado do governo Costa e Silva, e tinha fama de bom administrador e era irmão do general
que não tinha, ao contrário dos outros Atos Institucionais, Orlando Geisel, figura forte nos governos da “linha dura”,
prazo de vigência. Seria censurado tudo o que contestasse para entender sua vitória nas eleições indiretas. Em seu
a ditadura: apologia à democracia ou à liberdade de governo, predominaram de ministros ligados à “linha
expressão, denúncias de tortura, êxito da luta armada branda”, mas seu ministro do Exército, Sylvio Frota, per-
contra o regime etc. As notas sobre grandes assaltos ou tencia à ala dos “duros”, mantido estrategicamente por
quaisquer tipos de escândalo deveriam ser reduzidas e Geisel para não romper completamente com essa ala. A
inseridas nas páginas internas dos jornais. Havia ainda a prioridade de Geisel foi a distensão ou a liberalização do
censura em “defesa da moral e dos bons costumes”, contra regime, ou ainda o início da abertura política em direção
obscenidades e violência, e ficava a cargo dos censores es- à democracia. Entretanto, afirmava o presidente, essa
tabelecer o que era obsceno ou violento. Alguns veículos abertura deveria ser “lenta, gradual e segura”; segura
da mídia eram tão visados que tinham censores da Polícia para os militares, que não queriam ser punidos pelos
Federal em suas redações ou estúdios, como acontecia, crimes que cometeram enquanto estiveram no poder.
por exemplo, com os jornais Tribuna da Imprensa, O Pas- Golbery voltou ao governo, dessa vez com o cargo de
quim, A Notícia, Opinião e O Estado de S. Paulo. chefe do gabinete civil da presidência, espécie de arti-
A censura causava muitos prejuízos às emissoras de culador do governo entre os ministros. O SNI ficou sob
rádio e televisão, pois muito se gastava na elaboração de os cuidados do general João Batista Figueiredo, homem
programas que, às vezes, eram censurados na última hora, de confiança de Geisel e futuro presidente da República.
e era comum que, passado algum tempo, os censores No cenário externo, a presidência de Geisel
admitissem que determinado programa não precisava enfrentou sérios problemas; o mais grave, na área
ter sido censurado. Alguns jornais colocavam em páginas econômica. Após sucessivas derrotas militares para
de destaque receitas de bolo e outras receitas culinárias, Israel, alguns países, sobretudo árabes, decidiram or-
ganizar um cartel de produtores de petróleo, a Opep
26 Espionagem, polícia política, censura e propaganda. In: Jorge Ferreira (Org.). O Brasil (Organização dos Países Produtores de Petróleo). A
republicano, vol. 4. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 187.
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história do Brasil • aula 6

estratégia dos árabes era simples: se era difícil derrotar tortura. Em outubro de 1975, o diretor de jornalismo da TV
Israel pelas armas, pois esse país tinha apoio ocidental Cultura, emissora do governo estadual paulista, sediada
(em especial dos EUA), então o combate seria pela via na cidade de São Paulo, Vladimir Herzog, foi intimado, sob
econômica. A recém-fundada Opep estabeleceu uma suspeita de envolvimento com o PCB, a comparecer ao
política de redução da produção petrolífera e, pela lei DOI-Codi de São Paulo. No dia seguinte, foi dado como
da oferta e da procura, conseguiu uma forte valorização morto. Segundo as autoridades do DOI-Codi, ele teria
do produto. Esse episódio da economia internacional se suicidado, por enforcamento, na cela em que estava
ficou conhecido como o “choque do petróleo”, pois hou- preso. O fato causou repulsa à sociedade paulistana, e,
ve um aumento de cerca de 200% no preço do barril, para protestar contra mais essa morte, foi realizada uma
que passou de US$ 9 a US$ 27! Como a economia da cerimônia ecumênica na Catedral da Sé, no centro de São
maior parte dos países do globo se movimentava com Paulo. A Polícia Militar chegou a bloquear os acessos à
derivados de petróleo, o resultado foi desastroso. A região, o que não impediu a participação de milhares de
economia mundial entrou em recessão, pois quase tudo pessoas. Três meses mais tarde, algo muito semelhante
ficou mais caro, o que dificultava o consumo e reduzia voltou a ocorrer, agora com o operário Manoel Fiel Filho,
a produção, gerando desemprego. A balança comercial metalúrgico e militante do PCB, preso na fábrica onde
de vários países ficou negativa, devido aos gastos com a trabalhava e levado para as dependências do DOI-Codi,
importação de petróleo. O problema atingiu o Brasil em onde foi “interrogado” e acabou morto; segundo os inter-
1973, arruinando o “milagre”, que era um dos principais rogadores, também se suicidara. Apesar de na época a
sustentáculos da ditadura. O governo tentou contornar versão oficial ser a de suicídio em ambos os casos, muitos
o problema lançando o Programa Pró-Álcool, que esti- historiadores e grupos de ativistas políticos, bem como
mulava a produção de etanol, combustível proveniente uma decisão judicial posterior, consideram que Herzog e
da cana, mas, na época, o projeto não rendeu muitos Fiel Filho morreram sob tortura, avaliação fundamentada
frutos econômicos. pelos ferimentos nos corpos, pela impossibilidade de
Além do “choque do petróleo”, Geisel e sua equipe suicídio nas circunstâncias descritas pelos policiais28 e
de governo tinham outro problema internacional: a porque o presidente Geisel demitiu o “linha dura” Ednardo
chegada à presidência dos EUA de Jimmy Carter (1976- D’Ávila Melo, comandante do II Exército, jurisdição a que
-1980), do Partido Democrata, abriu caminho para que estava submetido o DOI-Codi, onde ocorreram as mortes.
o governo estadunidense pressionasse o Brasil na de- Qual seria a responsabilidade do comandante Ednardo, se
fesa dos direitos humanos, na tentativa de recuperar a Geisel acreditasse na hipótese do suicídio? O presidente
imagem do país mundo afora, depois do fiasco de sua acreditava mesmo, assim como boa parte da sociedade
derrota na Guerra do Vietnã. civil, na hipótese de tortura seguida de morte. E houve
Internamente, a sociedade civil pressionava pelo outros dois retrocessos importantes no governo Geisel.
fim da tortura, sendo a Igreja Católica um dos principais
porta-vozes desse movimento, ao lado da OAB (Ordem
Fique esperto!
dos Advogados do Brasil). Nas eleições legislativas de
1974, houve relativa liberdade, garantida pelo governo,
Em julho de 1976, às vésperas das eleições muni-
para os candidatos fazerem suas campanhas, inclusive os
cipais, o governo baixou a Lei Falcão, pois era claro o
da oposição. Nas urnas, o resultado o surpreendeu: das 22
receio de que o crescimento do MDB atingisse tam-
vagas a senador em disputa,27 16 ficaram com o MDB que
bém o nível municipal. Assim, o então o ministro da
também conseguiu eleger 160 deputados, contra 204 da
Justiça Armando Falcão elaborou esse decreto-lei que
Arena. Foi um incrível avanço da oposição em relação às
obrigava os candidatos, no horário da propaganda
eleições de 1970. Em janeiro de 1975, Geisel afrouxou a
eleitoral no rádio e na televisão, a mostrar apenas seu
censura, concedendo liberdade de imprensa ao jornal O
nome, número e currículo; na TV, também poderiam
Estado de S. Paulo, fato que deixou outros veículos mais
mostrar uma foto. Ficaram, portanto, proibidos de
à vontade para fazerem críticas ao regime. No entanto, o
apresentar suas ideias, o que fatalmente prejudicou
avanço da oposição e algumas medidas de liberalização
muito mais os que pleiteavam uma vaga pelo MDB do
eram acompanhadas por retrocessos autoritários condu-
que os que se candidatavam pela situação, a Arena.
zidos pela parcela do governo ligada à “linha dura”: por
exemplo, a violenta repressão ao PCB e a continuidade da
28 No caso de Fiel Filho, ele teria se enforcado com as próprias meias – muito improvável,
pois, quando foi preso, calçava chinelos. Herzog, segundo fontes oficiais, teria se enforcado
27 Nessas eleições, renovou-se apenas um terço dos senadores. com o próprio cinto, mas, quando foi encontrado morto na cela, estava nu.
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história do Brasil • aula 6

