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Universidade Federal do Rio de Janeiro

COMPROMISSO E RESISTÊNCIA:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SINTOMA NEURÓTICO

Fernanda Canavêz de Magalhães

2008
COMPROMISSO E RESISTÊNCIA:

CONSIDERAÇÕES SOBRE O SINTOMA NEURÓTICO

Fernanda Canavêz de Magalhães

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Teoria

Psicanalítica, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Teoria Psicanalítica.

Orientadora: Regina Herzog de Oliveira

Rio de Janeiro

Janeiro/2008

ii
COMPROMISSO E RESISTÊNCIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O

SINTOMA NEURÓTICO

Fernanda Canavêz de Magalhães

Orientadora: Regina Herzog de Oliveira

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Teoria


Psicanalítica, Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
como parte dos requisitos à obtenção do título de Mestre e Teoria Psicanalítica.

Aprovada por:

________________________________________

Presidente da banca, Profa. Dra. Regina Herzog de Oliveira

________________________________________

Profa. Dra. Simone Perelson

________________________________________

Profa. Dra. Jô Gondar

Rio de Janeiro

Janeiro/2008

FICHA CATALOGRÁFICA

iii
Canavêz de Magalhães, Fernanda.
Compromisso e resistência: considerações sobre o sintoma
neurótico/Fernanda Canavêz de Magalhães. - Rio de Janeiro: UFRJ/ PPGTP,
2008.
ix, 116f.; 29,7 cm.
Orientadora: Regina Herzog
Dissertação (Mestrado) – UFRJ/PPGTP/ Programa de Pós- graduação em
Teoria Psicanalítica, 2008.
Referências Bibliográficas: f. 112-116.
1. Psicologia. 2. Teoria Psicanalítica. I. Herzog, Regina. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Teoria
Psicanalítica. III. Título.

iv
Resumo

COMPROMISSO E RESISTÊNCIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O

SINTOMA NEURÓTICO

Fernanda Canavêz de Magalhães

Orientadora: Regina Herzog de Oliveira

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação


em Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Teoria Psicanalítica.

Esta dissertação se dedica à investigação da concepção de sintoma neurótico em


sua interface social. O sintoma é abordado a partir de dois eixos no pensamento
freudiano: tomado como formação de compromisso e a resistência nele expressa. Tais
dimensões coexistem na obra de Freud, constituindo um paradoxo que não se extingue.
Enquanto a noção de compromisso aponta para uma conciliação dos desejos
inconscientes com a regulação da moral civilizada, a resistência aponta para o
inapreensível atualizado no sintoma, entravando uma pretensa boa continuidade da
experiência analítica. Reconhecemos a resistência expressa no sintoma não apenas
como o que obstaculiza uma análise, mas se erige em defesa da singularidade fazendo
frente às tentativas universalizantes engendradas pela moral civilizada. Nesse sentido, o
sintoma também pode ser tomado como forma de resistência por parte do sujeito face às
ameaças de massificação preconizadas por uma moral que se pretende universal. Cabe
ao psicanalista positivá- lo, tal como Freud fez com os sintomas histéricos que se
apresentavam como desajustados socialmente no seio da civilização moderna.
Palavras-chave: psicanálise, clínica, sintoma, neurose, social, civilização, formação de
compromisso, resistência.

Rio de Janeiro
Janeiro/2008

v
Résumé

COMPROMISSO E RESISTÊNCIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE O

SINTOMA NEURÓTICO

Fernanda Canavêz de Magalhães

Orientadora: Regina Herzog de Oliveira

Résumé da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação


em Teoria Psicanalítica, Instituto de Psicologia, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre
em Teoria Psicanalítica.

Cette dissertation est consacrée à la recherche de la conception de symptôme


névrotique dans son interface sociale. Le symptôme est étudié à partir de deux axes de
la pensée freudienne, à savoir : comme formation de compromis et comme une
résistance exprimée en lui- même. Ces dimensions coexistent dans l’œuvre de Freud et
c'est un paradoxe qui ne s’éteint pas. Tandis que la notion de compromis indique une
conciliation des désirs inconscients avec les règlements de la morale civilisée, la
résistance pointe vers l’incompréhensible actualisé sur le symptôme, empêchant ainsi, la
soit disant, bonne continuité de l'expérience analytique. Nous reconnaissons la
résistance exprimée dans le symptôme, non seulement comme ce qui empêche
l’analyse, mais aussi se dresse en défense de la singularité face aux tentatives
universalistes engendrées par la morale civilisée. Ainsi, le symptôme peut aussi être
considéré comme une forme de résistance du sujet face aux menaces de massification
préconisées par une morale qui se prétend universelle. Il incombe au psychanalyste
positiver le symptôme tel que Freud a fait avec les symptômes hystériques qui se
présentaient comme socialement désajustés au sein de la civilisation moderne.
Mots-clés: psychanalyse, clinique, symptôme, névrose, social, culture, formation de
compromis, résistance.

Rio de Janeiro
Janvier/2008

vi
À memória de meu pai,

cuja ausência não é capaz de apagar o incessante apelo à vida, com suas dores e delícias.

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Agradecimentos

À minha orientadora, Regina Herzog, pelo respeito às minhas idéias, por acolher os

momentos de insegurança e me encorajar a seguir adiante.

Ao Bruno, meu irmão, pela sensibilidade e por despertar minha atenção para a potência

dos sintomas.

À minha mãe, pelas tentativas de resistência.

Ao Luiz Paulo, pelo carinho e por rir comigo dos descaminhos da vida.

Aos colegas de pesquisa, em especial Ricardo Salztrager, pelas incansáveis discussões,

e Iná Susini Mariante, pela colheita amiga de flores no deserto.

Ao Roberto Barcellos, por amenizar a solidão do trabalho com os ‘restos sociais’.

À Priscilla Burity, por ficar por perto, apesar das minhas ausências.

Aos professores Joel Birman e Jô Gondar, pelas sugestões feitas no exame de

qualificação que muito contribuíram para o desenvolvimento deste trabalho.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica,

especialmente à Isabel Fortes e Simone Perelson, pelas contribuições dadas ao meu

trabalho.

Ao CNPQ, pelo financiamento que possibilitou esta pesquisa.

viii
Sumário

Introdução................................................................................................................ 10

Capítulo 1 – A regulação que o compromisso encerra………………………… 16


A dimensão de conflito: sujeito X civilização…………………………………….. 17
As formações do inconsciente falam a favor do compromisso……………………. 21
O sintoma é uma formação de compromisso……………………………………… 23
O sintoma enquanto falha: na contramão da civilização…………………………... 27
Inaugurando o segundo dualismo pulsional……………………………………….. 30
Por uma nova tópica: os descaminhos da formação de compromisso…………….. 35

Capítulo 2 – A resistência expressa no sintoma................................................... 42


Surge uma técnica: do sintoma como falha ao sintoma como fala………………... 43
No universo das resistências: considerações sobre o vínculo transferencial……… 51
A resistência como repetição dos sintomas: o eu não é digno de confiança………. 55
Por uma reação terapêutica positiva: a vertente libertária da pulsão de morte……. 61
Ainda sobre o eu…………………………………………………………………... 70

Capítulo III – Por uma positivação da resistência do sintoma………………... 73


Os primórdios da psicanálise aplicada ao social....................................................... 75
Da desilusão aos laços possíveis…………………………………………………... 82
O mal-estar irremediável…………………………………………………………... 89
Culpa e identificação: desconstruir para responsabilizar………………………….. 96
A comunidade da singularidade qualquer…………………………………………. 101

Considerações finais – Resistir é preciso……………........................................... 105

Referências bibliográficas...................................................................................... 112

ix
Introdução
Compromisso e resistência: considerações sobre o sintoma neurótico

A pesquisa tomada como fio norteador deste trabalho recai sobre a concepção
psicanalítica de sintoma, mais especificamente, de sintoma neurótico. O conceito de
sintoma no campo aventado por Freud desde o início subverteu aquele da medicina
moderna. Esta última entendia o sintoma como manifestação de uma enfermidade para a
qual era preciso erigir uma explicação e um tratamento eficaz. Isso porque o sintoma
representava um corpo estranho no seio da ciência moderna, a qual almejava o
progresso, a conquista da evolução do ser humano, projeto entravado pela presença de
enfermidades neuróticas. Com efeito, os sintomas histéricos - cuja investigação
fomentou a estruturação da psicanálise – surgiam como um ponto enquistado a
obstaculizar a promessa de povos evoluídos e dispostos a trabalhar para o bem-estar de
suas nações. Não é a toa que tão logo os estudiosos começam a se ocupar dos
fenômenos histéricos estes adquirem um colorido de degenerescência, tropeços morais e
tantas outras formulações que os tomavam negativamente no contexto da sociedade
moderna (FREUD, 1914a/1974), uma vez que pareciam não se coadunar com os
preceitos morais da ocasião.
Dessa maneira, desde as primeiras formulações sobre as até então estranhas
patologias histéricas a marca da moralidade que pairava sobre a civilização moderna se
fez presente. Os sintomas histéricos surgem como índice de um desajuste social,
indicando que algo escapava das tentativas incessantes de moldar os sujeitos à luz dos
ditames morais indispensáveis ao progresso da Modernidade. Portanto, o sintoma se
torna objeto de estudo da emergente psicanálise revelando imbricações com o social, de
maneira que os postulados freudianos carregaram desde o início o caráter de um
protesto dirigido à sociedade moderna (FREUD, 1908a/1974). Os sintomas, assim
sendo, não traziam apenas uma novidade em termos psicopatológicos a ser desvendada
e sanada pelos cientistas, mas também um indicativo de que não era tão confortável aos
sujeitos encaixar-se nas normas criadas para o convívio social. Pelos motivos expostos,
a investigação que deu corpo a este trabalho não foi orientada apenas pela concepção

10
psicanalítica de sintoma, como também pela interface deste conceito com o social –
remontando aos primórdios de seu surgimento enquanto um objeto de estudo.
Por conta disso, dois eixos principais serviram de fio condutor para esta
dissertação, a saber, o sintoma como formação de compromisso e a resistência colocada
em pauta a partir do sintoma. Estas duas dimensões do sintoma neurótico foram
investigadas a partir dos textos freudianos, não sendo possível indicar de modo
conclusivo que uma delas tenha anulado a outra em determinado momento do
pensamento freudiano. Com efeito, parece mais fértil e pertinente indicá- las como
partes de um paradoxo que não se extinguiu ao longo da obra do pai da psicanálise.
Ora, a idéia de formação de compromisso não cessa de atualizar o caráter
conciliatório que o sintoma evoca, na tentativa de satisfazer os desejos inconscientes e
as forças que se delineiam para barrá- los. Cabe uma pequena digressão para salientar
que a moralidade foi por diversas vezes incluída na série dos obstáculos a entravar a
realização dos desejos inconscientes (FREUD, 1908a/1974). Veremos que nem sempre
os ditames morais conservaram toda esta potência que concorre para a formação de um
sintoma neurótico (FREUD, 1930[1929]/1974), muito embora tenha permanecido como
alvo de críticas de Freud em todos os momentos de sua obra.
Dessa maneira, a noção de formação de compromisso carrega consigo o caráter
de regulação preconizado pela moral civilizada, à qual os desejos inconscientes estão
permanentemente circunscritos, irrompendo na consciência apenas enquanto
disfarçados. Já a dimensão de resistência apresenta o inadaptável do sintoma, aquilo que
se recusa a ser capturado por obediência aos propósitos conciliatórios. No âmbito das
formulações freudianas, a resistência se fez presente como o que se contrapunha à
revelação dos desejos inconscientes e, em última instância, ao próprio dispositivo
psicanalítico. A pesquisa realizada neste trabalho sobre o conceito almeja extrapolar
esta conotação para reconhecer a resistência expressa no sintoma também como uma
forma de resis tência frente às tentativas universalizantes preconizadas pela moral
civilizada.
A hipótese que orienta esta investigação ressalta o aspecto paradoxal dessas duas
dimensões no pensamento freudiano. Isso porque muito embora Freud tenha atrelado o
sintoma neurótico por diversas vezes à formação de compromisso, não o restringiu a
este campo, reconhecendo nele também algo que sobrepujava qualquer tentativa de

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conciliação. É pertinente ainda afirmar que Freud tenha considerado por vezes o
sintoma como um corpo estranho a ser extirpado pela técnica psicanalítica devido à
impossibilidade de adequação, considerando-o como uma falha. Entretanto, não deixou
de evidenciar os impasses frente ao projeto de remissão sintomática, identificando
também aí uma produção do sujeito a ser positivada pelo analista.
Nesse sentido, o leitor é convidado a mergulhar nesta investigação da trama
freudiana tal qual um observador de uma tela bicolor que, a depender do ponto de vista,
pode evidenciar uma ou outra tinta de modo pregnante. Desse modo, mutatis mutandis,
Freud é aqui entendido como um pintor que em uma mesma obra pode carregar mais em
uma tinta ou noutra, a depender do ponto de vista. Com vistas a realçar esta dinâmica
paradoxal, alguns dos textos selecionados para a revisão bibliográfica foram utilizados
para a exposição de ambas as dimensões do sintoma neurótico. Este caráter de paradoxo
atribuído à investigação do sintoma reflete que Freud evidenciou por vezes também um
‘compromisso’ com os preceitos da sociedade moderna, ainda que por conta de tal
postura não tenha sacrificado a produção singular que o sintoma expõe. Esta se
manifesta como recusa a qualquer tentativa de apreensão por parte de uma pretensa
moral universal, muito embora não precise ser compreendida como recusa ao laço com
o outro, o que afirmaria o sintoma taxativamente como uma estrutura associal.
É digna de nota a compreensão da neurose como associal no pensamento
freudiano (FREUD, 1913a; 1921/1974), assertiva tomada como um novelo a ser
desvelado pela pesquisa desta dissertação. Com efeito, o caráter paradoxal das duas
dimensões do sintoma neurótico é encarado como ponto de partida para que seja
possível depreender do sintoma neurótico algo que escapa à moral universalizante e não
necessariamente relegue o sujeito ao limbo da associalidade. Ao contrário, espera-se
tomar o sintoma como forma de resistência positivando-o como fundamental para que o
laço com o outro se dê.
Dessa maneira, o vínculo social não se estabeleceria apenas circunscrito à
obediência aos ditames morais, situação que encarcera o sujeito em suas produções
sintomáticas com as quais sofre e das quais, no entanto, parece ser difícil abrir mão. Ao
contrário, a resistência expressa no sintoma seria tomada como o que fala a favor da
singularidade e, desse modo, condição de possibilidade para o estabelecimento de um
laço legítimo com o outro. Portanto, soa como indispensável para a proposição deste

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trabalho a investigação dos motivos que teriam levado Freud a considerar a neurose
associal e se tais motivações persistem ao longo de suas formulações.
Antes de prosseguir na apresentação do problema vale salientar que Freud
apresenta a neurose como associal e não propriamente o sintoma neurótico. No entanto,
será feita a opção por deslocar a questão da neurose para o sintoma. Este deslocamento
se justifica por contarmos com a formação de sintomas em uma organização neurótica
(LAPLANCHE & PONTALIS, 1987/1998). Além disso, embora o enfoque da
investigação recaia sobre o sintoma neurótico, sem sombra de dúvida o resgate da
postura freudiana sobre os sintomas histéricos na ocasião do nascimento da psicanálise
é deveras fértil para pensar também os sintomas em geral, os sintomas de nossa época.
A pesquisa empreendida sobre o sintoma neurótico na interface com a sociedade
moderna revela-se produtiva para problematizar a maneira como tratamos os sintomas
da época atual, assunto ao qual pretendemos chegar ao fim deste trabalho.
Por este motivo, deslocar a temática para o sintoma neurótico parece propic iar
um alargamento do campo de investigação para o assunto do sintoma em sua interface
com o social. Devido ao privilégio dado a este recorte, cabe ainda esclarecer que a
discussão sobre as diferentes tipologias de sintomas neuróticos – histéricos, fóbicos e
obsessivos - não será aprofundada, uma vez que as sutilezas das distintas dinâmicas não
se revelam tão pertinentes neste momento para a investigação mais ampliada do sintoma
no que concerne ao social. Assim sendo, ao evocar o conceito de sintoma o que estará
em pauta será a categoria que inclui as diferentes modalidades de sintomas neuróticos.
Além dos motivos supracitados, vale fazer uma ressalva quanto à maneira como
os termos sujeito, neurose e sintoma serão tratados. Não raras vezes tais termos serão
tomados de modo quase sinonímico, não por uma impossibilidade de diferenciá- los,
mas pela fertilidade para o tema proposto de compreender os termos de forma
imbricada. Já foi explicada a razão pela qual será feito um deslocamento do termo
neurose para o sintoma com fins investigativos. Agora também é importante inserir o
sujeito na série sintoma e neurose, pois o sintoma está sendo entendido como o que fala
a favor da subjetividade.
Assim sendo, por diversas vezes torna-se hercúlea a tarefa de tentar diferenciar o
sujeito do que é reconhecido como seu representante por excelência. Esta postura é
distinta daquela que entende o sintoma em termos estruturais, concorrendo para um

