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A perspectiva wesleyana 37

outros semelhantes) os cristãos são advertidos e admoesta-


dos acerca dos que visivelmente ainda não conheceram a es-
piritualidade, a perfeição ou a liberdade de que devem e
poderiam apossar-se pela graça disponível a eles como filhos
de Deus.
O chamado a essa vida de libertação da velha natureza re-
belde e o chamado concomitante à liberdade para servir a
Deus e aos outros de todo o coração são centrais na obra e na
pregação apostólica. Paulo escreve:

E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas,


outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o
fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o
corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade
da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturi-
dade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. (Ef 4.11-13)

As últimas frases designam um ideal (ou objetivo) maravi-


lhoso da vida cristã, e a tarefa principal do líder é trabalhar
constantemente para levar todos os crentes a cumprir esse
ideal. Paulo também afirma que a tarefa do ministro de Cristo
é "que apresentemos todo homem perfeito em Cristo" (Cl 1.28).
O apóstolo fala de si mesmo como alguém que "noite e dia"
insistia em "suprir o que falta à sua fé" (ITs 3.10). João alude
às próprias expectativas quanto aos crentes quando declara
"

que o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo peca-


do" (IJo 1.7). Em IJoão 3.8 lemos: "Para isso o Filho de Deus
"

se manifestou: para destruir as obras do Diabo Essa afirma- .

ção é fundamental para a compreensão bíblica do plano de


Deus e do propósito da salvação, principalmente com respei-
to às conotações morais, éticas e existenciais dos versículos
que cercam esse texto. Esses e muitos outros textos ilustram
"

e expandem estas palavras de Jesus: Digo-lhes a verdade:


Todo aquele que vive pecando é escravo do pecado [...] Por-
tanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres" (Jo 8.34-
36). O chamado à santidade e ao amor esperados da vida cristã
é veemente e inquestionável. O ministério do evangelho deve
levar os crentes à plenitude das promessas bíblicas.
A doutrina bíblica sobre a criação do homem à "imagem" e
" "
semelhança de Deus (Gn 1.26,27) é outro tema que reforça e
legitima o interesse wesleyano pela libertação do pecado e pelo
poder correspondente de transformar esse homem em since-
f ®1987 de Stanley Gundry, Meilin E. Dieter, Anthony Hoekema,
, Stanley M.
Horton, J. Robertson McQtiilkin, John F. Walvoord
Título do original
Vida Five Views on Sanctification,
edição publicada por
ZONDERVAN PUBUSHING HOUSE
(Grand Rapids, Micliigan, EUA)

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por


Editora Vida

Proibida a reprodução por quaisquer meios,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


Nova Versão Internacional (NVI),
©2001 , publicada por Editora Vida,
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www.vidaacademica.net Capa: Marcelo Moscheta

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Cinco peispectivas sobre a santificação / organizado por Stanley Gundry ;


tradução Pedro Wazen de Freitas, - São Paulo : Editora Vida, 2006. (Coleção
debates teológicos)

Título original: Five views on sanctification


Víírios autores.
Bibliografia.
ISBN 85-7367-815-1

1 .
Santidade 2, Santificação - Ensino bíblico 3.Vidactistã I. Gundry,
Stanley N.

06-2504 CDD-234.8

índice para catálogo sistemático


1 . Santificação : Salvsiç&o : Cristianismo 234.8
o
Í3 UMARIO

Prefácio à edição brasileira 7


Prefácio à edição original 9

I .
A perspectiva WESLEYANA II
Melvin E. Dieter

Réplicas
Anthony A. Hoekema 52
Stanley M. Horton 56
J Robertson McQuilkin
. 59
John F. Walvoord 63

2 .
A perspectiva REFORMADA 67
Anthony A. Hoekema

Réplicas
Melvin E. Dieter 102
Stanley M. Horton 106
J Robertson McQuilkin
. 109
John F. Walvoord 111

3 . A perspectiva PENTECOSTAL 113


Stanley M. Horton

Réplicas
Melvin E. Dieter 149
Anthony A. Hoekema 152
J Robertson McQuilkin
. 156
John F. Walvoord 160

4 .
A perspectiva de KESWICK 163
J Robertson McQuilkin
.

Réplicas
Melvin E. Dieter 202
Anthony A. Hoekema 206
Stanley M. Horton 210
John F. Walvoord 213

S.
A perspectiva AGOSTINIANO-DISPENSACIONALISTA 215
John F. Walvoord

Réplicas
Melvin E. Dieter 247
Anthony A. Hoekema 2 50
Stanley M. Horton 2 54
J Robertson McQuilkin
. 257

Notas 259
índice geral 268
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

A minha palavra inicial ao leitor deste livro é sobre o interes-


sante percurso doutrinário do tema da santidade nele apre-
sentado.
O primeiro autor, Melvin E. Dieter, escreve a respeito dos
conceitos de Wesley sobre a santificação e o desenvolvimento
doutrinário do tema nos Estados Unidos. Tal compreensão
da história dos princípios wesleyanos nos ajuda a entender a
formação da Igreja Holliness e, depois, a sua influência nas
igrejas pentecostais, principalmente na Assembléia de Deus.
A história e a teologia correm paralelas. Assim, o metodismo
wesleyano está, de uma forma ou outra, vinculado às circuns-
tâncias sociais e políticas dos grupos em meio aos quais se
desenvolveu. A relevância da percepção histórica das origens
e desdobramentos de tais movimentos é que ela nos ajuda a
compreender melhor o tempo presente: podemos entender
com mais clareza, por exemplo, a teologia neopentecostal que
nos circunda à luz da conjuntura histórica que a antecedeu.
Se compararmos os desenvolvimentos da teologia ao cor-
rer de um rio, vemos que a origem do conceito sobre a santi-
dade tem como vertente principal a doutrina wesleyana, que
segue pelas margens da teologia da Igreja Holliness e se abre
em afluentes da doutrina pentecostal.
Da mesma forma que o ciclo das águas de um rio, que se
desdobra em vários braços d'água, a organização deste livro
propõe réplicas a cada uma das exposições da interpretação da
doutrina da santidade, traçando novamente um percurso des-
de a doutrina reformada, vindo à doutrina wesleyana até chegar
à da Assembléia de Deus. Os conceitos de cada ponto de vista
doutrinário são retomados nas réplicas; retornara, no entanto,
8 5 perspectivas sobre a santificação

sob a ótica das diversas linhas de interpretação ao longo da his-


tória, o que torna necessário repensar cada uma das posições.
Ao lembrarmos a influência histórica sobre as interpretações
da Escritura, não podemos deixar de apontar que a modernidade,
em seu todo, sofreu a influência do positivismo lógico cartesiano.
Entendo que, no que diz respeito à interpretação dos textos da
Escritura sobre a salvação e a santificação, essa herança exerce
influência determinante. Espera-se, por exemplo, que todos os
textos das Escrituras que falam sobre estes dois temas se encai-
xem exatamente numa sequência, de forma que nossa lógica
possa seguir os passos e compreender a série de ações que um
cristão deve seguir para alcançar a salvação e a santificação.
Ministrei durante algum tempo um seminário sobre Psicolo-
"
gia da Religião. Pedi a meus alunos que fizessem um organo-
"

grama da salvação e todas as suas implicações. O resultado que


obtive é que os mais de 30 alunos trouxeram organogramas di-
ferentes. Diante disso, tentamos trabalhar com esses organo-
gramas e formar um global que manifestasse com maior exatidão
o que expressava a Bíblia. Tivemos muito trabalho e não chega-
mos a uma conclusão. O motivo é que a Palavra de Deus se situa
além do positivismo lógico. Muitas vezes queremos encaixar
nossas interpretações das Escrituras a uma determinada cor-
rente de pensamento, mas não conseguimos, porque a Palavra
está além de nossas categorizações filosóficas.
A Palavra apresenta suas doutrinas tal qual o delta de um
rio. O seu correr é cheio de meandros formado por ilhas e
pequenos canais pelos quais a água flui, fazendo desembocar
no mar as águas de um grande rio. É das águas desse mar, a
Bíblia, a grande fonte de todas as doutrinas, que devemos
" "
extrair conceitos doutrinários, para que estes chovam sobre
o povo de Deus, conforme as necessidades do momento his-
tórico, político e social em que ele vive.
Quem ou qual grupo pode arvorar para si a interpretação
correta? Aquela que abraçamos é sempre defendida à luz de
uma teoria de interpretação das Escrituras e em determinado
momento histórico. Como já foi dito outrora, uma teoria é
sempre uma teoria e

Cinzenta, meu querido amigo, é toda teoria,


e verde somente a árvore dourada da vida.
(Mefistófeles, em Fausto, Parte I, Cena 4).

Silas Molochenco

Teólogo e psicólogo
Prof. da Faculdade Teológica Batista de São Paulo
Os cinco autores desta obra falam do caminho para a vida
santa, consagrada. Todos eles escrevem da perspectiva cristã
evangélica, que considera a autoridade da Bíblia e julga o
restabelecimento da relação com Deus por meio da fé em Cristo
a maior necessidade e fonte de satisfação pessoal. Essa pers-
pectiva unificada subjacente, entretanto, abarca diversas de-
finições de santificação. Cada autor esboça sua compreensão
a respeito da doutrina e, em seguida, debate direta e cordial-
mente a opinião dos colegas.
Apesar dos contextos teológicos distintos e das convicções
fortemente divergentes em alguns aspectos, os autores concor-
dam em diversos pontos no entendimento da santificação. Pri-
meiro, todos concordam que a santificação ensinada na Bíblia
implica passado, presente e futuro: passado, porque se inicia
numa circunstância de separação já levada a efeito pela obra
perfeita de Cristo; presente, porque se refere ao processo de
cultivo da vida de santidade; e futuro, porque a culminação desse
processo ocorrerá com o retorno de Cristo, quando os efeitos
do pecado serão de todo eliminados. Em segundo lugar, todos
concordam que a santificação exige empenho do cristão para
expressar o amor de Deus na prática. O cristão deve dedicar-se
às práticas cristãs tradicionais e fazer, a cada dia, escolhas difí-
ceis, contrárias ao pecado e favoráveis ao modo de vida pautado
pela retidão. Finalmente, todos concordam que a Bíblia promete
êxito nesse processo de luta contra o pecado pessoal por meio
do poder do Espírito Santo.
De que forma, então, obter sucesso na santificação nesta
vida? Que grau de êxito é possível obter? Será que é normal,
10 5 perspectivas sobre a santificação

ou até necessária, uma experiência de crise após a conver-


são? Se for, qual é o tipo de experiência envolvida, e como
verificá-la? Como se verá, os autores divergem nas respostas
a essas questões.
Ao avaliar as diferenças evidentes, o leitor deve observar
atentamente as respectivas definições das expressões bíblicas
chaves (principalmente pecado, velho homem/novo homem,
perfeição e batismo com o Espírito*), bem como a expressão
wesleyana santificação plena. Ao localizar o emprego desses
conceitos nos argumentos e contra-argumentos, o estudante
que se ocupa da santificação deve reconhecer - como fize-
ram os autores - a necessidade de preservar tanto a sobera-
nia divina quanto a responsabilidade humana. O ideal é que
esse debate sobre santificação promova não apenas estímulo
ao prazer da discussão teológica, mas incentivo para encami-
nhar-se com mais reflexão pela atual, ainda que antiga estrada
da santidade, sem a qual "ninguém verá o Senhor" (Hb 12.14).

*
Batismo com o Espírito traduz a expressão grega que também pode ser
traduzida por batismo no Espírito ou batismo pelo Espírito [N. do C.].
1
A perspectiva
Wesleyana
MELVIN E. DIETER

2
A perspectiva

.o . i i . ' \ ' . HOEKEMA

3
pe-ipectiva

NTECOSTAL
"

. - / NLEY M, HORTON
'

A perspectiva de
-
' >/!CK
J RORERTSON McQUIL KIN
,

5
A perspectiva
Agostiniano-dispensacionalista
JOHN h WALVOORD
A perspectiva

WESLEYANA

MELVIN E. DIETER

Todo-poderoso Deus, para quem todos os corações são aber-


tos, todos os desejos conhecidos e de quem nenhum segredo se
esconde: purifica os pensamentos de nosso coração pela inspira-
ção de teu Santo Espírito, para que te amemos perfeitamente e exal-
temos com dignidade o teu Santo Nome. Por meio de Cristo, Nosso
Senhor. Amém. (Livro de oração comum, 1695)

0 ESTILO WESLEYANO

A oração pela santidade e pelo perfeito amor de Deus tem


sido uma constante da igreja de Cristo ao longo da história.
John Wesley, o pai da família metodista, incluía regularmente
em seus momentos de devoção e de ministério público esta
conhecida coletânea da igreja anglicana: o Livro de oração co-
mum. Durante mais de 200 anos, seus seguidores foram reco-
nhecidos pela preocupação com a fé ética. A doutrina wesleyana
da santificação plena, também chamada de perfeição cristã,
expressa essa preocupação de forma mais definida.
O interesse contínuo e renovado pelos estudos sobre Wes-
ley tem ajudado a divulgar no meio cristão em geral algumas
de suas características marcantes como pessoa e como teólo-
go. Sua contribuição diferencial foi a convicção de que o ver-
dadeiro cristianismo bíblico encontra a mais alta expressão e
o teste decisivo de autenticidade na experiência prática e ética
do indivíduo cristão e da igreja e, apenas de forma secundá-
ria, nas definições e proposições doutrinárias. A perseveran-
ça nessa convicção ao longo de seu ministério quase sempre
14 5 perspectivas sobre a santificação

tem levado os estudiosos da história cristã a relegá-lo ao pa-


pel de praticante sistemático, em vez de teólogo instruído. O
sucesso excepcional de Wesley em levar homens e mulheres a
Cristo e os discipular para servir a Deus em suas aulas e reu-
niões de estudo e outros pequenos grupos moldou-lhe forte-
mente a imagem, quer entre o povo, quer entre estudiosos. E
isso é justificável.1
Fica cada vez mais evidente, entretanto, que, por trás de
todo o ardor evangelístico e do ministério de discipulado de
Wesley, existe um conhecimento teológico bem desenvolvido.
A maior parte desse conhecimento estabeleceu-se justamen-
te com base nas doutrinas centrais da Reforma e da tradição
cristã primitiva, como se evidencia nos Artigos* e no livro de
oração da doutrina anglicana. Entretanto, um ponto marcan-
te distinguia sua interpretação da vontade de Deus para o
homem da religião da época, a saber, a convicção de que o
cristianismo bíblico deve demonstrar, em última instância, sua
" "
realidade em uma fé que age por meio do amor divino nas
provações da vida cotidiana. Esse entusiasmo por ver a ver-
dade de Deus manifestada na experiência e no testemunho
de cristãos fiéis foi fortalecido pela convicção de que cada
pessoa podia responder positiva ou negativamente à oferta
divina de salvação. Essa liberdade existe por causa da graça, e
não pela natureza. O entendimento de que a experiência espi-
ritual representava interação entre a graça soberana de Deus
e a liberdade da resposta humana fez de Wesley um persis-
tente observador da experiência espiritual de seus seguido-
res. Ele acreditava que, para a devida compreensão da verdade,
era fundamental o conhecimento de como a verdade divina,
por si mesma, se traduz na experiência do povo de Deus pelo
Espírito Santo, por meio da Palavra e dos caminhos da graça.
Consequentemente, não apenas a experiência de cristãos que
ele conhecia, mas também a totalidade da experiência da igre-
ja no passado lhe ocupavam a atenção.2
Wesley interessava-se particularmente pela vida e pelo tes-
temunho dos primeiros pais da Igreja, pois acreditava que a
experiência destes com a graça demonstrava melhor como os
homens do passado receberam completamente, com compro-

*
39 Artigos de religião - conjunto de doutrinas da igreja anglicana, 1571
[N. do T.].
A perspectiva wesleyana 15

misso e amor, a vontade de Deus para a vida deles.3 As novas


traduções em língua inglesa dos pais da Igreja surgidas na épo-
ca em que Wesley estudava na Universidade de Oxford consti-
tuíam uma das principais fontes para a compreensão da
perfeição cristã e da natureza da salvação. Essas influências, às
vezes sutis, outras declaradas, distinguiram seus posiciona-
mentos da principal corrente da tradição da Reforma. Tais pen-
samentos, juntamente com suas idéias acerca da relação entre
santidade e amor, idéias estas que absorveu aos poucos de es-
critores como Thomas à Kempis, William Law e Jeremy Taylor,
passaram a ser o coração e a alma do ministério e do ensino
"
que Wesley adotou. O conceito da fé que opera pelo amor divi-
no como o princípio hermenêutico elementar para a plena
"

compreensão do plano de salvação divino moldou-lhe forte-


"

mente o ensino acerca da santificação. A lei régia do amor"


define as expectativas divinas quanto à vida e ao testemunho
dos que receberam a salvação. Quando incorporamos as con-
sequências desses destaques na teologia da salvação, pode-
mos entender por que a teologia de Wesley divergiu, em alguns
pontos críticos, da tradição reconhecida em sua época e ainda
hoje permanece como opção aos ensinos predominantes dos
reformados, da igreja católica ou da igreja ortodoxa. Sua teolo-
gia fundamenta-se principalmente na posição reformada, mas
dela se desvia ao considerar seriamente certos aspectos-chave
tanto da posição católica quanto ortodoxa.4
Ainda que tenha usado suas observações e reflexões acer-
ca da vida dos cristãos do passado para moldar seu entendi-
mento da vontade de Deus, Wesley considerava a Palavra de
Deus absoluta e com total autoridade. Recusava-se a levar a
sério qualquer ensino que não estivesse fundamentado na
genuína luz da revelação. Nenhum líder cristão foi mais fiel
em submeter qualquer observação, experiência ou conclusão
"

racional ao julgamento final das Escrituras. Se por princípios


"

gerais disse certa vez numa conversa, "você quer dizer algo
,

que não seja bíblico, isso não significa nada para mim. Eu não
admito nenhuma outra regra, seja de fé, seja de conduta, além
das Sagradas Escrituras".5 Ao mesmo tempo, Wesley insistia
em que a verdade divina nos foi dada para ser transformada
em vida, e isso era possível se ela fosse recebida e reconheci-
da. Portanto, para entender plenamente a salvação, é preciso
levar em conta o conhecimento de Deus dado aos que bus-
16 5 perspectivas sobre a santificação

cam sinceramente a vontade dele e experimentam sua graça


- qualquer teste digno de crédito do verdadeiro cristianismo
deve contemplar essas provas. A experiência, ele acreditava,
pode confirmar, mas não criar, uma doutrina bíblica. Apenas
e tão somente a Bíblia pode fazer isso.6
A paixão pela santidade cristã ao longo da vida de Wesley
foi intensificada pela convicção de que a Palavra de Deus en-
sina, como preceito e promessa, que os cristãos não devem
ficar "satisfeitos com nenhum tipo de religião que não impli-
que a destruição de todas as obras do mal, ou seja, de todo o
"

pecado 7 Ele jamais admitiu a idéia de que os cristãos com-


.

pletamente santificados pudessem tornar-se pessoas sem


pecado, no sentido de não poderem cair novamente em peca-
do por desobediência. Ensinava, isso sim, que, sendo uma cria-
tura dotada de livre-arbítrio, o homem é capaz de reagir com
obediência ou desobediência à graça de Deus. Nesta vida, o
homem jamais fica livre da possibilidade de pecar deliberada-
mente. Pode, entretanto, libertar-se da compulsão de cometer
transgressões voluntárias vivendo em obediência constante
à vontade de Deus. Quaisquer que sejam as dificuldades que
surjam quando se define a teologia, ou o conteúdo, ou os meios
para atingir um relacionamento íntimo de amor com Deus,
elas não podem significar nada menos do que a libertação do
domínio do pecado nesta vida. Isso não quer dizer, porém,
libertação de todos os efeitos do pecado na loucura desse
mundo em que vivemos, mesmo em relação ao mais perfeito
de nossos relacionamentos debaixo da graça. A libertação to-
tal dos efeitos do pecado, bem como de sua presença, ainda
deve aguardar a glória vindoura.8
Wesley acreditava que a promessa da vitória sobre o peca-
do na vida presente só era possível por meio da vida de Cris-
to introduzida no crente pelo Espírito Santo. Mesmo os que
desfrutam grande intimidade com Deus ainda têm em si mui-
tas imperfeições como parte e parcela do estado decaído da
criação e precisam depender diariamente dos méritos expia-
tórios do sangue de Cristo e orar com sinceridade: "Perdoa as
nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedo-
"
res pois, ele observa, "nem o amor, nem a unção do Deus
,

Santo nos tornam infalíveis; contudo [...] não fazemos outra


"

coisa senão errar em muitos aspectos 9 No conhecido folhe-


.

to sobre a perfeição cristã, Wesley afirma que "não existe per-


A perspectiva wesleyana 17

feição em nível máximo, como se denomina; não há ninguém


que não necessite de crescimento contínuo. Dessa forma, por
mais que alguém já tenha crescido, ou por mais alto nível de
perfeição que tenha atingido, esse indivíduo ainda necessita
crescer na graça e progredir todos os dias no conhecimento e
"
no amor de Deus, seu Salvador 10 No pensamento wesleyano,
.

o compromisso integral de alguém no relacionamento de amor


com Deus e com o próximo não é um estado superior fixo. Em
vez disso, é um novo estágio, uma nova arena de resposta
ética à vontade divina, própria da regeneração que decorre
do novo nascimento em Cristo.
Os princípios sola scriptura e sola gratia adotados pelos re-
formadores também são estrelas fixas na constelação de prin-
cípios teológicos wesleyanos. Deles Wesley absorveu também
a ênfase na fé individual. Afastou-se, porém, da tradição refor-
mada com respeito à libertação do pecado que os crentes po-
deriam experimentar nesta vida.11 "As doutrinas da justificação
e da santificação fundiram-se numa síntese peculiar a Wesley,
" "

um amálgama da devoção protestante e da católica. De qual-


quer forma, ele transcendeu os princípios dos reformadores,
"

corrigiu uma limitação notória. 12 A síntese wesleyana combi-


nou a perspectiva reformada da graça soberana de Deus com a
idéia da fé salvífica como princípio ativo de santidade no cora-
ção e na vida do indivíduo. Ele uniu a doutrina reformada da
total condição de pecado do indivíduo e da completa depen-
dência da graça com a doutrina arminiana da liberdade huma-
na, que considera o homem e a mulher sujeitos ativos, com
obrigações morais.13
Portanto, a grande atenção que Wesley dispensou à justifi-
cação e à santificação é natural e surgiu das preocupações
práticas e teológicas que o envolveram enquanto buscava en-
tender a perspectiva bíblica da salvação. Sua pregação e seu
modo de pensar se pautaram por essas e algumas outras dou-
trinas relacionadas que se refletem na prática cristã. Ele deu
mais atenção, entretanto, à doutrina da santificação, tema que
permeia toda a malha da pregação e da teologia wesleyanas.

A SANTIFICAÇÃO SEGUNDO WESLEY


Wesley declarou que o propósito predominante e supremo
do plano divino de salvação é renovar o coração do homem à
18 5 perspectivas sobre a santificação

imagem e semelhança de Deus. Trata-se de um tema teleoló-


gico,14 pois ele acreditava que o grandioso curso da história
da salvação bíblica fluía em direção a esse final e tinha, de
forma restrita, mas clara, o cumprimento e a perfeição nesta
vida. Wesley defendia que Deus prometera a salvação de todo
pecado intencional e via essa promessa em passagens como,
por exemplo, Deuteronômio 30.6; Salmos 130.8; Ezequiel
36.25,29; Mateus 5.48; 6.13; 22.37; João 3.8; 17.20,21,23; Ro-
manos 8.3,4; 2Coríntios 7.1; Efésios 3.14-19; 5.25,27; e ITes-
salonicenses 5.23. Ele acreditava que passagens como Lucas
1 69-75, Tito 2.11-14 e IJoão 4.17 indicavam que esse tipo de
.

santificação ocorria antes da morte. Pela graça, Deus haveria


de nos restaurar a santidade perdida na Queda por nossos
primeiros pais.15
Num sermão que representa bem as convicções que Wes-
ley teve durante sua vida inteira acerca dessa doutrina, ele
declarou:

Sabei vós que qualquer religião que não sirva a este propósito,
qualquer religião que pare um pouco antes disto, da renovação de
nossa alma à imagem de Deus, conforme a semelhança dele, que a
criou, é apenas uma farsa infeliz, mera zombaria de Deus, para a
destruição da alma [...] Por natureza, vós sois totalmente corrom-
pidos. Pela graça, sereis totalmente renovados.16

A graça reside na boa vontade de Deus para com todos,


visto que ele não deseja que ninguém pereça, mas que todos
cheguem ao conhecimento salvífico de Deus. Somente os
méritos da vida e da morte de Cristo nos trouxeram salvação,
e apenas a graça dá-nos a liberdade para aceitar a oferta de
perdão, purificação e novo relacionamento de amor com Deus.
O dom de aceitar é acessível a toda pessoa, quem quer que
seja. A perspectiva subjetiva da santificação está firmemente
associada à perspectiva objetiva predominante. Dois concei-
tos aparentemente contraditórios estão associados; "liberda-
de e dependência se unem".17
Deus manifestou pela primeira vez essa boa vontade para
com o ser humano por meio da graça preveniente quando, no
Éden, chamou Adão e Eva de volta a si, depois de eles se have-
rem corrompido em todos os aspectos de sua natureza. Des-
de então, ao longo da história, Deus continuou chamando
todos os descendentes do primeiro casal - todos, sem exce-
Réplica de Keswick a Dieter 61

sem uma definição precisa de pecado e de perfeição, muitos


continuarão ansiando pelo absoluto e poderão acabar decep-
cionando-se com os outros e consigo mesmos.
A última palavra-chave é um problema, não por falha do
autor, mas pela própria falta de clareza existente no metodismo
e no movimento holiness em geral. Dieter analisa o problema
de forma cautelosa e prática. O que, então, significa a experiên-
cia da santificação plena? O autor afirma claramente que essa
experiência, que permite ao crente amar a Deus com todo o
"
ser e viver em obediência, não deve ser distinta cronologica-
"

mente da justificação e do novo nascimento (p. 21). O pró-


prio Wesley demonstra certa imprecisão (v. p. 21-2, 34, 48-9),
que pode ser explicada pela diferença entre santificação ideal
(teórica, lógica e teológica), que ocorre no momento da rege-
neração, e a experiência real de todos os cristãos, que não
" "

permanecem em perfeito amor e por isso necessitam de uma


experiência crítica posterior. Dieter revela que os avanços no
ensino holiness norte-americano do século XIX não só expu-
seram a necessidade teológica da segunda experiência, como
também a identificaram cada vez mais com o "batismo com o
Espírito". O problema de crer na segunda experiência crítica é
"

mais bem verbalizado pelo próprio Dieter: Os adeptos dessa


concepção reconhecem que não existe no NT nenhuma exor-
tação explícita semelhante a essa no que tange a buscar a
"

santificação [na acepção técnica do termo para os wesleyanos]


(p. 36).
Pode-se acrescentar que a Bíblia não contém nenhuma exor-
tação ou ensino referente à experiência crítica posterior à re-
generação e necessária para a santificação. O ensinamento
constante do NT a respeito da vida cristã aquém do padrão
bíblico visa orientar o crente de volta ao ato inicial. Atos dos
Apóstolos relata, sim, experiências com o Espírito Santo pos-
teriores à regeneração, mas em nenhum lugar esses aconteci-
mentos são explicados teologicamente nem associados à idéia
da santificação prática. A história não interpretada biblicamen-
te não é matéria-prima com que se elabore alguma doutrina,
muito menos uma doutrina tão importante. Seria mais útil
seguir John Wesley na concepção original de que o encontro
com Deus na segunda crise não é teológica nem idealmente
necessário, mas uma carência comum do crente. A confirma-
ção do relacionamento contratual originário pode, sim, ser
62 5 perspectivas sobre a santificação

uma experiência crítica, necessária para o crente vacilante ou


rebelde.
Dessa forma, se os termos imprecisos forem definidos de
forma específica, os ensinamentos clássicos de Wesley e o
pensamento de Keswick são compatíveis. Se pecado for qual-
quer coisa aquém do caráter glorioso de Deus, ninguém é
perfeito. Contudo, todo crente capacitado pelo Espírito pode
abster-se de violar deliberadamente a vontade revelada de
Deus. Os crentes recebem essa capacitação no momento da
conversão, quando são santificados juridicamente, ou sepa-
rados para a posse do Espírito de Deus. Se não conservarem
essa relação de obediência e amor, não estarão mais vivendo a
santificação, no sentido de crescimento espiritual, e precisa-
rão de um novo encontro com Deus, uma renovação que pode
ser definida como uma segunda experiência crítica.
A perspectiva wesleyana 21

O ponto decisivo dessa experiência de purificação não pre-


cisa ser cronologicamente distinto da justificação e do novo
nascimento, mas é logicamente distinto deles no continuam
da salvação. Contudo, a exortação bíblica para os crentes bus-
carem a perfeição no amor, assim como os conflitos comuns
do coração dividido indicam que os crentes normalmente se
apropriam da pureza do amor numa crise de fé distinta da
conversão, em algum momento posterior à justificação. O novo
relacionamento de perfeito amor a Deus e ao próximo, decor-
rente da fé, não é nenhum tipo de amor diferente do que se
vive na justificação; ao contrário, é o cumprimento deste. No
aspecto negativo, a santificação plena equivale a uma assep-
sia do coração, que traz cura para as feridas e dores crónicas
remanescentes do pecado adâmico. No aspecto positivo, é a
libertação, a conversão do indivíduo inteiro para Deus, a fim
de buscar e conhecer sua vontade, que passa a ser o júbilo da
"
alma. No sermão Sobre a Perfeição", Wesley enumera diver-
sas características da santificação:

1) Amar a Deus de todo o coração e o próximo como a si mes-


mo; 2) ter a mente de Cristo; 3) produzir o fruto do Espírito (de
acordo com Gálatas 5); 4) restauração da imagem de Deus na alma,
"

recuperação da imagem moral de Deus, que consiste em retidão e


"

santidade genuínas ; 5) ter retidão interior e exterior, "santidade de


"

vida que brota da santidade de coração ; 6) santificação divina no


corpo, na alma e no espírito; 7) perfeita consagração individual a
Deus; 8) entrega contínua, por intermédio de Jesus, dos pensamen-
tos, palavras e ações do indivíduo como sacrifício de louvor e
ações de graça a Deus; 9) salvação de todo o pecado.24

Esses conceitos lapidares, de origem bíblica, constituem o


cerne da idéia de santificação plena conforme entende a teo-
logia wesleyana.
A restauração da imagem de Deus, em amor, no coração,
embora seja um ponto crítico na busca da santidade, não re-
presenta o passo final da salvação divina, da graça santifica-
dora, nem o estabelecimento do estado de graça permanente.
Wesley não admitia nenhuma interrupção na busca cristã da
"
santidade-, não há nível máximo de santidade, não há térmi-
"
no . cada progresso na graça renova o zelo
25 Pelo contrário ,

de perceber melhor os imensuráveis recursos da graça e do


22 5 perspectivas sobre a santificação

amor de Deus para os que nele confiam e a ele obedecem.


Interromper a crise de fé pela qual somos restaurados por
meio do Espírito ao amor perdido na Queda é ignorar não só
os privilégios, mas também as expectativas da obra consuma-
da de Cristo e do ponto final do plano de salvação. Conside-
rar esse ponto de libertação inicial como um estado de graça
ou uma vitória final é desconsiderar as promessas e expecta-
tivas que a salvação nos apresenta pela obra de Cristo. Wesley
acreditava que há níveis de fé e de garantia da fé justificado-
ra, assim como existem infinitos níveis na experiência indivi-
dual com Deus. A idéia da progressão gradual na santificação
se estende para além dos limites desta vida, embora a relação
fundamental que nutre esse desenvolvimento se estabeleça
no momento da crise que gera a santificação plena.26
Wesley entendia a santificação plena, ou perfeição no amor,
como um continuum de graça e efeito que leva a pessoa, do
estado de culpa e desespero do pecado, ao conhecimento de
Deus e, pela fé na graça divina em Jesus Cristo, ao momento
crítico que gera a justificação e o novo nascimento.27 A vida
de santificação flui da vida regenerada criada pelo novo nas-
cimento e prossegue à medida que o Espírito Santo convoca o
crente a obedecer à vontade de Deus, que é a expressão da
santidade e do amor divinos. Nessa etapa do progresso cris-
tão na obediência à vontade de Deus e na conformação à mente
de Cristo, o que resta da rebelião e do estado decaído do ho-
mem produz conflito e quase sempre causa abatimento. A
natureza humana ainda está corrompida pela doença crónica
que transforma a resposta livre e imediata ao amor de Deus
numa fonte de contenda para a vontade interior do homem.
As forças volitivas têm de ser purificadas dos efeitos da Que-
da, que permanecem mesmo após a justificação, antes de o
indivíduo estar completamente livre para desfrutar e expres-
sar o puro amor de Deus nos relacionamentos. A ênfase na
importância do que Deus realiza "em nós" por meio de Cristo,
" "

assim como no que faz por nós mediante Jesus, constitui a


maior contribuição de Wesley para a igreja.
Wesley acreditava que a Bíblia ensina clara e persistente-
mente que Deus juntou o viver santo e a salvação pela fé num
todo indivisível.28 "Se cremos na Bíblia, quem negará essa ver-
dade? Quem duvidará dela?" perguntou. "Ela perpassa a Bí-
blia do começo ao fim numa cadeia contínua."29 A proclamação
A perspectiva wesleyana 23

da "grandiosa salvação" de Deus, argumentava, faz parte da


tradição e da prática da igreja primitiva30 e foi vivida, na his-
tória posterior da igreja, pelos cristãos zelosos sempre que
houve o renascimento da pregação bíblica e do discipulado
obediente. Foi negligenciada, em grande parte, pelos refor-
madores protestantes em virtude da repugnância que lhes
causavam as doutrinas que se aproximavam da salvação pe-
las obras, as quais, entendiam eles, eram a causa do fracasso
da doutrina cristã da igreja católica medieval. Deus, então,
confiara aos metodistas a responsabilidade especial de pro-
clamar novamente essa verdade como direito de nascimento
de todo o cristão. Ao fazer isso, eles levaram o princípio re-
formado da salvação somente pela fé à sua conclusão lógica e
legítima.31
Wesley convenceu-se, mesmo antes do contato com os
morávios, de que o relacionamento que implica viver perante
Deus na perfeição do amor era o propósito supremo do cris-
tianismo. A exemplo de Lutero, suas tentativas iniciais de co-
nhecer a verdade por seus próprios meios resultaram em
frustração e desespero. As disciplinas e as obras de caridade
do "Clube dos Santos" não foram suficientes.32 Só depois de
sua experiência de fé pessoal em Cristo, que ficou conhecida
" "
como a experiência de Aldersgate ele entendeu que o relacio-
,

namento com Deus se estabelece pelo mérito de Cristo, não


pelo mérito pessoal da prática de boas-obras.33 Com a nova
compreensão da fé e da graça, Wesley percebeu que um cha-
mado claro à perfeição cristã pela fé é consequência lógica do
chamado enfático dos reformadores à justificação pela fé. A
"

expressão fé que opera pelo amor" começou a definir a idéia


de santificação que Wesley achava ser mais bíblica e mais pró-
xima da tradição da igreja primitiva do que a proclamada pelo
catolicismo e pelo protestantismo de sua época. O conceito
de fé como meio de expressão do amor passou a ser a herme-
nêutica da graça e da salvação. Isso o situou, de acordo com
alguns estudiosos, no terreno da devoção católica. Mas sua
recusa em abandonar o princípio reformado da justificação
pela fé, na opinião de outros, colocou-o justamente em com-
panhia de Calvino e Lutero.34
Para Wesley, a graça soberana de Deus por meio da fé sal-
vadora passa a ser o princípio ativo de santidade no coração
do crente. A partir de sua reflexão sobre esse amálgama de fé,
A perspectiva wesleyana 35

"
no Sermão do Monte: Portanto, sejam perfeitos como perfei-
to é o Pai celestial de vocês" (Mt 5.48). Deus insiste em que a
santidade cristã é mais do que legalidade objetiva; é também
"

uma realidade subjetiva. Assim, pelos seus frutos vocês os


"
reconhecerão (Mt 7.20). Essas palavras de Cristo e dos após-
tolos não podem ser tomadas apenas como ideais que se trans-
formam num novo tipo de legalismo, que por sua vez nos
atrai para fazer o melhor, mas nos nega qualquer medida real
de integridade prática e a plenitude do relacionamento com
Deus em amor.
Deus deseja ter (na verdade, precisa ter) um povo santo
com quem comungar - tema que atravessa as Escrituras.
Considere-se, por exemplo, a oração de Paulo pelos cristãos
de Tessalônica: "Que o próprio Deus da paz os santifique in-
teiramente. Que todo o espírito, a alma e o corpo de vocês
"

sejam preservados irrepreensíveis (ITs 5.23), e a declaração


de que "Cristo amou a igreja e entregou-se por ela para santi-
ficá-la [...] e para apresentá-la a si mesmo como igreja glorio-
sa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e
inculpável" (Ef 5.25-27). Uma tradução mais literal do último
texto revela com mais clareza suas verdadeiras conclusões:
"
Cristo amou a assembleia e entregou-se por ela, para santifi-
cá-la, tendo já [ou primeiro] a purificado pelo lavar da água
"
mediante a Palavra A preparação da igreja como noiva é a
.

idéia ou o propósito fundamental. "Sem mancha nem ruga" é


" "
outra forma de dizer santa e sem culpa As duas expressões .

revelam a realidade da santificação do cristão e da igreja e


transmitem claramente conotações morais, como Paulo ex-
"

pressa. Hebreus 13.12 apresenta o mesmo tema: Assim, Je-


sus também sofreu fora das portas da cidade, para santificar
"

o povo por meio do seu próprio sangue O propósito central .

da cruz foi a santificação do povo de Deus tanto coletiva quan-


to individualmente.
O propósito da santificação é moral e ético, como foi indi-
cado no estudo da oração sacerdotal de Cristo por seus discí-
pulos em João 17, e não se trata apenas de uma pretensão
dos cristãos de se acharem em posição especial diante de Deus.
O Pai santificou o Filho a fim de que este santifique os discí-
pulos e os leve a uma tal unidade com o Pai, em amor, que o
testemunho deles seja capaz de convencer o mundo. O mun-
do só pode conhecer a realidade dessa união mediante evi-
A perspectiva wesleyana 25

principalmente a de Calvino. Também declaram que o homem


decaído só pode ser restituído ao favor divino pelos méritos
de Cristo e nada mais. Nas Minutas da conferência de 1975,
Wesley responde à questão, situando-se muito próximo da
fronteira com o calvinismo ao: "1) atribuir todo o bem à livre
graça de Deus; 2) negar todo livre-arbítrio e poder naturais
antecedentes à graça; e 3) excluir todos os méritos do homem,
quer por aquilo que ele tem, quer por aquilo que ele faz pela
"

graça de Deus 36 Qualquer entendimento da doutrina wes-


.

leyana da salvação deve levar em conta a concordância plena


do wesleyano com estes três ensinos críticos evangélicos: o
homem se encontra, por natureza, totalmente corrompido; a
corrupção é consequência do pecado original; ele só pode ser
justificado pela graça de Deus em Cristo. A Queda e suas con-
sequências são fundamentais na doutrina wesleyana da jus-
tificação e da santificação.37
O livro de Wesley, Doctríne of Original Sin [Doutrina do
pecado original], publicado em 1757, demonstra o quanto os
conceitos sobre pecado estão embasados nessa doutrina. Es-
crevendo em resposta ao unitarismo de John Taylor, Wesley
fala, em seu momento de maior eloquência sobre o tema, da
depravação total provocada pela Queda.38 Em flagrante con-
traste com a visão idealística de Taylor a respeito da condição
humana, sustenta que é justamente essa doutrina da corrup-
ção humana que faz a diferença entre o cristianismo e a falsa
"

religião. Estaria o homem repleto, por natureza, de toda a


forma do mal? Seria vazio de qualquer bem? Acha-se de todo
decaído? [...] Se até aqui você concorda, então é cristão. Ne-
"

gue isso e não passará de um pagão. 39 A corrupção é a fonte


de todo o pecado e toda a perversão presentes em todos os
filhos de Adão e Eva:

Quão longe se estendem os pecados de nossos antepassados,


de quem todos os homens herdam a existência; -essa mente car-
nal avessa a Deus, o coração soberbo, egoísta e amante do mundo!
Pode-se estabelecer algum limite para isso? Porventura não se di-
fundem por todos os nossos pensamentos e se misturam com to-
das as nossas emoções e disposição mental? Não é isso o fermento
que leveda, mais ou menos, a massa inteira dos sentimentos? Será
que não podemos, num exame íntimo e fiel de nós mesmos, perce-
ber essas raízes de amargura brotando constantemente e contami-
nando nossas palavras todas, maculando nossas ações?40
26 5 perspectivas sobre a santificação

O verdadeiro prejuízo que Adão e Eva tiveram na rebelião


contra Deus foi a perda da imago Dei que desfrutavam. Para
Wesley, essa imagem se constitui de três aspectos: 1) a ima-
gem natural, que lhes conferia a imortalidade, o livre-arbítrio
e os sentimentos; 2) a imagem política, que lhes atribuiu au-
toridade para governar o reino natural; e, o mais importante:
3) a imagem moral, que lhes impregnava de justiça e santida-
de verdadeira, que os fazia semelhantes ao Criador em amor,
pureza e integridade. Este terceiro aspecto também transmi-
tiu-lhes a capacidade intelectual. A Queda afetou os três as-
pectos, e a consequência foi a perda da imago Dei. Todos os
aspectos da natureza humana foram contaminados pelo pe-
cado. 0 amor e o conhecimento de Deus foram substituídos
por alienação e falta de desejo de conhecê-lo. A liberdade de
escolha rebelou-se contra a vontade divina em desobediência
deliberada. O intelecto tornou-se obscuro e insensível.41
Em resumo, Wesley definiu o pecado original como a cor-
rupção total da natureza humana como um todo.42 No sermão
"

The Deceitfulness of Man's Heart" [A falsidade do coração


humano], escrito em 1790, egoísmo, orgulho, amor ao mun-
do, independência de Deus, ateísmo e idolatria são descri-
tos como a origem da maldade humana.43 Tal perspectiva
correlaciona nitidamente a concepção de Wesley a respeito
do pecado original e as consequências para a raça humana
à perspectiva de Agostinho: os dois teólogos interpretam o
ensino de Paulo sobre o tema de forma semelhante, e consi-
deram Adão o primeiro predecessor e representante da hu-
manidade.44 Diferentemente de Agostinho, porém, Wesley
entende a Queda como decorrência da falta de amor e não da ,

concupiscência.
Quando Wesley discorreu sobre a perda da imagem de Deus
na Queda, entretanto, falou em termos absolutos apenas quan-
to à imagem moral, que considerava preeminente e exclusiva-
mente relacionada com a salvação. Depois da Queda o homem ,

reteve vestígios das imagens política e natural; as pessoas são


automotivadas, diferentemente da criação material passiva, e
ainda mantêm certo grau de senhorio sobre a ordem criada.45
Com base na compreensão do relato bíblico da Queda Wesley ,

entendeu que a resposta divina era um plano de salvação que


promete a restauração gratuita, por meio da fé, do relaciona-
mento de perfeito amor a Deus que o primeiro casal desfruta-
A perspectiva wesleyana 27

va.46 A promessa se estende a todos os que crerem no sacrifício


suficiente do segundo Adão. A solução definitiva para as im-
perfeições da ordem criada e a perda dos aspectos natural e
político da imagem divina que Adão desfrutava deve aguar-
dar a consumação de todas as coisas. Por conseguinte, Wesley
acreditava que, por sermos imperfeitos num mundo imperfei-
to, a perfeição "no amor" é coerente com "milhares de erros".
Mas, mesmo limitados por nossa imperfeição e a do mundo,
ainda podemos desfrutar um relacionamento em que, me-
diante o poder do Espírito Santo, somos capazes de cumprir
o maior e mais importante mandamento: amar a Deus de
todo o nosso coração e ao próximo como a nós mesmos.
Qualquer expectativa inferior a essa não alcança a plenitude
da "grande salvação".47
Esse otimismo, que aflora das ruínas de tão drástico revés
- a perda da imagem divina - é definido por Wesley e todos
,

" "

os teólogos evangélicos da igreja como otimismo da graça .

Nesse aspecto, a teologia de Wesley diverge de grande parte


do pensamento da Reforma no que diz respeito a como e quan-
to a graça de Deus supera e reverte as perdas advindas da
Queda. O otimismo da graça, que leva à crença na promessa
(e, consequentemente, na possibilidade) de libertação com-
pleta dos efeitos da perda do relacionamento espiritual do
jardim do Éden, bem como à restauração plena do perfeito
amor no relacionamento cristão com Deus e o próximo - esse
otimismo da graça repousa em grande parte na compreensão
de Wesley da graça preveniente e da liberdade de resposta do
homem. Deus oferece a nós todos porções variadas de graça;
" "

se as reconhecermos e recebermos, poderemos viver , mas,


" "

se preferirmos o contrário, morreremos 48 Os metodistas afir-.

mam que, após a Queda, as pessoas foram contaminadas em


todos os aspectos pelo pecado, pelo orgulho e pelo espírito
de rebeldia. Por força e vontade próprias não conseguem es-
colher nada mais a não ser o pecado.
Wesley afirma que no homem não há nem conhecimento,
nem consciência naturais de Deus. Quando Paulo trata des-
sas duas fontes de conhecimento de Deus, em virtude das
quais todos são considerados responsáveis e todo aquele que
permanecer no pecado é condenado, refere-se à ação da gra-
ça divina preveniente, que opera para dirigir todas as pesso-
as a Deus. Depois da Queda, o homem perdeu a capacidade
28 5 perspectivas sobre a santificação

natural de conhecer a Deus ou merecer a salvação. Wesley


resumiu assim seu ponto de vista:

Considerando que a alma de todos os homens está por natureza


morta no pecado, não se desculpa ninguém, uma vez que ninguém
se acha em estado de simples natureza. Ninguém é completamente
destituído da graça de Deus, a não ser que tenha extinguido o Espíri-
to.. Nenhum homem vivo está inteiramente destituído do que popu-
larmente se chama consciência natural. Mas essa não é natural. Com
mais propriedade, devia denominar-se graça preveniente. Todo o
ser humano tem maior ou menor porção dessa, que não espera o
pedido do homem [...] Dessa forma, ninguém peca porque não tem a
graça, mas por não usar a graça que já tem.49

A "luz que ilumina todo o homem que vem ao mundo" ime-


diatamente começa a torná-lo consciente da necessidade e da
possibilidade de restauração em meio à sua ruína. As inces-
santes e urgentes tentativas divinas de despertar o homem e
levá-lo à consciência da necessidade de confiar na graça de
Deus são a força dinâmica que percorre o continuum da gra-
ça, que leva o homem de graça em graça no continuum da
salvação. O propósito fundamental da graça preveniente, que
precede a graça salvadora, é estabelecer o amor no coração de
cada filho de Adão e Eva a fim de que eles sirvam a Deus em
"

justiça e verdadeira santidade" por toda a vida, A graça pre-


veniente é o início do processo pelo qual Deus começa a ilu-
minar o homem na escuridão da Queda; ela leva os que a
recebem com fé para a graça salvadora, a graça santificadora
e a graça de uma vida de amor. Quando posto em correspon-
dência dinâmica com as demais afirmações de Wesley sobre a
queda completa do homem em qualquer aspecto natural, isso
significa que a salvação chega até nós somente pela graça que
emana da obra expiatória de Jesus Cristo, jamais por alguma
capacidade ou realização natural.

0 continuum da lei e do amor

O segundo conjunto de doutrinas complementares essen-


ciais ao entendimento wesleyano da santificação é lei e amor.
Os estudos do Antigo Testamento (AT) e do Novo Testamento
(NT) levaram Wesley à conclusão de que as pessoas que, pela
A perspectiva wesleyana 29

"

graça, cumprem a lei régia do amor", ensinada com a maior


simplicidade e clareza pelo próprio Cristo no Sermão do Monte
e posteriormente por todos os escritores neotestamentários,
também estão cumprindo o propósito moral dos Dez Manda-
mentos. Dessa forma, Wesley relaciona o cumprimento das obri-
gações da lei moral ao processo e propósito da santificação,
em vez de relacioná-lo às concepções mais objetivas da orto-
doxia reformada, que considera o ato de justificação do crente
o cumprimento e a satisfação da exigência moral da Lei. A ênfa-
se reformada está na libertação das obrigações morais da Lei
" "
em virtude de termos sido providos da justiça de Cristo Wesley .

também usava essa terminologia,50 mas com notória diferença


de aplicação. A justiça de Cristo nos cobriu com o perdão e o
favor divinos; Deus nisso conserva uma atitude objetiva com
respeito à importância da justificação. Mas o cumprimento da
obra de Cristo no que se refere à satisfação da Lei repousa não
tanto no que ele fez na cruz "por nós", mas no que sua obra na
" "
cruz faz em nós uma vez que a vida de Cristo passa a ser a
,

nossa vida no novo nascimento e na santificação.51 Como ob-


"
serva Lindstrõm, isso explica por que a santificação, no senti-
do de cumprimento da Lei, ocupa lugar tão importante na
teologia de Wesley".52
Wesley sempre considerou a Lei boa e santa. Para ele, não
há a forte tensão entre Lei e Evangelho que permeia a teologia
de Lutero.53 A compreensão de Wesley sobre a importância do
Sermão do Monte tornou-se o ponto central para entender a
relação entre o perfeito amor e os mandamentos de Deus como
a lei régia do amor. Wesley afirmou que o Decálogo se renova
no Sermão do Monte em espiritualidade e pureza santificado-
ras e define a vida de santidade prática cristã, que é o propó-
sito dos mandamentos e da fé.54 Concluiu que a promessa
persistente que sempre fez parte da apresentação da Lei no
AT equivale a dar ao homem graça para amar a Deus e cum-
prir os mandamentos. A promessa do Evangelho, posterior à
Lei, não é de forma alguma contrária à anterior, antes cumpre
os propósitos essenciais da lei moral.55
A lei moral, dizia, "é uma imagem incorruptível do Altíssi-
mo e Santo Deus, que habita a eternidade [...] É a face desco-
berta de Deus; Deus manifesto [...] para dar a vida, e não
destruí-la - a fim de que o vejam e vivam".56 A Lei é boa e,
portanto, nela está a revelação da santidade, da justiça e da
30 5 perspectivas sobre a santificação

bondade de Deus. Mesmo que a Lei desmascare nossa justiça


própria e seja o rigoroso tutor que conduz a Cristo, por trás
da severidade evidente está o amor de Deus, que nos dirige e
nos atrai para uma vida de amor, o fim da Lei. Nesse sentido, a
Lei se transforma num evangelho. Mas o seu cumprimento e a
bênção que provém da obediência são reservados apenas aos
que compartilham a vida de Cristo, participantes da natureza
divina. Mandamento e promessa unem-se, e a lei régia do amor
passa a ser o ideal e o deleite somente dos que estão sob a graça.
Wesley rejeitou qualquer insinuação de que a grande insis-
tência na importância da Lei representasse legalismo, e alega-
va que a Bíblia em nenhum momento condena a compreensão
do que, para ele, significava cumprir a Lei de Deus. Foi além e
declarou que rejeitava também qualquer falsa liberdade que
" "
não fosse a liberdade para amar e servir a Deus e não temia
" "

nenhum tipo de servidão, a não ser a escravidão do pecado .

Além disso, a afirmação de Paulo de que Deus enviou "seu


próprio Filho, à semelhança do homem pecador [...] a fim de
que as justas exigências da Lei fossem plenamente satisfeitas
em nós [Rm 8.3,4] nos ensina que o NT considera a "justiça
"

da Lei" como "justiça legal".57 Mas os cristãos foram absolvi-


dos da "maldição da lei moral" e de seu poder condenatório.58
Eles são tão-somente (e sempre) aceitos "em Cristo".59 Dessa
forma, o cumprimento da Lei está relacionado ao ato de santi-
ficação, e não ao ato de justificação. A vida cristã foi planeja-
da pela graça para ser um movimento progressivo, do novo
nascimento à santificação plena e à perfeição no amor. O re-
sultado final da perfeição cristã não é espiritualidade interior,
mas ações de amor. A fé salvadora se cumpre na vida que
manifesta santidade e altruísmo no amor de Cristo; caso con-
trário, é morta. Por salvação, Wesley entendia

não apenas, de acordo com a noção popular, a libertação do infer-


no, ou o acesso ao céu; mas a libertação do pecado no presente, a
restituição da alma ao estado inicial de saúde, à pureza original; a
restituição da natureza divina; a renovação da alma em busca da
imagem de Deus, em retidão e verdadeira santidade, em justiça,
misericórdia e verdade.60

A fé é o meio pelo qual a Lei se comprova, e o amor é o


cumprimento dos mandamentos. O amor, e não fé, vem a ser
"

o objetivo final do plano de salvação. O amor é a finalidade


A perspectiva wesleyana 31

de todos os mandamentos de Deus", declarou Wesley. É o "pro-


pósito, o único objetivo de todas as dispensações de Deus,
desde o início do mundo até a consumação de todas as coi-
"
sas 61 A fé em Cristo não deve substituir, mas sim gerar a
.

"

santidade. A fé é simplesmente a serva do amor [...]. A fé


bíblica, para Wesley, está tão intimamente ligada ao amor e à
"

obediência [...] que não pode existir sem eles 62 .

Uma vez que o amor não pode existir sem a ação de um ser
moral, a tendência da teologia wesleyana é evidentemente éti-
ca; a essência da justificação é o amor em ação. O verdadeiro
"
cristianismo é ter a mente de Cristo", o que é demonstrado
pelo amor a Deus e ao próximo.63 A verdadeira libertação do
cristão não é a isenção da culpa, tampouco a salvação da an-
gústia do inferno, mas a liberdade para amar com o amor que
o próprio Deus lhe derramou no coração mediante a habita-
ção do Espírito Santo.64 Em Plain Account [Considerações sin-
"

ceras], Wesley resumiu liberdade como nada mais, nada


menos que isto [...] o amor controlando o coração e a vida,
permeando pensamentos, palavras e ações [...]. A perfeição
cristã é pureza nas intenções, é dedicar a vida toda a Deus. É
"

entregar a Deus todo o coração 65 "O Cristo salvador não é


.

uma proposição a ser aceita, mas uma pessoa a ser amada e


"
obedecida observa Wynkoop acerca dessa questão na dou-
,

trina de Wesley. A manifestação da fé é obediência e amor.66

A natureza e a obra do Espírito Santo


O terceiro elemento essencial que contribui de forma rele-
vante para a compreensão wesleyana da santificação é a obra
do Espírito santificadpr. Se a essência do ser divino é o amor
santo, logo, o supremo desejo de Deus é transmitir essa san-
tidade às criaturas com quem ele deseja compartilhar a pró-
pria imagem. O Espírito Santo é denominado santo não apenas
porque é Deus, mas porque, como revelam as Escrituras, trans-
mite a própria natureza divina aos filhos de Deus. Concede a
vida de amor por meio da vida de Jesus Cristo, que neles ha-
bita na presença e no poder do Espírito. Wesley concebia a
santidade com relação a Deus tanto como verbo quanto como
adjetivo.67 O Espírito é o Espírito de Cristo. Wesley considera-
va essa promessa do Espírito, que finalmente restituirá o ver-
dadeiro e pleno amor de Deus ao coração de todos os que
32 5 perspectivas sobre a santificação

crerem em Jesus Cristo, um dos grandiosos temas de salva-


"
ção tanto da Antiga quanto da Nova Aliança. A litania das
"

promessas bíblicas de pureza de coração e amor perfeito 68


que ele recitou durante toda a vida comumente se iniciava
com a promessa de Deus a Moisés em Deuteronômio 30, se-
" "
gundo a qual ele ia circuncidar o coração do povo de modo
que este o amaria de todo o coração e obedeceria a seus esta-
tutos. Transformava-se nas arrojadas promessas de Jeremias
31 e Ezequiel 36, nas quais Deus declara a intenção de resti-
tuir seu Espírito ao povo numa Nova Aliança que, por sua
vez, lhes permitiria andar no caminho dele e obedecer, pois
lhes seria dado um novo coração - o desejo de amar em vez
de desobedecer.
Wesley ouvia o tema da centralidade do Espírito santifica-
dor ressoar na promessa de Jesus de que os que têm fome e
sede de justiça serão saciados. O tema foi repetido por Jesus
no discurso aos discípulos pouco antes de sua morte, con-
forme registra o apóstolo João. Os hinos de Charles Wesley
sobre santificação reforçam a convicção wesleyana de que,
pelo poder da habitação do Espírito, o novo povo de Deus é
capaz de viver em justiça e verdadeira santidade por toda a
vida. Inerente ao mandamento bíblico de ser perfeito está a
promessa de cumprimento. A Lei, como se assinalou, tam-
bém é um evangelho. Deus provê graciosamente tudo quanto
exige do homem. Wesley salientava que na dispensação cristã
foi concedida uma medida maior do Espírito Santo que na
dispensação judaica, pois as possibilidades de salvação na
dispensação cristã são muito maiores do que aquela poderia
prover. Só após a glorificação de Cristo, a graça santificadora
do Espírito Santo foi concedida plenamente aos verdadeiros
crentes.69 Wesley encontrou apoio para a doutrina da perfei-
ção tanto na experiência cristã quanto nas Escrituras. Por meio
do Espírito, os crentes podem ter a convicção do relaciona-
mento com Deus em amor, uma vez que receberam o teste-
munho do Espírito para o novo nascimento em Cristo.
Embora Wesley sempre defendesse a pregação zelosa da bus-
ca da perfeição cristã nas sociedades e nas igrejas de que parti-
cipou, também defendia um enfoque pastoral tanto em sua
apresentação quanto em sua aplicação. Os indivíduos sinceros
" "
e interessados deveriam ser motivados pela esperança, pela
"

alegria e pela vontade, e não impelidos" pelo medo que os es-


120 5 perspectivas sobre a santificação

dentes levaram a doutrina cristocêntrica não-wesleyana da


" "

obra completa do Calvário ao extremo. Concentraram todo o


foco em Jesus e propuseram a "revelação" do pensamento
modalista da Trindade, que transformava Jesus na única Pes-
soa da divindade. Exigiam que os que haviam sido batizados
em nome do Pai, do Filho e do Espírito fossem rebatizados em
nome de Jesus somente, baseando-se no padrão apostólico
do livro de Atos. Propor que Jesus é "o nome" do Pai, do Filho
e do Espírito em Mateus 28.19 passou a ser a marca do unita-
rismo pentecostal, o conhecido movimento unitarista ou Je-
sus Somente. Frank Ewart, seu principal expoente, argumen-
tava que, uma vez que a plenitude da divindade habita
corporalmente em Jesus (Cl 2.9), ele deve ser a totalidade da
divindade. Alguns seguidores de Ewart vieram até minha mãe
"

e disseram-lhe que, se ela não se batizasse novamente no


"

nome de Jesus perderia a salvação. Ela era uma pessoa sen-


,

"

sível, e sua primeira reação foi perguntar: Como isso é possí-


"

vel, já que minha salvação é tão preciosa para mim? Depois .

disso, começou a ficar irada com qualquer um que questio-


"

nasse a obra de Cristo, o que a levou a assinalar: Estou fican-


do com raiva. Devo estar perdendo minha salvação". Então foi
rebatizada. Posteriormente, estudando sozinha as Escrituras,
voltou a crer na Trindade e finalmente congregou-se à As-
sembleia de Deus. Muitos, porém, mesmo alguns dos primei-
ros líderes das Assembleias de Deus, foram levados ao reba-
tismo com a motivação de glorificar a Cristo. Muitos destes,
entretanto, também retornaram.
A polémica acerca da unidade de Deus fez com que as As-
"
sembléias de Deus adotassem a Declaração de Verdades Fun-
damentais", com 16 itens, a fim de prover a base para uma
unidade duradoura. Esse documento, adotado em 1916, deu
"
atenção específica à natureza da Trindade, declarando-a Di-
"

vindade digna de adoração com três pessoas distintas num


,

único Ser. Outras doutrinas foram apresentadas apenas de


forma breve.
O tópico número 9 dessa declaração foi denominado "San-
tificação completa (ou plena)" e é exposto a seguir:

As Sagradas Escrituras ensinam em suas páginas que o homem


deve viver uma vida de santidade, sem a qual ninguém verá o
Senhor. Mediante o poder outorgado pelo Espírito Santo, podere-
144 5 perspectivas sobre a santificação

de Deus e, por nosso intermédio, transmite esse amor ao


mundo necessitado. Uma vez que estamos em Cristo, deve-
mos viver no Espírito e pelo Espírito. Cada aspecto da vida
precisa ser trabalhado por ele. Ele deseja, quando nos reuni-
mos na comunhão do Espírito, fazer-nos um com Cristo e
com os membros do corpo.
Quer recebamos manifestações especiais do Espírito, quer
não, ele está sempre presente para nos guiar, dirigir e ajudar.
Boa parte da vida no Espírito é uma questão de realizar fiel-
mente o serviço do Senhor e os negócios da vida cotidiana
sem intervenções espetaculares. Essa existência deixa de ser
banal e passa a ser uma vida de crescimento na graça e no
fruto do Espírito. A santificação contínua ainda permanece
como a obra principal do Espírito Santo. Entretanto, devemos
reconhecer que, como o batismo com o Espírito Santo não é
propriamente uma experiência de santificação, os que acaba-
ram de ser batizados com o Espírito precisam perseverar ain-
da mais na cooperação com o Espírito na obra santificadora.
Por outro lado, cremos que o propósito principal da vida
cristã não é purificar-nos. O crescimento na graça realiza-se
melhor quando estamos envolvidos no serviço de Deus. Não
acreditamos que o santo ou crente consagrado deva passar
todos os dias dedicando-se apenas ao estudo bíblico, à oração
e à devoção, e mais nada. Isso tudo é importante, mas a vida
santificada implica muito mais. Os utensílios santos do taber-
náculo nos servem de ilustração. Esses objetos não podiam ser
utilizados na prática de atividades comuns. Ninguém poderia
utilizá-los na cozinha, por exemplo, nem poderia usá-los para
servir o jantar. Todavia, não foi a separação do uso comum que
os tornou santos. Eles só se tornaram santos quando foram
levados para o tabernáculo e utilizados de fato no serviço a
Deus. Desse modo, somos santos não só porque fomos sepa-
rados do pecado e do mal, mas porque fomos separados para
Deus, santificados e ungidos para o serviço do Mestre.
A ordenação, ou consagração, dos sacerdotes no AT é ou-
tro exemplo. Nessa cerimónia, primeiro o sangue era aspergi-
do sobre o lóbulo da orelha direita, o polegar da mão direita e
o hálux do pé direito, simbolizando a expiação e a purificação
do indivíduo. Em seguida, os futuros sacerdotes eram ungi-
dos com óleo, o que representava a obra do Espírito na prepa-
ração para o serviço. Da mesma forma, somos purificados e
A perspectiva wesleyana 35

"
no Sermão do Monte: Portanto, sejam perfeitos como perfei-
to é o Pai celestial de vocês" (Mt 5.48). Deus insiste em que a
santidade cristã é mais do que legalidade objetiva; é também
"

uma realidade subjetiva. Assim, pelos seus frutos vocês os


"
reconhecerão (Mt 7.20). Essas palavras de Cristo e dos após-
tolos não podem ser tomadas apenas como ideais que se trans-
formam num novo tipo de legalismo, que por sua vez nos
atrai para fazer o melhor, mas nos nega qualquer medida real
de integridade prática e a plenitude do relacionamento com
Deus em amor.
Deus deseja ter (na verdade, precisa ter) um povo santo
com quem comungar - tema que atravessa as Escrituras.
Considere-se, por exemplo, a oração de Paulo pelos cristãos
de Tessalônica: "Que o próprio Deus da paz os santifique in-
teiramente. Que todo o espírito, a alma e o corpo de vocês
"

sejam preservados irrepreensíveis (ITs 5.23), e a declaração


de que "Cristo amou a igreja e entregou-se por ela para santi-
ficá-la [...] e para apresentá-la a si mesmo como igreja glorio-
sa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e
inculpável" (Ef 5.25-27). Uma tradução mais literal do último
texto revela com mais clareza suas verdadeiras conclusões:
"
Cristo amou a assembleia e entregou-se por ela, para santifi-
cá-la, tendo já [ou primeiro] a purificado pelo lavar da água
"
mediante a Palavra A preparação da igreja como noiva é a
.

idéia ou o propósito fundamental. "Sem mancha nem ruga" é


" "
outra forma de dizer santa e sem culpa As duas expressões .

revelam a realidade da santificação do cristão e da igreja e


transmitem claramente conotações morais, como Paulo ex-
"

pressa. Hebreus 13.12 apresenta o mesmo tema: Assim, Je-


sus também sofreu fora das portas da cidade, para santificar
"

o povo por meio do seu próprio sangue O propósito central .

da cruz foi a santificação do povo de Deus tanto coletiva quan-


to individualmente.
O propósito da santificação é moral e ético, como foi indi-
cado no estudo da oração sacerdotal de Cristo por seus discí-
pulos em João 17, e não se trata apenas de uma pretensão
dos cristãos de se acharem em posição especial diante de Deus.
O Pai santificou o Filho a fim de que este santifique os discí-
pulos e os leve a uma tal unidade com o Pai, em amor, que o
testemunho deles seja capaz de convencer o mundo. O mun-
do só pode conhecer a realidade dessa união mediante evi-
36 5 perspectivas sobre a santificação

dência concreta do bom estado moral que flui do amor divino


que eles experimentam. A oração foi feita em favor dos discí-
pulos e de todos os que viriam e virão a crer em Cristo por
" "

meio das palavras e obras deles, as obras maiores que eles ,

mesmos poderiam realizar por meio do poder do Espírito (Jo


14.12). Está evidente no contexto que apenas a questão da
posição em Cristo ou a experiência sobrenatural com ele ja-
mais poderia causar o testemunho no mundo pelo qual Jesus
orou.

Mildred Wynkoop observa que João 17 apresenta notável


paralelismo com Efésios 4:

1) Jesus tinha em mente o corpo espiritualmente unificado dos


crentes. 2) Isso traria glória para ele. 3) Ele morreu para santificá-
los. Todos os outros elementos da redenção estão incluídos, mas
de forma secundária a esse. 4) A santificação se dá em palavra e
"
obra. Palavra", obviamente, não se referia às Escrituras primaria-
mente, mas se encontrava em comunhão viva com o Verbo Vivo,
que é a própria verdade. 5) A comissão veio acompanhada de uma
advertência moral: a unidade de espírito indicada nas duas passa-
gens é completa pureza moral.72

Todas essas passagens fazem ressoar a mesma nota do


intento divino: a salvação concentra-se na santificação práti-
ca dos crentes, individualmente e como povo de Deus.
Os adeptos dessa concepção reconhecem que não existe
no NT nenhuma exortação explícita semelhante a essa no que
tange a buscar a santificação. Existem, sim, admoestações para
" "

que seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus (Fp 2.5).


Deve-se encontrar a maturidade da vida cristã entre os que
"

começaram a despir-se do velho homem" e a "revestir-se do


"
novo homem (Ef 4.22,24). Os cristãos são constrangidos a
"
purificar-se de tudo o que contamina o corpo e o espírito"
(2Co 7.1). "Todo pensamento" deve ser conduzido prisioneiro
para torná-lo obediente a Cristo (2Co 10.5). É nosso dever
" "

também livrar-nos "de tudo o que nos atrapalha e do pecado


"
que nos envolve (Hb 12.1). Paulo afirma que, na igreja de
Corinto, alguns crentes eram carnais e outros espirituais: "Ir-
mãos, não lhes pude falar como a espirituais, mas como a
"
carnais, como a crianças em Cristo (ICo 3.1). No capítulo an-
terior, ele fala também de alguns como perfeitos - o que im-
plica que outros não eram perfeitos. Nesse texto (e em muitos
A perspectiva wesleyana 37

outros semelhantes) os cristãos são advertidos e admoesta-


dos acerca dos que visivelmente ainda não conheceram a es-
piritualidade, a perfeição ou a liberdade de que devem e
poderiam apossar-se pela graça disponível a eles como filhos
de Deus.
O chamado a essa vida de libertação da velha natureza re-
belde e o chamado concomitante à liberdade para servir a
Deus e aos outros de todo o coração são centrais na obra e na
pregação apostólica. Paulo escreve:

E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas,


outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o
fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o
corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade
da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturi-
dade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. (Ef 4.11-13)

As últimas frases designam um ideal (ou objetivo) maravi-


lhoso da vida cristã, e a tarefa principal do líder é trabalhar
constantemente para levar todos os crentes a cumprir esse
ideal. Paulo também afirma que a tarefa do ministro de Cristo
é "que apresentemos todo homem perfeito em Cristo" (Cl 1.28).
O apóstolo fala de si mesmo como alguém que "noite e dia"
insistia em "suprir o que falta à sua fé" (ITs 3.10). João alude
às próprias expectativas quanto aos crentes quando declara
"

que o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo peca-


do" (IJo 1.7). Em IJoão 3.8 lemos: "Para isso o Filho de Deus
"

se manifestou: para destruir as obras do Diabo Essa afirma- .

ção é fundamental para a compreensão bíblica do plano de


Deus e do propósito da salvação, principalmente com respei-
to às conotações morais, éticas e existenciais dos versículos
que cercam esse texto. Esses e muitos outros textos ilustram
"

e expandem estas palavras de Jesus: Digo-lhes a verdade:


Todo aquele que vive pecando é escravo do pecado [...] Por-
tanto, se o Filho os libertar, vocês de fato serão livres" (Jo 8.34-
36). O chamado à santidade e ao amor esperados da vida cristã
é veemente e inquestionável. O ministério do evangelho deve
levar os crentes à plenitude das promessas bíblicas.
A doutrina bíblica sobre a criação do homem à "imagem" e
" "
semelhança de Deus (Gn 1.26,27) é outro tema que reforça e
legitima o interesse wesleyano pela libertação do pecado e pelo
poder correspondente de transformar esse homem em since-
38 5 perspectivas sobre a santificação

ro amante de Deus. O conceito de imagem não deve limitar-se


e tampouco deturpar-se à identificação com conceitos filosó-
ficos de espiritualidade, racionalidade e eternidade. Pelo con-
trário, deve manifestar-se num relacionamento de amor
marcado pela comunicação (IJo 1.3,4), responsabilidade (Gn
2 15-17) e administração zelosa (Gn 1.26,27). Todos esses dons
.

devem-se ao amor de Deus, e o homem jamais pode estar


totalmente liberto se não desfrutar a liberdade de servir a Deus
e ao próximo numa relação de amor divino procedente de um
coração sincero. Essa liberdade e esse amor são o propósito
da salvação. Como já foi demonstrado, em última análise a ,

Queda concentrou-se não na concupiscência, mas na perda


do amor, da imagem divina. Foi produto da rebeldia de agen-
tes livres, dotados de vontade, que manifestaram o egoísmo
nas ações. O antídoto, de acordo com Paulo, é recebermos em
Cristo uma nova natureza, "a qual está sendo renovada em
"

conhecimento, à imagem do seu Criador (Cl 3.10). Na "união


"
com Cristo uma nova natureza humana é criada. Os wesleya-
nos sustentam que permitir um padrão inferior à restituição
da alma do homem à imagem de Deus é diminuir a plenitude
da expiação de Cristo.
Essa vida do crente, "em Cristo", é central na concepção
paulina da natureza da salvação. O próprio Cristo introduziu
o assunto, principalmente pouco antes da morte, nas conver-
sas particulares com os apóstolos, como registra João: Eu
"

sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em


mim e eu nele, esse dará muito fruto; pois sem mim vocês
"

não podem fazer coisa alguma (Jo 15.5). Paulo menciona 164
" " " "
vezes que os cristãos estão em Cristo nele ou "no Senhor" ,

em todas as cartas, exceto uma. O impacto de tão grande tes-


temunho bíblico indica aos wesleyanos que o entendimento
individual, subjetivo e existencial do pecado e da salvação é
tão necessário quanto o entendimento objetivo, ou legal. Os
temas aqui representados unem-se na afirmação de Paulo:
"

Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas


"

antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas! (2Co 5.17;


v . tb. Rm 8.1; ICo 15.22).
A incorporação com Cristo implica justificação, adoção re- ,

generação e santificação. A justiça, a santificação e a redenção


do crente encontram-se em Cristo (ICo 1.30). Os wesleyanos
aceitam totalmente a verdade perene, anunciada pelos refor-
A perspectiva wesleyana 39

madores, de que todos os méritos que nos concedem a salva-


ção jazem tão-somente na obra de Cristo. Podemos apropriar-
nos dela apenas mediante a fé. Tudo é dom de Deus (Ef 2.8,9;
cf. At 15.11; Rm 3.24; 5.15; 11.6; Tt 2.11; 3.7). A salvação é
pela graça. Contudo, ainda que a tradição reformada quase
sempre ressalte a justificação e a adoção, muitas vezes negli-
gencia a regeneração e a santificação. A justiça plenamente
imputada (salvação objetiva) fica evidente, mas a justiça comu-
nicada (salvação subjetiva) é negligenciada. Os wesleyanos sus-
tentam que o conceito bíblico de salvação encerra tanto uma
quanto a outra, que ambas estão presentes no conceito paulino
de estar "em Cristo" - a definição essencial de cristão no NT.
Por outro lado, Cristo também está no cristão (Gl 2.20). É "o
mistério que esteve oculto durante épocas e gerações, mas
que agora foi manifestado a seus santos [...] a gloriosa riqueza
deste mistério, que é Cristo em vocês" (Cl 1.26,27; v. tb. Jo
14.20; 17.23; Ef 3.17; Ap 3.20). Plenitude e restauração fazem
parte da união com Cristo. Não se trata de uma união de iden-
tidade, mas de um relacionamento de liberdade que se tor-
"

nou possível pelas qualidades de Jesus Cristo, por quem vocês


"

receberam a plenitude (Cl 2.10).