Assim, a abertura “lenta, gradual e segura” iniciada


Em abril do ano seguinte, em meio a uma crise
por Geisel mostrava-se segura, sobretudo para os mili-
com o Congresso Nacional – pois deputados e sena-
tares, inclusive para os “duros”. Em dezembro de 1979,
dores do MDB dificultaram a aprovação de algumas
uma nova lei sobre a organização partidária entrava
propostas do governo –, Geisel baixou o Pacote de
em vigor: a Lei Orgânica dos Partidos, que extinguia o
Abril, que criava os “senadores biônicos”, eleitos por
bipartidarismo e estabelecia que o nome de todas as
via indireta, estabelecendo uma flagrante despro-
agremiações deveria começar pela palavra “partido”.
porção da representação na Câmara (os estados do
Obrigar que todas as siglas começasse com a letra P
Nordeste passariam a ter, proporcionalmente, mais
foi uma grande cartada da ditadura, pois, nas últimas
deputados que os do Sul e do Sudeste, regiões onde
eleições legislativas, observara-se um vigoroso avanço
o MDB era mais forte nas urnas), e ampliou o man-
do MDB, simultâneo ao retrocesso da Arena. Voltar ao
dato presidencial de cinco para seis anos. Tanto a Lei
pluripartidarismo era um duro golpe no MDB, pois,
Falcão quanto o Pacote de Abril visavam impedir o
sendo um enorme “guarda-chuva”, sob o qual se agru-
avanço do MDB no Congresso Nacional.
pavam orientações político-ideológicas muito diferen-
tes, unidas pela força da lei e pela oposição à ditadura,
A última medida importante de Geisel antes de era evidente que a oposição se dividiria em diversos
transmitir a faixa presidencial a seu sucessor foi a revoga- partidos e enfraqueceria. Entre as novas agremiações
ção do AI-5, em 11 de dezembro de 1978, restabelecendo surgidas na época, as principais eram:
o direito ao habeas corpus, a liberdade de expressão e
de reunião e a garantia de que o Congresso Nacional • Leonel Brizola, membro histórico do PTB (Partido
não seria mais fechado de acordo com as necessidades Trabalhista Brasileiro), desde os tempos de Vargas
autoritárias do presidente. Faltava pouco para a volta e Jango, queria refundar a sigla; no entanto, uma
da democracia, mas isso não significava que ela seria decisão do Supremo Tribunal Eleitoral concedeu
alcançada sem mobilização social, tampouco que seria a sigla e a legenda PTB a Ivete Vargas, sobrinha--
restabelecida nos meses seguintes. Demoraria ainda -neta do legendário presidente. Brizola, então,
mais de uma década para que se restabelecessem as fundou o PDT (Partido Democrático Trabalhista),
eleições diretas para presidente da República. cuja plataforma política era o trabalhismo à moda
de Getúlio.
• O PMDB (Partido do Movimento Democrático Bra-
Governo de João Batista Figueiredo (15 de sileiro) manteve seu “núcleo duro”, tendo à frente
março de 1979 a 15 de março de 1985) o político paulista Ulysses Guimarães.
• O PP (Partido Popular), de curta existência, abri-
Para surpresa do próprio Geisel, cujo governo gava elementos da elite social do país, sobretudo
enfrentara forte oposição dos “duros”, seu indicado foi ligada aos interesses dos mais ricos. Seu principal
eleito presidente pelo Colégio Eleitoral. João Baptista expoente era o senador mineiro Tancredo Neves.
Figueiredo fora chefe do SNI e pertencia à ala dos Apesar do nome “popular”, o partido representava
“brandos”, representando a continuidade da abertura os interesses conservadores dos que queriam
política. uma transição para a democracia sem sobres-
Em agosto de 1979, com a aprovação do Congresso, saltos, sem medidas populares que pudessem
Figueiredo promulgou a Lei n. 6 683, a qual anistiou impactar negativamente seus interesses.
todos os que, no período de 2 de setembro de 1961 a • Do sindicalismo urbano, muito forte na região
15 de Agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou do ABC29 paulista, de onde surgiu para o cenário
eleitorais ou tiveram seus direitos políticos suspensos, político nacional o torneiro-mecânico Luiz Inácio
bem como os dirigentes sindicais, o que permitiu a volta Lula da Silva, eleito presidente em 2002, nasce
ao país dos exilados políticos (lembra do slogan “Ame-o o PT (Partido dos Trabalhadores). Seu programa
ou deixe-o”?). Entretanto, a Lei de Anistia, como ficou político era diferente daquele defendido pelo
conhecida, perdoava também os crimes de tortura e velho PCB, fundado em 1922, posto na ilegalidade
assassinato praticados por militares durante sua atuação várias vezes, mas que agora voltava ao cenário
como membros das forças policiais de combate à sub-
versão. Essa foi, pois, a razão maior para que ela fosse, 29 Região Metropolitana de São Paulo, onde ficam os municípios de Santo André, São Bernardo
e São Caetano do Sul, entre outros. Trata-se de uma área de forte industrialização, onde se
no dizer do general, “ampla, geral e irrestrita”. organizou, no tempos da abertura, a política de ação sindical.
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história do Brasil • aula 6