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aspecto de rigidez e imutabilidade. Ao contrário, tanto sujeito como sintoma são aqui
tomados como dinâmicos e processuais. Cabe, portanto, ao analista estar atento a todas
as nuances das manifestações sintomáticas, não para classificá- las e esperar os
fenômenos prontos a corroborar tal ou qual psicopatologia, mas para nelas reconhecer a
tentativa de uma produção subjetiva que deve ser positivada.
A proposta deste trabalho é promover um resgate da postura freudiana frente aos
sintomas histéricos, a qual primava pela positivação da produção subjetiva, a despeito
desta se mostrar avessa às normas instituídas e às demandas da sociedade na ocasião.
Dessa forma, assim como o sintoma histérico evidenciava uma discursividade que
muito dizia a respeito do sujeito para Freud, os diferentes sintomas que hoje se
apresentam ao analista muito podem transmitir sobre sua subjetividade e sobre sua
maneira de fazer frente às demandas de nossa sociedade.
Para abordar a discussão acima delineada e chegar a tal proposta vamos, em
primeiro lugar, nos deter na figura da formação de compromisso na obra freudiana.
Retomaremos os textos dos primórdios da psicanálise para resgatar de que modo a
formação de compromisso começou a ocupar as formulações freudianas e como se deu
a construção de uma íntima associação deste conceito com aquele de sintoma neurótico.
Além disso, a questão da associalidade da neurose será apresentada, de maneira a
analisar os motivos que teriam levado Freud a fazer esta afirmação. Acompanharemos o
desenrolar do laço que une formação de compromisso e sintoma até os textos freudianos
mais tardios, entendendo que o mesmo não se extingue, embora vá perdendo ênfase
para dar lugar à temática da resistência associada ao sintoma.
No segundo capítulo a discussão concernente à resistência ganha destaque. Esta
será abordada a partir das dife rentes acepções em que aparece nos textos psicanalíticos:
seja referida às dificuldades colocadas pelo paciente em uma experiência analítica,
relacionada a entraves por parte do analista ou até mesmo às críticas dirigidas à
psicanálise pela sociedade moderna. A noção clássica de resistência, a saber, aquela que
a reconhece como obstáculo à revelação de conteúdos inconscientes, será
problematizada objetivando positivar a resistência como o que se erige em favor do
sujeito. Para dar conta desta empreitada, os conceitos de pulsão de morte e reação
terapêutica negativa serão revisitados a luz de comentadores que neles reconhecem uma
positividade. A noção psicanalítica clássica de resistência expressa no sintoma neurótico

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será ainda extrapolada para que seja aventada em sua acepção política (GONDAR,
2003), concorrendo para que o sintoma seja tomado como forma de resistência face às
tentativas de massificação engendradas pela moral civilizada.
No intuito de chegar a uma positivação do sintoma como forma de resis tência os
textos freudianos sobre o social serão percorridos no último capítulo, almejando
compreender como este era pensado pelo pai da psicanálise e que lugar tinha o sintoma
neurótico em tais formulações. Nesse sentido, a discussão sobre os laços entre os
sujeitos nas formulações de Freud (FREUD, 1921/1974) será propícia para pensar se
ainda hoje os vínculos estabelecidos têm o mesmo estatuto e se o sintoma é concebido
da mesma maneira. A partir desta análise, espera-se resgatar o caráter inovador dos
primórdios da psicanálise para que, assim como Freud frente aos sintomas histéricos,
também hoje possam os analistas positivar as produções do sujeito como expressão de
sua singularidade, a despeito destas despontarem a princípio como inadequadas e
ameaçadoras.

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Capítulo I
A regulação que o compromisso encerra

“Ser uma cousa é não ser susceptível de interpretação”


(Alberto Caeiro)

A noção de formação de compromisso se faz presente na psicanálise desde as


primeiras elaborações de Freud (1893-1895), que tratavam da temática do sintoma e de
sua até então estranha etiologia. Antes de debruçar mais detidamente na investigação
desta noção, é pertinente voltar a atenção para a proposta freudiana de uma nova
concepção de sintoma, tema de grande relevância para o presente trabalho.
Com efeito, já no final do século XIX a postulação de Freud acerca do sintoma
subverteu aquela que predominava no meio científico. O sintoma era tomado pelo
discurso médico como a manifestação de uma enfermidade para a qual sempre existiria
uma explicação e um tratamento eficaz; ou seja, o sintoma apontava para um mal a ser
eliminado. Todavia, o pai da psicanálise se recusou a considerar o sintoma como um
mero corpo estranho a ser extirpado. Muito pelo contrário, ele supunha que o sintoma
neurótico expressava um conflito intransponível, colocando em jogo forças opostas que
não poderiam ser anuladas.
Além disso, a oferta freudiana de escuta das pacientes histéricas também se
distanciava do tratamento proposto pela ciência moderna, destinado às sintomatologias
que contavam com um substrato anatomo-patológico capaz de explicar a aparição de
sintomas corporais. Porém, este não era o caso da histeria, ficando à margem da
explicação científica por não possuir uma etiologia palpável, que pudesse ser verificada.
Ainda assim, a tentativa de circunscrever as patologias aparenteme nte
inexplicáveis pela perspectiva anatomo-fisiológica foi perseguida com afinco pela
medicina moderna. O próprio nascimento da psiquiatria, no início do século XIX, marca
a indefinição quanto à etiologia das doenças mentais e afecções nervosas, na medida em
que explicitou duas vertentes possíveis para a compreensão dos sintomas: o estudo a
partir da etiologia física ou o entendimento de que eram decorrentes de transgressões
morais (BIRMAN, 1978). Se os sintomas histéricos não possuíam uma etiologia
orgânica passível de ser definida, a despeito do comprometimento corporal das
pacientes, certamente estas não passariam incólumes frente ao discurso moralizador que

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pairava sobre a sociedade na ocasião. A histeria fulgurava como sinal de
degenerescência mental, resultado de um grupo desorganizado de idéias ou uma simples
teatralização, assertivas que não deixavam espaço para a consideração das queixas
histéricas 1 .
Diante deste cenário, podemos afirmar que é enquanto socialmente desajustado
que o sintoma passa a ser alvo de interesse de Freud. Coube ao até então jovem médico
escutar as pacientes, conferindo estatuto de verdade às suas falas. Isso porque mesmo
escapando ao modelo de sintomas conhecido até então, não deixavam de acossar as que
destes se queixavam. Freud reconheceu a força que animava os relatos histéricos,
conferindo à produção sintomática o estatuto de positividade, pois os sintomas
denotavam “uma maneira discursiva de existência, que se dizia pela ação, já que não
podia ser literalmente anunciada – que não lhe retirava, evidentemente, a presença e
mesmo o poder de enunciação” (BIRMAN, 2001, p. 256). A partir do acolhimento de
sintomas que não se enquadravam nos saberes da época, o psicanalista vienense se
aventurou na pesquisa de uma inusitada etiologia, estudo através do qual foram lançadas
as bases do que se configuraria mais tarde como o método psicanalítico (FREUD,
1900/1974).

A dimensão de conflito: sujeito X civilização


Desde suas primeiras considerações Freud depreende do sintoma o seu caráter
conciliatório (FREUD, 1895/1974), a partir da constatação de forças contrárias atuando
em sua formação. A noção de defesa é pregnante, respondendo o sintoma ao conflito
entre o desprazer e sua causa precipitante. Na ocasião a sexualidade era reconhecida
como a principal responsável por engendrar as experiências desprazerosas, na medida
em que as idéias de conteúdo sexual se apresentavam com elevada intensidade,
inconciliáveis para a censura que lhe era correspondente (FREUD, 1950[1895]/1974).
Ficava delineada a etiologia sexual dos sintomas: diante da impossibilidade de fazer
coexistirem o conteúdo sexual e a censura preconiza-se o recalque, responsável por
afastar da consciê ncia o inconciliável. O que fora recalcado, contudo, não se deixa
silenciar, forçando a irrupção na consciência. É enquanto retorno do recalcado que o

1
Freud não cessou de explicitar suas discordâncias com estudiosos que tratavam da histeria na ocasião de
suas primeiras investigações. Para uma discussão mais aprofundada sobre o assunto remetemos o leitor ao
texto A história do movimento psicanalítico (FREUD, 1914/1974).

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sintoma é compreendido, expressando uma negociação entre o recalcado, que se
apresenta disfarçado à consciência, e a força precipitadora do recalque.
Dessa maneira, vai se delineando o terreno propício para que o sintoma fosse
tomado como formação de compromisso entre forças contraditórias, realizando de modo
concomitante o desejo inconsciente e a proibição que lhe é correlata. Esta formulação
insere o sintoma na injunção do sujeito com a civilização, uma vez que esta seria a
responsável pelas restrições que recaem sobre aquele 2 . Seguindo o fio de prumo da
primeira teoria pulsional freudiana, o sintoma representa a luta travada entre o eu,
agente da censura, e a sexualidade. As idéias de conteúdo sexual preconizam o recalque
por caminharem na contramão do que ditava a moral sexual civilizada, ou melhor, a
moral sexual da civilização moderna (BIRMAN, 2006), cujo imperativo mais capital
residia na restrição do ato sexual à finalidade de reprodução no seio de uma relação
monogâmica.
Em contrapartida, o pai da psicanálise considerava que a sexualidade
extrapolava os limites da genitalidade, de modo que o prazer sexual poderia ser obtido
de inúmeras maneiras, para além da necessidade de reprodução (FREUD, 1905/1974).
Esta formulação era descabida para os preceitos morais da época, impelindo o sujeito a
buscar satisfações substitutivas que não fossem entravadas pela censura moral. A
psicanálise compreendia a neurose como uma das respostas do sujeito frente à moral
sexual civilizada. Com efeito, o sintoma coloca em pauta uma satisfação que vem
substituir aquela que era almejada, por conta de restrições morais colocadas ao desejo
inconsciente. Esta situação leva à doença (FREUD, 1908a/1974), pagando o sujeito com
a renúncia de parcela de sua satisfação, além do alto preço de permanecer enfermo 3 .
Os textos desse momento da elaboração freudiana dão margem para que se faça
uma leitura negativista do sintoma. Se por um lado a formação sintomática responde aos
preceitos morais em voga, aparecendo como uma negociação entre as exigências da
civilização e os desejos inconscientes, por outro lado acaba se tornando nefasto aos
anseios civilizatórios, uma vez que os sintomas acabam por prejudicar a contribuição do

2
É importante esclarecer que tal assertiva precisa ser contextualizada historicamente, na medida em que
Freud se dedicou à investigação do sujeito inserido na civilização moderna. Desse modo, na discussão dos
textos freudianos, a civilização será tomada como a sociedade a qual Freud se referia, ou seja, a sociedade
moderna (BIRMAN, 2006).
3
Cabe explicitar que Freud não negligencia que o sintoma neurótico ofereça vantagens para o sujeito.
Com efeito, estas foram colocadas em termos de uma vantagem advinda da doença (FREUD, 1917[1916-
1917]/1974) ou de um ganho secundário assegurado a partir dos sintomas (FREUD, 1926[1925]/1974).

18
sujeito em prol da sociedade (FREUD, 1910/1974; 1913a/1974). Isso porque o sintoma
incide negativamente sobre a capacidade laborativa e relações afetivas do sujeito, a
despeito dos motivos que precipitaram sua formação.
Em seu comentário sobre a obra de Freud, Mezan (1985) coloca a neurose4
como ‘um feitiço que se volta contra o feiticeiro’, na medida em que “A moral sexual é
caracterizada como responsável por uma coerção nociva dos impulsos sexuais, cujos
efeitos acabam por se voltar contra as próprias finalidades a que tende a cultura 5 ” (p.
235). Dessa forma, o autor pontua que a neurose não possui valor cultural no
pensamento freudiano. Esta linha argumentativa aponta para uma recalcitrância da
organização neurótica, pois ainda que se possa falar em termos de uma renúncia de
parte da satisfação feita pelos sujeitos em nome da civilização, este movimento é uma
supressão apenas aparente das moções pulsionais (FREUD, 1908a/1974). Assim sendo,
os neuróticos permanecem reivindicando constantemente seu quinhão de satisfação
através dos sintomas, os quais, em última instância, acabam por figurar como avessos à
civilização. Os sintomas, dessa maneira, acarretam um dispêndio de elevada quantidade
de energia que poderia ser utilizada em prol da civilização (FREUD, 1910/1974).
Ora, se o sintoma roubava uma energia que poderia ser utilizada a favor da
civilização e se os anseios culturais eram em parte responsabilizados pela formação
sintomática, nada se colocaria como entrave para o projeto terapêutico de remissão dos
sintomas. A civilização ganharia sujeitos saudáveis que trabalhariam em sua causa e os
sujeitos ficariam livres de suas enfermidades neuróticas! É neste momento que a
psicanálise desponta como arsenal privilegiado no combate às neuroses, na medida em
que revelaria o sentido subjacente nos sintomas, extinguindo-os. Ademais, Freud
apostava na liberação dos que se encontravam sob o pesado jugo das exigências
impostas pela moral da civilização moderna, o que poderia atenuar os conflitos e
também propiciar a remissão sintomática, garantindo uma parcela de felicidade ao
sujeito (FREUD, 1910/1974). Mezan (1985) considera que mesmo não se podendo falar
de um projeto político estruturado por Freud, “é verdade que certas indicações mostram

4
O enfoque da investigação proposta pela dissertação recai sobre o conceito de sintoma neurótico, por
isso esperamos lançar mão de algumas considerações freudianas sobre a neurose, já que nesta contamos
com a manifestação de sintomas. A formação de sintomas é entendida como uma etapa no processo de
constituição de uma neurose (LAPLANCHE & PONTALIS, 1987/1998).
5
Os termos cultura e civilização são aqui utilizados indiscriminadamente, uma vez que o próprio Freud
não se ocupou de diferenciá-los: “desprezo ter que distinguir entre cultura e civilização” (FREUD,
1927/1974, p. 16). Uma investigação mais detalhada sobre o tema foi feita por LO BIANCO (1997).