Paulo expressa essa liberdade quando diz: "Portanto, não
permitam que o pecado continue dominando os seus corpos
mortais [...] Pois o pecado não os dominará, porque vocês
não estão debaixo da Lei, mas debaixo da graça [...] Mas agora
que vocês foram libertados do pecado e se tornaram escravos
de Deus, o fruto que colhem leva à santidade, e o seu fim é a
"
vida eterna (Rm 6.12,14,22). O Reino de Deus está no interior
do cristão (Lc 17.21), e a vida do Reino nos pertence (Sermão
do Monte). A vida de Jesus revela-se no corpo mortal dos cris-
tãos (2Co 4.10). Os recursos para a vitória não repousam no
crente, mas em Cristo. Os cristãos não se valem da força, mas
da submissão. Deus, mediante a graça de Cristo e o poder do
Espírito que habita em nós, derrama seu amor no coração dos
seus filhos.
A presença de Cristo na vida cristã no Espírito e a liberta-
ção da natureza rebelde do velho Adão não são, porém, a li-
bertação final da presença e da ameaça do pecado. A força e a
presença do pecado nos ameaçam e tentam por meio do cor-
po e da mente decaídos, assim como em tudo o que nos ro-
deia no mundo, que ainda necessita de redenção. Paulo esboça
40 5 perspectivas sobre a santificação

abertamente essa doutrina em Romanos 8, capítulo que é par-


ticularmente fundamental para a compreensão wesleyana da
vida santa. Depois de declarar a libertação do domínio e da
presença interior do pecado na vida do cristão cheio do Espí-
rito (v. 1-17), ele confessa, entretanto, que ainda vive num mun-
do corrompido, pecaminoso, mesmo sendo nós o povo de Deus
e cidadãos da nova ordem mundial (v. 18-30). O corpo e a men-
te estão sujeitos a limitações (ICo 13.12; Mt 26.41). A redenção
completa dessas áreas aguarda a consumação final de todas as
coisas. Em virtude das aparentes contradições que essa verda-
de apresenta, mesmo aos que já foram redimidos, o apóstolo
declara que somos sustentados pelo amor de Deus até que a
nova ordem seja estabelecida universalmente (Rm 8.18-30).
"

Esperamos ansiosamente o Salvador [...] ele transformará os


nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes ao seu
"

corpo glorioso (Fp 3.20,21). Deus nos salvará do poder e do


domínio do pecado a fim de que o sirvamos de todo o cora-
ção. Ele pode libertar-nos da doença e de outras realidades do
tempo presente, em que servimos, tão logo nos confiemo à
bondade e à sabedoria do senhorio de Deus sobre o tempo e
tudo o que foi criado. Paulo também oferece a Tito uma pala-
"

vra tranquilizadora: Aguardamos a bendita esperança: a glo-


riosa manifestação de nosso grande Deus e Salvador, Jesus
Cristo. Ele se entregou por nós a fim de nos remir de toda a
maldade e purificar para si mesmo um povo particularmente
"

seu, dedicado à prática de boas obras (Tt 2.13,14).


No rico contexto desses e de muitos outros modelos bíbli-
cos acerca do propósito fundamental das verdades da salva-
ção, os wesleyanos interpretam e entendem o conteúdo da
vida que está em Jesus Cristo. Juntamente com Wesley, afir-
mam que qualquer doutrina sobre santificação que não con-
temple essas promessas e esse potencial não corresponde à
plenitude do evangelho. Sempre houve tensões no entendi-
mento de como a santificação deve iniciar e manter-se e de
como pode manifestar-se em meio às vicissitudes da vida. Às
vezes surgem divergências entre os próprios wesleyanos,
outras vezes entre os que entendem a santificação de forma
diferente deles. As objeções dos que sustentam opiniões di-
ferentes serão analisadas brevemente nas réplicas apresenta-
das neste livro. Um levantamento sucinto de algumas tensões
"

surgidas entre os próprios wesleyanos com relação ao Grand


Réplica

WESLEYANA

a Hortgn

Melvin E. Dieter

Stanley Horton apresenta um excelente resumo histórico das


origens do pentecostalismo e dos ventos de doutrina que passa-
ram pelo movimento reavivalista norte-americano no começo
do século XX. As duas principais raízes da teologia pentecostal
são expostas logo no começo de seu artigo: a teologia da se-
gunda bênção, do movimento metodista holmess, e o ensino
da santificação progressiva, proveniente da larga tradição ba-
tista independente, esta fortemente influenciada pelo ideal da
vida elevada do Instituto Bíblico Moody, representado por R. A.
Torrey. Este último movimento ressaltava a atuação especial
do Espírito no Pentecoste como a base para receber poder para
testemunhar, enquanto os pentecostais holmess pregavam a
crise de santificação e o revestimento de poder que a acompa-
nhava.
É de esperar, portanto, que a teologia pentecostal da
santificação que as Assembléias de Deus e outros grupos
pentecostais defensores do batismo adotam seja mais eclética
que qualquer outra posição representada neste estudo. Na
verdade, às vezes parece que ela se esforça para encontrar
expressão coerente. Essa teologia formou-se a partir de deter-
minadas reações à teologia do pentecostalismo holmess, que
marcou grande parte do movimento pentecostal pioneiro, e
caminhou na direção calvinista mais apropriada à teologia
originária de muitos ex-batistas que haviam sido conquista-
dos para o pentecostalismo durante o reavivamento. Contu-
42 5 perspectivas sobre a santificação

mento do movimento de santidade de Keswick e da sempre


vigorosa polémica, com altos e baixos, entre a tradição wes-
leyana holiness e os movimentos de orientação mais calvinista.
Ao mesmo tempo, os ministros Phoebe e Walter Palmer, da
cúpula leiga metodista, tornaram-se agentes catalisadores da
renovação da doutrina wesleyana sobre a perfeição cristã den-
tro da própria igreja, doutrina que muitos achavam estar sen-
do negligenciada em meio ao crescimento exponencial que
pusera rapidamente os metodistas no topo das denomina-
ções mundiais por volta de 1840. O movimento por uma vida
melhor da Nova Escola do calvinismo americano e o movi-
mento holiness do metodismo logo encontraram um campo
comum e, ajudados pelo puritanismo, o pietismo e o milena-
rismo, permearam a base do reavivamento americano do sécu-
lo XIX. Os movimentos relacionavam-se entre si e alimentavam
a preocupação com a santidade cristã em quase todo o pro-
testantismo americano - wesleyano, reformado e anabatista.
Nesse contexto dinâmico, os ensinamentos clássicos do wes-
leyanismo sobre a perfeição cristã, esboçados anteriormente
neste livro, foram proclamados, testados, expandidos e, como
crêem alguns, até alterados, pelo menos no tom e na ênfase.
Um breve resumo desses elementos e do conflito que por ve-
zes os rodeou no metodismo e no movimento holiness ameri-
cano é necessário para entender como o ensino wesleyano
sobre santidade foi abraçado nas novas igrejas holiness sur-
gidas no final do século XIX e início do século XX nos Estados
Unidos e na Inglaterra.75
A pregação da experiência de santificação recebeu cores
fortes por ter sido uma doutrina desenvolvida nos Estados
Unidos num contexto de reavivamento. A pregação renovada
ressaltava, como essenciais à vida cristã, pontos decisivos
imediatos e definidos na experiência individual. A pregação
holiness reunia os elementos do ensino de Wesley sobre a san-
tificação em torno da segunda crise de fé, subsequente à jus-
tificação, chamada comumente de santificação plena. Esse foco
na mensagem de Wesley pelo prisma da exigência direta dos
reavivalistas de decisão imediata gerou crítica e conflito quando
o reavivalismo holiness desabrochou dentro e além do meto-
dismo. Os oponentes argumentavam que o entendimento
wesleyano da salvação, como sendo um continuum em que
determinados momentos de decisões extremas e infusões da
A perspectiva wesleyana 43

graça justificadora e santificadora deveriam ocorrer no pro-


cesso de uma vida inteira, estava sendo comprometido. Aque-
les que propunham a nova ênfase no momento crítico da
santificação plena - a purificação de todo o pecado pelo Es-
pírito e a libertação da alma para o amor - temiam que o
destaque exagerado no processo e a desvalorização da expe-
riência crítica, pelos oponentes, tendesse a destruir a espe-
rança de o cristão ser plenamente santificado ainda nesta vida.
Eles afirmavam que essas críticas os afastavam da teologia de
Wesley exatamente no ponto que, desde o início, a tornou uma
perspectiva singular sobre santificação. Na luta por represen-
tar a perspectiva de Wesley, que persistiu dentro do metodis-
mo na maior parte do século XIX, os wesleyanos reavivalistas
prevaleceram de forma geral. De acordo com seu ensino, a
Palavra de Deus convoca todos os cristãos a receber a santifi-
cação plena como obra da graça subsequente à regeneração.
Todavia, as tensões dentro das estruturas prevalecentes da
igreja do final do século XIX, principalmente as pertencentes
ao metodismo, eram tais que, em geral, essas estruturas não
conseguiam conter a vitalidade (e às vezes o zelo excessivo)
do avivamento holiness. A divisão e o surgimento de novas
igrejas foram a consequência mais comum.76
Depois de muitos adeptos do movimento holiness meto-
dista se separarem ou serem desligados por pressões do cle-
ro dos principais segmentos da igreja, no norte e no sul, eles
se uniram e juntaram os muitos convertidos que consegui-
ram fora da corrente principal do metodismo num grupo de-
"
nominado igrejas holiness". O novo grupo demonstrava
posições díspares numa variedade de assuntos, mas a prega-
ção da centralidade da santificação plena como segunda obra
da graça e a possibilidade de viver diariamente em obediência
a Deus e em amor ao próximo agrupou-os numa identidade
comum. A doutrina wesleyana da santificação encontrou sua
maior expressão na tradição metodista posterior à virada do
século XIX, na Igreja do Nazareno, no Exército de Salvação, na
Igreja Holiness dos Peregrinos, na Igreja Metodista Wesleyana
(as duas últimas incorporadas à igreja Wesleyana), na Meto-
dista Livre, na Igreja de Deus (Anderson, Indiana) e em mui-
tos grupos religiosos relacionados.77
No decorrer do desenvolvimento da doutrina no metodis-
mo do século XIX e em sua subsequente transformação em
44 5 perspectivas sobre a santificação

norma das igrejas holiness, certos destaques ameaçaram, al-


gumas vezes, o equilíbrio do ensino wesleyano clássico. A
perspectiva de Phoebe Palmer sobre a doutrina wesleyana da
santificação plena veio a ser um dos primeiros pontos de ten-
são no desenvolvimento da doutrina nos Estados Unidos. Seus
ensinamentos sobre a santidade cristã tornaram-se elemento
permanente na teologia do movimento holiness metodista em
virtude de seu antigo predomínio no movimento de reaviva-
mento. As exortações simples e bíblicas de Phoebe à santida-
de reuniram-se no que se chama comumente de "terminologia
do altar" e "caminho mais curto". Ela acreditava fortemente na
autoridade absoluta da Bíblia e, como é comum na tradição
reavivalista, aplicava-a diretamente na pregação e na vida.
Cristo, dizia, é o altar do cristão. Na interpretação de Phoebe
de Êxodo 29.37, qualquer um que tocasse o altar se tornaria
santo. Logo, qualquer crente que com fé desejasse apresen-
tar-se sem nenhuma reserva como "sacrifício vivo" (Rm 12.1)
sobre o altar providenciado pela obra de Cristo seria inteira-
mente santificado e purificado de todo o pecado.
Palmer ensinava que as promessas claras das Escrituras
são a voz de Deus, pois o Espírito as comunica a nós. A ação,
com base numa promessa divina na fé, constitui a segurança
de que essa promessa será cumprida em nós. Dessa pers-
pectiva, parecia haver uma fusão entre o ato e a segurança
da fé num único elemento. Os discípulos mais versados na
teologia procuraram alertá-la quanto a essa tendência. Ela,
porém, acreditava que o testemunho interior do Espírito, mui-
to ressaltado por Wesley, acompanharia o testemunho da fi-
delidade de Deus rápida, se não imediatamente, aos que se
entregassem de forma total a Cristo para a salvação plena. A
Bíblia também ensinou-lhe que sem santidade ninguém verá
a Deus e que a santificação é a vontade de Deus para nós.
Além disso, "agora" sempre é o tempo de Deus para a aceita-
ção de sua oferta graciosa de salvação. Contudo, deixar de
levar a efeito essas palavras de promessa transforma-se em
incredulidade e esta, em pecado e desobediência. Palmer tam-
bém insistia em que, quando as pessoas vivem a bênção, é
seu dever proclamá-la e procurar zelosamente levar outros à
mesma experiência.78
O tempo não nos permitirá considerar todas as complexas
questões aqui levantadas, mas é possível perceber que algo
mudou da perspectiva teológica. Ainda que cada pressuposi-
Réplica reformada a Dieter 55

vida, o leitor deve ler o capítulo em que respondo a McQuilkin


(p. 206).
Embora aprecie a insistência de Dieter no crescimento es-
piritual contínuo, devo rejeitar a possibilidade de o crente
viver sem pecado nesta vida. Estamos em Cristo e precisamos
nos encher cada vez mais do Espírito, porém ainda não so-
mos perfeitos, seja no amor, seja na consagração. Somos ge-
nuinamente novos, mas ainda não completamente novos.
46 5 perspectivas sobre a santificação

nharam ter recebido essa segunda bênção concentra-se mais


na importância da experiência do momento crítico do que na
natureza do relacionamento em progresso. Santificação total,
para Wesley, era o momento da perfeição em amor que o cren-
te experimentava, mas apenas em sentido qualitativo. Do pon-
to de vista quantitativo, a atração que o amor divino exerce é
tão imensurável que o estilo de vida do crente santificado sem-
pre é o de um peregrino, não o de um colonizador. Não há
lugar de descanso na busca incessante do crescimento espi-
ritual individual e do testemunho de amor - no relaciona-
mento com Deus e com o próximo. Outro enfoque muito
difundido, tanto na pregação quanto em alguns escritos teo-
lógicos, dava a entender que o pecado era como uma subs-
tância concreta que podia ser arrancada do coração. O próprio
Wesley contribuiu para essa idéia empregando expressões
" "
como circuncisão do coração para designar essa experiên-
" "
cia, e raiz de amargura na alma para referir-se aos desejos e
sentimentos da antiga natureza. No conjunto da teologia, con-
tudo, seu conceito de santificação plena como purificação sis-
temática do indivíduo, da experiência como geradora de saúde
e plenitude, amenizou o conceito de santificação como erra-
dicação do pecado, como se este fosse uma entidade única
que pudesse ser extirpada.80
O ambiente de reavivamento americano, principalmente
com o progresso do movimento, parecia acelerar a facilidade
com que a erradicação podia passar de simples analogia, útil
para definir o grau da prometida libertação do pecado, e trans-
formar-se no conceito do ensino holiness de que o pecado é
uma substância material que pode ser extirpada do coração
pela graça concedida no momento da santificação. O empre-
go da terminologia da erradicação difundiu-se. Começou a
estreitar o foco da teologia popular do movimento e das igre-
jas da holiness, moldados, como foram, pela pregação dos
seus evangelistas que, por sua vez, apresentaram o ensino da
santificação quase exclusivamente em avivamentos especiais
ou encontros de campo mantidos para a promoção da doutri-
na. Juntamente com a forte ênfase sobre a natureza crítica do
momento da santificação plena, a teoria da erradicação esti-
mulou ainda mais a criação de um conceito estático-absolu-
tista acerca da graça na tradição metodista. O destaque dado
pelos wesleyanos holiness à erradicação da natureza pecami-
A perspectiva wesleyana 47

nosa acentuou-se quando esse movimento enfrentou a opo-


sição por parte do movimento da vida mais elevada de Keswick
na questão sobre a plenitude do Espírito Santo na vida santi-
ficada: a plenitude do Espírito libertava o crente apenas do
domínio do pecado ou também o livrava da presença do pe-
cado no coração?81
Nas últimas décadas, muitas reflexões bíblicas, teológicas
e históricas sobre a doutrina wesleyana da santidade cristã, a
maior parte dos próprios intelectuais desse movimento, têm
orientado a teologia e a pregação da santificação mais em di-
reção à idéia do continuum processo-crise-processo pós-jus-
tificação definido por Wesley. A pregação dos wesleyanos
holiness tem reenfatizado também os temas da purificação e
da cura de todo o pecado intencional e tem moderado o uso
da terminologia erradicacionísta a fim de chegar-se a uma com-
preensão descritiva, não prescritiva. O entendimento contem-
porâneo também começou a expressar a santificação do crente
em Cristo como um relacionamento perfeito e dinâmico em
vez de um estado fixo de experiência. A experiência é conside-
rada de forma mais global. O conteúdo e o significado da se-
gunda crise foram ampliados, enquanto sua importância como
elemento essencial para entrar na perfeição permanece.82
A ênfase definitiva da pregação wesleyana holiness no sé-
culo XIX e no início do XX, que se transformou no foco do
debate doutrinário contemporâneo, recaía sobre o uso da ex-
"

pressão pentecostal batismo com o Espírito" para designar a


dinâmica da santificação plena. A obra do Espírito é essencial
em qualquer explicação evangélica da doutrina da santifica-
ção. É particularmente central na compreensão wesleyana por
causa da proeminência histórica da experiência cristã.
Embora Wesley sempre tenha reconhecido o Espírito Santo
como o agente ativo da santificação do crente, os textos que
constituem a base bíblica dessa verdade foram em grande
parte extraídos das promessas e profecias do AT, uma vez
que se cumpriram nas palavras, ações e sacrifício de Cristo
no NT. Os evangelhos e as epístolas fornecem o principal con-
texto neotestamentário do ensino cristão sobre a santidade.
O primeiro e mais destacado dos defensores clássicos do
wesleyanismo, John Fletcher, amigo e confidente de Wesley,
interpretava e defendia a doutrina da perfeição cristã de for-
ma diferente. Elaborou seus argumentos para o ensino wes-
A perspectiva reformada 73

de" (Jo 17.17). Cristo, que veio para dar testemunho da verda-
de salvadora de Deus, ora para que o Pai guarde seus discípu-
los na esfera da verdade redentora. Uma vez que Cristo não
ficaria mais tempo no mundo, essa verdade poderia ser en-
"
contrada na Palavra de Deus. Portanto, ele acrescenta: a tua
"

palavra é a verdade Devemos crescer em santificação por


.

meio da Bíblia, que é a Palavra de Deus. Em 2Timóteo 3.16,17,


a Bíblia é apresentada explicitamente como um dos principais
"

meios pelos quais Deus santifica seu povo ( Toda a Escritura é


inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção e para a instrução na justiça, para que o ho-
mem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda
boa obra"). Mais adiante neste capítulo, tratarei separadamen-
te do papel da lei de Deus na santificação.
A Bíblia também ensina que somos santificados pela fé. Uma
das verdades fundamentais proclamadas pela Reforma Pro-
testante é que somos justificados pela fé. É igualmente verda-
de que somos santificados pela fé. Paulo, repetindo as pala-
vras que Jesus lhe disse no caminho de Damasco, afirma que
Cristo o enviou aos gentios para "abrir-lhes os olhos e con-
vertê-los das trevas para a luz [...] a fim de que recebam [...]
herança entre os que são santificados pela fé em mim" (At
26.18). De acordo com Herman Bavinck, "Fé é o extraordinário
"
meio de santificação 3 .

De que modo a fé é meio de santificação? Em primeiro lu-


gar, pela fé mantemos nossa união com Cristo, que é o cora-
ção da santificação. Na regeneração, que é obra realizada com-
pletamente por Deus, somos unidos a Cristo e capacitados
para crer nele, mas continuamos vivendo nessa união com
ele mediante o exercício da fé. Aprendemos, por exemplo, em
Efésios 3.17 que Cristo habita em nosso coração mediante a
fé. Paulo expressa essa verdade de forma muito vívida em
Gálatas 2.20 ("Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou
eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo
no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se
"

entregou por mim ) .

Em segundo lugar, pela fé aceitamos o fato de que, em Cris-


to, o pecado não mais predomina sobre nós. Os crentes de-
vem não só reconhecer pelo intelecto, mas aceitar com plena
"

confiança a verdade de que o nosso velho homem foi crucifi-


cado com ele [Cristo], para que o corpo do pecado seja des-
truído, e não mais sejamos escravos do pecado" (Rm 6.6) e
A perspectiva wesleyana 49

menos não demonstrou nenhuma preocupação com essas


consequências.
Todavia, o emprego explícito de Flechter da terminologia
pentecostal na definição da doutrina, está apenas implícito
em Wesley; não era sua principal ênfase, como já menciona-
mos anteriormente. As obras de Fletcher eram lidas por mui-
tos no metodismo quando este se firmou como o movimento
predominante do século XIX nos Estados Unidos. O movimento
holiness metodista, reforçado pelo movimento do perfeccio-
nismo de Charles Finney e Asa Mahan na Nova Escola do cal-
vinismo, adotou os mesmos temas escatológicos. Ambos os
movimentos foram incentivados pelo milenarismo que per-
meou e moldou de forma relevante a história dos Estados
Unidos. No final do século XIX, a crise da santificação plena,
"

ou perfeição em amor, era comumente identificada com o


batismo com o Espírito Santo". Era uma nota escatológica em
expansão no todo do reavivalismo norte-americano.85
O uso posterior da expressão "batismo com o Espírito" nos
movimentos pentecostais e carismáticos e a publicação de
novos estudos importantes sobre o significado do aconteci-
mento do Pentecoste e da teologia do Espírito Santo renova-
ram as questões de Wesley e Fletcher sobre esse assunto.86 A
resposta atual do movimento wesleyano às perguntas relati-
"

vas ao uso da expressão batismo com o Espírito" como o en-


tendimento mais adequado do ato da santificação plena varia.
Por um lado, alguns defendem que o padrão predominante e
o princípio central para a interpretação da experiência de san-
tificação encontra-se no Pentecoste. Continuam rejeitando a
exegese de James Dunn da passagem de Atos dos Apóstolos e
de outros com compreensão exegética semelhante. Conser-
vam o forte apoio dos padrões exegéticos criados pelos de-
fensores holiness do final do século XIX.
Juntamente com Wesley, outros reconhecem que os textos
de Atos sem dúvida falam do recebimento inicial do Espírito
no novo nascimento e batismo. Levam muito a sério a valida-
de das recentes questões exegéticas que estão sendo levanta-
das. Argumentam, entretanto, que interpretações semelhantes
às de Dunn das passagens sobre o Pentecoste restringem in-
devidamente o pleno propósito desses textos. Afirmam que a
"

extensão do significado inerente das passagens sobre batis-


"

mo no Espírito tem alcance muito maior do que esses exege-


50 5 perspectivas sobre a santificação

tas propõem. Contudo, esse tipo de linguagem ainda é válido


na exegese da tradição holiness. Eles acreditam que a exegese
mais restrita dos textos sobre Pentecoste limita as expectati-
vas das promessas do AT de que, quando o Espírito viesse em
plenitude, faria com que todo o povo de Deus guardasse seus
mandamentos e andasse diante dele em constante integrida-
de moral. O uso desses textos e da terminologia referente à
experiência de plenitude do Espírito, afirmam, é correto e exe-
geticamente sustentável para o plano de salvação revelado na
tipologia do AT e em seu cumprimento no NT.
Ainda outros integrantes do movimento distanciaram-se do
" "
uso da hermenêutica pentecostal e do tema "batismo com o
Espírito" e retornaram ao emprego das expressões básicas de
Wesley, como "morte para o pecado", "circuncisão do coração"
"

e a restauração da mente de Cristo Jesus". Essa última corren-


te tende à interpretação que reúne a pneumatologia e alguns
temas escatológico-dispensacionalistas da capacitação do Es-
pírito para o povo da era do advento do Pentecoste. Com base
nas raízes históricas das diferenças de interpretação deste pon-
to, é provável que as duas maneiras de entender a santificação
plena ainda permaneçam vivas no wesleyanismo.87
Apesar da variedade de opiniões e apresentações da dou-
trina da santidade cristã no movimento wesleyano mais geral
dentro das igrejas metodistas, holiness e pentecostais con-
temporâneas, todas ainda encontram basicamente o entendi-
" "
mento da salvação plena nas perguntas e respostas sucintas
que John Wesley esboçou em Plain Account [Considerações
sinceras]:

P :
. O que é perfeição cristã?
R .
: Amar a Deus com o coração, entendimento, alma e for-
ça...

P .
: Pode fluir algum erro de um coração puro?
R .
: Eu respondo: 1) muitos erros podem conviver no cora-
ção puro; 2) alguns podem fluir dele acidentalmente;
ou seja, o próprio amor pode inclinar-nos ao erro...

P .
: Como evitar que a perfeição se situe em nível alto de-
mais ou baixo demais?
R . : Mantendo-a na Bíblia, e situando-a na altura que a Bíblia
a situa. Nem mais nem menos [...] o amor, regendo o
coração e a vida, percorrendo todos os sentimentos,
A perspectiva de Keswick 183

meio de destruição, não de bênção. Repito: não sabemos orar


como convém, mas, quando confiamos no Espírito e oramos
confiantes em sua capacitação, esse meio de graça passa a ser
eficaz. O mesmo ocorre com a igreja e os outros meios de
graça. A fé aciona o interruptor, libera a corrente de poder
divino. Sem fé não existe corrente elétrica, não existe poder.

0 que é a fé
Frequentemente distingue-se entre a fé do coração (emoci-
onal) e a da mente (racional). Diz-se que a pessoa pode crer
racionalmente em fatos a respeito de Deus e, apesar disso se ,

não tiver confiança no coração, estará a meio metro de dis-


tância da salvação. Essa distinção, todavia não é bíblica. Fe-
,

lizmente. Afinal, como se pode distinguir teologicamente -


sem falar na perspectiva psicológica e anatómica - entre as
atividades racionais e emocionais da mente? A Bíblia faz dis-
tinção, sim, mas apenas entre a fé do coração e a confissão
dos lábios (e.g., Mt 15.7-9), entre o que se pode chamar de fé
verdadeira e fé falsa.

Féfâhâ

A fé falsa pode ser a que se deposita num objeto errado. Se


confio nas experiências do passado, em meus recursos, ou
nas promessas de que me aproprio de forma errada, não te-
nho a fé salvadora e santificadora. Mais uma vez, algumas
pessoas podem enganar-se crendo que confiam em Deus,
quando na verdade confiam em sua própria bondade. Por
exemplo, se a motivação de alguém é sua própria glória em
"

vez da glória de Deus, essa fé" é na verdade presunçosa (Jo


5 44), e presunção é uma forma de fé falsa.
.

Outro tipo de fé falsa é a incompleta, parcial. A fé salvadora


e santificadora envolve todo o ser, incluindo intelecto, emo-
ções e vontade. Ou seja, a verdadeira fé envolve entendimen-
to, amor e decisão. Se faltar algum desses elementos, é uma fé
inadequada. Muitos crentes vivem uma vida de fracasso por-
que, embora creiam nos fatos e tenham entusiasmo pelo Se-
nhor Jesus e pesar pelos erros que praticam, não fazem as
escolhas exigidas por Deus.
Réplica

WESLEYANA

a HcQ

Melvin E. Dieter

O artigo de J. Robertson McQuilkin demonstra a realidade


de dois fatos a respeito das perspectivas incluídas neste li-
vro: 1) as tradições evangélicas, que apelam vigorosamente
para a autoridade das Escrituras, definem bíblica e notavel-
mente a concepção da santidade cristã em termos semelhan-
tes; podemos nos surpreender mais com as correspondên-
cias do que com as diferenças; 2) de todas as concepções
apresentadas, o padrão de vida elevado de Keswick e a pers-
pectiva wesleyana de santidade são os que mais se parecem
ao expressar as perspectivas. A doutrina de Keswick encara
com mais seriedade certos elementos essenciais da teologia
evangélica-arminiana que fundamentam o wesleyanismo.
Keswick toma a perspectiva wesleyana da possibilidade, e mes-
mo da necessidade, da invasão da vida cristã pela plenitude
de Deus, e a incorpora à perspectiva da vida em santidade,
mantendo ao mesmo tempo traços fundamentais da teologia
reformada a fim de adaptar-se a suas definições.
A história fornece alguns momentos de entendimento à tur-
bulenta relação entre o movimento wesleyano e o de Keswick.
Um dos pontos mais importantes do intercâmbio contínuo entre
o reavivamento americano e o britânico foi o afluxo à Inglaterra
de propagadores americanos da fé depois da Guerra Civil Ame-
ricana. Nesse período, a influência dos evangelistas da santi-
dade americanos é secundária quando comparada à influência
de Dwight L. Moody, principal evangelista do momento. A men-
Réplica reformada a Dieter 53

te Calvino ensinou que Cristo cumpriu a Lei por nós a fim de


que não necessitássemos cumpri-la para conquistar a salva-
ção. Mas ele insistiu também que os crentes devem guardar a
lei de Deus como prova de gratidão pela salvação recebida.
Aliás, a essa função da lei ele chamou de "utilidade principal".
Calvino também concorda com Wesley em que o viver santo é
"

o propósito da salvação: Uma vez que é característica princi-


pal da glória [de Deus] não termos comunhão nenhuma com
a maldade e a impureza, as Escrituras ensinam que ela [a san-
tidade] é a meta de nosso chamado, para a qual devemos sem-
"

pre olhar se respondermos ao chamado de Deus .

Minha maior dificuldade refere-se à doutrina da "santificação


"

plena Dieter apresenta essa doutrina em três estágios. Primei-


.

ro, o processo de santificação inicia-se na regeneração (p. 19-20,


22). Segundo, algum tempo depois da regeneração, a santifi-
"

cação plena pode acontecer pela mesma fé [...] que inicialmente


trouxe a justificação" (p. 20). Terceiro, o crente deve continuar
crescendo na graça (p. 45). Em outras palavras, deve haver cres-
cimento espiritual antes e depois da santificação plena, sendo
" "

o padrão normal o processo-crise-processo (p. 47).


Concluo que, para Dieter, "santificação plena" significa a ca-
pacidade de viver sem pecado nesta vida. A prova que apóia
esta conclusão é o modo como ele descreve esse estágio da
"

vida cristã: 1) Na santificação plena a inclinação para o peca-


do" se perde (p. 24), e a batalha interior travada contra a "re-
beldia interior inata" termina (p. 20); 2) santificação plena é
definida como "renovação completa à imagem de Deus" (p. 53),
" "

perfeição cristã (p. 60), "perfeição em amor" (p. 33), "perfeita


"

consagração [...] a Deus (p. 21), "perfeito amor a Deus e ao


"

próximo (p. 21); notar que o New Collegiate Dictionary de


Webster define perfeito como "completamente sem falha nem
defeito: impecável") e libertação de todo o pecado (p. 21). Deve-
"

se observar que essa salvação caracteriza-se como salvação


de todo o pecado intencional" (p. 18) e libertação da "compul-
"

são de cometer transgressões voluntárias (p. 16).


Na verdade, insinua-se que há algumas limitações à "per-
feição". Wesley, afirma Dieter na página 16, "jamais admitiu a
idéia de que os cristãos completamente santificados pudes-
sem tornar-se pessoas sem pecado, no entanto, de não pode-
"

rem cair novamente em pecado por desobediência Todavia, .

" "

a expressão novamente implica a idéia de que, anteriormen-


54 5 perspectivas sobre a santificação

te a esses lapsos, elas não caíam em pecado. "A libertação to-


tal dos efeitos do pecado, bem como de sua presença, ainda
deve aguardar [de acordo com Wesley] a glória vindoura" (p.
16). Mas "efeitos do pecado" indica tão-somente que esses cren-
tes ainda vivem "na loucura desse mundo" (p. 16, cf. p. 39-
40), e a "presença do pecado" remanescente é explicada como
"

algo diferente da presença interior do pecado na vida do cris-


tão cheio do Espírito" (p. 40).
Que prova bíblica Dieter apresenta para provar a possibili-
dade de o cristão viver nesta vida sem a inclinação para o
"

pecado? Ele cita Mateus 5.48 (p. 35): Portanto, sejam perfei-
tos como perfeito é o Pai celestial de vocês". Jesus apresenta-
nos o ideal de perfeição. Mas suas palavras não significam
que podemos atingir esse ideal nesta vida. O pedido que ele
"
nos ensinou a fazer diariamente - Perdoa as nossas dívidas,
"

assim como perdoamos aos nossos devedores (Mt 6.12) -


exclui essa possibilidade. O mesmo pode-se dizer com refe-
rência ao pedido de Paulo - que apresentemos todo homem
"

"

perfeito em Cristo (Cl 1.28, p. 37). Nessa passagem, perfeição


é um desejo, e não algo realizável, ao menos até a volta de
Cristo (cf. v. 22). Em nenhum lugar a Bíblia ensina que a apre-
"

sentação da igreja sem mancha nem ruga ou coisa semelhan-


te, mas santa e inculpável" (Ef 5.27, p. 35) ou a conquista da
"

medida da plenitude de Cristo (Ef 4.13, p. 37) pelos crentes


"

ocorrerá antes da segunda vinda. A oração de Paulo pelos


Tessalonicenses (ITs 5.23, p. 35) menciona especificamente
" "

a vinda do nosso Senhor Jesus Cristo como o momento em


que eles seriam totalmente irrepreensíveis. De acordo com
Colossenses 3.10, a nova natureza de que nos devemos re-
"
vestir está sendo renovada [...] à imagem do seu Criador Se
"

está sendo renovada, ainda não está acabada.


Não creio que a Bíblia deixe margem para a possibilidade
de o crente viver sem pecar, mesmo que sem "pecar delibera-
damente" nesta vida. Por isso não aceito o ensino wesleyano
sobre a santificação plena (a doutrina exposta neste capítulo).
Uma vez que já apresentei a prova bíblica contra essa doutri-
na em outra parte deste livro, não a repetirei aqui. Quanto à
questão da possibilidade de viver sem pecado antes da glori-
ficação final, o leitor deve consultar o capítulo que trata da
perspectiva reformada acerca da santificação (p. 84, 91, 93-5,
99-105). Sobre a libertação "de todo o pecado intencional" nesta
Réplica reformada a Dieter 55

vida, o leitor deve ler o capítulo em que respondo a McQuilkin


(p. 206).
Embora aprecie a insistência de Dieter no crescimento es-
piritual contínuo, devo rejeitar a possibilidade de o crente
viver sem pecado nesta vida. Estamos em Cristo e precisamos
nos encher cada vez mais do Espírito, porém ainda não so-
mos perfeitos, seja no amor, seja na consagração. Somos ge-
nuinamente novos, mas ainda não completamente novos.
Réplica

PENTECOSTAL

a Dieter

Stanley M. Horton

Depois de uma reunião da Evangélica! Theological Society


[Sociedade Teológica Evangélica], agradeci a Gordon H. Clark
por algumas questões que aprecio em seus escritos. Quando
"

ele descobriu que eu era pentecostal, disse imediatamente: Isso


é experiência, e a experiência só pode desviá-lo do caminho.
Tudo o que almejo é a Palavra!". É provável que ele teria res-
pondido da mesma forma a John Wesley, em virtude da con-
"

vicção deste (como afirma Melvin Dieter) de que o verdadeiro


cristianismo bíblico encontra a mais alta expressão e o teste
decisivo de autenticidade na experiência prática e ética do in-
divíduo cristão e da igreja e, apenas de forma secundária, nas
definições e proposições doutrinárias" (p. 13). Os pentecostais,
entretanto, consideram a Bíblia fundamental. O primeiro pon-
to da "Declaração de Verdades Fundamentais" das Assembléias
de Deus é a "Inspiração das Escrituras", que declara ser a Bíblia
" "

norma plena de autoridade e regra infalível de fé e prática A .

experiência deve ser testada pela Palavra, mas, se cremos verda-


deiramente na Bíblia, a experiência virá em seguida. Caso con-
trário, a fé professada não é real.
A fase inicial do pentecostalismo, no início do século XX,
foi muito influenciada pela doutrina dos wesleyanos holiness
" "

no que diz respeito à segunda bênção e surgiu do mesmo


contexto do reavivamento americano. Alguns chegaram ao ex-
tremo de dizer que essa "segunda obra definitiva" eliminou o
" "

pecado pela raiz a ponto de o crente nunca mais ser capaz


58 5 perspectivas sobre a santificação

em meu livro What the Bible Says About the Holy Spirit [O que a
Bíblia afirma sobre o Espírito Santo] (Springfield, Mo., Gospel,
1976). Recentemente, Howard Ervin, da Oral Roberts University,
teceu uma crítica mais ampla e detalhada de Dunn no livro
Conversion-Initiation and the Baptism in the Holy Spirit [Con-
versão inicial e o batismo no Espírito Santo] (Peabody, Massa-
chusetts, Hendrickson, 1984). Consideramos que o batismo com
o Espírito Santo é uma experiência distinta, vivida no livro de
Atos por aqueles que já eram cristãos, e ainda passível de ocor-
rer aos crentes hoje em dia. Reconhecemos o Espírito Santo
como nosso Ajudador, por cujo intermédio estamos aptos a
viver uma vida vitoriosa. Também desejamos ser canal do amor
de Deus e dedicar "a alma, o corpo e a essência a Deus", como
ensinou Wesley. É preciso salientar que os atuais líderes e estu-
diosos das Assembléias de Deus são capazes de debater de
forma mais aberta e cordial com os pentecostais adeptos da
corrente holiness.
58 5 perspectivas sobre a santificação

em meu livro What the Bible Says About the Holy Spirit [O que a
Bíblia afirma sobre o Espírito Santo] (Springfield, Mo., Gospel,
1976). Recentemente, Howard Ervin, da Oral Roberts University,
teceu uma crítica mais ampla e detalhada de Dunn no livro
Conversion-Initiation and the Baptism in the Holy Spirit [Con-
versão inicial e o batismo no Espírito Santo] (Peabody, Massa-
chusetts, Hendrickson, 1984). Consideramos que o batismo com
o Espírito Santo é uma experiência distinta, vivida no livro de
Atos por aqueles que já eram cristãos, e ainda passível de ocor-
rer aos crentes hoje em dia. Reconhecemos o Espírito Santo
como nosso Ajudador, por cujo intermédio estamos aptos a
viver uma vida vitoriosa. Também desejamos ser canal do amor
de Deus e dedicar "a alma, o corpo e a essência a Deus", como
ensinou Wesley. É preciso salientar que os atuais líderes e estu-
diosos das Assembléias de Deus são capazes de debater de
forma mais aberta e cordial com os pentecostais adeptos da
corrente holiness.
Réplica de

KESWICK

a DlETER

J Robertson McQuilkin
.

Os cristãos de todas as correntes devem sentir-se gratos a


Melvin Dieter por resumir a doutrina da santificação confor-
me originariamente proposta por Wesley, dando-nos uma ex-
posição bíblica de temas centrais a essa corrente teológica e
traçando a evolução histórica posterior do ensino acerca da
santidade, uma evolução que condicionou fortemente as con-
cepções atuais do ensino wesleyano, tanto interna quanto ex-
ternamente. Muitos hão de elogiar a forte ênfase na santificação
prática, experiencial, que quase sempre tem sido esquecida
nas exposições teológicas e muito mais na vida cristã cotidia-
na. Também damos o devido crédito à insistência na relação
de amor com Deus, considerada o propósito maior da lei e
da graça, da fé e da santidade, e de tudo, enfim, pertinente à
salvação.
Fico perplexo, entretanto, com certas dubiedades proveni-
entes, ao que parece, da falta de análise bíblica cuidadosa de
alguns conceitos básicos: pecado, santidade, perfeição e
santificação. O pecado deve ser definido como transgressão
deliberada da vontade revelada de Deus, ou como a ausência
do caráter glorioso de Deus em pensamentos, palavras e atos?
Essa definição talvez seja o ponto crucial do debate sobre
santificação, mas nem Wesley nem Dieter apresentam uma aná-
lise bíblica do termo. Wesley parece definir pecado como "trans-
"

gressões voluntárias (p. 16). Qualquer outro insucesso ou


omissão no atingir o nível da semelhança de Deus no caráter
60 5 perspectivas sobre a santificação

moral é erro humano ou acidente (p. 14, 27, 50). Se a capacida-


de de refrear o pecado significa apenas abster-se da rejeição
deliberada da vontade revelada de Deus, certamente ela faz
parte da fé salvífica e está disponível a todo verdadeiro filho
de Deus. Mas, se o conceito de pecado inclui qualquer atitu-
de ou disposição que fique aquém de amar como Cristo
amou, aquém de ser puro, alegre, corajoso e de ter domínio
próprio como ele, quem pode alegar estar isento de pecado?
Dessa forma, a definição de pecado é decisiva. Não só merece
o reconhecimento de ponto essencial, que não consegui en-
contrar no artigo [de Dieter], como também é digna de extensa
análise teológica.
Em segundo lugar, o que devemos entender por santida-
de? Será que a Bíblia menciona uma santidade imputada, uma
reputação que não se baseia na condição do crente, mas na
aliança de Cristo com o Pai? Dieter salienta o emprego bíblico
do vocábulo santo para referir-se também à condição que os
crentes vivenciam. Mas, se as Escrituras utilizam esses ter-
mos com pelo menos esses dois significados, não seria ne-
cessário [Dieter] demonstrar nas passagens principais qual o
sentido pretendido pelo autor? Usar um texto que considera
todos os israelitas (ou todos os cristãos ou a igreja local) se-
parados legitimamente por Deus para sua propriedade exclu-
siva, independentemente do comportamento deles, a fim de
provar a doutrina da semelhança com Deus por meio da ex-
periência é violar princípios hermenêuticos elementares.
A terceira palavra crucial que exige definição bíblica rigoro-
sa é o difícil vocábulo perfeito. Por ser empregado nas Escri-
turas com uma variedade de significados, é particularmente
importante, quando se propõe a possibilidade - na verdade,
" "
a ordem - de perfeição cristã conferir se essa proposta é
,

de fato bíblica. Se por perfeição cristã os wesleyanos querem


dizer que é possível ao crente, pelo poder do Espírito Santo
(ou pela habitação de Cristo), obedecer firmemente a Deus nas
escolhas conscientes da vida, não há de que discordar, a não
ser quanto ao problema prático de que a maioria das pessoas
entende por perfeição algo diferente e, dessa forma, pode
confundir-se ou enganar-se. A idéia comum, tanto dentro
como fora do círculo perfeccionista, é que perfeição tem o
sentido absoluto de infalível semelhança de Deus. Acredito
que nem Wesley nem Dieter ensinam essa concepção, mas,
Réplica de Keswick a Dieter 61

sem uma definição precisa de pecado e de perfeição, muitos


continuarão ansiando pelo absoluto e poderão acabar decep-
cionando-se com os outros e consigo mesmos.
A última palavra-chave é um problema, não por falha do
autor, mas pela própria falta de clareza existente no metodismo
e no movimento holiness em geral. Dieter analisa o problema
de forma cautelosa e prática. O que, então, significa a experiên-
cia da santificação plena? O autor afirma claramente que essa
experiência, que permite ao crente amar a Deus com todo o
"
ser e viver em obediência, não deve ser distinta cronologica-
"

mente da justificação e do novo nascimento (p. 21). O pró-


prio Wesley demonstra certa imprecisão (v. p. 21-2, 34, 48-9),
que pode ser explicada pela diferença entre santificação ideal
(teórica, lógica e teológica), que ocorre no momento da rege-
neração, e a experiência real de todos os cristãos, que não
" "

permanecem em perfeito amor e por isso necessitam de uma


experiência crítica posterior. Dieter revela que os avanços no
ensino holiness norte-americano do século XIX não só expu-
seram a necessidade teológica da segunda experiência, como
também a identificaram cada vez mais com o "batismo com o
Espírito". O problema de crer na segunda experiência crítica é
"

mais bem verbalizado pelo próprio Dieter: Os adeptos dessa


concepção reconhecem que não existe no NT nenhuma exor-
tação explícita semelhante a essa no que tange a buscar a
"

santificação [na acepção técnica do termo para os wesleyanos]


(p. 36).
Pode-se acrescentar que a Bíblia não contém nenhuma exor-
tação ou ensino referente à experiência crítica posterior à re-
generação e necessária para a santificação. O ensinamento
constante do NT a respeito da vida cristã aquém do padrão
bíblico visa orientar o crente de volta ao ato inicial. Atos dos
Apóstolos relata, sim, experiências com o Espírito Santo pos-
teriores à regeneração, mas em nenhum lugar esses aconteci-
mentos são explicados teologicamente nem associados à idéia
da santificação prática. A história não interpretada biblicamen-
te não é matéria-prima com que se elabore alguma doutrina,
muito menos uma doutrina tão importante. Seria mais útil
seguir John Wesley na concepção original de que o encontro
com Deus na segunda crise não é teológica nem idealmente
necessário, mas uma carência comum do crente. A confirma-
ção do relacionamento contratual originário pode, sim, ser
62 5 perspectivas sobre a santificação

uma experiência crítica, necessária para o crente vacilante ou


rebelde.
Dessa forma, se os termos imprecisos forem definidos de
forma específica, os ensinamentos clássicos de Wesley e o
pensamento de Keswick são compatíveis. Se pecado for qual-
quer coisa aquém do caráter glorioso de Deus, ninguém é
perfeito. Contudo, todo crente capacitado pelo Espírito pode
abster-se de violar deliberadamente a vontade revelada de
Deus. Os crentes recebem essa capacitação no momento da
conversão, quando são santificados juridicamente, ou sepa-
rados para a posse do Espírito de Deus. Se não conservarem
essa relação de obediência e amor, não estarão mais vivendo a
santificação, no sentido de crescimento espiritual, e precisa-
rão de um novo encontro com Deus, uma renovação que pode
ser definida como uma segunda experiência crítica.
Réplica

AGOSTINIANO-

DISPENSACIONALISTA

a DiETfR

John F. Walvoord
Melvin Dieter merece os mais elevados elogios pela apre-
sentação completa, clara e precisa da teologia wesleyana. As
opiniões que ele manifesta serão repetidas por muitos outros
que procuram, como John Wesley procurava, viver em con-
formidade com a santidade de Deus. Wesley foi um homem
de Deus e abriu um caminho que não influenciou somente
milhares de vidas em sua geração, mas também o curso de
igreja desde então. Hoje em dia como no tempo de Wesley,
,

há grande necessidade de abreviar a discussão teológica, ri-


tual e formal que caracteriza a igreja, para obter uma com-
preensão renovada da santidade de Deus e do propósito divino
de transformar pecadores em santos. Os cristãos sérios cer-
tamente podem se beneficiar muito com os ensinamentos e o
exemplo de Wesley, que apresenta com precisão a doutrina
bíblica acerca da santidade.
Quem há de questionar a ênfase de Wesley nas Escrituras
como sendo a única regra de fé e prática; na necessidade de
traduzir doutrina em vida; no desejo de Deus conceder santi-
dade à vida de todo crente; e na maravilhosa graça de Deus
como a cura para a depravação total? Muitos admiradores de
Wesley estão de acordo com essas grandes verdades. Se há
problemas na doutrina wesleyana, eles em geral advêm da-
queles que não seguem corretamente as recomendações do
criador dessa corrente. O fato de alguns da tradição wesleyana
terem ido a extremos talvez justifique sugestões para apri-
64 5 perspectivas sobre a santificação

morar algumas definições de Wesley, o que poderia ter preve-


nido essas interpretações equivocadas.
Da perspectiva de Wesley, a justificação e a santificação
ocorrem ao mesmo tempo. Mas é preciso deixar claro que há
uma diferença. A justificação é um ato legal de Deus, não pro-
priamente uma experiência a ser vivida, mas uma questão de
posição em Cristo. Deve-se salientar o ensinamento de Wesley
de que a perfeição definitiva não será atingida enquanto o
crente não estiver na presença de Deus no céu.
Wesley está certo quando pensa que, depois do ato inicial
do novo nascimento e do recebimento da salvação em Cristo,
normalmente há um ato de vontade posterior em que o indiví-
duo submete a vida à vontade de Deus. Em certo sentido, essa
etapa é a concretização de Romanos 12.1,2, em que os crentes
se oferecem como sacrifício vivo totalmente dedicado a Deus.
Embora Wesley tenha deixado claro que esse ato inicial não atinge
a expectativa da santidade completa no tempo que se segue,
alguns de seus admiradores inferiram que isso situa o crente
no patamar da vida vitoriosa, um patamar que se evidencia
transitório, não permanente. Conquanto Wesley acreditasse que
a natureza pecaminosa não pode ser erradicada nesta vida,
alguns de seus seguidores professavam que a experiência da
dedicação individual resultaria nessa transformação da natu-
reza humana.
Também há confusão entre as doutrinas do batismo no
Espírito, regeneração e enchimento do Espírito. A regenera-
ção e o batismo no Espírito ocorrem realmente no momento
em que a pessoa crê em Cristo nasce de novo e é inserida em
,

Cristo (batizada) (ICo 12.13). O enchimento do Espírito, en-


tretanto, é uma experiência que pode se repetir. Embora ela
tenha ocorrido ao mesmo tempo que o batismo no Espírito no
dia de Pentecoste, posteriormente distinguiu-se dele e ocor-
reu de novo. O batismo no Espírito ocorre de uma vez por
todas na salvação; o enchimento do Espírito pode ocorrer
muitas vezes e é um aspecto importante da vida espiritual.
Esse esclarecimento pode evitar o mal uso que os pentecostais
fazem dessa verdade wesleyana. Ainda que os crentes pos-
sam ser purificados instantaneamente dos pecados cometi-
dos, não podem libertar-se da natureza pecaminosa, como o
próprio Wesley deixou claro. Ele acreditava que a vida santa
Réplica agostiniano-dispensacionalista a Dieter 65

se caracteriza pela dependência constante de Deus e do Espí-


rito Santo e pela prática do fruto do Espírito (Gl 5.22,23). Se os
ensinos de Wesley tivessem sido seguidos de perto, com cau-
tela, ter-se-ia evitado a maior parte dos fundamentos para as
críticas à teologia wesleyana.
1
A perspectiva
Wesleyana
MELVIN E, OIETER

2
A perspectiva
Reformada
ANTHONY A. HOEKEMA

I
J

À perspectiva
PeNTECOSIAI
STANLEY M. HORTON

4
à perspectiva de
Keswick
J ROBERTSON McQUILKIN
.

s
 perspectiva
Agostiniano-dispensacionalista
JOHN F, VVALVOORD
A perspectiva

REFORMADA

ANTHONY A. HOEKEMA

"

Sejam santos porque eu, o Senhor, o Deus de vocês, sou


"
santo (Lv 19.2; citado em IPe 1.16). Uma das qualidades, ou
atributos, mais notáveis de Deus é a santidade. Ele não so-
mente é santo, mas também deseja que nós, a quem ele criou
à sua imagem, sejamos santos. Denominamos santificação a
obra de Deus mediante a qual ele nos torna santos.

DEFINIÇÃO
Podemos definir santificação como a ação graciosa do Es-
pírito Santo - que implica nossa participação responsável -
, mediante a qual Deus liberta a nós, pecadores justificados,
da contaminação do pecado, renova toda a nossa natureza
conforme a sua imagem e nos permite viver de forma a agra-
dá-lo. Em primeiro lugar, observo que santificação diz respei-
to à contaminação do pecado. Em geral, fazemos distinção
entre a culpa e a contaminação associadas ao pecado. Por cul-
pa queremos dizer o estado de merecimento da condenação
ou o estado de sujeição à pena por violação da lei de Deus. Na
justificação, que é o ato declaratório de Deus, a culpa pelo
pecado é erradicada com base na obra expiatória de Cristo.
Por contaminação, entretanto, queremos dizer corrupção da
nossa natureza, corrupção que é consequência do pecado e
que, por sua vez, produz pecado. Em decorrência da Queda,
todos nascemos em estado de corrupção. Os pecados que co-
metemos não são apenas produto da corrupção, mas tam-
bém se somam a ela. Na santificação, a contaminação do pe-
A perspectiva pentecostal 131

da da graça de Deus torna possível até morrermos pelo Senhor. Que


enorme contraste entre a morte de Estêvão e a de Herodes Agripa!
Estêvão, cheio do Espírito Santo, vislumbrou o céu, viu a glória de
Deus e foi capaz de perdoar a seus algozes (At 7.55-60). Herodes,
agindo por auto-exaltação, trouxe para si a glória que pertencia a
Deus e morreu em agonia sob o juízo de Deus (At 12.21-23).23

A obra do Espírito na santificação, portanto, produz cres-


cimento em graça e efetua o desenvolvimento do fruto do
Espírito. Esse processo foi e é possível por meio de Cristo,
que nos santificou por seu sangue (Hb 13.12). Mas ela se tor-
nou individual para nós pelo Espírito Santo, que nos santifi-
cou separando-nos do mal e dedicando-nos a Deus quando
nos deu nova vida e nos colocou no corpo de Cristo (ICo 6.11;
12.13). Paulo, porém, ora para que o aspecto inicial da santifi-
cação prossiga à medida que Deus nos santifica inteiramente,
completamente (ITs 5.23).
Devemos cooperar com o Espírito Santo nessa obra pela
apresentação de nosso ser a Deus (Rm 12.1,2), pela busca do
auxílio do Espírito Santo à medida que perseguimos a santi-
dade, dedicando-nos a Deus em relacionamento justo com
ele e com os outros, pois sem santidade ninguém verá o Se-
nhor (Hb 12.14). Essa santidade é semelhante à de Deus, a
qual o Espírito Santo nos ajuda a alcançar (IPe 1.15,16).
De fato, a obra do Espírito que recebe decisivamente mais
atenção no NT é a da santificação.

Tem precedência sobre o testemunho, a evangelização, a con-


tribuição e todas as outras formas de serviço cristão. Deus quer
que sejamos algo, não que façamos algo. Somente quando nos
tornamos semelhantes a Jesus podemos ser eficazes e aptos a dar
glória a Deus. A adoração também, guiada e motivada pelo Espírito
em todos os aspectos, incentiva-nos à santificação.24

O terceiro meio de santificação é a Palavra de Deus. Na ora-


"

ção sacerdotal em favor dos discípulos, Jesus roga: Santifi-


"

ca-os na verdade; a tua palavra é a verdade (Jo 17.17). Esse


instrumento não está desvinculado da obra do Espírito Santo
nem é adicional a ela. A espada do Espírito é a Palavra de Deus
(Ef 6.17). Com efeito, a Palavra é sua principal ferramenta e ele
a usa para cumprir a obra na vida e no coração das pessoas.
As pessoas que ele usa são seus agentes voluntários, mas o
meio pelo qual realiza a obra é a Palavra.
134 5 perspectivas sobre a santificação

As passagens de João 1.14,18 indicam que Jesus veio para


declarar, explicar, revelar, interpretar, fazer conhecidas e des-
vendar a natureza e a vontade do Pai. Semelhantemente o ,

Espírito veio para explicar, revelar, interpretar, fazer conheci-


das a natureza e a vontade de Jesus (Jo 16.12,13). Como mes-
tre, apresenta-nos a verdade que está em Cristo, mostrando-
o como o Revelador do Pai, o Salvador, o que perdoa os pecados,
o Senhor ressurreto, o que batiza no Espírito Santo, o Rei que
virá, e aquele que julgará no final. Sua exegese, ou revelação ,

da verdade que está em Cristo e o ato de fazer os discípulos


lembrar das palavras de Jesus garantiram a precisão de seu
ensino e nos deram a segurança da inerrância do NT com
respeito aos fatos e à doutrina.
Essas questões são importantes, mas devemos também re-
conhecer que o mesmo Espírito que nos ensina continua alu-
ando hoje, não por meio de nova revelação, mas trazendo
entendimento, uma vez que esclarece a verdade quando es-
tudamos as Escrituras. Mais do que apenas mostrar-nos a ver-
dade, ele nos santifica, conduz a essa verdade e ajuda a colo-
cá-la em prática, tornando-a real e eficaz para a vida. Portanto,
tanto Cristo vive em nós quanto o Espírito Santo nos ajuda a
realizar a obra de Cristo de forma que glorifiquemos a Deus.
Podemos encontrar em Atos 9.31 um exemplo bíblico de
"

que a igreja se edificava e, encorajada pelo Espírito Santo,


"
crescia em número, vivendo no temor do Senhor .
O contexto
da passagem revela que esse crescimento numérico e a vida
cristã foram proporcionados pelo Espírito Santo à medida que
ele santificava a Palavra de Deus e vivificava, capacitava, san-
tificava, incentivava e animava os crentes.
O cristão, portanto, tem a responsabilidade de responder à
Palavra de Deus e ao Espírito com fé e obediência. A Bíblia não
foi escrita para satisfazer nossa curiosidade acerca do passa-
do e do futuro. Como diz IJoão 3.3: "Todo aquele que nele
tem esta esperança purifica-se a si mesmo, assim como ele é
"

puro Paulo expressa essa mesma verdade, dizendo: "Ama-


.

dos, visto que temos essas promessas, purifiquemo-nos de


tudo o que contamina o corpo e o espírito, aperfeiçoando a
"
santidade no temor de Deus (2Co 7.1). Dessa forma, nossa
cooperação é necessária para que a santificação se torne real e
prática na vida. A santidade deve ser posta em prática, e só
podemos conseguir isso com a ajuda do Espírito Santo.
76 5 perspectivas sobre a santificação

Em segundo lugar, nós também temos alguma responsabi-


lidade nessa questão, a saber procurar ser mais semelhantes
,

a Cristo, seguindo-lhe o exemplo. A renovação à imagem de Deus,


em outras palavras, não é só uma indicação; é uma ordem.
O próprio Senhor Jesus nos ensinou que devemos seguir
seu exemplo. Depois de lavar os pés dos discípulos - tarefa
dos criados, que nenhum dos discípulos se oferecera para
"
realizar -, Jesus disse-lhes: Pois bem, se eu, sendo Senhor e
Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar
os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês
façam como lhes fiz" (Jo 13.14,15). Quando Jesus disse isso,
não estava instituindo um ritual eclesiástico de lava-pés, mas
orientando os discípulos e, por conseguinte, todos os crentes,
a seguir seu exemplo de serviço humilde (Lc 22.25-27).
Paulo dá grande destaque à obra de Cristo como nosso sal-
vador do pecado, mas ao mesmo tempo ensina que devemos
seguir o exemplo de Cristo. Em Efésios 5.1, por exemplo, es-
"
creve: Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos ama-
dos". Ainda que Deus esteja de fato moldando-nos cada vez
mais à sua imagem, nós, o seu povo, temos também de conti-
nuar procurando imitá-lo. Sem dúvida, em muitos aspectos
não podemos ser iguais a Deus. Por exemplo, na onisciência,
na onipresença e na onipotência. Contudo, existem outros
aspectos em que podemos e devemos ser como Deus. Um
deles é apresentado no versículo imediatamente anterior: "Se-
jam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdo-
ando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cris-
to" (4.32). Devemos seguir o exemplo de Cristo e perdoar os
"
outros. Outra forma de imitar a Deus é viver em amor, como
também Cristo nos amou" (5.2). Não devemos simplesmente
amar os outros, devemos amá-los como Cristo nos amou.
Em 1 Coríntios 11.1, Paulo escreve: "Tornem-se meus imi-
tadores, como eu o sou de Cristo". O desejo de Paulo de apre-
sentar-se como exemplo pode parecer surpreendente. Mas
Paulo, na verdade, estava procurando moldar sua vida pela
de Cristo, que é nosso exemplo maior.
Outro meio que Paulo ensina para imitar o exemplo de Cris-
to está na conhecida passagem sobre a "mente de Cristo" (Fp
2 5-11) Paulo insta seus leitores: "Seja a atitude de vocês a
. .

"

mesma de Cristo Jesus (v. 5). Prossegue, definindo a "mente


de Cristo" como a atitude de serviço humilde exemplificada
por Jesus quando esteve no mundo.
A perspectiva reformada 73

de" (Jo 17.17). Cristo, que veio para dar testemunho da verda-
de salvadora de Deus, ora para que o Pai guarde seus discípu-
los na esfera da verdade redentora. Uma vez que Cristo não
ficaria mais tempo no mundo, essa verdade poderia ser en-
"
contrada na Palavra de Deus. Portanto, ele acrescenta: a tua
"

palavra é a verdade Devemos crescer em santificação por


.

meio da Bíblia, que é a Palavra de Deus. Em 2Timóteo 3.16,17,


a Bíblia é apresentada explicitamente como um dos principais
"

meios pelos quais Deus santifica seu povo ( Toda a Escritura é


inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção e para a instrução na justiça, para que o ho-
mem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda
boa obra"). Mais adiante neste capítulo, tratarei separadamen-
te do papel da lei de Deus na santificação.
A Bíblia também ensina que somos santificados pela fé. Uma
das verdades fundamentais proclamadas pela Reforma Pro-
testante é que somos justificados pela fé. É igualmente verda-
de que somos santificados pela fé. Paulo, repetindo as pala-
vras que Jesus lhe disse no caminho de Damasco, afirma que
Cristo o enviou aos gentios para "abrir-lhes os olhos e con-
vertê-los das trevas para a luz [...] a fim de que recebam [...]
herança entre os que são santificados pela fé em mim" (At
26.18). De acordo com Herman Bavinck, "Fé é o extraordinário
"
meio de santificação 3 .

De que modo a fé é meio de santificação? Em primeiro lu-


gar, pela fé mantemos nossa união com Cristo, que é o cora-
ção da santificação. Na regeneração, que é obra realizada com-
pletamente por Deus, somos unidos a Cristo e capacitados
para crer nele, mas continuamos vivendo nessa união com
ele mediante o exercício da fé. Aprendemos, por exemplo, em
Efésios 3.17 que Cristo habita em nosso coração mediante a
fé. Paulo expressa essa verdade de forma muito vívida em
Gálatas 2.20 ("Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou
eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo
no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus, que me amou e se
"

entregou por mim ) .

Em segundo lugar, pela fé aceitamos o fato de que, em Cris-


to, o pecado não mais predomina sobre nós. Os crentes de-
vem não só reconhecer pelo intelecto, mas aceitar com plena
"

confiança a verdade de que o nosso velho homem foi crucifi-


cado com ele [Cristo], para que o corpo do pecado seja des-
truído, e não mais sejamos escravos do pecado" (Rm 6.6) e
A perspectiva pentccostal 143

para um livro histórico e fala sobre Davi (Rm 4). Devemos ob-
"

servar também que, quando Paulo faz a pergunta: Falam to-


dos em línguas?" (ICo 12.30), o verbo está no tempo presen-
te, o que faz supor o significado: "Todos continuam falando
"

em línguas? Ou seja, o apóstolo pergunta se todos exercem


.

o ministério de falar em línguas na igreja. Dessa forma, Paulo


não descarta o falar em línguas como a evidência inicial.
Esperamos outras provas após o batismo do crente com o
Espírito Santo. Na "Declaração de Verdades Fundamentais" das
Assembléias de Deus, nas seções 7 e 10, lê-se:

Com o batismo com o Espírito Santo, surgem novas experiências,


como o transbordar da plenitude do Espírito (Jo 7.37-39; At 4.8), mai-
or reverência a Deus (At 2.43; Hb 12.28), a consagração mais intensa
a Deus e maior dedicação a sua obra (At 2.42), e o amor mais ativo por
Cristo, por sua Palavra e pelos perdidos (Mc 16.20) [...]
Essa experiência:
a) capacita-os a evangelizar no poder do Espírito Santo, com o
acompanhamento de sinais sobrenaturais (Mc 16.15-20; At 4.29-
31; Hb 2.3,4);
b) acrescenta um aspecto necessário da relação de adoração
com Deus (ICo 2.10-16; 12-14);
c) capacita-os a responder à obra plena do Espírito Santo, mani-
festando frutos, dons e ministérios como nos tempos do NT, para
edificação do corpo de Cristo (Gl 5.22-26; ICo 14.12; Ef 4.11,12;
ICo 12.28; Cl 1.29).39

Também reconhecemos que o batismo com o Espírito San-


to não é uma experiência progressiva. O próprio Pentecoste
foi apenas o início da colheita. Ele pôs os crentes em comu-
nhão na adoração, no serviço e no ensino. O batismo com o
Espírito Santo é, portanto, apenas uma porta para o relaciona-
mento cada vez maior com a pessoa divina do Espírito e com
os membros do corpo de Cristo. Esse batismo produz em nós
a vida de serviço marcada por dons do Espírito, que confe-
rem poder e sabedoria para o crescimento da igreja e a expan-
são do evangelho.
Apesar da ênfase no revestimento de poder para o serviço,
não negligenciamos a obra santificadora do Espírito, princi-
palmente com respeito à dedicação a Deus e à demonstração
de seu amor. O Espírito Santo, em cada aspecto de nossa vida
com ele, volta-nos para Cristo e enche-nos o coração do amor
A perspectiva reformada 75

Continuando a refletir sobre santificação, agora nos con-


centramos na terceira fase da história da imagem de Deus, a
saber, a sua renovação. Santificação significa que estamos sen-
do renovados segundo a imagem de Deus. Em outras pala-
vras, estamos ficando mais parecidos com Deus, ou com Cristo,
que é a perfeita imagem de Deus. Essa renovação, entretanto,
pode ser vista por dois ângulos: a obra de Deus em nós e o
processo no qual estamos envolvidos ativamente.
Primeiramente, as Escrituras ensinam que o próprio Deus,
pela santificação, nos renova à sua semelhança, tornando-nos
mais parecidos com Cristo. Em Romanos 8.29, aprendemos
que a conformidade com a imagem de Cristo é o objetivo para
"

o qual Deus nos escolheu: Pois aqueles que de antemão co-


nheceu, também os predestinou para serem conformes à ima-
gem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogénito entre
"

muitos irmãos Deus de antemão conheceu (no sentido de


.

que nos amou de antemão) o povo escolhido antes que este


viesse a existir. Aos escolhidos de antemão por Deus, ele or-
denou previamente, ou predestinou, que fossem feitos como
"
seu Filho. Dado que o Filho reflete perfeitamente o Pai, con-
formes à imagem de seu Filho" equivale a "conformes à sua
"

própria imagem O propósito de Deus na eleição, portanto, é


.

fazer de nós um grupo incontável de irmãos de Cristo com-


pletamente semelhantes ao Filho e, por conseguinte, in-
teiramente semelhantes ao Pai.
Talvez a descrição mais clara desse aspecto da santificação
"

seja a que se encontra em 2Coríntios 3.18 ( E todos nós, que


com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, se-
gundo a sua imagem estamos sendo transformados com gló-
"

ria cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito ) .

Nós, o povo de Deus hoje, diz Paulo, refletimos constantemen-


te a glória do Senhor, ou a glória de Cristo, com a face desco-
berta. Uma vez que cada um de nós é "uma carta de Cristo [...],
"

escrita não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo (v. 3),
as pessoas devem perceber um pouco da glória de Cristo quan-
do olham para nós. Ao refletir essa glória, entretanto, também
somos moldados segundo essa mesma imagem - isto é, à se-
melhança de Cristo - com glória cada vez maior. Refletindo
sempre a glória de Cristo, somos transformados constantemen-
te à sua imagem. Essa transformação, além disso, é produzida
em nós pelo Senhor, que também é o Espírito.
76 5 perspectivas sobre a santificação

Em segundo lugar, nós também temos alguma responsabi-


lidade nessa questão, a saber procurar ser mais semelhantes
,

a Cristo, seguindo-lhe o exemplo. A renovação à imagem de Deus,


em outras palavras, não é só uma indicação; é uma ordem.
O próprio Senhor Jesus nos ensinou que devemos seguir
seu exemplo. Depois de lavar os pés dos discípulos - tarefa
dos criados, que nenhum dos discípulos se oferecera para
"
realizar -, Jesus disse-lhes: Pois bem, se eu, sendo Senhor e
Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar
os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês
façam como lhes fiz" (Jo 13.14,15). Quando Jesus disse isso,
não estava instituindo um ritual eclesiástico de lava-pés, mas
orientando os discípulos e, por conseguinte, todos os crentes,
a seguir seu exemplo de serviço humilde (Lc 22.25-27).
Paulo dá grande destaque à obra de Cristo como nosso sal-
vador do pecado, mas ao mesmo tempo ensina que devemos
seguir o exemplo de Cristo. Em Efésios 5.1, por exemplo, es-
"
creve: Portanto, sejam imitadores de Deus, como filhos ama-
dos". Ainda que Deus esteja de fato moldando-nos cada vez
mais à sua imagem, nós, o seu povo, temos também de conti-
nuar procurando imitá-lo. Sem dúvida, em muitos aspectos
não podemos ser iguais a Deus. Por exemplo, na onisciência,
na onipresença e na onipotência. Contudo, existem outros
aspectos em que podemos e devemos ser como Deus. Um
deles é apresentado no versículo imediatamente anterior: "Se-
jam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdo-
ando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cris-
to" (4.32). Devemos seguir o exemplo de Cristo e perdoar os
"
outros. Outra forma de imitar a Deus é viver em amor, como
também Cristo nos amou" (5.2). Não devemos simplesmente
amar os outros, devemos amá-los como Cristo nos amou.
Em 1 Coríntios 11.1, Paulo escreve: "Tornem-se meus imi-
tadores, como eu o sou de Cristo". O desejo de Paulo de apre-
sentar-se como exemplo pode parecer surpreendente. Mas
Paulo, na verdade, estava procurando moldar sua vida pela
de Cristo, que é nosso exemplo maior.
Outro meio que Paulo ensina para imitar o exemplo de Cris-
to está na conhecida passagem sobre a "mente de Cristo" (Fp
2 5-11) Paulo insta seus leitores: "Seja a atitude de vocês a
. .

"

mesma de Cristo Jesus (v. 5). Prossegue, definindo a "mente


de Cristo" como a atitude de serviço humilde exemplificada
por Jesus quando esteve no mundo.
A perspectiva reformada 77

Pedro ensina de maneira semelhante: "Para isso vocês fo-


ram chamados, pois também Cristo sofreu no lugar de vocês,
deixando-Ihes exemplo, para que sigam os seus passos"(lPe
2 21). Fica claro, portanto, que seguir o exemplo de Cristo não
.

é secundário, mas um aspecto essencial da vida cristã.5 Tam-


bém está evidente que a semelhança com Deus e com Cristo é
o padrão da santificação.