partidário brasileiro. O PT, sobretudo no momen- Aliás, em matéria de nome, a Arena tem se esme-
to de sua fundação, abrigava uma ampla gama rado: virou PDS, passou, no início da década de 1990,
de tendências políticas de esquerda, mas evitava a PR (Partido Reformador), em seguida a PPB (Partido
fazer a apologia da URSS (União Soviética), bem Progressista Brasileiro) e depois a PP (Partido Progres-
como de seu ideário comunista-socialista. Entre sista). Estratégia semelhante adotou o PFL (Partido da
essas tendências, havia desde trotskistas30 até Frente Liberal), surgido como dissidência do PDS, nas
a esquerda católica da extinta Ação Popular eleições indiretas de 1985, e que mudou para DEM
(lembra da AP?). Entretanto, atualmente, a maior (Democratas), em 2007. Como se viu no resultado das
parte de seus membros se qualifica como social- eleições de 1982, a estratégia de enfraquecer o MDB
-democrata, que defende o que se pode chamar deu certo, pois o PDS obteve maioria no Senado e na
de capitalismo de face humana, cuja prioridade Câmara dos Deputados.
na condução do governo seria a justiça social Apesar dos lentos avanços em direção à democracia,
mediante políticas de distribuição de renda. com a livre associação partidária e a anistia, durante o
• O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) foi refundado governo de Figueiredo houve novas manifestações da
por Ivete Vargas e abrigava uma gama de políticos “linha dura”, que não estava satisfeita com os avanços
sem uma plataforma claramente delineada, não arquitetados e executados pelos próprios militares, que
podendo, portanto, ser considerado herdeiro também os beneficiou, com a anistia à tortura e com o
político do trabalhismo jango-varguista. enfraquecimento do MDB alcançado pela reforma par-
tidária. Dessa vez, os “duros” recorreram ao que se pode
Folhapress

qualificar como “guerra suja”.

Vidal de Trindade/CPDOC JB
Explosão de bomba mata o sargento Guilherme Pereira do Rosário
e fere gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, quando
Metalúrgicos em greve. São Bernardo do Campo (SP), 1979. ambos pretendiam colocar a bomba no Riocentro, por ocasião o
show em homenagem ao dia do trabalhador, em 1981.
O antigo MDB se fragmentou, portanto, em cinco
forças políticas distintas, diferentemente da Arena, que Houve uma série de atentados terroristas contra
se manteve unida, embora tenha mudado seu nome, pessoas e instituições ligadas à defesa da democracia.
pois tê-lo vinculado ao apoio à ditadura significava Bombas explodiam em bancas de jornais que vendiam
prejuízo político. Deliberadamente, a obrigatoriedade publicações taxadas como “subversivas”, como o jornal
da palavra “partido” no nome e, portanto, da letra P nas O Pasquim. Ao presidente da OAB (Ordem dos Advo-
siglas partidárias impunha abandonar “Arena”, e optou-se gados do Brasil), foi enviada uma carta-bomba que
por PDS (Partido Democrático Social) – uma grande matou sua secretária. Dom Adriano Hypólito, bispo de
contradição, posto que seus fundadores não tinham, Nova Iguaçu (RJ), ligado à ala progressista da Igreja, foi
historicamente, nenhuma afinidade com a democra- sequestrado, bem como o jurista Dalmo Dallari, sendo
cia. Assim como o Partido Popular não era popular, o posteriormente libertados. Entretanto, o atentado de
PDS não era democrático nem social. Os políticos mais maior repercussão foi o praticado no Centro de Con-
conhecidos do PDS e que ainda hoje estão no cenário venções Riocentro, na cidade do Rio de Janeiro, onde,
político brasileiro, agora em organizações distintas, são no dia 30 de abril de 1981, se realizava uma festival
Paulo Maluf e José Sarney. de música com a presença de milhares de jovens, de
tradicionais opositores da ditadura e de artistas com
30 Adeptos das ideias do comunista russo Leon Trótsky, rival de Josef Stálin. histórico de militância contra o regime, como o cantor
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história do Brasil • aula 6

Gonzaguinha. A explosão acidental da bomba no carro sua dívida externa. Assim, quando os EUA aumentam
em que estava sendo transportada, antes de ser posta seus juros, ou seja, quando remuneram melhor os capi-
no local planejado, matou um sargento e feriu grave- talistas que compram seus títulos da dívida pública, os
mente um capitão, ambos do Exército. Para apurar o investidores vendem títulos de países considerados de
incidente, montou-se um IPM (Inquérito Policial Militar) risco e compram os estadunidenses. O objetivo dessa
cuja conclusão, entretanto, atribuiu a autoria do atenta- política de juros era intensificar a crise econômica da
do à VPR, grupo de luta armada contra a ditadura ani- União Soviética, que também sofreria com a escassez
quilado pela repressão em 1972. Muito provavelmente, de capitais, mas, na prática, atingiu em cheio os países
o pedido de demissão de Golbery, ministro-chefe da da América Latina. O México, por exemplo, decretou
Casa Civil do presidente Figueiredo, tenha tido rela- moratória32 em 1982. Apesar de as autoridades brasi-
ção com a manipulação do IPM sobre esse atentado. leiras afirmarem constantemente que o Brasil não era
Apesar de o inquérito ter sido reaberto depois e ter se o México, boa parte dos capitais estrangeiros fugiu
comprovado a autoria de militares ligados ao DOI do do país, pois nossa economia era muito semelhante à
Rio de Janeiro, o Supremo Tribunal Federal, na década mexicana e, na visão dos investidores estrangeiros, se
de 1990, anistiou os envolvidos, apesar de esse crime o México tinha quebrado, o Brasil também quebraria.
ter sido cometido fora do período delimitado pela Lei Nesse contexto, a economia brasileira entrou no pior
de Anistia, como vimos. cenário que se podia imaginar: a estagflação. O PIB para
Do ponto de vista econômico, a administração Fi- de crescer e pode mesmo diminuir, combinando-se
gueiredo encontrou muitas dificuldades. Assim como com inflação, que é o aumento generalizado de preços
no governo Geisel, Mário Henrique Simonsen ocupou, na cadeia econômica. Foi o que aconteceu em 1981,
o ministério da Fazenda, mas renunciou em pouco quando a inflação ficou em 95,2%, e o PIB encolheu
tempo, dadas as dificuldades políticas de implementar 3,1%. Nos anos seguintes, o problema persistiu: o PIB
sua agenda econômica restritiva para conter a espiral caiu em média 1,6% ao ano e a inflação ficou perto de
inflacionária. Para seu lugar, nomeou-se novamente 100% ao ano. Essas sucessivas quedas do PIB também
Delfim Netto, considerado muito competente, uma são conhecidas como recessão. Na tentativa de conter
vez que teria sido o responsável pelo vigoroso cres- a inflação, Delfim Netto tirou moeda de circulação, para
cimento da época do “milagre”, quando o país crescia valorizá-la (seguindo a lei da oferta e da procura), e cor-
mais de 10% ao ano. O cenário econômico externo tou os investimentos do governo às empresas estatais,
era muito complexo, pois havia uma nova onda de que já tinham sofrido o impacto da retirada de grande
valorização do petróleo, no que se convencionou parte dos investimentos estrangeiros. A ideia era conter
chamar “segundo choque do petróleo”, em 1979, o a demanda por consumo, mas o resultado dessa política
que prejudicou o país, ainda muito dependente da gerava desemprego, e os resultados no decréscimo da
importação do produto. Faltavam dólares no Brasil inflação eram pífios. O Brasil precisava de dólares para
para comprar petróleo, e, como já fazia havia décadas, equilibrar sua balança de pagamentos, razão pela qual
o governo precisava recorrer a empréstimos externos o governo incentivou as vendas no mercado externo,
pela emissão de títulos da dívida pública (as ORTN). oferecendo isenção de impostos aos exportadores. Essa
No entanto, diferentemente do que ocorrera no fim política só começou a dar resultados a partir de 1984,
da década de 1960, não havia capitais disponíveis em quando o PIB voltou a crescer, assim como a inflação,
abundância, pois os EUA aumentaram os juros básicos chegando ao fim desse ano a 223%. Em 1983, o Brasil
de sua economia, numa última tentativa de vencer a obteve um empréstimo junto ao FMI (Fundo Monetário
Guerra Fria e levar a União Soviética à bancarrota. Des- Internacional), cujo acordo estabelecia uma série de re-
de a Conferência de Bretton Woods,31 em 1944, os EUA comendações expressas para que o governo contivesse
eram considerados a economia mais sólida do mundo, seus gastos e comprimisse os salários, de modo que
para onde afluíam os capitais em momentos de crise, houvesse recursos financeiros suficientes para pagar
quando países mais frágeis ameaçavam dar o “calote” não a dívida externa, mas apenas seus juros: pagava-se
em seus credores, isto é, quando não conseguiam pagar pelo direito de continuar devendo!
31 Conferência internacional realizada em 1944, na qual se delineou a hegemonia financeira
estadunidense no mundo, pois, além da criação do FMI e do Banco Mundial, estabeleceu-se
o dólar como padrão de troca internacional, em substituição ao ouro. 32 Quando o país não consegue honrar seus compromissos financeiros externos.
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história do Brasil • aula 6