19
sob quais linhas ele concebe, ainda que fragmentariamente, uma sociedade menos
coercitiva” (p. 499), o que é exemplificado pela aposta na liberdade dos sujeitos.
Se os louros do combate à radic al coerção da sociedade a qual estavam
submetidos os sujeitos no início do século XIX podem ser divididos com Freud, o
mesmo não deve ser afirmado no que tange à realização dos objetivos profiláticos com
os quais inicia o texto As perspectivas futuras da terapêutica analítica (1910). Com
efeito, os percalços encontrados na clínica e a reviravolta teórica de 1920 indicam que
não é mais plausível atribuir o sofrimento humano somente à moral sexual civilizada - o
que trouxe impasses para o projeto de construção de uma terapêutica psicanalítica -
perspectiva pela qual sua concepção de sintoma não passará incólume, como veremos
mais adiante.
No entanto, é digno de nota observar como já em 1910, ao lado de uma visada
otimista sobre os progressos terapêuticos vislumbrados com o avanço da psicanálise,
faz-se presente certa recalcitrância da neurose, que é aqui atribuída a um grupo de
sujeitos, para os quais uma prevenção idealizada das enfermidades neuróticas não seria
vantajosa. Estes não suportariam se deparar com o conflito subjacente ao véu dos
sintomas, de forma que abrindo mão de seus sintomas poderiam causar prejuízos sociais
ainda maiores. Freud afirma que “As neuroses possuem, de fato, sua função biológica,
como um dispositivo protetor” (1910/1974, p. 135), assertiva deveras enigmática, que
recebe uma explicação segundo a vantagem da doença 6 .
A partir de tais considerações, algumas perguntas são colocadas que, de tão
importantes para o tema em baila, vale a pena reproduzir:

“Existe alguém dentre os senhores que, alguma vez, não examinou a


causalidade da neurose, e não teve de admitir que esse era o mais suave
resultado possível da situação? E dever-se-ia fazer tais pesados sacrifícios, a
fim de erradicar as neuroses, em especial, quando o mundo está cheio de outras
misérias inevitáveis? Devemos, então, abandonar nossos esforços para explicar
o significado oculto da neurose como sendo, em última instância, perigoso para
o indivíduo e nocivo para as funções da sociedade?” (FREUD, 1910/1974, p.
135).

A resposta é negativa. Freud está certo de que o campo dos sintomas neuróticos
não contempla apenas vantagens, mas podem ser também prejudicia is para o sujeito e

6
O assunto da vantagem da doença será trabalhado no próximo capítulo, já que está intimamente
associado à resistência expressa no sintoma.

20
para a sociedade, de forma que uma atitude resignada frente aos sintomas não é
desejável. Mas entre a resignação e a aposta em uma “profilaxia mais radical” (FREUD,
1910/1974, p. 136), posição expressa por Freud no final do texto que estamos
discutindo, há uma distância considerável. Perguntamo- nos se entre a acomodação de
uma atitude resignada e a radic alidade de uma terapêutica que almeja a completa
eliminação dos sintomas não haveria uma alternativa. Dessa forma, convidamos o leitor
a guardar as perguntas acima levantadas como pano de fundo no decorrer de nossa
exposição, embora saibamos de antemão que, apesar de não ter excluído estes
questionamentos de seu texto, Freud não claudica em seu projeto terapêutico.
Para além da vantagem da doença, não seria possível pensar em uma função para
os sintomas neuróticos no que diz respeito às relações sociais? Freud já denunciara que
a neurose poderia ser vantajosa tanto para o sujeito quanto para a sociedade e que este
tipo de vantagem – denominada vantagem da doença - deveria ser combatido com
veemência pela psicanálise. Porém, perguntamo- nos se os sintomas ne uróticos não
teriam uma outra função que nos possibilitaria escapar de tomá- los negativamente.
Conforme anteriormente discutido, o valor cultural da neurose pode ser tomado como
inexistente para Freud (MEZAN, 1985), apesar de terem sido esboçadas perguntas que
abririam para uma outra perspectiva. Ainda assim, nesse momento da elaboração
freudiana, qualquer possibilidade de positivar o sintoma neurótico que extrapolasse a
mera vantagem da doença é rechaçada, evidenciando a neurose em termos de desajuste
no tocante à civilização. Consideramos que esta perspectiva não foi a única que
perdurou ao longo dos textos freudianos, de forma que é cabível indagar se o sintoma
neurótico também não revela uma participação no tocante às relações sociais.
Guardemos essas questões por enquanto. No momento, já cientes das
imbricações entre sujeito e civilização com as quais Freud se ocupara desde o início de
seu estudo sobre o sintoma, vamos voltar à noção de formação de compromisso.

As formações do inconsciente falam a favor do compromisso


A formação de compromisso denota uma deformação sofrida pelo recalcado na
tentativa de se fazer compatível com a censura, permitindo seu acesso à consciência. A
idéia de compromisso é bastante ilustrativa, já que expõe uma negociação entre as

21
forças contrárias, as quais se encontram em ação no recalque, remetendo imediatamente
à noção de conflito, tão importante na teoria freudiana.
Com efeito, a formação de compromisso fulgura como solução para o conflito
entre o desejo inconsciente e a censura que entrava a realização daquele, de modo que
as duas forças são satisfeitas. Em uma mesma formação estão contemplados o desejo
inconsciente, que insiste em se apresentar à consciência a partir do retorno do recalcado
sob a forma de substitutos, e a censura, cujo representante é o eu, que preconiza a
deformação do conteúdo inconsciente na tentativa de burlar a censura. Então por mais
que o sujeito encontre satisfação, esta não rompe com os propósitos regulatórios levados
a cabo pela moral civilizatória, pois a censura também é satisfeita. A formação de
compromisso, portanto, é de fundamental importância para este trabalho por trazer à
tona a discussão sobre a inserção do sujeito na civilização, evidenciando uma
conciliação que se coloca de acordo com as exigências daquela.
Freud não cessou de atrelar a noção de formação de compromisso à sua
concepção de sintoma, formulação assaz pregnante na primeira teoria pulsional, embora
não tenha sido abolida após o tournant de 1920 - o que por si só já fala a favor do lugar
de destaque que possui no pensamento freudiano. Mas antes de passarmos à refe rida
temática é preciso mostrar como o mecanismo da formação de compromisso foi
estendido às demais formações do inconsciente após as primeiras considerações acerca
do mecanismo dos sintomas histéricos (FREUD, 1893-1895/1974). Isso porque o estudo
dos sintomas circunscrito ao campo da psicopatologia proporcionou uma compreensão
geral do funcionamento psíquico tido como normal, transformando a taxativa divisão
entre normal e patológico em uma mera linha tênue.
A investigação que encontra elementos até então tidos como psicopatológicos
em sujeitos tomados enquanto normais foi fomentada pela noção de formação de
compromisso, estendida dos sintomas aos sonhos, atos falhos e chistes. A principal
força de formação de um sonho é o desejo inconsciente, este incompatível com a
censura, o que impele à deformação de seu conteúdo (FREUD, 1900/1974). É
irrefutável que o texto A interpretação dos sonhos (1900) constitui uma defesa da tese
de que o sonho é a realização de um desejo, corroborando a leitura que identifica
também no sintoma a realização do desejo inconsciente, já que os mecanismos de

22
formação de ambos se assemelham, postulado que tem como cerne a formação de
compromisso.
O estudo sobre os sonhos foi o pontapé inicial para a pesquisa de outros
mecanismos presentes na vida ‘normal’ que conservam similitudes com o sintoma. Esta
tarefa foi realizada em A psicopatologia da vida cotidiana (FREUD, 1901/1974) com a
exposição de uma variedade de exemplos e em Os chistes e sua relação com o
inconsciente (FREUD, 1905a/1974), expondo como os ditos espirituosos também
respondem pela distorção do conteúdo recalcado, incompatível com a censura. O
brilhantismo da escrita freudiana causa perplexidade no leitor que se depara com muitas
situações corriqueiras inseridas na esteira dos exemplos de formações de compromisso,
mecanismo inicialmente associado aos sintomas histéricos. Uma pá de cal é, portanto,
lançada na visada moralista que pairava sobre as enfermidades neuróticas, uma vez que
os sintomas ganham estatuto de verdade e não se revelam tão distantes daquilo que era
até então tido como a normalidade.
Vemos então o papel fundamental da formação de compromisso para a virada
acima descrita, fornecendo uma compreensão acerca do funcionamento psíquico em
geral. Por diversas vezes Freud se utilizou de fenômenos patológicos no intuito de
lançar luz à vida psíquica tida como normal, como fica evidente em seu estudo sobre o
narcisismo: “a fim de chegar à compreensão do que parece tão simples em fenômenos
normais, teremos de recorrer ao campo da patologia com suas distorções e exageros”
(FREUD, 1914b/1974, p. 98). E, com efeito, em suas conclusões a normalidade não
parece estar tão distante das enfermidades como se supunha até então. É mister ter este
tipo de consideração sempre em evidência frente à proposta de investigação da
concepção psicanalítica de sintoma. Voltemos agora ao objetivo inicial deste capítulo de
investigar o sintoma como formação de compromisso.

O sintoma é uma formação de compromisso


Afirmar que o sintoma é sempre uma formação de compromisso suscita uma
ampla discussão. Isso porque ainda que a noção de compromisso denote a satisfação do
desejo inconsciente e da defesa contra este desejo, nem sempre as duas exigências de
satisfação são facilmente detectáveis em uma formação sintomática. Laplanche &
Pontalis (1987/1998) sustentam que toda manifestação sintomática é um compromisso,

23
embora em alguns casos clínicos ou a defesa ou o desejo se expressam de modo
predominante, de maneira que não se reconhece a força que opera em sentido contrário.
Para resolver este impasse, é preciso pensar em uma “gradação no compromisso”
(LAPLANCHE & PONTALIS, 1987/1998, p. 199) que se faz sempre presente nos
sintomas.
Com vistas a desenvolver esta discussão propomos uma pequena digressão para
a investigação das noções de formação substitutiva e de formação reativa, associadas à
formação de compromisso. É curioso observar como o termo formação substitutiva
aparece tantas vezes atrelado à concepção de sintoma nos textos freudianos. Trata-se de
uma alusão à substituição do conteúdo recalcado cujo acesso à consciência foi proibido,
que, dessa forma, se apresenta de modo distorcido. Adema is, indica uma satisfação
substitutiva, pois aquela inicialmente esperada não pôde ser obtida 7 . Já a formação
reativa também aparece associada ao conceito de sintoma, embora sua definição nos
remeta mais comumente à temática do caráter. Laplanche & Pontalis (1987/1998)
ressaltam que a formação reativa ganha clinicamente um colorido sintomático, pois
expressa rigidez8 e uma compulsão que chega a um resultado oposto ao que era
esperado conscientemente. Para diferenciar as noções, afirmam que na formação de
compromisso o desejo recalcado aparece ao lado da defesa que lhe é correspondente,
enquanto na formação reativa o predominante é a oposição à pulsão.
A partir da leitura que faz dos autores, Mezan (1998/2001) chama a atenção para
que não se confunda o conceito de formação substitutiva com os de formação de
compromisso e formação reativa. Nesse sentido propõe:

“a primeira noção designa o elemento através do qual o desejo passa a se


realizar, freqüentemente de maneira simbólica (por deslocamento ou
associação); o segundo de refere aos sintomas e as séries que parte deles
(sonhos, atos falhos, frases de espírito, etc.); o terceiro indica a predominância
do elemento repressor, como no exemplo da tríade de qualidades compulsivas
de caráter que reagem contra o erotismo anal” (MEZAN, 1998/2001, p. 215).

7
Vale enfatizar o fato de que toda formação pode ser tomada como substitutiva, o que fica explicitado
pelo próprio emprego do termo formação. A ênfase deste recai no processo que contempla a formação de
um substituto dos conteúdos inconscientes, uma vez que estes não podem se apresentar de outra maneira à
consciência.
8
Não é incomum na literatura sobre o tema a atribuição de um aspecto rígido ao sintoma, como
observamos em Laplanche e Pontalis (1987/1998). Não negligenciamos que os sintomas podem adquirir
um caráter de rigidez, mas o objetivo deste trabalho é enaltecer sua dimensão dinâmica e de fluidez.

24
Embora o autor só faça menção ao sintoma ao se referir à formação de
compromisso, é possível demonstrar que as outras duas noções não deixam de estar
vinculadas ao conceito, de acordo com o que já foi colocado anteriorme nte. Podemos
depreender desta perspectiva que a formação substitutiva exalta a realização do desejo,
a formação reativa expressa a defesa como pregnante, enquanto a formação de
compromisso evidencia a conciliação entre as forças opostas.
O que é importante pontuar a partir destas considerações é a constatação de que
as noções de formação de compromisso e formação substitutiva perduram lado a lado ao
longo das formulações freudiana s sobre o sintoma neurótico. No entanto, percebe-se
uma profusão de postulados acerca da noção de formação de compromisso na primeira
teoria pulsional, ao passo que a noção de formação substitutiva ganha destaque após a
conceituação da pulsão de morte (FREUD, 1920/1974). Esta mudança não acontece sem
maiores conseqüências no que tange à concepção de sintoma: se antes o que estava em
pauta era a conciliação neste implicada, na segunda teoria pulsional sua dimensão de
satisfação roubou a cena. Feitos estes esclarecimentos, já podemos retornar ao percurso
do laço que une sintoma e formação de compromisso na obra freudiana.
A consideração da noção de compromisso na temática do sintoma tangencia a
teoria freudiana desde o texto Estudos sobre a histeria (1893-1895), uma verdadeira
genealogia da técnica psicanalítica como profilaxia no tratamento dos sintomas
histéricos e da tentativa de investigação daquilo que escapava ao campo da consciência.
Os relatos e discussões de cinco casos de histeria (FREUD, 1983-1985/1974)
assinalavam como alicerce de um sintoma histérico a defesa contra uma idéia de
conteúdo incompatível com a censura, por ser de cunho sexual. Esta deveria ser
rechaçada do campo da consciência, o que apontava para a insatisfação sexual das
histéricas. Desta situação decorria o sintoma que, desde então, denotava uma satisfação
sexual, a qual não poderia ser obtida de outra maneira, tendo em vista os entraves
morais. Esta foi a fértil semente para a postulação poucos anos mais tarde do sintoma
como “a atividade sexual do paciente” (FREUD, 1905 [1901]/1974, p. 111).
É possível deduzir também um ‘compromisso’ feito por Freud neste momento de
sua elaboração. Isso porque embora tivesse colocado o ‘dedo na ferida’ dos preceitos
morais da época ao afirmar que o sintoma resultava de um entrave à satisfação sexual
das histéricas, também não deixou de expor um la ço entre o sintoma e a civilização, já

25
que aquele mostra uma conciliação com as exigências desta última. Trata-se de um
indicativo de que não restava muito espaço para o sintoma senão enquanto circunscrito
à tentativa de regulação dos sujeitos9 , adequando-se às normas que lhe são impostas.
Nesse sentido, o próprio papel da psicanálise pode ser problematizado, já que
não deixa va de fazer parte de uma série de técnicas normativas que objetiva vam a
adequação social do sujeito 10 . Freud não deixou de se empenhar na hercúlea tentativa de
curar os sintomas neuróticos (FREUD, 1893-1895/1974), os quais se apresentavam
como desajustados para a sociedade no início do século XIX. Caso obtivesse êxito neste
projeto, Freud teria realizado um verdadeiro feito heróico, tendo se ocupado de uma
enfermidade inexplicável que era um entrave aos anseios de progresso da Modernidade!
Consideramos que a perspectiva de uma ‘profilaxia radical’ engessa o sintoma
em uma negativização, silenciando o sujeito que se faz expressar mediante as
manifestações sintomáticas, o que vai de encontro ao projeto do mesmo Freud que
tratou os sintomas histéricos como uma positividade, dando voz às pacientes
(BIRMAN, 2001). Podemos supor, portanto, que esta perspectiva da teoria psicanalítica
indica um ‘compromisso’ com as exigências da civilização, a despeito do projeto
freudiano de dar voz às histéricas. Com efeito, a escuta das pacientes histéricas parecia a
princípio ter um único objetivo: desvendar a estranha etiologia que subjazia às
enfermidades neuróticas para então eliminá- las, sanando este desajuste social.
Entretanto, suspeitamos que ainda assim Freud não aboliu o conflito entre o sujeito e as
forças sociais coercitivas, o que pode indicar que ele tenha se colocado, em certa
medida, ao lado do sujeito – via que tentaremos trilhar para chegarmos a uma
positivação do sintoma nos próximos capítulos.
No entanto, antes de prosseguir, não podemos mais deixar de fazer uma
consideração sobre o conflito sujeito X civilização. Conforme apontado anteriormente,
pensar uma oposição entre sujeito e civilização implica privilegiar as conseqüências
nefastas para os sujeitos das medidas coercitivas levadas a cabo pela sociedade moderna
(BIRMAN, 2006). Dessa forma, portanto, é cabível pensar em uma oposição entre os
dois pólos. O mesmo não ocorre, no entanto, se falarmos em termos de sujeito e social

9
A regulação será entendida como fruto dos esforços feitos pela civilização na tentativa de possibilitar
um convívio entre os sujeitos adequado à moral moderna, preconizando a renúncia pulsional.
10
Sobre o viés normativo que a psicanálise pode assumir e o seu lugar na série das técnicas disciplinares
ver FOUCAULT (1988/2006).