DEUS E SEU POVO NA SANTIFICAÇÃO


A santificação é obra de quem? Quando observamos o pa-
drão da santificação, percebemos que é obra de Deus e res-
ponsabilidade de seu povo.
As Escrituras ensinam com clareza que Deus é o autor da
santificação. Essa obra, entretantp, é atribuída às três pessoas
da Trindade. Jesus ora ao Pai: "Santifica-os na verdade" (Jo 17.17),
e com isso atribui a obra de santificação ao Pai. O autor de He-
breus faz uma observação semelhante: "Nossos pais nos disci-
plinavam por curto período, segundo lhes parecia melhor; mas
Deus nos disciplina para o nosso bem, para que participemos
da sua santidade" (12.10). "Disciplina" (gr. paideuõ, lit. "ensinar
"

a criança ) dá a entender sofrimento, adversidade, perseguição


etc. Uma vez que o propósito da disciplina é participarmos
da santidade de Deus, concluímos que o processo menciona-
do nessa passagem é o que chamamos de santificação e que
Deus pode usar o sofrimento e a dor, por exemplo, como meios
de santificação. Deus é identificado no versículo anterior como
"
o Pai dos espíritos" e, no versículo 10, como aquele que dis-
ciplina.
A santificação, entretanto, também é atribuída ao Filho,
como ensina Efésios 5.25-27. Paulo, nesse trecho, ensina aos
leitores que o marido deve amar a esposa

assim como Cristo amou a igreja e entregou-se por ela para santi-
ficá-la, tendo-a purificado pelo lavar da água mediante a palavra, e
para apresentá-la a si mesmo como igreja gloriosa, sem mancha
nem ruga ou coisa semelhante, mas santa e inculpável.

Cristo, a segunda pessoa da Trindade, é identificado nessa


passagem como o agente da santificação, que purifica a igreja
" "

pelo lavar da água mediante a palavra A maioria dos co- .


78 5 perspectivas sobre a santificação

mentaristas entende que a primeira parte da frase se refere ao


sacramento do batismo. Desse modo dá a entender que os
sacramentos (batismo e ceia do Senhor) também são meios de
" "

santificação. A expressão mediante a palavra deve relacio-


"

nar-se com a expressão verbal tendo-a purificado". Cristo


purifica sua igreja do pecado por meio da Palavra de Deus, as
Escrituras. É animador saber que, de acordo com esse texto, o
propósito final da santificação é a santidade perfeita da igre-
ja, "sem mancha nem ruga ou coisa semelhante".
Embora a palavra santificação não seja usada em Tito 2.14,
o texto também apresenta Cristo como o autor da santifica-
"

ção, pois ele se entregou por nós a fim de nos remir de toda
a maldade e purificar para si mesmo um povo particularmen-
te seu, dedicado à prática de boas obras". Em 1 Coríntios 1.30,
como se mencionou anteriormente, Cristo é apresentado como
aquele que se tornou nossa santificação.
A santificação também é comumente atribuída ao Espírito
Santo. Pedro diz que o povo de Deus foi "escolhido de acordo
com o pré-conhecimento de Deus Pai, pela obra santificadora
do Espírito, para a obediência a Jesus Cristo" (IPe 1.2). Paulo
afirma em Romanos 15.16 que foi enviado para proclamar o
"

evangelho para que os gentios se tornem uma oferta aceitá-


"

vel a Deus, santificados pelo Espírito Santo Também agrade- .

"

ce ao Deus que escolheu os tessalonicenses para serem sal-


"

vos mediante a obra santificadora do Espírito e a fé na verdade


(2Ts 2.13). E em Tito 3.5 lemos que Deus nos salvou "pelo
lavar regenerador e renovador do Espírito Santo".
A obra da Trindade, entretanto, não pode ser dividida. Por
isso, não admira que também encontremos a santificação atri-
buída ao Deus trino e uno, sem nenhuma designação de pes-
"

soas (e.g. ITs 5.23: que o próprio Deus da paz os santifique


inteiramente").
O mais importante para nós é entender que a santificação não
é obra que façamos por nós mesmos, por esforço e força pró-
prios. Santificação não é atividade humana, mas dom divino.
A Bíblia, porém, também define a santificação como o pro-
cesso que envolve nossa participação responsável. Aos mem-
bros da igreja de Corinto, denominados na primeira epístola
" "

santificados em Cristo Jesus (ICo 1.2), Paulo diz: "Amados,


visto que temos essas promessas, purifiquemo-nos de tudo o
que contamina o corpo e o espírito, aperfeiçoando a santida-
A perspectiva reformada 91

retriz sobre a santificação. John Murray ocupa-se do assunto


com propriedade:

O velho homem é o homem não-regenerado; o novo é o homem


regenerado, criado em Cristo para as boas obras. Chamar o crente
de novo homem e velho homem é tão impossível quanto chamá-lo
de regenerado e não-regenerado. Em nenhum dos casos é correto
dizer que o crente é o velho homem e também o novo homem. Esse
tipo de terminologia não tem fundamento e não passa de uma for-
ma de distorcer a doutrina que Paulo tão zelosamente estabeleceu
" "

quando afirmou que o nosso velho homem foi crucificado .


23

Embora sejam nova criação, os crentes não atingiram ain-


da a perfeição sem pecado, ainda têm de lutar contra o peca-
do. Em Colossenses 3.10, o novo homem de que os crentes
se revestiram é definido como alguém que está sendo reno-
vado. Essa renovação, como vimos, é um processo para toda
a vida. Em Efésios 4.23, Paulo lembra os leitores de que, con-
quanto se tentam despojado do velho homem e revestido
do novo, estão sendo renovados no modo de pensar. O infi-
" "

nitivo ananeousthai, traduzido por serem renovados está


no tempo presente, o que dá a entender um processo contí-
nuo. Os crentes que se tornaram novas criações em Cristo
são exortados a ainda fazer morrer os atos do corpo (Rm
8 13), a eliminar qualquer atitude pecaminosa (Cl 3.5), a li-
.

vrar-se de pecados como cobiça, ganância, raiva, malícia e


linguagem impura (v. 5,8) e a purificar-se de tudo o que con-
tamina o corpo e o espírito (2Co 7.1).24
Portanto, o novo homem que o NT define não é equivalen-
te a um homem perfeito, sem pecado. É genuinamente novo,
embora não completamente novo. A novidade desse homem
não é estática, mas dinâmica, e necessita de renovação, cres-
cimento e transformação contínuos. O crente profundamen-
te consciente de suas falhas não precisa dizer: "Porque eu
ainda sou um pecador, não posso me considerar uma nova
"

pessoa Em vez disso, deve dizer: "Sou uma nova pessoa,


.

"
mas ainda devo crescer muito .

O NT fala muitas vezes da vida cristã como uma batalha


constante contra o pecado. Os crentes são advertidos a vestir
a armadura de Deus para serem vitoriosos na luta contra as
forças malignas (Ef 6.11-13); a travar o bom combate (ITm 6.12;
cf. 2Tm 4.7), a não satisfazer os desejos da carne (Gl 5.16); e a
A perspectiva reformada 91

retriz sobre a santificação. John Murray ocupa-se do assunto


com propriedade:

O velho homem é o homem não-regenerado; o novo é o homem


regenerado, criado em Cristo para as boas obras. Chamar o crente
de novo homem e velho homem é tão impossível quanto chamá-lo
de regenerado e não-regenerado. Em nenhum dos casos é correto
dizer que o crente é o velho homem e também o novo homem. Esse
tipo de terminologia não tem fundamento e não passa de uma for-
ma de distorcer a doutrina que Paulo tão zelosamente estabeleceu
" "

quando afirmou que o nosso velho homem foi crucificado .


23

Embora sejam nova criação, os crentes não atingiram ain-


da a perfeição sem pecado, ainda têm de lutar contra o peca-
do. Em Colossenses 3.10, o novo homem de que os crentes
se revestiram é definido como alguém que está sendo reno-
vado. Essa renovação, como vimos, é um processo para toda
a vida. Em Efésios 4.23, Paulo lembra os leitores de que, con-
quanto se tentam despojado do velho homem e revestido
do novo, estão sendo renovados no modo de pensar. O infi-
" "

nitivo ananeousthai, traduzido por serem renovados está


no tempo presente, o que dá a entender um processo contí-
nuo. Os crentes que se tornaram novas criações em Cristo
são exortados a ainda fazer morrer os atos do corpo (Rm
8 13), a eliminar qualquer atitude pecaminosa (Cl 3.5), a li-
.

vrar-se de pecados como cobiça, ganância, raiva, malícia e


linguagem impura (v. 5,8) e a purificar-se de tudo o que con-
tamina o corpo e o espírito (2Co 7.1).24
Portanto, o novo homem que o NT define não é equivalen-
te a um homem perfeito, sem pecado. É genuinamente novo,
embora não completamente novo. A novidade desse homem
não é estática, mas dinâmica, e necessita de renovação, cres-
cimento e transformação contínuos. O crente profundamen-
te consciente de suas falhas não precisa dizer: "Porque eu
ainda sou um pecador, não posso me considerar uma nova
"

pessoa Em vez disso, deve dizer: "Sou uma nova pessoa,


.

"
mas ainda devo crescer muito .

O NT fala muitas vezes da vida cristã como uma batalha


constante contra o pecado. Os crentes são advertidos a vestir
a armadura de Deus para serem vitoriosos na luta contra as
forças malignas (Ef 6.11-13); a travar o bom combate (ITm 6.12;
cf. 2Tm 4.7), a não satisfazer os desejos da carne (Gl 5.16); e a
A perspectiva reformada 81

que a força poderosa que nos capacita a ser ativos é o poder


de Deus.

SANTIFICAÇÃO PROGRESSIVA E DEFINITIVA


Os teólogos reformados em geral afirmam que a santifica-
ção continua por toda a vida do crente, diferentemente da
justificação, que é um ato definitivo de Deus e ocorre uma
única vez.9 Ainda que o NT em geral defina a santificação como
um processo ao longo da vida, as Escrituras também a defi-
nem como um ato divino definitivo, isto é, que ocorre num
único momento, não num período de tempo.10 John Murray,
"
na verdade, assinala: Um fato que quase sempre passa des-
percebido é que no NT os termos mais característicos relati-
vos à santificação são usados não com referência a um pro-
"
11
cesso, mas a um ato definitivo .

Entre as passagens que falam da santificação no sentido


definitivo está a de 1 Coríntios 1.2. Nesse texto, Paulo refere-se
"
aos crentes de Corinto como aos santificados em Cristo Je-
"
sus ;o verbo grego está no tempo perfeito, que designa uma
ação completada e com efeito contínuo. Os teólogos protestan-
tes em geral entendem a justificação como o ato declarativo de
Deus mediante o qual ele anuncia que o pecador que crê é jus-
to em Cristo - um ato, portanto, nem progressivo, nem contí-
nuo, mas realizado de uma vez por todas. Em 1 Coríntios 6.11,
entretanto, santificação e justificação se justapõem como ato
definitivo de Deus: "Assim foram alguns de vocês. Mas vocês
foram lavados, foram santificados, foram justificados no nome
do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus". No texto
grego, esses três verbos estão no tempo aoristo, que geralmen-
te designa ações instantâneas (às vezes denominadas ações
súbitas). Assim como esses crentes foram justificados de uma
vez por todas em determinado momento, da mesma forma,
Paulo afirma, também existe um sentido em que foram santifi-
cados de uma vez por todas. Além disso, Atos 20.32 e 26.18
" "
referem-se aos crentes como os que são santificados Em .

ambos os casos, o verbo está no tempo perfeito.


O aspecto definitivo da santificação é expresso mais clara e
detalhadamente em Romanos 6. Quando no versículo 2 Paulo
diz: "Nós, os que morremos para o pecado", ele expressa em
linguagem clara a verdade de que quem está em Cristo fez
82 5 perspectivas sobre a santificação

"
um rompimento definitivo e irreversível com o domínio em
"

que o pecado reina 12 Mais adiante Paulo ressalta esse rompi-


.
,

mento decisivo e definitivo com o pecado dizendo-nos que,


por estarmos em Cristo, o velho homem foi crucificado com
ele (v. 6, o tempo aoristo novamente dá a entender ação defi-
nitiva); o pecado não mais predominará sobre nós, pois esta-
mos sob a graça (v. 14) e agora obedecemos sinceramente ao
padrão de ensino cristão ao qual estamos sujeitos (v. 17). A
característica essencial desse capítulo é mostrar que o crente
foi posto numa nova relação, a qual jamais poderá ser desfei-
ta. Murray resume essa posição: "Isso significa que há o rom-
pimento definitivo e decisivo do poder da escravidão do pe-
cado para todos aqueles que se deixaram submeter ao controle
da provisão da graça".13
Paulo não só ensina que os crentes morreram para o peca-
do, mas também afirma que foram ressuscitados decisiva e
definitivamente com Cristo. Empregando tempos verbais que
designam ação instantânea, Paulo afirma: "Todavia, Deus [...]
deu-nos vida com Cristo, quando ainda estávamos mortos
"

em transgressões [...]. Deus nos ressuscitou com Cristo (Ef 2.


4-6) Embora por natureza estivéssemos mortos no pecado,
.

Deus em sua misericórdia fez-nos um com Cristo ressurreto


" "
e assim ressuscitou-nos com ele. Essa ressurreição é defini-
da nesse texto não como um longo processo, mas como algo
que aconteceu num momento determinado. Além disso, a exor-
tação aos colossenses não é para que sejam progressivamen-
te ressuscitados com Cristo, mas: "Portanto, já que vocês res-
suscitaram [tempo aoristo] com Cristo, procurem as coisas
"

que são do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus


(Cl 3.1). Com base nesses textos, concluímos que santificação
significa não apenas o rompimento definitivo do poder es-
cravizante do pecado, mas também a união definitiva e irre-
versível com Cristo na ressurreição, por meio da qual o cren-
te é capaz de ter uma vida nova (Rm 6.4) e por meio da qual se
fez nova criação (2Co 5.17). Em virtude da santificação defini-
tiva nós, que estamos em Cristo, devemos considerar-nos
" "

mortos para o pecado e vivos para Deus em Cristo Jesus


(Rm 6.11).
O NT, portanto, ensina claramente a santificação definiti-
va. Devemos perguntar, então: quando o crente morreu para
o pecado e ressuscitou com Cristo? Não é possível dar uma
A perspectiva reformada 83

resposta simples a essa pergunta. Há um lado objetivo e um


lado subjetivo na questão. Em sentido objetivo, o crente mor-
reu quando Cristo morreu na cruz, e foi ressuscitado com
Cristo quando este ressurgiu da morte no sepulcro de José
[de Arimatéia]. Uma vez que os crentes em Jesus foram esco-
lhidos antes da fundação do mundo, estavam em Cristo, pelo
menos num sentido, quando ele morreu e ressuscitou. Cristo
jamais deve ser considerado separado de seu povo, tampou-
co seu povo, dele separado. Quando Cristo morreu, efetuou o
rompimento definitivo com o pecado, o que resultou em nos-
so benefício. Quando Cristo ressuscitou, criou a nova vida à
qual temos acesso pela fé.
Não podemos, entretanto, desconsiderar o aspecto subjeti-
vo da unidade com Cristo na morte e ressurreição. Paulo afir-
ma que Deus nos vivificou com Cristo quando estávamos mor-
tos em transgressões (Ef 2.5) e que morremos para o pecado
quando fomos balizados com Cristo Jesus (Rm 6.2,3). Em nos-
sa experiência, ressuscitamos com Cristo quando nos torna-
mos um com o Senhor ressurreto (Cl 3.1). Paulo lembra aos
colossenses que em algum momento da vida (supostamente, o
momento da conversão) eles se despiram voluntariamente do
velho homem e se revestiram do novo (3.9,10). Para ser fiel por
completo ao ensino bíblico, portanto, temos de salientar am-
bos os aspectos desse tópico, a saber: o passado histórico e o
presente que vivemos. Num sentido, morremos para o pecado
e ressurgimos para a nova vida quando Cristo morreu e res-
suscitou; noutro, entretanto, morremos para o pecado e res-
sugimos para a nova vida quando alcançamos, pela fé, a uni-
dade com Cristo em sua morte e ressurreição.14
O ensino bíblico sobre a santificação definitiva dá a enten-
der que os crentes devem considerar a si mesmos e uns aos
outros como quem morreu para o pecado e agora é nova cria-
ção em Cristo. Na verdade, a vida nova que os crentes encon-
tram em Cristo não equivale à perfeição sem pecado. Uma vez
que estão nesta vida, devem lutar contra o pecado, mas, às
vezes, eles caem. Portanto, os crentes devem considerar-se
criação genuinamente nova, conquanto ainda não criação com-
pletamente nova. A doutrina da santificação definitiva ajuda-
nos a entender que os que estão em Cristo romperam de forma
definitiva e irreversível com o pecado. Murray expressa essa
verdade com bastante eloquência:
84 5 perspectivas sobre a santificação

Como não se pode admitir de modo algum anulação nem repeti-


ção da ressurreição [de Cristo], também não se pode admitir nenhu-
ma negação da doutrina de que todo crente é um novo homem, de
que o velho homem foi crucificado, de que o corpo do pecado foi
destruído e de que, como novo homem em Cristo Jesus, o crente
serve a Deus em novidade que nada mais é do que a novidade do
Espírito Santo, de quem se tornou habitação, e seu corpo, templo.15

É necessário acrescentar que a santificação definitiva men-


cionada nessa citação não se refere a uma experiência separa-
da nem subsequente à justificação, uma espécie de "segunda
bênção". No sentido de experiência, a santificação definitiva é
simultânea à justificação, um aspecto da união com Cristo.
Como mencionamos, em certo sentido a Bíblia ensina que a
santificação é um processo que ocorre ao longo da vida. As-
sim, é progressiva. Em vez de anular o que Paulo afirma sobre
a santificação definitiva, esse ensino a complementa.
O aspecto progressivo da santificação fica evidente, antes
de tudo, nas afirmações bíblicas que declaram que o pecado
ainda está presente no crente. Podemos considerar passa-
gens do AT como IReis 8.46; Salmos 19.12; 143.2; Provérbi-
os 20.9; e Isaías 64.6. O NT também é muito claro nesse as-
sunto. Ao tratar da necessidade de sermos justificados pela
fé, Paulo fala com nitidez da universalidade da natureza pe-
"
caminosa humana: Não há distinção, pois todos pecaram e
"
estão destituídos da glória de Deus (Rm 3.22,23). A "glória
de Deus" nesse texto talvez deva ser mais bem entendida
" "
como glorificar a Deus Uma vez que a expressão verbal
.

" "
estão destituídos está no presente em grego, podemos tra-
duzir a segunda metade do versículo 23 por "estão sendo
destituídos de glorificar a Deus". Numa declaração secundá-
ria, mas ainda assim reveladora, Tiago, escrevendo aos cren-
tes, diz: "Todos tropeçamos de muitas maneiras" (Tg 3.2).
Provavelmente, a afirmação mais clara do NT sobre essa ques-
tão seja a de IJoão 1.8. Dirigindo-se aos que julgam ter co-
"
munhão com Deus, João escreve: Se afirmarmos que esta-
'
mos sem pecado [literalmente se dizemos que não temos
'
pecado ] enganamos a nós mesmos, e a verdade não está
,

"
em nós A conclusão é inevitável: porque o pecado conti-
.

nua presente naqueles que estão em Cristo, a santificação


deve ser um processo contínuo.
A perspectiva reformada 85

As Escrituras apresentam um aspecto positivo e um ne-


gativo da santificação progressiva, que por sua vez implica
a mortificação das práticas pecaminosas e o crescimento do
novo homem. Em Romanos 6, como já se mostrou Paulo ,

apresenta o aspecto definitivo da santificação. Em Romanos


8 13, entretanto, salienta que a santificação também deve ser
.

"

progressiva: Pois se vocês viverem de acordo com a carne,


morrerão; mas, se pelo Espírito fizerem morrer [literalmente
' '
continuarem fazendo morrer ] os atos do corpo, viverão".
Os crentes, a quem anteriormente o apóstolo define como
mortos para o pecado, são exortados a continuar mortifi-
cando as ações pecaminosas para as quais ainda estão in-
clinados. Os leitores de Paulo romperam definitivamente
com o pecado como o domínio pecaminoso em que viviam ,

se moviam e existiam; contudo, ainda deviam continuar lu-


tando contra o pecado durante toda a vida. Já que o crente
só pode realizar isso pelo poder do Espírito essa luta con-
,

tra o pecado deve ser entendida como um aspecto da santi-


ficação.
Paulo diz aos colossenses que eles morreram e ressusci-
taram com Cristo (Cl 3.3), ou seja começaram definitiva e
,

irreversivelmente nova vida de comunhão com Cristo. Con-


tudo, no versículo 5, ele os exorta: "Assim, façam morrer tudo
o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade se-
xual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é
idolatria". Mesmo que já tenham morrido para o pecado de- ,

vem ainda fazer o pecado morrer. Como ocorre frequente-


mente, Paulo combina aqui uma declaração com uma ordem.
Mortificar essas práticas pecaminosas - o que só é possível
mediante o poder do Espírito - implica uma ação vigorosa e
por toda a vida do crente.
Em 2Coríntios 7.1, citado anteriormente, aprendemos que
os crentes ainda têm de lutar e purificar-se da contaminação
do corpo e do espírito. Exortação semelhante é apresentada
em IJoão 3.3. Depois de afirmar que, quando Cristo se mani-
festar, nós seremos semelhantes a ele, João prossegue: "Todo
aquele que nele tem esta esperança purifica-se [literalmente:
' '
continua purificando-se ] a si mesmo, assim como ele é puro".
Os cristãos não devem "cruzar os braços" e esperar o momen-
to em que serão completamente semelhantes a Cristo, devem
estar constante e energicamente engajados na luta para ven-
86 5 perspectivas sobre a santificação

cer o mal com o bem. A purificação contínua resulta em san-


tificação contínua.
A natureza progressiva da santificação também se revela
em passagens que tratam do aspecto positivo: o crescimento
do novo homem. Em Colossenses 3.9,10, Paulo, como já se
disse, lembra a seus leitores que eles devem despir-se do ve-
lho homem e revestir-se do novo; este, por sua vez, é defini-
do como alguém que "está sendo renovado em conhecimen-
to, à imagem do seu Criador" (v. 10). Uma vez que segundo
esse versículo o novo homem deve ser renovado, obviamente
ele não existe em estado de perfeição, sem pecado. O particí-
" "

pio anakainoumenon, traduzido por está sendo renovado ,

está no tempo presente, indicando que essa renovação é um


processo para a vida toda. É interessante observar que essa
passagem apresenta as duas facetas da santificação: de uma
vez por todas, os crentes despiram-se do velho homem e re-
vestiram-se do novo (santificação definitiva), mas o novo ho-
mem do qual se revestiram deve ser continuamente renova-
do (santificação progressiva).
A definição mais surpreendente da natureza progressiva
da santificação está em 2Coríntios 3.18: "E todos nós, que com
a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo
a sua imagem estamos sendo transformados com glória cada
vez maior, a qual vem do Senhor, que é o Espírito À medida
"

que os crentes refletem a glória do Senhor, estão sendo conti-


nua e progressivamente transformados à imagem de Cristo
pelo próprio Senhor, que também é o Espírito (v. 17). A pala-
"

vra metamorphoumetha, traduzida por estamos sendo trans-


formados", não designa apenas mudança na forma exterior,
mas na essência interior. Tanto o tempo presente desse verbo
" "

como a expressão com glória cada vez maior (v. 18) indicam
que essa transformação não é instantânea, mas progressiva.
Enquanto algumas passagens há pouco citadas salientam
a autoria divina da santificação, outros textos ressaltam a par-
ticipação dos crentes no processo. Em Romanos 12.2 os cren-
tes são exortados a não se amoldar ao padrão deste mundo,
mas, ao contrário, a transformar-se cada vez mais pela reno-
vação da mente. Na parte final de 2Coríntios 7.1, somos insta-
dos a persistir no aperfeiçoamento da santidade no temor de
Deus. Em Efésios 4.15, a santificação é definida como cresci-
"

mento progressivo em Cristo: Antes, seguindo a verdade em


A perspectiva reformada 87

"

amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo Pe- .

dro também usa a metáfora do crescimento para referir-se à


"
vida cristã: Cresçam [ou continuem crescendo], porém, na
graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo" (2 Pe 3.18).
A santificação, portanto, deve ser entendida como progres-
siva e definitiva a um só tempo. No aspecto definitivo, signi-
fica a obra do Espírito que nos faz morrer para o pecado, para
sermos ressuscitados com Cristo e transformados em nova
criação. No aspecto progressivo, deve ser entendida como a
obra do Espírito que nos renova e transforma continuamente
à semelhança de Cristo e nos capacita a continuar crescendo
na graça e a aperfeiçoar a santidade. Pode-se dizer que a san-
tificação definitiva é o início do processo, e que a santificação
progressiva é o amadurecimento contínuo do novo homem,
amadurecimento produzido pela santificação definitiva. En-
quanto a santificação, em sua totalidade, é obra de Deus do
princípio ao fim, no aspecto progressivo ela requer a partici-
pação ativa do crente.

SERIA 0 CRENTE UM "VELHO HOMEM" E UM "NOVO HOMEM"


AO MESMO TEMPO?

Voltamo-nos agora a outra questão presente na santifica-


ção, isto é, a relação entre o velho homem e o novo homem
(ou velha criação e nova criação). Essas expressões ocorrem
apenas nos escritos de Paulo. A expressão velho homem en-
contra-se em Romanos 6.6; Colossenses 3.9; e Efésios 4.22.16
Novo (homem) acha-se em Colossenses 3.10 (onde se usa neos
" "

para novo ) e Efésios 4.24 (onde se emprega kainos para de-


" "

signar novo ) 17 .

Nesses textos, Paulo compara o velho homem ligado à vida


de pecado com o novo homem de que fomos revestidos ago-
ra que estamos em Cristo. Os teólogos reformados divergem
acerca da relação que existe entre esses dois entes. A maioria
dos teólogos, especialmente os que ensinaram e escreveram
há mais tempo, afirmam que o velho e o novo homem são
aspectos distintos do crente. Antes da conversão, o crente
tem o velho homem; no momento da conversão, entretanto,
reveste-se do novo homem, mas sem perder completamente
a presença do velho. O cristão, de acordo com essa perspecti-
88 5 perspectivas sobre a santificação

va, é visto em parte como novo homem e em parte como ve-


lho homem - um pouco como "o médico e o monstro". Algu-
mas vezes, o velho homem está no comando, mas outras é o
novo quem controla as rédeas. O conflito da vida, segundo
essa corrente, se trava entre esses dois aspectos do crente.
A título de exemplo, consideremos como um dos mais exí-
mios oponentes dessa corrente define a luta contra o pecado
nos crentes:

[Na vida cristã] a luta [...] trava-se entre o homem interior do


coração, criado para ser como Deus em verdadeira justiça e santi-
dade, e o velho homem que, mesmo expulso desse centro, ainda
deseja manter-se vivo e luta com mais ferocidade a cada território
perdido [...] É um conflito entre duas pessoas no mesmo indivíduo
[ ] É como se o mal e o bem estivessem misturados em cada deci-
...

são e ação do crente [...] em cada pensamento e cada ação, uma


parte do velho homem e uma parte do novo homem está presente.18

John Murray, contudo, que durante muitos anos lecionou


teologia sistemática no Seminário de Westminster, faz fortes
objeções a essa concepção de novo e velho homem:

O contraste entre o velho e o novo homem tem sido interpretado


em geral como oposição entre o que é novo no crente e o que é
antigo [...] Por essa razão, a antítese que existe no crente entre santi-
dade e pecado [...] é aquela entre o novo e o velho homem que habi-
tam nele. O crente é a um só tempo velho homem e novo homem:
quando faz o bem, está agindo da perspectiva do novo homem que
é; quando peca, está agindo como velho homem que ainda é tam-
bém. Essa interpretação não encontra apoio no ensino de Paulo.19

Creio que Murray está certo nesse ponto. Vejamos alguns


textos bíblicos que ensinam que aquele que está em Cristo
não é mais velho nem novo homem, mas nova criação.
Comecemos com Romanos 6.6: "Pois sabemos que o nosso
velho homem foi crucificado com ele, para que o corpo do
pecado seja destruído, e não mais sejamos escravos do peca-
do". O que Paulo quer dizer com a expressão "velho homem"?
Murray faz crer que essa expressão indica "a unidade do in-
divíduo dominado pela carne e pelo pecado".20 Em outras
"

palavras, Paulo fala da totalidade: o indivíduo totalmente es-


"

cravizado pelo pecado - o que somos por natureza Esse .


A perspectiva reformada . 89

indivíduo, "escravo do pecado", diz Paulo, foi crucificado com


Cristo. Quando Cristo morreu na cruz, desferiu um golpe
mortal no velho homem que fomos outrora. Tomando por
base o que significa "crucificado", Romanos 6.6 afirma com
clareza inequívoca que nós que estamos em Cristo, que so-
mos um com ele em sua morte, não somos mais o velho ho-
mem de outrora.
Outras passagens das epístolas de Paulo confirmam essa
concepção de velho homem. Colossenses 3.9,10, por exem-
plo, estudado anteriormente com relação à santidade defini-
tiva, ensina-nos sobre o velho e o novo homem: "Não mintam
uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho ho-
mem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está
sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Cria-
dor". Paulo, nesse texto, não diz aos crentes de Colossos que
eles devem agora (ou diariamente) despir-se do velho homem
e revestir-se do novo, mas sim que eles já se revestiram] So-
freram essa transformação quando, no momento da conver-
são, se apropriaram mediante a fé do que Cristo fizera por
eles quando morreu e ressuscitou.
Os particípios gregos apekdysamenoi e endysamenoi, tra-
duzidos por "despir-se" e "revestir-se", estão no tempo aoris-
to, que designa ação instantânea. Paulo se refere a uma atitu-
de que esses crentes tomaram no passado. Não mintam uns
aos outros, diz o apóstolo, não cobicem, não estejam ávidos
pelo pecado nem murmurem, porque vocês já se despiram
do velho homem e porque se revestiram do novo.21 Vocês de-
vem parar de cometer esses atos pecaminosos, pois essa con-
duta é obviamente incompatível com o revestimento do novo
homem. O exemplo de que Paulo se vale fortalece essa idéia:
ninguém se veste com duas roupas ao mesmo tempo - é
preciso tirar uma para vestir a outra. Paulo, nesse texto, retra-
ta os crentes como pessoas que agora estão vestidas com o
novo homem, e não mais com o velho.
Efésios 4.20-24 tem semelhança próxima, mas apresenta
algumas dificuldades:

Todavia, não foi isso que vocês aprenderam de Cristo. De fato,


vocês ouviram falar dele, e nele foram ensinados de acordo com a
verdade que está em Jesus. Quanto à antiga maneira de viver, vocês
foram ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe
90 5 perspectivas sobre a santificação

por desejos enganosos, a serem renovados no modo de pensar e a


revestir-se do novo homem criado para ser semelhante a Deus em
,

justiça e em santidade provenientes da verdade.

O original grego desses versículos contém três infinitivos


principais (apothesthai, ananeousthai e endysasthai), que sig-
"
nificam despir-se", "renovar" e "revestir-se" respectivamente
e que, em muitas versões, são traduzidos por imperativos,
como se Paulo estivesse dizendo aos crentes de Éfeso o que
" " " "

agora deveriam fazer (cf. vos despojeis vos renoveis e "vos


,
"
revistais - ARA) Segundo essa tradução, o texto se conver-
.

teria numa ordem, o que na verdade seria incoerente com a


posição defendida até aqui (de que os crentes já se despiram
do velho homem e se revestiram do novo).
Embora a tradução Almeida Revista e Atualizada (ARA) não
esteja gramaticalmente incorreta, existe outra possibilidade.
Esses infinitivos podem ser entendidos também como o cha-
"
mado infinitivo explanatório", ou seja, estão apenas dando o
conteúdo do ensino explanado nos versículos 20 e 21. Nessa
análise, Paulo está pressupondo que os leitores fizeram aqui-
lo que foram ensinados a praticar. Essa compreensão do texto
faz com que seu ensino seja semelhante à passagem de Co-
lossenses analisada anteriormente, considerada epístola irmã
da de Efésios. A tradução da Nova Versão Internacional (NVI)
deve ser, portanto, preferível à da ARA. Interpretado dessa
forma, Efésios 4.22-24 afirma que os crentes de Éfeso não de-
vem continuar vivendo como os gentios não-convertidos (v.
17-19), uma vez que, como foram ensinados, tinham se des-
pido do velho homem e se revestido do novo. O novo homem
de quem se revestiram foi na verdade criado à semelhança de
Deus em justiça e santidade.22
Dos textos bíblicos analisados anteriormente, portanto, fica
claro que, de acordo com o NT e em coerência com o seu en-
sino do aspecto definitivo da santificação, os crentes não são
mais o velho homem de outrora. O crente não é, como muitas
vezes tem-se ensinado, velho homem e novo homem, mas é
de fato nova criação em Cristo. Paulo salienta esse aspecto
importante nas emocionantes palavras de 2Coríntios 5.17
"

( Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas


"
antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas ) Não .

devemos subestimar a importância desse ensino e dessa di-


A perspectiva reformada 91

retriz sobre a santificação. John Murray ocupa-se do assunto


com propriedade:

O velho homem é o homem não-regenerado; o novo é o homem


regenerado, criado em Cristo para as boas obras. Chamar o crente
de novo homem e velho homem é tão impossível quanto chamá-lo
de regenerado e não-regenerado. Em nenhum dos casos é correto
dizer que o crente é o velho homem e também o novo homem. Esse
tipo de terminologia não tem fundamento e não passa de uma for-
ma de distorcer a doutrina que Paulo tão zelosamente estabeleceu
" "

quando afirmou que o nosso velho homem foi crucificado .


23

Embora sejam nova criação, os crentes não atingiram ain-


da a perfeição sem pecado, ainda têm de lutar contra o peca-
do. Em Colossenses 3.10, o novo homem de que os crentes
se revestiram é definido como alguém que está sendo reno-
vado. Essa renovação, como vimos, é um processo para toda
a vida. Em Efésios 4.23, Paulo lembra os leitores de que, con-
quanto se tentam despojado do velho homem e revestido
do novo, estão sendo renovados no modo de pensar. O infi-
" "

nitivo ananeousthai, traduzido por serem renovados está


no tempo presente, o que dá a entender um processo contí-
nuo. Os crentes que se tornaram novas criações em Cristo
são exortados a ainda fazer morrer os atos do corpo (Rm
8 13), a eliminar qualquer atitude pecaminosa (Cl 3.5), a li-
.

vrar-se de pecados como cobiça, ganância, raiva, malícia e


linguagem impura (v. 5,8) e a purificar-se de tudo o que con-
tamina o corpo e o espírito (2Co 7.1).24
Portanto, o novo homem que o NT define não é equivalen-
te a um homem perfeito, sem pecado. É genuinamente novo,
embora não completamente novo. A novidade desse homem
não é estática, mas dinâmica, e necessita de renovação, cres-
cimento e transformação contínuos. O crente profundamen-
te consciente de suas falhas não precisa dizer: "Porque eu
ainda sou um pecador, não posso me considerar uma nova
"

pessoa Em vez disso, deve dizer: "Sou uma nova pessoa,


.

"
mas ainda devo crescer muito .

O NT fala muitas vezes da vida cristã como uma batalha


constante contra o pecado. Os crentes são advertidos a vestir
a armadura de Deus para serem vitoriosos na luta contra as
forças malignas (Ef 6.11-13); a travar o bom combate (ITm 6.12;
cf. 2Tm 4.7), a não satisfazer os desejos da carne (Gl 5.16); e a
92 5 perspectivas sobre a santificação

resistir ao pecado a ponto de derramar o próprio sangue (Hb


12.4). Em ICoríntios 9.26,27, Paulo fala de sua própria luta
ferrenha contra o pecado comparando-se a um boxeador: "Não
luto como quem esmurra o ar. Mas esmurro o meu corpo e
faço dele meu escravo, para que, depois de ter pregado aos
"

outros, eu mesmo não venha a ser reprovado 25 .

Além disso, ainda que a luta contra o pecado seja bem real,
os crentes não são mais dele escravos. A crucificação do ve-
lho homem com Cristo, ensina Paulo implica a libertação da
,

escravidão do pecado (Rm 6.6); porque não estamos debaixo


da lei, mas debaixo da graça, o pecado não deve mais domi-
"

nar-nos (v. 14).O pecado que ainda é inerente ao crente e o


"

pecado que ele comete não têm mais domínio sobre ele 26 .

Em resumo, podemos dizer que o crente não é mais o


velho homem, mas o novo homem que está sendo progres-
sivamente renovado. Ainda tem de combater o pecado e às
vezes tombará diante dele, mas não é mais seu escravo. Pelo
poder do Espírito, o crente agora é capaz de resistir, já que,
para cada tentação, Deus providenciará uma forma de esca-
pe (ICo 10.13).
Uma dedução importante desse ensino é que os crentes
devem ter uma imagem positiva de si mesmos. A base dessa
auto-imagem não é o orgulho pecaminoso de nossos feitos
ou de nossas virtudes, mas é enxergar-nos pela óptica da obra
redentora de Deus em nossa vida. Cristianismo não significa
apenas crer em algo a respeito de Cristo, significa também
crer em algo a respeito de nós mesmos, a saber, que somos de
fato nova criação em Cristo.27

A QUESTÃO DO PERFECCIONISMO
Alguns grupos cristãos afirmam que é possível ao crente
viver sem pecado nesta vida. John Wesley ensinava que existe
uma segunda obra da graça posterior à justificação chamada
santificação plena, ou a possibilidade de viver em tal estado
de amor perfeito a Deus que o indivíduo se considera sem
pecado.28 De acordo com Wesley, essa possibilidade está ao
alcance de todo cristão, e os crentes devem procurar realizá-
la. Muitos grupos e igrejas ligados à tradição wesleyana pre-
"

gam, semelhantemente, a santificação plena como uma se-


"

gunda bênção que ocorre após a justificação.


A perspectiva reformada 93

Essa corrente ensina que a santificação plena é 1) experiên-


cia distinta, separada e posterior à justificação e 2) experiência
instantânea, que implica extirpar o pecado inato, ou a raiz
dele, e destruir a "natureza carnal".29 Pecado é definido como
"

transgressão voluntária da lei conhecida".30 Finalmente, a


perfeição que eles dizem ser possível ao crente obter é sem-
pre qualificada: não é adâmica, angelical, nem da ressurrei-
ção, e não é a mesma de Cristo. Na verdade um autor define a
" "

experiência atingível como perfeição imperfeita 31 .

São necessárias algumas considerações contrárias a esses


ensinamentos. Em primeiro lugar, os perfeccionistas (como
são chamados os que defendem essa posição) tiram a força
da definição de pecado limitando-a apenas ao pecado delibe-
rado. Como é fácil não reconhecer o pecado como pecado!
Será que a concepção perfeccionista se harmoniza com a ora-
"

ção e confissão de Davi em Salmos 19.12 ( Quem pode discer-


"

nir os próprios erros? Absolve-me dos que desconheço! )?


Em segundo lugar, o perfeccionismo rebaixa o padrão de
perfeição. Se essa perfeição não é igual à de Adão antes da
Queda, nem à dos crentes ressurretos, por que chamá-la per-
feição? Faz sentido falar em "perfeição imperfeita"?
Em terceiro lugar, esse ensino transforma a santificação
" "
numa segunda obra da graça separada da justificação. Mas
,

o NT as coloca juntas. Em 1 Coríntios 1.30, Paulo diz que Cris-


to foi feito "justiça, santidade e redenção". Em outras pala-
vras, não podemos ter num momento Cristo como nossa jus-
tificação e, noutro, Cristo como nossa santificação (v. tb. ICo
6 11). Embora a santificação definitiva ocorra em determina-
.

do momento, não é experiência separada da justificação nem


posterior a ela; ambas são simultâneas.32 A santificação pro-
gressiva, como se viu, continua durante toda a vida. Não
devemos, portanto, buscar uma "segunda bênção" especí-
fica, que ocorrerá em determinado dia, mas devemos procu-
rar o crescimento e a renovação constantes (Rm 12.2; Cl 3.10;
Ef 4.23; 2Pe 3.18).
Em quarto lugar, as Escrituras não ensinam que é possível
aos crentes ficar sem pecado nesta vida. Como se mencionou
anteriormente, a Bíblia ensina que ninguém pode dizer-se sem
"

pecado: Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos


"
a nós mesmos, e a verdade não está em nós (IJo 1.8). As
Escrituras também ensinam a confissão constante de peca-
94 5 perspectivas sobre a santificação

dos e a oração pedindo perdão, como ensina o versículo se-


"

guinte: Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo


para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda in-
justiça". O mesmo ocorre na quinta petição da oração do Se-
"

nhor: Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos


"
nossos devedores (Mt 6.12). Visto que Jesus nos ensina a orar
pelo pão diário, naturalmente ele deseja que lhe peçamos per-
dão também diariamente.
A Bíblia também ensina que os crentes devem continuar
lutando contra o pecado enquanto estiverem vivos. Anterior-
mente neste capítulo, resumimos as provas das Escrituras so-
bre esse ensino; trataremos mais detalhadamente de Gálatas
5 16,17:
.

Por isso digo: Vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfa-


rão os desejos da carne. Pois a carne deseja o que é contrário ao
Espírito; e o Espírito, o que é contrário à carne. Eles estão em confli-
to um com o outro de modo que vocês não fazem o que desejam.33
,

O que Paulo quer dizer com carne? Ainda que a palavra


carne, do modo como é usada no NT, apresente diversos senti-
dos, nos versículos em questão ela significa a tendência interi-
or do ser humano de desobedecer a Deus em todas as áreas da
vida. Não devemos restringir o significado dessa palavra para
que se refira apenas ao que comumente chamamos pecados
carnais, ou pecados do corpo; devemos entender carne como
algo que designa pecados cometidos pela pessoa inteira. Na
lista de "obras da carne" (v. 19-21), apenas cinco das quinze
arroladas designam o que em geral chamamos pecados do
" "

corpo; as restantes são pecados do espírito (ódio, discórdia,


inveja e outros).
Aprendemos em Romanos 8.9 que os crentes não estão
sob o domínio da carne, mas do Espírito, isto é, os crentes
não são mais escravizados pela carne, mas são governados
pelo Espírito. Todavia, Gálatas 5.16,17 entende que os crentes
ainda têm de lutar contra os impulsos pecaminosos que pro-
cedem da carne, pois a vontade da carne é contrária à do Es-
pírito. As Escrituras, portanto, prometem que, se continuar-
mos seguindo próximos do Espírito, não satisfaremos nem
cumpriremos os desejos da carne (v. 16). Mas está claro que os
crentes devem continuar lutando contra as tendências interio-
res até o último suspiro.
96 5 perspectivas sobre a santificação

pecialmente na cruz. A bênção de Abraão (ou seja, a bênção da


justificação pela fé; cf. v. 8) passou a ser a nossa bênção. No
sentido em que os crentes não devem mais cumprir a lei como
forma de obter a salvação, de fato eles foram dela libertados.
Em outro sentido, entretanto, os crentes não estão livres
da lei. Devem estar profundamente preocupados em guardar
a lei de Deus como forma de expressar-lhe gratidão pela dádi-
va da salvação. Calvino identificou essa utilidade da lei na
terceira e principal função na vida dos crentes:

A terceira e principal utilidade [da lei], mais intimamente liga-


da à característica própria da lei, encontra se entre os crentes em
cujo coração o Espírito Santo já vive e reina [...]. Este é o melhor
instrumento para que aprendam mais completamente, a cada dia, a
natureza da vontade de Deus à qual aspiram [...]. Novamente, por
necessitarmos não apenas de ensino, mas também de exortação, o
servo de Deus também se beneficia desta vantagem da lei.35

A Bíblia certamente ensina essa "terceira e principal" utili-


dade da lei. Por exemplo, bem no início da lei sinaítica, Deus
diz: "Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te tirou do Egito, da terra
da escravidão" (Êx 20.2), com isso lembrando seu povo do
gracioso ato de libertação do Egito, ao qual eles deviam a exis-
tência como nação. Deus estava dizendo: "Observai estes man-
damentos em gratidão pela misericórdia que vos tenho de-
"
monstrado .

A lei tinha de ser observada por gratidão a Deus, o que


explica o prazer que os santos do AT tinham na lei de Deus.
Dessa forma, depois de falar da bem-aventurança daquele que
não anda segundo o conselho dos ímpios, o autor do primei-
"

ro salmo prossegue, por exemplo, dizendo: Ao contrário, sua


"

satisfação está na lei do Senhor, e nessa lei medita dia e noite


(v. 2). Nesse texto, lei significa os preceitos de Deus, dados no
Decálogo e em outras partes da revelação escrita, preceitos
que forneciam as diretrizes para a vida do crente. A mesma
satisfação se manifesta em Salmos 19.7,8:

A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma.


Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança, e tornam
sábios os inexperientes.
Os preceitos do Senhor são justos e dão alegria ao coração.
,

Os mandamentos do Senhor são límpidos, e trazem luz aos olhos.


96 5 perspectivas sobre a santificação

pecialmente na cruz. A bênção de Abraão (ou seja, a bênção da


justificação pela fé; cf. v. 8) passou a ser a nossa bênção. No
sentido em que os crentes não devem mais cumprir a lei como
forma de obter a salvação, de fato eles foram dela libertados.
Em outro sentido, entretanto, os crentes não estão livres
da lei. Devem estar profundamente preocupados em guardar
a lei de Deus como forma de expressar-lhe gratidão pela dádi-
va da salvação. Calvino identificou essa utilidade da lei na
terceira e principal função na vida dos crentes:

A terceira e principal utilidade [da lei], mais intimamente liga-


da à característica própria da lei, encontra se entre os crentes em
cujo coração o Espírito Santo já vive e reina [...]. Este é o melhor
instrumento para que aprendam mais completamente, a cada dia, a
natureza da vontade de Deus à qual aspiram [...]. Novamente, por
necessitarmos não apenas de ensino, mas também de exortação, o
servo de Deus também se beneficia desta vantagem da lei.35

A Bíblia certamente ensina essa "terceira e principal" utili-


dade da lei. Por exemplo, bem no início da lei sinaítica, Deus
diz: "Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te tirou do Egito, da terra
da escravidão" (Êx 20.2), com isso lembrando seu povo do
gracioso ato de libertação do Egito, ao qual eles deviam a exis-
tência como nação. Deus estava dizendo: "Observai estes man-
damentos em gratidão pela misericórdia que vos tenho de-
"
monstrado .

A lei tinha de ser observada por gratidão a Deus, o que


explica o prazer que os santos do AT tinham na lei de Deus.
Dessa forma, depois de falar da bem-aventurança daquele que
não anda segundo o conselho dos ímpios, o autor do primei-
"

ro salmo prossegue, por exemplo, dizendo: Ao contrário, sua


"

satisfação está na lei do Senhor, e nessa lei medita dia e noite


(v. 2). Nesse texto, lei significa os preceitos de Deus, dados no
Decálogo e em outras partes da revelação escrita, preceitos
que forneciam as diretrizes para a vida do crente. A mesma
satisfação se manifesta em Salmos 19.7,8:

A lei do Senhor é perfeita, e revigora a alma.


Os testemunhos do Senhor são dignos de confiança, e tornam
sábios os inexperientes.
Os preceitos do Senhor são justos e dão alegria ao coração.
,

Os mandamentos do Senhor são límpidos, e trazem luz aos olhos.


A perspectiva reformada 97

O salmo 119 inteiro, o maior da Bíblia, é um poema de lou-


vor à beleza e à graça da lei de Deus e à alegria que o salmista
tem em cumpri-la: "Dirige-me pelo caminho dos teus manda-
"

mentos, pois nele encontro satisfação (v. 35).


O NT, que amplia o ensino do AT, da mesma forma exorta
os crentes a guardar a lei de Deus em gratidão pelas bênçãos
recebidas. No Sermão do Monte, Jesus diz:

Todo aquele que desobedecer a um desses mandamentos [en-


contrados na Lei e nos profetas], ainda que dos menores, e ensinar
os outros a fazerem o mesmo, será chamado menor no Reino dos
céus; mas todo aquele que praticar e ensinar estes mandamentos
será chamado grande no Reino dos céus (Mt 5.19).

Em outra ocasião, Jesus disse a seus discípulos: "Se vocês


obedecerem aos meus mandamentos, permanecerão no meu
amor, assim como tenho obedecido aos mandamentos de meu
Pai e em seu amor permaneço" (Jo 15.10). A ordem de Jesus,
entretanto, não é diferente da exigência dos Dez Mandamen-
tos, pois ele prossegue, dizendo: "O meu mandamento é este:
Amem-se uns aos outros como eu os amei" (v. 12). Noutra
ocasião, Jesus ensinou que o conteúdo todo dos últimos seis
"

mandamentos do Decálogo é: E o segundo é semelhante a


'
ele: Ame o seu próximo como a si mesmo'" (Mt 22.39). No NT
está claro que os crentes ainda têm de observar os Dez Manda-
mentos. Todavia, têm o exemplo de Cristo como um tipo de
" "

ajuda visual (cf. "como eu os amei", Jo 13.34).


Paulo, muitas vezes citado como alguém que apresenta a
lei e a graça em acentuado contraste, também considera que a
lei (como na terceira utilidade que Calvino apresenta) vincula
os cristãos. Em Romanos 8.3,4, o apóstolo indica que o pro-
pósito da encarnação de Cristo era permitir que o povo de
Deus cumprisse a lei:

Porque, aquilo que a Lei fora incapaz de fazer por estar enfra-
quecida pela carne, Deus o fez, enviando seu próprio Filho, à seme-
lhança do homem pecador, como oferta pelo pecado. E assim con-
denou o pecado na carne, a fim de que as justas exigências da Lei
fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos segundo
a carne, mas segundo o Espírito.

Alguns cristãos acreditam que haja um acentuado contraste


entre guardar a lei e viver pelo Espírito. De acordo com essa
170 5 perspectivas sobre a santificação

cheio com o Espírito. Muito cedo, porém, acrescentou-se um


quinto tema; serviço. A idéia desse último destaque era fazer
que os santos recém-preparados se voltassem para fora, para
sua responsabilidade de servir a Deus e aos outros no poder
do Espírito. Praticamente desde o início, porém, surgiu uma
ênfase especial no serviço, que logo se tornou a marca regis-
trada da Convenção de Keswick, isto é, missões, ou a evange-
lização mundial. Os voluntários para o serviço missionário
em pouco tempo eram milhares, e a convenção-mãe susten-
tou pelo menos financeiramente os que responderam ao cha-
mado divino na convenção e recebeu relatórios correspon-
dentes nos anos seguintes.

Equívocos secundários
Pelo fato de Keswick ser uma grande sociedade e abranger
pessoas de diferentes convicções teológicas, não surpreende
que tenham surgido diferenças entre os líderes, mesmo quanto
às doutrinas relacionadas à vida cristã. Contudo, em compa-
ração com os destaques do programa principal exposto ante-
riormente, essas diferenças são secundárias. No que diz res-
peito aos aspectos obscuros, não se deve procurar estabelecer
uma posição oficial de Keswick, pois ela não existe.

Capacidade de não pecar


Keswick tem sido sistematicamente acusado de ensinar a
perfeição cristã, a idéia de que é possível viver sem pecado. B.
B Warfield, por exemplo, em "The Victorius Christian Life" [A
.

vida cristã vitoriosa], capítulo final da obra Studies in Perfec-


tionism [Considerações sobre perfeccionismo], afirma que essa
é a postura de Keswick.8 Os líderes de Keswick desmentem
essas declarações de modo veemente, oficial e enfático.9 As
informações, entretanto, nem sempre são claras. Alguns ora-
dores de Keswick falam sobre o estado espiritual em que o
crente é capaz de não cometer pecado, posição normalmente
" "
considerada perfeição cristã .

Parece que o problema está na definição de pecado, como


muitas vezes é o caso das diferenças existentes entre teólo-
gos no que diz respeito à perfeição humana. O pecado é defi-
nido como a violação deliberada da vontade revelada de Deus?
A perspectiva reformada 99

apesar disso, proibidos de observar a lei como forma de de-


monstrar a gratidão a Deus pela salvação que receberam como
dádiva da graça. Para os crentes, guardar a lei é expressão do
amor cristão e caminho para a liberdade cristã; equivale a an-
dar junto do Espírito. Uma vez que a lei reflete quem é Deus,
viver em obediência à lei de Deus é viver como portador da
imagem divina. A lei, portanto, é um dos mais importantes
meios pelos quais Deus nos santifica.36

0 PROPÓSITO DA SANTIFICAÇÃO
O propósito da santificação pode ser enxergado por duas
perspectivas: o propósito final e o imediato. O propósito final
da santificação não pode ser nada mais do que a glória de
Deus. Ao refletir sobre essa atuação graciosa de Deus, não
devemos ter primeiro em consideração a nossa felicidade fu-
tura, mas a glória de nosso Deus magnífico.
A Bíblia informa que a glória de Deus é o propósito final da
santificação. Depois de escrever em Efésios 1.4,5 que Deus
nos escolheu em Cristo antes da fundação do mundo e nos
predestinou para sermos adotados como seus filhos, Paulo
" "
acrescenta, para o louvor da sua gloriosa graça (v. 6), idéia
"
repetida nos versículos 12 e 14 ( sejamos para o louvor da
"

sua glória e "para o louvor da sua glória", respectivamente).


Em outra parte, Paulo ora para que o amor de seus compa-
nheiros aumente cada vez mais, a fim de que sejam puros e
irrepreensíveis, cheios do fruto de justiça, "para glória e lou-
"
vor de Deus (Fp 1.9-11). Por que Deus nos ressuscitou com
Cristo e nos fez assentar em lugares celestiais? "Para mostrar,
nas eras que hão de vir, a incomparável riqueza de sua graça,
demonstrada em sua bondade para conosco em Cristo Jesus"
(Ef 2.7). Em outras palavras, todas as maravilhosas bênçãos
da salvação, entre elas nossa santificação, têm como propósi-
to final o louvor da glória de Deus. Nada em toda a história
revelará de forma tão brilhante a plenitude da perfeição de
Deus do que a plena glorificação do seu povo.
No livro de Apocalipse, o apóstolo João abre as cortinas
que encobrem o mistério e dá-nos um vislumbre do céu. Ele
ouve a voz dos redimidos cantando: Àquele que está assen-
"

tado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e


"

o poder, para todo o sempre! (Ap 5.13). O propósito final de


100 5 perspectivas sobre a santificação

todas as admiráveis obras de Deus, além da santificação de


seu povo, é que ele seja exaltado, honrado e glorificado para
sempre.
O propósito imediato da salvação é a perfeição do povo de
Deus. Esta perfeição será o estágio final da história da ima-
gem de Deus, pois na vida vindoura o seu povo refletirá per-
feitamente a imagem de Deus e a de Cristo, que é "a expressão
"
exata do seu ser (Hb 1.3). Paulo nos diz em ICoríntios 15.49:
"

Assim como tivemos a imagem do homem terreno, teremos


também a imagem do homem celestial". Esse "homem celestial"
é sem dúvida Jesus Cristo, cuja imagem glorificada, diz Pau-
lo, assumiremos plenamente e revelaremos na ressurreição.
João diz algo semelhante em IJoão 3.2. Embora ainda não
saibamos o que seremos no futuro, nós, os filhos de Deus,
"

sabemos que, quando ele [Cristo] se manifestar, seremos se-


"

melhantes a ele, pois o veremos como ele é diz o apóstolo. O ,

propósito da santificação, como afirma este versículo, é a se-


melhança completa e perfeita com Cristo e, por conseguinte,
com Deus. Essa semelhança total preservará nossa individua-
lidade, mas significa que estaremos completamente isentos
de pecado (v. tb. Ef 5.27; Hb 12.23; Ap 22.14,15).
A perfeição futura é o propósito a que Deus nos predesti-
"
nou: Pois aqueles que de antemão conheceu, também os pre-
destinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim
de que ele seja o primogénito entre muitos irmãos" (Rm 8.29).
Esse propósito divino, em outras palavras, não é apenas a
felicidade futura, tampouco o acesso garantido ao céu, mas a
semelhança perfeita com Cristo e, consequentemente, com
Deus. Com efeito, Deus não poderia destinar futuro melhor para
seu povo que o de ser inteiramente semelhante a seu Filho, em
quem ele se compraz.
A perfeição futura do povo de Deus será compartilharmos
da glorificação final de Cristo. Não somos apenas herdeiros
de Deus, diz Paulo em Romanos 8.17, mas co-herdeiros com
Cristo, "se de fato participamos dos seus sofrimentos, para
"
que também participemos da sua glória Como diversas ve- .

zes se disse, jamais devemos pensar em Cristo à parte de seu


povo, como também não devemos pensar em seu povo à par-
te dele. Portanto, assim será no porvir: a glorificação do povo
de Deus ocorrerá juntamente com a glorificação de Cristo.
Quando nossa santificação estiver completa, seremos total-
170 5 perspectivas sobre a santificação

cheio com o Espírito. Muito cedo, porém, acrescentou-se um


quinto tema; serviço. A idéia desse último destaque era fazer
que os santos recém-preparados se voltassem para fora, para
sua responsabilidade de servir a Deus e aos outros no poder
do Espírito. Praticamente desde o início, porém, surgiu uma
ênfase especial no serviço, que logo se tornou a marca regis-
trada da Convenção de Keswick, isto é, missões, ou a evange-
lização mundial. Os voluntários para o serviço missionário
em pouco tempo eram milhares, e a convenção-mãe susten-
tou pelo menos financeiramente os que responderam ao cha-
mado divino na convenção e recebeu relatórios correspon-
dentes nos anos seguintes.

Equívocos secundários
Pelo fato de Keswick ser uma grande sociedade e abranger
pessoas de diferentes convicções teológicas, não surpreende
que tenham surgido diferenças entre os líderes, mesmo quanto
às doutrinas relacionadas à vida cristã. Contudo, em compa-
ração com os destaques do programa principal exposto ante-
riormente, essas diferenças são secundárias. No que diz res-
peito aos aspectos obscuros, não se deve procurar estabelecer
uma posição oficial de Keswick, pois ela não existe.

Capacidade de não pecar


Keswick tem sido sistematicamente acusado de ensinar a
perfeição cristã, a idéia de que é possível viver sem pecado. B.
B Warfield, por exemplo, em "The Victorius Christian Life" [A
.

vida cristã vitoriosa], capítulo final da obra Studies in Perfec-


tionism [Considerações sobre perfeccionismo], afirma que essa
é a postura de Keswick.8 Os líderes de Keswick desmentem
essas declarações de modo veemente, oficial e enfático.9 As
informações, entretanto, nem sempre são claras. Alguns ora-
dores de Keswick falam sobre o estado espiritual em que o
crente é capaz de não cometer pecado, posição normalmente
" "
considerada perfeição cristã .

Parece que o problema está na definição de pecado, como


muitas vezes é o caso das diferenças existentes entre teólo-
gos no que diz respeito à perfeição humana. O pecado é defi-
nido como a violação deliberada da vontade revelada de Deus?
Réplica reformada a Horton 155

mos um com Cristo. Não é necessário buscar esse batismo como


uma experiência posterior à conversão, é o que Paulo está di-
zendo nesse texto. Uma vez que estamos em Cristo, já fomos
batizados no Espírito.
Mesmo admitindo que a primeira metade desse texto se
refira a algo que ocorre a todos os cristãos, Horton afirma que
a segunda metade fala do batismo no Espírito, no sentido
pentecostal comum. Argumenta que, enquanto os outros tex-
tos que falam do batismo no Espírito dizem que Cristo nos
batiza no Espírito, a primeira metade do versículo de Coríntios
afirma que somos batizados pelo Espírito e, portanto, está fa-
lando de coisa diferente (p. 141-2).
A segunda frase do versículo, porém, é semelhante à pri-
meira metade, pois ambas ressaltam a unidade de todos os
crentes. Além disso, como basear a argumentação numa dis-
tinção entre o batismo pelo Espírito e o batismo por Cristo? Se
algo é realizado por Cristo, não seria também realizado pelo
Espírito? E, se realizado pelo Espírito, não é também realizado
por Cristo?
Réplica wesleyana a Hoekema 103

os dois entendimentos sobre o assunto. Quando Hoekema es-


boça os meios de santificação pela união com Cristo, pela ver-
dade e pela fé, com a conclusão de que "o pecado não mais
"

predomina sobre nós (p. 73 e 92), fala com eloquência em


nome de todos os crentes que crêem na Bíblia, independente-
mente dos meios que visam o fim e dos termos empregados
para desenvolver esse ensinamento. A semelhança com Cristo
e a fé que opera pelo amor são o que de fato importa; a inte-
ração e o diálogo entre nossas diferentes perspectivas, pelo
menos, nos ensinam isso.
Os matizes das diferenças básicas entre a definição de
Hoekema, concebida no contexto reformado, e a dinâmica da
santificação, na concepção das outras posições apresentadas
neste livro, começam a aparecer imediatamente quando ele
define as palavras-chave utilizadas na definição. Por exem-
plo, quando Hoekema diz que a corrupção do pecado gera
mais pecado, que são acrescentados à natureza pecaminosa
do indivíduo (p. 95), isso dá a entender imediatamente algum
tipo de força irresistível do pecado em nós que nos deve fa-
zer continuar pecando inevitavelmente. Esse entendimento
se enquadra, com mais propriedade, na concepção reforma-
da da humanidade decaída do que na posição wesleyana, es-
boçada em meu ensaio. Além disso, quando ele afirma que
essa corrupção está em processo permanente de remoção
nesta vida, encontramos uma das principais diferenças entre
as interpretações calvinista e wesleyana da santificação. Um
wesleyano não vê problema em dizer que faz parte da vida a
presença de alguma corrupção pecaminosa na ordem natural
decaída, corrupção que nos priva da libertação final e com-
pleta das consequências da Queda e dos pecados posteriores
do ser humano. A total libertação não se realizará enquanto
não ocorrer a glorificação do corpo e o restabelecimento do
governo de Deus sobre toda a criação. Mas será que a liberta-
ção da corrupção do pecado é aquilo que a graça de Jesus
Cristo nos dá em vida? Certamente não.
A distinção entre os dois está em Romanos 7 e 8. Apesar
das diferentes interpretações de Romanos 7, passagem cen-
tral para o tema da santificação, uma coisa é evidente: o ver-
dadeiro dilema que deve ser resolvido é a capacidade, como
diz Kierkegaard, de "desejar o desejo". Essa idéia se confirma
em Romanos 8, em que a libertação dessa devastadora frus-
104 5 perspectivas sobre a santificação

tração no cumprir a lei de Deus, de Romanos 7, está na lei do


Espírito de vida em Jesus Cristo, como foi declarado. O cum-
primento da lei é amar de todo o coração a Deus e ao próximo,
e o chamado e a promessa destes relacionamentos estão em
Romanos 12.
Romanos 8, além de celebrar o tipo de libertação do peca-
do que Hoekema reconhece como a expectativa da vida san-
tificada, também aborda o fato de os crentes continuarem
sofrendo com as limitações de seu próprio corpo decaído e
do sistema não-redimido do mundo em que vivem. Parece
que a confusão entre a vida de limitação atual, proveniente
das imperfeições naturais, e o estilo de vida anterior, livre do
pecado em nosso relacionamento com Cristo e com Deus pelo
Espírito, provocam a maior parte da incompreensão, o que re-
sulta no rótulo que os teólogos reformados impõem aos
wesleyanos e pentecostais, chamando-os de perfeccionistas,
ou defensores da impecabilidade. Podemos ficar livres para
amar a Deus de todo o coração, pela fé, e para o contínuo relacio-
namento de graça e de amor correspondente. Não podemos fi-
car livres da luta contra a corrupção de nosso corpo nem da
luta contra a corrupção do mundo. Se a santificação inclui a
luta contra a corrupção do corpo, podemos ser plenamente
santificados, conforme o sentido sustentado pela teologia da
vida superior. Se compreendermos perfeição como a luta con-
tra a corrupção do mundo, ela jamais se completará nesta vida.
A liberdade para amar é o centro da perfeição cristã. A cor-
"

rupção da inclinação para o pecado", que sempre ameaça a


obediência do crente antes de sua entrada na vida plena de
amor sincero, é a única corrupção de que a Palavra de Deus
nos promete libertar nesta vida. Juntamente com Wesley, afir-
mamos que qualquer doutrina de santificação que ofereça
possibilidade inferior para a vida cristã normal, pela graça e
pela fé, está destituída do propósito maior da redenção do
pecado que se encontra no centro do evangelho de Jesus Cristo
e da vinda do Espírito Santo.
Em resumo, Hoekema está correto em afirmar que a perfei-
ção absoluta não será alcançada plenamente enquanto não
" "

chegar a vida vindoura (p. 100). Se a questão pendente for:


"

Podemos viver diariamente de forma tão perfeita a ponto de


atingir a perfeição absoluta na relação com Deus e com o pró-
"

ximo em todas as nossas ações? a resposta será sem dúvida


,
130 5 perspectivas sobre a santificação

O Espírito Santo está envolvido na obra inicial da santifica-


"

ção, como se depreende de ICoríntios 6.11: Assim foram al-


guns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram santificados,
foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espí-
"
rito de nosso Deus .
Novamente, 2Tessalonicenses 2.13 fala
de salvação (provavelmente significando nossa salvação ou
herança futura) "mediante a obra santificadora do Espírito e a
fé na verdade". Romanos 15.16 e IPedro 1.1,2 também tratam
da obra de santificação do Espírito. Essas passagens indicam
que há progresso na santificação por meio do Espírito Santo.
No meu livro What Bible Says About the Holy Spirit [O que a
Bíblia diz sobre o Espírito Santo], assinalo que:

O Espírito Santo também é testemunha de que Deus aceitou o


"
sacrifício de Cristo e aperfeiçoou [tem aperfeiçoado] para sempre
"

os que estão sendo santificados (Hb 10.14). Isto se confirma pos-


teriormente pela profecia de Jeremias (Hb 10.16; Jr 31.33), embora
o próprio Jeremias não tenha mencionado o Espírito Santo. Nesse
"
contexto, o aperfeiçoamento foi levado a cabo no sacrifício de
"

Cristo no Calvário. "Para sempre" significa tanto continuamente


quanto por todo o tempo e refere-se ao fato de que o sacrifício de
Cristo se realizou de "uma vez por todas" (Hb 9.28). "Santificados"
[estão sendo santificados] é uma forma contínua do verbo, "os que
estão sendo santificados [feitos santos] ou consagrados, dedica-
dos a Deus e a seu serviço".22

O Espírito Santo, por cujo intermédio recebemos a santifi-


cação, ou consagração (IPe 1.2), também nos capacita a coo-
perar com essa obra pela purificação da alma em obediência à
verdade, o que resulta em amor fraternal e sincero (IPe 1.22).

Isso pode envolver a participação nos sofrimentos de Cristo.


Mas, se somos insultados por causa do nome de Deus, somos feli-
zes pois o Espírito da glória e de Deus repousa sobre nós (IPe
4 14). Na natureza [no reino natural], a autopreservação é a primei-
.

ra lei que rege a natureza humana. O mundo enfatiza o interesse


próprio, cuidar-se em primeiro lugar. A competição gera o desejo
de dominar os outros e tornar-se tirano. Mas Jesus esteve entre nós
como servo de todos. O maior entre nós deve ser servo (escravo)
de todos (Lc 22.27; Mt 20.25-28; 23.11). Só nos é possível vencer a
inclinação natural pelo poder do Espírito na medida em que Cristo
,

vive em nós e sua natureza é em nós formada. Desse modo, a medi-


Réplica

PENTECOSTAL

a Hoekema

Stanley M. Horton

Apreciei muito a apresentação que Anthony Hoekema fez


da posição reformada. Ele é claro quanto à distinção entre
santificação progressiva e santificação definitiva. Também
salienta muito mais do que eu esperava a importância de tratar
a santificação progressiva como um processo de toda a vida.
É muito frequente no Meio-Oeste dos EUA ouvir dos mem-
bros de igrejas calvinistas declarações como: "É natural pecar
um pouco todos os dias ou "É melhor não viver de forma
"

muito santa para que não se comece a confiar em boas obras


"

para a salvação ou ainda "Uma vez que se está salvo, pode-se


viver em pecado grosseiro e mesmo assim ir para o céu de-
"

pois da morte Essas afirmações não partem de teólogos, e


.

estou certo de que nenhuma dessas frases seria dita se o povo


tivesse acesso ao ensino que Hoekema apresentou ao tratar
da posição reformada.
Aprecio também a definição inicial de santificação, no que
" "
se refere à ação graciosa do Espírito Santo (p. 69), e à afirma-
"

ção posterior de que pela fé recebemos o poder do Espírito


Santo, que nos permite ter domínio sobre o pecado e viver
para Deus [...] pelo Espírito, somos capazes de fazer morrer
as más ações da carne
"

(p. 74). É verdade que a Trindade está


envolvida na obra da santificação, fato que Hoekema apresen-
ta de forma muito clara, embora muitas vezes deixe de lado a
obra do Espírito. O NT reflete a compreensão de que os cren-
tes sabiam que necessitavam da ajuda constante do Espírito.
Réplica pentecostal a Hoekema 107

Infelizmente, boa parte da história da igreja revela certa negli-


gência em relação à terceira pessoa da Trindade. Pouquíssimos
livros foram escritos sobre o Espírito entre os séculos XIII e XIX.
Muitos dos autores de teologias sistemáticas tinham bem pou-
co que dizer sobre ele. Há algumas décadas, era raro ouvir um
sermão sobre o Espírito na maioria das denominações. A situa-
ção é diferente hoje, em parte, creio eu, em virtude do teste-
munho fiel do movimento pentecostal.
Devo mencionar, entretanto, que a posição reformada ain-
da dispensa bem pouca atenção ao Espírito Santo em compa-
ração com outras posições doutrinárias apresentadas neste
livro. Hoekema o menciona em apenas duas ou três ocasiões
e de forma breve. Ele dedica muito mais atenção à posição da
lei e afirma que os crentes guiados pelo Espírito fazem o me-
lhor que podem para obedecer à lei de Deus. Essa opinião
pode levar alguém a supor que deve seguir a lei à risca. Em
vez disso, o Espírito Santo dá ao crente auxílio e poder para
viver de modo agradável a Deus, da forma que ele desejava
ver em Israel quando revelou a lei. O principal significado de
lei é "instrução", e precisamos do Espírito Santo para esclare-
cer as instruções do AT à luz do NT. Concordo, entretanto,
que o conflito de Romanos é entre lei e pecado, e não entre lei
e graça, pois o amor é de fato o cumprimento da lei.
Acredito, porém, que "estão destituídos da glória de Deus"
é apenas uma parte do que Romanos 3.23 significa. A glória
de Deus é a medida plena do que Deus é em toda a sua san-
tidade, justiça, misericórdia, graça e amor. O pecado, no sentido
de deixar de atingir o alvo ou desviar-se para um lado ou ou-
tro, ainda nos mantém privados da glória de Deus nesta vida,
fato que comprovamos à medida que nos aproximamos mais
do Senhor. Mas o Espírito sem dúvida nos ajuda na questão
de glorificar a Deus. O que observo nas igrejas pentecostais é
que o Espírito traz um desejo novo de louvar a Deus e glorifi-
car a Jesus tanto no culto quanto na vida diária. Embora ainda
estejamos aquém, perseveramos.
Discordamos, sem dúvida, na questão da eleição. A eleição
de Israel, bem como passagens do NT e diversas advertências
da Bíblia, revela que a eleição se refere ao corpo e ocorre para
cumprir os propósitos de Deus, e não se trata da eleição de
indivíduos. Mesmo um filho do Reino pode ser expulso. Robert
Shank, um batista, no livro Elect in the Son [Eleito no Filho]
234 5 perspectivas sobre a santificação

Deus pode efetuar a santificação no aspecto prático e pro-


gressivo.
É impossível superestimar a importância da habitação do
Espírito no novo convertido. Sua presença é prova de proprie-
dade divina, de segurança e graça, e da intenção divina de
produzir no novo convertido o fruto da salvação. O Espírito
Santo é o selo divino de propriedade (2Co 1.22; 5.5; Ef 1.14).
Visto que o Espírito habita o crente, o corpo deste torna-se
templo do Espírito (ICo 6.19). A presença do Espírito Santo
também é o selo divino de segurança para os crentes quanto
à salvação e confirma o propósito de Deus de apresentá-los
santos no céu. A habitação do Espírito Santo, bem como o
batismo e a regeneração do Espírito, ocorre uma única vez no
momento da salvação e fornece as bases para a obra divina
futura de graça, a saber, a santificação e a glorificação final. A
presença do Espírito Santo é acompanhada pelos dons espiri-
tuais e pela possibilidade do crente exercê-los no poder e na
bênção do Senhor.