Entretanto, Aureliano Chaves, avesso à candidatura de


Fique esperto! Maluf, arquitetou a fundação de um novo partido, o
PFL (Partido da Frente Liberal).33 Com ele, deixaram o
É muito comum sociólogos e economistas se partido e migraram para o PFL o senador Marco Maciel
referirem ao decênio de 1980 no Brasil e na Améri- e o próprio presidente do PDS, José Sarney, que já fora
ca Latina como a “década perdida”. Isso se deve ao governador do Maranhão indicado pelos militares. Com
fato de a inflação, o aumento substancial da dívida o intuito de derrotar Maluf nas eleições, o PFL se aproxi-
externa e o pífio crescimento da economia terem mou do PMDB para formar a Aliança Democrática, pela
provocado o sucateamento ainda maior do serviço qual os dois partidos lançariam uma candidatura forte à
público, decorrente da falta de investimento em presidência. Dessa aliança surgiu a chapa Tancredo Ne-
áreas sociais, concentrando a renda e causando o ves, recém-reincorporado ao PMDB, dada a extinção do
empobrecimento de parcelas da população. PP, para presidente, e José Sarney, do PFL, como vice. Foi
bastante difícil para algumas lideranças do PMDB aceitar
a permanência de Sarney, que apoiara a ditadura, numa
Paralelamente a essa turbulência econômica, chapa eleitoral. Tancredo Neves, conhecido por seu perfil
organizava-se no país uma gigantesca campanha conciliador, foi o maior responsável pela compatibiliza-
pelas eleições diretas para presidente da República. ção de forças políticas opostas, para evitar que a antiga
As Diretas-Já, como ficou conhecida, teve início em Arena, representada por Maluf, viesse a governar o país.
1983, lançada pelo então senador Teotônio Vilela e O que ninguém esperava é que Tancredo Neves, após
abraçada por quase toda a sociedade brasileira. O vencer as eleições indiretas, morresse,34 e o cargo fosse
deputado do PMDB do Mato Grosso Dante de Oliveira transmitido ao vice, Sarney, ex-chefão da Arena.
foi o responsável pela apresentação, no Congresso
Nacional, da Emenda Dante de Oliveira, que propunha
o restabelecimento de eleições diretas no país. Em 25
de janeiro de 1984, um comício com aproximadamente Exercícios
um milhão de pessoas na praça da Sé, no centro de São
Paulo, reuniu as principais lideranças políticas e muitos 1. (UNICAMP) A imagem a seguir retrata a cena de um
artistas em favor da volta da democracia. Contudo, período recente da História do Brasil.
apesar do clamor popular, no dia 26 de abril de 1984, a
Emenda Dante de Oliveira, que precisava de maioria de
dois terços dos votos dos deputados, não foi aprovada.
Ainda que tivesse sido sancionada na Câmara, certa-
mente não passaria pelo Senado, onde o PDS detinha
maioria absoluta. Assim, a ditadura acabou em 1985,
mas a escolha do presidente da República não foi por
eleição direta. A redemocratização, portanto, ocorreu
sem se democratizar o processo de escolha do manda-
tário máximo da nação.

As eleições indiretas de 1985 e o a) Qual o regime político vigente no Brasil nesse


surgimento do PFL período?
b) Considerando a imagem, cite três características
Três políticos de destaque no PDS almejavam ser o
desse regime político.
candidato do partido à presidência da República. Paulo
Maluf, que já fora prefeito e governador de São Paulo;
Aureliano Chaves, que era o vice-presidente da Repú-
blica; e o coronel Mário Andreazza, ministro do Interior 33 O PFL também mudou de nome: desde 2007, chama-se Democratas, quando se passou
a presidência do partido para a ala jovem, cujo maior expoente é Rodrigo Maia, filho do
da administração Figueiredo. O PDS precisou promover ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia.
34 Muitas lendas cercam a morte de Tancredo, mas o fato é que ele tinha câncer no intestino
eleições prévias, e o candidato escolhido foi Paulo Maluf. e sofria com terríveis dores. Após uma cirurgia para extração de tumores, contraiu
infecção generalizada e morreu.
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história do Brasil • aula 6

2. (CESGRANRIO) O processo de redemocratização 3. (FGV) Associe corretamente, numa única alterna-


brasileiro, no final da década de 1970, combinou tiva, as duas colunas a seguir:
pressões da sociedade civil e a estratégia de distensão/
abertura do próprio regime militar, como pode ser Ato Institucional n. 5 Governo Geisel
I 1
(AI-5) (1974-1979)
observado na(no):
a) vitória do movimento popular das “Diretas Já”, per- PAEG (Plano de Ação Governo Figueiredo
II 2
mitindo eleições gerais diretas em 1982. Econômica do Governo) (1979-1985)
b) concessão de anistia “ampla, geral e irrestrita”, por
Governo Costa e
lei de iniciativa do governo, mas que excluía as III “Milagre Brasileiro” 2
Silva (1967-1969)
principais lideranças ligadas ao governo derrubado
em 1964. Governo Castelo
IV “Pacote de Abril” 4
Branco (1964-1967)
c) total autonomia do movimento sindical, forçada
pelas greves do ABCD paulista. Governo Médici
V Lei de Anistia 5
d) revogação dos Atos Institucionais, por iniciativa do (1969-1974)
governo, após negociação com setores representa-
tivos da sociedade civil. a) I-1, II-2, III-3, IV-4, V-5.
e) “pacote de abril” de 1977, que transformou o Con- b) I-2, II-3, III-4, IV-5, V-1.
gresso Nacional em Assembleia Constituinte. c) I-3, II-4, III-5, IV-1, V-2.
d) I-4, II-5, III-1, IV-2, V-3.
e) I-5, II-1, III-2, IV-3, V-4.
Estudo orientado
4. (FUVEST) Sobre o fim do período militar no Brasil
(1964-1985), pode-se afirmar que ocorreu de forma:
1. (UNICAMP) O movimento das Diretas-Já em 1984
a) conflituosa, resultando em um rompimento entre as
chegou a reunir centenas de milhares de pessoas na
forças armadas e os partidos políticos.
praça da Sé, em São Paulo, e em outras cidades do
b) abrupta e inesperada, como na Argentina do general
Brasil. Ao final de cada comício, cantava-se o Hino Galtieri.
Nacional, que expressava o descontentamento da c) negociada, como no Chile, entre o ditador e os par-
sociedade civil com o regime político, cada vez mais tidos na ilegalidade.
antipopular e deslegitimado. d) lenta e gradual, como desejavam setores das forças
a) O que foi o movimento Diretas-Já? armadas.
b) De que maneira o Hino Nacional, cantado nas praças e) sigilosa, entre o presidente Geisel e Tancredo Neves,
públicas, marcava uma nova relação entre o Estado à revelia do exército e dos partidos.
e a nação?