26
como se constituindo mutuamente. Nesse sentido, não se trata de uma oposição
maniqueísta, nem de uma anterioridade de um sobre o outro, mas do sujeito como
condição de possibilidade do social e vice- versa.
Faz parte dos objetivos deste trabalho mostrar que o social pode tamponar o
sujeito, como a civilização moderna acabava por silenciar as histéricas, por exemplo,
embora o social não precise se restringir a isso. Espera-se positivar o sintoma como o
que extrapola os efe itos nocivos da regulação normativa e fala a favor do sujeito.

O sintoma enquanto falha: na contramão da civilização


Esta visada do sintoma acaba tomando-o como uma falha, afirmação que fica
clara no texto Novos comentários sobre as neuropsicoses de defesa (1896), onde o
sintoma é assimilado a uma falha no processo defensivo. A tese de que o sintoma é um
método de defesa já ficara evidente no artigo que antecede o acima citado, onde os
diferentes tipos de sintomas resultam de também distintos processos defensivos
(FREUD, 1894/1974). Mas em 1896, com o ainda incipiente estudo da neurose
obsessiva, Freud formaliza que esta neurose é caracterizada “pelo retorno das
lembranças recalcadas 11 – isto é, pelo fracasso da defesa” (FREUD, 1896/1974, p.
195), sendo os sintomas obsessivos uma conciliação entre as idéias recalcadas e as que
impulsionaram o recalque. O sintoma surge quando a defesa claudica e o recalcado
emerge, irrompendo na consciência de forma distorcida.
Também na Carta 52 (1895a) indicativos desta concepção eram fornecidos com
a compreensão do recalque como uma falha na tradução do material psíquico de um
registro ao outro. Neste momento o aparelho psíquico era entendido como um aparelho
de memória, possuindo diferentes estratos ou registros por onde circula o material
psíquico. Este é transcrito de um registro ao outro, processo passível de falhas, cuja
expressão é o recalque. Freud afirma que “seu motivo é sempre a produção de
desprazer, que seria gerado por uma tradução; é como se esse desprazer provocasse um
distúrbio no pensamento que não permitisse o trabalho de tradução” (FREUD,
1895a/1974, p. 319). Se o desprazer for gerado dentro de registros do mesmo tipo

11
Na edição utilizada para a pesquisa o termo alemão Verdrängung foi traduzido por repressão e não
recalque. Entretanto, o segundo termo será aqui utilizado, pois conserva as conotações do seu uso
original. Do mesmo modo, outros termos da edição utilizada serão substituídos, como por exemplo grupo
por massa e ego por eu. Para mais detalhes consultar HANNS, L. (1996).

27
ocorre uma defesa normal, ao passo que a defesa patológica dirige-se a um traço de
memória que não foi traduzido, permanecendo em uma fase anterior.
A comparação com os fueros espanhóis 12 é utilizada para reconhecer no sintoma
um sobrevivente das leis que regem o registro anterior (FREUD, 1895a/1974),
apontando para uma insistência em permanecer em uma fase superada, que deveria ter
sido ultrapassada. O importante a ser extraído das contribuições destes últimos textos é
que eles se prestam a fazer uma leitura negativista, encarcerando o sintoma. Este é o
resultado de uma falha que atrapalha a boa continuidade do processo psíquico, um erro
que impede a defesa contra as idéias incompatíveis ou elevadas intensidades, uma
espécie de atraso que ‘joga areia ’ na noção progressista do avanço de um registro ao
outro.
Todavia, a visada do sintoma como falha vai perdendo cada vez mais espaço no
pensamento freudiano. Este movimento não se dá sem o avanço da corriqueira idéia de
que patológico e normalidade são primos próximos (FREUD, 1914b/1974), cujas
diferenças continuam sendo questionadas. A noção de sobredeterminação já havia
ocupado a investigação sobre a etiologia dos sintomas histéricos (FREUD, 1893-
1895/1974), de forma que estes não podiam ser atribuídos a uma única causa
determinante, situação que leva a afirmar que “um estado de moléstia neurótica não
pode ser nitidamente diferenciado de um estado de saúde” (FREUD, 1906[1905]/1974,
p. 291). Mas se do ponto de vista da eleição de uma causa determinante o sintoma não
se revela distante da saúde, no que diz respeito à relação com a realidade externa 13 as
diferenças não cessaram de ser evidenciadas.
Um dos motivos concorrentes para a formulação de que a neurose seria associal
(FREUD, 1913a/1974) é o fato de os neuróticos recorrerem à vida de fantasia. É
interessante notar que Freud extrapola a discussão sobre a impossibilidade de satisfação
sexual colocada ao neurótico devido a exigências da civilização ao relatar o caso Dora
(FREUD, 1905[1901]/1974), como ficou conhecido o referido caso entre os
psicanalistas. Isso porque o sintoma neurótico não repousa apenas nos entraves externos
colocados à satisfação, de maneira que uma vez que estas fossem suspensas o neurótico
chegaria mais próximo da satisfação. Ao contrário, o neurótico revela uma

12
Os fueros eram os sistemas jurídicos dos feudos espanhóis cujas leis permaneceram vigentes mesmo
após o fim do feudalismo em algumas regiões, salvaguardando antigos privilégios destas.
13
Os termos realidade externa e realidade material serão utilizados indiscriminadamente neste trabalho.

28
“incapacidade de enfrentar uma exigência erótica autêntica” (FREUD,
1905[1901]/1974, p. 107), fazendo com que o próprio sujeito seja responsabilizado por
se mostrar avesso à possibilidade de realização de seus desejos. Dessa maneira, embora
o sujeito recorra sem cessar ao seu mundo de fantasia, sob a justificativa de que o
acesso à realização dos desejos se encontra barrado pelas exigências da moral
civilizada, não deixa de temer que seus conteúdos fantasiados possam se tornar reais.
Com efeito, Freud chega ao entendimento de que o sintoma neurótico coloca em pauta
uma diferenciação entre realidade material e fa ntasia (1905[1901]/1974), figurando a
realidade como problemática para os neuróticos.
Em Fantasias histéricas e sua relação com a bissexualidade (1908) as fantasias
são formalizadas como base dos sintomas histéricos. Diante de uma frustração imposta
pela realidade material o sujeito busca satisfação na fantasia. Os sintomas indicam a
exteriorização de fantasias inconscientes que anseiam pela realização de um desejo, as
quais surgem a partir da conciliação entre este desejo e a moção pulsional que almeja
suprimi- lo. Vale discutir a afirmação de que os sintomas histéricos “nada mais são do
que fantasias inconscientes exteriorizadas por meio da ‘conversão’” (FREUD,
1908/1974, p. 165 – grifo nosso). O neurótico recorre ao mundo de fantasia para
garantir seu quinhão de satisfação inconscientemente, já que esta teria encontrado
impasses frente à realidade material. O sintoma, por sua vez, extrapola o mundo
fantasiado e pode proporcionar um retorno à realidade, figurando por isso como uma
exteriorização.
A neurose é um indicativo de que a realidade parece insuportável ao neurótico,
de modo que os sintomas neuróticos funcionam como uma resposta frente às exigências
da realidade material14 . Assim sendo, é importante atentar para o fato de que nos
sintomas “o terreno da realidade é mais uma vez alcançado” (FREUD, 1912b/1974, p.
293), pois representam satisfações substitutas que se conciliam com as exigências da
realidade material. Vale salientar que a realização consciente de uma fantasia poderia
romper com a regulação dos sujeitos levada a cabo pela civilização, o que fica evidente
pelos exemplos de estupro e outras agressões sexuais colocados por Freud quando a
fantasia não se expressa sob a forma de sintomas (FREUD, 1908/1974). O sintoma, em
contrapartida, fornece ao neurótico aquilo que fora perdido com o seu refúgio no mundo
14
Neste texto de 1908 é possível aproximar a noção de realidade material das exigências impostas pela
moral civilizada.

29
de fantasia: a capacidade de adentrar o terreno da realidade, sem perder de vista o
compromisso com a moral civilizada. Em suma, o sintoma neurótico aparece como
proteção contra a barbárie e os riscos que colocariam a civilização em xeque, além de
fazer frente à postura ensimesmada decorrente da retirada para o mundo fantasiado.
Dessa forma, afirmar que o sintoma é associal levando-se em conta o
afastamento que acarreta da realidade material parece cada vez mais falacioso ao longo
do percurso investigativo que o próprio Freud faz sobre o tema. Permanece, ainda
assim, a perspectiva do sintoma como um dispêndio de energia (FREUD, 1910/1974),
que poderia ser utilizada em prol da civilização ou até mesmo com vistas a modificar a
realidade insuportável ao sujeito, o que fala a favor de sua compreensão como associal.
Isso porque o sujeito gastava energia no embate contra o sintoma que ele próprio criara,
do qual se queixava (FREUD, 1910; 1917[1916-1917]/1974). Esta perspectiva pode
acabar nos conduzindo para a contramão do objetivo principal deste trabalho de
positivar o sintoma. Por hora é preciso passar aos descaminhos do sintoma como
formação de compromisso, uma vez que começamos a expor a perda de ênfase do
sintoma enquanto falha no desenrolar da elaboração freudiana.

Inaugurando o segundo dualismo pulsional


O texto que apresenta o conceito de narcisismo (FREUD, 1914b/1974) revelou-
se de importância capital para a psicanálise. Considerar que também o eu é investido
libidinalmente fez implodir a oposição pulsões do eu versus pulsões sexuais, deixando
uma cicatriz irreversível no campo teórico. Esta fenda só seria suturada com a
proposição de um outro dualismo pulsional em 1920, ano de formalização da pulsão de
morte (FREUD, 1920/1974). A temática do sintoma também não se mostrou imune às
novas considerações a partir do narcisismo. Ora, se antes o sintoma era compreendido
como fruto do conflito entre o eu e a sexualidade (FREUD, 1950[1895]/1974), agora a
oposição não se mostrava tão legítima, pois também o eu é sexualizado.
Não havia mais condição para afirmar a presença de energias psíquicas distintas
- as pulsões do eu e as pulsões sexuais – distinção refutada pelo estado de narcisismo,
no qual elas existiriam em conjunto, não dando a possibilidade de se fazer uma
investigação que pudesse diferenciá-las (FREUD, 1914b/1974). Restava a tentativa de
continuar a postular uma dualidade mediante o investimento nos objetos, dualidade esta

30
estabelecida a partir da libido do eu versus libido do objeto. Estas são colocadas em
termos de uma antítese: quanto mais uma é investida, menos disponível fica a outra. Há
que se chegar a um equilíbrio entre os investimentos no eu e nos objetos, exigência que
leva Freud a expor uma de suas mais célebres frases: “Um egoísmo forte constitui uma
proteção contra o adoecer, mas, num último recurso, devemos começar a amar a fim de
não adoecermos, e estamos destinados a cair doentes se, em conseqüência da privação
formos incapazes de amar” (FREUD, 1914b/1974, p. 101).
Nessa perspectiva, o sintoma neurótico passa a ser explicado a partir do conflito
entre libido do eu e libido do objeto, o que perdurará ao longo dos textos freudianos
(FREUD, 1920/1974). Além desta modificação advinda da introdução do conceito de
narcisismo, a concepção de sintoma fulgura distante do quadro das enfermidades que
deveriam ser extirpadas. O sintoma fora consolidado como resultado da falha do
processo de recalque (FREUD, 1896; 1910a), mas o recalque agora não só figuraria
como parte do mecanismo de defesa, como também ganha espaço na própria
constituição do sujeito, responsável por fundar o inconsciente enquanto uma instância
(FREUD, 1915/1974).
Se o recalque é precursor do sintoma e agora é colocado como constitutivo,
pode-se inferir que o estatuto do sintoma também sofre uma inflexão. Talvez este não
surja apenas em determinadas circunstâncias, onde falhas foram observadas, mas ganhe
espaço no processo de constituição do sujeito. E se ainda quiséssemos falar em termos
de falha, esta não mais poderia se destinar a um grupo de sujeitos, mas seria inerente ao
sujeito, que enquanto tal se apresentaria desajustado, falho. No artigo metapsicológico
Recalque (1915) o processo de recalque é formalizado como inerente à constituição do
inconsciente. Para isso Freud lança mão de uma hipótese que supõe o recalque
originário, necessário para explicar um primeiro núcleo inconsciente que exerceria uma
pressão posterior nos conteúdos a serem recalcados 15 .
A partir do rumo que as formalizações sobre o recalque tomaram, o estatuto do
sintoma precisou ser relativizado, o que já havia sido feito em Recordar, repetir e
elaborar (1914), um dos artigos inteiramente dedicados a discussões no âmbito da

15
O recalque é explicado a partir da ação de duas forças, a saber: a repulsão por parte do consciente e a
atração exercida pelo núcleo recalcado no inconsciente (FREUD, 1915/1974). A hipótese do recalque
originário é, pois, fundamental caso se pense que neste momento ainda não é possível falar de uma
instância inconsciente, de onde um núcleo recalcado poderia exercer a atração.

31
técnica psicanalítica. Neste artigo o afloramento dos sintomas é apresentado como
condição para que o tratamento psicanalítico se dê, trazendo- nos a idéia de que um
tratamento se opera sobre a análise dos sintomas. Além de servir ao tratamento, a
enfermidade deve ser considerada pelo analisando “um fragmento de sua personalidade,
que possui sólido fundamento para existir e da qual coisas de valor para sua vida futura
têm de ser inferidas” (FREUD, 1914/1974, p. 199).
Ao processo de análise interessa que novos substitutos do recalcado se
produzam, pois estes representam a via de acesso para o inconsciente. É, portanto, na
conciliação com o retorno do recalcado que uma experiência de análise se viabiliza,
dando ensejo à proposta de uma ‘tolerância quanto ao estado de enfermidade’. Trata-se
de um antídoto contra a ambição terapêutica (FREUD, 1912/1974), mesmo porque se o
sintoma representa parte da personalidade do sujeito fica cada vez mais difícil pensar
em uma técnica da ordem da cura (BIRMAN, 1997), sem que com isso características
pessoais e importantes ao sujeito sejam sacrificadas. Cabe ao analista e ao analisando
fazer uma espécie de ‘compromisso’ com os sintomas, que se mostram aqui como parte
do enquadre que um processo analítico pressuporia.
Se antes o sintoma foi colocado enquanto formação de compromisso, como o
que se compatibiliza com a regulação preconizada pela moral civilizada, aqui o
compromisso expresso no sintoma também se evidencia enquanto compatível com o
processo de uma análise. Com efeito, esta dimensão de regulação não deixa de se fazer
presente, até mesmo no espaço de uma experiência analítica, se o sintoma for tomado
exclusivamente como formação de compromisso.
Nos anos de 1916 e 1917 Freud se dedica às conferências introdutórias que
reúnem considerações acerca da neurose (FREUD, 1917[1916-1917]/1974). Também
nessas palestras a formação de compromisso foi evidenciada, de maneira que o sintoma
satisfaz concomitantemente o desejo sexual e a defesa contra este. Na Conferência
XXIII a oposição com a realidade material, que já tinha sido apontada, é mais uma vez
colocada em pauta, mas agora o tema da satisfação ganha lugar de destaque. Freud
introduz a explicação de que os neuróticos se queixam de seus sintomas porque a
satisfação que estes comportam não é reconhecida enquanto tal. À vida ideativa
consciente parece descabida a realidade psíquica e “no mundo das neuroses, a realidade
psíquica é a realidade decisiva” (FREUD, 1917[1916-1917]/1974, p. 430).