0 ENCHIMENTO DO ESPÍRITO SANTO

Embora todos os cristãos sejam regenerados, balizados,


habitados e selados pelo Espírito, nem todos os cristãos são
cheios do Espírito. Essa importante variável explica a grande
diferença de experiências e poderes espirituais que existe en-
tre os vários crentes. O enchimento do Espírito é a fonte de
todos os ministérios importantes do Espírito nos crentes de-
pois da conversão. Esse enchimento não deve ser confundi-
do com experiências que precedem a salvação (como a con-
vicção do Espírito), nem com as obras que ocorrem uma única
vez no momento da salvação. O enchimento do Espírito é uma
obra de Deus que ocorre repetidamente na vida dos crentes,
portanto é sem dúvida a fonte da santificação, bem como da
frutificação espiritual.31
A qualidade da vida espiritual de um cristão é demonstra-
da de variadas formas durante a vida. O novo convertido pode
ser imaturo e relativamente ignorante a respeito de Deus e da
verdade, mas mesmo assim pode ter certo grau de espiritua-
lidade e, por isso, vivenciar o enchimento do Espírito do modo
que foi exemplificado na conversão de Cornélio (At 10) e na
conversão dos discípulos de João (At 19). Já nos cristãos ma-
Réplica de

KESWICK

a HOEKEMA

J Robertson McQuilkin
.

Concordo substancialmente com os pontos principais enun-


ciados por Anthony Hoekema. A posição reformada sobre
santificação é exposta com clareza, vigor e, no geral, com uma
exegese bíblica cuidadosa. Gostaria, entretanto, de que ele ti-
vesse feito uma distinção mais clara entre a santificação
empírica, isto é, experimentada pelo sujeito, e a objetiva ou
posicionai. Gostaria também de que tivesse definido teologi-
"
e o "novo homem" e explicado a
"
camente o velho homem
natureza da continuidade entre o velho e o novo na mesma
pessoa. Mas essas questões não fazem parte da essência de
sua argumentação.
O problema, portanto, não é o que foi dito, mas o que não
foi dito. E, para o sucesso prático na vida cristã, essa omissão
pode ser importante. Existe uma diferença substancial entre
os cristãos, ou estariam todos mais ou menos num processo
contínuo de regeneração até a glorificação, diferindo apenas
no estágio de crescimento no tocante à imagem restaurada?
Se é possível haver um crente agindo à maneira de um não-
convertido, deixando de demonstrar coerentemente o fruto
do Espírito, sendo fraco e insatisfatório espiritualmente, en-
tão nada aprendemos sobre a exposição de Hoekema.
Pedro e Paulo identificam claramente essa espécie de cren-
te e não apresentam essa condição como normativa nem acei-
tável. A doutrina reformada não pode dar lugar à proposta
wesleyana ou à pentecostal para resolver o problema. Mas será
110 5 perspectivas sobre a santificação

que os teólogos reformados não deveriam buscar uma solu-


ção alternativa, mais bíblica e eficaz? No entanto, muitos teó-
logos reformados ignoram o problema do crente derrotado e
até mesmo a existência dessa classe de cristãos. Uma vez que
nem ao menos se reconheceu a condição do cristão que, por
ignorância, incredulidade ou desobediência, não está viven-
do sob o controle e a influência do Espírito Santo, a segunda
grande omissão é não apresentar nenhuma solução para o
problema.
Se tanto a Bíblia quanto a experiência cristã atestam que existe
um tipo de vida inferior ao padrão normal, e se muitas pes-
soas piedosas e instruídas biblicamente testificam que há so-
lução para o problema (uma solução oferecida pelas Escrituras
e experimentada por cristãos), essa questão deve, ao menos,
ser levantada. Se existe um tipo de vida assim e uma solução
para ela, trata-se de perda lamentável deixar de anunciá-la.
Em suma, devo dizer que não há nenhum conflito funda-
mental entre a apresentação do ensino reformado sobre
santificação e a concepção de Keswick. No entanto, para os
calvinistas que negam a existência de um estilo de vida inacei-
tável, qualitativamente distinto da vida experimentada por al-
guns cristãos, um estilo que pode e deve ser corrigido pela
renovação do compromisso inicial de fé com Deus, na verdade
existe um conflito.
Réplica

AGOSTINIANO-

DISPENSACIONALISTA

a Hoeiíeha

John F. Walvoord
A apresentação da posição reformada que Hoekema fez
sobre santificação é um modelo de argumentação teológica
esclarecida e apresenta uma pesquisa admirável da posição
reformada e da comparação com outras correntes teológicas.
Com poucas exceções, a perspectiva de Hoekema correspon-
de à perspectiva agostiniano-dispensacionalista. A posição
reformada, portanto, interpreta corretamente a santificação
como ato definitivo, decisivo e irreversível e como processo
que continua por toda a vida, tendo seu clímax no céu, com a
santificação completa dos crentes. Praticamente tudo em sua
argumentação é muito útil na medida em que permite ao leitor
compreender a revelação bíblica acerca do tema da santificação.
Existem algumas pequenas variações surpreendentes em
relação à perspectiva agostiniano-dispensacionalista, como
também há diferenças em relação à perspectiva reformada
tradicional. Nesse ensaio, Hoekema não delineia com clareza
a existência da velha natureza e da nova natureza no cristão e
"

volta para o conceito, tal como apresentado na NVI, do velho


homem" e "novo homem". Essa posição reflete uma patente
mudança da perspectiva apresentada no artigo do Bulletin of
the Theological Society [Boletim da Sociedade Teológica] (Pri-
mavera de 1962), no qual ele reconhece o conceito da velha e
da nova natureza nos indivíduos regenerados.
Há certa confusão com as expressões "velho homem" e
" "
novo homem em que Hoekema compara a perspectiva de
112 5 perspectivas sobre a santificação

John Murray (por ele adotada) e a posição calvinista mais an-


tiga apresentada por Hodge. O problema pode ser resolvido
" "

caso se entenda que velho homem e "novo homem" não são


referências à velha e à nova natureza, mas, em vez disso, ao
estilo de vida antigo, manifestação da velha natureza, e ao
estilo de vida novo, manifestação da nova natureza. A tradu-
" "

ção da NV1 de velho homem e "novo homem" em Colossenses


3 . 9 deve ser questionada. Como o contexto subsequente des-
se versículo indica, Paulo se refere à nossa maneira de viver
depois da salvação, e não à nossa natureza essencial.
Quando trata dos mandamentos, Hoekema dá a entender
que os cristãos estão sob a lei dos Dez Mandamentos (é preci-
so notar que nove dos dez mandamentos são repetidos no
NT como aplicáveis aos crentes; o único omitido diz respeito
à guarda do sábado). A palavra lei (gr. nomos) tem diferentes
usos no NT e não necessariamente se refere ao Decálogo. Em
geral, entretanto, todos concordam que os cristãos estão sob
a lei moral, como é exposto claramente no NT. Ao mesmo tem-
po que a lei moral condena, ela também demonstra a santida-
de de Deus e fornece um padrão para a vida cristã.
Uma variação surpreendente de Hoekema é a declaração na
nota de rodapé (n. 25, p. 263), de que ele considera Romanos
7 13-25 um retrato da pessoa não-regenerada. Essa posição é
.

contrária ao ensino calvinista histórico originado em Agosti-


nho. É impossível provar que o descrente tenha duas nature-
zas interiores conflitantes entre si. É preferível a posição refor-
mada tradicional de que essa luta ocorre no íntimo do indivíduo
regenerado.
Estranhamente Hoekema omite qualquer referência ou dis-
cussão com respeito ao enchimento do Espírito e ao batismo
com o Espírito. Na concepção agostiniano-dispensacionalista ,

o enchimento do Espírito é o segredo da santificação. Esse en-


chimento se obtém pela confissão de pecados, pela entrega a
Deus e pela apropriação da provisão divina de caminhar junto
ao Espírito. A luta dos indivíduos regenerados para alcançar a
santificação é mais bem esclarecida quando se explica o pro-
cesso de encher-se do Espírito. Vista como um todo, a apresen-
tação de Hoekema é notável em virtude de sua clareza e do
tratamento abrangente. Em diversos aspectos, ele apresenta a
doutrina da santificação de uma forma útl ao leitor.
á perwcciíva
IA
IVlirLA/IN F:\ DliyrER

A perspectiva
Reformada
ANTHONY A.. HOEKEMA

3
A perspectiva
Pentecostal
STANLEY M. HORTON

 perspectiva de
Keswick
A ROBERTSON McQUILKIN

5
li perspectiva
Agosiiniano-díspensacjonaljsta
JOHN r:, WALVOORD
Réplica

REFORMADA

a HcQuilkin

Anthonv A. Hoekema

Concordo com muito do que J. Robertson McQuilkin apre-


senta em seu capítulo. Valorizo a ênfase que ele dá à vitória -
o NT define a vida cristã como uma vida de vitória (Rm 8.37;
IJo 5.4). Também gosto quando ele insiste que a união com
Cristo é o cerne da teologia paulina e ressalta a importância
de ser cheio do Espírito. Concordo que a vida de santidade é o
propósito da salvação. Estou de acordo com a afirmação de
McQuilkin de que o crente ainda tem tendência ao pecado e
que não lhe é possível viver sem pecado nesta vida.
Também concordo quando McQuilkin afirma que alguns
cristãos, talvez muitos, precisam renunciar à própria vonta-
de entregando-se totalmente ao Senhor algum tempo depois
da conversão. Os coríntios que estavam vivendo na carne (ICo
3 1-3) certamente tinham essa necessidade assim como a igre-
.
,

ja de Éfeso (Ap 2.4). Discordo, entretanto, que uma experiên-


cia crítica específica como essa e posterior à conversão deva
ser programada na vida da maioria dos crentes (p. 187).
Tenho mais problemas neste capítulo em duas áreas. A
primeira é a definição de pecado. Na página 168, McQuilkin
cita, como uma verdadeira representação da posição de
Keswick, a seguinte afirmação: "Cremos que a Palavra de Deus
ensina que a vida cristã normal consiste em obter regular-
"

mente vitória sobre o pecado conhecido Na página 189, en-


.

tretanto, "de acordo com a Bíblia, pecado é qualquer carência


da gloriosa perfeição do próprio Deus (e.g., Rm 3.23)". Com
116 5 perspectivas sobre a santificação

para dizer que ele podia pregar sobre encorajamento ou sobre


Daniel, mas que eles não gostavam do entusiasmo que os ser-
mões sobre o Espírito Santo estavam provocando. Em conse-
quência disso, meu avô abandonou o pastorado daquela igreja.
Pouco antes desse incidente, o dr. Smale, pastor da Primei-
ra Igreja Batista de Los Angeles, retornou de uma visita das
reuniões de reavivamento de Evan Roberts, no País de Gales.
Seu coração estava tomado pelo desejo de ver um reaviva-
mento semelhante em sua própria igreja. Encontrando resis-
tência, porém, deixou a igreja e, com alguns diáconos, iniciou
a Igreja do NT na região central de Los Angeles. Meu avô jun-
tou-se a ele.
No domingo de Páscoa, a sra. Seymour e outros foram à
Igreja do Novo Testamento e relataram que o Espírito Santo
estava sendo derramado na Missão da Rua Azusa exatamente
como no Pentecoste (At 2.4). Imediatamente, uma grande quan-
tidade de pessoas, entre elas meu avô, reconheceu esse relato
e recebeu o batismo pentecostal com o Espírito Santo.
Em seguida, ele e minha avó foram à Missão da Rua Azusa.
Quando minha avó ouviu e viu o que estava acontecendo,
disse: "Eu também experimentei isso". As pessoas reagiram
dizendo: "Você não pode, você é batista". Por causa do con-
texto wesleyano holiness, ensinava-se na Missão que era ne-
cessário ter a experiência da santificação primeiro, como pre-
paração para o recebimento do batismo com o Espírito Santo.
A santificação, diziam, era "uma segunda obra definitiva de
"

graça que podia purificar os crentes do "pecado inato" e


transformá-los em vasos puros, que por sua vez poderiam ser
cheios pelo Espírito Santo. Minha avó, entretanto, filha do pro-
fessor Heman Howes Sanford, da Universidade de Syracuse,
havia tido uma experiência incomum por volta de 1880, quan-
do falava a um grupo de mulheres batistas nas proximidades
de Erie, Pensilvânia. Sentindo uma unção incomum do Espíri-
to, começou a falar em línguas que nunca aprendera antes.
Em seguida, o Espírito Santo deu-lhe a explicação de que tudo
o que falara eram versículos que, juntos, compunham uma
mensagem. Depois dessa experiência, quando estava sozinha
e concentrada em oração, o Espírito Santo muitas vezes a edi-
ficava e lhe trazia refrigério com essa língua. Mas ela guardou
a experiência em segredo só para si e apenas a identificou
com o livro de Atos quando foi à Missão da Rua Azusa.
A perspectiva pentecostal 117

Nesse dia na missão, minha avó não quis discutir, mas co-
meçou a orar por santificação. Em poucos minutos, estava
falando em línguas novamente, dessa vez em dinamarquês,
como veio a saber por um visitante da Dinamarca. Minha mãe
também estava lá e começou a orar para ser santificada. Em
menos de dez minutos, começou a falar em línguas, mais es-
pecificamente em francês, como atestou uma mulher que co-
nhecia a língua.
Os primeiros pentecostais continuaram ensinando a santi-
ficação como uma segunda obra definitiva da graça, crendo
que o batismo com o Espírito Santo representava uma terceira
experiência. Muitos, entretanto, especialmente os de forma-
ção reformada ou batista, tinham questionamentos bíblicos
acerca desse ensino. Outros, como minha mãe, não consegui-
am distinguir uma segunda obra definida na sua própria ex-
periência.
Em 1910, William H. Durham, um pregador de Chicago par-
ticipante do movimento holiness, que também tinha rece-
bido o batismo com o Espírito Santo, começou a pregar o que
" "
chamou de a obra completa do Calvário Durham ensinava .

que a fé que justifica o indivíduo o leva até Cristo. Em Cristo,


o crente torna-se completo no que diz respeito à santificação
e em tudo o que faz parte da salvação ou com ela se relaciona.
A experiência da conversão inclui a purificação que Cristo opera
" "

na alma a fim de que o crente se torne nova criação e não


necessite mais de nenhuma obra posterior da graça para a
santificação. O crente deve apenas permanecer em Cristo, re-
ceber o Espírito Santo e andar junto a ele, e crescer na graça e
no conhecimento de Deus e de Cristo. A natureza pecamino-
sa, entretanto, não é removida, mas está crucificada com Cris-
to, cuja justiça nos é imputada. Contanto que se mantenha
um relacionamento de fé com Cristo, essa justiça produzirá
frutos na prática, no dia-a-dia. Quando pecam, as pessoas
demonstram que a relação com Cristo foi violada e a velha e
pecaminosa natureza venceu e precisa ser crucificada pela fé.
Durham também insistiu em que se deve crescer na graça a
fim de aperfeiçoar a obra interior permanecendo em Cristo,
"

para desejar o genuíno leite da Palavra" e ter progresso em


direção à maturidade.
Durham, um cativante pregador, influenciou milhares na
região de Chicago. Depois disso, em 1911, decidiu ir para Los
118 5 perspectivas sobre a santificação

Angeles. Nesse meio tempo, Fisher, meu avô, tinha fundado a


que era então a maior igreja pentecostal da cidade, denomi-
nada Missão do Cenáculo, e começou a crer numa segunda
obra definitiva da graça, simplesmente porque esses ensina-
mentos foram apresentados na rua Azusa. A princípio, ele
convidou Durham para pregar em sua igreja mas, quando
ouviu o que Durham estava pregando, cancelou os cultos.
Durham foi então à Missão da Rua Azusa, onde centenas de
pessoas se reuniram para ouvi-lo. Mas, quando Seymour re-
tornou de uma campanha evangelística, não o deixou ficar, o
que levou Durham a abrir uma igreja em Los Angeles.
Os ensinamentos de Durham acarretaram imediatamente
uma acirrada polémica. Charles Parham, um pregador pente-
costal adepto do movimento holiness, que muito fizera para
popularizar o movimento nascente, orou para que Deus ti-
rasse a vida de Durham se a doutrina da segunda obra defini-
tiva da graça fosse verdade. De fato, Durham morreu seis
meses depois, fato que Parham considerou uma defesa da
doutrina da santidade. A morte de Durham, entretanto, não
fez diminuir a controvérsia.
É verdade que, em boa parte, o ensino da Missão da Rua
Azusa tinha preparado as pessoas para aceitar a mensagem
de Durham. Ainda que os pentecostais adeptos do movimen-
to holiness geralmente retratassem a santificação em termos
de Espírito Santo, na rua Azusa havia muita ênfase na obra de
Cristo e muita exaltação do sangue de Cristo e da cruz. Embo-
ra estimulassem os crentes a deixar-se encher do Espírito e a
evidenciar o enchimento pelo ato de falar em línguas diferen-
tes, a adoração se concentrava notadamente em Cristo. Não
foi difícil, portanto, aceitar a argumentação de Durham de que
a fé deve apoiar-se antes em Cristo que na experiência da san-
tificação.
Os pentecostais holiness, entretanto, reconheceram cor-
retamente que boa parte do ensino de Durham era pareci-
do com o do Conde Nicolaos von Zinzendorf que, por sua
vez, ensinava que a perfeição cristã é imputada e acontece
pela fé no sangue de Cristo, de modo que, no momento
em que a pessoa é justificada, a santificação é completa.
Confiavam plenamente nos argumentos de Wesley contra
posições semelhantes às de Zinzendorf para refutar o en-
sino de Durham.
A perspectiva pentecostal 119

Havia extremos em ambos os lados. Alguns pentecostais


holiness, por um lado, declaravam que, na conversão, Deus
perdoava aos pecadores, mas os deixava tão cheios de pecado
" "

e corrupção que era necessária uma segunda ação da graça


para evitar que fossem para o inferno. Por outro lado, alguns
seguidores dos ensinos de Durham pregavam que, uma vez
que a obra de Cristo se cumpriu plenamente na cruz, torna-se
completa e perfeita em nós no momento em que cremos e as-
sim nos tornamos imediata e totalmente justos e seguros nes-
sa condição, independentemente de quanto venhamos a pe-
car. O próprio Durham, entretanto, foi cuidadoso em salientar
a crença na santidade, na santificação e no crescimento na
graça. Seus seguidores continuaram sustentando que a santi-
ficação, como uma segunda obra definitiva da graça, não re-
conhecia corretamente o poder do sangue de Cristo.3
O ensino de Durham cindiu o movimento pentecostal. A
cisão permanece até os dias de hoje. Os grupos de pentecos-
tais holiness (como a Igreja de Deus de Cleveland, Tennessee,
e a Igreja Pentecostal Holiness) ainda ensinam uma experiência
crítica de santificação como a segunda obra definitiva da graça,
pré-requisito para o batismo com o Espírito Santo. Os grupos
influenciados por Durham talvez exijam pureza de coração, mas
em geral acreditam que a fé e a purificação do sangue de Cristo
são os pré-requisitos para o batismo com o Espírito. As Assem-
bleias de Deus, com mais de 15 milhões de membros no mun-
do, são o maior grupo seguidor dessa corrente.

AS ASSEMBLEIAS DE DEUS E 0 DEBATE SOBRE SANTIFICAÇÃO


As Assembléias de Deus surgiram em consequência de uma
convocação que Eudorus N. Beli fez na revista Word and Wit-
ness [Palavra e testemunho] para uma conferência de crentes
pentecostais, evento ocorrido em 1914 em Hot Springs, Arkan-
sas.4 Cerca de 300 pessoas estiveram presentes, e formou-se
"
o Conselho Geral das Assembléias de Deus como uma orga-
"

nização voluntária e cooperativa Por volta de 1918, fundou-


.

se sua sede em Springfield, Missouri, local que ainda hoje


abriga a sede internacional.
Pouco tempo após a fundação, entretanto, uma controvér-
sia referente à natureza da Trindade fez com que algumas
pessoas deixassem a recém-formada organização. Os dissi-
120 5 perspectivas sobre a santificação

dentes levaram a doutrina cristocêntrica não-wesleyana da


" "

obra completa do Calvário ao extremo. Concentraram todo o


foco em Jesus e propuseram a "revelação" do pensamento
modalista da Trindade, que transformava Jesus na única Pes-
soa da divindade. Exigiam que os que haviam sido batizados
em nome do Pai, do Filho e do Espírito fossem rebatizados em
nome de Jesus somente, baseando-se no padrão apostólico
do livro de Atos. Propor que Jesus é "o nome" do Pai, do Filho
e do Espírito em Mateus 28.19 passou a ser a marca do unita-
rismo pentecostal, o conhecido movimento unitarista ou Je-
sus Somente. Frank Ewart, seu principal expoente, argumen-
tava que, uma vez que a plenitude da divindade habita
corporalmente em Jesus (Cl 2.9), ele deve ser a totalidade da
divindade. Alguns seguidores de Ewart vieram até minha mãe
"

e disseram-lhe que, se ela não se batizasse novamente no


"

nome de Jesus perderia a salvação. Ela era uma pessoa sen-


,

"

sível, e sua primeira reação foi perguntar: Como isso é possí-


"

vel, já que minha salvação é tão preciosa para mim? Depois .

disso, começou a ficar irada com qualquer um que questio-


"

nasse a obra de Cristo, o que a levou a assinalar: Estou fican-


do com raiva. Devo estar perdendo minha salvação". Então foi
rebatizada. Posteriormente, estudando sozinha as Escrituras,
voltou a crer na Trindade e finalmente congregou-se à As-
sembleia de Deus. Muitos, porém, mesmo alguns dos primei-
ros líderes das Assembleias de Deus, foram levados ao reba-
tismo com a motivação de glorificar a Cristo. Muitos destes,
entretanto, também retornaram.
A polémica acerca da unidade de Deus fez com que as As-
"
sembléias de Deus adotassem a Declaração de Verdades Fun-
damentais", com 16 itens, a fim de prover a base para uma
unidade duradoura. Esse documento, adotado em 1916, deu
"
atenção específica à natureza da Trindade, declarando-a Di-
"

vindade digna de adoração com três pessoas distintas num


,

único Ser. Outras doutrinas foram apresentadas apenas de


forma breve.
O tópico número 9 dessa declaração foi denominado "San-
tificação completa (ou plena)" e é exposto a seguir:

As Sagradas Escrituras ensinam em suas páginas que o homem


deve viver uma vida de santidade, sem a qual ninguém verá o
Senhor. Mediante o poder outorgado pelo Espírito Santo, podere-
A perspectiva pentecostal 121

"

mos obedecer ao mandamento que diz: Sejam santos, porque eu


"
sou santo Deus deseja que o crente experimente completa santi-
.

ficação, a qual deve-se procurar seriamente mediante a obediência


ao Senhor (Hebreus 12.14; IPedro 1.15,16; ITessalonicenses 5.23,
24; lJoão2.6).5

Esta declaração apresenta a santificação como obra do Espi-


rito Santo com cooperação do crente. A expressão santificação
plena não foi definida, talvez porque alguns não queriam des-
cartar completamente a possibilidade da segunda obra defini-
tiva, enquanto outros poderiam sustentar que ela se tornou
" "

plena na cruz. A declaração, entretanto, não apresenta a san-


tificação como objetivo a ser alcançado. Os seguidores de Du-
rham na época não eram instruídos em teologia e pregavam
um evangelho simples, cristocêntrico. A maior parte dos que
se reuniram para formar as Assembleias de Deus concordava
que não havia segunda obra definitiva da graça e que a santi-
dade é importante. Por isso, tiveram poucos problemas ao adotar
essa declaração.
Os primeiros materiais escritos e o material da escola do-
minical das Assembléias de Deus (publicados por sua subsi-
diária, a Gospel Publishing House) continuaram enfatizando a
santidade cristocêntrica e opondo-se à ídéia da segunda obra
definitiva da graça. À primeira vista, Myer Pearlman, o escri-
tor mais influente das Assembléias de Deus, parece ser exce-
ção. Ele afirma:

Em relação a isso devemos reconhecer que o progresso na santi-


ficação muitas vezes implica uma crise na esperiência, quase tão
definida como a da conversão. De forma ou de outra, o crente recebe
uma revelação da santidade de Deus e da possibilidade de andar
mais perto dele, e essa experiência é seguida por um conhecimento
interior, a saber, de ainda ter alguma contaminação (cf. Is 6). Ele
chega a uma encruzilhada em sua experiência cristã, na qual deverá
decidir se retrocede ou segue avante com Deus. Confessando seus
fracassos passados, ele faz uma reconsagração e, como resultado,
recebe um acréscimo novo de paz, alegria e vitória, como também o
testemunho de que Deus aceitou essa sua reconsagração. Alguns
chamam essa experiência de uma segunda obra da graça.6

Pearlman, entretanto, está simplesmente tentando ajudar


as pessoas que vieram das igrejas holiness para as Assembléias
122 5 perspectivas sobre a santificação

de Deus. Deseja que essas pessoas enxerguem que o que cha-


" "
mam de segunda obra definitiva pode bem ser uma experiência
real, mas precisa ser reinterpretada à luz do que a Bíblia ensina.
Myer Pearlman também deixa patente sua rejeição a qual-
quer ensinamento que proponha a possibilidade de o indiví-
duo ser "salvo ou justificado sem ser santificado". Posterior-
mente ela dá a entender que outra explicação dessa experiência
considerada a segunda obra definitiva da graça pode ser o
despertamento dos crentes para a posição que eles já tinham
em Cristo. Em outras partes, Pearlman apresenta a erradica-
ção do pecado inato como contrária às Escrituras e à experi-
ência cristã.7 Para ele fica claro que não existe lugar para uma
experiência de santificação como a que ensinavam os pente-
costais da virada do século XIX para o XX. Sua influência como
professor de instituto bíblico, escritor e palestrante de acam-
pamentos foi sentida fortemente por toda a Assembléia de Deus.
Nas igrejas locais, ressaltaram-se repetidamente dois as-
pectos da santificação. Houve frequentes apelos à consagra-
ção e à reconsagração ao serviço e à adoração do Senhor. Tam-
bém se deu muita ênfase à necessidade de separar-se do
"

mundo. O texto predileto era: Portanto, 'saiam do meio deles


'
e separem-se diz o Senhor. 'Não toquem em coisas impuras,
,

'"
e eu os receberei (2Co 6.17). Em geral a interpretação de "coi-
"

sas impuras incluía bebidas alcoólicas, cigarro, dança, o jogo


de cartas, jogos de azar, teatro e principalmente cinema. Para
as mulheres também incluía maquiagem, cabelos e roupas cur-
tos. Em contextos mais regionais também se podiam incluir
outras atividades ou atitudes (por exemplo, uma convenção
de que participei no norte da Califórnia no começo dos anos
1930 acrescentava à lista circo e festas).
A Segunda Guerra Mundial fez com que muitos se mudas-
sem, grande parte em virtude das oportunidades de empre-
go. Ocorreram algumas confusões quando as pessoas come-
çaram a perceber que nem todas as igrejas mantinham
exatamente os mesmos padrões de santidade exterior. Havia
também a tendência perceptível de afastar-se da chamada
"

pregação da roupa" em direção a uma ênfase maior na devo-


ção positiva a Deus e sua obra e na cooperação com Deus no
que diz respeito à santificação. Nessa época, entretanto, o su-
perintendente geral das Assembléias de Deus, Ernest Swing
Williams, escreveu: "Percebo que a fraqueza de nosso movi-
170 5 perspectivas sobre a santificação

cheio com o Espírito. Muito cedo, porém, acrescentou-se um


quinto tema; serviço. A idéia desse último destaque era fazer
que os santos recém-preparados se voltassem para fora, para
sua responsabilidade de servir a Deus e aos outros no poder
do Espírito. Praticamente desde o início, porém, surgiu uma
ênfase especial no serviço, que logo se tornou a marca regis-
trada da Convenção de Keswick, isto é, missões, ou a evange-
lização mundial. Os voluntários para o serviço missionário
em pouco tempo eram milhares, e a convenção-mãe susten-
tou pelo menos financeiramente os que responderam ao cha-
mado divino na convenção e recebeu relatórios correspon-
dentes nos anos seguintes.

Equívocos secundários
Pelo fato de Keswick ser uma grande sociedade e abranger
pessoas de diferentes convicções teológicas, não surpreende
que tenham surgido diferenças entre os líderes, mesmo quanto
às doutrinas relacionadas à vida cristã. Contudo, em compa-
ração com os destaques do programa principal exposto ante-
riormente, essas diferenças são secundárias. No que diz res-
peito aos aspectos obscuros, não se deve procurar estabelecer
uma posição oficial de Keswick, pois ela não existe.

Capacidade de não pecar


Keswick tem sido sistematicamente acusado de ensinar a
perfeição cristã, a idéia de que é possível viver sem pecado. B.
B Warfield, por exemplo, em "The Victorius Christian Life" [A
.

vida cristã vitoriosa], capítulo final da obra Studies in Perfec-


tionism [Considerações sobre perfeccionismo], afirma que essa
é a postura de Keswick.8 Os líderes de Keswick desmentem
essas declarações de modo veemente, oficial e enfático.9 As
informações, entretanto, nem sempre são claras. Alguns ora-
dores de Keswick falam sobre o estado espiritual em que o
crente é capaz de não cometer pecado, posição normalmente
" "
considerada perfeição cristã .

Parece que o problema está na definição de pecado, como


muitas vezes é o caso das diferenças existentes entre teólo-
gos no que diz respeito à perfeição humana. O pecado é defi-
nido como a violação deliberada da vontade revelada de Deus?
124 5 perspectivas sobre a santificação

a pureza também é uma condição da santidade, mas não é a


"
santidade ou a santificação em si, que é primeiramente sepa-
"

ração e dedicação .

O fundador do Southwestern Assemblies of God College, P.


C Nelson, afirma que a santificação exibe o fruto do relacio-
.

namento correto com Deus numa vida separada do mundo


pecaminoso e dedicada a Deus.11 Salienta que não é suficiente
separar-se do mal. A devoção à obra de Deus é necessária. E.
S Wiiliams concorda com esse pensamento, porém dá mais
.

ênfase à separação, em que "o crente separa-se do mundo e


do pecado, tornando-se puro por meio da obra expiatória de
Cristo e pelo poder do Espírito Santo".12 Ele afirma posterior-
"

mente que o propósito da santificação é permitir que a alma


"

viva acima do pecado, para Deus O superintendente geral .

das Assembléias de Deus em 1986, G. Raymond Carlson, con-


"

corda. Ele afirma que santificação implica duas grandes ver-


dades. A primeira é a consagração", que para ele inclui a sepa-
ração do pecado e a dedicação a Deus. De acordo com Carlson
a segunda verdade é a purificação.13 A liderança das Assem-
bléias de Deus, portanto, sustenta que a santificação implica
dedicação, pureza e capacitação para viver uma vida santa.
Os primeiros autores das Assembléias de Deus também con-
cordam que a santificação é uma via de mão dupla. Por um
lado, tem uma posição determinada e instantânea; por outro, é
prática e progressiva. Nelson, Pearlman e Wiiliams chamam
atenção para a referência que Paulo faz aos crentes de Corinto,
denominando-os santos e santificados em Cristo (ICo 1.2; 6.11).
Apesar disso, ao mesmo tempo eles estavam longe da perfei-
,

ção. Muitos não andavam à altura do chamado recebido, e al-


guns estavam abertamente envolvidos com o pecado.
Nelson atenta para ICoríntios 6.11: "Mas vocês foram lava-
dos, foram santificados, foram justificados no nome do Se-
"
nhor Jesus Cristo e no Espírito de nosso Deus .
Também cita
Hebreus 10.10 e 14 e prossegue:

Quando cremos no Senhor Jesus Cristo e o aceitamos como


Salvador, somos nele justificados pela fé, e nos apresentamos di-
ante de Deus sem condenação alguma para a alma. Somos regene-
rados, isto é, nascidos de novo por intermédio da operação do
Espírito Santo e da Palavra de Deus, e nos temos convertido em
novas criaturas. Também somos separados do pecado, lavados e
purificados pelo sangue de Jesus (IJo 1.7) e por nossa própria
A perspectiva pentecostal 125

vontade nos separamos para servir a Deus, e Cristo é agora nossa


"

justiça, santidade e redenção" (ICo 1.30).14

Pearlman salienta também que a santificação é, nesse sen-


tido, simultânea à justificação, e Williams afirma: "Todo o cren-
te em Cristo é santificado posicionalmente quando aceita Cris-
to. Isso é uma verdade que deve ser levada em conta por quem
deseja viver de modo santo".15
Os autores citados anteriormente assinalam com mais vee-
mência que a santificação é uma obra progressiva. Ainda que
todos os crentes sejam separados para Deus em Cristo, essa
relação de separação apenas inicia o processo de vida pelo
qual a santidade de Deus se realiza. Exige separação diária à
medida que o crente procura conformar-se cada vez mais à
imagem de Cristo. O fato de ser um processo, e não um ato
instantâneo, confirma-se também por textos como 2Coríntios
3 18 ("E todos nós, que com a face descoberta contemplamos
.

a glória do Senhor, segundo a sua imagem estamos sendo


transformados com glória cada vez maior, a qual vem do Se-
"

nhor, que é o Espírito ) .

Além disso, Pedro nos exorta: "Cresçam, porém, na graça e


"
no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo (2
Pe 3.18). Hebreus 12 indica que esse processo pode envolver
muitas experiências, inclusive disciplina e castigo. Por isso,
comenta que essa disciplina não serve apenas para nosso bem,
"

mas principalmente para que participemos da sua santida-


de" (v. 10). Pearlman salienta, sobre esse assunto, que "isso
não quer dizer que crescemos em santificação, e sim que pro-
"

gredimos na santificação da qual já participamos 16 Como diz .

Hebreus 12.14: "Esforcem-se para [...] serem santos; sem san-


tidade ninguém verá o Senhor". Esses primeiros autores das
Assembléias de Deus também concordam que santificação
implica crucificar "a carne, com as suas paixões e os seus de-
"

sejos (Gl 5.24) e ao mesmo tempo receber a "vivificante graça


de Deus que produz o fruto de justiça". Também reconhecem
"

que, quando alguém se aparta da santidade e começa a an-


dar na carne, perde a santificação".17

A SANTIFICAÇÃO NO ENSINO DAS ASSEMBLEIAS DE DEUS


Com essa história em mente, podemos agora tratar do que
as Assembléias de Deus ensinam atualmente sobre santifica-
126 5 perspectivas sobre a santificação

ção. Os escritores da atualidade revelam ter sido influencia-


dos pelos da primeira geração e referem-se muitas vezes a
eles. Existe continuidade na teologia, mas em alguns casos
houve mudanças na aplicação e prática. Os autores ainda in-
cluem na santificação o aspecto instantâneo e o progressivo,
além de falarem de santificação plena. Em algumas igrejas lo-
cais, entretanto, não há mais tanta ênfase nos aspectos exter-
nos da santidade nem nos modelos herdados do movimento
holiness do século XIX.

Santificação instantânea
O primeiro aspecto é apresentado de forma simples por
Ralph W. Harris, primeiro redator de literatura para a escola
bíblica das Assembléias de Deus e organizador da Complete
Biblical Library [Biblioteca Bíblica Completa]. Harris afirma
"

que a santificação é instantânea; no momento em que a pes-


"

soa confia em Cristo, é separada do pecado e para Deus 18 .

Em meu material para professores de adultos na escola do-


minical, da Assemblies of God Publishing House, tenho fala-
do constantemente que somos santificados, ou feitos san-
tos, pela fé em Cristo. Discutindo a questão "Quem são os
"

santos hoje? escrevo:


,

Existe um aspecto progressivo da santificação mediante o qual


crescemos na graça (2Pe 1.4-8; 3.18). Mas também existe um aspec-
to instantâneo da santificação mediante o qual, no momento em
que nascemos de novo, somos separados do mundo para seguir a
Jesus, e somos santos neste sentido. Infelizmente, algumas igre-
jas muito formais têm colocado algumas pessoas no pedestal e as
chamam santas. O NT, porém, chama todos os crentes de santos,
mesmo os que estão longe da perfeição. Se de fato somos cristãos,
somos consagrados e dedicados a seguir a Jesus. Todos são santos
se levados para a direção certa mesmo que tenham apenas começa-
,

do a seguir o caminho. É triste que a palavra santo tenha sido distor-


cida pelos que a empregam como um título para seus heróis.19

Reconhecemos também que o batismo nas águas declara a


"

união com Cristo na morte e ressurreição. Nele também vocês


foram circuncidados [em sinal da aliança e promessa], não com
uma circuncisão feita por mãos humanas, mas com a circunci-
170 5 perspectivas sobre a santificação

cheio com o Espírito. Muito cedo, porém, acrescentou-se um


quinto tema; serviço. A idéia desse último destaque era fazer
que os santos recém-preparados se voltassem para fora, para
sua responsabilidade de servir a Deus e aos outros no poder
do Espírito. Praticamente desde o início, porém, surgiu uma
ênfase especial no serviço, que logo se tornou a marca regis-
trada da Convenção de Keswick, isto é, missões, ou a evange-
lização mundial. Os voluntários para o serviço missionário
em pouco tempo eram milhares, e a convenção-mãe susten-
tou pelo menos financeiramente os que responderam ao cha-
mado divino na convenção e recebeu relatórios correspon-
dentes nos anos seguintes.

Equívocos secundários
Pelo fato de Keswick ser uma grande sociedade e abranger
pessoas de diferentes convicções teológicas, não surpreende
que tenham surgido diferenças entre os líderes, mesmo quanto
às doutrinas relacionadas à vida cristã. Contudo, em compa-
ração com os destaques do programa principal exposto ante-
riormente, essas diferenças são secundárias. No que diz res-
peito aos aspectos obscuros, não se deve procurar estabelecer
uma posição oficial de Keswick, pois ela não existe.

Capacidade de não pecar


Keswick tem sido sistematicamente acusado de ensinar a
perfeição cristã, a idéia de que é possível viver sem pecado. B.
B Warfield, por exemplo, em "The Victorius Christian Life" [A
.

vida cristã vitoriosa], capítulo final da obra Studies in Perfec-


tionism [Considerações sobre perfeccionismo], afirma que essa
é a postura de Keswick.8 Os líderes de Keswick desmentem
essas declarações de modo veemente, oficial e enfático.9 As
informações, entretanto, nem sempre são claras. Alguns ora-
dores de Keswick falam sobre o estado espiritual em que o
crente é capaz de não cometer pecado, posição normalmente
" "
considerada perfeição cristã .

Parece que o problema está na definição de pecado, como


muitas vezes é o caso das diferenças existentes entre teólo-
gos no que diz respeito à perfeição humana. O pecado é defi-
nido como a violação deliberada da vontade revelada de Deus?
128 5 perspectivas sobre a santificação

"

como a carnais [consequência da fraqueza humana, munda-


"

na], como a crianças em Cristo (ICo 3.1). Ou seja, o estado


deles não estava à altura da posição que tinham em Cristo. O
apóstolo também os adverte de que, se permanecerem na car-
ne, a carnalidade seria julgada, e eles sofreriam prejuízo no
julgamento (ICo 3.13,14). Esse ensino se harmoniza com a
"

exortação de Paulo quanto a vontade de Deus é que vocês


sejam santificados [...] Cada um saiba controlar o seu próprio
"

corpo (ITs 4.3,4). Estamos mortos para o pecado por meio da


identificação com Cristo (Cl 3.3). Mas isso não é suficiente.
"

Vocês", diz Paulo, têm a responsabilidade de fazer "morrer


tudo o que pertence à natureza terrena de vocês: imoralidade
sexual, impureza, paixão, desejos maus e a ganância, que é
idolatria [...] as quais vocês praticaram no passado, quando
costumavam viver nelas. Mas agora, abandonem todas estas
coisas: ira, indignação, maldade, maledicência e linguagem
indecente no falar. Não mintam uns aos outros, visto que vo-
cês já se despiram do velho homem com suas práticas e se
revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conheci-
"

mento, à imagem do seu Criador (Cl 3.5-10). Como se lê em


Efésios, eles foram "ensinados a despir-se do velho homem,
que se corrompe por desejos enganosos, a serem renovados
no modo de pensar e a revestir-se do novo homem, criado
para ser semelhante a Deus em justiça e em santidade prove-
"
nientes da verdade (Ef 4.22-24).
Esses versículos não significam que toda a responsabilida-
de de obter a santificação progressiva esteja no crente. Temos
nossa parte, mas Deus também tem a dele. Ele indicou os mei-
os para prover tanto a santificação externa quanto a interna na
vida cotidiana. Esses meios são: o sangue de Cristo, o Espírito
Santo e a Palavra inspirada de Deus, os 66 livros da Bíblia.
O sangue de Cristo é eficaz para nos conceder a santifica-
ção posicionai, na qual somos santificados com Cristo (Hb
2 10,11). Mas também existe um aspecto contínuo, pelo qual
.

o sangue de Cristo continua purificando-nos e santificando.


"

Se, porém, andarmos [continuarmos a andar] na luz, como


ele está na luz, temos [continuamos tendo] comunhão uns
com os outros [entre Deus e nós], e o sangue de Jesus, seu
Filho, nos purifica de todo pecado" (IJo 1.7).
Ao que parece, alguns não entendiam essa provisão para a
purificação contínua pelo sangue de Cristo, pois João prosse-
130 5 perspectivas sobre a santificação

O Espírito Santo está envolvido na obra inicial da santifica-


"

ção, como se depreende de ICoríntios 6.11: Assim foram al-


guns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram santificados,
foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espí-
"
rito de nosso Deus .
Novamente, 2Tessalonicenses 2.13 fala
de salvação (provavelmente significando nossa salvação ou
herança futura) "mediante a obra santificadora do Espírito e a
fé na verdade". Romanos 15.16 e IPedro 1.1,2 também tratam
da obra de santificação do Espírito. Essas passagens indicam
que há progresso na santificação por meio do Espírito Santo.
No meu livro What Bible Says About the Holy Spirit [O que a
Bíblia diz sobre o Espírito Santo], assinalo que:

O Espírito Santo também é testemunha de que Deus aceitou o


"
sacrifício de Cristo e aperfeiçoou [tem aperfeiçoado] para sempre
"

os que estão sendo santificados (Hb 10.14). Isto se confirma pos-


teriormente pela profecia de Jeremias (Hb 10.16; Jr 31.33), embora
o próprio Jeremias não tenha mencionado o Espírito Santo. Nesse
"
contexto, o aperfeiçoamento foi levado a cabo no sacrifício de
"

Cristo no Calvário. "Para sempre" significa tanto continuamente


quanto por todo o tempo e refere-se ao fato de que o sacrifício de
Cristo se realizou de "uma vez por todas" (Hb 9.28). "Santificados"
[estão sendo santificados] é uma forma contínua do verbo, "os que
estão sendo santificados [feitos santos] ou consagrados, dedica-
dos a Deus e a seu serviço".22

O Espírito Santo, por cujo intermédio recebemos a santifi-


cação, ou consagração (IPe 1.2), também nos capacita a coo-
perar com essa obra pela purificação da alma em obediência à
verdade, o que resulta em amor fraternal e sincero (IPe 1.22).

Isso pode envolver a participação nos sofrimentos de Cristo.


Mas, se somos insultados por causa do nome de Deus, somos feli-
zes pois o Espírito da glória e de Deus repousa sobre nós (IPe
4 14). Na natureza [no reino natural], a autopreservação é a primei-
.

ra lei que rege a natureza humana. O mundo enfatiza o interesse


próprio, cuidar-se em primeiro lugar. A competição gera o desejo
de dominar os outros e tornar-se tirano. Mas Jesus esteve entre nós
como servo de todos. O maior entre nós deve ser servo (escravo)
de todos (Lc 22.27; Mt 20.25-28; 23.11). Só nos é possível vencer a
inclinação natural pelo poder do Espírito na medida em que Cristo
,

vive em nós e sua natureza é em nós formada. Desse modo, a medi-


130 5 perspectivas sobre a santificação

O Espírito Santo está envolvido na obra inicial da santifica-


"

ção, como se depreende de ICoríntios 6.11: Assim foram al-


guns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram santificados,
foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espí-
"
rito de nosso Deus .
Novamente, 2Tessalonicenses 2.13 fala
de salvação (provavelmente significando nossa salvação ou
herança futura) "mediante a obra santificadora do Espírito e a
fé na verdade". Romanos 15.16 e IPedro 1.1,2 também tratam
da obra de santificação do Espírito. Essas passagens indicam
que há progresso na santificação por meio do Espírito Santo.
No meu livro What Bible Says About the Holy Spirit [O que a
Bíblia diz sobre o Espírito Santo], assinalo que:

O Espírito Santo também é testemunha de que Deus aceitou o


"
sacrifício de Cristo e aperfeiçoou [tem aperfeiçoado] para sempre
"

os que estão sendo santificados (Hb 10.14). Isto se confirma pos-


teriormente pela profecia de Jeremias (Hb 10.16; Jr 31.33), embora
o próprio Jeremias não tenha mencionado o Espírito Santo. Nesse
"
contexto, o aperfeiçoamento foi levado a cabo no sacrifício de
"

Cristo no Calvário. "Para sempre" significa tanto continuamente


quanto por todo o tempo e refere-se ao fato de que o sacrifício de
Cristo se realizou de "uma vez por todas" (Hb 9.28). "Santificados"
[estão sendo santificados] é uma forma contínua do verbo, "os que
estão sendo santificados [feitos santos] ou consagrados, dedica-
dos a Deus e a seu serviço".22

O Espírito Santo, por cujo intermédio recebemos a santifi-


cação, ou consagração (IPe 1.2), também nos capacita a coo-
perar com essa obra pela purificação da alma em obediência à
verdade, o que resulta em amor fraternal e sincero (IPe 1.22).

Isso pode envolver a participação nos sofrimentos de Cristo.


Mas, se somos insultados por causa do nome de Deus, somos feli-
zes pois o Espírito da glória e de Deus repousa sobre nós (IPe
4 14). Na natureza [no reino natural], a autopreservação é a primei-
.

ra lei que rege a natureza humana. O mundo enfatiza o interesse


próprio, cuidar-se em primeiro lugar. A competição gera o desejo
de dominar os outros e tornar-se tirano. Mas Jesus esteve entre nós
como servo de todos. O maior entre nós deve ser servo (escravo)
de todos (Lc 22.27; Mt 20.25-28; 23.11). Só nos é possível vencer a
inclinação natural pelo poder do Espírito na medida em que Cristo
,

vive em nós e sua natureza é em nós formada. Desse modo, a medi-


A perspectiva pentecostal 131

da da graça de Deus torna possível até morrermos pelo Senhor. Que


enorme contraste entre a morte de Estêvão e a de Herodes Agripa!
Estêvão, cheio do Espírito Santo, vislumbrou o céu, viu a glória de
Deus e foi capaz de perdoar a seus algozes (At 7.55-60). Herodes,
agindo por auto-exaltação, trouxe para si a glória que pertencia a
Deus e morreu em agonia sob o juízo de Deus (At 12.21-23).23

A obra do Espírito na santificação, portanto, produz cres-


cimento em graça e efetua o desenvolvimento do fruto do
Espírito. Esse processo foi e é possível por meio de Cristo,
que nos santificou por seu sangue (Hb 13.12). Mas ela se tor-
nou individual para nós pelo Espírito Santo, que nos santifi-
cou separando-nos do mal e dedicando-nos a Deus quando
nos deu nova vida e nos colocou no corpo de Cristo (ICo 6.11;
12.13). Paulo, porém, ora para que o aspecto inicial da santifi-
cação prossiga à medida que Deus nos santifica inteiramente,
completamente (ITs 5.23).
Devemos cooperar com o Espírito Santo nessa obra pela
apresentação de nosso ser a Deus (Rm 12.1,2), pela busca do
auxílio do Espírito Santo à medida que perseguimos a santi-
dade, dedicando-nos a Deus em relacionamento justo com
ele e com os outros, pois sem santidade ninguém verá o Se-
nhor (Hb 12.14). Essa santidade é semelhante à de Deus, a
qual o Espírito Santo nos ajuda a alcançar (IPe 1.15,16).
De fato, a obra do Espírito que recebe decisivamente mais
atenção no NT é a da santificação.

Tem precedência sobre o testemunho, a evangelização, a con-


tribuição e todas as outras formas de serviço cristão. Deus quer
que sejamos algo, não que façamos algo. Somente quando nos
tornamos semelhantes a Jesus podemos ser eficazes e aptos a dar
glória a Deus. A adoração também, guiada e motivada pelo Espírito
em todos os aspectos, incentiva-nos à santificação.24

O terceiro meio de santificação é a Palavra de Deus. Na ora-


"

ção sacerdotal em favor dos discípulos, Jesus roga: Santifi-


"

ca-os na verdade; a tua palavra é a verdade (Jo 17.17). Esse


instrumento não está desvinculado da obra do Espírito Santo
nem é adicional a ela. A espada do Espírito é a Palavra de Deus
(Ef 6.17). Com efeito, a Palavra é sua principal ferramenta e ele
a usa para cumprir a obra na vida e no coração das pessoas.
As pessoas que ele usa são seus agentes voluntários, mas o
meio pelo qual realiza a obra é a Palavra.
132 5 perspectivas sobre a santificação

A Palavra é de fato eficaz somente quando se faz viva por


"

meio do Espírito Santo. Paulo diz: Ele nos capacitou [qualifi-


cou, e portanto nos tornou eficientes] para sermos ministros
de uma nova aliança, não da letra, mas do Espírito; pois a
letra mata [e traz condenação], mas o Espírito vivifica" (2Co
3 6). Ele prossegue, mostrando que esse ministério é muito
.

mais glorioso do que aquele que fez brilhar o rosto de Moisés.


Moisés escondeu aquela glória usando um véu sobre a face.
Mas, como Paulo assinala adiante, outro tipo de véu estava
sobre a mente dos judeus incrédulos de seus dias, e os impe-
dia de ver uma glória maior: a glória de Cristo. Enquanto os
judeus não se voltam para o Senhor, esse véu não lhes é retira-
do da mente. Mas, quando isso ocorre, o Senhor que vêem não
é o mesmo que Moisés viu. Por outro lado, também é, pois o
Senhor que vêem é Cristo revelado por meio do Espírito.

Onde o Espírito do Senhor está, portanto, o véu foi retirado e há


liberdade da escravidão da Lei, que lhes encobre a mente com um
véu (v. tb. Jo 8.31,32). Então, nós todos, judeus e gentios, com a
face descoberta [sem véu] contemplamos pelo Espírito a glória do
Senhor [...] Enquanto continuamos contemplando a glória do Se-
nhor, mesmo que por espelho (imperfeito, por isso o enxergamos
de forma imperfeita, não por nenhuma falha do Espírito, mas por
nossa incapacidade), somos transformados de glória em glória (de
um nível de glória para outro) assim como por meio do Espírito do
Senhor (2Co 3.18). Ou seja, Moisés foi o único que contemplou a
glória no Sinai. Logo, ele teve essa experiência única e teve de
encobrir a glória. Mas, por meio do Espírito, o Cristo glorificado,
nosso mediador que está à direita de Deus, é-nos continuamente
revelado (2 Co 3.18) e continuamos sendo transformados.23

Dessa forma, Deus enxerga nosso potencial de melhora e,


por meio do Espírito e da Palavra, faz provisão para que o
realizemos.
O propósito de Deus na santificação é levar-nos à maturi-
dade, não (pelo menos nesta vida) à perfeição final, absoluta.
Paulo afirma em Efésios 4 que, para cumprir esse fim, Cristo
os levou cativos e os fez escravos. Em seguida, distribuiu dons
à igreja e "designou alguns para apóstolos, outros para profe-
tas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mes-
tres com o fim de preparar os santos para a obra do ministé-
rio, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos
A perspectiva pentecostal 133

alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de


Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da ple-
"
nitude de Cristo (v. 7-13).
Embora Paulo não mencione o Espírito nem as Escrituras
nesse texto, ambos estão claramente envolvidos no propósito
de nos dar maturidade. Os ministérios de apóstolos, profe-
tas, evangelistas, pastores e mestres são dons do Espírito,
como assinala ICoríntios 12-14. Em seguida, Paulo prosse-
gue demonstrando a necessidade que temos da verdade bí-
blica e diz que esses ministérios nos produzem maturidade
"

para que não sejamos mais como crianças, levados de um


lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá
por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de ho-
mens que induzem ao erro. Antes, seguindo a verdade em
"

amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo (Ef


4 14,15). Nessa passagem, e em muitas outras, os falsos mes-
.

tres são apresentados como obstáculos à santificação e ao


crescimento espiritual. Em oposição a esses mestres, o após-
tolo Paulo proclama Cristo, "advertindo e ensinando a cada
um com toda a sabedoria, para que apresentemos todo ho-
mem perfeito em Cristo. Para isso eu me esforço, lutando
"

conforme a sua força, que atua poderosamente em mim (Cl


1 . 28,29).
A Bíblia também é importante porque juntamente com o
crescimento na graça deve haver o crescimento no conheci-
mento. Paulo orava continuamente pelos colossenses para
que Deus os enchesse com o conhecimento de sua vontade
por meio de toda a sabedoria e entendimento, a fim de que
"

vivam de maneira digna do Senhor e em tudo possam agra-


dá-lo, frutificando em toda boa obra, crescendo no conheci-
mento de Deus e sendo fortalecidos com todo o poder, de
acordo com a força da sua glória, para que tenham toda a
"

perseverança e paciência com alegria (Cl 1.10,11). Novamen-


te, nesse texto existe cooperação entre a Palavra de Deus e o
Espírito. Observe também o seguinte: o Espírito Santo é mes-
tre (Jo 14.26); é o Espírito da verdade (Jo 14.17; 15.26; 16.13;
IJo 4.6); a verdade é o que Jesus proclama a respeito de Deus
(Jo 1.17; 8.40,45,46; 18.37); Jesus é a verdade (Jo 14.6); a
Palavra de Deus é a verdade (Jo 17.17); o Espírito nos guia a
toda a verdade (Jo 16.13); e o Espírito também é a verdade
(Uo 5.6).
134 5 perspectivas sobre a santificação

As passagens de João 1.14,18 indicam que Jesus veio para


declarar, explicar, revelar, interpretar, fazer conhecidas e des-
vendar a natureza e a vontade do Pai. Semelhantemente o ,

Espírito veio para explicar, revelar, interpretar, fazer conheci-


das a natureza e a vontade de Jesus (Jo 16.12,13). Como mes-
tre, apresenta-nos a verdade que está em Cristo, mostrando-
o como o Revelador do Pai, o Salvador, o que perdoa os pecados,
o Senhor ressurreto, o que batiza no Espírito Santo, o Rei que
virá, e aquele que julgará no final. Sua exegese, ou revelação ,

da verdade que está em Cristo e o ato de fazer os discípulos


lembrar das palavras de Jesus garantiram a precisão de seu
ensino e nos deram a segurança da inerrância do NT com
respeito aos fatos e à doutrina.
Essas questões são importantes, mas devemos também re-
conhecer que o mesmo Espírito que nos ensina continua alu-
ando hoje, não por meio de nova revelação, mas trazendo
entendimento, uma vez que esclarece a verdade quando es-
tudamos as Escrituras. Mais do que apenas mostrar-nos a ver-
dade, ele nos santifica, conduz a essa verdade e ajuda a colo-
cá-la em prática, tornando-a real e eficaz para a vida. Portanto,
tanto Cristo vive em nós quanto o Espírito Santo nos ajuda a
realizar a obra de Cristo de forma que glorifiquemos a Deus.
Podemos encontrar em Atos 9.31 um exemplo bíblico de
"

que a igreja se edificava e, encorajada pelo Espírito Santo,


"
crescia em número, vivendo no temor do Senhor .
O contexto
da passagem revela que esse crescimento numérico e a vida
cristã foram proporcionados pelo Espírito Santo à medida que
ele santificava a Palavra de Deus e vivificava, capacitava, san-
tificava, incentivava e animava os crentes.
O cristão, portanto, tem a responsabilidade de responder à
Palavra de Deus e ao Espírito com fé e obediência. A Bíblia não
foi escrita para satisfazer nossa curiosidade acerca do passa-
do e do futuro. Como diz IJoão 3.3: "Todo aquele que nele
tem esta esperança purifica-se a si mesmo, assim como ele é
"

puro Paulo expressa essa mesma verdade, dizendo: "Ama-


.

dos, visto que temos essas promessas, purifiquemo-nos de


tudo o que contamina o corpo e o espírito, aperfeiçoando a
"
santidade no temor de Deus (2Co 7.1). Dessa forma, nossa
cooperação é necessária para que a santificação se torne real e
prática na vida. A santidade deve ser posta em prática, e só
podemos conseguir isso com a ajuda do Espírito Santo.
A perspectiva pentecostal 135

Visto que esse aspecto da santificação é progressivo, faz-


se pertinente a pergunta: Quanto progresso podemos fazer?;
ou: Qual o nível de perfeição possível de se alcançar nesta
vida? Os autores assembleianos concordam que não pode-
mos alcançar a perfeição absoluta, ou final, nesta vida.26 Até o
apóstolo Paulo afirmou que não conseguiu atingir esse alvo:

Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado,


mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado
por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcança-
do, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para
trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim
de ganhar o prémio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus.

Acrescenta em seguida: "Todos nós que alcançamos a ma-


turidade devemos ver as coisas dessa forma e, se em algum
aspecto vocês pensam de modo diferente, isso também Deus
lhes esclarecerá. Tão somente vivamos de acordo com o que
já alcançamos" (Fp. 3.12-16).

Santificação plena
Os escritores e pregadores das Assembléias de Deus ainda
utilizam, às vezes, a expressão santificação plena com três
significados diferentes. Primeiro, a expressão é usada para os
" "

crentes que vivem à altura da luz que possuem Crentes .

novos e recém-convertidos podem estar distantes da maturi-


dade, mas se o desejo e objetivo deles é seguir a Cristo e estão
fazendo o melhor possível com o auxílio do Espírito, eles são
cristãos saudáveis e estão em santificação plena. E. S. Williams
" "
chama isso de vida vitoriosa e salienta que, pela regenera-
"

ção, o poder do pecado não é mais a força dominante. Por


meio da iluminação, do poder, da dinâmica do Espírito Santo,
"

o Calvário torna-se eficaz na operação em nós 27 Dessa for .


-

ma, o crente pode viver vitoriosamente e vencer as tentações


do pecado. Como ressalta William Menzies, professor de His-
tória da Igreja nas Assembléias de Deus:

Deve-se concluir prontamente que isso não deve ser de forma


alguma entendido como um nível estático de perfeccionismo, ob-
tido por meio de uma experiência crítica. A ênfase é geral: o indiví-
duo pode ser governado pelo Espírito ou pela carne; o crente pode
136 5 perspectivas sobre a santificação

cultivar um ou outro estilo de vida, com as devidas consequências


em cada caso, segundo Romanos 8. É claro que não se espera que o
crente se envolva em lutas e quedas perpétuas pois o "Espírito ,

"

veio para conduzir à vida santa 28 .

Pearlman também assinala que a santificação plena não sig-


nifica a perfeição absoluta, uma vez que esse atributo é exclu-
sivo de Deus. Ele a associa com a perfeição relativa "que cum-
"

pre o propósito para o qual foi designada Vai adiante e define .

"

santificação plena como o desejo e a determinação de todo o


"

coração de cumprir a vontade de Deus ; ela "é plena no senti-


do de ser apta ou adequada para determinado tipo de tarefa
"

ou propósito propósito este que pode ser "alcançado por


,

meio do crescimento no progresso mental e moral por inter-


"

médio do Espírito Santo e da Bíblia.29


De novo o propósito, ou objetivo, da santificação nunca
será cumprido completamente nesta vida. O crente jamais está
livre das tentações, e a velha natureza ainda é capaz de dar
ordens. O crente deve sempre ser responsivo ao Espírito en-
quanto este continua mediando o favor da cruz, da expiação,
a fim de que nossa vida seja "para o louvor de sua glória" (Ef
1 12).30 No entanto, como afirma Albert Hoy, professor eméri-
.

to do Assemblies Southern Califórnia College:

Por mais consagrado que o cristão possa ser é impossível que


,

ele tenha conhecimento perfeito de como aplicar a Palavra de Deus


às complicadas atividades da vida moderna. Existe em geral muita
confusão para decidir se a vontade de Deus entra em conflito com
as obrigações [ .] No processo de santificação, a reação do crente
à verdade revelada requer o poder do Espírito Santo para abnegar-
se. Como Paulo afirma explicitamente (Rm 7.16-25) qualquer pas- ,

so em direção à santidade só é obtido após muita luta entre o ho-


mem carnal [...] e o espiritual.31

Outros autores das Assembléias de Deus, entretanto, afir-


mam que essa interpretação de Romanos 7 é equivocada, pois
consideram que o tempo perfeito (gr.) em 7.14 ( fui vendido
"

"

como escravo ao pecado ) significa que a pessoa era e ainda é


escrava do pecado e, consequentemente, não é cristã.32 Mas
eles concordam em que estamos em luta contínua e temos
necessidade constante de crucificar a carne, a natureza pe-
caminosa, nesta vida. Ao mesmo tempo salientam que, por
A perspectiva pentecostal 137

meio do Espírito Santo, somos capazes de não pecar, ainda


que jamais cheguemos ao estado de ser incapazes de pecar.
Os escritores e pregadores das Assembléias também falam
de santificação plena como o estado em que seremos trans-
formados na segunda vinda de Cristo, "num momento, num
abrir e fechar de olhos, ao som da última trombeta. Pois a
trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis e nós
"
seremos transformados (ICo 15.52). Seremos, então, seme-
lhantes a Cristo, "pois o veremos como ele é" (IJo 3.2). Então
nossas orações serão completamente respondidas e fruire-
mos a perfeição final em todo o nosso ser, pois Cristo tornou
isso possível derramando seu sangue. Com novo corpo imor-
tal e incorruptível, compartilharemos da glória de Cristo e as-
sim seremos plena e totalmente santificados. Enquanto isso ,

devemos manter "comunhão contínua com Cristo por meio


dos recursos da oração e da Bíblia, e buscar a orientação divi-
'

na do Espírito, empenhando-nos até que todos alcancemos a


unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e chegue-
mos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo'
(Ef4.13)".33
Em cada aspecto da santificação existe, sem dúvida, perfeita
cooperação entre os membros da Trindade. Paulo orou pelos
"
crentes de Tessalônica: Que o próprio Deus da paz os santifi-
que inteiramente. Que todo o espírito, a alma e o corpo de vo-
cês sejam preservados irrepreensíveis na vinda do Senhor Je-
"

sus Cristo. Aquele que os chama é fiel, e fará isso (ITs 5.23,24).
No ponto culminante da oração pelos discípulos, Jesus roga ao
Pai: "Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade" (Jo 17.17).
Jesus os havia desafiado anteriormente quando disse: "Se vo-
cês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente
"

serão meus discípulos (Jo 8.31,32). Continuar, permanecer,


persistir no ensino e nas palavras de Cristo é o ponto essencial
de toda a questão. Deus nos deu sua Palavra para libertar-nos
da mentira e da escravidão de Satanás. Por meio da sua Pala-
vra, ele nos dá a revelação de sua vontade e de seu plano, e usa
a Bíblia para nos santificar, dedicar e consagrar ao seu serviço
e ao cumprimento de sua vontade.
Jesus diz ainda: "Assim como me enviaste ao mundo, eu
os enviei ao mundo. Em favor deles eu me santifico, para que
também eles sejam santificados pela verdade" (Jo 17.18,19).
Jesus demonstrou santificação, dedicação e consagração obe-
138 5 perspectivas sobre a santificação

decendo ao Pai, vindo ao mundo a fim de realizar a obra para


que foi enviado. Demonstramos, da mesma forma, santifica-
ção, dedicação e consagração pondo em prática a vontade e a
Palavra de Deus. Santificação progressiva não é algo a profes-
sar. Não é nada teórico nem um processo no qual só podemos
nos envolver depois da morte (v. Lc 1.74,75; Tt 2.12; IJo 1.7).
Somos verdadeiramente santificados quando obedecemos a
Deus e efetuamos o serviço que ele nos confia, com o amor e
a abnegação semelhantes aos demonstrados por Jesus na obe-
diência ao Pai. Esse tipo de santificação nos fará realizar a
obra que precisa ser feita, sem alarde e sem nos preocupar-
mos se alguém a valoriza.
Paulo utiliza a mesma verdade para incentivar os maridos a
"

amar as esposas assim como Cristo amou a igreja e entregou-


se por ela para santificá-la, tendo-a purificado pelo lavar da
água mediante a palavra, e para apresentá-la a si mesmo como
igreja gloriosa, sem mancha nem ruga ou coisa semelhante,
"

mas santa e inculpável (Ef 5.25-27). Hebreus 10.10 também


relaciona a santificação com a vontade de Deus e a obra de
Cristo: "Pelo cumprimento dessa vontade fomos santificados,
por meio do sacrifício do corpo de Jesus Cristo, oferecido uma
"

vez por todas Mais uma vez percebemos que a vontade de


.

Deus para nós é a santificação. Por meio do sacrifício de Cristo,


pecadores são levados a um relacionamento perfeito com Deus.
O propósito desse relacionamento, entretanto, é santificar-nos
e guardar-nos para Deus e sua obra. Ao caminhar com Cristo
tão-somente na fé, continuamos participantes dos frutos de
sua obediência e livres para fazer a vontade de Deus. Dessa
forma, Cristo torna-se por nós e para nós: "sabedoria de Deus
[ ] isto é, justiça, santidade e redenção" (ICo 1.30).
...

A obra do Espírito na santificação


O poder e o auxílio do Espírito Santo também são absoluta-
mente necessários para a santificação. Pedro dirige-se aos cren-
tes como "escolhidos de acordo com o pré-conhecimento de
Deus Pai, pela obra santificadora do Espírito, para a obediên-
"

cia a Jesus Cristo e a aspersão do seu sangue (IPe 1.2). Embo-


ra esses crentes estivessem exilados e dispersos, ainda eram
povo escolhido. Eles podiam ter consciência dessa condição e
seguir o caminho da consagração e da santidade que a pres-
238 5 perspectivas sobre a santificação

A experiência de enchimento contínuo do Espírito põe o


cristão em contato com Deus em diversas áreas. Em primeiro
lugar, o cristão deve entender a vontade de Deus revelada nas
Escrituras e a ela sujeitar-se. Ao mesmo tempo que o cristão
ganha experiência e maturidade e recebe uma revelação mais
completa da vontade de Deus, deve obedecer continuamente
às ordens bíblicas e sujeitar-se ao Espírito Santo; essas são as
condições para que o enchimento do Espírito continue. O cren-
te precisa saber distinguir entre orientação para a vida cristã
e revelação bíblica. Esta dá os princípios gerais e os padrões
morais de conduta, ao passo que a orientação é a aplicação do
ensino mais geral à vida pessoal.
Outro aspecto muito importante a que o cristão deve se
submeter é a obra providencial de Deus, que muitas vezes
inclui experiências indesejáveis, como tristeza, frustração e
decepção. Submeter-se ao tratamento providencial divino pro-
duz mais maturidade e discernimento quanto à verdade e aos
caminhos de Deus.
O exemplo máximo do enchimento do Espírito é dado pelo
próprio Cristo, na famosa passagem de Filipenses 2.5-11. Em
sujeição à vontade e ao plano de Deus, Cristo submeteu-se às
limitações de ser um homem na terra, aos sofrimentos e ten-
tações acarretados por essa condição e à suprema humilha-
ção de morrer na cruz pelos pecados do mundo. Essa passa-
gem faz três afirmações a respeito de Cristo: ele desejava fazer
a vontade de Deus, ser o que Deus escolheu que ele fosse e ir
para onde Deus o direcionasse. Esse alto padrão de conformi-
dade e sujeição à vontade de Deus é o exemplo e o modelo
para o cristão. O enchimento do Espírito, demonstrado por
Cristo da forma mais perfeita, só é possível se houver capaci-
tação e controle da vida pelo Espírito Santo.
Falando de forma realista, entretanto, sabemos que os cris-
tãos pecam. Essa experiência não anula a salvação de nin-
guém, nem faz que ninguém perca o Espírito Santo, mas ain-
da assim deve ser corrigida. Efésios 4.30 refere-se a essa
"

exigência quando Paulo ensina: Não entristeçam o Espírito


Santo de Deus [não continuem a entristecer], com o qual vo-
"

cês foram selados para o dia da redenção Esse texto mencio-


.

na a habitação do Espírito Santo como se ele fosse o selo de


Deus, a prova de sua posse e a tranquilidade e a segurança
que o crente encontra em Cristo. Visto que o Espírito Santo
140 5 perspectivas sobre a santificação

atuação do Espírito, o homem continuará nadando contra a maré e


enfrentando ventos contrários.34

Bicket prossegue, ressaltando que o Espírito "funciona como


o agente que torna Cristo nossa santificação, procurando efe-
tuar uma união perfeita e completa de Cristo com o crente", o
que ele realiza em várias etapas. O Espírito faz que o crente
tome consciência do pecado não reconhecido ou oculto por
causa da justiça própria. Em seguida, faz que o crente sinta a
própria impotência para atingir a santidade e faz nascer nele
fome e sede de justiça. Depois, com o auxílio do Espírito, o
velho homem é despojado, e o novo homem toma seu lugar.
Nessa etapa, vem a sensação da aceitação de Deus que traz
paz e conforto. Então, há progresso, às vezes por meio de
"

explosões repentinas de revitalização interior [...] Ou pode


haver uma evolução constante". Os sinais de santidade são
"

transmitidos pela atuação do Espírito Santo" à medida que o


"
crente faz novas descobertas de coisas que precisam ser en-
tregues a Deus ou recebidas dele".35

0 BATISMO COM 0 ESPÍRITO SANTO

Para esclarecer a perspectiva pentecostal sobre a santifica-


ção, torna-se necessário discorrer um pouco mais sobre o ba-
tismo com o Espírito Santo. Alguns grupos pentecostais uni-
taristas (ou adeptos do movimento Jesus Somente) chegam
ao extremo de dizer que quem não foi batizado com o Espírito
Santo com a evidência do falar em línguas não é salvo. As
Assembléias de Deus e a maioria dos outros grupos pente-
costais que crêem na Trindade reconhecem que o batismo com
o Espírito Santo é uma experiência distinta da regeneração.
Não estamos dizendo, entretanto, que o crente que nunca fa-
lou em línguas não tenha o Espírito Santo atuando em sua
vida. Reconhecemos que a regeneração é obra do Espírito, pois
quem nasceu de novo é nascido do Espírito (Jo 3.3-8).
Reconhecemos também que a obra do Espírito não só nos
concede vida, mas também nos batiza no corpo de Cristo (ICo
12.13). "Ele nos insere no Corpo, não importa quem sejamos,
judeus, gregos, escravos ou livres. E a todos nós faz beber (en-
"

charcar, saturar) do mesmo Espírito 36 Ou seja após o batismo


.
,

no Espírito Santo, que nos coloca no corpo de Cristo somos ,


A perspectiva pentecostal 141

encharcados ou cheios com o Espírito. Esse batismo é, porém,


uma experiência distinta que ocorre depois da conversão.
Nas seis ocorrências do NT em que se compara o batismo em
água de João com o batismo no Espírito, de Jesus, a palavra
batizar é usada com a preposição grega en, que significa, nesse
" "
contexto, em Mas cremos que o contexto de 1 Coríntios 12.13
.

justifique a tradução de en pela preposição "por", uma vez que


" "
nesse texto o batismo é por um único Espírito Anthony D. .