2. (UNIRIO) No período em que o Brasil foi dirigido roda de leitura


por governos militares, a decretação do AI-5 (Ato
Institucional n. 5) representou um “endurecimento” O caso dos generais
do regime instalado em 1964, que pode ser explicado
pela(s): Para seus defensores, era Movimento Revolucio-
a) inquietação dos setores militares favoráveis à nário 31 de março. Para os críticos, Quartelada de 1o
redemocratização. de abril. Os primeiros acham que salvaram o Brasil de
b) ação dos grupos de oposição, que trocaram a luta uma maré montante esquerdista, perfeitamente visí-
armada pela oposição parlamentar ao regime. vel no governo João Goulart, por meio da qual o país
c) crise decorrente do impedimento do presidente seria irremediavelmente comboiado em direção a um
Costa e Silva. sistema de governo socialista ou, pior ainda, a uma
d) crise econômica resultante do esgotamento do guerra civil. Já os adversários dos militares acham que
milagre brasileiro. o mais notável do governo dos fardados é que o Brasil
e) crescentes manifestações oposicionistas de líderes foi privado da democracia e a repressão se instalou
políticos, estudantes e intelectuais contra o regime. no país, chegando às câmaras de tortura, apoiadas
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história do Brasil • aula 6

por parte da corporação como forma de combater dez anos e, por ironia, só começou a ser resolvida pelo
as organizações terroristas. Quinze anos depois do presidente Fernando Henrique Cardoso, forçado ao
fim da ditadura militar, o que se conclui sobre aquele exílio pela Revolução.
período é que ele foi uma zona de contradições. Os Os generais tiveram muito tempo para pensar.
militares de fato conseguiram modernizar. Construí- Hoje, quando se conversa com eles, o que se nota é
ram estradas, hidrelétricas, estimularam fortemente frustração, entre outros sentimentos. A missão que se
a indústria nacional. Mas todo o avanço ficou aquém autoatribuíram não foi cumprida. Talvez tenham per-
dos sonhos daqueles que dirigiam o país a partir da cebido também que não são superiores em nada aos
força de suas estrelas. Os generais remanescentes homens comuns. Nem em habilidades profissionais, em
daquela fase da história nacional ilustram de certa questões morais ou em amor pela pátria. É praticamente
forma aquilo que ficou do regime. certo que a autoimagem dos que governaram durante
Durante os últimos dois meses, Veja conversou com o regime de 64 foi de alguma forma abalada. E que o
catorze dos mais importantes generais do regime de isolamento em que esses homens vivem seja em parte
64. São homens que estão chegando ou já chegaram justificado pelo fato de que a Revolução não é bem-vista
à linha dos 80 anos, desligaram-se da vida pública há pela maioria esmagadora dos brasileiros. Ao deixar
tempos e, na maioria, vivem de forma reclusa. Há várias o poder, o último presidente militar, João Baptista de
notas comuns entre eles, além da farda que vestiram Oliveira Figueiredo, disse uma frase grosseira, bem ao
no passado. São pessoas tristes, como tantos velhos. seu estilo de cavalariano. “Quero que me esqueçam”,
Têm poucos amigos. Seu padrão de vida é bom, mas afirmou Figueiredo quando um jornalista lhe perguntou
nenhum deles é rico. São senhores de classe média, o que mensagem gostaria de passar aos brasileiros na
que desmente a impressão comum durante a ditadura hora em que se afastava da presidência. Por ironia, as
de que a Revolução produziu enormes negociatas e pessoas estão mesmo esquecendo as coisas boas que o
alguns chefões militares milionários (e corruptos). Os regime militar fez. Mas as coisas más continuam vivas.
generais aposentados pensam no regime que ergueram Fala-se no milagre econômico dos anos 70 como uma
e sustentaram durante 21 anos e são críticos a respei- preparação da crise econômica que viria, um prelúdio do
to do que fizeram. Nenhum grupo ou pessoa – nem desastre. Lembra-se dos mortos, torturados e desapare-
mesmo o imperador Pedro II – teve tanto poder para cidos. Há a lembrança, correta, de que muitos militares
realizar um projeto no Brasil. Os militares tiveram tudo. abusaram da farda para conseguir emprego, furar fila
Sufocaram a oposição e tinham um flexível instrumento e estacionar o carro em lugar proibido.
jurídico, o Ato Institucional n. 5, que os livrava de obe- Entende-se, por tudo isso, que essa gente se tenha
decer à Constituição. Censuravam livros, imprensa, TV, recolhido. E que muitos dos que foram poderosos há
teatro e cinema. Podiam contratar os técnicos que bem vinte ou trinta anos cheguem agora aos 80 anos com
entendessem, redigiam seus orçamentos sem nenhum pontos de drama em sua vida. O primeiro presidente
palpite do Congresso e nomeavam governadores como do ciclo de 64 foi o marechal Humberto de Alencar
se contratassem capatazes de fazenda. Castello Branco, um oficial intelectualizado que
Tinham dinheiro, pois os empréstimos internacio- governou por pouco menos de três anos. Naquele
nais eram fáceis e baratos em sua época. Sobretudo, tempo, até os militares achavam que sua intervenção
tinham a ideia bem definida de transformar o Brasil seria passageira. Castello Branco morreu quatro me-
numa potência capitalista do primeiro escalão, com ses depois de afastar-se do governo, em um acidente
influência política internacional. Não conseguiram. aéreo. O último presidente, o general Figueiredo, uma
Eles imaginavam que seus dotes de quartel, como pessoa carrancuda, mais chegada a cavalos de raça
trabalho duro, objetividade, respeito hierárquico, do que a livros, governou seis anos, numa época em
pensamento lógico, hábito de planejamento, discipli- que já não havia razão, ou sentido, para um governo
na, espírito de corpo, os qualificariam como gerentes militar. A Guerra Fria estava terminando, e o Brasil
superiores. Erraram. Quando a ditadura se encerrou, tinha perdido todo o empuxo econômico.
em 1985, o Brasil era um país diferente, mais rico, João Figueiredo fará 82 anos em janeiro e é um
mais moderno, mas estava longe de ser potência homem muito doente. Começa a esquecer pessoas
política ou econômica. Não por culpa dos civis, mas e fatos. Raramente sai de seu apartamento no lu-
dos gerentes militares, o país mergulhou a seguir xuoso condomínio Praia Guinle, em São Conrado,
numa de suas piores crises econômicas. Que durou no Rio de Janeiro, onde vive com a mulher, Dulce,
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história do Brasil • aula 6