32
Ao traçar uma genealogia de suas investigações sobre os sintomas neuróticos a
ser transmitida ao público, Freud dá ênfase à vertente de satisfação inerente às
formações sintomáticas e começa a esboçar que o eu, anteriormente colocado em
oposição à sexualidade para explicar a formação dos sintomas (FREUD,
1950[1985]/1974), também possui grande participação neste processo e adquire
vantagens com o mesmo.
Ainda nesta conferência, Freud afirma que o eu obtém como vantagem a
satisfação da defesa que por ele é almejada e que é o agente do recalque. Lembremos
que é só a partir do recalque que se torna possível falar em retorno do recalcado, cujo
principal representante é o sintoma (FREUD, 1915/1974). Fica evidente, dessa maneira,
a íntima relação entre o sintoma e o eu. Porém, Freud não cai na armadilha de relatar
aos ouvintes apenas as vantagens alcançadas pelo eu com os sintomas, afirmando que a
opção por estes feita pelo eu não passa de um ‘mau negócio’. Se o sintoma pode a
princípio ser tomado como solução do conflito, logo se percebe que preconiza
sofrimentos correlatos aos advindos do conflito aumentando – e muito – o desprazer, de
modo que o eu “preferia libertar-se desse desprazer dos sintomas, sem desistir do ganho
que lhe dá a doença, e isto é justamente o que não pode obter” (FREUD, 1917[1916-
1917]/1974, p. 447). A dimensão conflitiva perdura, não sendo possível ao neurótico
rechaçá- la.
Neste momento da Conferência XXIII Freud lança mão de um exemplo do qual
tomara conhecimento. Um árabe percorria uma trilha em uma montanha que beirava um
precipício em cima de seu camelo quando se viu em uma difícil situação: deparou-se
com um leão preparado para atacá- lo! De um lado avistava o grande rochedo da
montanha, de outro o precipício e à sua frente o leão pronto para o ataque. Para o árabe
não parecia haver saída, mas o camelo se lançou sem pestanejar no precipício, deixando
o leão a ver navios. Freud relaciona esta trágica história aos sintomas neuróticos, que
são apresentados como uma resposta automática frente ao conflito. Esta solução, no
entanto, não se mostra adequada para silenciar as exigências da vida, sendo que “a
pessoa abandonou o uso das suas melhores e mais elevadas capacidades. Se houvesse
uma escolha, seria preferível descer à liça para uma honrosa luta com o destino”
(FREUD, 1917[1916-1917]/1974, p. 449).

33
Frente ao conflito colocado pelas exigências da vida ao sujeito, parece não haver
saída senão entregar-se à neurose. Embora os sintomas neuróticos resguardassem cada
vez mais um lugar privilegiado nos postulados freudianos, este movimento não se dá
fora de uma perspectiva negativista, visada esta à qual a comparação acima descrita tem
o poder de conduzir. Na mesma conferência os sintomas são associados a uma
fragilidade do eu, que lança mão dos mesmos quando perdeu sua capacidade de
diversificação da libido, uma retomada da explicação econômica exposta anteriormente
a partir da oposição entre libido do eu e libido do objeto (FREUD, 1914b/1974). Esta
associação aponta para um enfraquecimento do eu que se vê, por isso, obrigado a
recorrer aos sintomas neuróticos.
Todavia, se não é plaus ível falar de uma positivação do sintoma neurótico,
também não se pode virar as costas à dimensão universal que lhe é conferida. As
tonalidades que regem a diferença entre ser doente ou não recaem apenas sobre o fator
quantitativo, levando-o a afirmar que “todos nós somos doentes – isto é, neuróticos -,
pois as precondições da formação dos sintomas também podem ser observadas em
pessoas normais” (FREUD, 1917[1916-1917]/1974, p. 419). Frente às exigências da
vida a neurose se apresenta como uma resposta e de tais exigências ninguém pode se
dizer livre.
Retomando a introdução do conceito de narcisismo (FREUD, 1914b/1974),
vemos que o suposto dualismo pulsional, tão caro a Freud, denotava uma inconsistência
difícil de ser rechaçada na teorização freudiana. A consideração de que também o eu é
sexualizado inviabilizou a oposição pulsões do eu versus pulsões sexuais e, por
conseguinte, a compreensão do sintoma a partir de um conflito entre eu e sexualidade.
Em 1920 Freud chega finalmente à formalização de um novo dualismo pulsional, agora
entre pulsões de vida e pulsões de morte. No tocante às neuroses, Freud continua com a
idéia de que são o resultado de um conflito entre libido do eu e libido objetal (FREUD,
1920/1974).
Mas será que a conceituação da pulsão de morte, tida como a grande virada no
pensamento freudiano cuja investigação deu início a transformações teóricas, não
acarretou em qualquer mudança significativa no tocante à compreensão dos sintomas
neuróticos? Parece difícil de acreditar, mas de início não trouxe modificações
diretamente relacionadas aos sintomas. Mesmo que o conceito de pulsão de morte tenha

34
trazido novidades para o pensamento freudiano, consideramos que a significativa
reviravolta metapsicológica no tocante ao estudo dos sintomas já ocorrera com a
introdução do conceito de narcisismo, ainda que as manifestações da pulsão de morte,
como o masoquismo (FREUD, 1924/1974), figurem como elementos importantes para a
investigação do sintoma.
Com vistas a desenvolver o tema, podemos afirmar que as formulações herdeiras
da virada de 1920 recrudescem ainda mais o colorido de resistência do sintoma, em
especial por conta dos impasses que a clínica trouxera. Entretanto, é possível afirmar a
persistência da perspectiva do sintoma como formação de compromisso, a despeito do
recrudescimento das resistências nele expressas. É curioso observar que Freud retorna
ao texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905) após a formalização da
pulsão de morte em 1920 e não abre mão de acrescentar a seguinte frase: “os sintomas
neuróticos baseiam-se, de um lado, nas exigências dos instintos libidinosos e, de outro,
naquelas feitas pelo eu em reação a estas” (FREUD, 1905/1974, p. 166). Trata-se de
uma passagem que mostra como permanece viva a noção de um compromisso entre o eu
e as exigências libidinais que o sintoma revela.

Por uma nova tópica: os descaminhos da formação de compromisso


O estudo sobre as massas 16 denominado Psicologia das massas e análise do eu
(1921) ainda não conta com uma formalização da segunda tópica, o que Freud faria dois
anos depois, embora já possua neste texto elementos que apontem para esta elaboração.
Ainda assim, tal estudo apresenta uma reflexão de grande envergadura para a
investigação dos sintomas neuróticos na interface com o social. Neste momento, porém,
vamos abordar alguns aspectos do texto relevantes para dar seguimento à argumentação
que corrobora a permanência do sintoma como formação de compromisso ao longo da
obra freudiana, deixando a discussão sobre o social para o último capítulo.
Freud se detém na investigação dos elementos que caracterizam a massa,
lançando mão de características que atribuíra anteriormente aos sintomas neuróticos,
aproximando-os das massas. O primeiro atributo se refere à formação de compromisso,
uma vez que, tanto nas massas como nos neuróticos, idéias contrárias podem coexistir.
No caso dos sintomas neuróticos o compromisso entre tendências contrárias já tinha
16
Freud analisou diferentes tipos de grupos sob o título de massa, assunto que não será desenvolvido
neste trabalho.

35
ficado evidente, mas agora Freud chama atenção para a afirmação de Le Bon de que nas
massas idéias contraditórias coexistem, sem que se choquem logicamente. A realidade
psíquica também é mais uma vez colocada em evidência, pois tanto na massa como na
neurose é esta a realidade que importa, em detrimento da realidade material. Na massa o
importante é o desejo de seus membros, em que pese as ilusões sobre as qua is as
formações grupais se constituem, em detrimento da realidade material. No que diz
respeito à metodologia utilizada para o estudo das massas esbarramos novamente com
uma semelhança: ao se deparar com dificuldades para explicá- los mediante o fenômeno
da sugestão, Freud lança mão do conceito de libido, que havia sido bastante útil na
pesquisa das neuroses. Com efeito, a libido está no cerne do que justifica uma formação
como a das massas, sendo esta motivada por pulsões sexuais inibidas em sua finalidade,
as quais estão na base dos laços emocionais estabelecidos entre os seus membros.
Tais laços, advindos portanto da libido, são estabelecidos com o líder e com os
demais. A ameaça de dissolução dos laços libid inais é correlata à dissolução da própria
coletividade, o que atesta o lugar de fundamental importância destes na constituição de
uma formação de massa. Esta ameaça está na base do que Freud chamara de angústia
neurótica (FREUD, 1917[1916-1917]/1974), um tema que desenvolveria mais
detidamente alguns anos depois (FREUD, 1926[1925]/1974) 17 , ressaltando dessa
maneira mais uma semelhança entre a massa e as neuroses.
Entretanto, esta afinidade inicial entre os dois não dura muito tempo. Logo
Freud formaliza o conceito de identificação, para dar conta de laços emocionais inibidos
em sua finalidade que abandonam os objetivos diretamente sexuais - o mesmo não
ocorrendo nas neuroses, nas quais as pulsões sexuais são inibidas, embora este processo
não seja bem sucedido. As diferenças se acentuam de tal maneira que Freud chega a
uma oposição entre a neurose e a massa, afirmando a associalidade daquela, tema a ser
abordado posteriormente.
É interessante notar, a despeito do fato de a referida oposição ter sido colocada,
que a explicação do mecanismo da identificação – o modelo de laço - seja dada a partir
de exemplos de sintomas e dos processos de sua formação. No primeiro exemplo Freud
fala de um sintoma histérico, da tosse que uma menina desenvolve, exatamente o

17
Entendemos que não cabe desenvolver este assunto aqui, mas apenas expor mais uma característica
comum às neuroses e à massa. Freud se dedicou a esta discussão na Conferência XXV (1917[1916-
1917]/1974) e posteriormente em Inibições, sintomas e angústia (1926[1925]/1974).

36
mesmo sintoma de sua mãe. A identificação é explicada a partir do complexo de Édipo,
já que a menina deseja ocupar o lugar da mãe, colocando-se como objeto de amor do
pai. Esta situação deflagra o sentimento de culpa, que também é satisfeito quando a
menina assume o mesmo sofrimento de sua mãe, no caso a tosse histérica. O caso Dora
(FREUD, 1905[1901]/1974) é retomado para ilustrar a segunda situação. Freud tinha
em mente a tosse que Dora imitara de seu pai, um exemplo de que o recalque barrara a
escolha de objeto proibida, forçando um caminho regrediente para a identificação, “a
forma mais primitiva e original de laço emocional” (FREUD, 1921/1974, p. 135). No
último caso o sintoma também é evocado, sendo através dele que a identificação se dá.
O desejo de se colocar no lugar de outrem faz com que o sujeito desenvolva o mesmo
sintoma daquele que passa pela situação desejada, embora qualquer relação objetal com
esta pessoa não seja observada. A explicação também contempla o sentimento de culpa,
que faz com que o sofrimento por meio dos sintomas esteja envolvido na identificação.
Apesar de Freud não se referir explicitamente à formação de compromisso, é
possível depreendê- la de cada uma das explicações. No primeiro caso a menina deseja
ocupar o lugar de sua mãe, evidenciando um desejo proibido que deve ser rechaçado. Se
a menina se assemelha à mãe, é apenas através de seu sintoma e não se tornando objeto
de amor de seu pai. O exemplo de Dora mostra um desejo proibido, que encontra o
caminho obstruído para a satisfação, o que dá lugar à identificação. No último caso o
desejo de estar no lugar de uma pessoa próxima preconiza o sentimento de culpa, o qual
impele a identificação através do sintoma. Nas três situações Freud indica a defesa
como atuante no processo de formação de sintomas, aqui atrelado à identificação. Os
sintomas se mostram compatíveis com a exigência defensiva, exaltando um
compromisso entre esta e os desejos inconscientes que os motivaram.
A formalização da segunda tópica só se dá de fato em O eu e o isso (1923), texto
crucial para a questão da qual estamos tratando, posto que vai recolocar os termos nos
quais a formação de um sintoma neurótico é explicada. Na nova tópica freudiana, o
sintoma expressa conflitos entre as diferentes instâncias do psiquismo. Dentre estes se
coloca em pauta a relação entre eu e isso (FREUD, 1924[1923]/1974), tomada como
herdeira do conflito anteriormente explicado entre libido do eu e libido do objeto.
Todavia, agora o isso se afigura como o pólo de onde emanam as pulsões. O eu e o
supereu são diferenciações do isso, de maneira que perdem a ênfase as divisões

37
absolutas entre as instâncias, agora na segunda tópica entendidas como uma
“diferenciação progressiva, uma emergência dos diferentes sistemas” (LAPLANCHE &
PONTALIS, 1987/1998, p. 221).
O supereu é evocado para dar conta do sentimento de culpa presente na neurose
– sentimento este oriundo da tensão entre eu e supereu, fruto das críticas deste último
lançadas ao eu. A investigação do sentimento de culpa se mostra deveras relevante neste
trabalho, uma vez que introduz a discussão sobre a reação terapêutica negativa
(FREUD, 1923/1974) - reação responsabilizada, em última instância, pela manutenção
dos sintomas a despeito de qualquer tentativa para eliminá-los. Além disso, o
sentimento de culpa seria aventado, alguns anos mais tarde, como o que há de mais
fundamental para o entendimento da civilização (FREUD, 1930[1929]/1974), o que faz
dele um conceito-chave a ser inserido no debate. Antes, porém, cabe trabalhar a
temática da formação do supereu, com vistas a esclarecer a sua relação com o
sentimento de culpa.
Ora, o supereu é o herdeiro do complexo de Édipo, correspondendo à
identificação com as figuras parentais, outrora objetos de investimento. Além de figurar
como marca dos objetos abandonados, o supereu conserva as interdições contra o desejo
de tomar as figuras parentais como objetos de amor, explicitando o seu chamado
aspecto duplo (FREUD, 1923/1974). Este se deve ao fato de o supereu ter como tarefa
não só a interiorização dos modelos edípicos, como também o recalque do complexo de
Édipo. As considerações trazidas pela segunda tópica nos permitem vislumbrar um
duplo enraizamento do supereu: seja a partir de sua vertente mais pulsional que emana
do isso, seja a partir das interdições interiorizadas pelo eu enquanto partidário da
censura. O conflito antes compreendido nos termos da relação entre eu e isso é
atualizado também na figura do supereu, o qual se coloca em nome de rechaçar o
complexo edípico, embora enquanto representante do isso revele uma força
ingovernável que se abate sobre o eu (GEREZ-AMBERTÍN, 2003).
O sentimento de culpa, antes oriundo dos desejos incestuosos dirigidos aos pais,
é interiorizado, assim como as imagos parentais. Revela-se, pois, como inerente à
própria constituição subjetiva, o que nos permite inferir que deste sentimento o sujeito
não pode se livrar facilmente. Mas embora o sujeito padeça por se sentir culpado, esta
situação parece ser de suma importância para a manutenção da civilização (FREUD,

38
1930[1929]/1974), uma vez que o sentimento de culpa funciona como proteção contra a
barbárie. O referido sentimento é associado a um fator moral, que encontra satisfação na
doença e demanda a necessidade de punição através do desprazer advindo do
sofrimento, tema investigado de maneira mais aprofundada em momento ulterior da
obra freudiana, com as considerações acerca do masoquismo (FREUD, 1924/1974).
Agora fica mais fácil compreender as situações utilizadas para explicar a
identificação, nas quais menções são feitas ao sentimento de culpa (FREUD,
1921/1974): tanto no primeiro caso, em que a menina se sente culpada por querer
ocupar o lugar da mãe e ser objeto de desejo seu pai, como no último exemplo, em que a
culpa advém do desejo de passar pela mesma situação de outrem, os sintomas se
formam a partir do sentimento de culpa, visto que se trata de desejos proibidos. Em
suma, ao sujeito parece mais confortável permanecer acirrado ao seu sintoma ao invés
de se sentir culpado, ou melhor, o sintoma oferece ao sujeito uma vicissitude para o
sentimento de culpa.
É dessa maneira que o sentimento de culpa é atrelado à figura da reação
terapêutica negativa (FREUD, 1923/1974), capaz de explicar a necessidade da doença,
reinando absoluta em detrimento do desejo de restabelecimento. Cabe apont ar que o
sentimento de culpa concorre para a manutenção do sintoma e para os propósitos de
regulação levada a cabo pela moral civilizada, corroborando o compromisso do sujeito
com as exigências desta, a despeito do sofrimento que pode acarretar. As considerações
sobre o sentimento de culpa advogam a favor da permanência da noção de formação de
compromisso nos textos freudianos, a qual é sugerida pelo trabalho Uma neurose
demoníaca do século XVII (FREUD, 1923[1922]/1974), que tem como um dos
subtítulos ‘Os dois compromissos’. Neste artigo Freud discute o caso de um pintor que
teria feito um pacto com o demônio, tendo como pano de fundo o mecanismo dos
sintomas neuróticos.
Com efeito, parecia se tratar de um caso de melancolia, em especial porque o pai
do pintor falecera e a hipótese principal era de que o demônio funcionara como
substituto do pai. O que há de mais importante para o nosso tema neste trabalho é a
consideração de diferentes fantasias ao longo do relato do caso, até que Freud afirma:
“Vemos como as fantasias de tentação de nosso desafortunado pintor foram sucedidas
por outras ascéticas e, finalmente, por fantasias de punição” (FREUD,