Palma, ex-deão do departamento de teologia da Assemblies of


God Graduate School (hoje seminário), escreve:

A distinção feita por muitos estudiosos pentecostais é que a


experiência de que Paulo fala é diferente da experiência de João
Batista e da de Jesus.
Nos dois conjuntos de passagens analisadas, existem, de fato,
alguns termos semelhantes. Mas é incorreto insistir que a mesma
combinação de palavras no NT sempre deve ser traduzida da mes-
ma forma. A Bíblia não é nenhum manual ou livro de teologia siste-
mática. Se fosse, poderíamos insistir que cada palavra, expressão
ou locução deveria ser traduzida da mesma forma.
Semelhanças à parte, essas passagens não têm muito em co-
mum. Na verdade, existem elementos no texto de Paulo que não se
"

encontram nos outros textos. Por exemplo, ele menciona o único"


Espírito; fala sobre sermos balizados "em um só corpo". Além dis-
" "

so, a expressão preposicionada en mesmo Espírito precede o


verbo; na outra passagem, ela vem depois do verbo.37

Palma observa, em seguida, que em ICoríntios 12.3 e em


12.9, passagens que mencionam a obra do Espírito, en é tra-
duzida pela preposição "por"; além disso, no resto do capítu-
lo ele fala sobre a atuação do Espírito. "Pelo mesmo Espírito" é,
portanto, a tradução preferível de ICoríntios 12.13, usada nas
versões Almeida Revista e Atualizada (ARA), Almeida Revista e
Corrigida (ARC), Nova Versão Internacional (NV1, em notas de
rodapé) e na Bíblia na Linguagem de Hoje.* É claro que não é
apenas a tendência hermenêutica dos pentecostais que faz
distinção entre o batismo pelo Espírito, que insere os crentes

*
As seguintes versões inglesas utilizam a preposição by (por) em vez de in
(em): King James Version, New American Standard Bible, New International Ver-
'
sion, Revised Standard Version, Living Bible, Today s English Version, Twentieth
New Testament e as traduções de Phillips, Moffatt, Williams e Beck [N. do T.].
142 5 perspectivas sobre a santificação

no corpo de Cristo, e o batismo no ou com o Espírito, no qual


Cristo é quem batiza, objetivando capacitar o crente pelo en-
chimento do Espírito (Lc 24.49; At 1.8; 2.4).
O reitor do Western Canadian Pentecostal CoIIege, L. Tho-
mas Holdcroft, chama a atenção para o fato de, em nossos
dias, algumas pessoas ensinarem, seja por descuido, seja
propositadamente, que o papel do Espírito Santo se resume
em batizar o crente no corpo de Cristo. Outras acreditam que
haja enchimentos periódicos na vida do crente, mas que não
os podemos chamar de batismo. Outras, ainda, fazem distin-
ção entre o batismo pelo Espírito no corpo de Cristo e o batis-
mo com o Espírito, que Cristo realiza para o serviço, mas não
aceitam o falar em línguas como evidência externa inicial do
batismo com o Espírito Santo. Além disso, Holdcroft dá a en-
tender que a rejeição da posição pentecostal e da evidência
do falar em línguas muitas vezes causa uma tendência de de-
clínio espiritual que resulta na negligência da obra do Espírito
"
na vida do crente. Dessa forma, à parte a questão do falar em
línguas, é evidente a importância espiritual de desfrutar o ba-
tismo pessoal com o (no) Espírito Santo".38
Os pentecostais também reconhecem que a antiga aliança
foi abolida na cruz (Ef 2.15) e a morte de Cristo deu início à
nova aliança (Hb 9.15-17). Assim, antes do Pentecoste, Jesus
iniciou com os que creram nele o verdadeiro relacionamento
com Deus e com ele mesmo. Esses crentes já eram participan-
tes da vida de Cristo quando ele ordenou que aguardassem
em Jerusalém a promessa do Pai. Atos 1.8 destaca o poder
para o serviço, não a regeneração.
Também reconhecemos que o falar em línguas é apenas a
evidência inicial do batismo com o Espírito Santo. Essa experiên-
cia é o sinal do enchimento do Espírito no dia de Pentecoste.
Foi a prova convincente na casa de Cornélio ("pois os ouviam
falando em línguas", At 10.46). Embora apresentemos nossas
razões com base no livro de Atos, reconhecemos que Lucas
era também teólogo, não só historiador. Declaramos também
que o apóstolo Paulo em suas epístolas, além das próprias ex-
periências, trata de experiências de outras pessoas. Mesmo
quando apresenta nas epístolas a verdade em forma proposi-
cional, como por exemplo justificação pela fé, ele a relaciona a
um acontecimento histórico na experiência de Abraão. Quan-
do Paulo quer demonstrar a importância da graça, volta-se
A perspectiva pentccostal 143

para um livro histórico e fala sobre Davi (Rm 4). Devemos ob-
"

servar também que, quando Paulo faz a pergunta: Falam to-


dos em línguas?" (ICo 12.30), o verbo está no tempo presen-
te, o que faz supor o significado: "Todos continuam falando
"

em línguas? Ou seja, o apóstolo pergunta se todos exercem


.

o ministério de falar em línguas na igreja. Dessa forma, Paulo


não descarta o falar em línguas como a evidência inicial.
Esperamos outras provas após o batismo do crente com o
Espírito Santo. Na "Declaração de Verdades Fundamentais" das
Assembléias de Deus, nas seções 7 e 10, lê-se:

Com o batismo com o Espírito Santo, surgem novas experiências,


como o transbordar da plenitude do Espírito (Jo 7.37-39; At 4.8), mai-
or reverência a Deus (At 2.43; Hb 12.28), a consagração mais intensa
a Deus e maior dedicação a sua obra (At 2.42), e o amor mais ativo por
Cristo, por sua Palavra e pelos perdidos (Mc 16.20) [...]
Essa experiência:
a) capacita-os a evangelizar no poder do Espírito Santo, com o
acompanhamento de sinais sobrenaturais (Mc 16.15-20; At 4.29-
31; Hb 2.3,4);
b) acrescenta um aspecto necessário da relação de adoração
com Deus (ICo 2.10-16; 12-14);
c) capacita-os a responder à obra plena do Espírito Santo, mani-
festando frutos, dons e ministérios como nos tempos do NT, para
edificação do corpo de Cristo (Gl 5.22-26; ICo 14.12; Ef 4.11,12;
ICo 12.28; Cl 1.29).39

Também reconhecemos que o batismo com o Espírito San-


to não é uma experiência progressiva. O próprio Pentecoste
foi apenas o início da colheita. Ele pôs os crentes em comu-
nhão na adoração, no serviço e no ensino. O batismo com o
Espírito Santo é, portanto, apenas uma porta para o relaciona-
mento cada vez maior com a pessoa divina do Espírito e com
os membros do corpo de Cristo. Esse batismo produz em nós
a vida de serviço marcada por dons do Espírito, que confe-
rem poder e sabedoria para o crescimento da igreja e a expan-
são do evangelho.
Apesar da ênfase no revestimento de poder para o serviço,
não negligenciamos a obra santificadora do Espírito, princi-
palmente com respeito à dedicação a Deus e à demonstração
de seu amor. O Espírito Santo, em cada aspecto de nossa vida
com ele, volta-nos para Cristo e enche-nos o coração do amor
144 5 perspectivas sobre a santificação

de Deus e, por nosso intermédio, transmite esse amor ao


mundo necessitado. Uma vez que estamos em Cristo, deve-
mos viver no Espírito e pelo Espírito. Cada aspecto da vida
precisa ser trabalhado por ele. Ele deseja, quando nos reuni-
mos na comunhão do Espírito, fazer-nos um com Cristo e
com os membros do corpo.
Quer recebamos manifestações especiais do Espírito, quer
não, ele está sempre presente para nos guiar, dirigir e ajudar.
Boa parte da vida no Espírito é uma questão de realizar fiel-
mente o serviço do Senhor e os negócios da vida cotidiana
sem intervenções espetaculares. Essa existência deixa de ser
banal e passa a ser uma vida de crescimento na graça e no
fruto do Espírito. A santificação contínua ainda permanece
como a obra principal do Espírito Santo. Entretanto, devemos
reconhecer que, como o batismo com o Espírito Santo não é
propriamente uma experiência de santificação, os que acaba-
ram de ser batizados com o Espírito precisam perseverar ain-
da mais na cooperação com o Espírito na obra santificadora.
Por outro lado, cremos que o propósito principal da vida
cristã não é purificar-nos. O crescimento na graça realiza-se
melhor quando estamos envolvidos no serviço de Deus. Não
acreditamos que o santo ou crente consagrado deva passar
todos os dias dedicando-se apenas ao estudo bíblico, à oração
e à devoção, e mais nada. Isso tudo é importante, mas a vida
santificada implica muito mais. Os utensílios santos do taber-
náculo nos servem de ilustração. Esses objetos não podiam ser
utilizados na prática de atividades comuns. Ninguém poderia
utilizá-los na cozinha, por exemplo, nem poderia usá-los para
servir o jantar. Todavia, não foi a separação do uso comum que
os tornou santos. Eles só se tornaram santos quando foram
levados para o tabernáculo e utilizados de fato no serviço a
Deus. Desse modo, somos santos não só porque fomos sepa-
rados do pecado e do mal, mas porque fomos separados para
Deus, santificados e ungidos para o serviço do Mestre.
A ordenação, ou consagração, dos sacerdotes no AT é ou-
tro exemplo. Nessa cerimónia, primeiro o sangue era aspergi-
do sobre o lóbulo da orelha direita, o polegar da mão direita e
o hálux do pé direito, simbolizando a expiação e a purificação
do indivíduo. Em seguida, os futuros sacerdotes eram ungi-
dos com óleo, o que representava a obra do Espírito na prepa-
ração para o serviço. Da mesma forma, somos purificados e
A perspectiva pentecostal 145

ungidos, como se fôssemos profetas, reis e sacerdotes (2Co


1 21; IJo 2.20).
.

O Espírito Santo dá-nos poder para o serviço, não sem crité-


rio, mas segundo sua vontade, por meio de dons e diferentes
ministérios do Espírito (ICo 12.11). Paulo, porém, desafia os
"
crentes: Entretanto, busquem com dedicação os melhores dons"
(v. 31). Essa ordem implica que os crentes deviam buscar os
dons mais necessários ou mais edificantes naquele momento.
Isso mostra que não recebemos os dons do Espírito automati-
camente só porque fomos batizados no Espírito Santo. Precisa-
mos estar abertos ao Espírito e corresponder com fé ativa e
obediente, pois ele não nos forçará a receber os dons.
Paulo também informa em ICoríntios 12 que os crentes de
Corinto, que não careciam de nenhum dom espiritual (1.7),
precisavam exercê-los com mais êxito. Precisavam entender o
valor dos dons e a necessidade de dons variados na edifica-
ção e na promoção da unidade do corpo. Mas isso só não era
"
suficiente. Paulo escreve: Passo agora a mostrar-lhes um ca-
"
minho ainda mais excelente (12.31) - o caminho do amor.
O amor, todavia, não é um dos dons carismáticos do Espí-
rito. Antes, abrange o fruto do Espírito e é, portanto, um dos
principais resultados da obra santificadora do Espírito. O amor
de Deus é uma dádiva para nós. Cristo deu-nos seu amor. O
Espírito Santo também nos torna conscientes do amor de Cristo
(Rm 5.5). O amor, porém, nunca é considerado um dom espi-
ritual. Como fator de motivação para nossa vida, ele sempre é
fruto do Espírito.
Paulo evidentemente não quer dizer que o amor possa subs-
tituir os dons espirituais. A Bíblia deixa muito claro que ne-
cessitamos do fruto e dos dons para a vida e o ministério
cristãos. O que Paulo salienta, então, é o contraste entre os
dons espirituais sem a presença do amor e esses mesmos
dons com a presença dele. De modo algum Paulo diminui a
importância dos dons espirituais nem diz que o amor é me-
lhor que eles. Mas o amor é necessário para permitir que os
dons sejam aproveitados ao máximo e resultem na devida
recompensa. Dessa forma, a obra santificadora do Espírito
precisa caminhar ao lado de sua obra capacitadora.
Deve-se ressaltar também que ambos são necessários atual-
mente. É claro que precisamos do fruto, mas os pentecostais
enfatizam que também precisamos dos dons. Penso que:
146 5 perspectivas sobre a santificação

Eles [os dons] foram estabelecidos (determinados, instituídos,


ordenados) por Deus como parte integrante da Igreja, da mesma
forma que cada um dos vários membros do corpo humano foram
colocados em seu devido lugar para cumprir uma função específi-
ca (ICo 12.18,28). Isso significa que foram planejados para toda a
era da Igreja. Mas são temporários no sentido de se limitarem à
presente era. Ainda são necessários hoje, mas quando Cristo voltar
o estado perfeito será revelado. Seremos transformados à seme-
lhança de Cristo. Não estaremos mais sujeitos ao corpo decaído
presente. Com novo corpo, nova maturidade e a presença visível
de Cristo conosco, não necessitaremos mais de dons específicos.
As coisas que nos deixam perplexos hoje não nos surpreenderão
mais. Será fácil submeter nossa atual compreensão parcial e in-
completa quando o virmos como ele é (IJo 3.2) [...] O amor, por
certo, não pode acabar, pois Deus é amor. Quanto mais participa-
mos dele, mais temos amor, e, visto que ele é infinito sempre
,

haverá mais por toda a eternidade. Portanto, as coisas permanentes


devem ser nosso parâmetro para o exercício dos dons espirituais.
Acima de tudo, os dons devem ser exercidos em amor.40

CONCLUSÃO

Resumindo, os autores pentecostais concordam que a san-


tificação diz respeito a cada aspecto do magnífico plano divino
de redenção. Entendem que a justificação e a santificação inici-
al ocorrem no mesmo momento; a primeira nos põe numa
nova posição diante de Deus, e a última nos proporciona um
novo estado. Entretanto, nem a justificação, nem a santifica-
" "

ção posicionai acabam com o pecado na raiz e nos ramos .

Os pecados passados são perdoados, mas o pecado original,


no sentido de inclinação herdada para pecar, permanece. Os
pentecostais holimss ainda defendem a segunda obra definiti-
va da graça, que, segundo eles acreditam, elimina completa-
mente o pecado original e torna mais fácil viver em santidade.
Os membros das Assembleias de Deus e outros pentecostais
não adeptos do movimento holiness rejeitam essa experiên-
cia e defendem a santificação progressiva, que não se comple-
ta antes da glorificação.
Os autores das Assembléias de Deus, entretanto, podem
concordar com Harold D. Hunter, autor pentecostal holiness,
que escreve:
A perspectiva pentecostal 147

O reconhecimento da dependência do crente com relação ao


Espírito Santo para a santificação não o livra de sua responsabili-
dade. Asseverar que o homem está envolvido no processo, entre-
tanto, não é concordar com a idéia de que a santificação é uma
questão de aprimoramento moral realizado pelo próprio homem.
É extremamente difícil encontrar uma forma adequada de expres-
sar a relação entre Deus e o homem na santificação [...] a resposta
humana é importante, mas assim também é a atuação do Espírito
nessa pessoa. As ordens bíblicas para agir corretamente (Rm
6 13,19; 8.13; 2Co 7.1; Gl 5.16,25) podem ser interpretadas apenas
.

como se o crente estivesse ativo no processo [...] No AT, o Senhor


santificava seu povo [...] Mas as pessoas também devem santifi-
car-se a si mesmas.41

Hunter prossegue, chamando atenção para o fato de que


essa dupla responsabilidade também é ensinada no NT. Ele
trata desse assunto valendo-se de Filipenses 2.12, em que o
apóstolo nos exorta a continuar exercitando nossa salvação,
mantendo o temor e o tremor. Esse assunto não trata apenas
da salvação coletiva, mas implica a individual: a comunidade
não pode melhorar se cada crente não progredir individual-
mente. O autor também ressalta que alegar a possibilidade de
"

abster-se completamente do pecado nesta vida só pode ser


verdade quando se toma por base uma definição incorreta de
"

pecado Conclui: "A santificação é parte da experiência inicial


.

de salvação e também é um processo de purificação que dura


"
a vida toda 42 Portanto ao que parece, alguns pentecostais
.
,

da corrente holiness e alguns de correntes não-holiness con-


cordam muito mais atualmente do que no início do século XX.
Todos concordariam também que a santificação resulta
numa pureza que resiste às tentações e as supera (Tg 4.7; ICo
10.13; Rm 6.14; Ef 6.13,14). A santificação também produz
uma vida vitoriosa que glorifica e louva a Deus, e revela os
frutos de justiça (ICo 10.31; Cl 1.10). Produz uma vida reple-
ta da graça e do poder do Espírito, vivida em comunhão com
Deus e com Cristo (Gl 5.22,23; Ef 5.18; Cl 1.10,11; IJo 1.7). É
uma vida de serviço a Deus, desfrutada no poder do Espírito,
que nos batiza, enche e preenche novamente. É uma vida que
recebe o amor de Deus e de Cristo e passa a ser canal desse
amor. Também é uma vida de oração e estudo piedoso da Pa-
lavra de Deus. Por fim, como já observamos em E. S. Williams,
148 5 perspectivas sobre a santificação

a santificação capacita-nos a viver acima do pecado, do egoís-


mo e da anarquia espiritual do mundo e, ao contrário de tudo
isso, viver para Deus.43

BIBLIOGRAFIA

Carlson, G. Raymond. Our Faith and Fellowship. Springfield, Mo., Gospel ,

1977.

Salvation: What Bible Teaches. Springfield, Mo. Gospel, 1963.


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Harris, Ralph W. Our Faith and Fellowship. Springfield, Mo. Gospel, 1963.
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Mo., Gospel, 1976 [O que a Bíblia diz sobre o Espírito Santo, 3. ed.,
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Nelson, P. C. Bible Doctrínes. Ed. rev. Springfield, Mo., Gospel, 1948 [Doutri-
nas bíblicas: uma exposição das declarações de verdades fun-
damentais, Editora Vida, 1986].
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pel, 1937) [Conhecendo as doutrinas da Bíblia, ed. rev. e atual.,
Vida Académica, 2006].
Synan, Vinson. The Holiness-Pentecostal Movement in the United States. Grand
Rapids, Eerdmans, 1971.
Wiluams, Ernest Swing. Systematic Theology. 3 vols., Springfield, Mo., Gos-
pel, 1953.
Réplica

WESLEYANA

a Hortgn

Melvin E. Dieter

Stanley Horton apresenta um excelente resumo histórico das


origens do pentecostalismo e dos ventos de doutrina que passa-
ram pelo movimento reavivalista norte-americano no começo
do século XX. As duas principais raízes da teologia pentecostal
são expostas logo no começo de seu artigo: a teologia da se-
gunda bênção, do movimento metodista holmess, e o ensino
da santificação progressiva, proveniente da larga tradição ba-
tista independente, esta fortemente influenciada pelo ideal da
vida elevada do Instituto Bíblico Moody, representado por R. A.
Torrey. Este último movimento ressaltava a atuação especial
do Espírito no Pentecoste como a base para receber poder para
testemunhar, enquanto os pentecostais holmess pregavam a
crise de santificação e o revestimento de poder que a acompa-
nhava.
É de esperar, portanto, que a teologia pentecostal da
santificação que as Assembléias de Deus e outros grupos
pentecostais defensores do batismo adotam seja mais eclética
que qualquer outra posição representada neste estudo. Na
verdade, às vezes parece que ela se esforça para encontrar
expressão coerente. Essa teologia formou-se a partir de deter-
minadas reações à teologia do pentecostalismo holmess, que
marcou grande parte do movimento pentecostal pioneiro, e
caminhou na direção calvinista mais apropriada à teologia
originária de muitos ex-batistas que haviam sido conquista-
dos para o pentecostalismo durante o reavivamento. Contu-
234 5 perspectivas sobre a santificação

Deus pode efetuar a santificação no aspecto prático e pro-


gressivo.
É impossível superestimar a importância da habitação do
Espírito no novo convertido. Sua presença é prova de proprie-
dade divina, de segurança e graça, e da intenção divina de
produzir no novo convertido o fruto da salvação. O Espírito
Santo é o selo divino de propriedade (2Co 1.22; 5.5; Ef 1.14).
Visto que o Espírito habita o crente, o corpo deste torna-se
templo do Espírito (ICo 6.19). A presença do Espírito Santo
também é o selo divino de segurança para os crentes quanto
à salvação e confirma o propósito de Deus de apresentá-los
santos no céu. A habitação do Espírito Santo, bem como o
batismo e a regeneração do Espírito, ocorre uma única vez no
momento da salvação e fornece as bases para a obra divina
futura de graça, a saber, a santificação e a glorificação final. A
presença do Espírito Santo é acompanhada pelos dons espiri-
tuais e pela possibilidade do crente exercê-los no poder e na
bênção do Senhor.

0 ENCHIMENTO DO ESPÍRITO SANTO

Embora todos os cristãos sejam regenerados, balizados,


habitados e selados pelo Espírito, nem todos os cristãos são
cheios do Espírito. Essa importante variável explica a grande
diferença de experiências e poderes espirituais que existe en-
tre os vários crentes. O enchimento do Espírito é a fonte de
todos os ministérios importantes do Espírito nos crentes de-
pois da conversão. Esse enchimento não deve ser confundi-
do com experiências que precedem a salvação (como a con-
vicção do Espírito), nem com as obras que ocorrem uma única
vez no momento da salvação. O enchimento do Espírito é uma
obra de Deus que ocorre repetidamente na vida dos crentes,
portanto é sem dúvida a fonte da santificação, bem como da
frutificação espiritual.31
A qualidade da vida espiritual de um cristão é demonstra-
da de variadas formas durante a vida. O novo convertido pode
ser imaturo e relativamente ignorante a respeito de Deus e da
verdade, mas mesmo assim pode ter certo grau de espiritua-
lidade e, por isso, vivenciar o enchimento do Espírito do modo
que foi exemplificado na conversão de Cornélio (At 10) e na
conversão dos discípulos de João (At 19). Já nos cristãos ma-
Réplica wesleyana a Horton . 151

"

cionismo alcançado por meio de uma experiência crítica Tam- .

bém concordariam que os crentes que andam na plena luz


alcançaram um nível mais elevado de graça e que podem des-
frutar dessa vida de vitória sobre o pecado e as tentações.
Concordariam com Pearlman em que é uma perfeição relativa
" "

que cumpre o propósito para o qual foi designada (p. 136). E


"

apoiariam Horton na declaração de que por meio do Espírito


Santo somos capazes de não pecar, ainda que jamais chegue-
"

mos ao estado de ser incapazes de pecar (p. 137) - até a


chegada dessa perfeição final, quando seremos libertos das
trágicas consequências da Queda no novo céu e na nova ter-
ra, onde apenas os justos habitam. Esses conceitos todos são
definições bem conhecidas para a vida resultante da segunda
experiência crítica, como entendem os wesleyanos e mesmo
os adeptos da posição de Keswick.
Os wesleyanos podem concordar também com muitos ar-
gumentos de Horton acerca da experiência crucial do batismo
com o Espírito, além da obra inicial do Espírito. Mas seria difí-
cil para os wesleyanos entender como alguém pode ser cheio
do Espírito e não ter o coração totalmente purificado (ou seja,
aperfeiçoado em amor) pela plenitude de sua presença e seu
poder. Paulo diz aos Tessalonicenses que não foi à toa que
Deus nos deu seu Espírito (ITs 4.7,8).
Finalmente, Horton e todos os pentecostais continuam lem-
brando poderosamente toda a igreja - especialmente o mo-
vimento wesleyano holiness - de que os dons e os frutos do
Espírito são essenciais para a edificação e o testemunho do
corpo de Cristo. Reagindo ao desafio da teologia pentecostal,
a tradição wesleyana muitas vezes tem salientado a natureza
ética da santificação, exaltando os frutos do Espírito à custa
da negligência do ensino precioso e essencial acerca dos dons
do Espírito. Os líderes pentecostais fundadores desafiaram
corretamente o movimento holiness a não ficar tão preocupa-
do com a vida interior de pureza a ponto de perder o teste-
munho dinâmico do Espírito, que só a ministração de dons
em amor pode prover.
Réplica

REFORMADA

a Horton

Anthoky A. Hoekema

Concordo com a maior parte do que Horton diz sobre a


santificação. Concordo com a definição da santificação como
" "
posicionai e "progressiva" - embora eu prefira chamar o
"

aspecto inicial da santificação de definitivo". Estou de acor-


do também que a santificação progressiva é obra de Deus e
responsabilidade nossa. Reconheço que as três pessoas da
Trindade estão envolvidas na santificação, que é um aspec-
to de nossa união com Cristo, e que o fato de o Espírito nos
encher e tornar a nos encher é uma necessidade. Valorizo
ainda a observação dele quanto ao fato de os meios de
santificação serem o sangue de Cristo, o Espírito Santo e a
Bíblia. Concordo também que é impossível nesta vida viver
sem pecado. Fico feliz pelo fato de Horton mostrar que o
propósito da santificação - a perfeição - não será alcança-
do antes da vida futura.
Todavia, encontro certa dificuldade com relação ao empre-
go que ele faz da palavra cooperar para designar a relação
entre a nossa tarefa e a de Deus na santificação (p. 129 e 134-5).
Dizer que devemos cooperar com Deus no que tange à nossa
santificação implica que parte da tarefa é realizada por nós e
parte, por Deus. Mas a atuação de Deus em nós não se inter-
rompe enquanto estamos atuando e, da mesma forma, não
paramos de realizar a tarefa porque Deus está operando. É
preferível dizer que a santificação é uma obra de Deus em nós
que envolve nossa participação responsável.
Réplica de Keswick a Horton 157

movimento pentecostal (distinta de outras vertentes) que não


fosse elogiado pelo programa de Keswick. A divergência se
torna patente apenas nas últimas páginas da apresentação.
Só quando Horton parte - aparentemente quase como um
pós-escrito - para o ensino sobre o falar em línguas como o
sinal indispensável de uma segunda obra da graça, também
teologicamente necessária, é que a enorme divergência se torna
patente. Todavia, uma vez que ele afirma de forma surpreen-
dente (para alguém de fora do movimento) que o batismo no
Espírito Santo (enchimento) não é propriamente uma experiên-
cia de santificação (p. 144), sinto-me inclinado a indagar se
essa experiência é necessária para o processo de santificação
e se, por isso, pode haver menos divergência do que se pode-
ria supor. Essa corrente de pensamento é reforçada posterior-
mente pelo fato de a santificação, ou a busca pela santidade,
não ser levada em consideração por muitos líderes do movi-
mento renovado carismático atual, nem no que diz respeito
ao aspecto distintivo nem quanto à principal ênfase do movi-
mento. Para eles, a experiência carismática presta-se mais à
adoração, à intensificação do relacionamento com Deus, à li-
bertação individual para conseguir o enchimento e, para al-
guns, ao revestimento de poder para o serviço. Será que os
grupos pentecostais históricos e os movimentos de renova-
ção carismática contemporâneos não ajudariam os outros e a
si mesmos se tratassem da relação entre o batismo e a santi-
ficação de forma mais plena e pública?
O espaço não me permite fazer uma análise adequada das
duas questões relacionadas: se a segunda experiência crítica é
necessária para a santificação e se o falar em línguas é ensina-
do nas Escrituras como a evidência necessária desse "batismo"
" "
ou enchimento
Oficialmente, entretanto, quero registrar mi-
.

nha preocupação de que essa perspectiva careça de funda-


mento bíblico adequado, tanto da perspectiva hermenêutica
quanto da história da Igreja.
A segunda experiência crítica não é defendida em nenhum
lugar nas Escrituras. Mesmo que fosse, teria importância ape-
nas secundária no ensino da salvação. As Escrituras indicam
aos crentes que pecam ou falham a volta à experiência inicial
da graça de Deus. Alguns pentecostais e adeptos do movi-
mento renovado dizem que esse ensinamento não foi expos-
to porque as pessoas a quem o NT se dirigia já haviam passa-
180 5 perspectivas sobre a santificação

essa autoconfiança é uma falta comum na maioria dos mem-


bros sinceros das igrejas. Tiveram um começo "pelo Espíri-
to", como diz Paulo, mas agora tentam tolamente viver a vida
cristã segundo seus próprios esforços. Entretanto, assim como
é inútil buscar a salvação pelos próprios esforços, também é
impossível obter piedade sozinho. Se foi necessário iniciar
"

por intermédio do poder do Espírito, pelo poder do Espírito


"

perseveramos em nossa jornada de peregrinos (Gl 5.25, pa-


"
ráfrase do autor). Portanto, assim como vocês receberam Cris-
to Jesus, o Senhor, continuem a viver nele" (Cl 2.6). O primei-
ro passo em direção à normalidade para muitos cristãos é
abandonar o esforço próprio como caminho para o sucesso e
reconhecer que só Deus pode realizar essa tarefa.
Identificamos a desobediência e a falta de confiança como
os motivos por que a maioria dos cristãos permanece na sub-
condição de derrota e miséria espiritual. Esses motivos refle-
tem a enfermidade comum da incredulidade, para a qual é
necessária a cura da fé.

ACURA PARA A DERROTA ESPIRITUAL: FE

Em primeiro lugar, é importante reafirmar que existe cura.


Existe de fato libertação do estado deplorável de servidão ao
pecado e do fracasso: ela procede de Cristo, o Senhor (Rm
7 . 24,25). É possível viver no Espírito e não satisfazer a dispo-
sição para o pecado, ser mais do que vencedores em Cristo e,
dessa forma, participar "de toda a plenitude de Deus" (Ef 3.19).

Àquele que é poderoso para impedi-los de cair e para apresen-


tá-los diante da sua glória sem mácula e com grande alegria, ao
único Deus, nosso Salvador, sejam glória, majestade, poder e auto-
ridade, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor, antes de todos os
tempos, agora e para todo o sempre! Amém (Jd 24,25).

Quando a Bíblia aborda o problema de cristãos fracassados


e propõe um caminho melhor, indica o momento em que a
"

pessoa encontrou a graça salvadora. Da mesma forma, con-


siderem-se mortos para o pecado, mas vivos para Deus em
Cristo Jesus" (Rm 6.11). Na verdade, o principal texto bíblico
sobre o assunto, Romanos 6, indica repetidamente a experiên-
cia inicial, a santificação original, quando o pecador foi salvo do
pecado. Reconheça e apóie-se no que já aconteceu, diz Paulo.
Réplica reformada a Horton 155

mos um com Cristo. Não é necessário buscar esse batismo como


uma experiência posterior à conversão, é o que Paulo está di-
zendo nesse texto. Uma vez que estamos em Cristo, já fomos
batizados no Espírito.
Mesmo admitindo que a primeira metade desse texto se
refira a algo que ocorre a todos os cristãos, Horton afirma que
a segunda metade fala do batismo no Espírito, no sentido
pentecostal comum. Argumenta que, enquanto os outros tex-
tos que falam do batismo no Espírito dizem que Cristo nos
batiza no Espírito, a primeira metade do versículo de Coríntios
afirma que somos batizados pelo Espírito e, portanto, está fa-
lando de coisa diferente (p. 141-2).
A segunda frase do versículo, porém, é semelhante à pri-
meira metade, pois ambas ressaltam a unidade de todos os
crentes. Além disso, como basear a argumentação numa dis-
tinção entre o batismo pelo Espírito e o batismo por Cristo? Se
algo é realizado por Cristo, não seria também realizado pelo
Espírito? E, se realizado pelo Espírito, não é também realizado
por Cristo?
Réplica de

KESWICK

a IIORTON

J Robertson McQuilkin
.

Devemos muito a Horton pelo panorama histórico sucinto


e preciso do movimento pentecostal e pelas distinções teológi-
cas apontadas entre os diversos ramos. Foi útil, por exemplo,
tomar conhecimento das diferenças entre as três experiências
críticas defendidas pelos grupos pentecostais originados no
movimento wesleyano holiness, bem como das duas crises
defendidas pelos de origem batista (como as Assembleias de
Deus). Essa distinção tem muito que ver com a doutrina da
santificação, embora não nos tenham sido apresentadas suas
implicações. A parte histórica da apresentação teria sido ain-
da mais proveitosa se houvesse incluído o movimento evan-
gélico de renovação carismática, surgido na década de 1960.
Além disso, teria sido muito proveitoso para os estudos
comparativos se os ensaios das posições reformada, wesleyana
e pentecostal tivessem tratado das implicações da doutrina
da segurança eterna para o processo de santificação. Há ain-
da outras questões menores, como a distinção entre o batis-
mo pelo Espírito (no corpo de Cristo, que ocorre no momento
do encontro inicial de salvação) e o batismo no Espírito ("en-
"
chimento num encontro posterior e necessário). A doutrina
é importante demais para ser apoiada num único argumento
lexical extremamente debatido, como faz Horton.
Surpreendi-me ao descobrir que, nos primeiros dois ter-
ços da exposição sobre santificação, não há nenhum ensino
relevante característico da vertente Assembléias de Deus do
Réplica de Keswick a Horton 157

movimento pentecostal (distinta de outras vertentes) que não


fosse elogiado pelo programa de Keswick. A divergência se
torna patente apenas nas últimas páginas da apresentação.
Só quando Horton parte - aparentemente quase como um
pós-escrito - para o ensino sobre o falar em línguas como o
sinal indispensável de uma segunda obra da graça, também
teologicamente necessária, é que a enorme divergência se torna
patente. Todavia, uma vez que ele afirma de forma surpreen-
dente (para alguém de fora do movimento) que o batismo no
Espírito Santo (enchimento) não é propriamente uma experiên-
cia de santificação (p. 144), sinto-me inclinado a indagar se
essa experiência é necessária para o processo de santificação
e se, por isso, pode haver menos divergência do que se pode-
ria supor. Essa corrente de pensamento é reforçada posterior-
mente pelo fato de a santificação, ou a busca pela santidade,
não ser levada em consideração por muitos líderes do movi-
mento renovado carismático atual, nem no que diz respeito
ao aspecto distintivo nem quanto à principal ênfase do movi-
mento. Para eles, a experiência carismática presta-se mais à
adoração, à intensificação do relacionamento com Deus, à li-
bertação individual para conseguir o enchimento e, para al-
guns, ao revestimento de poder para o serviço. Será que os
grupos pentecostais históricos e os movimentos de renova-
ção carismática contemporâneos não ajudariam os outros e a
si mesmos se tratassem da relação entre o batismo e a santi-
ficação de forma mais plena e pública?
O espaço não me permite fazer uma análise adequada das
duas questões relacionadas: se a segunda experiência crítica é
necessária para a santificação e se o falar em línguas é ensina-
do nas Escrituras como a evidência necessária desse "batismo"
" "
ou enchimento
Oficialmente, entretanto, quero registrar mi-
.

nha preocupação de que essa perspectiva careça de funda-


mento bíblico adequado, tanto da perspectiva hermenêutica
quanto da história da Igreja.
A segunda experiência crítica não é defendida em nenhum
lugar nas Escrituras. Mesmo que fosse, teria importância ape-
nas secundária no ensino da salvação. As Escrituras indicam
aos crentes que pecam ou falham a volta à experiência inicial
da graça de Deus. Alguns pentecostais e adeptos do movi-
mento renovado dizem que esse ensinamento não foi expos-
to porque as pessoas a quem o NT se dirigia já haviam passa-
158 5 perspectivas sobre a santificação

do por essa experiência. Essa resposta traz à tona muitas per-


guntas. A Bíblia foi escrita para quem? Quantas outras doutri-
nas essenciais teriam sido omitidas por já estarem sendo vi-
vidas? Além disso, a salvação sem dúvida já era conhecida
dos destinatários das cartas do NT; ainda assim, é doutrina
ensinada constantemente, e os mandamentos para buscar essa
experiência são frequentes. Por que então não ocorreu o mes-
mo com a segunda experiência? Além disso, se os crentes de
Corinto, por exemplo, não precisavam de uma experiência de
santificação, quem precisaria? Quem somos nós para inter-
pretar a omissão completa desse ensinamento nas epístolas
do NT, escritas originariamente com o evidente propósito de
capacitar os crentes para exercer a vida cristã?
Uma vez que a experiência não é ensinada nas Escrituras,
boa parte do debate doutrinário baseia-se no que ocorreu no
livro de Atos. Sem entrar em detalhes, defendo como princí-
pio geral que uma doutrina baseada em história sem a corro-
boração de um ensino apostólico não é segura. A história não
interpretada por outro texto das Escrituras não pode ser con-
siderada normativa, visto que as Escrituras não tratam dados
históricos dessa forma e, se não se observa esse princípio
hermenêutico, não há limites para os potenciais abusos.
Sem mencionar a falta de provas bíblicas do batismo no
Espírito como a segunda (ou terceira) experiência necessária e
do falar em línguas como sinal, e não dom, reunir as duas
experiências como sinal indispensável representa um proble-
ma ainda maior e mais crítico. Essa união de experiências não
só carece de prova bíblica, mas também de um bom prece-
dente histórico. Embora o ensino da segunda obra da graça e
o da experiência da glossolalia tenham surgido periodicamente
ao longo da história da Igreja, eles não apareceram juntos
antes de 1901, no episódio aludido por Horton (p. 115). Em
nenhum lugar das Escrituras ensina-se que as línguas são um
sinal necessário (distinto do dom de línguas concedido a al-
guns). A idéia de que essa manifestação é a evidência indis-
pensável de uma segunda experiência teologicamente neces-
" "
sária foi uma nova revelação feita a primeiranistas de um
instituto bíblico enquanto o professor estava ausente da es-
cola no primeiro - e único - ano de existência da instituição.
Para os que não aceitam a revelação pós-bíblica como autori-
Réplica de Keswick a Horton 159

dade normativa para a igreja, o fundamento dessa doutrina


crucial deve continuar sendo considerado incorreto.
Depois de esboçar breve e insatisfatoriamente meus pro-
blemas a respeito desse ensino, devo voltar à minha conclu-
são anterior, isto é, a de que, glossolalia à parte, quando o
debate se limita estritamente ao modo em que o novo conver-
tido ou o cristão faltoso pode crescer na semelhança a Cristo,
a posição de Stanley Horton, porta-voz das Assembléias de
Deus, e a de muitos do movimento de renovação carismática
atual, não está tão distante da perspectiva de Keswick.
Réplica

AGOSTINIANO-

DISPENSACIONALISTA

a Hoíiton

John F. Walvoord
Stanley Horton documenta bem o progresso doutrinário ob-
servado no movimento pentecostal, além de registrar o refi-
namento e a estabilização da verdade pentecostal nas Assem-
bleias de Deus de seu tempo. São louváveis os argumentos
referentes a muitas provas bíblicas em favor da verdadeira
espiritualidade e santificação.
Os não-pentecostais notam que as primeiras convicções
pentecostais basearam-se mais na experiência que propriamen-
te na exegese compatível das Escrituras. O falar em línguas foi
erroneamente considerado prova de espiritualidade e poder
espiritual, enquanto ICoríntios 12.8-10,28-30 assinala que o
dom de línguas é o menor na escala de dons espirituais. O
conceito de segunda obra da graça, que em certa medida se
perpetuou no movimento holiness contemporâneo, também é
considerado pelos não-pentecostais injustificável e carente de
terminologia bíblica. Muitos também se opõem ao ensino de
que os crentes devem crucificar a natureza pecaminosa, o que
não encontra apoio nas Escrituras e, na verdade, é impossível.
A crucificação de nossa velha vida (e não da velha natureza)
ocorreu quando Cristo morreu em nosso lugar. Gálatas 2.20,
que a NVI traduz adequadamente, afirma: "Fui crucificado com
Cristo". Essa verdade deve ser reconhecida pela fé. Além disso,
visto que a justificação e a santificação posicionai ocorrem na
regeneração, e as três juntas, como atos de Deus, são irrever-
Réplica agostiniano-dispensacionalista a Horton 161

síveis, não podemos aceitar o ensino de que se perde a salva-


ção quando ocorre pecado depois da segunda obra da graça.
O ensino atual das Assembléias de Deus corrigiu a maior
parte desses erros de interpretação, mas seria bom mais al-
gum esclarecimento. Muito se ganharia distinguindo entre
batismo no Espírito e enchimento do Espírito, ainda que essa
confusão não se limite ao movimento pentecostal. A Bíblia fala
de apenas um batismo no Espírito. Ainda que os crentes pos-
sam ser cheios pelo Espírito repetidas vezes, não existe ne-
nhum registro de alguém que tenha sido balizado mais de
uma vez. Além disso, todo crente verdadeiro é batizado pelo
Espírito no momento da regeneração, como se ensina nas pró-
prias Assembléias de Deus e se encontra em ICoríntios 12.13.
O enchimento do Espírito ocorre muitas vezes (cf. At 2.4;
4 8 31; 7.55), embora no primeiro exemplo do livro de Atos
.
,

tenha ocorrido simultaneamente com o batismo no Espírito


Santo. Falar em línguas não é prova de espiritualidade nem
de poder espiritual, fato que deve ficar claro quando se recor-
da a igreja de Corinto, que na definição de Paulo era carnal
(ICo 3.1), não espiritual, e não obstante especializou-se no
falar em línguas e necessitou da correção (ICo 12-14).
Reconhecidamente o movimento pentecostal abrange pers-
pectivas muito divergentes sobre santificação, e sua fonte de
informação mais precisa são as Assembléias de Deus. Assim
como Horton destacou em sua apresentação, o crente em Cristo
é regenerado no momento inicial da salvação, batizado pelo
Espírito, justificado e santificado inicialmente (santificação
posicionai). Os membros das Assembléias de Deus deixam cla-
ro que essa santificação inicial não é completa. Ou seja, é se-
guida da santificação progressiva na experiência posterior.
Também ensinam corretamente que a santificação final, ou
separação completa da natureza pecaminosa e de todos os
atos pecaminosos, ocorrerá quando estivermos aperfeiçoados
no céu. Horton resume esse ensinamento no seguinte pará-
grafo, com o qual muitos não-pentecostais devem concordar.
Os primeiros escritores das Assembléias de Deus também con-
cordam que a santificação é uma via de mão dupla. Por um lado,
tem uma posição determinada e instantânea; por outro, é prática e
progressiva. Nelson, Pearlman e Williams chamam a atenção para a
referência que Paulo faz aos crentes de Corinto, denominando-os
santos e santificados em Cristo (ICo 1.2; 6.11). Contudo, ao mes-
162 5 perspectivas sobre a santificação

mo tempo, estavam longe da perfeição. Muitos não estavam an-


dando à altura do chamado recebido, e alguns estavam envolvidos
abertamente com o pecado (p. 124).
Embora o movimento pentecostal tenha, no início, prega-
do conceitos teológicos rejeitados pelos não-pentecostais,
Deus abençoou o movimento por causa da busca sincera da
santidade e do poder espiritual. Na refinada definição atual
das Assembléias de Deus, a forma de tratar a doutrina da
santificação assemelha-se muito à do movimento wesleyano
e mesmo à dos adeptos de outras posições teológicas.
1
A perspectiva

s IVli
.

'
V
. . .
'
)' . ,,

i ) t . vv! í/í
Aixi i! ,uínI « A. i Iv/LKEMA

A perspectiva
í -NTECOSTAL
STANLEY M. HORTON

4
A perspectiva de
Keswick
J ROBERTSON McQUILKIN
.

5
à pií p;ctiva
*

\í ,> i u /xNO-DISPENSACIONALIS rA
'
il irí K WaLVOORD
A perspectiva de

KESWICK

J ROBERTSON McQUILKIN
.

Média não significa necessariamente normal. Por exemplo,


a temperatura média dos pacientes de um hospital pode ser
380C, mas não é a temperatura normal. A média de pontos de
um grupo de amigos no campo de golfe pode ser 85 determi-
nado dia, mas o normal pode estar nos 72 pontos. O mesmo
se dá com a vida cristã. A experiência média dos membros da
igreja é bem diferente das normas do NT para a vida cristã.
O cristão normal caracteriza-se por reagir com amor à in-
gratidão e à indiferença, e mesmo à hostilidade, por ter ale-
gria em meio a circunstâncias infelizes e paz quando tudo dá
errado. O cristão normal vence a batalha contra as tentações,
obedece firmemente às leis de Deus e vê aumentar seu auto-
controle, contentamento, humildade e intrepidez. Seu pro-
cesso mental é tão controlado pelo Espírito Santo e instruído
pelas Escrituras que o cristão normal reflete as atitudes e o
comportamento de Jesus Cristo com autenticidade. Deus está
em primeiro lugar na vida desse cristão, e o bem-estar dos
outros tem precedência sobre os desejos individuais. O cris-
tão normal tem poder não só para viver piedosamente, mas
para realizar o serviço da igreja com eficiência. Acima de tudo,
ainda desfruta a companhia constante do Senhor.
E a experiência média do cristão, como é? Os membros da
igreja pensam e comportam-se de modo muito semelhante
aos não-cristãos de conduta moral reta. São respeitáveis, mas
não existe nada de sobrenatural neles. O comportamento de-
les é explicável pela hereditariedade, o ambiente em que fo-
ram criados e as circunstâncias presentes. Pendem-se às ten-
tações com mais frequência que resistem, entregam-se aos
166 5 perspectivas sobre a santificação

desejos quando o corpo tem necessidade, cobiçam o que não


têm, e gostam de receber crédito pelas conquistas. O que
motiva suas escolhas é o interesse próprio e, embora sintam
amor por Deus e pelos outros, esse amor não lhes domina a
vida. Melhoram pouco; aliás, a maioria dos membros de igre-
ja não espera que haja grande mudança e preocupa-se bem
pouco com isso. A Bíblia não provoca entusiasmo, a oração é
superficial, e o culto na igreja não revela quase nada de so-
brenatural. A vida dos membros da igreja, acima de tudo,
parece essencialmente vazia, pois não gira em torno de um
companheirismo pessoal e constante com o Senhor.

PARA RESOLVER 0 PROBLEMA

Quando se analisa qualquer problema espiritual, a maioria


deve convir que há iniciativas humanas e iniciativas divinas.
O papel de Deus é prover a salvação, e a responsabilidade
humana é recebê-la. Se a salvação abrange tudo o que Deus
faz para redimir o pecador, do contato inicial até a transfor-
mação final na perfeita semelhança de Cristo, certamente a
provisão da capacidade para viver uma vida cristã normal faz
parte da obra salvífica de Deus. Assim como nos outros ele-
mentos da salvação, o indivíduo é responsável por apropriar-
se, por meio da fé, da provisão de Deus.
Quando exploramos essa relação entre o papel de Deus e a
responsabilidade humana, e principalmente quando coloca-
mos em prática essa solução na vida, tendemos a salientar
um lado e a negligenciar o outro. Grande parte da polémica a
respeito da santificação, ou de como viver com êxito a vida
cristã normal, provém de enfatizar o papel de Deus e negli-
genciar o papel do homem, ou de ressaltar a responsabilidade
humana e minimizar a iniciativa divina. A postura de Keswick,
entretanto, procura encontrar um meio-termo e uma solução
equilibrada da perspectiva bíblica para o problema da subex-
periência cristã.

A POSIÇÃO DE KESWICK
A história e a mensagem de Keswick
Keswick (pronuncia-se sem o "w") é o nome de uma cidade
de veraneio na região dos lagos da Inglaterra, onde se reali-
238 5 perspectivas sobre a santificação

A experiência de enchimento contínuo do Espírito põe o


cristão em contato com Deus em diversas áreas. Em primeiro
lugar, o cristão deve entender a vontade de Deus revelada nas
Escrituras e a ela sujeitar-se. Ao mesmo tempo que o cristão
ganha experiência e maturidade e recebe uma revelação mais
completa da vontade de Deus, deve obedecer continuamente
às ordens bíblicas e sujeitar-se ao Espírito Santo; essas são as
condições para que o enchimento do Espírito continue. O cren-
te precisa saber distinguir entre orientação para a vida cristã
e revelação bíblica. Esta dá os princípios gerais e os padrões
morais de conduta, ao passo que a orientação é a aplicação do
ensino mais geral à vida pessoal.
Outro aspecto muito importante a que o cristão deve se
submeter é a obra providencial de Deus, que muitas vezes
inclui experiências indesejáveis, como tristeza, frustração e
decepção. Submeter-se ao tratamento providencial divino pro-
duz mais maturidade e discernimento quanto à verdade e aos
caminhos de Deus.
O exemplo máximo do enchimento do Espírito é dado pelo
próprio Cristo, na famosa passagem de Filipenses 2.5-11. Em
sujeição à vontade e ao plano de Deus, Cristo submeteu-se às
limitações de ser um homem na terra, aos sofrimentos e ten-
tações acarretados por essa condição e à suprema humilha-
ção de morrer na cruz pelos pecados do mundo. Essa passa-
gem faz três afirmações a respeito de Cristo: ele desejava fazer
a vontade de Deus, ser o que Deus escolheu que ele fosse e ir
para onde Deus o direcionasse. Esse alto padrão de conformi-
dade e sujeição à vontade de Deus é o exemplo e o modelo
para o cristão. O enchimento do Espírito, demonstrado por
Cristo da forma mais perfeita, só é possível se houver capaci-
tação e controle da vida pelo Espírito Santo.
Falando de forma realista, entretanto, sabemos que os cris-
tãos pecam. Essa experiência não anula a salvação de nin-
guém, nem faz que ninguém perca o Espírito Santo, mas ain-
da assim deve ser corrigida. Efésios 4.30 refere-se a essa
"

exigência quando Paulo ensina: Não entristeçam o Espírito


Santo de Deus [não continuem a entristecer], com o qual vo-
"

cês foram selados para o dia da redenção Esse texto mencio-


.

na a habitação do Espírito Santo como se ele fosse o selo de


Deus, a prova de sua posse e a tranquilidade e a segurança
que o crente encontra em Cristo. Visto que o Espírito Santo
168 5 perspectivas sobre a santificação

"
possibilidades práticas da fé. Cremos que a Palavra de Deus ensi-
na que a vida cristã normal consiste em obter regularmente vitória
sobre o pecado conhecido; e que nenhuma tentação nos é permiti-
da sem que Deus providencie uma forma de escape para que pos-
"

samos suportá-la. Keswick jamais se afastou dessa convicção.


Desde o começo até os dias de hoje, tem ensinado que a vida de
vitória e fé, de paz e descanso, é um direito que todo filho de Deus
tem por herança e pode usufruir [...] "não com longas orações e
"

esforço diligente, mas por um ato de fé deliberado e decisivo .

Keswick ensina que "a experiência normal do filho de Deus deve


ser de vitória, não de frustração constante, de liberdade, não de
' '
escravidão, de paz perfeita não de preocupação incansável. Mos-
,

tra que em Cristo há providência para vitória, libertação e descan-


so do crente, e isso não se pode obter pela luta de uma vida inteira
em busca de um ideal impossível, mas pela entrega pessoal a Deus
"
3
e por intermédio do Espírito Santo que habita o crente .

Numa das reuniões da convenção de 1980, H. W. Webb-


Peploe apresentou a diferença entre o ensino comum e este
"
numa frase concisa. Antes, eu esperava errar e me surpreen-
dia quando ocorria a libertação; agora, espero a libertação e
"

me surpreendo quando ocorre um erro 4 .

Embora essas afirmações tenham uma base teológica co-


mum e haja possibilidade de considerá-las um resumo da men-
sagem, a teologia de Keswick é sobretudo a principal tendên-
cia da teologia protestante. Dessa forma, foi possível extrair
liderança de praticamente todas as principais correntes de pen-
samento teológico. Portanto, os variados destaques de Keswick,
que podem ser mais bem entendidos com base no próprio mé-
todo de realização da conferência, são essenciais para o en-
tendimento da mensagem.

0 método de Keswick

Uma convenção de Keswick tradicional adota um tema es-


pecífico a cada dia. O primeiro dia ressalta o pecado. O pa-
drão divino de santidade e o fracasso humano são considera-
dos com os ouvintes visando abertamente promover uma
profunda convicção de pecado e necessidade espiritual.
No segundo dia, apresenta-se a provisão divina para a vida
cristã vitoriosa. A obra completa de Cristo traz mais do que
A perspectiva de Keswick 169

justificação - concede identificação. Na verdade, a união com


Cristo é considerada o centro da teologia paulina.

O capítulo 6 de Romanos é o capítulo do NT que expõe de forma


mais clara a doutrina da identificação do crente com Cristo em sua
morte e ressurreição. É impossível exagerar, creio eu, a importân-
cia desse capítulo para a doutrina da santificação. É dcertadamente
chamado de Carta Magna da alma e Lei Áurea do cristão.5

A provisão de Deus para a vida cristã vitoriosa pode ser


encontrada na obra perfeita e presença viva de Cristo e na
obra interior que o Espírito Santo realiza. Dos membros da
Trindade, é o Espírito que santifica o crente. Ele age contra-
pondo-se à atração para baixo exercida pelo pecado. Não eli-
mina a suscetibilidade ao pecado, nem substitui a responsa-
bilidade humana de crer e escolher. Antes, o Espírito exerce
uma força contrária que permite ao crente que confia e se
" "

entrega a Deus resistir com êxito à atração para baixo que


sua disposição natural exerce. Keswick não ensina a perfeição
do ser humano antes do estado eterno, mas a possibilidade
real de êxito na resistência à tentação de violar deliberada-
mente a vontade revelada de Deus.
O terceiro dia é absolutamente decisivo. O tema é a consa-
gração, e as pessoas são desafiadas, à luz dos próprios erros
e incapacidades e diante da provisão completa de Deus, a en-
tregar-se incondicionalmente a Deus. A máxima de Keswick,
"
Sem crises antes da quarta-feira", tem origem na convicção
de que as pessoas devem perceber sua total ruína e a abun-
dante provisão de Deus para poder aceitar corretamente o
desafio da entrega incondicional.
"

Vida no Espírito" é o tema do quarto dia. Esse tópico é mui-


to importante, pois o ensinamento mais característico de Keswi-
ck diz respeito ao direito adquirido por todo o cristão de viver
" "

uma vida plena no Espírito.6 Ser cheio aqui tem o sentido de


" "
ser controlado por As pessoas de coração obediente experi-
.

mentam a condição de ser cheias com o Espírito7. Ás vezes, faz-


" "

se distinção entre o estado normal de ser cheio ou controlado ,

" "

pelo Espírito, e a experiência da plenitude entendida como ,

um revestimento para uma ocasião especial. O Espírito Santo é a


provisão de Deus para a vida santa e o serviço eficiente.
No início, as convenções tinham esses quatro destaques
consecutivos: pecado, provisão de Deus, consagração e estar
170 5 perspectivas sobre a santificação

cheio com o Espírito. Muito cedo, porém, acrescentou-se um


quinto tema; serviço. A idéia desse último destaque era fazer
que os santos recém-preparados se voltassem para fora, para
sua responsabilidade de servir a Deus e aos outros no poder
do Espírito. Praticamente desde o início, porém, surgiu uma
ênfase especial no serviço, que logo se tornou a marca regis-
trada da Convenção de Keswick, isto é, missões, ou a evange-
lização mundial. Os voluntários para o serviço missionário
em pouco tempo eram milhares, e a convenção-mãe susten-
tou pelo menos financeiramente os que responderam ao cha-
mado divino na convenção e recebeu relatórios correspon-
dentes nos anos seguintes.

Equívocos secundários
Pelo fato de Keswick ser uma grande sociedade e abranger
pessoas de diferentes convicções teológicas, não surpreende
que tenham surgido diferenças entre os líderes, mesmo quanto
às doutrinas relacionadas à vida cristã. Contudo, em compa-
ração com os destaques do programa principal exposto ante-
riormente, essas diferenças são secundárias. No que diz res-
peito aos aspectos obscuros, não se deve procurar estabelecer
uma posição oficial de Keswick, pois ela não existe.

Capacidade de não pecar


Keswick tem sido sistematicamente acusado de ensinar a
perfeição cristã, a idéia de que é possível viver sem pecado. B.
B Warfield, por exemplo, em "The Victorius Christian Life" [A
.

vida cristã vitoriosa], capítulo final da obra Studies in Perfec-


tionism [Considerações sobre perfeccionismo], afirma que essa
é a postura de Keswick.8 Os líderes de Keswick desmentem
essas declarações de modo veemente, oficial e enfático.9 As
informações, entretanto, nem sempre são claras. Alguns ora-
dores de Keswick falam sobre o estado espiritual em que o
crente é capaz de não cometer pecado, posição normalmente
" "
considerada perfeição cristã .

Parece que o problema está na definição de pecado, como


muitas vezes é o caso das diferenças existentes entre teólo-
gos no que diz respeito à perfeição humana. O pecado é defi-
nido como a violação deliberada da vontade revelada de Deus?
A perspectiva de Keswick 171

Em caso afirmativo, a capacidade de não cometer esse tipo de


pecado está ao alcance de todo cristão, não como a capacida-
de extraordinária de um "supersanto", mas como a expectati-
va normal - na verdade, a prova indispensável - do cristia-
nismo genuíno. Keswick ensina que os cristãos, pelo poder
do Espírito que habita neles, têm a capacidade de escolher
não violar deliberadamente a vontade conhecida de Deus.
Mas será que pecado também significa qualquer carência
da glória de Deus? É errado o crente deixar a desejar quanto a
manifestar o glorioso caráter de Cristo na disposição e na ati-
tude? Será que cometo pecado quando não consigo amar como
Deus ama, quando não consigo ter domínio próprio, ser ale-
gre, humilde e corajoso como Jesus foi? Se a vida de Jesus é o
modelo da vida cristã, quem poderá alcançá-lo, ainda que por
um instante? Se a definição de pecado incluir essa deficiência
involuntária, então Keswick não ensina que ninguém tenha
nesta vida a capacidade de não cometer pecado. No entanto,
" "

uma vez que muito da ênfase na vitória se concentra no


campo da disposição, os preletores muitas vezes dão a im-
pressão de que a vitória compatível é possível, tanto a vitória
contra a tentação de cometer atos pecaminosos conscientes e
deliberados, quanto a vitória contra a deficiência nas atitudes
inconscientes. Contudo, o ensino "oficial" afirma que todo
crente nesta vida permanece com a tendência natural ao pe-
cado e cometerá o pecado se o Espírito Santo não exercer sua
influência de equilíbrio.

 velha natureza

Outra área de confusão secundária diz respeito ao incó-


modo problema da relação entre as inclinações naturais hu-
manas e a nova vida em Cristo. Alguns palestrantes de Keswick
defenderam a concepção de que a vida cristã é um campo de
batalha entre a velha e a nova natureza do indivíduo. O "velho
homem" e o "novo homem" da analogia bíblica são usados
para indicar a velha natureza, transmitida no nascimento, e a
nova natureza, recebida no novo nascimento. Essa interpre-
tação, todavia, não representa a posição principal do ensina-
mento de Keswick. Há um consenso de que a velha natureza,
denominada "carne" nas Escrituras, significa a disposição na-
tural para o pecado.10 O "homem natural" comporta-se dessa
172 5 perspectivas sobre a santificação

forma, assim como muitos cristãos. Afirma-se que esses cris-


tãos estão sob o jugo da escravidão, quando deveriam ser
livres pela união com Cristo na morte e ressurreição. Deveri-
am, desse momento em diante, reivindicar a liberdade e viver
de maneira condizente!
Acredita-se em geral que a "velha natureza" é incapaz de
melhorar,11 embora essa posição não seja defendida por todos.
O antídoto para a vida conformada com a disposição natural é
o poder de contraposição do Espírito.12 Por isso, ocorre uma
batalha. Além do "descansar na fé", existe o "lutar na fé". Não se
trata de um conflito entre a velha e a nova natureza, mas entre
a velha natureza e o Espírito Santo que habita o crente.13
O ensinamento de Keswick, portanto, abrange estas duas
áreas de equívoco secundário: o que significa dizer que "o
"

crente cheio do Espírito é capaz de não pecar ? E o que acon-


tece às velhas inclinações naturais do indivíduo na sua nova
vida? As respostas do movimento de Keswick não são nem
uniformes, nem claras. Por falta de um sistema detalhado da
teologia de Keswick, pode se expressar a chamada perspecti-
va de Keswick sobre santificação na medida em que ela for
compatível com os destaques fundamentais do movimento.
As seções a seguir representam essa tentativa.

SANTIFICAÇÃO
Santificar significa literalmente separar, e no contexto bí-
blico significa separar para Deus. Originariamente, essa sepa-
ração era tanto moral quanto ritual. Um objeto, como um vaso,
por exemplo, podia ser separado do uso comum para uso
exclusivo no ritual do templo. Era portanto considerado san-
to. Mas, por um lado, havia um significado mais profundo e
mais duradouro na separação do indivíduo do pecado e, por
outro, sua consagração a Deus. Alguém que seja separado do
pecado (santificado) é corretamente chamado de santo. É esse
sentido moral e teológico de santificação que está sendo estu-
dado neste livro.
Ser santificado é de extrema importância, pois, sem santifi-
cação, ninguém verá a Deus (Hb 12.14). Isto é, enquanto não se
tratar do problema do pecado, ninguém está apto a associar-se
com um Deus santo, um Deus completamente isento de peca-
do e que, além disso, não pode tolerar nenhum tipo de pecado.
A perspectiva de Keswick 173

Contudo, Deus não é apenas santo; acima de tudo, ele é


um Deus de amor, e portanto seu maior desejo para com o
ser humano é trazê-lo de volta à comunhão plena e amorosa
consigo. Mas existe uma barreira: o pecado. Para que haja com-
pleta união de coração, é necessário que duas pessoas este-
jam em harmonia de espírito. Devem ter os mesmos propósi-
tos, as mesmas perspectivas e o mesmo estilo de vida. Se um
for pecaminoso e o outro santo, que tipo de unidade pode
existir? A visão que eles têm do mundo está totalmente em
conflito. Por isso, para que o propósito máximo da existência
seja alcançado, isto é, viver em unidade amorosa com Deus,
temos de eliminar a barreira do pecado. O processo de elimi-
nação se chama santificação e ocorre em três estágios, que
são obra da graça do próprio Deus.
O primeiro passo é a santificação posicionai [inicial], em
que o pecador é separado do pecado para tornar-se proprie-
dade exclusiva de Deus. A separação do pecado ocorre de três
formas:

a) Em primeiro lugar, a pessoa é perdoada, de forma que a


consequência do pecado, a punição eterna, é eliminada.
b) Em segundo, a pessoa é justificada para remoção da
culpa, da lembrança pecaminosa. Deus não vê mais essa
pessoa como um pecador fraco, obstinado, falho, mas
como alguém puro e imaculado como seu Filho Jesus.
Esses dois aspectos da santificação posicionai são ju-
diciais, ou seja, um acordo entre o Pai e o Filho que
declara o perdão ao pecador e o torna justo diante de
Deus.
c) Em terceiro lugar, a pessoa perdoada e justificada é re-
generada, ou libertada da autoridade controladora de
uma disposição pecaminosa. Alguns consideram essa
etapa parte da santificação prática, já que se trata mais
de uma condição a ser vivida que da concessão de um
ato legal, como no caso do perdão e da justificação. Eu
a incluo na santificação posicionai, uma vez que faz
parte do processo inicial da salvação e resulta numa
posição que é a condição de todo crente verdadeiro. A
mudança é tão radical que se compara ao nascimento
(Jo 3) ou à morte (Rm 6). Ainda que se mantenha a mes-
ma personalidade humana, como no caso do nascimen-
to ou da morte, na regeneração ocorre uma passagem
174 5 perspectivas sobre a santificação

para uma dimensão totalmente diferente da vida hu-


mana, com características totalmente diversas para o
ser humano. O pecado é a característica predominante
dos que vivem separados de Deus. Eles não têm vonta-
de nem força para escolher o certo ou para mudar sua
condição. Pela união com Deus, o processo é contrari-
ado, e o certo começa a prevalecer. O poder da nova
vida pode triunfar sobre a disposição pecaminosa. Os
cristãos podem até não viver dessa forma, mas essa é
sua verdadeira posição e potencial.

Nesses três aspectos, todo crente foi santificado por meio


da morte expiatória de Cristo (Hb 10.10), foi feito santo (Ef 4.24)
e, por isso, é chamado legitimamente de santo (ICo 1.2; 6.11).
Nem todos os crentes vivem de forma santa, como é eviden-
te, mas todos os crentes verdadeiros são santos, foram liber-
tados oficialmente da condenação resultante do pecado, da
culpa imposta e da tirania da disposição pecaminosa. Esse
"

primeiro elemento da santificação é chamado de santificação


"

posicionai pois é a condição desfrutada por todo filho ver-


,

dadeiro de Deus.
O segundo elemento da santificação chama-se "santifica-
"
ção prática que é a manifestação exterior da posição oficial
,

do crente no dia-a-dia. A santidade é mais que uma condição


legal; significa ser salvo de atitudes e ações pecaminosas. Os
filhos são disciplinados para experimentarem um pouco da
santidade de Deus (Hb 12.10). Somos convocados a comple-
tar, ou aperfeiçoar, o nível de santidade que temos (2Co 7.1).
Esse processo de santificação é disponível a todos os que se
acham, pela graça de Deus, na posição de separados do peca-
do para serem propriedade de Deus.
Finalmente, existe a santificação completa e permanente,
que ocorrerá quando o crente for transformado à semelhança
de Jesus - quando "o veremos como ele é" (IJo 3.2). Essa
"

condição final, comumente chamada glorificação


"

,
é um es-
tado de santificação completa em que o crente não é mais
tentado pelo pecado nem é suscetível a ele.
Embora existam esses três sentidos, no projeto divino de
transformar pessoas imperfeitas em santos, a doutrina da
santificação concentra-se no segundo: como o crente pode se
libertar dos pensamentos e atos pecaminosos? Por que o cris-
tão médio não é muito consagrado, não reflete nitidamente o
A perspectiva de Keswick 175

caráter de Cristo, leva uma vida muito parecida com a de qual-


quer pessoa não-cristã de bons princípios e faz uso de prati-
camente os mesmos recursos que o não-crente para isso?

A CAUSA DA SUBVIDA CRISTÃ: INCREDULIDADE

A Bíblia reconhece uma diferença básica entre os cristãos.


Há distinção entre os crentes carnais, que agem como pesso-
as não-convertidas, e os crentes espirituais, cuja vida é domi-
nada pelo Espírito de Deus (ICo 3.1-3). Todo cristão é habita-
do pelo Espírito Santo (Rm 8.9), mas apenas alguns são "cheios
do Espírito". As Escrituras falam de cristãos imaturos (ou in-
fantis) e de cristãos maduros (Hb 5.11-6.3). Mais do que ma-
nifestar apenas diferenças no nível de crescimento espiritual,
a vida do crente revela diferenças qualitativas: alguns têm um
padrão de vida marcado por derrotas, enquanto outros têm
um padrão caracterizado pelo sucesso espiritual.
Certa vez, um aluno me perguntou: "Por quanto tempo al-
"

guém pode ser carnal? Uma pergunta muito interessante!


.

Talvez ele quisesse dizer: "Por quanto tempo alguém pode


"

viver no pecado sem perder a salvação? ou "Por quanto tem-


po alguém pode viver no pecado até que comprove que nun-
"

ca pertenceu à família de Deus? Ou será que ele tinha a espe-


.

rança de poder escolher uma estrada inferior e seguir por ela


o tempo todo e ainda assim chegar ileso a casa? Essa questão
deixa perplexos crentes sinceros, fascina teólogos e divide o
cristianismo. As Escrituras, entretanto, não nos dão opinião
sobre o assunto. Embora a questão da segurança eterna seja
importante, sou estimulado pela abordagem bíblica do pro-
blema do cristão que vive em pecado a supor que, para fins
pastorais (ou evangelísticos), na busca de recuperar o indiví-
duo atolado na lama da subexperiência cristã, pode ser legíti-
mo deixar de lado a questão, por enquanto.
A Bíblia trata das pessoas na condição em que estão e só
raramente dá resposta aos problemas teóricos que nos afli-
gem. Por exemplo, para animar os santos que desejam arden-
temente agradar a Deus, a Bíblia renova-lhes a confiança de
maneira abundante. Nada poderá separá-los de Deus (Jo
10.28,29; Rm 8.31-39) e eles certamente completarão seu ca-
minho com sucesso por meio da graça (Fp 1.6). Porém, para
os que constante e deliberadamente rejeitam a vontade reve-
176 5 perspectivas sobre a santificação

lada de Deus, as Escrituras apresentam não confirmação, mas


advertências terríveis.

Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher


uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas? Semelhante-
mente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos
ruins. A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim
pode dar frutos bons. Toda árvore que não produz bons frutos é
cortada e lançada ao fogo. Assim, pelos seus frutos vocês os reco-
"
nhecerão. Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará
no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a vontade de meu Pai
'
que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor,
não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos
demónios e não realizamos muitos milagres?' Então eu lhes direi
claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que pra-
ticam o mal! (Mt 7.16-23).

Todo aquele que nele permanece não está no pecado. Todo aque-
le que está no pecado não o viu nem o conheceu. [...] Aquele que
pratica o pecado é do Diabo [...]. Desta forma sabemos quem são os
filhos de Deus e quem são os filhos do Diabo: quem não pratica a
justiça não procede de Deus, tampouco quem não ama seu irmão.
[ ] Sabemos que já passamos da morte para a vida porque amamos
...

nossos irmãos. Quem não ama permanece na morte (IJo 3.6,8,10,14).

Essas e muitas outras passagens (e.g., Mt 23; 25.31-46; Jo


15.2,6; Hb 3.6-19; 6.1-8; 10.26-31) mostram claramente a po-
sição das Escrituras ao dirigir-se ao pecador: o arrependimento
é a única opção.
Como, então, conciliar as duas correntes de ensino? Os
membros da igreja que vivem no pecado estão salvos ou per-
didos? Será que já foram salvos? Eu tenho minhas opiniões -
mesmo convicções - quanto à resposta a algumas dessas per-
guntas, mas, já que o Espírito Santo não achou necessário res-
ponder-lhes diretamente nas Escrituras, não me sinto obriga-
do a fazer isso em relação ao debate do problema de cristãos
declarados que vivem no pecado. Em vez de brincar de Deus
e tentar especular sobre a questão, é melhor responder à per-
gunta básica que precisa ser levantada: O que devo fazer para
ser salvo? Qualquer que seja a condição da pessoa diante de
Deus, se, nesse momento, ela não tem um bom relacionamento
com ele, deve passar a ter. Se continuar rejeitando a vontade
A perspectiva de Keswick 177

revelada de Deus e sentindo-se bem nessa posição, posso ga-


rantir-lhe, com base na autoridade das Escrituras, que não há
base bíblica para ter nenhuma garantia de salvação. Sua única
opção é o arrependimento. Assim como uma pessoa perdida
pode fazer o certo (At 10.4,35), mas não pode escolher fazer o
certo (Rm 8.7,8), do mesmo modo uma pessoa salva pode fa-
zer o que é errado (Tg 3.2; IJo 1.8), mas não pode escolher
fazer o errado (IJo 3).
Juntamente com essas verdades, entretanto, fica evidente
nas Escrituras que existem crentes pecadores (ICo 8.12; 15.34;
ITm 5.20; IJo 5.16), muitos dos quais levam uma vida pareci-
da com a das pessoas do mundo e que optaram por uma vida
cristã inferior. Não sei por quê, o quadro retratado pelo NT de
uma qualidade de vida sobrenatural alcançada pelo poder do
Espírito parece frustrá-los. Quais os motivos para isso?

Ignorância
Paulo protesta: "Vocês não sabem?" (Rm 6.16). Seus leitores
deviam saber o que ocorreu quando se aproximaram de Cris-
to e deveriam saber viver de forma piedosa - mas talvez não
soubessem. Então, Paulo explica. Na verdade, o grande nú-
mero de ensinos bíblicos referentes à santificação implica que
é possível ser ignorante sobre o tema, e que é preciso apren-
der o que é certo e o que é errado, e como fazer o certo.
Entretanto, existe pouco ensino direto sobre o problema
da ignorância, principalmente como motivo para alguém dei-
xar de levar uma vida cristã normal. Talvez esse problema
ocorra por haver responsabilidade moral para a ignorância. O
novo convertido pode ser desculpado pelo desconhecimento
e pelo comportamento espiritual infantil (Hb 5.11-6.3), mas
manter-se nessa condição não somente é desnecessário, como
também é errado (2Pe 1.5-9,12,13,15; 3.1,2). Em outras pala-
vras, até certo ponto os crentes são responsáveis pelo desco-
nhecimento de sua condição cristã inferior, da provisão divi-
na da vida cristã vitoriosa e da própria responsabilidade de
apropriar-se dessa provisão. Se esses crentes reagirem à luz
que têm, Deus lhes proverá todas as informações necessárias
para continuarem progredindo na vida cristã normal.
Contudo, ao afirmar isso reconheço que muitos cristãos
nunca tiveram acesso ao ensino sobre a possibilidade e a
178 5 perspectivas sobre a santificação

necessidade de viver em triunfo. Tais pessoas precisam de


instrução. No momento em que recebem esclarecimento so-
bre esse assunto, a raiz do fracasso fica explícita. Se a raiz do
problema for a ignorância, haverá resposta imediata à nova
informação que será aceita e posta em prática. Por outro
,

lado, se durante todo o tempo a verdadeira razão foi a deso-


bediência ou a incredulidade disfarçada na desculpa do des-
conhecimento, haverá resistência a qualquer exortação ao ar-
rependimento, ou a confiar em Deus para alcançar uma
qualidade de vida radicalmente diferente. Pelo fato de a ig-
norância das possibilidades e dos recursos ser uma razão
comum de expectativas frustradas na vida cristã o povo de ,

Deus necessita de instrução constante. Entretanto a causa ,

mais comum e mais fundamental para o fracasso é a incre-


dulidade.