na companhia de alguns seguranças e enfermeiras. uma cirurgia espiritual, feita por um médium que diz
Só recebe visitas dos filhos Paulo e João ou do irmão incorporar o espírito do “Doutor Fritz”, o mesmo que
Diogo, também general da reserva. O general sempre movia o falecido Zé Arigó. Não adiantou. O general
levanta por volta das 8 da manhã. Já não pode ler ou também está com problemas financeiros. Há pelo
escrever. De manhã, ele mata o tempo assistindo à TV, menos quatro anos tenta vender uma propriedade
esperando a hora do almoço. Um segurança lhe faz a que possui em Petrópolis, o Sítio do Dragão, mas não
barba apenas duas ou três vezes por semana. Almoça acha comprador. Já vendeu objetos de valor ganhos
sempre um prato leve preparado pela mulher e, no na época em que era presidente da República e acei-
começo da tarde, volta a dormir. Até os passeios de tou doações de amigos para pagar o tratamento
carro que fazia à tarde na orla do Rio entre os bairros médico. Figueiredo recebe aposentadoria do Exército
de São Conrado e a Barra escassearam. de 6 000 reais por mês, além da de ex-presidente, de
Em nada se parece com o homem atlético que 8 500. Ele se trata por um plano de saúde privado e
montava cavalo, fazia ginástica e posava de sunga quer distância dos hospitais públicos, que não con-
para fotografias à beira da piscina. Sua hérnia de sidera confiáveis.
disco, que adquiriu na prática da equitação, limita A última aparição pública de Figueiredo ocorreu
seus movimentos. Ele só caminha amparado por um há quatro meses. A convite de quinze amigos, o
segurança ou um enfermeiro. Perdeu 70% da visão. ex-presidente almoçou na churrascaria Oásis, no
Sofre de incontinência urinária. Seus rins não funcio- Rio, perto de onde mora. Estavam lá alguns de seus
nam bem e toda noite, enquanto dorme, se submete antigos colaboradores, como os ex-ministros Nestor
a hemodiálise peridural, o que o obriga a permanecer Jost, da Agricultura, Alfredo Karam, da Marinha,
com um cateter preso ao ventre durante o dia. Há duas e Ernane Galvêas, da Fazenda, e o ex-presidente
semanas, foi internado pela segunda vez neste ano da Caixa Econômica Federal Gil Macieira. Ele não
na Casa de Saúde São José, no Rio, para uma bateria deixará nenhum testemunho sobre sua vida. Há
de exames. No quarto 815 do hospital, poucos foram pouco tempo, os amigos Antonio de Oliveira Santos,
visitá-lo. Apenas o irmão Diogo, os filhos, a mulher e presidente da Confederação Nacional do Comércio,
dois ou três amigos. O general está só. Está esquecido, e Ernane Galvêas tentaram convencê-lo a gravar um
como havia pedido aos brasileiros. depoimento sobre o tempo em que ficou no governo.
Em vários sentidos, o sofrimento do ex-presidente Ele concordou, chegou a gravar algumas fitas, mas
comove. Figueiredo foi um bom oficial, nunca teve jeito desistiu e destruiu todo o material que tinha gravado.
para ditador, de certa maneira é um homem modesto, “Agora, não há mais tempo. Ele começou a se esque-
teve a ambição de ser querido pelas pessoas e, afinal, cer de coisas”, disse Galvêas.
entregou o governo a um civil (Tancredo Neves) que lhe Como fato histórico, o movimento militar de 64 é
fazia oposição. Pôs fim à ditadura que ajudou a criar e uma conta ainda não encerrada. A seu respeito, muitas
saiu de cena. Faltavam-lhe vocação e legitimidade para coisas precisam ser pesquisadas e esclarecidas pelos
exercer a presidência. Além disso, para alguém com sua historiadores. E, por sua proximidade no tempo – a
responsabilidade, foi um péssimo fazedor de frases. maioria de seus protagonistas ainda vive – , é difícil
Certa vez, disse que preferia o cheiro de cavalos ao do julgar isso e aquilo com isenção. Mas algumas coisas
povo. De outra, falou que “quem não quiser a abertura, podem ser afirmadas com certeza. Os militares brasilei-
eu prendo e arrebento”. Essas frases, evidentemente, ros sempre se julgaram possuidores do direito de tolerar
não poderiam ser tomadas em seu sentido literal. Mas ou vetar atos políticos praticados pelos paisanos. Veta-
foram ditas num momento em que os brasileiros so- ram e exilaram o imperador em 1889. Deram um fim à
friam com o fracasso econômico e simplesmente não República Velha em 1930, trocando o presidente eleito,
suportavam mais os governos militares. Júlio Prestes, pelo candidato derrotado, Getúlio Vargas.
Era inevitável que tivesse saído do governo como Depuseram o ditador Getúlio, em 1945, e contribuíram
saiu, sem um pingo de prestígio político, sem nenhum ativamente para o fim de seu segundo governo, este
reconhecimento. São impressionantes as coisas que eleito democraticamente, em 1954. Atazanaram a vida
acontecem atualmente com o homem que atingiu dos presidentes civis que se seguiram. Mas foi só no
o topo da casta militar e governou o país por tanto ambiente de radicalização política da época de João
tempo. Há dois anos, desesperado com o problema da Goulart que os militares mudaram a prática.
hérnia, apelou para o curandeirismo. Submeteu-se a Em 1964, decidiram não apenas substituir um
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história do Brasil • aula 6