39
1923[1922]/1974, p. 129). As diferentes fantasias são ordenadas desta maneira, ainda
que seja possível depreender uma coexistência de tais fantasias a partir dos exemplos
fornecidos pelo texto. Estas estão presentes nos dois compromissos que teriam sido
feitos no trato com o demônio: um que dita que o pintor estaria obrigado a ser filho do
demônio por nove anos e outro que entrega aquele de corpo e alma para o demônio,
passados esses anos. O pintor clama por um substituto do pai, almejando sair do estado
de inibição que entravava sua vida laborativa, dando origem inclusive a dificuldades
materiais, e superar o luto pela morte do pai. O segundo compromisso já aponta para
uma necessidade de punição a ser satisfeita com a entrega irrestrita de si para o
demônio.
A explicação final para a neurose do pintor vem nos termos de uma luta pela
existência, o que faz com que Freud afirme que ele desejava “tornar segura a sua vida”
(FREUD, 1923[1922]/1974, p. 131), em especial no tocante a sua preservação perante à
sociedade, concorrendo para uma justificativa que indica interesses autopreservativos.
Os sintomas neuróticos almejavam assegurar a existência social do pintor, exemplo que
parece não caber na afirmação de que a neurose não possui valor cultural. Vale dizer
que não só os interesses pela sobrevivência são exaltados, mas também aqueles
exclusivamente libidinais como predominantes na formação de um sintoma. Há
neuroses, entretanto, que denotam os dois tipos de interesses envolvidos: tanto libidinais
como autopreservativos. Nas três situações encontramos a mesma dinâmica: a libido
encontra entraves para a satisfação e regride a antigas fixações, de maneira que pode
alcançar a descarga mediante o recalcado que se apresenta na forma de substitutos.
Freud afirma que o eu, “na medida em que pode extrair um ‘lucro da doença’ a partir
desse processo, aprova a neurose, embora não possa haver dúvida de sua nocividade em
seu aspecto econômico” (FREUD, 1923[1922]/1974, p. 132).
O aspecto econômico continua falando a favor da negativização da neurose,
mesmo que este texto ilustre uma outra perspectiva para a compreensão dos sintomas
neuróticos. O fator quantitativo permanecia um corpo estranho na teoria freudiana,
sobretudo se tivermos como fio condutor o estudo dos sintomas neuróticos. Estes não só
acarretam um dispêndio de energia, que Freud supõe em alguns momentos poder ser
usada em prol da civilização, fazendo com que o sintoma seja pensado como associal,
como também revelam uma tendência masoquista que se satisfaz a partir do sofrimento

40
advindo da enfermidade. Um estudo sobre o masoquismo se mostra, pois, iminente para
o pai da psicanálise (FREUD, 1924/1974).
Associado a isto, observa-se um incremento da dimensão de satisfação inerente
ao sintoma, colocado em pauta com as discussões acerca da resistência. A trágica
constatação que o estudo da resistência traz é a força da recalcitrância da organização
neurótica, para a qual ficar livre dos sintomas não passa de um mau negócio, pois nos
sintomas o sujeito encontra satisfação. Com efeito, este incremento se dá na medida em
que a liga entre sintoma e formação de compromisso vai perdendo vigor nos textos
freudianos, embora não tenha chegado a se extinguir, como mostramos anteriormente.
Assim sendo, pode-se depreender que a temática da resistência expressa no sintoma
ganha espaço às expensas da formulação deste enquanto formação de compromisso e,
portanto, adequado à moral civilizada. Já não é mais possível, portanto, adiar uma
investigação sobre a resistência.

41
Capítulo II
A resistência expressa no sintoma

“Atento ao que sou e vejo,


Torno-me eles e não eu”
(Fernando Pessoa)

O tema da resistência comporta diferentes acepções, de forma que se faz


premente esclarecer os distintos registros a partir dos quais pensaremos este termo. Em
primeiro lugar a resistência será pensada em sua acepção psicanalítica clássica, a saber,
aquela a partir da qual Freud começou a pensar o fenômeno na clínica. Neste âmbito, a
resistência indica um movimento que objetiva impedir a revelação do desejo
inconsciente, negando o acesso ao inconsciente no desenrolar de uma análise (FREUD,
1893-1895/1974). Tal perspectiva é amplamente encontrada nos textos freudianos, em
especial quando a tomamos associada ao sintoma, mas não é a única versão apresentada
do termo. Também ao psicanalista, Freud atribui uma resistência ao longo de um
tratamento (FREUD, 1912/1974), apontando a importância do processo de análise dos
médicos que desejavam se tornar analistas. Além disso, este termo não foi só
empregado no tocante à dinâmica psíquica, mas também ao próprio movimento
psicanalítico, uma vez que a sociedade resistia aos ‘achados’ por ele evidenciados
(FREUD, 1910/1974; 1925[1924]/1974). Esta resistência era motivada pelas
‘novidades’ que a psicanálise propunha no tocante ao tratamento das neuroses, em
especial pelas críticas às medidas coercitivas levadas a cabo pela moral civilizada, em
última instância, pelas críticas freudianas dirigidas à regulação normativa da
sexualidade.
A discussão sobre este tema na obra freudiana traz à baila, portanto, inserções
em diferentes registros, movimento que não se dá sem a associação com alguns
conceitos. O termo da resistência será tomado juntamente com conceitos expoentes para
o pensamento psicanalítico, tais como defesa, transferência e repetição, sem os quais
qualquer discussão sobre o assunto não se revelará profícua para este trabalho.
Objetivamos nos deter sobre esta trama conceitual no intuito de pensar em que medida o
sintoma neurótico pode também ser positivado como forma de resistência. É com esta
instigação que percorreremos os textos freudianos à luz do tema proposto.

42
Surge uma técnica: do sintoma como falha ao sintoma como fala
Frente aos impasses colocados para os estudiosos do século XIX pelas afecções
histéricas, a hipnose despontava como uma irresistível promessa de cura, sendo Charcot
o seu mais evidente defensor. Partindo de um modelo fisiológico das patologias
histéricas, Charcot considerava que através da hipnose alcançaria a remissão dos
sintomas. Segundo ele, haveria uma predisposição inata para a produção de um estado
hipnótico, processo disparado por um trauma de ordem psíquica. Este trauma provocaria
um estado hipnótico permanente, que Charcot entendia como uma segunda consciência,
na qual a sintomatologia histérica se desenvolveria (MEZAN, 1998/2001). Caberia
então à hipnose a reprodução deste estado de maneira temporária, visando rememorar o
evento traumático de modo a incluir a idéia patogênica no psiquismo normal.
A hipnose, no entanto, se revelou ineficaz, pois por mais que propiciasse uma
eliminação temporária do sintoma, não incidia sobre a causa das afecções, o que
impossibilitava a cura da histeria. Ademais, alguns pacientes não se mostravam
suscetíveis à hipnose. Freud começou a lançar mão da pressão na testa como técnica
auxiliar, sugerindo às pacientes que dessa forma as lembranças viriam à tona. Mas
também esta alternativa não se mostrava livre de dificuldades (FREUD, 1893-
1895/1974). Esses impasses concorriam para que Freud colecionasse fracassos no
projeto de estabelecer um método terapêutico eficaz no tocante à cura da histeria, seu
objetivo naquela ocasião.
Tais fracassos fizeram com que Freud lançasse mão do método catártico de
Joseph Breuer, estabelecendo uma parceria que culminaria com a publicação conjunta
da Comunicação preliminar, no texto Estudos sobre a histeria (FREUD, 1893-
1985/1974). O método em pauta almejava descarregar adequadamente os afetos ligados
às idéias que tinham se tornado patogênicas. Este processo era denominado ab-reação e
se realizava através da fala, responsável por liberar os afetos outrora estrangulados, o
que preconizava um efeito patogênico. A linguagem, portanto, era o instrumental
privilegiado para o tratamento das patologias engendradas pelo aprisionamento do afeto.
É interessante notar que a ab-reação surge como uma técnica destinada a
expulsar o afeto entravado, livrando o sujeito de sua enfermidade. Schneider (1993)
aponta que esta técnica é correlata da visada que expõe o sintoma como marca de uma
exterioridade que invadira o sujeito. Os afetos que não puderam ser liberados, dada a

43
situação traumática, são os precursores dos sintomas histéricos e devem, por isso, ser
expulsos. O trauma psíquico, dado pelo excesso quantitativo insuportável, é tomado
como uma violação do sujeito que não estava preparado para tal situação que vem de
fora. A técnica da ab-reação surge com a promessa de expulsar o que causara mal ao
sujeito, que sofrera uma invasão contra a qual nada pôde fazer, aparecendo por si so
passivamente nesta perspectiva. O sujeito estaria “doente do mundo; e é precisamente
porque o mal está na agressão externa contínua que poderemos esperar retornar à
exterioridade, pela rejeição catártica, o que vem essencialmente da exterioridade”
(SCHNEIDER, 1993, p. 16).
Todavia, Freud não se contentou com o método acima descrito, pois ele não
dava ênfase à tentativa de defesa por parte do sujeito contra a revelação do conteúdo
traumático. Naquela perspectiva, a violação provocada pelo trauma era responsável pela
enfermidade neurótica e não a defesa desmedida colocada em marcha pelas histéricas,
que passou a ser considerada como primordial para a gravidade da histeria. Os relatos
de suas pacientes histéricas não apenas indicavam que algo as teria feito mal, como uma
invasão que vem de fora, mas também que havia enorme dificuldade por parte daquelas
em revelar o que se supunha estar subjacente aos sintomas manifestos. É assim que a
defesa ganha a cena principal na pesquisa que objetivava a compreensão das afecções
histéricas, de modo que sem a consideração desta não seria mais possível pensar em um
tratamento para a histeria.
Ademais, a noção de defesa se revela deveras importante para a concepção de
um sujeito com um papel mais ativo na causação de sua neurose, refutando a idéia de
que as histéricas teriam sido violadas por fatores exclusivamente externos. Ao contrário,
o que a defesa vinha evidenciar é que fatores internos estavam em jogo na formação de
um sintoma histérico. Assim sendo, recordar-se do evento traumático responsável por
dar o pontapé inicial da neurose histérica era insuportável, de modo que por mais que
fosse solicitado que as pacientes o fizessem, estas pareciam não colaborar com o
tratamento.
Entre a cruz e a espada, ou melhor, entre a recordação do evento traumático e os
sintomas histéricos, a escolha das pacientes histéricas era pelos últimos. A despeito do
esforço em fazer com que o trauma fosse rememorado e da busca pela cura das
histéricas, o sintoma acabava levando a melhor. As histéricas evidenciavam uma

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resistência em lembrar do evento traumático, não respondendo à técnica da pressão na
testa e hesitando em revelar conteúdos importantes que deveriam ser relatados ao
analista. É o que podemos depreender do relato do caso de Elisabeth (FREUD, 1893-
1895/1974): Freud constatara que algumas vezes pressionava a testa da paciente e ela
afirmava que nada lhe vinha à cabeça, no entanto ele observava que a paciente
procurava ocultar certo desconforto, observação que foi comunicada à Elizabeth. Além
disso, a própria paciente confirmara que por vezes pensava em algo, mas acabava
optando por não revelar tal conteúdo. A partir deste tratamento, Freud começou a
conferir importância às resistências, reunindo as ocasiões em que estas se apresentavam
(FREUD, 1893-1895/1974).
A atenção voltada para o fenômeno da resistência levou à formulação do
material psíquico patogênico em termos de círculos concêntricos, com um núcleo
neurótico em comum. Em cada camada psíquica contamos com materiais mnêmicos da
mesma ordem de resistência, sendo que quanto mais nos aproximamos do núcleo da
neurose, mais distantes estamos do campo de atuação do eu, de forma que nos
deparamos com uma resistência contra a possibilidade de rememoração pelo eu. Ao
explicar esta estratificação do material patogênico Freud faz uma ressalva quanto a
considerarmos tal material um corpo estranho, não reconhecido pelo restante do
material psíquico ou que com ele não estabelece relações. O conteúdo traumático não
deve ser considerado como um câncer a ser extirpado, mas como algo que se infiltrou
no psiquismo, tornando-se também parte dele. Assim sendo, “o tratamento não consiste
em extirpar algo – a psicoterapia não é capaz de fazer isso no momento – mas em fazer
com que a resistência se dissolva e assim permitir que a circulação prossiga até uma
região que até então esteve isolada” (FREUD, 1893-1895/1974, p. 348).
O analista deve desempenhar a função de um garimpeiro do psiquismo, partindo
em busca do material patogênico infiltrado. A resistência é exposta como infiltrante,
respondendo pelo mergulho do material patogênico no psiquismo, o que dificulta o
garimpo psíquico em busca do conteúdo patogênico que está infiltrado. A resistência
entrava o trabalho do analista, acentuando as relações do material patogênico com o
restante do psiquismo (FREUD, 1893-1895/1974). É possível, portanto, concluir que a
resistência maximiza os efeitos da enfermidade neurótica: quanto maior a resistência,

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não só mais difícil se torna o trabalho da análise, como também mais nefastos se tornam
os efeitos da histeria.
Deixar de considerar o material patogênico um corpo estranho denota uma
perspectiva bastante distinta da medicina da época, diferença que marca não só a técnica
psicanalítica como a concepção freudiana de sintoma. Na impossibilidade de expulsar o
sintoma tão logo este fosse constatado, a análise deveria se haver com as resistências
que faziam com que o paciente se aferrasse à patologia. As resistências precisariam,
portanto, ser acolhidas ao longo do tratamento para que fossem superadas. Além disso,
o abandono da teoria da sedução como um acontecimento (FREUD, 1897a/1974)
liberava Freud da tentativa de se chegar a uma cena de sedução factual através da
rememoração. A rememoração do evento traumático perdia ênfase para a investigação
dos motivos que faziam as histéricas resistirem. Era necessário que as pacientes
estivessem cônscias dos motivos que as faziam resistirem ao tratamento, necessidade
calcada na suposição de que a tomada de consciência sobre tais motivos tornariam as
resistências desnecessárias, colocando o psicanalista a caminho da cura das
enfermidades histéricas.
É irrefutável que a consideração das resistências havia se tornado fundamental
para a psicanálise, uma vez que fazia parte do seu repertório para a estruturação de uma
pesada maquinaria no combate aos sintomas neuróticos. É mister marcar que as
resistências só eram tomadas como importantes para serem transpostas: a resistência era
um mal que precisava ser eliminado para o tratamento das afecções neuróticas. Com
efeito, podemos depreender um deslocamento na técnica freudiana que vai da
eliminação dos sintomas como objetivo único da análise à superação das resistências
como processo fundamental para que uma análise se dê.
Por esta razão, o trabalho de uma análise não mais poderia corresponder ao
objetivo de ab-reagir o afeto estrangulado, mas à evocação das defesas contra as idéias
patogênicas, as quais seriam responsáveis pelo aprisionamento do afeto. Isso quer dizer
que se antes a preocupação repousava sobre a ab-reação, agora o foco da técnica eram
os motivos que teriam suscitado o estrangulamento do afeto. O artigo As neuropsicoses
de defesa (FREUD, 1894/1974) salienta o distanciamento teórico que se instalou entre
Freud e Breuer, cujo ápice foi o relevo dado por Freud à consideração da defesa, a qual
não seria mais abandonada em suas formulações futuras. Muito pelo contrário! A noção