Incredulidade

Quando falo de incredulidade, refiro-me à falta da única


resposta aceitável para Deus. A fé bíblica tem dois aspectos ,

um é o mais passivo, que implica confiança e fé e o outro, ,

mais ativo, implica obediência. No AT, fé podia ser traduzida


com mais precisão por fidelidade na maioria dos casos uma ,

vez que o objetivo a ser alcançado era a resposta obediente a


Deus. A palavra mais comum era temor ou temor reverenciai
,

- o amém incondicional da alma a Deus a expressão da mes- ,

ma exigência fundamental para qualquer relação aceitável


entre criatura e Criador.
No NT, o aspecto subjetivo da confiança é predominante
nos escritos de João e de Paulo mas a idéia primordial de
,

obediência jamais se perdeu. Na verdade, foi esquecida por


alguns, mas Paulo os admoestou contra essa interpretação
equivocada. Tiago, principalmente explorou profundamente
,

a relação entre obediência e confiança como aspectos da fé


salvadora. Embora sejam dois aspectos de um único ato res-
ponsivo, às vezes um deles sobressai pela ausência (ou pre-
sença) de um em relação ao outro. Entretanto, na procura da
origem da vida cristã de atitudes e de conduta aquém do nor-
mal, muitas vezes é útil fazer distinguir entre desobediência
e falta de confiança.
2S2 5 perspectivas sobre a santificação

277). Não creio que essa perspectiva faça jus ao ensino paulino.
Entendo que "velha criação" se refira à pessoa inteira escravi-
zada pelo pecado - essa pessoa toda que nós cristãos já não
"

somos mais (Rm 6.6; Cl 3.9). Nova criação" refere-se à pessoa


inteira governada pelo Espírito. É desse novo homem que o cren-
te se revestiu e está sendo continuamente renovado (Cl 3.10).
Os crentes, entretanto, devem enxergar-se novas pessoas que
estão sendo progressivamente renovadas - genuinamente
novas, mas ainda não completamente novas. (O fundamento
bíblico para essa concepção de novo e velho homem encon-
tra-se no capítulo que escrevi, nas páginas 87-92.)
Outro ponto de divergência que tenho com o ensino de
Walvoord é a interpretação de Romanos 7.14-25. Ele acredita
que essa passagem fale da luta da pessoa regenerada contra o
pecado. Ele cita um artigo de 1962 que escrevi, no qual apóio
essa perspectiva. Porém, mudei de opinião. Agora entendo
essa passagem, com base na perspectiva da pessoa regenera-
da, como a descrição de alguém que ainda não foi regenerado
(por exemplo, um fariseu não-convertido) que luta contra o
pecado apenas com a força da lei, sem o auxílio do poder do
Espírito. Reconheço, entretanto, que essa posição não é a in-
terpretação reformada mais usual. Devo acrescentar que a idéia
de cristão como nova criação não é apoiada nem desmentida
por essa interpretação de Romanos 7.14-25.
Qual é o fundamento bíblico para essa interpretação? Em
primeiro lugar, Romanos 7.14-25 reflete a condição retratada
"
no versículo 5, e dele decorre: Pois quando éramos controla-
dos pela carne, as paixões pecaminosas despertadas pela Lei
atuavam em nosso corpo, de forma que dávamos fruto para a
"
morte .Esse versículo fala, obviamente, da pessoa não-rege-
nerada, em comparação com a regenerada dos versículos 4 e
6 O versículo 13 afirma: "Para que o pecado se mostrasse
.

como pecado, ele produziu morte em mim por meio do que


"
era bom Esse versículo retrata o mesmo tipo de pessoa do
.

versículo 5 (a saber, a pessoa não-regenerada). Observe as


analogias: as paixões pecaminosas despertadas pela Lei pro-
duziram fruto para a morte (v. 5), e o pecado, mediante o que
era bom (i.e., a lei), produziu morte (v. 13). Os versículos 14 e
15, que iniciam essa passagem controvertida, usam a con-
junção pois duas vezes (v. o texto grego). Com essa conjun-
ção, Paulo relaciona o que acaba de mencionar e o que vem em
180 5 perspectivas sobre a santificação

essa autoconfiança é uma falta comum na maioria dos mem-


bros sinceros das igrejas. Tiveram um começo "pelo Espíri-
to", como diz Paulo, mas agora tentam tolamente viver a vida
cristã segundo seus próprios esforços. Entretanto, assim como
é inútil buscar a salvação pelos próprios esforços, também é
impossível obter piedade sozinho. Se foi necessário iniciar
"

por intermédio do poder do Espírito, pelo poder do Espírito


"

perseveramos em nossa jornada de peregrinos (Gl 5.25, pa-


"
ráfrase do autor). Portanto, assim como vocês receberam Cris-
to Jesus, o Senhor, continuem a viver nele" (Cl 2.6). O primei-
ro passo em direção à normalidade para muitos cristãos é
abandonar o esforço próprio como caminho para o sucesso e
reconhecer que só Deus pode realizar essa tarefa.
Identificamos a desobediência e a falta de confiança como
os motivos por que a maioria dos cristãos permanece na sub-
condição de derrota e miséria espiritual. Esses motivos refle-
tem a enfermidade comum da incredulidade, para a qual é
necessária a cura da fé.

ACURA PARA A DERROTA ESPIRITUAL: FE

Em primeiro lugar, é importante reafirmar que existe cura.


Existe de fato libertação do estado deplorável de servidão ao
pecado e do fracasso: ela procede de Cristo, o Senhor (Rm
7 . 24,25). É possível viver no Espírito e não satisfazer a dispo-
sição para o pecado, ser mais do que vencedores em Cristo e,
dessa forma, participar "de toda a plenitude de Deus" (Ef 3.19).

Àquele que é poderoso para impedi-los de cair e para apresen-


tá-los diante da sua glória sem mácula e com grande alegria, ao
único Deus, nosso Salvador, sejam glória, majestade, poder e auto-
ridade, mediante Jesus Cristo, nosso Senhor, antes de todos os
tempos, agora e para todo o sempre! Amém (Jd 24,25).

Quando a Bíblia aborda o problema de cristãos fracassados


e propõe um caminho melhor, indica o momento em que a
"

pessoa encontrou a graça salvadora. Da mesma forma, con-


siderem-se mortos para o pecado, mas vivos para Deus em
Cristo Jesus" (Rm 6.11). Na verdade, o principal texto bíblico
sobre o assunto, Romanos 6, indica repetidamente a experiên-
cia inicial, a santificação original, quando o pecador foi salvo do
pecado. Reconheça e apóie-se no que já aconteceu, diz Paulo.
A perspectiva de Keswick 181

O problema dos cristãos que se comportam de forma se-


melhante aos incrédulos é apresentado em ICoríntios 3. Qual
é a solução? Paulo menciona o momento do "plantio", quando
"

o alicerce foi originariamente estabelecido: Vocês não sabem


que são santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em
"
vocês? (v. 16). Paulo repreende os crentes de Corinto que
viviam em pecado, mas não os exorta a procurar nenhum tipo
de experiência que ainda não tivessem vivido. Em vez disso,
"

chama atenção para a salvação: Examinem-se para ver se vo-


cês estão na fé; provem-se a si mesmos. Não percebem que
Cristo Jesus está em vocês? A não ser que tenham sido repro-
"
vados! (2Co 13.5).
Pedro exulta com o fato de Deus ter-nos dado, por meio de
Cristo, todos os recursos necessários para a vida e a piedade.
Depois de falar da maravilhosa vida que o cristão tem, o após-
tolo reconhece que nem todos os cristãos desfrutam essa vida.
O que fazem, então? "Todavia, se alguém não as tem, está cego,
só vê o que está perto, esquecendo-se da purificação dos seus
"

antigos pecados (2Pe 1.9).


Não conheço nenhuma exceção à solução provida no ensi-
no dos autores neotestamentários para os cristãos que vivem
no pecado, derrotados e fracassados. Essa solução é o retor-
no ao que ocorreu no momento da salvação. Esses crentes
foram levados da morte para a vida, unidos a Cristo e habita-
dos pelo Espírito.
As Escrituras tratam desse modo o fracasso porque o suces-
so na continuidade da vida cristã, assim como o sucesso ao
iniciá-la, não depende do domínio de algum sistema doutriná-
io complexo nem do recebimento de alguma experiência eso-
r

térica extra, mas do relacionamento com uma pessoa. Esse


relacionamento é tão simples que até uma criança pode enten-
der e experimentar. (Talvez apenas as crianças consigam fazer
isso!) A fé simples é o segredo, seja para a salvação inicial, seja
para a libertação posterior, ou mesmo para a santificação posi-
cionai ou a prática. A relação de aliança (ou contratual) de fé é a
solução para o problema do pecado - para o pecador não-
redimido e também para o redimido.
Embora a doutrina correta e a experiência de transforma-
ção de vida sejam extremamente importantes, a chave para
solucionar o problema da subvida cristã encontra-se no rela-
cionamento pessoal. Aqueles que estão confusos pelas con-
182 5 perspectivas sobre a santificação

trovérsias doutrinárias que dão voltas em torno de um as-


sunto, bem como os que se sentem inseguros quanto às ex-
periências passadas, ou frustrados pela incapacidade de re-
produzir a experiência de outros, devem tão-somente avaliar
sua relação atual com Deus. Jesus Cristo é o Senhor de sua
vida? Se for, ele assumirá a responsabilidade de transformar
o cristão fracassado num indivíduo vitorioso. Se, porém, esse
contrato inicial de fé foi violado, não há necessidade de bus-
car uma experiência nova ou diferente. A aliança inicial preci-
sa ser confirmada. E assim como no arrependimento, em que
crentes pecadores receberam vida pela graça de Deus, o cren-
te confiante que se entrega a Deus receberá vida em abundân-
cia pela graça de Deus.
A fé é necessária porque Deus é necessário. As pessoas não
podem salvar nem santificar a si mesmas. Deus é necessário
para libertar do pecado e para dar o êxito na vida cristã. Sabe-
doria e poder, entretanto, não se recebem automaticamente.
Deus não impõe suas bênçãos às pessoas que não as dese-
jam. Logo, se alguém deseja receber algo de Deus, deve confiar
nele para isso (Tg 1.6,7). As pessoas autoconfiantes podem
conseguir tudo o que seus recursos são capazes de produzir,
mas esses recursos não podem produzir reconciliação com
Deus nem vida piedosa. A pessoa que confia em Deus, por outro
lado, tem à sua disposição os recursos são capazes de divinos.
O objeto de nossa fé, portanto, é de extrema importância.
Algumas pessoas perdem-se por confiar em experiência
ou sentimento pessoal. Naturalmente, a resposta amorosa a
Deus e a consequente experiência genuína são essenciais, mas
nem a experiência passada, nem a emoção presente devem
substituir o objeto da fé. Outras pessoas têm fé na fé - o que
importa, dizem, não é aquilo em que você crê, mas se você
crê. Esses deuses são falsos. O próprio Deus deve ser o objeto
da fé se quisermos receber suas bênçãos.
Portanto, a fé é o segredo para tomar posse da provisão
divina para a vida cristã bem-sucedida. Não se pode viver a
vida cristã sem essa provisão. Por meio da fé, somos perdoa-
dos e recebemos a vida do Espírito.
Depois disso, enquanto continuamos confiando em Deus
Espírito Santo, os meios de graça tornam-se ativos em nossa
vida. Embora o Espírito nos tenha dado a Bíblia, temos de nos
aproximar dela com fé, de outra forma ela se transforma num
A perspectiva de Keswick 183

meio de destruição, não de bênção. Repito: não sabemos orar


como convém, mas, quando confiamos no Espírito e oramos
confiantes em sua capacitação, esse meio de graça passa a ser
eficaz. O mesmo ocorre com a igreja e os outros meios de
graça. A fé aciona o interruptor, libera a corrente de poder
divino. Sem fé não existe corrente elétrica, não existe poder.

0 que é a fé
Frequentemente distingue-se entre a fé do coração (emoci-
onal) e a da mente (racional). Diz-se que a pessoa pode crer
racionalmente em fatos a respeito de Deus e, apesar disso se ,

não tiver confiança no coração, estará a meio metro de dis-


tância da salvação. Essa distinção, todavia não é bíblica. Fe-
,

lizmente. Afinal, como se pode distinguir teologicamente -


sem falar na perspectiva psicológica e anatómica - entre as
atividades racionais e emocionais da mente? A Bíblia faz dis-
tinção, sim, mas apenas entre a fé do coração e a confissão
dos lábios (e.g., Mt 15.7-9), entre o que se pode chamar de fé
verdadeira e fé falsa.

Féfâhâ

A fé falsa pode ser a que se deposita num objeto errado. Se


confio nas experiências do passado, em meus recursos, ou
nas promessas de que me aproprio de forma errada, não te-
nho a fé salvadora e santificadora. Mais uma vez, algumas
pessoas podem enganar-se crendo que confiam em Deus,
quando na verdade confiam em sua própria bondade. Por
exemplo, se a motivação de alguém é sua própria glória em
"

vez da glória de Deus, essa fé" é na verdade presunçosa (Jo


5 44), e presunção é uma forma de fé falsa.
.

Outro tipo de fé falsa é a incompleta, parcial. A fé salvadora


e santificadora envolve todo o ser, incluindo intelecto, emo-
ções e vontade. Ou seja, a verdadeira fé envolve entendimen-
to, amor e decisão. Se faltar algum desses elementos, é uma fé
inadequada. Muitos crentes vivem uma vida de fracasso por-
que, embora creiam nos fatos e tenham entusiasmo pelo Se-
nhor Jesus e pesar pelos erros que praticam, não fazem as
escolhas exigidas por Deus.
184 5 perspectivas sobre a santificação

Definição de fé
Alguns acham que fé é um dom miraculoso do Espírito
Santo que contraria as provas. Outros adotam a posição con-
trária de que a fé é induzida por provas convincentes, como,
por exemplo, a Bíblia, provas filosóficas ou a experiência. Se-
"

gundo Charles Hodge, chamado por alguns de o príncipe


dos teólogos", fé é a persuasão da verdade fundamentada no
testemunho.14 Ele usa a palavra persuasão, e não prova. Tam-
bém emprega a palavra testemunho. Provas históricas são di-
ferentes de provas matemáticas ou de fatos cientificamente
observáveis. A persuasão baseia-se em provas, naturalmen-
te, mas é a prova do testemunho - no caso das Escrituras, o
testemunho dos profetas e dos apóstolos. Há muitas razões
para considerar esse testemunho completamente digno de
confiança: o caráter dos que o prestaram, a unidade do tes-
temunho, seu conteúdo e assim por diante. Contudo, a pro-
va, por si só, não induz à aceitação. A obra do Espírito Santo
é necessária e, dessa forma, a fé é um dom miraculoso que
confirma as provas e até leva o indivíduo para além das pro-
vas, se necessário. A obra do Espírito não contradiz as evi-
dências, nem é uma "opinião" baseada em provas científicas
irrefutáveis.
A fé é ao mesmo tempo dom de Deus (Ef 2.8) e responsabili-
dade nossa. De que maneira a soberania de Deus, a autoridade
autónoma e nossa responsabilidade de crer se relacionam en-
tre si, as Escrituras não esclarecem. O que a Bíblia deixa claro,
entretanto, é que devemos responder com fé obediente para
receber as promessas da salvação. Em resumo, a fé é a decisão
de dedicar-nos total e incondicionalmente à pessoa de Deus,
revelada na Bíblia e testemunhada pelo Espírito Santo (ICo 2.14;
Rm 10.17).

Níveis de fé

Existem níveis de fé? A fé deve ser absoluta para ser eficaz?


Ao que parece, as Escrituras respondem tanto sim quanto não
a essas perguntas. Quando os discípulos pediram que Jesus
lhes aumentasse a fé, este respondeu que até a menor fé seria
suficiente (Lc 17.5,6). Nesse aspecto qualquer medida de fé é
suficiente, uma vez que não é a fé em si que salva, mas o
A perspectiva de Keswick 185

objeto a que ela se dirige. Alguém pode ter muita fé em cima


de uma camada de gelo fina e cair na água, mas pode ter uma
fé fraca sobre uma grossa camada de gelo e salvar-se.
Por outro lado, Paulo fala de medidas de fé, o que indica que
existem diferentes níveis de fé (Rm 12.3-8). O pai do menino
"
endemoninhado exclamou: Creio, ajuda-me a vencer a minha
incredulidade!" (Mc 9.24). A medida de fé necessária para que o
poder de Deus opere relaciona-se com os três aspectos da fé
apresentados anteriormente. O entendimento intelectual dos
fatos pode ser inadequado. Determinada pessoa pode não sentir
a emoção da segurança confiante, nem a paz no coração, sobre
essa questão. No entanto, se essa pessoa decidir agir em obe-
diência a Deus e começar a responder à vontade conhecida de
Deus, essa decisão é fé salvadora, ou fé santificadora. Essa pes-
soa pode sentir-se um pouco insegura, ficar com medo e ser
incapaz de prever o resultado do passo de obediência. A ques-
tão principal, porém, é: "Qual é a resposta da vontade?".

Provas de fé e de incredulidade

A pessoa que vive pela fé pode ter - na verdade, deve ter


- paz interior comportamento semelhante ao de Cristo, uma
,

profissão de fé doutrinariamente correta, convicção e segu-


rança inabaláveis. Nenhuma dessas características, porém, é a
prova principal da fé suficiente. É possível sentir paz interior
com a confiança dirigida para o objeto errado - como ocorre
com os seguidores de falsos deuses e também com alguns cris-
tãos que confiam em certas promessas bíblicas das quais se
apropriam indevidamente. Repito o que foi dito anteriormen-
te: o estado emocional pode variar segundo as mudanças ocor-
ridas no estado de saúde e das circunstâncias.
O caráter semelhante ao de Cristo é resultado da fé verda-
deira. Por outro lado, nem todo caráter resulta da fé bíblica. É
perfeitamente possível alguém em circunstâncias ideais cul-
tivar um grau admirável de integridade pessoal e bom com-
portamento sem o poder regenerador de Deus. Quanto à dou-
trina correta, até os demónios conhecem a verdade.
A prova mais importante de fé, como vimos, é o compro-
misso irrestrito de fazer a vontade de Deus. A obediência pode
não evidenciar fé madura nem completa, mas certamente é
prova da existência de alguma fé. Abraão provou ter fé pela
220 5 perspectivas sobre a santificação

ultraje do comportamento, pelo qual a mente é atraída e presa,


mesmo contra sua vontade; merecendo ficar assim presa porque
"

cai nessa situação com tanto desejo. Miserável homem que eu


"

sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte senão sua ,

graça, por meio de Jesus Cristo nosso Senhor?6

Nesse ponto das Confissões, Agostinho não deixa claro se


estava falando da experiência anterior ou posterior à salva-
ção. Nos escritos seguintes, entretanto, Agostinho assumiu
definitivamente a posição de que essa passagem de Romanos
refere-se à luta interior do cristão.7
Charles Hodge apóia essa interpretação. Com referência a
Romanos 7.14-25, comenta por fim que Agostinho e outros
sustentavam que essa passagem se refere ao cristão que ain-
da está sob a lei, não a alguém que ainda não foi salvo. De
acordo com Hodge,

Parece que nos três primeiros séculos os pais da igreja em


geral concordavam que essa passagem era a descrição da experi-
ência de alguém que ainda está sob a lei. Até Agostinho concordou
a princípio que essa perspectiva estava certa; porém, como a com-
preensão mais profunda do próprio coração e a investigação mais
acurada das Escrituras o levaram a mudar de opinião com relação
a muitos outros assuntos, isso provocou também uma mudança
quanto ao tema. Essa alteração da perspectiva doutrinária não pode
ser atribuída à polémica com Pelágio, pois ocorreu muito antes de
começar a controvérsia. Deve ser atribuída à experiência religiosa
e ao estudo da Palavra de Deus. Os escritores da Idade Média em
geral concordavam com a perspectiva agostiniana posterior no
que diz respeito a esse e a outros assuntos. Na época da Reforma, a
diversidade inicial de opiniões concernentes ao tema, assim como
em todos os outros temas ligados a ele, rapidamente se tornou
manifesta. Erasmo, Sócinos e outros fizeram renascer a opinião
dos pais gregos da Igreja, enquanto Lutero, Calvino, Melanchton,
Beza e outros, aderiram à interpretação oposta.8

Hodge defendia que a perspectiva presente nessa passa-


gem aplica-se de certa forma aos cristãos e observa que, de
modo geral, os calvinistas assumiram essa posição, enquanto
"

os arminianos não. Para Hodge, essa diferença é na verdade


produto das diversas perspectivas da doutrina bíblica do es-
tado natural do homem".9
Réplica

REFORMADA

a HcQuilkin

Anthonv A. Hoekema

Concordo com muito do que J. Robertson McQuilkin apre-


senta em seu capítulo. Valorizo a ênfase que ele dá à vitória -
o NT define a vida cristã como uma vida de vitória (Rm 8.37;
IJo 5.4). Também gosto quando ele insiste que a união com
Cristo é o cerne da teologia paulina e ressalta a importância
de ser cheio do Espírito. Concordo que a vida de santidade é o
propósito da salvação. Estou de acordo com a afirmação de
McQuilkin de que o crente ainda tem tendência ao pecado e
que não lhe é possível viver sem pecado nesta vida.
Também concordo quando McQuilkin afirma que alguns
cristãos, talvez muitos, precisam renunciar à própria vonta-
de entregando-se totalmente ao Senhor algum tempo depois
da conversão. Os coríntios que estavam vivendo na carne (ICo
3 1-3) certamente tinham essa necessidade assim como a igre-
.
,

ja de Éfeso (Ap 2.4). Discordo, entretanto, que uma experiên-


cia crítica específica como essa e posterior à conversão deva
ser programada na vida da maioria dos crentes (p. 187).
Tenho mais problemas neste capítulo em duas áreas. A
primeira é a definição de pecado. Na página 168, McQuilkin
cita, como uma verdadeira representação da posição de
Keswick, a seguinte afirmação: "Cremos que a Palavra de Deus
ensina que a vida cristã normal consiste em obter regular-
"

mente vitória sobre o pecado conhecido Na página 189, en-


.

tretanto, "de acordo com a Bíblia, pecado é qualquer carência


da gloriosa perfeição do próprio Deus (e.g., Rm 3.23)". Com
188 5 perspectivas sobre a santificação

Em primeiro lugar, a distinção entre pecado deliberado e


involuntário é bíblica? Ainda que os ensinamentos bíblicos
que tratam diretamente do assunto sejam limitados, eles exis-
tem e são úteis para resolver alguns dilemas fundamentais
relativos às doutrinas do pecado e da santificação. O AT faz
nítida distinção entre pecado deliberado (ou consciente), por
um lado, e involuntário (não-intencional), por outro (e.g., Êx
21.12-14; Nm 15.27-31). É feita grande diferença entre o pró-
prio pecado, a culpa dele decorrente e a punição imposta.
A distinção entre pecado deliberado e pecado involuntário
ajuda a resolver o problema do ensino sobre o pecado de
IJoão, por exemplo, em que o apóstolo afirma: (1) aquele que
diz que não tem pecado está mentindo (1.8-10) e (2) aquele
que pratica o pecado não é nascido de Deus (3.6,8-10)! A con-
tradição aparente é ao menos minimizada quando observamos
que o tempo verbal (em 3.6,8-10) pode ser tranquilamente in-
terpretado como atividade contínua de pecado, que por defini-
ção é pelo menos consciente, se não certamente deliberado. A
atividade pecaminosa contínua, afirma João, é sinal certo da
condição de não-convertido. Ao mesmo tempo, se alguém afir-
ma que não tem pecado algum, inclui, por definição, todo tipo
de pecado, o involuntário e o deliberado. Ninguém pode dizer-
se livre de pecado, diz João. Portanto ninguém é absolutamen-
te isento de pecado, segundo a Bíblia, uma vez que é, no míni-
mo, continuamente culpado por não alcançar a perfeição divina,
mesmo inconsciente dessa insuficiência. Por outro lado, conti-
nuar praticando deliberadamente o pecado é sinal de um esta-
do de alienação de Deus. Logo, a distinção entre pecado delibe-
rado e involuntário é válida da perspectiva bíblica.
Ainda que a distinção entre pecado deliberado e pecado
involuntário seja sólida da perspectiva doutrinária e ferra-
menta útil para desvendar alguns mistérios da salvação, na
vida cotidiana a linha divisória entre esses tipos de pecado é
muito ténue e nem sempre pode ser identificada com preci-
são ou facilidade. Por exemplo, quando alguém se ira, essa
atitude é considerada deliberada e consciente ou seria invo-
luntária? Talvez o início seja involuntário, mas a continuida-
de do estado de ira passa a ser atitude voluntária. Qual seria
então o momento exato em que o pecado começa e a perfeição
saí de cena (para os que acreditam em perfeição)? Ninguém
quer perder uma condição tão privilegiada, por isso é muito
A perspectiva de Keswick 189

"
mais fácil dar a essa atitude o nome de indignação justa".
Pode até ser, naturalmente, mas, se as pessoas acreditam vi-
ver em estado de perfeição, a tentação é redefinir as reações
inferiores e considerá-las válidas. 0 grande risco da distinção
entre pecado deliberado e pecado involuntário é a infinita ca-
pacidade humana de apresentar justificativas. Além disso, de-
vemos classificar pecados habituais como a embriaguez e a
glutonaria como voluntários ou involuntários?
Depois de reconhecer que há dificuldades para distinguir
pecados conscientes e voluntários de pecados inconscientes
e involuntários, principalmente no ponto em que há intersec-
ção entre eles, temos de convir que para a maior parte dos
comportamentos essa distinção é clara e pode ser identifica-
da de imediato: as pessoas decidem deliberadamente fazer o
que sabem ser errado ou, por outro lado, estão verdadeira-
mente inconscientes da incapacidade de alcançar a perfeição
de Deus. Entretanto, o problema em questão é muito mais
elementar: acredito que nem a definição de pecado (restrita a
escolhas deliberadas), nem a definição de perfeição (ausência
de pecado voluntário) sejam bíblicas.
Como já vimos, de acordo com a Bíblia, pecado é qualquer
carência da gloriosa perfeição do próprio Deus (e.g., Rm 3.23).
Essa carência é tratada nas Escrituras não como prova da li-
mitação amoral do ser humano, mas como pecado. De acordo
com essa definição, ninguém é perfeito, nem por um instante
sequer. Dessa forma, a perfeição impecável não é consequên-
cia do encontro inicial com Deus, nem de nenhum encontro
posterior. Alimentar essa expectativa pode ser profundamen-
te frustrante para os que não alcançarem esse estado e extre-
mamente perigoso para os que pensam já tê-lo atingido. A
Bíblia de fato fala de perfeição cristã (e.g., Mt 5.48; Fp 3.15; Tg
1 4), mas a palavra grega é a que se emprega comumente para
.

maturidade, termo mais condizente com o ensino bíblico da


santificação que a idéia de infalibilidade; maturidade é a pala-
vra preferida na maioria das traduções contemporâneas.
Embora nem todos concordemos com essas definições, tal-
vez no interesse de trabalhar juntos para resolver o problema
da subvida cristã, outras pessoas aceitem a hipótese de traba-
lhar a idéia de pecado tanto como a violação deliberada da
vontade conhecida de Deus quanto como a incapacidade de
chegar à perfeição moral de Deus. Tomando por base essas
190 5 perspectivas sobre a santificação

definições, surge a pergunta: O que uma relação de aliança de


fé produz?

Uma nova pessoa


Como vimos, as pessoas que estão unidas a Cristo pela fé
estão perdoadas e justificadas. Também foram transforma-
das em pessoas novas. Pelo poder regenerador do Espírito
Santo, não estão mais sujeitas à tirania da inclinação para o
pecado; ainda que sujeitas à sua influência, não estão mais
sob seu controle. Os crentes, portanto, têm a capacidade de
escolher o certo. Entretanto, ainda não alcançaram a disposi-
ção perfeita de Deus no que tange a amar como ele ama, a ter
o mesmo domínio próprio que Jesus, a ser tão felizes, humil-
des e abnegados quanto ele. Quando, porém, o pensamento
ou a atividade se refere à escolha consciente, os crentes são
capazes de escolher o caminho de Deus, mesmo que não o
façam por força própria, nem sequer pelas forças do seu "novo
homem".

Um novo relacionamento

As pessoas que passam a viver essa relação pactuai com


Deus entram numa relação em que Deus não só as adota como
filhas, mas também passa a viver com elas de forma especial,
tornando-se companhia constante delas. Esse relacionamen-
to é o segredo da vida cristã bem-sucedida.
No momento em que alguém se volta para Deus com a fé
salvífica, o Pai, o Filho e o Espírito Santo começam a viver com
essa pessoa de um modo singular, novo (Jo 14.16,17,20,23;
Rm 8.9; Gl 2.20; Ef 3.16-19; Cl 1.26-29). Essa presença é a ex-
celência de seu maravilhoso poder operando em nós (Ef 3.20),
presença que nos fortalece - não se trata de nenhum poder
abstrato, mas do seu Espírito em nós (v. 16), Cristo no coração
(v. 17), e o próprio Deus enchendo-nos com toda a sua pleni-
tude (v. 19). O segredo para a vida vitoriosa, portanto, não é
lutar inutilmente nem tentar resolver as coisas pelas próprias
forças, mas "Cristo em vocês, a esperança da glória" (Cl 1.27).
Qualquer esperança que temos de demonstrar seu glorioso
caráter por meio de nossa vida baseia-se no fato de ele viver
194 5 perspectivas sobre a santificação

são de diversas formas, assim como nós usamos a palavra


cheio. Como harmonizar essas diversas formas? O mais pró-
"

ximo que consigo chegar talvez seja: Cheio do Espírito" é uma


expressão figurada e poética que se refere principalmente à
relação entre duas pessoas na qual uma delas está no coman-
do. Uma relação que começa como um acontecimento específi-
co planejado para ser o ponto de partida de um estado cons-
tante. Esse relacionamento normalmente resulta na percepção
gloriosa da presença divina e com certeza tem por consequên-
cia uma mudança de vida. Alguém nessas condições pode dizer
com legitimidade que está cheio do Espírito.
Para complicar ainda mais o problema, parece que existe
outro sentido em que a expressão também é empregada. As
" "

pessoas designadas pela Bíblia como cheias do Espírito em ,

" "

ocasiões específicas, receberam a graça de estar cheias (como,


por exemplo, em At 4.8,31; 13.9). Mais uma vez aqui é útil que
a ênfase recaia sobre o relacionamento. Quando usamos a fi-
gura estar cheio não nos referimos a ser inspirados por al-
gum poder espiritual, mas por um relacionamento pessoal.
Podemos falar de uma relação normal que tem continuidade
e de um ato especial que ocorre em determinada ocasião tam-
bém especial. Usando outra analogia, um automóvel que este-
ja funcionando na potência máxima pode, entretanto, mudar
para marcha reduzida numa emergência. As velas de um bar-
co em geral são suficientemente cheias com o vento para a
embarcação chegar a seu destino, mas há momentos em que
uma brisa bem-vinda sopra e a vela se enche ainda mais. A
vida cristã normal, portanto, pode ser de fato cheia do Espíri-
to, mas há momentos em que é necessário um poder especial
que nos auxilie num problema ou numa oportunidade tam-
bém especiais. Os crentes cheios do Espírito podem confiar
" "

em Deus para ser novamente cheios numa mudança para ,

marcha acelerada que os guie de maneira triunfante.


Dissecar um animal significa matá-lo. Entretanto, espero
que o mesmo não aconteça com a análise teológica. Contudo,
se essa análise pareceu por demais analítica, voltemos à sim-
ples e bela segurança que a Pessoa mais maravilhosa do Uni-
verso nos oferece, melhor do que verdades doutrinárias, me-
lhor do que experiências estimulantes: Deus nos oferece a si
mesmo numa relação de intimidade que só pode ser definida
corretamente pela palavra cheio. Quando respondemos a Deus
194 5 perspectivas sobre a santificação

são de diversas formas, assim como nós usamos a palavra


cheio. Como harmonizar essas diversas formas? O mais pró-
"

ximo que consigo chegar talvez seja: Cheio do Espírito" é uma


expressão figurada e poética que se refere principalmente à
relação entre duas pessoas na qual uma delas está no coman-
do. Uma relação que começa como um acontecimento específi-
co planejado para ser o ponto de partida de um estado cons-
tante. Esse relacionamento normalmente resulta na percepção
gloriosa da presença divina e com certeza tem por consequên-
cia uma mudança de vida. Alguém nessas condições pode dizer
com legitimidade que está cheio do Espírito.
Para complicar ainda mais o problema, parece que existe
outro sentido em que a expressão também é empregada. As
" "

pessoas designadas pela Bíblia como cheias do Espírito em ,

" "

ocasiões específicas, receberam a graça de estar cheias (como,


por exemplo, em At 4.8,31; 13.9). Mais uma vez aqui é útil que
a ênfase recaia sobre o relacionamento. Quando usamos a fi-
gura estar cheio não nos referimos a ser inspirados por al-
gum poder espiritual, mas por um relacionamento pessoal.
Podemos falar de uma relação normal que tem continuidade
e de um ato especial que ocorre em determinada ocasião tam-
bém especial. Usando outra analogia, um automóvel que este-
ja funcionando na potência máxima pode, entretanto, mudar
para marcha reduzida numa emergência. As velas de um bar-
co em geral são suficientemente cheias com o vento para a
embarcação chegar a seu destino, mas há momentos em que
uma brisa bem-vinda sopra e a vela se enche ainda mais. A
vida cristã normal, portanto, pode ser de fato cheia do Espíri-
to, mas há momentos em que é necessário um poder especial
que nos auxilie num problema ou numa oportunidade tam-
bém especiais. Os crentes cheios do Espírito podem confiar
" "

em Deus para ser novamente cheios numa mudança para ,

marcha acelerada que os guie de maneira triunfante.


Dissecar um animal significa matá-lo. Entretanto, espero
que o mesmo não aconteça com a análise teológica. Contudo,
se essa análise pareceu por demais analítica, voltemos à sim-
ples e bela segurança que a Pessoa mais maravilhosa do Uni-
verso nos oferece, melhor do que verdades doutrinárias, me-
lhor do que experiências estimulantes: Deus nos oferece a si
mesmo numa relação de intimidade que só pode ser definida
corretamente pela palavra cheio. Quando respondemos a Deus
A perspectiva de Keswick 193

Se usada nesse sentido, a expressão "cheio do Espírito" signi-


fica que a vida da pessoa se caracteriza pela semelhança com
Deus, pela predominância dele ou pela sua ampla influência.
Esse deve ter sido o sentido empregado nas Escrituras quan-
do elas tratam das pessoas cheias do Espírito (e.g., At 6.3). Os
outros podem olhar para essas pessoas e dizer que elas têm
uma vida caracterizada sobretudo pela associação com Deus
e pelos resultados dessa união.
Há ainda outro significado possível para a expressão. Quan-
do as Escrituras dizem que uma pessoa tem um demónio,
isso quer dizer mais do que ser ela apenas perversa ou estar
caracterizada pelo comportamento e pela forma de pensar dia-
bólicos. Significa que Satanás e suas potestades são a influên-
cia predominante na vida dessa pessoa, pelo menos naquele
momento. Uma vez que o Espírito Santo, assim como os espí-
"

ritos impuros, é pessoal, o emprego da expressão cheio do


Espírito" parece muito apropriado. A expressão figurada sig-
nificaria que o Espírito Santo domina, tem controle total, pos-
sui, exerce fortemente o direito de posse do ser inteiro, em-
bora essa dominação seja graciosa, só ocorra mediante convite
e diferentemente da possessão demoníaca, não anule nem
,

acabe com o arbítrio individual. No principal texto bíblico so-


bre o Espírito Santo, Romanos 8, esse conceito de controle é
claramente exposto (e.g., v. 9). Pelo menos, esse sentido da
expressão é o ponto de partida, pois, sem o relacionamento
de entrega incondicional à vontade de Deus, a pessoa não
pode receber o Espírito Santo inicialmente, nem os benefícios
de sua presença contínua. Essa definição da expressão "cheio
do Espírito" é defendida pelos mestres de Keswick, pela Cru-
zada Estudantil e por muitos outros grupos.
Alguém que tem em mente a idéia de que o Espírito Santo é
a característica dominante de sua vida talvez hesite em alegar
que é uma pessoa assim. Pode achar mais apropriado afirmar
juntamente com Paulo que é "o principal dos pecadores". Os
outros é que devem fazer esse julgamento. Talvez apenas os
outros estejam aptos a julgar a piedade de alguém. Contudo,
se alguém tem em mente a idéia do controle do Espírito, uma
relação de obediência confiante, essa pessoa com certeza está
apta a julgar e talvez possa sozinha ter certeza.
Muito da confusão acerca de como se interpreta "ser cheio
do Espírito" reside no fato de as Escrituras usarem a expres-
194 5 perspectivas sobre a santificação

são de diversas formas, assim como nós usamos a palavra


cheio. Como harmonizar essas diversas formas? O mais pró-
"

ximo que consigo chegar talvez seja: Cheio do Espírito" é uma


expressão figurada e poética que se refere principalmente à
relação entre duas pessoas na qual uma delas está no coman-
do. Uma relação que começa como um acontecimento específi-
co planejado para ser o ponto de partida de um estado cons-
tante. Esse relacionamento normalmente resulta na percepção
gloriosa da presença divina e com certeza tem por consequên-
cia uma mudança de vida. Alguém nessas condições pode dizer
com legitimidade que está cheio do Espírito.
Para complicar ainda mais o problema, parece que existe
outro sentido em que a expressão também é empregada. As
" "

pessoas designadas pela Bíblia como cheias do Espírito em ,

" "

ocasiões específicas, receberam a graça de estar cheias (como,


por exemplo, em At 4.8,31; 13.9). Mais uma vez aqui é útil que
a ênfase recaia sobre o relacionamento. Quando usamos a fi-
gura estar cheio não nos referimos a ser inspirados por al-
gum poder espiritual, mas por um relacionamento pessoal.
Podemos falar de uma relação normal que tem continuidade
e de um ato especial que ocorre em determinada ocasião tam-
bém especial. Usando outra analogia, um automóvel que este-
ja funcionando na potência máxima pode, entretanto, mudar
para marcha reduzida numa emergência. As velas de um bar-
co em geral são suficientemente cheias com o vento para a
embarcação chegar a seu destino, mas há momentos em que
uma brisa bem-vinda sopra e a vela se enche ainda mais. A
vida cristã normal, portanto, pode ser de fato cheia do Espíri-
to, mas há momentos em que é necessário um poder especial
que nos auxilie num problema ou numa oportunidade tam-
bém especiais. Os crentes cheios do Espírito podem confiar
" "

em Deus para ser novamente cheios numa mudança para ,

marcha acelerada que os guie de maneira triunfante.


Dissecar um animal significa matá-lo. Entretanto, espero
que o mesmo não aconteça com a análise teológica. Contudo,
se essa análise pareceu por demais analítica, voltemos à sim-
ples e bela segurança que a Pessoa mais maravilhosa do Uni-
verso nos oferece, melhor do que verdades doutrinárias, me-
lhor do que experiências estimulantes: Deus nos oferece a si
mesmo numa relação de intimidade que só pode ser definida
corretamente pela palavra cheio. Quando respondemos a Deus
A perspectiva de Keswick 195

com uma fé simples, sem reservas, o Espírito Santo nos dá


juntamente consigo a verdade para saber tudo o que ele quer
que saibamos, o fruto, para sermos tudo quanto ele quer que
sejamos, e dons, para fazer tudo o que ele planejou que fizés-
semos. Esse novo relacionamento com Deus inicia um pro-
cesso e resulta em novo potencial.

Um novo potencial
Falando de maneira simplificada, o novo potencial pode
dar vitória e crescimento. Como vimos antes, o novo homem
em Cristo tem capacidade para escolher o certo e colocá-lo
em prática. Esse homem não precisa mais - nem deve - vio-
lar deliberadamente a vontade conhecida de Deus. Essa experiên-
cia é vitoriosa, e o novo potencial fica disponível imediata e
completamente com o início da nova vida. Quando não é atin-
gido devido à violação de contrato, pode ser renovado pela
confirmação da aliança de fé inicial. Uma vez que essa vitória
começa com uma decisão num momento específico, alguns
se concentram tanto nessa experiência crítica que desprezam
ou subestimam o importantíssimo ensino bíblico sobre cres-
cimento. Por outro lado, outros ressaltam tanto o processo
de crescimento que negligenciam ou excluem a decisão ini-
cial necessária. As Escrituras, porém, são claras quanto à cri-
se e ao processo. Já analisamos a decisão pela fé, e agora,
com mais detalhes, nos voltaremos para o processo de cres-
cimento.
A vida cristã normal caracteriza-se pelo crescimento espi-
ritual na direção da semelhança cada vez maior com Jesus
Cristo. Essa verdade é fundamental na análise que o NT faz da
vida cristã. Aqueles que ensinam que nada muda na pessoa
em si e aqueles que ensinam que determinada experiência
pode transformar a pessoa de tal forma que ela se torna per-
feita e não precisa de mais transformação devem responder
não só a textos demonstrativos isolados, mas a toda a estru-
tura do ensino do NT, como mostram as seguintes passagens:

Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se


pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experi-
mentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus
(Rm 12.2).
Notas 261

58"Sermon on the Mount , V", Works, vol. 5, p. 311.


"
Sermão "The Law Established Through Faith, I", Works, vol. 5, p. 450, 454;
"

Plain Account", Works, vol. 11, p. 414-6.


"
60"A Farther Appeal to Men of Reason and Religion Works, vol. 8, p. 47. ,

"
61"The Law Established Through Faith, 11 Works, vol. 5, p. 462. ,

Wynkoop Theology of love, p. 222.


,

"
Sermão, "The Almost Christian", Works, vol. 5, p. 21-2.
"
Sermão, "The First Fruits of the Spirit", Works, vol. 5, p. 88-9.
6S"Plain Account" Works, vol. 11, p. 401. ,

66Wynkoop, Theology of Love, p. 248.


"
Timothy L. Smith, "John Wesley and the Wholeness of Scripture",
Interpretation: A Journal of Bible and Theology, julho de 1985, vol. 39, p. 258.
68Cf Ibid. p. 260; v. tb. nota de rodapé 15.
.

69"Plain Account" Works, vol. 11, p. 408; sermão, "Christian Perfection", Works,
,

vol. 6, p. 10-1.
70Works vol. 8, p. 297-8. ,

nIbid p. 284. .
,

72Wynkoop Theology of Love, p. 320.


,

"
John Leland Peters, Christian Perfection and American Methodism, Nova
York, Abingdon, 1956; reimpresso pela, Grand Rapids, Francis Asbury Press,
1985, e Charles E. Jones, Perfectionist Persuasion: The Holiness Movement and
American Methodism, 1867-1936, Metuchen, N. J., Scarecrow, 1974 revisaram ,

completamente esse aspecto do metodismo norte-americano.


74Para um desenvolvimento mais completo, v. Melvin E. Dieter, The Holiness
Reviva! of the Nineteenth Century, Metuchen, N. J., Scarecrow, 1980; Timothy L.
Smith, Reavivalism and Social Reform in Mid-nineteenth Century América Nova ,

York, Abingdon, 1957; e idem, Called unto Holiness: The Story of the Nazarenes,
the Formative Years, Kansas City, Nazarene, 1962.
75V Melvin E. Dieter, "The Development of Nineteenth Century Holiness
.

Theology", Wesleyan Theological Journal 20 (Primavera, 1985), p. 61-77, para


um desenvolvimento e documentação mais extensos quanto às questões em
debate aqui e adiante.
76As maiores destas que frequentemente representaram fusões subse-
,

quentes de grupos menores, são Exército de Salvação, Igreja do Nazareno,


Igreja de Deus (Anderson Indiana), Igreja Wesleyana e Igreja Metodista Livre.
,

As três primeiras cresceram com base no reavivamento; as últimas duas eram


grupos menores que aderiram ao movimento. Existem, atualmente, por volta
de 8 milhões de membros do movimento no mundo todo.
77V Frank Baker, "Unfolding John Wesley; A Survey of Twenty Years Studies
.

in Wesleys's Thought" Quarterly Review: A Scholarly Journal for Reflection on


,

Ministry, 34, Outono, 1980, p. 44-58.


78Phoebe Paumer The Way of Holiness, Nova York, Palmer & Hughes, 1867, p.
,

52ss.; idem, "The Act of Faith by Which the Blessing is Obtained", in Sanctification
Practical: A Book for the Times, org. J. Boynton Nova York, Foster & Palmer, 1867, ,

p 115-30.
.

7!>V . Dieter, "Development of Holiness Theology", p. 64-5.


"
80Sermão, "The
Repetance of Believers Works, vol. 6, p. 165. ,

81Veja por exemplo, E. G. Marsh, The Old Man, Cincinati, Reavivalist, 1930,
,

cap 16. A ênfase é mais moderada em Donald S. Metz, Studies in Biblical Holiness,
Kansas City, Beacon Hill, 1971, p. 142-3, 173.
82A obra Theology of Love de Wynkoop representa o desenvolvimento mais
completo dessa corrente. J. Kenneth Grider apresenta a visão mais tradicional
A perspectiva de Keswick 197

Natureza do crescimento

. Mente O principal objetivo de Deus é remodelar nosso


.

processo mental, nossos valores e intenções, nossa


forma de ver as coisas. A mente é o primeiro campo de
batalha do crescimento. Um cristão normal ama cada
vez mais como Deus ama; tem cada vez mais autocon-
trole, contentamento, humildade e coragem; entende
cada vez mais os caminhos de Deus; e é cada vez mais
voltado para os outros e menos voltado para si mesmo
nas escolhas que faz na vida.
. Comportamento exterior A transformação interior é
.

visível na conduta externa. O caráter da pessoa muda,


e mesmo os traços da personalidade que refletem pa-
drões pecaminosos de pensamento são transforma-
dos. Observe que esse comportamento cada vez mais
semelhante ao de Cristo ocorre em áreas de pecados
inconscientes ou omissivos. Não existe um padrão de
crescimento gradual no pecado deliberado. As pesso-
as não reduzem seus assaltos ao banco anualmente
" "

quando crescem na graça Não mentem nem trapa-.

ceiam com menos frequência. No AT não havia reden-


ção para pecados voluntários (e.g. Êx 21.14; Nm 15.30,
31), e no NT esse tipo de escolha deliberada ocorre em
listas que identificam seus praticantes com pessoas
não-redimidas que estão sob juízo (e.g. ICo 6.9,10; Gl
5 . 19-21; Ap 21.8).

Em questões que implicam uma escolha deliberada, o cris-


tão normal opta pelo caminho de Deus. Muito do nosso com-
portamento, entretanto, fica aquém da semelhança de Cristo
involuntária e até inconscientemente. Nessas áreas é que o
cristão normal cresce constantemente para refletir com niti-
dez cada vez maior a semelhança com Cristo.

Meios de crescimento

Deus influencia diretamente nossos pensamentos, mas o


seu método principal de promover o crescimento é o que
" "
chamamos meios de graça ou canais da energia divina. Não
somos passivos nesses meios; temos de participar ativamen-
te. Embora Deus, de fato, efetue em nós o querer e o realizar
198 5 perspectivas sobre a santificação

de acordo com sua boa vontade, devemos pôr em ação nossa


salvação com temor e tremor (Fp 2.12,13).
Oração. Por meio da oração, nossa associação com Deus che-
ga ao nível de intensidade mais elevado. Crescemos mais na se-
melhança com ele ao desfrutar sua companhia e descobrimos
que a oração é o grande meio de vitória no momento da tentação.
Escrituras. A Bíblia é o meio de revelação do caráter divino
e, portanto, de seu propósito para nossos pensamentos e
ações. Quanto mais conhecemos a Palavra, mais potencial te-
mos para conformar-nos à vontade divina. Ela é o leite, o pão,
o alimento da alma. Além disso, Jesus provou no momento
da tentação que as Escrituras são uma grande arma na bata-
lha espiritual. Quando estudamos a Bíblia com diligência para
compreendê-la e meditamos nela constantemente a fim de
colocá-la em prática na vida, ficamos preparados para usá-la
com eficácia e vencer a tentação.
Igreja. A reunião da família de Deus é indispensável para o
crescimento espiritual. A combinação de adoração e observân-
cia dos mandamentos, ensino, comunhão, disciplina, serviço
e testemunho na estrutura responsável da igreja são os meios
determinados por Deus para o crescimento de cada membro.
Sofrimento. O sofrimento pode ser o grande atalho de Deus
para o crescimento espiritual. É claro que nossa reação ao so-
frimento determinará se ele irá ou não nos beneficiar, pois a
mesma adversidade pode ser destrutiva ou edificante. A res-
posta de fé, isto é, a certeza de que Deus permitiu a provação
para sua glória e para nosso próprio bem, transforma uma
circunstância potencialmente ruim em um meio de nos tor-
nar mais parecidos com o próprio Servo Sofredor.
Esses quatro "instrumentos do Espírito" são indispensá-
veis ao crescimento cristão. Contudo, embora estejam igual-
mente disponíveis a todos, nem todos os crentes parecem ter
o mesmo nível de maturidade.

Nível de crescimento

Medida positiva. Alguns cristãos usam os meios da graça


com mais diligência que outros. Apesar de, no sentido passi-
" "

vo, todos os crentes estarem igualmente sujeitos à vontade


de Deus, a vida cristã é uma guerra. Alguns cristãos são mais
agressivos e parecem ter mais desejo de lutar. Ainda que a fé
230 5 perspectivas sobre a santificação

O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO

Conquanto haja consenso na teologia reformada acerca da


doutrina da regeneração, o significado do batismo com o Es-
pírito Santo tem sido discutido com frequência.26 Para os dis-
pensacionalistas, a santificação baseia-se na teologia reforma-
da, mas, com respeito à doutrina do batismo com o Espírito
Santo, existe certo afastamento, ou pelo menos refinamento,
da teologia reformada mais antiga. A doutrina do batismo com
o Espírito Santo tem sido deixada de lado na teologia reforma-
da, como exemplifica Abraham Kuyper em Work of the Holy
Spirit [A obra do Espírito Santo]. Esse livro de mais de 600
páginas não apresenta nenhuma análise do tema do batismo
com o Espírito.27
A confusão de entendimento do batismo com o Espírito
Santo tem sido acompanhada pela confusão a respeito da natu-
reza da igreja na época atual. Embora o batismo com o Espírito
não seja mencionado no AT, muitos ensinam que os santos de
todas as épocas pertencem à igreja. Os dispensacionalistas,
entretanto, defendem que a igreja é composta apenas pelos
santos da época presente. Alguns estudiosos identificaram
erroneamente o batismo com o Espírito Santo com a regene-
ração, com a habitação do Espírito, com o enchimento pelo
Espírito ou com a manifestação de diversos dons do Espírito.
Entretanto, a verdade vem à luz quando atentamos para o
uso da expressão no NT.
Nos quatro evangelhos, o batismo com o Espírito é sempre
men-cionado como obra futura de Deus (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc
3 16; Jo 1.33). Mesmo em Atos 1.5, pouco antes da ascensão de
.

Cristo, o batismo do Espírito ainda é considerado um aconteci-


mento futuro. Em passagens bíblicas posteriores, ele é apre-
sentado (no que diz respeito aos crentes) como algo que já
tinha ocorrido (At 11.16; ICo 12.13; cf. GI 3.27; Ef 4.5; Cl 2.12).
Evita-se grande parte da confusão relativa a essa doutrina
com a exegese correta de ICoríntios 12.13, o texto definitivo:
"

Pois em um só corpo todos nós fomos batizados em um úni-


co Espírito: quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer li-
"

vres. E a todos nós foi dado beber de um único Espírito De .

acordo com esse versículo o batismo no Espírito Santo signi-


,

fica inserir o crente "em um só corpo", ou seja na igreja. O ,

corpo humano é usado como imagem para todos os crentes,


200 5 perspectivas sobre a santificação

com os outros é ter uma base de comparação equivocada.


Em terceiro lugar, os dados para fazer um julgamento preci-
so só são acessíveis a Deus. Portanto, somos sábios em dei-
xar esses julgamentos com ele, principalmente quando o
desenvolvimento espiritual de outra pessoa não é responsa-
bilidade nossa.

CONCLUSÃO

Que boas notícias! Não importa o que aconteceu ou deixou


de acontecer no passado, muito menos o grau em que o meu
entendimento é incorreto. Se o meu relacionamento com Deus
baseia-se na entrega incondicional e na esperança confiante
de que ele cumprirá sua palavra, posso levar uma vida de
vitórias sobre a tentação e de mais semelhança com Deus;
posso ver seu propósito ministerial cumprido de maneira
sobrenatural e, acima de tudo, posso sentir diariamente a com-
panhia amorosa do meu Salvador.
Embora Keswick não tenha uma teologia sobre santifica-
ção expressa por escrito, a declaração doutrinária que apre-
sentei aqui é completamente compatível com a sua mensa-
gem. Procurei evitar a constante tentação de desenvolver
algumas facetas da verdade divina partindo para extremos
e procurei ficar no centro de equilíbrio da tensão bíblica.
No que obtive sucesso, essa abordagem pode fornecer uma
posição intermediária entre as diferentes concepções acer-
ca da santificação. Todos nós certamente buscamos honrar
a Deus pondo em evidência no corpo mortal seu glorioso
caráter.

BIBLIOGRAFIA

Barabas, Steven. 5o Great Salvation. Londres: Marshal, Morgan & Scott; Grand
Rapids: Eerdmans, 1952. O estudo definitivo do movimento de Keswick
(historicamente) e da mensagem de Keswick (teologicamente). Uma
bibliografia abrangente de 13 páginas sobre Keswick foi incluída.
McQuilkin, Robert C. The Life ofVictory. Chicago: Moady, 1953. Típica expo-
sição devocional do ensinamento de Keswick, no formato de testemu-
nho pessoal de alguém que ajudou a levar o movimento aos EUA na
primeira metade do século XX.
A perspectiva de Keswick 201

Dois autores que criticaram o movimento e são considera-


dos pelos oradores da Keswick do mundo todo pessoas que
não interpretaram corretamente o ensinamento são:

Packer, J. I. Keep in Step with the Spirit. Old Tappan, N. J., Revell, 1984 [Na
dinâmica do Espírito: uma avaliação das práticas e doutrinas,
Edições Vida Nova, 1991].
Warfield, B. B. Studies in Perfectionism. Nova York, Oxford, 1931.
Réplica

WESLEYANA

a HcQ

Melvin E. Dieter

O artigo de J. Robertson McQuilkin demonstra a realidade


de dois fatos a respeito das perspectivas incluídas neste li-
vro: 1) as tradições evangélicas, que apelam vigorosamente
para a autoridade das Escrituras, definem bíblica e notavel-
mente a concepção da santidade cristã em termos semelhan-
tes; podemos nos surpreender mais com as correspondên-
cias do que com as diferenças; 2) de todas as concepções
apresentadas, o padrão de vida elevado de Keswick e a pers-
pectiva wesleyana de santidade são os que mais se parecem
ao expressar as perspectivas. A doutrina de Keswick encara
com mais seriedade certos elementos essenciais da teologia
evangélica-arminiana que fundamentam o wesleyanismo.
Keswick toma a perspectiva wesleyana da possibilidade, e mes-
mo da necessidade, da invasão da vida cristã pela plenitude
de Deus, e a incorpora à perspectiva da vida em santidade,
mantendo ao mesmo tempo traços fundamentais da teologia
reformada a fim de adaptar-se a suas definições.
A história fornece alguns momentos de entendimento à tur-
bulenta relação entre o movimento wesleyano e o de Keswick.
Um dos pontos mais importantes do intercâmbio contínuo entre
o reavivamento americano e o britânico foi o afluxo à Inglaterra
de propagadores americanos da fé depois da Guerra Civil Ame-
ricana. Nesse período, a influência dos evangelistas da santi-
dade americanos é secundária quando comparada à influência
de Dwight L. Moody, principal evangelista do momento. A men-
Réplica wesleyana a McQuilkin 203

sagem desses evangelistas gerou um destaque renovado so-


bre a doutrina wesleyana da santidade cristã no lugar em que
mais se podia esperar - sua terra natal, o metodismo britâni-
co. Mais importante ainda é que, mediante a influência de
Charles G. Finney, Asa Mahan e de outros evangelistas de
Oberlin que adaptaram o ensino da "segunda bênção" à tradi-
ção reformada, a mensagem conseguiu penetrar de forma mais
ampla nos círculos evangélicos calvinistas da Inglaterra e do
continente europeu. A teologia desse movimento, que aprego-
ava um padrão de vida superior, mais propriamente um
" "
calvinismo arminianizado fez que o meio evangélico inglês e
,

europeu se interessasse pela santidade e pelo ensino do pa-


drão de vida superior, apesar da forte aversão que o calvinismo
tradicional nutria por tudo que lembrasse o perfeccionismo.
Fora desse contexto, surgiu o movimento de Keswick, por
intermédio do ministério de Robert Pearsall Smith, William
Boardman e outros, em 1870. Uma coalizão em prol da vida
cristã superior deu apoio ao notável ministério de Smith en-
tre os evangélicos britânicos de todas as correntes, apesar da
forte associação com o ensino metodista (perfeccionista) da
" "

segunda bênção A dissolução prematura da coalizão deveu-


.

se ao fato de Smith ter caído da graça em 1875, momento de


maior sucesso do movimento. O fato de os evangélicos britâ-
nicos terem precipitadamente abandonado Smith, que já es-
tava impaciente por causa do elemento wesleyano em sua
mensagem, estabeleceu o tom para o futuro. O progresso do
movimento de Keswick, que se reergueu a partir das ruínas
da queda de Smith, era de tendência calvinista, na medida em
que fixou os padrões de distinção que procuravam afastar o
máximo possível o entendimento que o movimento tinha da
obra do Espírito da experiência mais profunda da vida, pró-
pria do movimento americano da santidade, de onde se origi-
nou. Portanto, o conflito que tem marcado as relações entre
Keswick e o movimento da santidade tem raízes históricas e
teológicas significativas.
Pela excelente declaração de McQuilkin sobre uma posição
clássica de Keswick, sempre ficou clara a influência do movi-
mento wesleyano holiness. A regeneração passa a ser reco-
nhecida como o início de um padrão processo-crise-processo
de crescimento em santidade. A vida de vitória diária contra o
pecado começa pela total entrega do indivíduo a Deus em pie-
204 5 perspectivas sobre a santificação

na consagração. Isso é a participação efetiva na santidade de


Deus por meio da fé na obra redentora de Jesus Cristo pela
habitação do Espírito Santo. Trata-se de uma vida, não de qual-
quer tipo de perfeição pura, mas de estar apto, por meio da
graça de Deus, a não pecar. O destaque não está em olhar para
o passado, para o momento de crise em que houve um com-
promisso completo, mas em olhar para a frente e perguntar:
"
O que mais, Senhor?". Essa atitude é essencialmente a mensa-
gem wesleyana que Smith e outros pregaram em termos não-
wesleyanos a evangélicos arraigados à tradição reformada.
A consequência é que, apesar dos nítidos paralelos entre a
perspectiva de Keswick e os wesleyanos, as diferenças com
que eles depararam historicamente surgiram em conformi-
dade com os conceitos estabelecidos quer no ambiente refor-
mado, quer no ambiente wesleyano. Uma vez que a perspecti-
va wesleyana dá mais lugar à responsabilidade humana, ela
considera a santificação mais uma questão de correção das
opiniões, da vontade e das inclinações na perfeição do relaci-
onamento do homem com Deus do que uma questão de algu-
ma idéia de impecabilidade, como o cumprimento de um có-
digo de conduta moral. Em consequência, ao definir a vida de
perfeito amor e o que põe a pessoa na condição de culpada
diante de Deus, é perfeitamente possível definir pecado nos
termos wesleyanos como a "religião deliberada da vontade re-
velada de Deus
"
. É possível dizer, portanto, que conhecemos
a graça de Deus em uma experiência de entrega absoluta na
qual os desejos distorcidos que herdamos a partir da Queda
são libertados para obediência, ao invés de desobediência, e
para amarmos plenamente a Deus. Ter uma vontade tão cor-
rompida é a essência do que significa estar na carne; ser puri-
ficado de todo resíduo que poderia escravizar a alma ao peca-
do é a essência da santidade e da perfeição cristã.
A libertação do pecado não é a libertação da tentação e da
decadência da condição humana, mas a libertação da necessi-
dade de reagir com condescendência às muitas tentações a que
somos expostos pelo estado de Queda. Visto que Keswick pre-
feriu explicar essas verdades à luz de uma teologia que inclui
definições mais amplas sobre a natureza da relação entre Deus
e o homem e uma definição diferente de nossa situação huma-
na, sempre existirá essa diferença no entendimento do modo
em que a santidade cristã se constitui no coração do crente e
Réplica wesleyana a McQuilkin 205

no modo de definir sua dinâmica. Essas diferenças entre os


ensinamentos de Keswick e os dos wesleyanos são também o
centro das divergências entre a perspectiva wesleyana e as
perspectivas expressas neste livro. Contudo, as outras opini-
ões muitas vezes são mais rígidas na comparação que fazem.
Um último aspecto preocupante na perspectiva de Keswick
é a dificuldade de oferecer, no entender de algumas pessoas,
uma teologia suficientemente abrangente para os aspectos
social e ético da vida de plenitude e perfeição. O ensino tende
a dar mais atenção à piedade interior como o propósito final
da vida de santidade. Na prática, entretanto, o movimento
tem ido além desse conceito. Por exemplo, o grande ímpeto
missionário do movimento é amplamente reconhecido. Flui
com naturalidade de pessoas totalmente comprometidas com
a vontade de Deus, mas encontra pouca explicação ou apoio
na teologia do movimento.
Réplica

REFORMADA

a HcQuilkin

Anthonv A. Hoekema

Concordo com muito do que J. Robertson McQuilkin apre-


senta em seu capítulo. Valorizo a ênfase que ele dá à vitória -
o NT define a vida cristã como uma vida de vitória (Rm 8.37;
IJo 5.4). Também gosto quando ele insiste que a união com
Cristo é o cerne da teologia paulina e ressalta a importância
de ser cheio do Espírito. Concordo que a vida de santidade é o
propósito da salvação. Estou de acordo com a afirmação de
McQuilkin de que o crente ainda tem tendência ao pecado e
que não lhe é possível viver sem pecado nesta vida.
Também concordo quando McQuilkin afirma que alguns
cristãos, talvez muitos, precisam renunciar à própria vonta-
de entregando-se totalmente ao Senhor algum tempo depois
da conversão. Os coríntios que estavam vivendo na carne (ICo
3 1-3) certamente tinham essa necessidade assim como a igre-
.
,

ja de Éfeso (Ap 2.4). Discordo, entretanto, que uma experiên-


cia crítica específica como essa e posterior à conversão deva
ser programada na vida da maioria dos crentes (p. 187).
Tenho mais problemas neste capítulo em duas áreas. A
primeira é a definição de pecado. Na página 168, McQuilkin
cita, como uma verdadeira representação da posição de
Keswick, a seguinte afirmação: "Cremos que a Palavra de Deus
ensina que a vida cristã normal consiste em obter regular-
"

mente vitória sobre o pecado conhecido Na página 189, en-


.

tretanto, "de acordo com a Bíblia, pecado é qualquer carência


da gloriosa perfeição do próprio Deus (e.g., Rm 3.23)". Com
Réplica reformada a McQuilkin 207

base nessa segunda definição de pecado, o autor prossegue,


dizendo: "Ninguém é perfeito, nem por um instante sequer".
Estimo o repúdio à possibilidade de atingir a condição de to-
tal ausência de pecado, mas tenho algumas perguntas sobre
"

a possibilidade de obter regularmente vitória sobre o pecado


"
conhecido .

Em primeiro lugar, se, "de acordo com a Bíblia", o pecado é


o que foi definido na página 189, será que essa definição é
desconhecida? Deus não requer em sua lei que o amemos de
todo o coração, alma e entendimento e que amemos ao próxi-
mo como a nós mesmos (Mt 22.37-39)? Será que algum de nós
pode cumprir um mandamento desses com perfeição?
McQuilkin reconhece que "qualquer carência da gloriosa per-
feição do próprio Deus" (Rm 3.23) nesse sentido é pecado.
Mas esse também não é um pecado contra a vontade revelada
de Deus?
Em segundo lugar, o autor trabalha com duas definições
de pecado. Uma trata do pecado "de acordo com a Bíblia". A
"
outra trata da violação deliberada da vontade revelada de
Deus". Será que Keswick está trabalhando com uma concep-
ção aquém da definição bíblica de pecado?
Em terceiro lugar, até a expressão "pecado conhecido" tem
seus problemas. Como é terrível não reconhecer o pecado
"

como tal! Muitas vezes, o que denominamos ira pecaminosa"


"
nos outros, consideramos justa indignação" em nós mesmos.
Os pecados, como disse alguém, são como bilhetes pregados
em nossas costas: outras pessoas podem ver, mas nós não.
Davi não disse: "Quem pode discernir os próprios erros" (SI
19.12)? E Paulo não afirma que "embora em nada minha cons-
"

ciência me acuse, nem por isso justifico a mim mesmo (ICo


4 4)? Como podemos, então, estar certos de que, evitando o
.

que acreditamos ser pecados conhecidos, estamos de fato fa-


zendo a vontade de Deus?
Por fim, o que dizer do problema da motivação? Alguma
vez fizemos algo por motivo perfeitamente puro? Será que
"
realizamos as boas obras" sozinhos, sem o amor a Deus e ao
próximo? Será que não há nem um pouco de egoísmo? Isaías
"

protesta: Todos os nossos atos de justiça são como trapo


imundo" (Is 64.6). Herman Bavinck não estava certo quando
disse que "em toda a ponderação e em todo o ato do crente
2S2 5 perspectivas sobre a santificação

277). Não creio que essa perspectiva faça jus ao ensino paulino.
Entendo que "velha criação" se refira à pessoa inteira escravi-
zada pelo pecado - essa pessoa toda que nós cristãos já não
"

somos mais (Rm 6.6; Cl 3.9). Nova criação" refere-se à pessoa


inteira governada pelo Espírito. É desse novo homem que o cren-
te se revestiu e está sendo continuamente renovado (Cl 3.10).
Os crentes, entretanto, devem enxergar-se novas pessoas que
estão sendo progressivamente renovadas - genuinamente
novas, mas ainda não completamente novas. (O fundamento
bíblico para essa concepção de novo e velho homem encon-
tra-se no capítulo que escrevi, nas páginas 87-92.)
Outro ponto de divergência que tenho com o ensino de
Walvoord é a interpretação de Romanos 7.14-25. Ele acredita
que essa passagem fale da luta da pessoa regenerada contra o
pecado. Ele cita um artigo de 1962 que escrevi, no qual apóio
essa perspectiva. Porém, mudei de opinião. Agora entendo
essa passagem, com base na perspectiva da pessoa regenera-
da, como a descrição de alguém que ainda não foi regenerado
(por exemplo, um fariseu não-convertido) que luta contra o
pecado apenas com a força da lei, sem o auxílio do poder do
Espírito. Reconheço, entretanto, que essa posição não é a in-
terpretação reformada mais usual. Devo acrescentar que a idéia
de cristão como nova criação não é apoiada nem desmentida
por essa interpretação de Romanos 7.14-25.
Qual é o fundamento bíblico para essa interpretação? Em
primeiro lugar, Romanos 7.14-25 reflete a condição retratada
"
no versículo 5, e dele decorre: Pois quando éramos controla-
dos pela carne, as paixões pecaminosas despertadas pela Lei
atuavam em nosso corpo, de forma que dávamos fruto para a
"
morte .Esse versículo fala, obviamente, da pessoa não-rege-
nerada, em comparação com a regenerada dos versículos 4 e
6 O versículo 13 afirma: "Para que o pecado se mostrasse
.

como pecado, ele produziu morte em mim por meio do que


"
era bom Esse versículo retrata o mesmo tipo de pessoa do
.

versículo 5 (a saber, a pessoa não-regenerada). Observe as


analogias: as paixões pecaminosas despertadas pela Lei pro-
duziram fruto para a morte (v. 5), e o pecado, mediante o que
era bom (i.e., a lei), produziu morte (v. 13). Os versículos 14 e
15, que iniciam essa passagem controvertida, usam a con-
junção pois duas vezes (v. o texto grego). Com essa conjun-
ção, Paulo relaciona o que acaba de mencionar e o que vem em
Réplica reformada a McQuilkin 209

Acredito encontrar mais apoio nas Escrituras para afirmar


que nós que vivemos em Cristo, estamos em variados pontos
na caminhada da santificação. Não experimentamos nem o
fracasso total nem a vitória completa no que tange ao pecado.
Estamos em Cristo, mas precisamos crescer cada vez mais na
direção dele. Somos habitados pelo Espírito Santo, mas preci-
samos estar cheios do Espírito. Nós nos submetemos a Cristo
como o Senhor, mas precisamos entregar-nos de forma mais
completa. Tentamos resistir ao pecado conhecido, mas nem
sempre somos bem-sucedidos no discernimento do que é
"

pecado ou não. Continuamos lutando contra a cobiça da car-


"
ne pelo poder do Espírito, mas às vezes nos damos por ven-
cidos.
Vivemos uma vida de vitória, mas de vitória qualitativa.
Ainda não somos o que seremos um dia. Ainda não somos
totalmente semelhantes a Cristo (IJo 3.2). Vivemos a tensão
"
entre o já" e o "ainda não". Somos genuinamente novos, mas
ainda não completamente novos.
Réplica

PENTECOSTAL

a McQuilkin

Stanley M. Horton

Muitos autores pentecostais dizem ter uma dívida com a


postura clássica de Keswick. Tenho ouvido muitos sermões
que incentivam uma vida de vitória sobre o pecado conheci-
do. Às vezes, isso leva as pessoas a perguntar umas às outras
(como forma de incentivo): "Você obteve a vitória?".
Enfatizamos igualmente toda a obra de Cristo e a união
com ele. Reconhecemos a obra do Espírito na santificação pro-
gressiva do crente e esperamos que ele nos ajude a resistir à
tentação. Concordamos que para isso é necessário consagra-
ção total, entrega incondicional à vontade e ao propósito de
Deus, como foi revelado em sua Palavra.
No entanto, não concordamos em nossa definição de en-
chimento do Espírito e plenitude do Espírito. Reconhecemos
que a plenitude está disponível aos que a pedem (Lc 11.13), e
identificamos o enchimento inicial com o batismo com o Es-
pírito Santo (com a evidência externa inicial do falar em ou-
tras línguas). A maioria dos pentecostais concordaria, entre-
tanto, que há enchimentos especiais disponíveis para suprir
necessidades especiais, como quando Pedro esteve perante o
Sinédrio (At 4.8) e quando Paulo encontrou Elimas, o mágico
(At 13.9). Reconhecemos também que o batismo no Espírito
Santo não é o ponto máximo. Ocorre quando estamos em uma
vida de relacionamento com o Espírito e torna-se permanen-
te. Ele está conosco continuamente, estejamos ou não cientes
Réplica pentecostal a McQuilkin 211

de sua presença. Contudo, ele não nos retira o livre-arbítrio.