paisano por outro. Eles próprios assumiram o coman- como a contenção dos gastos públicos, para evitar a
do. Em contraste com o que veio depois, o marechal inflação, e do endividamento externo. Mas para que
Castello Branco foi um brando reformador. Do ponto frear a máquina, se ela estava correndo, dava empre-
de vista econômico, suas reformas foram boas. Em seu gos, exibia progressos – e tudo isso escondia a falta
governo foram criados o Banco Central, o mercado de eleições e todos os outros defeitos revolucionários?
aberto para os títulos públicos e o Banco Nacional da Economicamente, o regime de 64 encerrou-se em 1981,
Habitação, o BNH. A inflação foi controlada. Segundo com a crise da dívida. Politicamente, foi liquidado em
historiadores, Castello pretendia promover eleições 1982, com a primeira eleição direta para governadores.
diretas após a intervenção. Só que era uma época Os militares nunca fizeram questão de adular eleitores.
de divisão aguda entre capitalismo e comunismo, e Figueiredo foi o único que tentou, e não conseguiu.
a guerra entre as duas correntes se dava tanto nas Desprezavam os políticos tradicionais. Por isso não
selvas do Vietnã quanto nas ruas de Paris. Os mili- podiam mesmo voltar à política nos braços do povo,
tares ficaram, com uma diferença. Além de financiar como aconteceu com Getúlio. Restou-lhes tempo e o
empresas, fortalecer estatais, tomar empréstimos ex- sofá de casa, para reflexão.
ternos para estimular o desenvolvimento econômico, Leonel Rocha, 15 dez. 1999.
Disponível em: http://veja.abril.com.br/151299/p_050.html
iriam também surrar a oposição. De várias maneiras.
(acesso em: 18 jul. 2011)
Nos casos mais simples, cassando os direitos políticos
dos opositores ou decretando sua aposentadoria nos
Reflita: o ex-presidente Figueiredo morreu nove dias
cargos públicos. Nos casos mais graves, sua ala mais
após a publicação dessa matéria, no dia 24 de dezembro
radical prendeu, torturou, matou.
de 1999. Já o ex-presidente Ernesto Geisel, também cita-
É pela marca da “linha dura” que se conhecerá o
do na matéria, morreu no dia 12 de setembro de 1996.
período de sete anos durante o qual governaram dois
Será que todos os militares que fizeram parte do governo
outros militares, o marechal Artur da Costa e Silva
ditatorial já morreram, como os presidentes da época? E
(que morreu de trombose em 1969) e o general Emílio
os políticos civis que deram apoio à ditadura por meio
Garrastazu Médici, falecido em 1985. O sucessor de
da Arena e também fora dela, será que já morreram?
Médici foi Ernesto Geisel, pertencente a uma outra
família – esta disposta a acabar com a tortura e iniciar
a distensão política. Como queria Geisel, a abertura pesquisar e ler
política seria lenta. Foi lentíssima. Durou dez anos.
Na forma e na prática, a ditadura de 64 foi diferente Frei Beto. Batismo de sangue: guerrilha e morte de
de outras que se espalharam pelo mundo. Nenhum Carlos Marighella. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. Exce-
de seus chefes quis permanecer indefinidamente no lente reflexão sobre como conciliar o cristianismo com
Planalto. Davam ao seu revezamento uma aparência a esquerda revolucionária, ou pelo menos como isso
de legitimidade – eram empossados pelo voto de um aconteceu para Frei Beto.
colégio eleitoral. O Congresso foi fechado, mas por Heloisa Buarque de Holanda e Marcos A. Gonçalves.
períodos breves. Os políticos de oposição podiam ao Cultura e participação nos anos sessenta. São Paulo: Bra-
menos fazer discursos, embora se arriscassem a perder siliense, 1982. Obra que dá uma visão panorâmica sobre
o mandato. Os militares que torturaram não foram a história da ditadura brasileira.
punidos, e a probabilidade é de que nunca se saiba Luciano Oliveira. Do nunca mais ao eterno retorno:
quem eram e quantos eram. Mas também não subi- uma reflexão sobre a tortura. São Paulo: Brasiliense, 1994.
ram na carreira. A tortura e o assassinato não foram Mais uma obra sintética sobre outro importante aspecto
digeridos entre os colegas de arma, e é compreensível da ditadura – a tortura.
que muitos se envergonhem até hoje dessa mancha. Zuenir Ventura. 1968, o ano que não terminou. Rio
A revolução perdeu o rumo econômico na segunda de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. Excelente livro sobre
metade da década de 70. Por essa época, investimen- a escalada de tensões que levaram ao AI-5.
tos pesados já estavam feitos na infraestrutura do
país (nos setores de energia e de telecomunicações, ver e ouvir
por exemplo), e a indústria leve, de consumo, estava
suficientemente preparada para uma abertura econô- “Saudosa maloca”, de Adoniran Barbosa. Foi a música
mica. A prudência recomendava essa abertura, assim cantada pelos estudantes da Faculdade de Filosofia da
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história do Brasil • aula 6

USP quando viram o prédio, ainda na região central de Terra em transe (direção: Glauber Rocha, Brasil, 1967).
São Paulo, destruído após o “quebra-quebra da Maria Outro filme de Glauber Rocha, para o qual vale o que foi
Antônia”. dito sobre o anterior.
“Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque. Foi a música Lamarca (direção: Sérgio Rezende, Brasil, 1994). Nar-
vencedora do Festival da Canção realizado em setem- ra os últimos quatro anos da vida do capitão Lamarca:
bro de 1968, no Maracanãzinho (Rio de Janeiro, RJ). desde a deserção do Exército levando armas e munição
Contudo, Tom Jobim não conseguiu cantá-la, depois de para combater a ditadura, até sua execução na Bahia em
confirmada sua vitória, pois as vaias da plateia eram en- 1971, pelas forças de repressão da ditadura.
surdecedoras. Não que “Sabiá” ou seu interprete fossem
ruins, todos na plateia sabiam que não. Tratava-se de um O que é isso, companheiro? (direção: Bruno Barreto,
protesto contra a derrota da música citada a seguir, de Brasil, 1997). Baseado no livro homônimo de Fernando
Geraldo Vandré. Gabeira, trata do sequestro do embaixador estaduni-
dense Elbrick no fim dos anos 1960.
“Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo
Vandré. Essa música se transformou num hino da juven- Ação entre amigos (direção: Beto Brant, Brasil, 1998).
tude revolucionária, que emociona muita gente até hoje. Muitos anos depois de ter lutado juntos contra a ditadu-
Além de melodia e letra muito bonitas, a música tinha, e ra, um grupo de amigos se reencontra e reconhece um
tem, forte conteúdo político, pois conclamava as pessoas de seus torturadores. O que devem fazer?
a se unirem no combate ao autoritarismo. AI-5, o dia que não existiu (direção e roteiro: Paulo
“Carcará”, de Chico Buarque. Em dezembro de 1964, Markun, Brasil, 2004). Excelente trabalho do jornalista-
essa música fazia parte de um espetáculo teatral, espécie -documentarista Paulo Markun, que tentou reconstituir a
de musical, intitulado Teatro Opinião. Nele, Nara Leão sessão na Câmara dos Deputados do dia 12 de dezembro
cantava “Carcará”, a história de um pássaro que “pega, de 1968, um dia antes do AI-5, que fechou o Congresso.
mata e come”, ruim como a ditadura. Essa música pas- Zuzu Angel (direção: Sérgio Rezende, Brasil, 2006).
sou a ser, no início da ditadura, a identidade ideológica O filme conta a história da estilista Zuleika Angel, resi-
daqueles que estavam chocados com os primeiros casos dente no Brasil, que viu seu filho Stuart se envolver na
de tortura, que começavam a espocar na imprensa. luta contra a ditadura. Apesar de não concordar com
“Roda viva”, de Chico Buarque. Música composta em a luta, Zuzu encampa a defesa de seu filho. É possível
1967, para fazer parte da peça teatral Roda viva, vista observar o terrorismo de Estado na postura dos militares
hoje como manifestação do tropicalismo no teatro. Para apresentados no filme.
chocar o público, ao menos nas encenações dirigidas por O ano em que meus pais saíram de férias (direção:
José Celso Martinez, os atores atiravam gotas de sangue Cao Hamburger, Brasil, 2006). A luta armada contra a
na plateia e até pedaços de fígado bovino, para fazê-la ditadura é vista a partir do olhar de uma criança. Assim
sair da previsível rotina alienante e conformista com a como no filme A vida é bela, de Roberto Benigni, que re-
situação política do país, numa clara alusão ao sangue trata a participação italiana na Segunda Guerra Mundial
derramado pela ditadura na repressão a seus opositores. sob a ótica infantil, com sua docilidade e simplificação
Na temporada paulista da peça, o Teatro Ruth Escobar características, reconstitui de forma peculiar grandes
foi invadido e depredado pelo Comando de Caça aos tragédias da história. A fórmula também deu certo no
Comunistas (CCC). Parte do elenco foi espancado, con- filme de Cao Hamburger.
forme informa matéria do Jornal do Brasil.35
Deus e o diabo na terra do sol (direção: Glauber Rocha, Batismo de sangue (direção: Helvécio Ratton, Brasil,
Brasil, 1964). Esse filme integra o movimento cinematográfi- 2007). Filme sobre tortura nos porões da ditadura. Boa
co do Cinema Novo, cujo maior expoente foi Glauber Rocha. adaptação do livro homônimo.
Essa cultura cinematográfica foi uma das influências do
movimento tropicalista. Sua linguagem é muito diferente Pra frente Brasil (direção: Roberto Farias, Brasil, 1983).
da que se pratica hoje, pois, naquela época, a preocupação Em 1970, na euforia do milagre econômico e da vitória
maior era o engajamento político, não a bilheteria. da seleção brasileira na Copa do mundo, um cidadão de
classe média (Jofre Godoi da Fonseca) é confundido com
35 Disponível em: http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernob/2004/06/12/jor-
cab20040612001.html (acesso em: 12 ago. 2010). um ativista político, preso e torturado por um grupo que
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história do Brasil • aula 6