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de defesa tornou-se cada vez mais presente no pensamento de Freud e foi através desta
que ele chegou ao conceito de recalque, a pedra angular sobre a qual repousa o edifício
teórico da psicanálise (FREUD, 1914a/1974). O recalque figurava como paradigmático
no tocante aos processos defensivos do eu frente às idéias incompatíveis com a censura.
A ‘pedra angular’ da psicanálise só evidencia como as resistências colhidas na clínica,
as quais levaram Freud ao conceito de defesa, foram profícuas para o desenvolvimento
teórico e clínico de sua disciplina.
O exercício da clínica psicanalítica mostrava que as histéricas resistiam à
revelação dos conteúdos inconscientes, dito de outro modo, o eu se defendia contra a
assunção de conteúdos penosos, o que implodia com as aspirações curativas da época e
impedia a remissão sintomática. A defesa é entendida como fruto dos esforços levados a
cabo pelo eu, de maneira que, neste momento, também a resistência aparece associada
ao eu.
A ligação entre o eu e a resistência pode ser destacada também do relato do caso
de Elisabeth (FREUD, 1893-1895/1974), no qual Freud confere destaque pela primeira
vez ao fenômeno da resistência. Este aparece atrelado às tentativas da paciente de se
defender contra a constatação e revelação dos sentimentos amorosos dirigidos ao seu
cunhado, esposo de sua irmã, sentimentos incompatíveis com a censura, cujo agente era
o eu. Esta resistência surgia como o que fazia frente aos preceitos colocados pelo
método psicanalítico, o qual exigia que nada que passasse à mente do paciente fosse
ocultado do analista. As histéricas, portanto, insistiam em resistir, ainda que método
utilizado se propusesse a eliminar os sintomas, dos quais as pacientes se queixavam.
O método de tornar consciente o inconsciente esbarrava em empecilhos cada vez
mais evidentes: a hipnose, o método catártico e a pressão na testa ficaram para trás
frente aos impasses encontrados na clínica. Todavia, vale considerar que o falar
livremente, responsável pela estruturação do que conhecemos como o método
psicanalítico – a associação livre – é por Freud apresentado com menos ousadia no que
dizia respeito a tornar consciente o inconsciente (FREUD, 1900/1974). Isso porque
Freud apresenta um núcleo não-analisável com o qual a interpretação dos sonhos o
confrontara, núcleo este denominado umbigo dos sonhos. Com efeito, podemos
observar, neste momento, uma postura distinta de Freud no que dizia respeito às
ambições de seu método: a despeito das pretensões terapêuticas que fomentavam o

47
método psicanalítico, a clínica se mostrava soberana, evidenciando impasses que não
deviam ser desconsiderados.
Dessa forma, o umbigo dos sonhos impunha a colocação de um limite para a
interpretação dos sonhos, os quais possuem um ponto cego de onde emanam todas as
suas ramificações associativas, um lugar a partir do qual o desejo onírico é
desenvolvido, “como um cogumelo em seu micélio” (FREUD, 1900/1974, p. 560). O
acesso a este lugar encontra-se interditado à interpretação, de maneira que a técnica
psicanalítica não consegue alcançá- lo. Ainda que o texto sobre os sonhos traga um
breve parágrafo sobre o assunto, as ressonâncias do núcleo não-analisável são
incrivelmente extensas: por mais que o trabalho da interpretação seja levado a cabo
exaustivamente, sempre haverá um resto intangível pela análise.
Limite da profilaxia analítica, limite da interpretação: a resistência ganhou lugar
na série das limitações com as quais se deparou a psicanálise. Freud colocava-se como
fiel combatente da resistência em suas diferentes acepções, o que vai de encontro a
nossa tentativa de positivar a dimensão de resistência evidenciada no sintoma neurótico.
Sem sombra de dúvidas, as exposições freudianas nos permitem depreender o anseio
pela eliminação dos sintomas neuróticos e por uma sociedade menos coercitiva
(MEZAN, 1985), projetos entravados pela resistência, seja a que se refere à dinâmica
psíquica, seja a relacionada à sociedade frente aos postulados freudianos.
Sobre este último aspecto, o trabalho As perspectivas futuras da terapêutica
analítica (1910) revela-se elucidativo. Este artigo conta com a apresentação da
genealogia do fenômeno da resistência desde os primórdios da investigação freudiana
acerca do sintoma, enfatizando como a consideração das resistências preconizou
mudanças na técnica psicanalítica, além de colocar em pauta a resistência da sociedade
frente à psicanálise. Outros estudos freudianos tinham demonstrado a nocividade da
coerção social, que acabava contribuindo para o surgimento de sintomas neuróticos
(FREUD, 1908a/1974) e o artigo de 1910 vem corroborar antigas considerações em tom
de denúncia. Caberia à psicanálise fornecer esclarecimentos sobre a etiologia dos
sintomas neuróticos, o que faria com que estes não se fizessem mais ‘socialmente
necessários’ (FREUD, 1910/1974). Apesar de já ter abandonado a ab-reação, técnica
que objetivava curar o sujeito que estaria doente do mundo (SCHNEIDER, 1993),

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Freud ainda faz recair sobre a sociedade uma grande responsabilidade pela causação dos
sintomas neuróticos.
Cabe aqui fazer uma pequena digressão, uma vez que o conflito entre a
moralidade - o ideal sexua l monogâmico da sociedade moderna - e a sexualidade abre
espaço para algumas discussões. Mezan (1985) tenta ultrapassar essa oposição,
apoiando-se nos textos mais iniciais da psicanálise, a partir dos quais tenta mostrar que
a moralidade extrapola o campo das representações, enfatizando a associação das idéias
morais a uma quota afetiva. O autor nos diz que as formulações freudianas sobre o tema
incluem também os aspectos dinâmico e econômico, o que explicaria porque Freud
“pode avançar além do bom senso e não reduzir o conflito defensivo a um simples duelo
entre a moralidade e os impulsos eróticos” (MEZAN, 1985, p. 161).
Dessa maneira, a moral não constitui exclusivamente o fundamento do recalque,
embora possua uma função neste processo. A despeito desta discussão, destacamos que
Freud ainda elege a sociedade coercitiva como um inimigo a ser combatido pela
psicanálise, já que trabalha para a manutenção dos sintomas neuróticos, além de ter
participação na constituição dos mesmos. É sobre estes últimos elementos que nos
parece importante debruçar para o desenvolvimento deste trabalho, pois caberia à
psicanálise combater também a resistência da civilização frente às suas trágicas
descobertas.
Ainda que todas as dimensões de resistência tenham sido combatidas com
veemência, optamos por seguir o fio argumentativo que pretende positivá- la, com o
devido cuidado para não perdermos o bebê ao jogarmos fora a água do banho. Em
especial porque, assim como acontecera com relação às primeiras tentativas de erigir
uma técnica profilática, a clínica forneceu significativos impasses que obrigaram Freud
a desacelerar em suas ambições terapêuticas.
É verdade que a resistência era inicialmente tomada como um mero obstáculo a
ser superado para que a eliminação dos sintomas fosse alcançada, mas a escuta das
pacientes histéricas fez com que a tentativa de compreender as resistências ganhasse
ênfase, assim como preconizou que outras significações fossem conferidas ao sintoma
neurótico. Estas subverteram a idéia do sintoma como fa lha, já discutida neste trabalho.
É interessante notar como Freud apresenta diferentes idéias, que advogam a favor de
perspectivas igualmente distintas, em um mesmo texto. Este é o caso da Carta 52

49
(1895a), da qual lançamos mão no primeiro capítulo para ilustrar uma visada negativista
do sintoma, ali entendido como resultado de uma falha da passagem de um estrato
psíquico a outro. Com efeito, o sintoma funciona como índice de um processo que não
deu certo, para o qual ainda não havia um tratamento que se pretendia eficaz naquele
momento.
Entretanto, ao final da carta, uma outra função para o sintoma neurótico é
esboçada, na medida em que este “tem como alvo uma outra pessoa” (1895a/1974, p.
324). Freud se refere a uma pessoa pré- histórica, o que serviria como contribuição para
suas hipóteses filogenéticas, mas o que nos parece importante salientar é a inclusão da
dimensão da alteridade para dar conta de uma possível função para o sintoma, a qual
contempla ‘uma outra pessoa’. Trata-se de uma explicação distinta da que entendia o
ataque histérico como uma mera descarga afetiva despropositada (FREUD, 1894/1974).
A leitura da Carta 52 (1895a), portanto, revela-se assaz importante para a demonstração
da coexistência de diferentes acepções de sintoma em um mesmo trabalho. É deste
embate de Freud com Freud que esperamos extrair relevantes conseqüências para
positivarmos também a resistência e, em última instância, o sintoma como forma de
resistência.
Perspectiva similar àquela que encontramos no final da carta supracitada aparece
em Fragmento da análise de um caso de histeria (1905[1901]/1974), onde a
intencionalidade das enfermidades neuróticas é apontada, sendo os sintomas
endereçados a outrem. Cabe ressaltar que esta intencionalidade não é confundida com a
vontade consciente, mas está relacionada a conteúdos ocultos, inconscientes, que o
paciente parece não reconhecer. A enfermidade neurótica pode possuir diferentes
motivos para existir e tais motivos são divididos em internos e externos de uma doença.
Os primeiros relacionam-se ao desejo de punição, que trabalharemos mais adiante, ao
passo que os motivos externos – que Freud julga neste momento serem mais difíceis de
solucionar – são associados ao endereçamento a uma pessoa.
No caso Dora, o objetivo do sintoma neurótico era afastar seu pai da Sra. K
(FREUD, 1905[1901]/1974). Na impossibilidade de trazer à tona seus desejos, Dora
‘objetivava’ atingir seu pai por meio de seus sintomas, movimento no qual se
reconhecia uma resistência de difícil transposição. Esta dimensão do sintoma se opõe
àquela noção que o toma como um cárcere que torna o sujeito refém de sua neurose,

50
ensimesmado, afastado das relações com os demais. Ao contrário, o sintoma de Dora
revela uma fala dirigida a outro sujeito, fala que não pôde ser dita de outro modo.
O relato do caso de Dora trouxe elementos que extrapolavam a idéia do sintoma
como índice despropositado de um desajuste ou condição que afastaria o sujeito de suas
relações com os demais. Mas antes mesmo disso, os casos de histeria comunicados já
revelavam uma diversidade de elementos que deixaram brechas para outras perspectivas
(FREUD, 1893-1895/1974). Tais relatos faziam crer que não só a resistência poderia ser
positivada como servindo a um tratamento analítico, mas também o sintoma poderia ser
tomado positivamente como fala do sujeito. É o que podemos depreender, por exemplo,
das alucinações olfativas de Lucy, as quais Freud remonta ao desejo proibido por seu
patrão, mantido em sigilo pela governanta (FREUD, 1893-1895/1974).
Vale ainda retomar as analogias traçadas entre as sintomatologias de Emmy e
Cecilie. Estas nos parecem esclarecedoras no tocante às diferentes acepções a partir das
quais os sintomas podem ser tomados, na medida em que os quadros das referidas
pacientes são expostos para refutar a hipótese de que as histéricas seriam degeneradas.
Embora os seus sintomas pudessem ser tomados como incapacitantes, Emmy continuou
administrando com louvor uma grande indústria, ocupando-se da educação de suas
filhas, além de manter ocasionais contatos com intelectuais (FREUD, 1893-1895/1974).
Cecilie era igualmente bem dotada, tendo se mostrado uma exímia poetisa. A partir
deste caso, Schneider (1993) indica o sintoma como forma de criação. O sintoma não
poderia ser considerado exclusivamente “um subproduto mórbido, ele é a tentativa de
expressão ao mesmo tempo exitosa e falha, por vezes bem-sucedida, mas muito
custosa” (SCHNEIDER, 1993, p. 91). A dimensão do êxito é também incluída no
discurso sobre o sintoma neurótico, de forma que a psicanálise deveria oferecer ao
sujeito outras possibilidades para que essa fala se estruturasse de maneira menos
custosa, mas não desconsiderar a potência criativa 1 presente no sintoma.

No universo das resistê ncias: considerações sobre o vínculo transferencial


Com a sedimentação da importância do fenômeno da resistência, foi se tornando
cada vez mais premente para Freud expor formulações sobre o tratamento analítico que
contemplassem a compreensão de tal fenômeno. A psicanálise já evidenciara seus
1
A criação se refere neste contexto à emergência da possibilidade de dar expressão ao que não poderia
ser dito de outra forma.

51
primeiros achados, sendo que os casos de histeria relatados (FREUD, 1893-1895/1974)
traziam para o público uma verdadeira genealogia do ‘fazer psicanalítico’, ao qual se
somaram posteriormente os postulados sobre a interpretação dos sonhos (FREUD,
1900/1974). Mas com a afirmação das resistências a entravarem a eliminação dos
sintomas neuróticos, o quê fazer no desenrolar de um processo analítico?
Como tentativa de responder à questão acima levantada, recorremos aos artigos
que tratam especificamente da técnica psicanalítica (FREUD, 1911-195[1914]/1974), os
quais lançam luz sobre as resistências. A resistência ao tratamento analítico é colocada
em pauta, em especial, a partir da transferência. A transferência já havia sido
considerada no relato do caso de Dora (FREUD, 1905[1901]/1974), embora naquela
ocasião não tenha sido feito um estudo detalhado do conceito. Agora o clichê
estereotípico é aventado para indicar que cada sujeito tem uma determinada maneira de
se conduzir na vida erótica (FREUD, 1912/1974), a partir da qual estabelece relações
com outrem munido de idéias antecipadas. É assim que surge, portanto, a noção de um
‘investimento pronto por antecipação’ que se dirige durante o tratamento à figura do
analista. A vinculação do paciente ao analista está, portanto, irremediavelmente
marcada pelo clichê estereotípico do paciente e acaba funcionando como resistência ao
tratamento. Ora, aquilo que o paciente experimentava com relação a outras pessoas,
sentimentos cujo conteúdo era penoso, proibido, imoral; agora é dirigido à figura do
analista e nem por isso deixa de ser penoso, o que dificulta a comunicação de tais
sentimentos no processo de análise.
É assim que transferência e resistência selam um laço que perdura ao longo das
formulações freudianas: a transferência se manifesta quando o sujeito pára de associar
livremente, revelando-se como resistência ao dispositivo fundamental da psicanálise.
Todavia, não é só deste modo que a transferência é apresentada, podendo também servir
ao tratamento se pensarmos que instaura a confiança no analista, condição que
facilitaria o falar livremente. É dessa forma que Freud se vê compelido a supor a
existência de dois tipos de transferência: a positiva e a negativa. Esta última
corresponde aos sentimentos hostis e a transferência positiva é ainda dividida em
sentimentos afetuosos e impulsos eróticos recalcados. Tanto os sentimentos hostis,
como os impulsos eróticos recalcados constituem uma fonte de resistência ao
tratamento, ao passo que a transferência de sentimentos afetuosos pode servir à análise.