Ainda cabe a nós decidir se nos sujeitaremos ao seu controle.
Também é importante reconhecer que "o espírito dos pro-
fetas está sujeito aos profetas" (ICo 14.32). Quando o Espírito
nos impulsiona a ministrar por meio de um dos dons, é nos-
sa responsabilidade fazê-lo com amor e delicadeza, adaptan-
do-nos ao fluir do Espírito sem interromper o ministério de
outros. De acordo com minha experiência, não perdemos nada
em permanecer calados até que surja a oportunidade de mi-
nistrar um dom do Espírito para edificar as pessoas. Na reali-
dade, se esperamos e o dom é de fato apropriado àquela oca-
sião, o Espírito aprofundará e intensificará a manifestação
desse dom quando for ministrado.
O destaque de Keswick ao serviço e às missões foi assimi-
lado por todo o movimento pentecostal. Toda a nossa ênfase
diz respeito ao fato de o propósito principal do batismo com
o Espírito Santo ser o recebimento de poder para o serviço.
Percebeu-se a eficácia dessa atitude pelo fato de o número de
membros das Assembléias de Deus fora dos EUA ser 15 vezes
maior do que os membros da AD norte-americana.
Assim como os líderes da Keswick, negamos a possibilida-
de da "impecabilidade" nesta vida. Também ensinamos que o
cristão, em vez de esperar cair em pecado, deve esperar não
pecar, assim que se identifiquem os atos pecaminosos. Reco-
nhecemos, entretanto, que ainda estamos na batalha e deve-
mos nos manter atentos, uma vez que a tendência para o pe-
cado ainda reside em nós. Concordamos que devemos pedir
diariamente a ajuda do Espírito Santo e mortificar os atos da
velha natureza. Todavia, como no movimento de Keswick, a
relação entre a velha e a nova vida em Cristo nem sempre é
definida com clareza pelos pregadores do movimento.
Uma vez que admitimos que todos os crentes são santos,
nossa definição de santificação posicionai e de santificação
prática e a distinção que fazemos entre elas são semelhantes
às de Keswick. Reconhecemos também que alguns cristãos
são carnais e que todos os crentes têm momentos carnais,
mas diríamos que os crentes que continuam pecando correm
o risco de não obter a salvação. Como a posição de Keswick,
também enfatizamos muito as advertências bíblicas, as quais
não fariam sentido se não fosse possível aos cristãos professos
perder-se. Em outras palavras, somos mais abertamente
arminianos do que parece ser o dr. McQuilkin.
228 5 perspectivas sobre a santificação

bém possui um conjunto de atributos, mas esses atributos fa-


zem o cristão inclinar-se para o novo modo de vida, que é santo
aos olhos de Deus. Com base na perspectiva agostiniano-dis-
pensacionalista, o problema fundamental da santificação refe-
re-se ao modo que as pessoas portadoras desses aspectos dis-
tintos em seu ser - a velha e a nova natureza - podem atingir
pelo menos um nível relativo de santificação e retidão nesta vida.
As pessoas redimidas não são capazes de viver com santi-
dade sem ajuda divina. A velha natureza tende ao pecado e a ,

nova, a agir com correção. Logo, essas duas naturezas estão


em luta, como foi dito em Romanos 7.14-25. Além disso, uma
vez que a velha natureza é incapaz de produzir uma vida de
justiça, a nova natureza também é incapaz de fazer isso por
si só. Por isso, a perspectiva agostiniano-dispensacionalista
afirma que a vida santa só é possível por meio da graça e da
capacitação de Deus a cada crente. A santificação final dos
crentes no céu está garantida, mas os cristãos não vivem a
santificação automaticamente na terra só porque se tornaram
novas criações em Cristo. Da parte de Deus, é necessário pro-
visão para a necessidade espiritual do cristão; do lado huma-
no, faz-se necessária a apropriação.

A REGENERAÇÃO DA PESSOA
Um elemento essencial da mudança drástica por que o in-
divíduo passa na salvação é a obra que o Espírito Santo realiza
na regeneração, a renovação que ocorre no momento da sal-
vação. A palavra regeneração (gr. palingenesia) só é usada duas
vezes no NT (Mt 19.28; Tt 3.5). Contudo, só em Tito 3.5 é que
se fala da nova vida que o crente recebe no momento da sal-
"

vação: Não por causa de atos de justiça por nós praticados,


mas devido à sua misericórdia, ele nos salvou pelo lavar rege-
"

nerador [gr. palingenesia] e renovador do Espírito Santo O .

conceito de regeneração, entretanto, é proeminente na teolo-


gia protestante, pois ao longo dos séculos a igreja tem discu-
tido seu significado em relação a termos como conversão ,

santificação e justificação. Na teologia reformada mais recen-


te, regeneração está associada à concessão da vida eterna.
Charle Hodge afirma:

Por consenso quase universal a palavra regeneração é empre-


,

gada atualmente para designar não o trabalho completo de santifi-


Réplica

AGOSTINIANO-

DISPENSACIONALISTA

a McQuiliíin

John F. Walvoord
Quem defende a perspectiva agostiniano-dispensacionalista
sobre a santificação encontrará pouco questionamento na apre-
sentação de J. Robertson McQuilkin sobre a perspectiva de
Keswick. Assim como nas concepções pentecostal, wesleyana
e reformada, nos círculos de Keswick existe grande variedade
de perspectivas em relação à doutrina da santificação. Ainda
que cada autor apresente a perspectiva pessoal neste simpósio
sobre santificação, existe conformidade de opiniões no reco-
nhecimento da justificação como o ato decisivo de Deus, com
a santificação inicial ocorrendo no mesmo momento. Todos
rejeitam a idéia de que há alguma experiência pela qual se atin-
gem a impecabilidade e a libertação do pecado deliberado e do
pecado involuntário. Todos chamam a atenção para a santi-
ficação final nos céus e, ao mesmo tempo, cada um ressalta a
responsabilidade do crescimento na santificação na experiên-
cia cristã na terra.
Na opinião de alguns, o problema do ensino de Keswick é
que ele parece dar a entender que, por um ato da vontade, o
cristão pode atingir um nível elevado de perfeição espiritual.
Praticamente todos os mestres da Keswick afirmarão aberta-
mente que esse indivíduo pode pecar no curso de sua deci-
" "
são inicial. O remédio apresentado por McQuilkin é o mes-
mo adotado pela perspectiva agostiniano-dispensacionalista
e por algumas outras, a saber, que a santificação prática de-
pende de uma vida diária de obediência aos conselhos das
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 219

bíblicas, como Gálatas 5.16-24 e Romanos 7.14-25, e então


conclui com as inferências teológicas da batalha.5
C 1. Scofield e muitos evangélicos do século XX, principal-
.

mente os dispensacionalistas, adotaram a teoria das duas


naturezas como conceito bíblico. O principal problema des-
sas perspectivas foi e continua sendo a extensão e o poder do
pecado nos cristãos após a conversão e os meios de santifica-
ção, ou vida santa, à vista do pecado remanescente.
O problema do significado da palavra natureza permeia o
debate teológico. Um dos termos gregos para natureza é physis,
empregado para a natureza pecaminosa do indivíduo antes
da salvação. Efésios 2.3 afirma: "Anteriormente, todos nós tam-
bém vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa
carne [gr. sarx], seguindo os seus desejos e pensamentos.
Como os outros, éramos por natureza [gr. physis] merecedo-
"
res da ira Com base nessa passagem bíblica, há pouca dúvi-
.

da de que somos por natureza pecadores antes da conversão.


A palavra physis também é usada para "natureza divina" (2Pe
1 4), o que torna difícil empregá-la com referência à nova na-
.

tureza de um pessoa após a conversão. A questão que perma-


nece sem resposta, portanto, diz respeito a qual é a melhor
palavra para designar o caráter pecaminoso continuado das
pessoas, bem como o novo anseio por santidade depois da
conversão.

0 CONCEITO AGOSTINIANO DE PECADO

Em virtude da profunda consciência do caráter pecamino-


so do ser humano, Agostinho deu muita atenção a esse as-
pecto do indivíduo, mesmo depois da conversão. Raramente,
porém, ele faz referência a algum aspecto do novo caráter do
indivíduo depois da conversão como natureza, preferindo fi-
car palavra carne (gr. sarx).
Nas Confissões, Agostinho compara suas próprias lutas
contra o pecado às lutas relatadas por Paulo em Romanos 7.14-
25. Agostinho escreveu:

Em vão, "no íntimo do meu ser tenho prazer na Lei de Deus"


"

quando vejo outra lei aluando nos membros do meu corpo, guer-
reando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei
do pecado que atua em meus membros". Pois a lei do pecado é o
1
A perspectiva
(AMA
iVlLLVlhJ E, DiETER

s- . Raiada
ANTHONY A, HOEKEMA

3
A perspectiva
Pentecostal
STANLEY M. HORTON

A perspectiva de
- I ' WICK
J ROBERTSON McQUILKIN
,

5
A perspectiva
Agostiniano-dispensacionalista
JOHN F. WALVOORD
 perspectiva

AGOSTINIANO-

DISPENSACIONALISTA

JOHN F, WALVOORD

0 CARATER MORAL DO INDIVIDUO ANTES E DEPOIS DA SALVAÇÃO


Desde o tempo dos primeiros pais da igreja, os teólogos
têm lutado para traçar o caráter moral do indivíduo antes e
depois da salvação. Há um consenso de que antes da salvação
o indivíduo está em pecado, mas o que se discute diz respei-
to ao grau de transformação que ocorre depois do novo nas-
cimento. Alguns salientam a grande mudança que ocorre com
"
o novo nascimento e citam 2Corintios 5.17: Portanto, se al-
guém está em Cristo, é nova criação. As coisas antigas já pas-
"

saram; eis que surgiram coisas novas! Outros imaginam a


.

transformação como algo gradativo que culmina com a per-


feição celestial. Outros ainda propõem a possibilidade da eli-
minação total do pecado - pelo menos do pecado intencio-
nal. Há os que afirmam que as pessoas têm duas naturezas
depois da salvação: a velha natureza, ou pecaminosa, que ti-
nham antes da salvação, e a nova natureza, semelhante à na-
tureza divina de Deus, que inclui a vida eterna.
As discussões teológicas em língua inglesa se batem com a
"

palavra natureza, pois poucas palavras são mais perigosa-


' '"

mente ambíguas do que natureza 1 O problema de termino-


.

logia existe porque na Bíblia pelo menos uma palavra hebrai-


" "

ca e três palavras gregas são traduzidas por natureza Tanto .

no original grego quanto no hebraico a mesma palavra é em-


pregada em sentidos diferentes. Essa falta de definição clara
da palavra natureza tem gerado grande parte do debate teo-
lógico relativo à transformação que ocorre com a regenera-
Réplica reformada a Walvoord 251

Questões de terminologia à parte, concordo que os cristãos


de fato têm uma natureza pecaminosa, como se definiu an-
tes, que luta contra a nova natureza recebida na regeneração.
Também reconheço que, de acordo com Gálatas 5.16,17, os
crentes ainda têm de lutar contra os impulsos pecaminosos
"

que vêm da carne" (tradução literal do termo grego sarx) e


que a palavra carne, assim como nesse caso (e em muitas ou-
tras passagens do NT), significa a tendência interior que o ser
humano tem de desobedecer a Deus em todas as áreas da
vida. Estou de acordo também que os cristãos têm a nova na-
tureza, de acordo com a definição exposta anteriormente.
Meu problema fundamental com a apresentação de
Walvoord, entretanto, é que, no meu entender, ele deixa de
fazer plena justiça ao fato de Cristo ter realizado um rompi-
mento definitivo com o pecado em favor dos crentes (Rm 6.6)
- dessa forma o pecado, embora ainda presente no crente,
,

não tem mais o domínio (v. 14) - e à maravilhosa verdade de


que o crente é de fato nova criação, as velhas coisas tendo
ficado para trás (2Co 5.17). Quando Walvoord diz (p. 228) que
"

com base na perspectiva agostiniano-dispensacionalista, o


problema fundamental da santificação refere-se ao modo que
as pessoas portadoras desses aspectos distintos em seu ser
- a velha e a nova natureza - podem alcançar pelo menos
"

um nível relativo de santificação e retidão nesta vida isso ,

nos dá a impressão de que o cristão é comparável a uma


gangorra espiritual, com dois tipos opostos de tendências
interiores, ambas exigindo a atenção do indivíduo, e pode
escolher um caminho ou outro.
Esse retrato do conflito interior pode até ser verdadeiro,
mas como fica a vida nova do cristão? Porventura o cristão
não vive vitoriosamente na força do Espírito (Rm 8.4; 2Co 5.15;
Gl 5.16-24; IJo 5.4)? Essa vitória não é a perfeição, mas não
seria pelo menos uma vitória real? Não somos de fato nova
"

criação em Cristo? Será que sabemos o que é viver uma vida


"
nova (Rm 6.4)? Quando os cristãos olham para si mesmos, a

importância não deve recair sobre o que é novo, e não sobre o


que é velho? (v. o livro The Christian Looks at Himself [O cris-
tão se examina], Grand Rapids, Eerdmans, 1977).
Walvoord interpreta o "velho homem", a "velha criação", no
" "
sentido da vida anterior do crente, e o "novo ser", no senti-
do de "novo modo de vida que deriva da nova natureza" (p.
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 219

bíblicas, como Gálatas 5.16-24 e Romanos 7.14-25, e então


conclui com as inferências teológicas da batalha.5
C 1. Scofield e muitos evangélicos do século XX, principal-
.

mente os dispensacionalistas, adotaram a teoria das duas


naturezas como conceito bíblico. O principal problema des-
sas perspectivas foi e continua sendo a extensão e o poder do
pecado nos cristãos após a conversão e os meios de santifica-
ção, ou vida santa, à vista do pecado remanescente.
O problema do significado da palavra natureza permeia o
debate teológico. Um dos termos gregos para natureza é physis,
empregado para a natureza pecaminosa do indivíduo antes
da salvação. Efésios 2.3 afirma: "Anteriormente, todos nós tam-
bém vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa
carne [gr. sarx], seguindo os seus desejos e pensamentos.
Como os outros, éramos por natureza [gr. physis] merecedo-
"
res da ira Com base nessa passagem bíblica, há pouca dúvi-
.

da de que somos por natureza pecadores antes da conversão.


A palavra physis também é usada para "natureza divina" (2Pe
1 4), o que torna difícil empregá-la com referência à nova na-
.

tureza de um pessoa após a conversão. A questão que perma-


nece sem resposta, portanto, diz respeito a qual é a melhor
palavra para designar o caráter pecaminoso continuado das
pessoas, bem como o novo anseio por santidade depois da
conversão.

0 CONCEITO AGOSTINIANO DE PECADO

Em virtude da profunda consciência do caráter pecamino-


so do ser humano, Agostinho deu muita atenção a esse as-
pecto do indivíduo, mesmo depois da conversão. Raramente,
porém, ele faz referência a algum aspecto do novo caráter do
indivíduo depois da conversão como natureza, preferindo fi-
car palavra carne (gr. sarx).
Nas Confissões, Agostinho compara suas próprias lutas
contra o pecado às lutas relatadas por Paulo em Romanos 7.14-
25. Agostinho escreveu:

Em vão, "no íntimo do meu ser tenho prazer na Lei de Deus"


"

quando vejo outra lei aluando nos membros do meu corpo, guer-
reando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro da lei
do pecado que atua em meus membros". Pois a lei do pecado é o
220 5 perspectivas sobre a santificação

ultraje do comportamento, pelo qual a mente é atraída e presa,


mesmo contra sua vontade; merecendo ficar assim presa porque
"

cai nessa situação com tanto desejo. Miserável homem que eu


"

sou! Quem me libertará do corpo sujeito a esta morte senão sua ,

graça, por meio de Jesus Cristo nosso Senhor?6

Nesse ponto das Confissões, Agostinho não deixa claro se


estava falando da experiência anterior ou posterior à salva-
ção. Nos escritos seguintes, entretanto, Agostinho assumiu
definitivamente a posição de que essa passagem de Romanos
refere-se à luta interior do cristão.7
Charles Hodge apóia essa interpretação. Com referência a
Romanos 7.14-25, comenta por fim que Agostinho e outros
sustentavam que essa passagem se refere ao cristão que ain-
da está sob a lei, não a alguém que ainda não foi salvo. De
acordo com Hodge,

Parece que nos três primeiros séculos os pais da igreja em


geral concordavam que essa passagem era a descrição da experi-
ência de alguém que ainda está sob a lei. Até Agostinho concordou
a princípio que essa perspectiva estava certa; porém, como a com-
preensão mais profunda do próprio coração e a investigação mais
acurada das Escrituras o levaram a mudar de opinião com relação
a muitos outros assuntos, isso provocou também uma mudança
quanto ao tema. Essa alteração da perspectiva doutrinária não pode
ser atribuída à polémica com Pelágio, pois ocorreu muito antes de
começar a controvérsia. Deve ser atribuída à experiência religiosa
e ao estudo da Palavra de Deus. Os escritores da Idade Média em
geral concordavam com a perspectiva agostiniana posterior no
que diz respeito a esse e a outros assuntos. Na época da Reforma, a
diversidade inicial de opiniões concernentes ao tema, assim como
em todos os outros temas ligados a ele, rapidamente se tornou
manifesta. Erasmo, Sócinos e outros fizeram renascer a opinião
dos pais gregos da Igreja, enquanto Lutero, Calvino, Melanchton,
Beza e outros, aderiram à interpretação oposta.8

Hodge defendia que a perspectiva presente nessa passa-


gem aplica-se de certa forma aos cristãos e observa que, de
modo geral, os calvinistas assumiram essa posição, enquanto
"

os arminianos não. Para Hodge, essa diferença é na verdade


produto das diversas perspectivas da doutrina bíblica do es-
tado natural do homem".9
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 221

Reconhecendo no cristão o conflito entre pecado e justiça,


Agostinho, escrevendo Palatinus, afirma:
"

Vigiem e orem para que não caiam em tentação." Essa oração é


em si uma advertência de que a ajuda do Senhor é necessária, de
que não se deve depositar a esperança de viver bem apenas em si
mesmo. Dessa forma, ora-se não com o intuito de obter as rique-
zas e honras do século atual, nem algum bem humano imaterial,
mas para não cair em tentação; o que não se pediria em oração se o
homem conseguisse isso por vontade própria.10

Em Cidade de Deus, Agostinho comenta a respeito da carne:

Ao enunciar essa nossa proposição, pois, isto é, a de que, por-


que uns vivem segundo a carne e outros segundo o espírito, vie-
ram à luz duas cidades diversas e conflitantes - por causa disso é
"

que pudemos igualmente dizer: porque alguns vivem de acordo


"

com o homem e outros segundo Deus Pois Paulo diz claramente .

"
aos coríntios, porque, visto que há inveja e divisão entre vocês,
"

não estão sendo carnais e agindo como mundanos? De modo que .

andar segundo o homem e ser carnal são a mesma coisa, pois pela
" "
carne , ou seja, por uma parte do homem, o homem é indigno.11

No estudo sobre moderação, Agostinho cita Gálatas 5.16,17,


dizendo: "Pois tampouco eram os outros membros da Igreja a
'

quem ele ordenou Vivam pelo Espírito, e de modo nenhum


satisfarão os desejos da carne. Pois a carne deseja o que é
contrário ao Espírito; e o Espírito, o que é contrário à carne.
Eles estão em conflito um com o outro, de modo que vocês
'"
não fazem o que desejam 12 Notando que a palavra traduzi-
.

da aqui por "carne" é entendida como "natureza pecaminosa"


na NV1, * podemos ver que Agostinho percebe no cristão a con-
tinuação do pecado de alguma forma e o conflito resultante
da carne com a nova natureza e com o Espírito Santo.
Se o cristão traz em si o pecado, designado nas Escrituras
" "
como carne - algo que não é eliminado com o novo nasci-
"
mento -, permanece a pergunta Esse componente deve ser
' ' "
considerado a natureza pecaminosa ? Para entender o pro- .

blema, temos de voltar ao conceito de Hodge da natureza como


substância, o qual que deriva da sua ideia das duas naturezas

A NVI prefere a expressão "natureza pecaminosa" em vez de carne [N. do T.].


*
246 5 perspectivas sobre a santificação

do: "mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos se-


"

melhantes a ele, pois o veremos como ele é (IJo 3.2). Embora


a posição atual dos crentes em Cristo seja perfeita, o estado
espiritual ainda é imperfeito, até que estejamos na presença
de Deus. Nesse dia, não haverá mais natureza pecaminosa, e
o pecado não mais fará parte da experiência espiritual.
Do começo ao fim da Bíblia, a santificação é a obra de Deus
pelo ser humano, e não a obra humana por Deus. Firma-se na
morte de Cristo, que a torna possível de acontecer. Continua
mediante a presença do Espírito Santo e é finalmente aperfei-
çoada quando o cristão se apresenta diante de Deus no céu -
para sempre livre do pecado, de culpa e de mácula. O crente
está destinado a refletir eternamente a santidade de Deus, como
exemplo do que a graça de Deus é capaz de realizar. A doutrina
cristã da santificação é sempre separada da obra humana e,
por isso, removida de qualquer sistema legalista das religiões
não-cristãs. Por fim, a santificação é totalmente para a glória de
Deus e é prova de suas perfeições infinitas.

BIBLIOGRAFIA

Chafer, Lewis S. Systematic Theology. 8 vols. Dallas, Dallas Theological


Seminary, 1947-48 [Teologia sistemática de Chafer, 4 vols., Edi-
tora Hagnos, 2003].
Dunn, James D.G. Baptism in the Holy Spirit. Naperville, Illinois: Allenson,
1970.

Hegre, T. A. The Cross crnd Sanctification. MinneapoIIis: Bethany Fellowship,


1960.

Kuyper, Abraham. The Work ofthe Holy Spirit. Trad. para inglês de Henri de
Vries. Nova York, Funk & Wagnalls, 1900.
Needham, David C. Birthright. Portland: Multnomah, 1979.
Ryrie, Charles C. Balancing in Christian Life. Chicago, Moody, 1969.
Walvoord, John F. The Holy Spirit. Findley, Ohio, Dunham, 1958.
Warfield, Benjamin B. The Person and Work ofChrist. Org. Samuel C. Craig,
Filadélfia, Presbyterian and Reformed, 1950.
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 223

conceito de natureza que implica uma existência substantiva


em geral é aceito pelos que negam que o cristão ainda tem
uma natureza pecaminosa e por sua vez provocou a luta para
encontrar um termo substituto ou para negar tanto quanto
possível a presença do pecado no cristão. Embora a perspec-
tiva do caráter substantivo da natureza na pessoa de Cristo
seja reconhecida como ortodoxa, a maioria dos teólogos que
defende que os crentes têm a natureza pecaminosa e a divi-
na, ou nova, usa o termo natureza em sentido mais brando
nesse contexto. Ninguém defende que a natureza divina do
cristão chegou a existir em algum momento como pessoa dis-
tinta, tal qual de fato ocorreu com Cristo, embora a natureza
pecaminosa caracterize uma pessoa antes da salvação. O pro-
blema está em como definir natureza do modo que é usada
com relação ao cristão.

A DEFINIÇÃO AGOSTINIANO-DISPENSACIONALISTA DE NATUREZA PECAMINOSA


Charles Ryrie analisa o conceito de natureza no cristão:

No momento em que a pessoa aceita Cristo como Salvador, ela


se torna uma nova criação (2Co 5.17). A vida interior recebida de
Deus origina uma natureza que passa a existir juntamente com a
antiga natureza por toda a vida. Entender a presença, a posição e a
relação entre a nova e a velha natureza na vida do cristão é essen-
cial para que o cristão tenha uma vida espiritual equilibrada e sau-
dável. Algumas vezes, a natureza pecaminosa é denominada car-
ne. A propósito, o termo carne tem diversos significados. 1) Às
vezes, refere-se apenas ao corpo da pessoa (ICo 15.39). 2) Muitas
vezes, refere-se à pessoa como um todo (Rm 3.20). 3) Frequente-
mente, entretanto, é usado nas Escrituras para indicar a natureza
pecaminosa (Rm 7.18). Mas o que significa quando empregado
nesse sentido? Para responder a essa questão, é necessário buscar
uma boa definição do termo natureza. Muitas vezes, quando se
pensa em nova e velha natureza, as pessoas imaginam duas pesso-
as distintas vivendo no mesmo corpo. Uma é terrível, horripilante,
um ser decadente, enquanto a outra é elegante, jovem, uma pessoa
vitoriosa. Não é necessário descartar totalmente esse tipo de repre-
sentação, embora muitas vezes ele nos leve a pensar que não fui
"

exatamente eu quem fez essas coisas, mas o homenzinho" que


vive em mim. Em outras palavras, muitas vezes esse tipo de repre-
224 5 perspectivas sobre a santificação

sentação nos leva a uma falsa separação da personalidade de um


indivíduo.15

Ryrie prossegue, definindo natureza como "capacidade".

É muito melhor definir natureza em termos de capacidade. Dessa


forma, a velha natureza da carne é a capacidade que todo o homem
tem de servir e agradar a si mesmo. Em outras palavras, pode-se
dizer que é a capacidade de deixar Deus de fora da vida da pessoa.
Não seria suficientemente abrangente se definíssemos natureza
pecaminosa em termos da capacidade de fazer o mal, porque ela é
mais do que isso. Existem muitas coisas que não são ruins em si,
mas que derivam da velha natureza.16

Em Romanos 7.14-25, entretanto, parece que Paulo indica


que a carne, ou natureza pecaminosa, representa mais do que
capacidade. Ao que parece, mencionam-se muitos outros con-
ceitos além desse, como depravação da velha natureza ou sua
tendência natural (ou predisposição) ao pecado. De acordo
com as Escrituras, todos esses conceitos podem ser incorpo-
rados corretamente ao conceito de velha natureza.
Os calvinistas em geral reconhecem que o não-cristão tem
a natureza pecaminosa. Lewis Sperry Chafer, por exemplo,
afirma:

Ao tentar analisar mais especificamente o que é a natureza pe-


caminosa, devemos nos lembrar de que ela é uma perversão da
criação original de Deus e, nesse sentido, é algo anormal. Cada
uma das faculdades humanas foi prejudicada pela Queda, e a inca-
pacidade de fazer o bem e a estranha predisposição ao mal vêm à
tona a partir dessa confusão interior.17

Embora os dispensacionalistas em geral afirmem que os


crentes ainda mantêm a natureza pecaminosa, Chafer limita
o conceito do termo natureza:

Não fosse por causa de um sentido secundário do termo natu-


reza, ele não seria uma designação apropriada para o que se pre-
tende especificar. Natureza é basicamente algo criado por Deus,
como, por exemplo, a natureza humana antes da Queda, que refle-
tia a imagem e a semelhança divinas. Em sentido secundário, o
termo natureza designa a perversão, que inclui as inclinações pe-
caminosas que a Queda produziu.18
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 233

A HABITAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO


Embora a obra do Espírito Santo possa ser identificada ao
longo das Escrituras como um todo e seja intrínseca em cada
obra de Deus, desde a eternidade passada até a eternidade
futura, uma nova e distinta provisão da presença do Espírito
tem sido percebida desde o dia de Pentecoste. O AT registra
atuações especiais e ocasionais do Espírito Santo para capaci-
tar pessoas a realizar alguma obra para Deus. Presume-se que
o Espírito de Deus tenha agido nos profetas e nos autores
bíblicos bem como na santificação dos que eram salvos. A
habitação universal do Espírito Santo, entretanto, não havia
ocorrido até o dia de Pentecoste, do modo que foi demonstra-
do nas profecias de Cristo, que diziam que essa habitação
ocorreria no futuro.30
Nos quatro evangelhos, assim como há profecias que tra-
tam do batismo do Espírito Santo no futuro, também Cristo
profetiza um novo e diferente ministério para o Espírito Santo:

No último e mais importante dia da festa, Jesus levantou-se e


disse em alta voz: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem
crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de
água viva". Ele estava se referindo ao Espírito, que mais tarde rece-
beriam os que nele cressem. Até então o Espírito ainda não tinha
sido dado, pois Jesus ainda não fora glorificado. (Jo 7.37-39)

Essa passagem faz distinção clara entre o ministério pas-


sado e o futuro do Espírito Santo.
Na noite anterior à crucificação, Jesus anunciou mais uma
"

vez o novo ministério do Espírito: E eu pedirei ao Pai, e ele


lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sem-
pre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-lo, por-
que não o vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem, pois ele
"
vive com vocês e estará em vocês (Jo 14.16,17). Antes da as-
censão, Jesus também instruiu os discípulos com respeito à
obra futura do Espírito, falando do futuro batismo do Espírito
Santo (At 1.4,5) e do enchimento (v. 8). Depois do Pentecoste,
a habitação do Espírito Santo é mencionada várias vezes (At
11.17; Rm 5.5; 8.9-11; ICo 2.12; 6.19,20; 12.13; 2Co 5.5; Gl
32; 4.6; IJo 3.24; 4.13). Com base nessas referências, fica cla-
.

ro que a presença interior do Espírito Santo é uma das provas


da salvação da pessoa e também significa o meio pelo qual
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 233

A HABITAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO


Embora a obra do Espírito Santo possa ser identificada ao
longo das Escrituras como um todo e seja intrínseca em cada
obra de Deus, desde a eternidade passada até a eternidade
futura, uma nova e distinta provisão da presença do Espírito
tem sido percebida desde o dia de Pentecoste. O AT registra
atuações especiais e ocasionais do Espírito Santo para capaci-
tar pessoas a realizar alguma obra para Deus. Presume-se que
o Espírito de Deus tenha agido nos profetas e nos autores
bíblicos bem como na santificação dos que eram salvos. A
habitação universal do Espírito Santo, entretanto, não havia
ocorrido até o dia de Pentecoste, do modo que foi demonstra-
do nas profecias de Cristo, que diziam que essa habitação
ocorreria no futuro.30
Nos quatro evangelhos, assim como há profecias que tra-
tam do batismo do Espírito Santo no futuro, também Cristo
profetiza um novo e diferente ministério para o Espírito Santo:

No último e mais importante dia da festa, Jesus levantou-se e


disse em alta voz: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem
crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de
água viva". Ele estava se referindo ao Espírito, que mais tarde rece-
beriam os que nele cressem. Até então o Espírito ainda não tinha
sido dado, pois Jesus ainda não fora glorificado. (Jo 7.37-39)

Essa passagem faz distinção clara entre o ministério pas-


sado e o futuro do Espírito Santo.
Na noite anterior à crucificação, Jesus anunciou mais uma
"

vez o novo ministério do Espírito: E eu pedirei ao Pai, e ele


lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sem-
pre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-lo, por-
que não o vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem, pois ele
"
vive com vocês e estará em vocês (Jo 14.16,17). Antes da as-
censão, Jesus também instruiu os discípulos com respeito à
obra futura do Espírito, falando do futuro batismo do Espírito
Santo (At 1.4,5) e do enchimento (v. 8). Depois do Pentecoste,
a habitação do Espírito Santo é mencionada várias vezes (At
11.17; Rm 5.5; 8.9-11; ICo 2.12; 6.19,20; 12.13; 2Co 5.5; Gl
32; 4.6; IJo 3.24; 4.13). Com base nessas referências, fica cla-
.

ro que a presença interior do Espírito Santo é uma das provas


da salvação da pessoa e também significa o meio pelo qual
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 227

traste com essa definição, Scofield defende que "o 'novo ho-
'
mem regenerado distingue-se do velho homem (nota de Rm

6 6) e é um novo homem ao partilhar da natureza e vida divi-


.

na (Cl 3.3,4; 2Pe 1.4) e de forma alguma o velho homem se


renovou ou melhorou (2Co 5.17; Gl 6.15; Ef 2.10; Cl 3.10). O
'
novo homem é Cristo sendo formado' no cristão (Gl 2.20; 4.19;
Cl 1.27; IJo 4.12)".23
Existem alguns motivos para questionar a identificação do
velho homem com a natureza pecaminosa e o novo homem
com a nova natureza. Colossenses 3.9,10, por exemplo, afir-
"
ma: Não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despi-
ram do velho homem com suas práticas e se revestiram do
novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à ima-
"

gem do seu Criador Obviamente, é impossível despir-se do


.

velho homem, assim como é impossível pelo esforço huma-


no revestir-se do novo, se esses versículos se referirem à ve-
lha e à nova natureza. O velho homem mencionado em Ro-
manos 6.6 e Colossenses 3.9,10 parece referir-se mais ao modo
de vida anterior do que à velha natureza. Do mesmo modo, o
novo homem, como indica Efésios 4.24, parece referir-se ao
novo modo de vida que deriva da nova natureza e se mani-
festa na experiência cristã. A exortação aqui a "revestir-se do
"
novo homem significa que a nova natureza deve ter condi-
ções de manifestar-se. Esse revestimento também pode ser
entendido como algo que já se realizou (como em Cl 3.9,10).
Da mesma forma, o velho homem é retratado em Romanos
6 6 como crucificado no momento em que Cristo foi crucifi-
.

"

cado. Por isso é que Paulo afirma: Fui crucificado com Cristo.
Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim" (Gl
2 20). A morte de Cristo não é suficiente apenas para retirar a
.

culpa do pecado do crente, mas também possibilita ao indiví-


duo libertar-se dos velhos hábitos e da velha vida que o ca-
racterizava antes da conversão.

RESUMO DO ESTADO ESPIRITUAL DA PESSOA APÓS A SALVAÇÃO


À luz da exposição precedente, podemos concluir que, uma
vez que a pessoa é salva, o seu estado espiritual inclui uma
natureza nova e uma velha. Ou seja, o crente ainda conserva
uma velha natureza - o conjunto de atributos com inclina-
ção e disposição para o pecado; e a nova natureza, que tam-
228 5 perspectivas sobre a santificação

bém possui um conjunto de atributos, mas esses atributos fa-


zem o cristão inclinar-se para o novo modo de vida, que é santo
aos olhos de Deus. Com base na perspectiva agostiniano-dis-
pensacionalista, o problema fundamental da santificação refe-
re-se ao modo que as pessoas portadoras desses aspectos dis-
tintos em seu ser - a velha e a nova natureza - podem atingir
pelo menos um nível relativo de santificação e retidão nesta vida.
As pessoas redimidas não são capazes de viver com santi-
dade sem ajuda divina. A velha natureza tende ao pecado e a ,

nova, a agir com correção. Logo, essas duas naturezas estão


em luta, como foi dito em Romanos 7.14-25. Além disso, uma
vez que a velha natureza é incapaz de produzir uma vida de
justiça, a nova natureza também é incapaz de fazer isso por
si só. Por isso, a perspectiva agostiniano-dispensacionalista
afirma que a vida santa só é possível por meio da graça e da
capacitação de Deus a cada crente. A santificação final dos
crentes no céu está garantida, mas os cristãos não vivem a
santificação automaticamente na terra só porque se tornaram
novas criações em Cristo. Da parte de Deus, é necessário pro-
visão para a necessidade espiritual do cristão; do lado huma-
no, faz-se necessária a apropriação.

A REGENERAÇÃO DA PESSOA
Um elemento essencial da mudança drástica por que o in-
divíduo passa na salvação é a obra que o Espírito Santo realiza
na regeneração, a renovação que ocorre no momento da sal-
vação. A palavra regeneração (gr. palingenesia) só é usada duas
vezes no NT (Mt 19.28; Tt 3.5). Contudo, só em Tito 3.5 é que
se fala da nova vida que o crente recebe no momento da sal-
"

vação: Não por causa de atos de justiça por nós praticados,


mas devido à sua misericórdia, ele nos salvou pelo lavar rege-
"

nerador [gr. palingenesia] e renovador do Espírito Santo O .

conceito de regeneração, entretanto, é proeminente na teolo-


gia protestante, pois ao longo dos séculos a igreja tem discu-
tido seu significado em relação a termos como conversão ,

santificação e justificação. Na teologia reformada mais recen-


te, regeneração está associada à concessão da vida eterna.
Charle Hodge afirma:

Por consenso quase universal a palavra regeneração é empre-


,

gada atualmente para designar não o trabalho completo de santifi-


A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 229

cação, nem os primeiros estágios dessa obra que estão incluídos


,

na conversão, muito menos a justificação ou alguma simples mu-


dança exterior de estado, mas a passagem instantânea da morte
espiritual para a vida espiritual.24

Nesse sentido, uma pessoa redimida é uma nova criação


em Cristo Jesus, pois recebeu vida eterna.
Nas Escrituras, regeneração abrange o sentido de três figu-
ras.25 Primeiro, a regeneração é o novo nascimento ou "nas- ,
"
cer de novo (Jo 3.7). Assim como o nascimento natural é con-
sequência da paternidade humana, da mesma forma o
nascimento divino diz respeito à vida eterna que está em Deus
para o crente em Cristo.
A segunda imagem usada na Bíblia compara o novo nasci-
mento com a ressurreição espiritual (Jo 5.25; Ef 2.5 6; Cl 2.12; ,

3 1
. 2). Os cristãos são designados como "quem voltou da morte
,

"

para a vida (Rm 6.13).


Uma terceira imagem é mencionada na expressão "nova
" "

criação : Portanto, se alguém está em Cristo, é nova criação.


As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas no-
"
vas! (2Co 5.17). Baseado no fato de que é uma nova criação e

com essa nova perspectiva, o cristão é exortado a manifestar


boas obras e uma vida transformada (Ef 2.10; 4.24).
Por acompanhar Agostinho, a teologia reformada entende
regeneração diferentemente, como uma obra de Deus concluí-
da não pelos meios, mas imediatamente pelo Espírito Santo
ao mesmo tempo que a pessoa crê em Cristo. Embora produ-
za uma experiência, a regeneração não é uma experiência em
si nem pode ser separada da salvação.
Na medida em que a regeneração implica a concessão da
vida eterna, ela também é inseparável da nova natureza dada
à pessoa regenerada. Qualquer experiência espiritual que se se-
gue ao ato de regeneração caracteriza a nova criação que se
realizou. Na teologia reformada, o ato de regeneração é irre-
versível e resulta na segurança eterna do crente em Cristo.
Uma vez salva, a pessoa regenerada não mais tem dúvida so-
bre sua salvação, mas está preparada para defrontar-se com o
problema da santificação prática. Com base nas Escrituras, a
regeneração não produz perfeição de caráter nem libertação
da natureza pecaminosa.
230 5 perspectivas sobre a santificação

O BATISMO COM O ESPÍRITO SANTO

Conquanto haja consenso na teologia reformada acerca da


doutrina da regeneração, o significado do batismo com o Es-
pírito Santo tem sido discutido com frequência.26 Para os dis-
pensacionalistas, a santificação baseia-se na teologia reforma-
da, mas, com respeito à doutrina do batismo com o Espírito
Santo, existe certo afastamento, ou pelo menos refinamento,
da teologia reformada mais antiga. A doutrina do batismo com
o Espírito Santo tem sido deixada de lado na teologia reforma-
da, como exemplifica Abraham Kuyper em Work of the Holy
Spirit [A obra do Espírito Santo]. Esse livro de mais de 600
páginas não apresenta nenhuma análise do tema do batismo
com o Espírito.27
A confusão de entendimento do batismo com o Espírito
Santo tem sido acompanhada pela confusão a respeito da natu-
reza da igreja na época atual. Embora o batismo com o Espírito
não seja mencionado no AT, muitos ensinam que os santos de
todas as épocas pertencem à igreja. Os dispensacionalistas,
entretanto, defendem que a igreja é composta apenas pelos
santos da época presente. Alguns estudiosos identificaram
erroneamente o batismo com o Espírito Santo com a regene-
ração, com a habitação do Espírito, com o enchimento pelo
Espírito ou com a manifestação de diversos dons do Espírito.
Entretanto, a verdade vem à luz quando atentamos para o
uso da expressão no NT.
Nos quatro evangelhos, o batismo com o Espírito é sempre
men-cionado como obra futura de Deus (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc
3 16; Jo 1.33). Mesmo em Atos 1.5, pouco antes da ascensão de
.

Cristo, o batismo do Espírito ainda é considerado um aconteci-


mento futuro. Em passagens bíblicas posteriores, ele é apre-
sentado (no que diz respeito aos crentes) como algo que já
tinha ocorrido (At 11.16; ICo 12.13; cf. GI 3.27; Ef 4.5; Cl 2.12).
Evita-se grande parte da confusão relativa a essa doutrina
com a exegese correta de ICoríntios 12.13, o texto definitivo:
"

Pois em um só corpo todos nós fomos batizados em um úni-


co Espírito: quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer li-
"

vres. E a todos nós foi dado beber de um único Espírito De .

acordo com esse versículo o batismo no Espírito Santo signi-


,

fica inserir o crente "em um só corpo", ou seja na igreja. O ,

corpo humano é usado como imagem para todos os crentes,


A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 231

dos quais repetidamente se afirma que estão "em Cristo". Essa


"
relação cumpre a profecia de Jesus em João 14.20: Naquele
dia compreenderão que estou em meu Pai, vocês em mim, e
"
eu em vocês O conceito de crentes que compõem um corpo
.

vivo cuja cabeça é Cristo (ICo 11.3; Ef 1.22,23; 5.23,24; Cl 1.18)


é uma verdade espiritual e teológica peculiar à época atual.
A forma que a revelação do NT apresenta o caráter definiti-
vo do batismo do Espírito produziu o conceito dispensacio-
nalista de que igreja é um termo que designa apenas a época
atual. Embora a palavra igreja [gr. ekklêsia] se encontre com
frequência na Septuaginta, nesse contexto ela diz respeito ape-
nas a uma assembléia local relacionada ao ambiente geográfi-
co, e não a um grupo de crentes sem nenhuma relação espa-
cial entre si. Dessa forma, embora a palavra santo seja usada
corretamente em referência a todos os que foram redimidos
em qualquer época, os dispensacionalistas advogam que a pa-
lavra igreja se refere especificamente aos crentes da época
presente.
Apesar de a doutrina do batismo do Espírito Santo ter sido
negligenciada em grande parte nos círculos reformados, atraiu
muita atenção do ensino pentecostal e da teologia dispensa-
cionalista. James D. G. Dunn, no livro Baptism in the Holy
Spirit [Batismo no Espírito Santo], exemplifica a renovação da
atenção ao tema. Seu estudo critica o pentecostalismo e a con-
cepção da doutrina acerca dos dons espirituais no NT. Con-
quanto o conceito de Dunn do batismo do Espírito muitas
vezes não seja definido com precisão, ele o entende como
"

uma forma figurada de descrever o ato em que Deus coloca o


homem 'em Cristo' ".28 Apesar de Dunn em alguns aspectos
hesitar em abraçar totalmente a doutrina do batismo com o
Espírito Santo de acordo com a perspectiva dispensacionalis-
ta, ele chega muitíssimo perto disso. Seu livro é notável por
causa da atenção dada à doutrina do batismo com o Espírito
Santo por alguém não-pentecostal.
A postura que afirma que a igreja está em Cristo introduz
um elemento importante para a concepção dispensacionalis-
ta de santificação, conceito que muitas vezes refere-se à "san-
tificação posicionai". Na exposição intitulada "Sete Figuras da
Igreja", Lewis Sperry Chafer comenta com pormenores a posi-
" "

ção do crente em Cristo Chafer desenvolve o conceito de


.

igreja como nova criação e faz referência a diversas passa-


232 5 perspectivas sobre a santificação

gens do NT (2Co 5.17,18; Gl 3.27,28; 6.15; Ef 2.10-15; 4.21-24;


Cl 3.9,IO).29
Pela igualdade de posição de todos os crentes em Cristo,
relação que jamais mudou, esse estado vem a ser a base do
uso neotestamentário da palavra santo. A grande maioria das
alusões à santificação no NT está no uso do vocábulo santo,
empregado indiscriminadamente em referência a todos os cris-
tãos verdadeiros. Embora o termo se aplique aos redimidos
de todas as épocas, no momento atual significa especifica-
mente os que foram balizados pelo Espírito Santo no corpo
de Cristo, e esse batismo nunca é mencionado como fato con-
sumado antes do Pentecoste e nunca como fato futuro após a
segunda vinda de Cristo.
O batismo do Espírito Santo, que ocorreu primeiramente
no dia de Pentecoste (compare At 1.5 com At 11.16), identifica
o crente com Cristo na morte, no sepultamento e na ressur-
reição (Rm 6.1-4; Cl 2.12). Essa identificação não é apenas um
ajuste de contas com Deus, mas também está ligada à nossa
união com Cristo na vida eterna, incluída no conceito de rege-
neração.
O batismo com o Espírito Santo não deve ser confundido
com o enchimento do Espírito, como comumente ocorre, só
porque ambos ocorreram ao mesmo tempo no dia de Pente-
coste, nem deve ser confundido com a habitação do Espírito,
que também aconteceu no dia de Pentecoste. O ato do batis-
mo com o Espírito Santo é uma obra que ocorre de uma vez
por todas no momento da salvação e permite ao crente esta-
belecer uma união viva com todos os outros crentes e com
Cristo. Essa nova união é ingrediente essencial no programa
divino de santificação e provê de uma única vez uma nova
posição em Cristo, obra completa e acabada, e (ao mesmo tem-
po) provê unidade com Cristo, o cabeça, e com a igreja, o Cor-
po de Cristo. Dessa união surgem a comunhão espiritual, a
capacidade de frutificar, o suprimento de poder espiritual e a
direção que Cristo, o cabeça da igreja, dá aos membros de seu
Corpo. Essa verdade, portanto, é fundamental e essencial para
a doutrina da salvação e a da santificação. Deixar de compre-
ender o caráter distintivo do batismo do Espírito é a principal
causa de confusão na compreensão da obra do Espírito Santo
no cristão e da obra de Deus referente à santificação progres-
siva e à maturidade dos membros do Corpo de Cristo.
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 233

A HABITAÇÃO DO ESPÍRITO SANTO


Embora a obra do Espírito Santo possa ser identificada ao
longo das Escrituras como um todo e seja intrínseca em cada
obra de Deus, desde a eternidade passada até a eternidade
futura, uma nova e distinta provisão da presença do Espírito
tem sido percebida desde o dia de Pentecoste. O AT registra
atuações especiais e ocasionais do Espírito Santo para capaci-
tar pessoas a realizar alguma obra para Deus. Presume-se que
o Espírito de Deus tenha agido nos profetas e nos autores
bíblicos bem como na santificação dos que eram salvos. A
habitação universal do Espírito Santo, entretanto, não havia
ocorrido até o dia de Pentecoste, do modo que foi demonstra-
do nas profecias de Cristo, que diziam que essa habitação
ocorreria no futuro.30
Nos quatro evangelhos, assim como há profecias que tra-
tam do batismo do Espírito Santo no futuro, também Cristo
profetiza um novo e diferente ministério para o Espírito Santo:

No último e mais importante dia da festa, Jesus levantou-se e


disse em alta voz: "Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem
crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de
água viva". Ele estava se referindo ao Espírito, que mais tarde rece-
beriam os que nele cressem. Até então o Espírito ainda não tinha
sido dado, pois Jesus ainda não fora glorificado. (Jo 7.37-39)

Essa passagem faz distinção clara entre o ministério pas-


sado e o futuro do Espírito Santo.
Na noite anterior à crucificação, Jesus anunciou mais uma
"

vez o novo ministério do Espírito: E eu pedirei ao Pai, e ele


lhes dará outro Conselheiro para estar com vocês para sem-
pre, o Espírito da verdade. O mundo não pode recebê-lo, por-
que não o vê nem o conhece. Mas vocês o conhecem, pois ele
"
vive com vocês e estará em vocês (Jo 14.16,17). Antes da as-
censão, Jesus também instruiu os discípulos com respeito à
obra futura do Espírito, falando do futuro batismo do Espírito
Santo (At 1.4,5) e do enchimento (v. 8). Depois do Pentecoste,
a habitação do Espírito Santo é mencionada várias vezes (At
11.17; Rm 5.5; 8.9-11; ICo 2.12; 6.19,20; 12.13; 2Co 5.5; Gl
32; 4.6; IJo 3.24; 4.13). Com base nessas referências, fica cla-
.

ro que a presença interior do Espírito Santo é uma das provas


da salvação da pessoa e também significa o meio pelo qual
234 5 perspectivas sobre a santificação

Deus pode efetuar a santificação no aspecto prático e pro-


gressivo.
É impossível superestimar a importância da habitação do
Espírito no novo convertido. Sua presença é prova de proprie-
dade divina, de segurança e graça, e da intenção divina de
produzir no novo convertido o fruto da salvação. O Espírito
Santo é o selo divino de propriedade (2Co 1.22; 5.5; Ef 1.14).
Visto que o Espírito habita o crente, o corpo deste torna-se
templo do Espírito (ICo 6.19). A presença do Espírito Santo
também é o selo divino de segurança para os crentes quanto
à salvação e confirma o propósito de Deus de apresentá-los
santos no céu. A habitação do Espírito Santo, bem como o
batismo e a regeneração do Espírito, ocorre uma única vez no
momento da salvação e fornece as bases para a obra divina
futura de graça, a saber, a santificação e a glorificação final. A
presença do Espírito Santo é acompanhada pelos dons espiri-
tuais e pela possibilidade do crente exercê-los no poder e na
bênção do Senhor.

0 ENCHIMENTO DO ESPÍRITO SANTO

Embora todos os cristãos sejam regenerados, balizados,


habitados e selados pelo Espírito, nem todos os cristãos são
cheios do Espírito. Essa importante variável explica a grande
diferença de experiências e poderes espirituais que existe en-
tre os vários crentes. O enchimento do Espírito é a fonte de
todos os ministérios importantes do Espírito nos crentes de-
pois da conversão. Esse enchimento não deve ser confundi-
do com experiências que precedem a salvação (como a con-
vicção do Espírito), nem com as obras que ocorrem uma única
vez no momento da salvação. O enchimento do Espírito é uma
obra de Deus que ocorre repetidamente na vida dos crentes,
portanto é sem dúvida a fonte da santificação, bem como da
frutificação espiritual.31
A qualidade da vida espiritual de um cristão é demonstra-
da de variadas formas durante a vida. O novo convertido pode
ser imaturo e relativamente ignorante a respeito de Deus e da
verdade, mas mesmo assim pode ter certo grau de espiritua-
lidade e, por isso, vivenciar o enchimento do Espírito do modo
que foi exemplificado na conversão de Cornélio (At 10) e na
conversão dos discípulos de João (At 19). Já nos cristãos ma-
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 235

duros, entretanto, a vida espiritual pode ampliar e aprofun-


dar-se e apresentar novas características. Portanto, a espiri-
tualidade em relação à maturidade é a qualidade da vida espi-
ritual do crente em qualquer momento. Com crescimento e
maturidade, essa espiritualidade pode tornar-se mais signifi-
cativa e eficaz. As qualidades conjuntas da vida espiritual, ou
enchimento do Espírito, e da maturidade espiritual, que é al-
cançada gradualmente, são os dois principais fatores deter-
minantes da qualidade da vida espiritual do crente.
Embora tenham sido apresentadas diversas definições de
enchimento do Espírito, a expressão refere-se basicamente ao
serviço sem impedimentos que o Espírito realiza na vida do
cristão. Esse ministério do Espírito traz controle, nas circuns-
tâncias presentes, à vida do cristão e a infusão de poder espi-
ritual que lhe permite realizar muito mais do que ele poderia
fazer naturalmente. Esse tipo de controle espiritual, porém,
não é permanente e depende do enchimento renovado e cons-
tante do Espírito.
No AT, o enchimento do Espírito, ao que parece, relaciona-
se principalmente ao serviço para Deus e às vezes tem rela-
ção com habilidades de diversos tipos. No NT, o enchimento
do Espírito liga-se mais à vida e a um estado espiritual ativo
associado ao que Deus deseja para cada cristão. Ao todo, exis-
tem 15 referências no NT ao enchimento do Espírito. O verbo
grego mais usado é pimplêmi (Lc 1.15,41,67; At 2.4; 4.8,31;
9 17; 13.9). O verbo plêroõ é usado em Atos 13.52 e Efésios
.

5 18, esta última é uma das passagens neotestamentárias mais


.

importantes sobre o assunto. Os dois verbos têm a raiz pie.


Cinco referências do adjetivo plêrês também se relacionam
ao enchimento do Espírito (Lc 4.1; At 6.3,5; 7.55; 11.24).
Em todas essas ocorrências, à exceção do caso incomum
de uma criança (João Batista em Lc 1.15), o crente que foi cheio
pelo Espírito não recebeu mais do Espírito quantitativamente,
mas a capacidade de o Espírito trabalhar sem impedimento
no crente e controlá-lo por completo. A questão, portanto,
não é haver mais da presença de Deus, mas sim haver mais
do poder realizador e ministrador da presença de Deus na
vida do crente.
As primeiras referências dos Evangelhos ao enchimento
do Espírito - como, por exemplo, a experiência de Jesus (Lc
4 1), de João Batista (1.15) e dos pais de João, Zacarias e Isabel
.
236 5 perspectivas sobre a santificação

(v. 41,67) - são antecipações de experiências semelhantes dos


cristãos no livro dos Atos. O marco do enchimento do Espíri-
to ocorre no dia de Pentecoste, quando todos os cristãos fo-
ram cheios do Espírito (At 2.4). Foram registradas experiên-
cias posteriores de enchimento, como no caso de Pedro
perante o Sinédrio (4.8) e dos primeiros cristãos depois do
tempo de oração comum (4.31). Entre os exemplos posterio-
res, podemos observar o enchimento do Espírito na vida de
Estêvão (6.3,5; 7.55), de Paulo (9.17), Barnabé (11.24) e dos
discípulos de Antioquia da Pisídia (13.52). Em todos esses ca-
sos, o enchimento do Espírito significa a presença do Espírito
de Deus dando poder e capacidade para o indivíduo realizar
a vontade de Deus.
Um dos textos mais importantes do NT é Efésios 5.18, em
"

que Paulo declara: Não se embriaguem com vinho, que leva à


libertinagem, mas deixem-se encher pelo Espírito". A obra do
Espírito Santo é comparada e contraposta ao efeito produzido
pelo vinho. Assim como o teor alcoólico do vinho permeia
completamente o corpo do indivíduo e lhe transforma a ca-
pacidade de agir, também o Espírito enche o indivíduo e o
capacita a cumprir a vontade de Deus. Como fica implícito na
ordem de ser cheio com o Espírito, é possível ser cristão e
ainda assim não estar cheio do Espírito. A mesma pessoa pode
estar cheia em determinado momento e não estar em outro.
Essa operação contrasta com as obras permanentes do Espíri-
to realizadas no momento da salvação (como a regeneração, o
batismo e a habitação).
Em Efésios 5.18, o verbo traduzido por "ser cheio" está no
tempo presente, o que dá a idéia de "continuem a ser cheios".
O enchimento do Espírito, entretanto, está relacionado à ex-
periência, o que abrange certo período de tempo e, portanto,
opõe-se ao batismo com o Espírito Santo, expressão com a
"

qual é sempre confundida. O verbo grego traduzido por ba-


tizar" em ICoríntios 12.13 está no tempo aoristo, o que indica
um ato único definitivo, ou seja, que ocorreu de uma vez por
todas. Com relação ao enchimento do Espírito, entretanto, a
pessoa pode procurar ter essa experiência de controle e capa-
citação por meio do Espírito de Deus repetidas vezes, mo-
mento a momento. Se o enchimento do Espírito Santo é um
aspecto fundamental na vida espiritual do crente, surge en-
tão a pergunta acerca do que seria necessário o cristão fazer
para viver esse enchimento.
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 237

O NT é claro ao afirmar que o enchimento do Espírito ocor-


re quando o cristão apresenta as condições necessárias. No
começo de seu ministério, Cristo afirmou que ninguém pode
servir a dois senhores (Mt 6.24). A questão com que todo o
cristão depara depois da conversão é se ele vai submeter-se
por completo à vontade de Deus. Essa questão é levantada
repetidamente em Romanos, quando Paulo lida com a obra
exterior da salvação referente à doutrina da santificação. O
apóstolo desafia os leitores a sujeitar-se a Deus, como, por
exemplo, em Romanos 6.10-14.

Porque morrendo, ele morreu para o pecado uma vez por todas;
mas vivendo, vive para Deus. Da mesma forma, considerem-se
mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus. Portan-
to, não permitam que o pecado continue dominando os seus corpos
mortais, fazendo que vocês obedeçam aos seus desejos. Não ofere-
çam os membros do corpo de vocês ao pecado, como instrumentos
de injustiça; antes ofereçam-se a Deus como quem voltou da morte
para a vida; e ofereçam os membros do corpo de vocês a ele, como
instrumentos de justiça. Pois o pecado não os dominará, porque
vocês não estão debaixo da Lei, mas debaixo da graça.

Nessa passagem, Paulo compara a atitude de alguém que


oferece o corpo repetidas vezes a atos pecaminosos com a
atitude de alguém oferecer-se a Deus como um ato definitivo.
(Paulo usa o tempo presente na ordem "não permitam que o
"

pecado continue dominando os seus corpos mortais mas ,

" "

usa o tempo aoristo para a ordem ofereçam-se a Deus ) Essa .

oferta é o ato inicial de reconhecimento da autoridade de Je-


sus Cristo e do direito do Espírito Santo de controlar e guiar a
vida do cristão. A mesma verdade é sublinhada em Romanos
12.1,2, a exortação que resume as implicações de todo o con-
teúdo teológico anterior do livro de Romanos. Paulo escreve:
"
Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que
se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este
é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste
mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente,
para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa,
"

agradável e perfeita vontade de Deus Além disso, o ato inici-


.

al de sujeição deve continuar, como dá a entender o imperati-


"
vo de ITessalonicenses 5.19 ( Não apaguem o Espírito"). Em
" "

outras palavras, não resistam, não digam não ao Espírito .


238 5 perspectivas sobre a santificação

A experiência de enchimento contínuo do Espírito põe o


cristão em contato com Deus em diversas áreas. Em primeiro
lugar, o cristão deve entender a vontade de Deus revelada nas
Escrituras e a ela sujeitar-se. Ao mesmo tempo que o cristão
ganha experiência e maturidade e recebe uma revelação mais
completa da vontade de Deus, deve obedecer continuamente
às ordens bíblicas e sujeitar-se ao Espírito Santo; essas são as
condições para que o enchimento do Espírito continue. O cren-
te precisa saber distinguir entre orientação para a vida cristã
e revelação bíblica. Esta dá os princípios gerais e os padrões
morais de conduta, ao passo que a orientação é a aplicação do
ensino mais geral à vida pessoal.
Outro aspecto muito importante a que o cristão deve se
submeter é a obra providencial de Deus, que muitas vezes
inclui experiências indesejáveis, como tristeza, frustração e
decepção. Submeter-se ao tratamento providencial divino pro-
duz mais maturidade e discernimento quanto à verdade e aos
caminhos de Deus.
O exemplo máximo do enchimento do Espírito é dado pelo
próprio Cristo, na famosa passagem de Filipenses 2.5-11. Em
sujeição à vontade e ao plano de Deus, Cristo submeteu-se às
limitações de ser um homem na terra, aos sofrimentos e ten-
tações acarretados por essa condição e à suprema humilha-
ção de morrer na cruz pelos pecados do mundo. Essa passa-
gem faz três afirmações a respeito de Cristo: ele desejava fazer
a vontade de Deus, ser o que Deus escolheu que ele fosse e ir
para onde Deus o direcionasse. Esse alto padrão de conformi-
dade e sujeição à vontade de Deus é o exemplo e o modelo
para o cristão. O enchimento do Espírito, demonstrado por
Cristo da forma mais perfeita, só é possível se houver capaci-
tação e controle da vida pelo Espírito Santo.
Falando de forma realista, entretanto, sabemos que os cris-
tãos pecam. Essa experiência não anula a salvação de nin-
guém, nem faz que ninguém perca o Espírito Santo, mas ain-
da assim deve ser corrigida. Efésios 4.30 refere-se a essa
"

exigência quando Paulo ensina: Não entristeçam o Espírito


Santo de Deus [não continuem a entristecer], com o qual vo-
"

cês foram selados para o dia da redenção Esse texto mencio-


.

na a habitação do Espírito Santo como se ele fosse o selo de


Deus, a prova de sua posse e a tranquilidade e a segurança
que o crente encontra em Cristo. Visto que o Espírito Santo
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 239

habita o crente, qualquer pecado que este cometa entristece


o Espírito.
Entristecer o Espírito é um ato de rebeldia ou de resistência
a ele. Resistir ao Espírito o entristece, impede que ele ajude o
crente e que toda a sua obra se manifeste na vida desse cren-
te. Resistir ao Espírito afeta a comunhão com Deus, a produ-
ção de frutos e o discernimento das verdades espirituais. Con-
tudo, assim como Deus dá a salvação para o pecador perdido,
também dá a restauração ao santo que está em pecado. Em
IJoão 1.9, o apóstolo, ciente de nossa experiência espiritual e
de nossas necessidades, oferece a seguinte solução: "Se con-
fessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar
"

os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça Confes- .

sando os pecados, o cristão reconhece que agiu de forma con-


trária à vontade de Deus. Com essa confissão, busca o perdão
que já foi providenciado na salvação e também busca a res-
tauração que só Deus pode providenciar por meio da graça.
Assim como a salvação é condicionada à fé (confiar em Cris-
to), a restauração também depende da confissão do pecado.
O crente tem a garantia de que Deus lhe perdoará e o purifica-
rá e é perfeitamente justo que Deus assim o faça por causa da
expiação completa provida por Cristo. A confissão é o lado
humano, mas acerca do lado divino o apóstolo João prosse-
gue em IJo 2.1,2 falando da defesa de Cristo como sumo sa-
"
cerdote do crente no céu: Meus filhinhos, escrevo-lhes es-
tas coisas para que vocês não pequem. Se, porém, alguém
pecar, temos um intercessor junto ao Pai, Jesus Cristo, o Jus-
to. Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente
"

pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo .

Embora o perdão ocorra por meio da graça, os crentes são


advertidos quanto a continuar pecando, pois Deus disciplina
os filhos que dele se afastam. Sobre isso, Paulo instruiu a igreja
de Corinto em ICoríntios 11.31,32: "Mas, se nós tivéssemos o
cuidado de examinar a nós mesmos, não receberíamos juízo.
Quando, porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo
disciplinados para que não sejamos condenados com o mun-
do". Como Hebreus 12.5,6 afirma, a disciplina de Deus não
deve ser menosprezada. Pedro também exorta os crentes a
não sofrer por causa do pecado (IPe 4.14,15). Ser cheio do
Espírito implica sujeição e confissão do pecado, toda vez que
houver afastamento da vontade de Deus.
240 5 perspectivas sobre a santificação

Talvez o aspecto mais difícil da vida espiritual seja obede-


"
cer completamente à exortação de Gálatas 5.16 ( Por isso digo:
Vivam pelo Espírito, e de modo nenhum satisfarão os desejos
da carne"). A palavra "viver" é literalmente "andar" (v. ARA e
ARC). Andar no Espírito implica dependência contínua. Quando
alguém anda no sentido físico, depende da força de seus
membros para sustentar o corpo. Na vida cristã, acontece o
mesmo: os cristãos devem andar em constante dependência
do Espírito Santo. As variações na dependência consciente de
alguém em relação ao Espírito correspondem às variações na
experiência de enchimento do Espírito Santo. A exortação de
Gálatas ensina claramente que a vida espiritual deve ser vivi-
da a cada momento na relação com o Espírito, que é fonte de
poder e orientação para a vida cristã. O programa divino para
a santificação deve ser entendido no contexto da doutrina do
Espírito Santo no que diz respeito à salvação e à vida cotidia-
na do cristão, com reconhecimento total, de um lado da nova
natureza do crente assegurada pela salvação e, de outro, da
natureza pecaminosa que restou da vida anterior.

A EXPERIÊNCIA DECORRENTE DA SANTIFICAÇÃO PROGRESSIVA


Embora o cristão ainda seja potencialmente capaz de co-
meter pecados terríveis e incapaz de alcançar por si próprio
uma vida correspondente ao padrão divino de santificação,
pela presença interior do Espírito Santo e por seu poder e
sua orientação, ele pode crescer progressivamente em san-
tificação. Ainda que a velha natureza esteja presente a nova ,

natureza, pelo poder do Espírito, pode manifestar o fruto do


Espírito, a saber, "amor, alegria, paz, paciência, amabilidade,
bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio" (Gl 5.22,23).
Esse fruto, que se manifestou de forma suprema em Cristo,
é possível para o cristão, não por força própria nem em vir-
tude da nova natureza, mas em decorrência da utilização do
corpo humano pelo Espírito Santo como instrumento de ma-
nifestação dessas provas da graça de Deus. Nesse aspecto, o
cristão pode ser semelhante a Cristo, mesmo nesta vida. O
fruto do Espírito também se relaciona à união vital do crente
em Cristo, como foi exemplificado no discurso de Jesus a
respeito da videira e dos ramos (Jo 15). Os crentes em razão ,

do relacionamento com Cristo e com o Espírito Santo são ,


A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 241

capazes de gerar fruto; porém, assim como o ramo que de-


pende da videira, também eles dependem do Espírito Santo
para manifestar as provas de santificação na vida.
A santificação progressiva do crente também resulta em
serviço a Deus. As Escrituras afirmam que todo o ministério
do crente em nome de Deus é resultado da obra do Espírito
Santo e faz parte da sua santificação crescente. Como se men-
cionou antes, os cristãos, ao pôr em prática a Palavra de Deus,
podem ser guiados igualmente à vontade específica de Deus
para sua vida. A orientação divina torna-se uma das provas mais
importantes da salvação e da piedade. A santificação progressi-
va também produz a certeza cada vez maior de que a pessoa é
filha de Deus. Como Paulo menciona em Romanos 8.16: "O pró-
prio Espírito testemunha ao nosso espírito que somos filhos de
Deus". Embora as Escrituras afirmem que os cristãos têm a se-
gurança da salvação, a experiência cristã e a certeza da salvação
também estão frequentemente ligadas ao modo em que eles ca-
minham no Senhor e à intervenção do Espírito Santo neles.
O Espírito Santo ministra também na adoração verdadeira,
quando os cristãos podem elevar o coração à adoração e ao lou-
vor a Deus, que ele é a fonte de toda a graça e de todas as bên-
çãos. Sobre o enchimento do Espírito, Efésios 5.19,20 fala de um
louvor em forma de "salmos, hinos e cânticos espirituais".
A vida de oração do cristão está da mesma forma relacio-
nada ao ministério do Espírito Santo. Por sermos quase sem-
pre ignorantes de nossas necessidades espirituais, o Espírito
de Deus, de acordo com Romanos 8.26, nos ajuda em oração
e intercede em nosso favor. Ele ministra aos crentes revelan-
do-lhes suas necessidades espirituais e guiando-os na busca
da orientação e da vontade de Deus para a vida.
O Espírito de Deus em sua progressiva santificação também
torna possível o serviço do cristão por Deus como uma fonte de
"
onde fluirão rios de água viva" para os outros, como profetizou
Jesus em João 7.38,39. A fonte inesgotável dessa água é o pró-
prio Espírito. A operação desimpedida do Espírito Santo no crente
pode fazer com que uma grande obra de Deus se realize.

A RELAÇÃO ENTRE A GRAÇA SOBERANA E A RESPONSABILIDADE HUMANA


A discussão a respeito da relação entre graça soberana e
responsabilidade humana é inerente à análise do tema da
242 * S perspectivas sobre a santificação

santificação divina. A teologia arminiana salienta a responsabi-


lidade humana, e a teologia calvinista ressalta a soberania de
Deus. Ambas concordam, entretanto, que a graça é elemento
essencial para que o não-crente se torne cristão. As diferenças
surgem quando se procura explicar de que modo a graça atua
no momento da salvação. Quem estuda o assunto com atenção
concorda que existem elementos inescrutáveis no processo de
uma pessoa decaída crer em Cristo, mas que também existem
alguns aspectos que na verdade precisam ser definidos.
Os calvinistas supõem confiadamente, com base em inú-
meros textos bíblicos, que os salvos foram eleitos para a sal-
vação antes da fundação do mundo. Era o propósito sobera-
no de Deus que os eleitos alcançassem em algum momento
da vida a salvação plena em Cristo. A questão então é como
alguém que está morto espiritualmente e é incapaz de exercer
a fé consegue crer e ser salvo.
Cristo afirmou no Cenáculo que, quando o Espírito viesse,
"

o problema seria resolvido, pois ele convencerá o mundo do


pecado, da justiça e do juízo. Do pecado, porque os homens
não crêem em mim; da justiça, porque vou para o Pai, e vocês
não me verão mais; e do juízo, porque o príncipe deste mun-
do já está condenado" (Jo 16.8-11). Se interpretada correta-
mente, essa passagem fala da experiência de pessoas antes
da conversão e indica o processo pelo qual o Espírito Santo
revela graciosamente à pessoa decaída a natureza da salvação
e a sua necessidade espiritual. Uma pessoa pode experimen-
tar a convicção sem, entretanto, reconhecer Cristo como Sal-
vador. Da perspectiva teológica, a obra de convencimento rea-
lizada pelo Espírito é preparatória, mas não eficaz, na salvação.
As Escrituras indicam que no momento da salvação o não-
salvo confia em Cristo. O evangelho de João repetidas vezes
refere-se à necessidade de fé em Cristo para obter a salvação.
De acordo com João 20.31, o propósito principal do livro é
"

que vocês creiam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e,


"
crendo, tenham vida em seu nome Como, porém, uma pes-
.

soa decaída e morta no pecado pode vir a crer?


A resposta de calvinistas e arminianos é o derramamento da
graça, embora não fique claro nas Escrituras o modo em que
isso ocorre. A graça de Deus para a salvação é sobrenatural e
eficaz. Os calvinistas, portanto, fazem referência à graça eficaz,
ou irresistível, e os arminianos referem-se à sua suficiência.
A perspectiva agostiniano-dispensacionalista 243

A controvérsia entre calvinistas e arminianos culminou no


Sínodo de Dort (1618-1619), que condenou o arminianismo e
afirmou o calvinismo da forma mais vigorosa possível. No
processo, surgiu a confusão entre a graça concedida para ca-
pacitar o indivíduo a crer e a regeneração, que é o favor da
vida eterna concedida aos crentes, uma vez que o sínodo iden-
tificou os dois conceitos num só. Os calvinistas mais modera-
dos, entretanto, embora concordassem que a obra de Deus em
graça e regeneração ocorre ao mesmo tempo, achavam que há
uma relação de causa e efeito que faz da graça o poder capaci-
tador dado à pessoa para que ela creia e que a regeneração é
consequência do ato de crer. O Sínodo de Dort ao que parece
ensinava que a regeneração precede a fé e, nesse caso, a sobe-
rania de Deus prevalece e o indivíduo praticamente se torna
um robô que não participa ativamente da própria salvação.
A ênfase na soberania de Deus e na salvação realizada ex-
clusivamente por obra divina transfere-se para a doutrina da
santificação. Ao longo da história, alguns calvinistas adota-
ram a opinião de que a pregação do evangelho em todo o
mundo era desnecessária (se Deus elege as pessoas para a
salvação, ele pode cuidar para que sejam salvas). Semelhante-
mente, algumas pessoas entendem a santificação como obra
soberana de Deus, em que o homem só participa incidental-
mente. Embora a maioria dos calvinistas acredite haver espa-
ço para a responsabilidade humana, a tendência a salientar a
soberania de Deus à custa da interação com o homem até cer-
to ponto continua permeando o modo que os calvinistas apre-
sentam a santificação.
Algumas diferenças típicas entre a concepção agostiniano-
dispensacionalista e a teologia reformada da atualidade refe-
rente à santificação refletem-se na crítica que B. B. Warfield
fez ao livro de Lewis Sperry Chafer intitulado He That is Spiri-
tual [Aquele que é espiritual]. Numa resenha minuciosa sur-
gida logo após a publicação do livro, Warfield considera que
Chafer, em grande escala:

utiliza todos os jargões dos pregadores da vida cristã de santidade.


Dele também se fica sabendo sobre dois tipos de cristão, a quem
denomina respectivamente "homem carnal" e "homem espiritual",
com base numa interpretação equivocada de 1 Coríntios 2.9 ss (p. 8,
109,146); afirma que essa passagem nos dá a opção de ser um tipo
NOTAS

CAPITULO I
'
Cf., por exemplo, Maxim Piette, John Wesley in the Evolution of Protestantism,
Nova York, Sheed & Ward, 1937, e Martin Schmidt, John Wesley: A Theological
Biography, Nova York, Abingdon, 2 vols., 1962, 1973.
2Entre outros estudos v. Albert C. Outler, "John Wesley as Theologian -
,

Then and Now", Methodist History, julho de 1974, vol. 12, p. 63-82; Kenneth E.
Rowe, org., The Place of Wesley in the Christian Tradition, Metuchen, N. J.,
Scarecrow, 1976; Colin Williams, John Wesley's Theology Today, Nova York,
Abingdon, 1960; e Mildred Bangs Wynkoop, A Theology of Love: the Dynamic of
Wesleyanism, Kansas City, Beacon Hill, 1972.
"
3"Address to the Clergy in The Works of John Wesley, org. Thomas Jackson,
Londres: Wesley Conference Office, 1872; reimpresso em Kansas City, Beacon
Hill, 1978, vol. 10, p. 484 (a partir daqui citado como Works); R. S. Brightman,
"
Gregory of Nissa and John Wesley in Theological Dialogue", tese de doutorado,
Boston University, 1969; Ted A. Campbell, "John Wesley Conceptions and Uses of
Christian Antiquity", tese de doutorado, Southern Methodist University, 1984.
4George Croft Cell The Rediscovery of John Wesley, Nova York, Holt, 1935.
,

5John Wesley a John Clayton (?), 24 de março, 1739, in Works of John Wesley,
org. Frank Baker, Oxford, Oxford University Press, Nashville, Abingdon, 1974-
82, 26 vols., vol. 25, p. 616.
"
«Sermão "The Witness of the Spirit Works, vol. 5., p. 129, 133.
, ,

'
Sermão, "The End of Chrisfs Coming", Works, vol. 6, p. 277.
8"A Plain Account of Christian Perfection as Believed and Taught by the
Reverend Mr. John Wesley from the Year 1725-1777", Works, vol. 11, p. 395, 417.
"
Idem, p. 415.
"
10Sermão "Christian Perfection
, Works, vol. 6, p. 5-6.
,

UV Harald Lindstrõm, Wesley and Sanctification: a Study in the Doctrine of


.