combate “subversivos” com patrocínio de empresários. Não é só conhecer a tortura, temos que saber
Sua mulher e seu irmão investigam seu desaparecimento como foi negociado o acordo nuclear com a Alema-
e não têm apoio da polícia. nha, como foi feito e o que foi decidido para debelar a
inflação no começo dos anos 80. Qual a política, quais
navegar decisões e como foram feitas as grandes obras, como
a ponte Rio-Niterói ou a rodovia Transamazônica.
www.marciomoreiraalves.com.br – muito material Tudo isso está guardado e precisa aparecer.
sobre a atuação política desse deputado. Carlos Fico Disponível em: http://ultimosegundo. ig.com.
br/politica/arquivos+da+ditadura+vao+alem+da+tortura+diz
www.franklinmartins.com.br – muito material sobre +professor/n1237952107604.html (acesso em: 1 jun. 2012)
a ditadura e a história recente do país.
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), de-
www.desaparecidospoliticos.org.br – muita docu- fendeu a manutenção do sigilo eterno sobre documentos
mentação e informações sobre as maiores vítimas do considerados ultrassecretos. [...] Na visão de Sarney, a
autoritarismo da ditadura instaurada em 1964 no Brasil. abertura de documentos históricos pode “abrir feridas”
www.memoriasreveladas.gov.br – trata-se de um do passado: “Os documentos históricos que fazem parte
site governamental com muita documentação sobre o da nossa história diplomática, do Brasil, e que tenham
período analisado nesta aula. articulações, como o Rio Branco teve que fazer muitas
vezes, não podemos revelar esses documentos, senão
ágora vamos abrir feridas”. Ele afirmou que é preciso manter o
segredo para “preservar” o Brasil.
A seguir, trechos da campanha lançada pela OAB-RJ Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/radar-
(Ordem dos Advogados do Brasil) pela abertura dos politico/2011/06/13/sarney-defende-sigilo-eterno-de-
-documentos-para-nao-abrir-feridas/ (acesso em: 1 jun. 2012)
arquivos da ditadura.
Discuta com seus colegas: os arquivos da ditadura
“Sou Sônia de Morais Angel, professora e econo- devem ser abertos? Qual é a importância da publicação
mista”, diz, na TV, Fernanda Montenegro. “Em 1973, desses documentos para o Brasil?
fui presa e brutalmente torturada e assassinada. De
mim, só restaram os ossos”. Em outro filmete, Eliane
Giardini é a professora Ana Rosa Kucinski: “Em 1974, senha
eu e meu marido fomos presos no centro de São
Paulo. Nossas famílias esperam notícias até hoje”, Vivemos esperando dias melhores
diz ela. Glória Pires é Helena Guariba: “Professora Dias de paz
universitária e diretora de teatro. Fui presa em 1970 Dias a mais
e brutalmente torturada. Depois de solta, fui presa Dias que não deixaremos para trás
novamente e, desde, então, estou desaparecida”. Vivemos esperando
José Mayer interpreta David Capistrano: “Jornalista O dia em que seremos melhores
e dirigente político. Desapareci entre o Rio Grande do Melhores no amor
Sul e São Paulo. Minha família nunca mais soube de Melhores na dor
mim”. O ator Mauro Mendonça diz: “Eu sou Fernando Melhores em tudo
Santa Cruz, líder estudantil. Fui preso numa rua do Rio
de Janeiro em 1974 e levado para São Paulo. Minha Vivemos esperando
família nunca mais soube de mim”. E Osmar Prado: O dia em que seremos
“Sou Maurício Grabois, militante político. Desapareci para sempre
no Natal de 1973, quando comandava a Guerrilha do Vivemos esperando
Araguaia. São mais de 30 anos sem saberem de mim”. Dias melhores pra sempre
Todas as falas terminam sempre com a seguinte frase: Dias melhores pra sempre
“Será que essa tortura nunca vai acabar?” Os artistas
nada cobraram pela participação na campanha. Rogério Flausino36
Disponível em: http://congressoemfoco. uol.com.br/
noticias/manchetes- anteriores/oab-rj-lanca-campanha-por- 36 Disponível em: www.vagalume.com.br/jota-quest/dias-melhores.html (acesso em: 1
abertura-dos-arquivos-da-ditadura (acesso em: 1 jun. 2012) jun. 2012)
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gabarito
aula 4

1. a

2. a

3. c

4. d

5. c

6. d

aula 5

1. c

2. c

3. a

4. e

aula 6

1.
a) Foi um movimento popular conduzido, sobretudo
por passeatas e comícios em grandes centros ur-
banos, para implantar eleições diretas para presi-
dente da República. Reivindicava-se a aprovação da
Emenda Dante de Oliveira, que tinha esse objetivo.
Entretanto, o Congresso Nacional não cedeu ao cla-
mor popular e votou contra a aprovação da Emenda.
b) O Estado é composto de instituições permanentes que
permitem governar o país como as Forças Armadas,
o Congresso, as empresas estatais etc. Já a nação é
o povo, são as pessoas que vivem naquele território
onde o Estado exerce sua autoridade. Na ditadura, o
patriotismo – ou ufanismo – foi algo imposto ao povo,
como forma de propagandear o governo autoritário.
Na campanha pelas diretas, cantar o Hino Nacional era
um símbolo do patriotismo, mas ligado ao civismo e
ao clamor por liberdades democráticas.

2. e

3. c

4. d
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