Salvation, Londres, Epworth, 1950; reimpresso pela Grand Rapids, Zondervan,


Francis Asbury Press, 1984, p. 12.
12Cell Rediscovery of John Wesley, p. 341.
,

"
Lindstrõm arrola outros autores que defendem essa posição; v. Wesley and
sanctification, p. 12-3.
HV Albert C. Outler, "Holiness of Heart and Life" in Wesleyan Theology: a
.

Sourcebook, org. Thomas A. Langford, Durham, N. C, Labyrinth, 1984, p. 243.


Réplica wesleyana a Walvoord 249

ocorre o enchimento do Espírito, algo faz que se abra o cami-


nho para uma experiência mais estável e mais rica com Deus e
um culto mais vigoroso a Deus, o que não se pode obter de
outra forma. Os wesleyanos provavelmente mudariam o título
da seção "A experiência decorrente da santificação progressi-
"
va para "Crescimento na graça", "A caminho da maturidade"
"
ou A experiência da santificação prática". Quando o coração é
purificado e cheio pela presença e pelo amor de Deus, está
pronto para crescer em graça e conhecer a Deus mais intima-
mente a cada dia, uma vez que se vive a vida na realidade do
momento de entrega total.
Por fim, Walvoord demonstra ter entendido corretamente
a tensão bíblica entre a soberania de Deus e a responsabilida-
de humana com respeito à salvação e à santificação, embora,
ao que parece, as pressuposições do arminianismo evangéli-
co - intimamente relacionadas, como eram para Wesley, ao
núcleo da Reforma Protestante - sirvam como explicação mais
fácil do grande interesse bíblico que Walvoord tinha pela san-
tidade cristã. Benjamin Warfield provavelmente estava certo
quando observou que a considerável migração de calvinistas
para o wesleyanismo ocorreu quando os primeiros levaram a
sério as ordens bíblicas de ser cheios do Espírito. É muito di-
fícil acomodar de forma compatível em um único padrão teo-
lógico a natureza da relação de Deus com o homem nas obras
iniciais da graça e depois representar a obra da graça de Deus
em um padrão teológico distinto para designar a experiência
do "padrão superior de vida cristã".
246 5 perspectivas sobre a santificação

do: "mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos se-


"

melhantes a ele, pois o veremos como ele é (IJo 3.2). Embora


a posição atual dos crentes em Cristo seja perfeita, o estado
espiritual ainda é imperfeito, até que estejamos na presença
de Deus. Nesse dia, não haverá mais natureza pecaminosa, e
o pecado não mais fará parte da experiência espiritual.
Do começo ao fim da Bíblia, a santificação é a obra de Deus
pelo ser humano, e não a obra humana por Deus. Firma-se na
morte de Cristo, que a torna possível de acontecer. Continua
mediante a presença do Espírito Santo e é finalmente aperfei-
çoada quando o cristão se apresenta diante de Deus no céu -
para sempre livre do pecado, de culpa e de mácula. O crente
está destinado a refletir eternamente a santidade de Deus, como
exemplo do que a graça de Deus é capaz de realizar. A doutrina
cristã da santificação é sempre separada da obra humana e,
por isso, removida de qualquer sistema legalista das religiões
não-cristãs. Por fim, a santificação é totalmente para a glória de
Deus e é prova de suas perfeições infinitas.

BIBLIOGRAFIA

Chafer, Lewis S. Systematic Theology. 8 vols. Dallas, Dallas Theological


Seminary, 1947-48 [Teologia sistemática de Chafer, 4 vols., Edi-
tora Hagnos, 2003].
Dunn, James D.G. Baptism in the Holy Spirit. Naperville, Illinois: Allenson,
1970.

Hegre, T. A. The Cross crnd Sanctification. MinneapoIIis: Bethany Fellowship,


1960.

Kuyper, Abraham. The Work ofthe Holy Spirit. Trad. para inglês de Henri de
Vries. Nova York, Funk & Wagnalls, 1900.
Needham, David C. Birthright. Portland: Multnomah, 1979.
Ryrie, Charles C. Balancing in Christian Life. Chicago, Moody, 1969.
Walvoord, John F. The Holy Spirit. Findley, Ohio, Dunham, 1958.
Warfield, Benjamin B. The Person and Work ofChrist. Org. Samuel C. Craig,
Filadélfia, Presbyterian and Reformed, 1950.
Réplica

WESLEYANA

a Walvoord

Melvin E. Dieter

A extensa análise de John Walvoord do significado da pala-


vra natureza empregada para designar o estado do ser hu-
mano depois do novo nascimento em Cristo é muito provei-
tosa. Desloca a discussão do conceito da velha natureza como
algo substancial, elemento quantificável do pecado material
presente na vida do crente para a concepção bíblica mais glo-
bal do pecado remanescente como a capacidade, inclinação
ou propensão a pecar. Da mesma forma, a essência da nova
natureza pode ser definida como a inclinação para a obediên-
cia e para a justiça. Essa concepção aproxima-se do conteúdo
wesleyano que afirma que o problema essencial da santificação
cristã não está nas polaridades em constante confronto e guer-
ra. Em vez disso, o interesse básico está no julgamento corre-
lo dos relacionamentos - seja entre Deus e as pessoas, seja
entre as próprias pessoas.
Se alguém vai além e admite que o pecado pode ser mais
bem definido como falta de amor em vez de concupiscência,
como na clássica definição agostiniana, então o remédio é a
graça divina. Essa obra libera a nova natureza concedida ao
crente por meio da justificação e da regeneração da inclina-
ção para o pecado, o que mais satisfatoriamente define a na-
tureza humana após a Queda. As pessoas podem ficar livres
para amar e obedecer à vontade de Deus. Wesley sentiu confi-
ança em limitar a definição de pecado à transgressão voluntá-
ria da lei conhecida, uma vez que o cerne do ensino bíblico
248 5 perspectivas sobre a santificação

sobre a santificação é a fé que opera por meio do amor. Nessa


área, o ser humano precisa ser libertado para ser capaz de
não pecar, de ser uma pessoa espiritual. Deus promete um
coração disposto na perfeição cristã, e não o conhecimento
do que é maturidade ou perfeição no agir. No que diz respeito
às imperfeições, o sangue de Jesus purifica de todo o pecado
à medida que caminhamos na luz por meio da graça e do
poder de Cristo.
A concepção dispensacionalista de Walvoord a respeito da
santidade cristã aproxima-se muito da posição wesleyana com
relação à obra do Espírito, inclusive o batismo e o enchimento.
Embora muitos wesleyanos e pentecostais discordem de sua con-
cepção a respeito do batismo com o Espírito, que o restringe ao
batismo inicial no corpo de Cristo, e passem a utilizar as pala-
"
vras batismo" e "Espírito" para designar a crise da santificação
plena e o enchimento do Espírito, concordariam sem dificulda-
de com a excelente afirmação de Walvoord: "O crente que foi
cheio pelo Espírito não recebeu mais do Espírito quantitativa-
mente, mas a capacidade de o Espírito trabalhar sem impedi-
"

mento e controlá-lo completamente (p. 235).


Walvoord aproxima-se ainda mais da concepção wesleyana
da obra do Espírito na purificação completa e na vida cheia do
Espírito quando fala da necessidade do enchimento do Espí-
rito para que se realize a vontade de Deus. Hesita, entretanto,
quando observa que o enchimento pode não ser permanente
ou constante, como é a obra do Espírito na regeneração e na
habitação. Esse contraste não é necessário para a concepção
wesleyana, uma vez que a permanência dessas obras da gra-
ça depende de um coração disposto e do relacionamento con-
tínuo com Deus em Cristo, e baseia-se na fé e no poder do
Espírito, justamente como ocorreu no início da vida cristã. A
limitação à permanência da obra posterior do Espírito repou-
sa nos pressupostos de um entendimento reformado de elei-
ção e perseverança, facilmente aplicados às obras iniciais, mas
não ao avanço no relacionamento de vida no Espírito com res-
peito à libertação do pecado, embora Walvoord fale com elo-
quência dessa libertação no desafio para que os crentes não
deixem mais que o pecado seja o seu senhor, já que não estão
mais sob a lei, mas sob a graça.
A descrição geral de Walvoord da entrada em uma vida cheia
do Espírito seria aceita pela maioria dos wesleyanos. Quando
Réplica wesleyana a Walvoord 249

ocorre o enchimento do Espírito, algo faz que se abra o cami-


nho para uma experiência mais estável e mais rica com Deus e
um culto mais vigoroso a Deus, o que não se pode obter de
outra forma. Os wesleyanos provavelmente mudariam o título
da seção "A experiência decorrente da santificação progressi-
"
va para "Crescimento na graça", "A caminho da maturidade"
"
ou A experiência da santificação prática". Quando o coração é
purificado e cheio pela presença e pelo amor de Deus, está
pronto para crescer em graça e conhecer a Deus mais intima-
mente a cada dia, uma vez que se vive a vida na realidade do
momento de entrega total.
Por fim, Walvoord demonstra ter entendido corretamente
a tensão bíblica entre a soberania de Deus e a responsabilida-
de humana com respeito à salvação e à santificação, embora,
ao que parece, as pressuposições do arminianismo evangéli-
co - intimamente relacionadas, como eram para Wesley, ao
núcleo da Reforma Protestante - sirvam como explicação mais
fácil do grande interesse bíblico que Walvoord tinha pela san-
tidade cristã. Benjamin Warfield provavelmente estava certo
quando observou que a considerável migração de calvinistas
para o wesleyanismo ocorreu quando os primeiros levaram a
sério as ordens bíblicas de ser cheios do Espírito. É muito di-
fícil acomodar de forma compatível em um único padrão teo-
lógico a natureza da relação de Deus com o homem nas obras
iniciais da graça e depois representar a obra da graça de Deus
em um padrão teológico distinto para designar a experiência
do "padrão superior de vida cristã".
Réplica

REFORMADA

a Walvoord

Anthony A. Hoekema

Os pontos com que concordo do capítulo escrito por John


Walvoord são: o Espírito Santo exerce papel indispensável na
santificação; a graça soberana e a responsabilidade humana
estão envolvidas na santificação; a santificação deve ser pro-
gressiva e o batismo do Espírito Santo significa o ato de inse-
rir o crente no corpo de Cristo - bênção divina que deve dis-
tinguir-se do enchimento com o Espírito Santo (v. o livro: Holy
Spirit Baptism [Batismo com o Espírito Santo], Grand Rapids,
Eerdmans, 1972). Também concordo que a pessoa regenera-
da tem a segurança eterna, que o crente é incapaz de atingir a
perfeição nesta vida e que essa perfeição só será alcançada na
vida futura.
Da minha perspectiva, a questão principal apresentada por
Walvoord é que o cristão tem duas naturezas distintas: a "na-
tureza pecaminosa" e a "nova natureza". A pecaminosa é defi-
"
nida como o conjunto de atributos humanos que demons-
tram o desejo e a predisposição para o pecado" e a nova, como
"
o conjunto de atributos com predisposição e inclinação para
"

a justiça (p. 225).


Tenho dificuldade com a expressão "natureza do pecado".
É preferível a expressão "natureza pecaminosa"*, usada no fa-
moso credo reformado do Catecismo de Heidelberg e na NVI.

*
Em inglês, Hoekema faz distinção entre as expressões sin natura e sinful
mture, mas dá preferência a esta última [N. do T.].
Réplica reformada a Walvoord 251

Questões de terminologia à parte, concordo que os cristãos


de fato têm uma natureza pecaminosa, como se definiu an-
tes, que luta contra a nova natureza recebida na regeneração.
Também reconheço que, de acordo com Gálatas 5.16,17, os
crentes ainda têm de lutar contra os impulsos pecaminosos
"

que vêm da carne" (tradução literal do termo grego sarx) e


que a palavra carne, assim como nesse caso (e em muitas ou-
tras passagens do NT), significa a tendência interior que o ser
humano tem de desobedecer a Deus em todas as áreas da
vida. Estou de acordo também que os cristãos têm a nova na-
tureza, de acordo com a definição exposta anteriormente.
Meu problema fundamental com a apresentação de
Walvoord, entretanto, é que, no meu entender, ele deixa de
fazer plena justiça ao fato de Cristo ter realizado um rompi-
mento definitivo com o pecado em favor dos crentes (Rm 6.6)
- dessa forma o pecado, embora ainda presente no crente,
,

não tem mais o domínio (v. 14) - e à maravilhosa verdade de


que o crente é de fato nova criação, as velhas coisas tendo
ficado para trás (2Co 5.17). Quando Walvoord diz (p. 228) que
"

com base na perspectiva agostiniano-dispensacionalista, o


problema fundamental da santificação refere-se ao modo que
as pessoas portadoras desses aspectos distintos em seu ser
- a velha e a nova natureza - podem alcançar pelo menos
"

um nível relativo de santificação e retidão nesta vida isso ,

nos dá a impressão de que o cristão é comparável a uma


gangorra espiritual, com dois tipos opostos de tendências
interiores, ambas exigindo a atenção do indivíduo, e pode
escolher um caminho ou outro.
Esse retrato do conflito interior pode até ser verdadeiro,
mas como fica a vida nova do cristão? Porventura o cristão
não vive vitoriosamente na força do Espírito (Rm 8.4; 2Co 5.15;
Gl 5.16-24; IJo 5.4)? Essa vitória não é a perfeição, mas não
seria pelo menos uma vitória real? Não somos de fato nova
"

criação em Cristo? Será que sabemos o que é viver uma vida


"
nova (Rm 6.4)? Quando os cristãos olham para si mesmos, a

importância não deve recair sobre o que é novo, e não sobre o


que é velho? (v. o livro The Christian Looks at Himself [O cris-
tão se examina], Grand Rapids, Eerdmans, 1977).
Walvoord interpreta o "velho homem", a "velha criação", no
" "
sentido da vida anterior do crente, e o "novo ser", no senti-
do de "novo modo de vida que deriva da nova natureza" (p.
2S2 5 perspectivas sobre a santificação

277). Não creio que essa perspectiva faça jus ao ensino paulino.
Entendo que "velha criação" se refira à pessoa inteira escravi-
zada pelo pecado - essa pessoa toda que nós cristãos já não
"

somos mais (Rm 6.6; Cl 3.9). Nova criação" refere-se à pessoa


inteira governada pelo Espírito. É desse novo homem que o cren-
te se revestiu e está sendo continuamente renovado (Cl 3.10).
Os crentes, entretanto, devem enxergar-se novas pessoas que
estão sendo progressivamente renovadas - genuinamente
novas, mas ainda não completamente novas. (O fundamento
bíblico para essa concepção de novo e velho homem encon-
tra-se no capítulo que escrevi, nas páginas 87-92.)
Outro ponto de divergência que tenho com o ensino de
Walvoord é a interpretação de Romanos 7.14-25. Ele acredita
que essa passagem fale da luta da pessoa regenerada contra o
pecado. Ele cita um artigo de 1962 que escrevi, no qual apóio
essa perspectiva. Porém, mudei de opinião. Agora entendo
essa passagem, com base na perspectiva da pessoa regenera-
da, como a descrição de alguém que ainda não foi regenerado
(por exemplo, um fariseu não-convertido) que luta contra o
pecado apenas com a força da lei, sem o auxílio do poder do
Espírito. Reconheço, entretanto, que essa posição não é a in-
terpretação reformada mais usual. Devo acrescentar que a idéia
de cristão como nova criação não é apoiada nem desmentida
por essa interpretação de Romanos 7.14-25.
Qual é o fundamento bíblico para essa interpretação? Em
primeiro lugar, Romanos 7.14-25 reflete a condição retratada
"
no versículo 5, e dele decorre: Pois quando éramos controla-
dos pela carne, as paixões pecaminosas despertadas pela Lei
atuavam em nosso corpo, de forma que dávamos fruto para a
"
morte .Esse versículo fala, obviamente, da pessoa não-rege-
nerada, em comparação com a regenerada dos versículos 4 e
6 O versículo 13 afirma: "Para que o pecado se mostrasse
.

como pecado, ele produziu morte em mim por meio do que


"
era bom Esse versículo retrata o mesmo tipo de pessoa do
.

versículo 5 (a saber, a pessoa não-regenerada). Observe as


analogias: as paixões pecaminosas despertadas pela Lei pro-
duziram fruto para a morte (v. 5), e o pecado, mediante o que
era bom (i.e., a lei), produziu morte (v. 13). Os versículos 14 e
15, que iniciam essa passagem controvertida, usam a con-
junção pois duas vezes (v. o texto grego). Com essa conjun-
ção, Paulo relaciona o que acaba de mencionar e o que vem em
Réplica reformada a Walvoord 253

seguida. No restante do capítulo 7, entretanto, ele trata da con-


dição da pessoa não-regenerada descrita nos versículos 5 e 13.
Em segundo lugar, em Romanos 7.14-25 não há nenhuma
menção ao Espírito Santo nem a seu poder de vencer o pecado,
mas no capítulo 8 há pelo menos 16 referências ao Espírito.
Em terceiro, o clima de frustração e fracasso que permeia
essa seção do livro de Romanos não coaduna com o clima de
vitória com que Paulo geralmente descreve a vida cristã. A
pessoa retratada ainda está presa à lei do pecado (7.23), con-
siderando que o crente retratado em 6.17,18 já não é mais
escravo do pecado.
Finalmente, Romanos 7.25 afirma: "Graças a Deus por Je-
sus Cristo, nosso Senhor! De modo que, com a mente, eu pró-
prio sou escravo da Lei de Deus; mas, com a carne, da lei do
"

pecado A locução "eu próprio" é enfática em grego. Paulo


.

"

está falando de alguém que tenta fazer sozinho", empenha-


se em guardar a lei de Deus por suas próprias forças, em vez
do poder do Espírito. Entretanto, acredito que a definição bí-
blica da vida cristã normal se encontra não em Romanos 7.14-
25, mas em Romanos 6 e 8.
Réplica

PENTECOSTAL

a Walvoord

Stanlev M. Horton

Os primeiros pentecostais achavam que o derramamento


do Espírito Santo no reavivamento de 1906 na rua Azusa, em
Los Angeles, e seus efeitos no mundo todo indicavam a
iminência da volta de Cristo. Quase sem exceção, deixaram o
pós-milenarismo das igrejas holiness e migraram para o pré-
milenarismo. Não muito antes disso, eles sentiram a influên-
cia da Bíblia de Scofield, do livro de Backstone, Jesus is Coming
[Jesus está voltando], e do livro Dispensational Truth [Verda-
de dispensacionalista], de Larkin. Este último passou a ser o
livro-texto da maior parte dos primeiros institutos bíblicos
pentecostais. Entre os pentecostais e os grupos holiness (meto-
distas) mais antigos, o pré-milenarismo pré-tribulacionista
transformou-se numa barreira maior do que era nossa inter-
pretação do batismo com o Espírito Santo.
Foi necessário evidentemente que os autores e professores
pentecostais modificassem o sistema dispensacionalista para
acomodar a posição arminiana e a convicção de que a dádiva
do Espírito e seus dons também pertencem à época atual. Os
gráficos dispensacionalistas se tornaram populares e ainda são
muito usados nas igrejas Assembléias de Deus hoje em dia,
como é o caso de muitos livros escritos por autores dispensacio-
nalistas, como o próprio John Walvoord. Os dispensacionalistas
modificaram seu calvinismo a fim de acrescentar a responsa-
bilidade e a resposta humana, o que permite aos pentecostais
utilizar os livros dispensacionalistas.
Réplica pentecostal a Walvoord 255

Com respeito à perspectiva agostiniana de Romanos 7.14-


25 no tocante à luta interior do cristão, não existe unanimida-
de entre os autores pentecostais. Alguns acreditam que a pas-
sagem trata dos que ainda estão sob a lei. Outros, especialmente
os que passaram por profundas experiências íntimas de con-
flito após a conversão, concordam com Agostinho.
Os pentecostais são unânimes acerca das duas naturezas
em Cristo. Essa perspectiva é especificada na seção dois da
"

Declaração de Verdades Fundamentais" das Assembléias de


Deus. A seção 5 continua afirmando que a prova interna da
salvação é o testemunho direto do Espírito Santo (Rm 8.16) e
que a prova externa é uma vida de justiça e de santidade reais
(Ef 4.24; Tt 2.12). Nada se diz, entretanto, a respeito da conti-
nuação da velha natureza juntamente com a nova, embora
essa idéia seja em geral sustentada. Os escritores pentecostais
salientam que, se não estamos vivendo no Espírito, então es-
tamos andando na carne. Também ressaltam que o chamado
à vida santa é importante porque estamos em batalha por Deus
e pela justiça, contra o pecado. Os que estão sob a lei estão
sob condenação e não podem batalhar. Contudo, por meio da
graça, estamos livres do pecado. Deus nos justificou e liber-
tou da escravidão do pecado, de forma que podemos dedi-
car-nos à batalha. Devemos, portanto, parar de entregar o
corpo à carne ou aos desejos pecaminosos e pôr-nos à dispo-
sição de Deus, tomando uma atitude positiva em favor da jus-
tiça.
Os pentecostais fazem objeção a Walvoord com respeito à
doutrina da segurança eterna (que acreditamos se baseia em
deduções filosóficas humanas e despreza muitas advertên-
cias bíblicas) e ao batismo com o Espírito Santo. Reconhece-
mos que, nos quatro Evangelhos, o batismo com o Espírito
Santo é sempre mencionado como obra divina futura, mas
discordamos da interpretação de Walvoord de ICoríntios 12.13.
Em toda a passagem, o Espírito é o agente que concede os
dons. Portanto, o batismo nesse versículo é claramente reali-
zado pelo Espírito e insere o crente no corpo de Cristo (no
momento da regeneração), sendo distinto do batismo com o
Espírito Santo (por Cristo) no dia de Pentecoste. Essa concep-
ção ajusta-se bem à diferença entre a conversão e o batismo
com o Espírito Santo que ocorre no livro de Atos. Tem-se obser-
vado que rejeitar essa perspectiva com frequência leva ao de-
256 5 perspectivas sobre a santificação

clínio, que termina com a negligência da obra do Espírito na


vida do cristão. Como admite Walvoord, essa negligência tem
sido muito comum na teologia reformada. A atenção que Dunn
dá ao Espírito, entretanto, não tem força exegética, e em al-
guns lugares ele se contradiz. Os estudiosos pentecostais es-
tão aptos a responder a esses argumentos, bem como a argu-
mentos semelhantes usados pelos dispensacionalistas.
A maioria dos pentecostais reconhece que a palavra selo
não se refere à segurança. Antes, é uma prova exterior indi-
cando que somos obra de Deus. Na visão de Efésios 1.13,
"

Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o


evangelho que os salvou, vocês foram selados em Cristo com
"

o Espírito Santo da promessa alguns pentecostais dão aten-


,

ção ao fato de que Cristo é quem sela o indivíduo depois de


sua manifestação de fé. Portanto, identificam isso com o ba-
tismo com o Espírito Santo (At 2.4). Até Dunn reconhece que o
" "
aoristo do particípio (traduzido por creram como em At 19.2) ,

pode significar que o crer precede o selar. O contexto também


indica unção e serviço.
Réplica de

KESWICK

a Walvoord

J Robertson McQuilkin
.

A proposta básica de Keswick e de muitos mestres do mo-


vimento harmoniza-se com a apresentação de John Walvoord,
embora alguns deles talvez fizessem exceção à grande insis-
tência nas duas substâncias coexistentes no crente. Não está
claro para mim de que modo a última parte do capítulo, que
enuncia a doutrina da santificação, se relaciona com a doutri-
na das duas naturezas, tratada a primeira parte do capítulo,
sem falar na questão da dependência. Por que não apresentar
apenas a segunda parte? Ou pelo menos demonstrar a rela-
ção entre as duas? Se, contudo, considerarmos apenas a pri-
meira parte, que trata da teoria das duas naturezas, ainda não
sou convencido por seus argumentos, principalmente por fun-
damentarem-se muito mais em análises teóricas do que em
exposição bíblica. Mas isso pareceria por demais inocente se
levasse à doutrina da santificação progressiva defendida por
Walvoord. Ao mesmo tempo, devo confessar que me preocu-
po um pouco, já que muitos adeptos da teoria das duas natu-
rezas não seguem sua orientação. Há muito abuso da noção
das duas naturezas no crente por parte dos que afirmam que
a velha natureza não é passível de redenção e que a nova é
perfeita (ou que é o próprio Cristo). Quem é, então, responsá-
vel pela conduta cristã? A velha natureza não pode melhorar,
nem a nova pode se desenvolver, pois que já é perfeita, em-
bora o desenvolvimento ou crescimento seja a idéia principal
da vida cristã no ensino apostólico. Em decorrência desse
2S8 S perspectivas sobre a santificação

ensino distorcido, criou-se todo um género de ensino de pa-


drão de vida superior, de vida mais profunda, um género que
defende o "não faça nada", ou o "deixe Jesus agir", um tipo de
atitude passiva para a existência cristã. A idéia das duas natu-
rezas não leva a essa direção, como Walvoord demonstra.
Muitas vezes, porém, tem levado a diversas aberrações, de
forma que a noção certamente requer algo além da dedução
baseada na analogia das duas naturezas de Cristo, sendo esta
outra dedução lógica. Um assunto tão importante por certo
exige ensino bíblico direto e claro, tanto para estabelecer a
doutrina quanto para protegê-la de abusos.
Há outras questões menores preocupantes. Se existe dife-
rença qualitativa entre cristãos autênticos, os que estão cheios
do Espírito e os que não estão (por exemplo, p. 234-5), seria
útil termos uma base bíblica mais ampla para a definição de
enchimento, que é uma figura de linguagem. Embora concor-
de com o teor geral da definição apresentada, não vejo pro-
vas bíblicas adequadas para limitar a definição de enchimen-
to a "controle". Além disso, gostaria de saber exatamente de
"

que modo o Espírito de Deus usa o corpo humano como ins-


trumento" (p. 240).
Mesmo tendo assinalado algumas preocupações, devo afir-
mar novamente, para concluir, que a doutrina da santificação
enunciada por Walvoord está em harmonia com a proposta
de Keswick.
NOTAS

CAPITULO I
'
Cf., por exemplo, Maxim Piette, John Wesley in the Evolution of Protestantism,
Nova York, Sheed & Ward, 1937, e Martin Schmidt, John Wesley: A Theological
Biography, Nova York, Abingdon, 2 vols., 1962, 1973.
2Entre outros estudos v. Albert C. Outler, "John Wesley as Theologian -
,

Then and Now", Methodist History, julho de 1974, vol. 12, p. 63-82; Kenneth E.
Rowe, org., The Place of Wesley in the Christian Tradition, Metuchen, N. J.,
Scarecrow, 1976; Colin Williams, John Wesley's Theology Today, Nova York,
Abingdon, 1960; e Mildred Bangs Wynkoop, A Theology of Love: the Dynamic of
Wesleyanism, Kansas City, Beacon Hill, 1972.
"
3"Address to the Clergy in The Works of John Wesley, org. Thomas Jackson,
Londres: Wesley Conference Office, 1872; reimpresso em Kansas City, Beacon
Hill, 1978, vol. 10, p. 484 (a partir daqui citado como Works); R. S. Brightman,
"
Gregory of Nissa and John Wesley in Theological Dialogue", tese de doutorado,
Boston University, 1969; Ted A. Campbell, "John Wesley Conceptions and Uses of
Christian Antiquity", tese de doutorado, Southern Methodist University, 1984.
4George Croft Cell The Rediscovery of John Wesley, Nova York, Holt, 1935.
,

5John Wesley a John Clayton (?), 24 de março, 1739, in Works of John Wesley,
org. Frank Baker, Oxford, Oxford University Press, Nashville, Abingdon, 1974-
82, 26 vols., vol. 25, p. 616.
"
«Sermão "The Witness of the Spirit Works, vol. 5., p. 129, 133.
, ,

'
Sermão, "The End of Chrisfs Coming", Works, vol. 6, p. 277.
8"A Plain Account of Christian Perfection as Believed and Taught by the
Reverend Mr. John Wesley from the Year 1725-1777", Works, vol. 11, p. 395, 417.
"
Idem, p. 415.
"
10Sermão "Christian Perfection
, Works, vol. 6, p. 5-6.
,

UV Harald Lindstrõm, Wesley and Sanctification: a Study in the Doctrine of


.

Salvation, Londres, Epworth, 1950; reimpresso pela Grand Rapids, Zondervan,


Francis Asbury Press, 1984, p. 12.
12Cell Rediscovery of John Wesley, p. 341.
,

"
Lindstrõm arrola outros autores que defendem essa posição; v. Wesley and
sanctification, p. 12-3.
HV Albert C. Outler, "Holiness of Heart and Life" in Wesleyan Theology: a
.

Sourcebook, org. Thomas A. Langford, Durham, N. C, Labyrinth, 1984, p. 243.


260 5 perspectivas sobre a santificação

Worksvoí. 8, p. 294-6; voí. 11, p. 389-91.


,

Worksvol. 6, p. 64-5.
,

17Lindstrõm Wesley and Sanctification, p. 12.


,

'
oWorks , vol. 6, p. 276-7.
"
19V . Upon Our LorcTs Sermon on the Mount, 1," Works, vol. 5, p. 247-61.
"
20"On 5in Believers Works, vol. 5, p. 146-7. ,

21Ibid vol. 5, p. 147, 151-6.


.
,

22"Plain Account" Works, vol. 11, p. 401. ,

23John and Charles Wesley The Poética] Works, reunido e organizado por G.
,

Osborn, 13 vols., London, Wesleyan Methodist Conference Office, 1868-1872,


vol. 2, p. 321.
24"On Perfection" Works, vol. 6, p. 413-5. ,

""
Christian Perfection", Works, vol. 6, p. 5-6.
"
26"Minutes of Several Conversations Works, vol. 8, p. 328-9. ,

27"Plain Account" Works, vol. 11, p. 426. ,

"
280utler , Holiness of Heart and Life", p. 243.
"
2!)"The End of Chrisfs Coming Works, vol. 6, p. 276. ,

30Veja as referências citadas na nota de rodapé 3.


31Cell Rediscovery ofjohn Wesley, p. 265ss.
,

"
Esse pequeno clube era o grupo de estudo bíblico que os Wesleys, Whitefield
e outros poucos amigos formaram quando estudantes da Universidade de Oxford.
"
33V The End of Chrisfs Coming", Works, vol. 6, p. 276-7.
.

34V . Lindstrõm, Wesley and Sanctification, p. 11-14.


"
350utler , Holiness of Heart and Life", p. 242.
3liWorksvol. 8, p. 285.
,

37No sermão "Living Without God" Wesley descreve o "ateu", indivíduo deca- ,

ído e destituído do Espírito de Deus, alguém que não tem "a menor idéia de
quem Deus é [...] nem desejo algum de conhecer os seus caminhos [...] Não
"

experimenta porção alguma da bondade de Deus {Works, vol. 7, p. 351). V. tb.


"
The New Birth", Works, vol. 6, p. 70.
"
38"The Doctrine of Original Sin Works, vol. 9, p. 193-4. ,

"
Sermão Original Sin", Works, vol. 6, p. 63.
,

40"Sermon on the Mount XI", Works, vol. 5, p. 406. ,

"'
Sermão, "The New Birth", Works, vol. 6, p. 66-7.
"
42"The Doctrine of Original Sin Works, vol. 9, p. 433. ,

*
3Works vol. 7, p. 337-3.
,

«Works vol. 9, p. 242-3; vol. 10, p. 190.


,

"
45"The Doctrine of Original Sin Works, vol. 9, p. 381. ,

46Ibid p. 327..
,

47Ibid p. 255; Sermão, "The Fali of Man", Works, vol. 6, p. 223.


.
,

"
48"The Doctrine of Original Sin Works, vol. 9, p. 275. ,

"
495ermão Working Out Our Own Salvation", Works, vol. 6, p. 512.
,

50V Lindstrõm, Wesley and Sanctification, p. 61ss.


.

"
Sermão, "Justification by Faith", Works, vol. 5, p. 57; também, "The Lord
"

our Righteousness Works, vol. 5, p. 237-45.


,

S2V Wesley and Sanctification, p. 75.


.

"
Jornal de 15 de junho, 1741, Works, vol. 1, p. 315.
"
54"Sermon on the Mount, V Works, vol. 5, p. 311-4. ,

"
Ibid.
"
56"The Original
[sic], Nature, Property and Use of the Law Works, vol. 5, p. 438. ,

"
Carta a Joseph Benson, 30 de novembro, 1770, Works, vol. 12, p. 415.
Wesley cita Romanos 8.3 como prova.
Notas 261

58"Sermon on the Mount , V", Works, vol. 5, p. 311.


"
Sermão "The Law Established Through Faith, I", Works, vol. 5, p. 450, 454;
"

Plain Account", Works, vol. 11, p. 414-6.


"
60"A Farther Appeal to Men of Reason and Religion Works, vol. 8, p. 47. ,

"
61"The Law Established Through Faith, 11 Works, vol. 5, p. 462. ,

Wynkoop Theology of love, p. 222.


,

"
Sermão, "The Almost Christian", Works, vol. 5, p. 21-2.
"
Sermão, "The First Fruits of the Spirit", Works, vol. 5, p. 88-9.
6S"Plain Account" Works, vol. 11, p. 401. ,

66Wynkoop, Theology of Love, p. 248.


"
Timothy L. Smith, "John Wesley and the Wholeness of Scripture",
Interpretation: A Journal of Bible and Theology, julho de 1985, vol. 39, p. 258.
68Cf Ibid. p. 260; v. tb. nota de rodapé 15.
.

69"Plain Account" Works, vol. 11, p. 408; sermão, "Christian Perfection", Works,
,

vol. 6, p. 10-1.
70Works vol. 8, p. 297-8. ,

nIbid p. 284. .
,

72Wynkoop Theology of Love, p. 320.


,

"
John Leland Peters, Christian Perfection and American Methodism, Nova
York, Abingdon, 1956; reimpresso pela, Grand Rapids, Francis Asbury Press,
1985, e Charles E. Jones, Perfectionist Persuasion: The Holiness Movement and
American Methodism, 1867-1936, Metuchen, N. J., Scarecrow, 1974 revisaram ,

completamente esse aspecto do metodismo norte-americano.


74Para um desenvolvimento mais completo, v. Melvin E. Dieter, The Holiness
Reviva! of the Nineteenth Century, Metuchen, N. J., Scarecrow, 1980; Timothy L.
Smith, Reavivalism and Social Reform in Mid-nineteenth Century América Nova ,

York, Abingdon, 1957; e idem, Called unto Holiness: The Story of the Nazarenes,
the Formative Years, Kansas City, Nazarene, 1962.
75V Melvin E. Dieter, "The Development of Nineteenth Century Holiness
.

Theology", Wesleyan Theological Journal 20 (Primavera, 1985), p. 61-77, para


um desenvolvimento e documentação mais extensos quanto às questões em
debate aqui e adiante.
76As maiores destas que frequentemente representaram fusões subse-
,

quentes de grupos menores, são Exército de Salvação, Igreja do Nazareno,


Igreja de Deus (Anderson Indiana), Igreja Wesleyana e Igreja Metodista Livre.
,

As três primeiras cresceram com base no reavivamento; as últimas duas eram


grupos menores que aderiram ao movimento. Existem, atualmente, por volta
de 8 milhões de membros do movimento no mundo todo.
77V Frank Baker, "Unfolding John Wesley; A Survey of Twenty Years Studies
.

in Wesleys's Thought" Quarterly Review: A Scholarly Journal for Reflection on


,

Ministry, 34, Outono, 1980, p. 44-58.


78Phoebe Paumer The Way of Holiness, Nova York, Palmer & Hughes, 1867, p.
,

52ss.; idem, "The Act of Faith by Which the Blessing is Obtained", in Sanctification
Practical: A Book for the Times, org. J. Boynton Nova York, Foster & Palmer, 1867, ,

p 115-30.
.

7!>V . Dieter, "Development of Holiness Theology", p. 64-5.


"
80Sermão, "The
Repetance of Believers Works, vol. 6, p. 165. ,

81Veja por exemplo, E. G. Marsh, The Old Man, Cincinati, Reavivalist, 1930,
,

cap 16. A ênfase é mais moderada em Donald S. Metz, Studies in Biblical Holiness,
Kansas City, Beacon Hill, 1971, p. 142-3, 173.
82A obra Theology of Love de Wynkoop representa o desenvolvimento mais
completo dessa corrente. J. Kenneth Grider apresenta a visão mais tradicional
262 5 perspectivas sobre a santificação

em Entire Sanctification: The Distinctive Doctríne of Wesleyanism, Kansas City,


Beacon Hill, 1980.
"
83John Fletcher The Last Check to Antinomianism", in The Works of The
,

Reverend John Fletcher, Late Viçar of Madeley, Nova York, Mason & Lane, 1836, 4
vols., vol. 2, p. 526.
84V debate ampliado do uso da hermenêutica pentecostal por Fletcher na
.

compreensão da santificação plena, em Lawrence W. Wood, Pentecostal Grace,


Grand Rapids, Zondervan, 1980, p. 177-239; v. tb. Dieter, "Development of Holiness
Theology", p. 66-74, e Timothy L. Smith, "How John Fletcher Became the Theologian
"

of Wesleyan Perfectionism Wesleyan Theological Journal, Primavera, 1980, vol.


,

15:1, p. 66-87.
"
8SDonald W. Dayton, Asa Mahan and the Development of American Holiness
Theology", Wesleyan Theological Journal, 1974, vol. 9, p. 60-9; idem, "The Doctrine
"

of the Baptism of the Holy Spirit: fts JEmergence and Significance Wesleyan ,

Theological Journal, Primavera, 1978, vol. 13, p. 114-6.


86V especialmente Frederick Dale Brunner, A Theology of the Holy Spirit: The
.

Pentecostal Experience and the New Testament Witness, Grand Rapids, Eerdmans,
1970 [Teologia do Espírito Santo, Edições Vida Nova, 1986] e James D. G.
Dunn, Baptism in the Holy Spirit, Londres, SCM, 1970.
"
The Wesleyan Theological Journal, Primavera e Outono, 1979, apresenta o
cerne do debate no movimento atual sobre Fletcher-Wesley.
"
88"Plain Account Works, vol. 11, p. 394, 397, 444.
,

8!)John Calvin Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill, tradu-
,

ção de Ford Lewis Battles, 2 vols., Filadélfia, Great Comission [As instituías da
religião cristã, 4 vols., Casa Editora Presbiteriana, 1985].

CAPÍTULO 2
'
Sobre essa relação, ver o estudo conciso sobre separação cristã de Johannes
G Vos intitulado: The Separated Life: A Study ofBasic Principies, Filadélfia, Great
.

Comission. Em contraste com os cristãos que defendem que a vida de separa-


ção cristã significa primeiramente abstinência de algumas coisas materiais, Vos
argumenta que a Bíblia exige separação espiritual da conduta que é, em si,
pecaminosa.
2John Calvin, Institutes of the Christian Religion, ed. John T. McNeill, tradução
de Ford Lewis Battles, 2 vols., Filadélfia, Great Comission [As iitstítutas da
religião cristã, 4 vols., Casa Editora Presbiteriana, 1985]. Sobre a relação
entre a união com Cristo e santificação, v. James S. Stewart. A Man in Christ,
Nova York, Harper, 1935, e Lewis B. Smedes, Union with Christ, Grand Rapids,
Eerdmans, 1983.
3Herman Bavinck. Gereformeerde Dormatik, Kampen, Kok, 1918, 3a ed., 4
vols., vol. 4, p. 277.
4Sobre a imagem de Deus, v. G. C. Berkouwer, Man: The Image of God, tradu-
ção para o inglês de Dirk W. Jellema, Grand Rapids, Eerdmans, 1962, e Anthony
Hoekema, Created in God's Image, Grand Rapids, Eerdmans, 1986 [Criados à
imagem de Deus, Editora Cultura Cristã, 1999].
sSobre a questão de seguir o exemplo de Cristo, v. o capítulo intitulado The
Imitation of Christ, de G. C. Berkouwer, in Faith and Sanctification, tradução de
John Vriend, Grand Rapids, Eerdmans, 1952, p. 135-60.
6J H. Moulton e George Milligan, The Vocabulary of the Greek Testament
.

Illustrated from the Papyri, Grand Rapids, Eerdmans, 1957, p. 335-6.


louis Berkhof, Systematic Theology, Grand Rapids, Eerdmans, 1955, p. 534
[Teologia sistemática, Editora Cultura Cristã, 2004].
Notas 263

8John Murray Redemption - Accomplished and Applied, Grand Rapids,


,

Eerdmans, 1955, p. 184-5 [Redenção: consumada e aplicada, Editora Cultura


Cristã, 1993].
9Bavinck Gereformeede Dogmatik, vol. 4, p. 286; Charles Hodge, Systematic
,

Theology, 3 vols., 1871, reimpresso pela Grand Rapids, Eerdmans, 1940, vol. 3,
p 212 [Teologia sistemática, Editora Hagnos, 20017; Berkhof, Systematic
.

Theology, p. 534 [Teologia sistemática. Editora Cultura Cristã, 2004].


10Este aspecto da santificação é apresentado de forma incisiva por John Murray
nos capítulos Definitive Sanctification e The Agency in Definitive Sanctification,
em Collected Writtings ofjohn Murray, 2 vols., Carlisle, Pa, Banner of Truth Trust,
1997, vol. 2, p. 277-93. Cf. tb. Chester K. Lehman, The Holy Spirit and the Holy Llfe,
Scottdale, Pa., Herald, 1959, p. 108-20. Lehman usa a palavra pontual (em distin-
ção a linear) para descrever a santificação definitiva.
"
Murray, Collected Wrítings, vol. 2, p. 277.
12lbiâ p. 279.
.
,

13Ibid p. 280.
.
,

14Ver ibid p. 289-93..


,

15Ibid p. 293.
.
,

"
ím grego a expressão é palaios anthrõpos (traduzido por "velho homem"
na ARA e na ARC, mas em versões mais novas muitas vezes é traduzido por
" "
velha natureza [BLH, NTLH]). Uma vez que a palavra anthrõpos significa "ser
humano" (espécie humana), não "ser humano de sexo masculino", a expressão
" "
velha criação é preferível a "velho homem".
"
Novamente, enquanto as versões mais antigas tem "novo homem" (ARA,
ARC) as mais novas usam "nova natureza" (NTLH, Viva).
18Herman Bavinck Magnolia Dei, 2a ed., Kampen, Kok, 1931, p. 474-5, tradu-
,

ção de Anthony Hoekema. Interpretações semelhantes do papel do velho e do


novo homem no crente encontram-se no comentário de Romanos 6.6, de João
Calvino: The Epistle to the Romans and the Thessalonians, tradução de Ross
MacKenzie, Grand Rapids, Eerdmans, 1979; no comentário de Charles Hodge
sobre Efésios 4.22: Commentary on the Epistle to the Ephesians, Grand Rapids,
Eerdmans, 1950; em Berkhof, Systematic Theology, p. 533 [Teologia sistemáti-
ca, Editora Cultura Cristã, 2004]; em William Hendriksen, New Testament
Comentary on Ephesians, Grand Rapids, Baker, 1967, p. 213-4, n. 123 [Efésios,
Editora Cultura Cristã, 1992]; e em Gordon Girod, The Way ofSalvation, Grand
Rapids, Baker, 1960, p. 137-8.
19John Murray, Principies ofConduct, Grand Rapids, Eerdmans, 1957, p. 211-2.
20Ibid p. 218, n. 7
.
,

21Presumivelmente o novo homem é "a pessoa em sua unidade", ou totali-


,

dade, controlada pelo Espírito Santo. Este novo homem, como vimos anteri-
ormente, está sendo continuamente renovado de acordo com o padrão da
imagem de Deus.
"
Observe que tanto Colossenses 3.9-10 quanto Efésios 4.22-24 confirmam o
que foi desenvolvido anteriormente, a saber, que o padrão da santificação é a
semelhança a Deus.
Principies of Conduct, p. 218.
23Murray ,

se que, de acordo com 2Coríntios 7.1, os crentes ainda devem


240bserve -

lutar contra toda impureza (ARA) ou contaminações (NVI) do espírito - o que


refuta os que ensinam que após a conversão o espírito se torna sem pecado.
25Não citei Romanos 7 13-25 porque entendo essa passagem como descri-
.

ção, pela ótica de um regenerado, da luta interior da pessoa não-regenerada


(e.g., um fariseu não-convertido) que está tentando lutar contra o pecado
264 5 perspectivas sobre a santificação

somente por meio da lei, independentemente da força do Espírito Santo. Cf.


meu livro The Christian looks at himself, 2a ed., Grand Rapids, Eerdmans, 1977,
p 61-7 [O cristão toma consciência do seu valor. Editora Luz para o Cami-
.

nho, 1987]; também em Herman Ridderbos, Paul: An Outline of His Theology,


tradução de John R. De Witt, Grand Rapids, Eerdmans, 1975, p. 126-30 [A
teologia do apóstolo Paulo: a obra definitiva sobre o pensamento do após-
tolo aos gentios, Editora Cultura Cristã, 2004].
26Murray Principies of Conduct, p. 220.
,

27VHoekema, The Christian Look at Himself, especialmente p. 13-76 [O cris-


.

tão tonta consciência do seu valor. Editora Luz para o Caminho, 1987].
28H K. Carrol, "John Wesley", em The New Schaff-Herzog Encydopedia of
.

Religious Knowledge, ed. S. M. Jackson, 12 vols., Nova York, Funk & Wagnalls,
1912, vol. 12, p. 309.
29Donald S Metz, Studies in Biblical Holiness, Kansas City, Beacon Hill, 1971,
.

p 19, 250.
.

30lbid p. 226, citando John Wesley.


.
,

31lbid p. 228-30, 243.


.
,

32Ainda que devamos distinguir santificação de justificação, elas nunca


devem ser separadas. Ambas são aspectos essenciais da união com Cristo.
"

33A tradução da NVI para sarx (carne) é preferível à paráfrase natureza


humana" da NTLH.
"

34Quanto a este ponto, ver F. F. Bruce, Commentary on Colossians", em


Commentary on Ephesians and Colossians, Grand Rapids, Eerdmans, 1957, p.
268-9.
35Calvino Instituías 2.7.12. ,

36Quanto a esse aspecto da santificação, ver posteriormente o capítulo de Berkouwer


intitulado Sanctification and Law, em Faith and Sanctiflcation, p. 163-93.

CAPÍTULO 3
'
Stanley H. Frodsham, With Signs Following. Springfield, Mo., Gospel, 1946, p. 20.
2Frank Bartleman How Pentecost Carne to Los Angeles. Los Angeles, publicado
,

pelo autor, 1928, p. 58.


3Edith Blumhofer The Finished Work of Calvary". Paraclete, vol. 18, cap. 4,
"

Outono, 1984, p. 21.


"
Gary B. McGee, "A Brief History of the Modern Pentecostal Outpouring".
Paraclete, vol. 18, cap. 2, Springfield, 1984, p. 22.
5P . C. Nelson, Bible Doctrines, ed. rev., Springfield, Mo., Gospel, 1948 [DoHtri-
nas bíblicas: uma exposição das declarações de verdades fundamentais,
Editora Vida, 1986].
6Myer Pearlman, Knowing the Doctrines of the Bible, Springfield, Mo., Gospel,
1937, p. 266 [Conhecendo as doutrinas da Bíblia, ed. rev. e atual., Vida
Académica, 2006].
7lbid p 253,261,257.
.
, .

8Citado em Nelson , Bible Doctrines, p. 108 [Doutrinas bíblicas: uma exposi-


ção das declarações de verdades fundamentais, Editora Vida, 1986].
Minutes of the Twenty-nine General Council of the Assemblies of God .

Springfield, Mo., Gospel, 1961, p. 22.


"
.Pearlman , Knowing the Doctrines, p. 250 [Conhecendo as doutrinas da
Bíblia, ed. rev. e atual., Vida Académica, 2006].
"
Nelson, Bible Doctrines, p. 103 [Doutrinas bíblicas: uma exposição das
declarações de verdades fundamentais, Editora Vida, 1986].
12Ernest Swing Williams, Systematic Theology, 3 vols., Springfield, Mo., Gospel,
1953, vol. 2, p. 256.
Notas « 265

l3G . Raymond Carlson, Salvation: What Bible Teaches, Springfield, Mo., Gospel,
1963, p. 76.
"
Nelson, Bible Doctrines, p. 104 [Doutrinas bíblicas: uma exposição das
declarações de verdades fundamentais, Editora Vida, 1986].
15Wiluans , Systematic Theology, vol. 2, p. 258.
16Peari man, .
Knowing the doctrines, p, 254. Grifo do autor [Conhecendo as
doutrinas da Bíblia, ed. rev. e atual., Vida Académica, 2006].
17Will]amsSystematic Theology, vol. 2, p. 259.
,

18Ralph W.Harris, OurFaith andFellowship, Springfield, Mo., Gospel, 1963, p. 24.


19Stanley M. Horton, Adult Teacher, 1970, Springfield, Mo., Gospel, 1969,
quarta parte, p. 71.
Finished Work of Calvary, p. 21.
20Blumhofer ,

Systematic Theology, vol. 2, p. 259.


21Wiluams ,

22Horton What the Bible says about Holy Spirit, p. 251 IO que. a Bíblia diz
,

sobre o Espírito Santo, 3. ed., CPAD, 1994].


23Ibid p. 253. .
,

24Ibid p. 258. .
,

25Ibid p. 240. ,
.

26Nelson Bible Doctrines, p. 52 [Doutrinas bíblicas: uma exposição das


,

declarações de verdades fundamentais, Editora Vida, 1986]; Albert L. Hoy,


"
Sanctifícation", Paraclete, vol. 15, cap. 4, Outono, 1968, p. 15.
"
Williams, Systematic Theology, vol. 2, p. 232, vol. 3, p. 34.
28William W Menzies, "The Spirit of Holiness", Paraclete, vol 2, cap. 3, Verão,
.

1968, p. 15.
29Pearlman Knowing the Doctrines, p. 255-6 [Conhecendo as doutrinas da
,

Bíblia, ed. rev. e atual., Vida Académica, 2006].


30lbid p. 266-7; Kenneth Barney, "The Holy Spirit and Holiness", Paraclete,
.
,

vol. 14, cap. 4, Outono, 1908, p. 2.


"
31Hoy Sanctifícation", p. 5
,

32J Dalton Utsey, "Romans Seven and Sanctifícation", Paraclete, vol. 18, cap.
.

2 Primavera, 1984, p. 4.
,

"
Hoy, Santification, p. 7.
"
34Zenas Bicket The Holy Spirit - Our Sanctifier", Paraclete, vol. 2, cap. 3,
,

Verão, 1968, p. 4-5.


35Ibid p. 5. .
,

36Horton What the Bible Says, p. 214. ,

"
Anthony D. Palma, "Baptism by the Spirit", Advance 16, junho de 1980, p. 16.
38L Thomas Holdcroft. "Spirit Baptism", Paraclete, vol. 1, cap. 1, Inverno,
.

1967, p. 30.
Minutes of the Thirty-Eighth General Council of the Assemblies of God .

Springfield, Mo., Assemblies of God Headquarters, 1979, p. 75.


""
Horton, What the Bible Says, p. 221-2.
41Harold D Hunter, Spirit-Baptism. Lanham, Md., University Press of América,
.

1983, p. 257.
42Ibid p. 261, 275. .
,

43Williams Systematic Theday, vol 2., p. 264; John W. Wyckoff, The Doctrine of
,

Sanctifícation as Taught by the Assemblies of God. Tese de mestrado, Bethany


Nazarene College, 1972, p. 68.

CAPITULO 4
.Steven Barabas So Great Salvation, Londres, Marshall, Morgan & Scott, Grand
,

Rapids, Eerdmans, 1952.


266 5 perspectivas sobre a santificação

2lbid p. .
, 21,108.
3lbid p. .
, 84.
4lbid p. .
, 99.
sIbid p. .
, 104.
6Ibid p. .
, 131-2.
?lbid p. .
, 132, 143-4.
B. Warfield, Studies in Perfectionism, Nova York, Oxford, 1931, 2 vols., vol.
aB .

2 559-611. Uma informação interessante é que meu pai, Robert C. McQuilkin,


,

líder do movimento Victorius Life Testimony [Testemunho da Vida Vitoriosa],


me disse que, quando o livro foi publicado, foi até o autor e discutiu demora-
damente com ele a questão do ensino de Keswick e do perfeccionismo. Mais
tarde, Warfield admitiu: "Se eu soubesse disso, não teria incluído o último
"

capítulo no livro .

50 Great Salvation, p. 98ss.


9Steven Earabas ,

Ibid., p. 105.
'"

"
Ibid., p. 72.
12Ibid p. 96. .
,

13lbid p. 95, 97. .


,

'"
Charles Hodge, Systematic Theology, Nova York, Scribner, 3 vols., 1917,
vol. 3, p. 67 [Teologia sistemática. Editora Hagnos, 2001]. O tratado com-
pleto sobre fé (p. 41-113) é magnífico, e útil às pessoas de qualquer corrente
teológica.
lsHerman Bavinck Our Reasonable Faith, tradução de Henry Zylstra, Grand
,

Rapids, Eerdmans, 1956, p. 495.

CAPÍTULO 5
'
J D. Douglas, org., The New Bible Dictionary, Grand Rapids, Eerdmans, 1965,
.

p . 869 [O novo dicionário da Bíblia, 2. ed., Edições Vida Nova, 1995].


2T A. Hegre, The Cross and Sanctification, Minneapolis, Bethany Fellowship,
.

1960, p. 95-6.
3Ibid p. 96. .
,

"
Anthony A. Hoekema, "The Struggle Between Old and New Natures in the
Converted Man", in Bulletin ofthe Evangelical Theological Society 5, n° 2, Prima-
vera, 1962, p. 42.
5lbid p. 42-50.
.
,

6Philip Schaff org., A Select Library of the Nicene and Post Nicene Fathers of
,

the Christian Church, 14 vols., Grand Rapids, Eerdmans, 1979, vol 1, p. 121.
7Ibid .
,
n0 8.
"
Charles Hodge, Commentary on the Epistle to the Romans, Nova York,
Armstrong & Son, 1909, p. 376-7.
9lbid p. 377. .
,

10Schaff .4 Select library, vol. 1, p. 571.


,

"
Schaff, vol. 2, p. 264-5.
12Ibid vol. 3, p. 390.
.
,

13Charles Hodge Systematic Theology, Nova York, Scribner, 1899, 3 vols., vol.
,

2 , p. 387, 389 [Teologia sistemática. Editora Hagnos, 2001].


"
Benjamin B. Warfield, Tfte Person and Work of Christ, org. Samuel C. Craig,
Filadélfia, Presbyterian and Reformed, 1950, p. 211.
"
Charles C. Ryrie, Balancing the Christian Life, Chicago, Moody, 1969, p. 34.
16Ibid p. 34-5.
.
,
Notas 267

"
Lewis S. Chafer, Systematic Theology, Dallas, Dallas Theological Seminary,
1947-8, 8 vols., vol. 2, p. 285 [Teologia sistemática de Chafer, 4 vols., Editora
Hagnos, 2003].
18lbid p. 288.
.
,

19C I. Scofield, org., The NIV Scofield Study Bible, Nova York, Oxford University
.

Press, 1967, p. 1184. Embora o vocabulário seja diferente do da edição de 1917


da Bíblia de Scofield, o significado é o mesmo [Bíblia com referências e anota-
ções de Scofield, 2. impr. da 3. ed., Imprensa Batista Regular, 1987. N. do R.:
a versão em português é a Almeida Revista e Atualizada].
20David C Needham, Birthright, Portland, Multnomah, 1979, p. 65.
.

2IIbid p. 92.
.
,

"
Scofield, NIV Scofield Study Bible, p. 1183 [Bíblia com referências e anota-
ções de Scofield, 2. impr. da 3. ed., Imprensa Batista Regular, 1987. N. do R.:
a versão em português é a Almeida Revista e Atualizada].
23lbid p. 1239.
.
,

24Hodge Systematic Theology, vol. 3, p. 5 [Teologia sistemática. Editora


,

Hagnos, 2001].
"
Para uma análise mais completa, v. John F. Walvoord, The Holy Spirit, Findley,
Ohio, Dunham, 1958, p. 128-37.
26Analisei esse tema em Walvoord op. cit., p. 139-50.
,

"
Abraham Kuyper, The Work of the Holy Spirit, tradução de Henri de Vries,
Nova York, Funk & Wagnalls, 1900.
28James D G. Dunn, Baptism in the Holy Spirit, Naperville, 111., Allenson, 1970,
.

p 112.
.

29Chafer , Systematic Theology, vol. 4, p. 92-100.


30Para uma análise mais aprofundada sobre o tema, v. Walvoord, The Holy
Spirit, p. 151-6; Chafer, Systematic Theology, vol. 6, p. 122-37.
31Uma análise mais aprofundada sobre o tema encontra se em Walvoord,
-

The Holy Spirit, p. 189-224. Para um estudo clássico sobre a vida espiritual, ver
Lewis Sperry Chafer, He That Is Spiritual, Grand Rapids, Zondervan, 1967, p. 23-
172.
32B B. Warfield, resenha de He That Is Spiritual, de Lewis Sperry Chafer,
.

Princeton Theological Review 17, 1919, p. 322.


33Ibid .
NDiOE" GERAL

Agostinho: sobre a carne, 218, 220, rompida, 204; crucificação da,


226; sobre a regeneração, 229; 137; definição de, 94, 171-2;
sobre as duas naturezas, 218; versus natureza, 94
sobre o pecado na vida do cren- Chafer, Lewis Sperry, 224, 231, 243-4
te, 219-22, 225-6, 255 consagração, 122, 123, 130, 138,
amor: a Deus, 26, 27, 33, 38; como 169
princípio hermenêutico, 15; consciência natural, 27-8
continuidade, 28-31; de Deus, crescimento: natureza do, 197; ní-
30; e santidade, 34; fraternal, vel de, 198-200; significado
130; lei régia do, 29; perfeito, de, 197-200
20, 21, 27, 29, 92 crise, experiência de, 21, 22, 45, 47,
antinomianismo, 24 61-2, 119, 135-6, 157, 187, 206,
arrependimento, 177 212
Asbury, Francis, 41 culpa, 19, 22, 31, 69, 173, 188, 227,
Azusa, rua, 115-8, 254 246

Barabas, Steven, 167 Decálogo, 29


batismo, água, 120 dedicação, 143
batismo com o Espírito Santo. V. depravação total, 17, 25, 26. V. tb.
Espírito Santo pecado
Beli, Eudorus N., 119 desobediência, 179
Beza, 220 Deus: amor de, 30; conhecimento
Bíblia: e os pentecostais, 56; e de, 27-8; glória de, 99, 107,
santificação, 72-3, 131-2; e ten- 171; habitação, 190-1; novo
tação, 198 relacionamento com, 190-5;
Boardman, William, 203 unicidade de, 109-10
boas obras: e santificação, 70; pes- dons espirituais, 145, 146, 230, 232
soais, 22-3 Durham, William H., 117

Calvino, João, 23, 218; sobre a lei, eleição, 107, 242


53; sobre a santidade, 53; sobre enchimento do Espírito Santo. V.
o pecado na vida do crente, 220 Espírito Santo
carne, 221; como natureza pecami- Erasmo, 220
nosa, 225; como vontade cor- escolha, liberdade de, 17, 26, 31
índice geral 269

Escrituras. V. Bíblia incredulidade, 175-80


Espírito Santo: batismo com o, 47,
49, 57-8, 116-117, 119, 140-6, Jesus Cristo: como imagem de Deus,
153-4, 156, 255; batismo do, 74; em Cristo, 38, 88, 144; e
64, 230-2; como Espírito de santificação, 71, 77,127-8,137-
Cristo, 31; como mestre, 134; 8; habitação, 39; o sangue de,
e regeneração, 190, 228; e sal- 118-9, 128-9; unidade com, 83;
vação, 19; e santificação, 31-2, união com, 71, 72, 82,127,140,
78, 87, 129, 130, 131, 137, 139- 232; união hipostática, 222
40, 245; enchimento do, 64, Jesus Somente, movimento, 120
112, 141, 142, 161, 169, 191-5, justiça: concedida, 38; imputada,
210, 230, 232, 234-40; fruto do, 38; revestimento de, 30
145; habitação do, 232-4, 238; justificação: definição, 64, 69, 172;
poder do, 19, 74; recebimento e culpa, 173; e novo nascimen-
do, 48; selo do, 234, 238, 256; to, 21; e santificação, 17, 81,
testemunho interior do, 44; 93, 124
unção do, 116; versus a velha
natureza, 172
Keswick: história e mensagem 166-
experiência: subvida cristã, 175-80;
8; método, 168-70; perspecti-
vida cristã média, 165; vida
va sobre santificação, 95-9;
cristã normal, 165
versus santidade wesleyana, 47
fé: combate na, 171; cura para o fra-
casso espiritual, 180-7; defini- legalismo, 30
ção de, 183-5; descanso na, lei: 53; continuidade da, 28-31; cum-
172; e amor, 15, 19, 23, 30-1; e primento da, 30; e legalismo,
chamado para a perfeição, 23; 30; moral, 29-30; pentecostais
e justificação, 22; falsa, 183-4; na, 57; santificação, 172-75
meios de santificação, 73-4; línguas, falar em, 116, 118, 140,
níveis de, 22, 184; objeto de, 142, 153, 154
182; santificação pela, 73, 183 Lutero, Martinho, 23, 218
Finney, Charles G., 41, 49, 203
Fisher, Élmer K., 115 Mahan, Asa, 41, 49, 203
Fletcher, John, 47 maturidade, 132, 189, 208, 238
fracasso espiritual, 180-7 Melancthon, 218
Moody, Dwight L., 202
graça: crescer na, 17, 87, 117, 133,
144; eficaz, 242; irresistível, nascer de novo, 150, 229
242; otimismo da, 27; preve- natureza: como substância, 222;
niente, 18, 27, 25-28; resposta definição de, 214, 225; duas,
à 16; segunda obra da, 93,117,
,
218; nova, 37, 70, 85, 92, 112,
118; soberana, 14, 23-24, 241- 226, 227, 240, 252, 256; pala-
25 vras gregas para, 219; velha,
37, 111, 136, 160, 171-2; 211,
Heidelberg, Catecismo de, 74 217, 224-5, 246, 254; versus
Hodge, Charles, 218, 220-2, 225, carne, 94. V. tb. natureza peca-
228-9 minosa
holiness, movimento, 42, 43 natureza pecaminosa. V. natureza,
velha
imagem de Deus: corrompida, 74; Needham, David C, 225
Jesus Cristo como, 74; perda Nova Escola do calvinismo, 41
da, 26; renovada, 17-8, 21,74-6 nova criação. V. natureza: nova
270 5 perspectivas sobre a santificação

novo homem. V. natureza: nova redenção: consumação da, 40; e pe-


novo nascimento: e justificação, 21; cado voluntário, 46
e santificação, 21 regeneração: da pessoa, 228-9; e
batismo com o Espírito, 161; e
obediência, 179, 186 disposição pecaminosa, 173; e
Espírito Santo, 140, 229; e
Palavra de Deus, a. V. Bíblia santificação, 19; nova criação,
Palmer, Phoebe e Walter, 41 190, ocorrência de, 60
Parham, Charles, 118 restauração: e confissão de peca-
Pearlman, Myer, 121-2 dos, 239; plena, 27
pecado: arrogante, 197; conceito
agostiniano de depravação, salvação: chamado à, 18; colocar em
219-21; confissão de, 239; con- ação a, 80, 195 definição de,
taminação pelo, 70; definição 187; e graça, 19; e responsabi-
de, 59, 170, 189, 202, 247; de- lidade humana, 244; e santida-
finição de, 59, 170, 189, 202, de, 23; inicial, 174, 243; pela
247; disposição natural ao, fé, 23; propósito, 37; seguran-
171; e o crente, 20, 84, 87, 91, ça, 177
175-80, 226; fonte, 94; habita- santidade, 53; busca da, 20-2, 131;
ção, 218, 221; habitual, 189; chamado à, 34, 37; conceito
impecabilidade, 53-4; inclina- bíblico de, 70-4; cristocêntrica,
ção para o, 225; intencional, 121; definição de, 60, 70, 174;
17, 18; libertação do, 17, 38, e a Queda, 18; e pecado, 39-40;
104,188, 204; morte para o, 82, e salvação, 22-3; pregação, 42;
85, 94, 128; natureza, 27, 64, restauração da, 18; teste de, 34.
87-8, 117, 125, 136, 160, 222- santificação: busca da, 36, 40, 46;
6 ,250; original, 24-28, 147; chamado à, 33; como renova-
pecaminosidade total, 18; per- ção, 74; como segunda obra
dão, 94; poder do, 27; poder definitiva da graça, 116, 117,
sobre, 20, 92; purificação de 119; definição de, 33, 64, 69,
todo, 44; tendência ao, 211; 70, 123-4; definitiva, 81-4; di-
universalidade, 84; vitória so- ferenças doutrinárias quanto à,
bre, 82, 135, 195. V. tb. depra- 41-50; e a segunda vinda, 136;
vação total; velha natureza; e boas obras, 70; e justiça, 228;
tentação
e justificação, 17, 21, 81, 93,
pelagianismo, 102 125; ensino das Assembléias
perdão, 173, 239
de Deus sobre, 125-40; ensino
perfeccionismo, 92-95
de Keswick sobre, 172-5; e novo
perfeição: absoluta, 60, 104, 132,
135; busca de, 32; definição de, nascimento, 150; e o serviço
60; definitiva, 136, 245-6 e pe- cristão, 70, 241; e reaviva-
cado, 189; final, 132; imputa- mento, 41; essência da, 30; fi-
da, 120; isenta de pecado, 83, nal, 228; gradual, 46; ignorân-
102, 169, 170, 188, 189, 205, cia da, 177-8; inicial, 213; iní-
211; Keswick, sobre, 170; ní- cio da, 20, 180; instantânea,
veis de, 17; pela fé, 23 126-7; obra de Deus, 77-9; pa-
purificação, 124, 129 drão de, 74-7; pela fé, 73; per-
da da, 125; permanente, 173;
Queda: anulação da, 27; e desejos plena, 15, 20, 30, 42, 43, 44,
distorcidos, 204; os efeitos da, 45, 46, 48, 57, 60-1, 92, 93, 120,
18, 22, 25-8, 69; e natureza pe- 121, 135-8; posicionai, 124,
caminosa, 223 127, 128, 172, 231; prática,
índice geral 271

172; processo, como, 91; pre- unitarismo: oposição de Wesley ao,


gação, 42, 46; progressiva, 84- 25; pentecostal, 119
7 124, 125, 127-35, 137, 232,
,

240-21; propósito da, 36; pro- velha criação. V. natureza: velha


pósito da, 99-101; responsabi- velho homem. V. natureza: velha
lidade do crente na, 79-80, 126- vida cristã normal, a, 10, 20, 49, 104,
35, 152, 241-5 110, 150, 165-8, 169, 170, 253,
Scofield, C. I., sobre as duas nature- 175-82, 187, 189, 191, 195-7,
zas, 219, 226, 227-8, 254 199, 206, 207-8, 214
segunda bênção, 46, 52, 84, 93 vontade de Deus, a: descobrir a,
segunda obra da graça, 117, 119, 198; fazer, 186; rejeitar, 186;
121 violar, 195
segurança eterna, 156, 160-1, 174, Warfield, B. B., 243-4
241, 255 Wesley, John: e Agostinho, 26; e a
semelhança com Cristo, 85-7, 100, Reforma, 14; e Fletcher, 48; so-
103, 166, 174, 185, 195, 197, bre a Bíblia, 15; sobre a ima-
240, 245 gem de Deus, 25; sobre a Que-
separação, 13, 124, 125 da, 26; sobre fé, 18, 30; sobre
Seymour, W. J., 115 graça, 23-4; sobre justificação,
Smith, Robert Pearsall, 203 17; sobre lei, 28-31; sobre li-
sofrimento, 198 vre-arbítrio, 18, 30; sobre o Es-
sola gratia, 17 pírito Santo, 31; sobre pecado,
sola scriptura, 17 17; sobre perfeição, 17; sobre
restauração, 18, 27; sobre sal-
Taylor, John, 25 vação, 30; sobre santidade, 15;
tentação, 198, 205 sobre santificação, 31; sobre
Trindade: controvérsia sobre, 119; unitarismo, 25
e santificação, 136; habitação,
190-1; natureza da, 120 Zinzendorf, 118
"
Esta obra reúne cinco debatedores do
mais alto conhecimento bíblico e trata
da santificação, a obra progressiva que
Deus e o homem realizam em parceria
para atingir a estatura da plenitude de
Cristo. Sua leitura certamente nos
ajudará a entendê-la e nos capacitará a
trilhar um caminho seguro em direção à
"

santificação.

Itamir Neves de Souza, mestre em


Ciências da Religião, professor da
Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
É diretor do IDEAL (Instituto de
Desenvolvimento e Aperfeiçoamento de
Líderes).

"

A apresentação de um tema tão


relevante como a santificação, através
da metodologia da exposição,
contraposição e réplica usada nesta
obra, levará o leitor a uma melhor

compreensão das perspectivas mais


difundidas sobre o assunto para seu
conhecimento e avaliação, como
também para a aplicação no próprio
"
cotidiano cristão.

Jonathas Carvalho Batista, pastor da


Igreja Batista Memorial em Diadema
(SP). Mestrando em Ciências da Religião
pela Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
"

Num momento como o que vivemos,


no qual os heróis são mais cortejados
que os santos, e o fazer é mais desejado
que o ser, uma obra como esta nos ajuda
a repensar nossa caminhada individual e
também coletíva. Um diálogo sério
acerca da santidade fazia-se necessário.
Nesse sentido, os autores deste livro nos
ajudarão muito a perceber o propósito
de Deus para sua Igreja."

Ricardo Bitun, teólogo, sociólogo,


doutorando pela (PUC-SP) e pastor da
Igreja Evangélica Manaim em São Paulo
(SP).

"

O debate sobre santificação nesta obra


é altamente relevante, pois traz ao leitor
a possibilidade de se conhecer, num só
volume, cinco posições distintas com
réplicas consistentes. Apesar da leitura
fácil e agradável, o livro mostra
competência em seu conteúdo, levando
o leitor a crescer no conhecimento
bíblico e a refletir sobre a necessidade e
a possibilidade de uma prática efetiva
"

em relação à santificação.

Marcos de Almeida, professor da


Faculdade Teológica Batista de São Paulo
e do Seminário Teológico Evangélico do
Betei Brasileiro de São Paulo.

Capa: Marcelo Moscheta


PERSPECTIVAS SOBRE A

Santificação

£ possível alcançar a santificação nesta vida?


A crise após a conversão é uma experiência nornial, ou mesmo necessária?
De maneira geral, os cristãos reconhecem a necessidade de viver de
forma santa e consagrada. Discordam, porém, sobre o que é santificação
e como ela pode ser obtida.
5 perspectivas sobre a santificação reúne em um único volume as
principais perspectivas sobre o terna: wesleyana, reformada, pentecostal,
de Kcswick e agosliniano-dispensacionalistasCada autor apresenta e
defende sua posição, respondendo aos argumentos das outras linhas de
pensamento, lodos os debatedores, no entanto, concordam que a
santificação exige empenho do cristão para expressar o amor de Deus na
prática.
Ao contrapor argumentos de diferentes correntes do pensamento
teológico, esta obra valiosa contribuí para o livre debate de ideias,
proporcionando aos leitores a oportunidade de aprofundar-se no
conhecimento e na convicção de temas relevantes da teologia cristã.

Melvin £. Dieter foi diretor do Asbury Theological Seminary.


Anthony A. Hoekema foi professor emérito de Teologia Sistemática do
Calvin Theological Seminary.
Stanley M. Horton e professor emérito de Bíblia e Teologia do Assemblies
(sf God Theological Seminary.
J Robertson McQuilkin foi presidente da Columbia Graduate School of
.

Bible and Missions.

John F. Walvorrd loi chancelei' do Dallas Theological Seminary.

Vida
Al \ Ot M I ( \

Categoria: HXCHI.bNCIA:
Iwww.iíidaacademica.net Área histórico-sisiemática / Hamartiologia

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