52
Também aqui encontramos ressonâncias da noção de formação de compromisso,
o que fica evidente com a afirmação de que “cada associação isolada, cada ato da pessoa
em tratamento tem de levar em conta a resistência e representa uma conciliação entre as
forças que estão lutando no sentido do restabelecimento e as que se lhe opõem”
(FREUD, 1912/1974, p. 138). Se a resistência desponta como o que se opõe ao
tratamento, esta também é considerada juntamente com as forças opostas, que
concorrem para a eliminação dos sintomas. Além disso, conforme antecipamos, a
transferência de sentimentos afetuosos pode inclusive auxiliar o analista. Com efeito, é
no terreno da transferência, com a atualização de investimentos primitivos, agora
dirigidos ao analista, que a experiência de uma análise deve ser levada a cabo.
É interessante ainda notar que se por um lado a transferência se presta à
resistência, colocando-se como entrave para o tratamento analítico e, em última
instância, para a remissão dos sintomas, por outro lado também funciona como
vinculação à figura do analista. Nesse sentido, é possível supor que a resistência que faz
com que o paciente se aferre aos seus sintomas também cria possibilidades para o
estabelecimento do vínculo transferencial. Assim como na discussão da Carta 52
(FREUD, 1895a/1974) e do caso de Dora (FREUD, 1905[1901]/1974), mais uma vez
estamos diante de uma constatação que pode auxiliar a refutar a tese de que os sintomas
afastam o sujeito das relações, encarnando a figura da associalidade – o que abre
espaço, ainda que de modo tímido, para a positivação da resistência expressa no
sintoma. Os sintomas aparecem intimamente atrelados à noção de resistência, já que
esta trabalha silenciosamente para que aqueles sejam mantidos, e a resistência se
apresenta também como transferência, como vínculo com o analista.
Aliás, conforme já antecipamos no início do presente capítulo, também ao
analista a resistência é atribuída. É preciso que o analista se submeta a uma experiência
de análise, pois “não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de
sua consciência o que foi percebido pelo inconsciente” (FREUD, 1912a/1974, p.154).
Isto fatalmente acarretaria em uma seleção nociva do material a ser analisado para o
tratamento, porque conduzida pelas resistências do analista. Convém ainda ressaltar que
a auto-análise não se revelaria suficiente, o que seria asseverado em formulações
posteriores (FREUD, 1937/1974), advertência bastante plausível se o terreno da
transferência for concebido como o terreno privilegiado para que uma análise tenha

53
lugar. Tendo esta discussão como pano de fundo Freud chega à noção de
contratransferência, esta associada à figura do analista.
A partir da consideração da contratransferência demanda-se do analista uma
postura: ou bem este tenta chegar a um domínio de suas motivações inconscientes
através do processo de sua análise, ou bem ele as utiliza em nome de sua técnica.
Embora a experiência de uma análise seja fundamental para um analista, é desta
segunda tomada de posição que Freud não abre mão ao postular a atenção flutuante
(FREUD, 1912a/1974). Se ao analisando é solicitado que fale livremente, o analista
deve escutar também livremente: a atenção flutuante é, com efeito, o correlato da
associação livre do lado do analista.
A dimensão inconsciente ganha peso em se tratando do analista, já que o
inconsciente de um sujeito reage ao de outro (FREUD, 1915a/1974). Isto significa que
ao tentar se aproximar do inconsciente do analisando, o analista deveria dispor do seu
próprio inconsciente e não tentar rechaçá- lo, domá- lo. Para ilustrar esta comunicação
entre inconscientes, Freud retoma o caso de uma paciente que adoecera quando soube
que seu marido não poderia lhe dar filhos, a despeito do seu grandioso desejo de se
tornar mãe (FREUD, 1913/1974). A paciente ficara frustrada com a situação, mas não
quis que seu marido soubesse do que se passara. É como se o marido tivesse ‘entendido’
o que estava acontecendo, tendo reagido neuroticamente ao se tornar impotente, ainda
que nenhuma explicação tivesse sido dada por parte de sua esposa. Este exemplo
corrobora a hipótese freudiana de que todos possuímos em nosso próprio inconsciente
um instrumento que nos permite interpretar as manifestações do inconsciente de outros
sujeitos (FREUD, 1913/1974, p. 402). Caberia ao analista utilizar-se de tal instrumento,
o que se diferencia da tentativa de dominar suas motivações inconscientes que, nesta
última perspectiva, precisam ser silenciadas.
Os elementos que acabam de ser discutidos, relacionados à noção de atenção
flutuante, incidem sobre a finalidade da experiência de uma análise, produzindo
inflexões de grande envergadura para a prática psicanalítica. Isso porque se a tentativa
de tornar consciente o inconscie nte já vinha demonstrando sinais de abalo desde o
umbigo dos sonhos (FREUD, 1900/1974), agora a inclusão do inconsciente do analista
na cena terapêutica torna a tentativa de domínio do inconsciente pelo consciente ainda
mais caduca. Também no que se refere à resistência, já não seria mais possível contar

54
com projetos tão otimistas, que almejavam superá- la. A resistência fora tomada como o
que se opunha ao acesso ao inconsciente pela consciência no desenrolar de uma análise,
mas como continuar falando nesses termos se o ‘tornar consciente o inconsciente’ não
era mais considerado um método inteiramente eficaz?
Diante dos desdobramentos que as últimas noções aqui expostas acarretavam,
outras nuances precisavam ser atribuídas à resistência. Assim como a perspectiva sobre
o sintoma extrapolou os limites da noção de corpo estranho que invadira o sujeito, a
resistência não poderia mais aparecer como um mero corpo estranho a ser extirpado no
desenrolar do processo analítico. Com efeito, se a resistência é responsável pela
manutenção dos sintomas neuróticos, as inflexões observadas sobre o conceito de
sintoma não deixariam de resvalar sobre a perspectiva freudiana acerca da resistência.
Não é à toa que nos textos dos quais lançamos mão no capítulo precedente para apontar
uma mudança de perspectiva sobre o sintoma neurótico, também encontramos aspectos
que falam a favor de uma outra visada sobre a resistência, sobre as quais nos deteremos
a seguir.

A resistência como repetição dos sintomas: o eu não é digno de confiança


O texto Recordar, repetir e elaborar (1914) retoma os impasses encontrados
pela técnica psicanalítica no esforço de fazer o paciente recordar os motivos que teriam
precipitado a sintomatolo gia neurótica. Com efeito, o paciente repete o que fora
recalcado, na impossibilidade de recordar, de maneira que a repetição seria uma forma
de expressar aquilo que não pôde ser recordado. O analisando reproduz não na forma de
lembranças, mas de atos, repetindo sem se dar conta do que está sendo repetido
(1914/1974, p. 196). A repetição é evocada como atuação - acting out – do material
recalcado na mais tenra infância, inacessível para a consciência. É neste cenário que o a
compulsão à repetição faz sua primeira aparição, como um movimento do analisando no
tratamento que se opõe à recordação de lembranças.
A recordação era o objetivo princeps de uma análise, de maneira que a
compulsão à repetição aparece servindo à resistência. Nesse sentido, a transferência
surge como um fragmento de repetição, que atualiza na figura do médico aquilo que não
pôde ser recordado, assim como a repetição não deixa de ser uma transferência para os
dias atuais daquilo que faz parte do passado do qual o analisando não está cônscio. Mas,

55
e os sintomas? A temática dos sintomas só tinha sido evocada tangencialmente, na
medida em que a resistência preconiza a manutenção dos sintomas; contudo, a relação
entre os sintomas e a repetição se torna mais evidente quando Freud esclarece o quê o
analisando repete, satisfazendo à resistência: trata-se de tudo aquilo que se origina no
recalcado e já foi incorporado em sua ‘personalidade manifesta’, ou seja, inibições,
traços de caráter, atitudes inúteis e os sintomas (FREUD, 1914/1974).
Em suma, os sintomas são repetidos e esta repetição se dá mediante a resistência.
O sujeito resiste em abdicar de seus sintomas, atualizando-os na figura do analista,
como o estudo da transferência nos permite supor. Sob a rubrica da personalidade
manifesta estão inibições, atitudes inúteis e traços caracteriológicos, além dos sintomas
que são repetidos no decurso de uma análise. Estava preparado o terreno para a
afirmação, ainda neste artigo de 1914, de que a enfermidade é um fragmento da
personalidade e, como tal, cabe ao analista uma tolerância quanto a este estado,
conforme já abordado no presente trabalho.
Apesar da proposta de tal tolerância, a tarefa do analista continua sendo reprimir
a compulsão à repetição, com vistas a fazer com que o analisando deixe de repetir para
recordar. E esta tarefa só pode ser levada adiante através do manejo da transferência. A
transferência funciona como um espaço para que os sintomas se expressem e se repitam,
espaço este concebido intermediário entre a doença e a vida real (FREUD, 1914/1974).
A neurose de transferência é uma doença artificial, criada em circunstâncias especiais e
como tal acessível à intervenção psicanalítica. É digno de nota o hiato que Freud coloca
entre a doença e a vida real, como se a primeira não fizesse parte da última: a
transferência seria uma ponte que devo lveria o sujeito à vida real, após este ter sido
acometido por uma neurose.
Não deixa de ser curiosa a coexistência, no mesmo trabalho, das afirmações de
que a enfermidade é um fragmento da personalidade e de que a análise visa a oferecer
uma transição da doença para a vida real. Esta co-presença advoga a favor do
pensamento paradoxal que estamos privilegiando em Freud, a saber, a manutenção das
dimensões de formação de compromisso e de resistência presentes no sintoma, a partir
do qual esperamos depreender uma perspectiva que fale a favor da positivação do
sintoma como forma de resistência. Mas na conclusão de Recordar, repetir e elaborar
(1914) Freud permanece partidário da causa de devolver ao sujeito a realidade

56
‘perdida’, propondo a elaboração das resistências (do alemão Durcharbeiten) – maneira
através da qual estas seriam transpostas.
Se ainda nos deparamos com a perspectiva que confere ao sintoma neurótico a
responsabilidade por retirar o sujeito do mundo real (FREUD, 1913a/1974), dando
margem para que se sustente a sua associalidade 2 , também não podemos deixar de
considerar as assertivas que enaltecem funções - até mesmo no tocante à relação com
outrem - do sintoma neurótico. Frente a tais funções, o tema da resistência ganha relevo,
à medida que este conceito é capaz de explicar os motivos que tornam a tarefa de abrir
mão dos sintomas tão árdua para os neuróticos.
Na Conferência XIX a resistência é destacada como o conjunto de forças que
agem para que nenhuma modificação se dê na condição do paciente (FREUD,
1917[1916-1917]/1974), forças que atuam não só dificultando o processo de análise,
como também na própria formação dos sintomas. A caracterização do sintoma nesta
conferência passa pela formação substitutiva, enfatizando, portanto, a realização de um
desejo, respondendo o sintoma pelo substituto de algo que foi impedido de alcançar a
consciência. A resistência, mais uma vez, aparece como um entrave na tarefa de tornar
consciente o inconsciente, um empecilho para a tentativa de trazer à tona o desejo
inconsciente, de maneira que as forças que lhe são correlatas são associadas àquelas que
precipitaram a formação sintomática.
Ora, a despeito de todas as ponderações sobre o método de tornar o inconsciente
totalmente consciente, este figura como crível para Freud, ainda que suas limitações
sejam inegáveis. Já sabemos que as forças envolvidas na formação do sintoma neurótico
são as mesmas encontradas na resistência, mas de onde provêm tais forças? Elas
emanam “de forças do eu, de traços de caráter conhecidos e latentes” (1917[1916-
1917]/1974, p. 350) e concorrem para a precipitação do recalque, o precursor do
sintoma neurótico. Assim, neste momento da elaboração freudiana a resistência

2
É importante esclarecer que o âmbito do social não precisa se confundir com o da realidade material,
motivo pelo qual esboçamos que a distância entre a doença e o mundo real aventada por Freud
(1914/1974) pode apenas dar margem para a consideração da associalidade do sintoma. A afirmação da
associalidade da doença só seria corroborada se tomássemos o social coincidente com a realidade
material. Embora o estudo da concepção de realidade não seja alvo desta dissertação, indicamos a
consulta de DARRIBA (2003), autor que indica como Freud lançava mão de uma realidade para além da
psíquica, embora não fosse assimilada à realidade material. Ademais, como será abordado no próximo
capítulo, é possível depreender o sintoma neurótico não como propriamente avesso à vida real, mas à
moral civilizada da sociedade moderna.

57
continua intimamente associada ao eu e é a partir do eu que serão pensados os motivos
que fazem com que os neuróticos se aferrem aos sintomas.
A participação do eu nos sintomas neuróticos é marcadamente trabalhada na
Conferência XXIV (1917[1916-1917]). Neste trabalho o eu surge como aquele não é
‘digno de confiança’, visto que ele mesmo construiu os sintomas e extrai destes
benefícios. Isso porque os sintomas se destinam a apaziguar o conflito que deu origem
ao recalque, afastando da consciência aquilo que se revela ria penoso para o eu. Dessa
forma, parece que o eu evita um dispêndio de energia com a formação de um sintoma,
dispêndio que outrora fora acarretado pelo conflito gerado pela idéia nociva à
consciência. O analista, portanto, não deve se aventurar em uma experiência analítica
levantando a bandeira da saúde a qua lquer preço. Freud diz, ainda na referida
conferência, que o analista

“sabe que não há apenas miséria neurótica no mundo, mas também sofrimento
real, irremovível, que a necessidade pode mesmo exigir que uma pessoa
sacrifique sua saúde; e aprende que um sacrifício desta espécie, feito por uma
única pessoa, pode evitar incomensurável infelicidade para muitas outras”
(FREUD, 1917[1916-1917]/1974, p. 446).

É a partir desta perspectiva que ganha lugar a idéia de ‘fuga para a doença’
colocada em marcha pelo neurótico, a qual encontra justificativas plausíveis em muitos
casos. A miséria neurótica não apenas desponta como uma manobra - a princípio sagaz -
para o neurótico, como também pode servir a outros sujeitos, refutando a possibilidade
de se pensar o sintoma neurótico exclusivamente atrelado a um forte egoísmo por parte
do paciente. Todavia, se a inserção do sintoma na sociedade não se dá apenas pelo
desajuste e por interesses exclusivamente egoístas, não podemos nos furtar de apontar
como Freud coloca a neurose de um lado (‘miséria neurótica’) e a realidade de outro
(‘sofrimento real’), realidade esta cujo sofrimento mostra-se irremovível. Por mais que
Freud tivesse inúmeros elementos que indicassem uma proximidade cada vez maior
entre a realidade dos sintomas ne uróticos e a realidade material, ele parece não abrir
mão de um abismo entre as duas, sendo que neste artigo o ‘sofrimento real’ acabava por
ganhar mais peso. Aliás, a psicanálise não poderia oferecer qualquer recurso para o
sujeito frente ao que Freud coloca como o sofrimento real e contra esta dura realidade
talvez a miséria ne urótica pudesse comparecer em auxílio do sujeito, conclusão que

58
seria retomada em outros momentos do pensamento freudiano (FREUD,
1923[1922]/1974). Feita esta pontuação, voltemos por hora à discussão freudiana das
vantagens obtidas pelo eu com os sintomas neuróticos.
É possível esquematizar dois grandes grupos de ‘ganhos provenientes da
doença’: os ganhos primários, cuja constituição remonta à própria formação dos
sintomas, e os ganhos secundários, uma espécie de modus vivendi adquirido pela
neurose que funciona como se estivesse a serviço da autopreservação (FREUD,
1917[1916-1917]/1974). No primeiro caso temos o exemplo da esposa que é maltratada
pelo marido e cria uma neurose, pois a sociedade da época não lhe permitia queixar-se
daquele, ou seja, era menos penoso queixar-se de sua doença do que lançar críticas a seu
esposo (FREUD, 1917[1916-1917]/1974).
Já para ilustrar o segundo grupo temos o exemplo do mendigo aleijado, o qual se
utiliza de sua deficiência para extrair benefícios, pedindo esmolas. Analogia semelhante
pode-se fazer com os casos, não tão incomuns atualmente, de funcionários que solicitam
licença alegando acidente de trabalho e procuram obter benefícios previd enciários por
conta de sua condição, embora nem sempre o quadro clínico advogue a favor de tais
pedidos. Conclui-se, portanto, que as vantagens obtidas com a enfermidade neurótica
oferecem bons motivos para que o eu se apegue aos sintomas, o que acirra a resistência.
Cabe, aqui, abrir um parêntese para apontar que nos diversos momentos em que
identificamos nos textos freudianos que o sintoma teria uma função no tocante às
relações, estávamos apoiados nas vantagens oferecidas pela enfermidade neurótica,
sejam estas referidas a ganhos primários ou secundários. Tais ganhos prometem burlar a
regulação preconizada pela moral civilizada e, porque não dizer, são aceitos pelos
demais. O que os ganhos advindos da neurose colocam em evidência é a dimensão de
formação de compromisso presente no sintoma neurótico, isto é, aquela que acaba por
se adequar aos propósitos regulatórios. Soa paradoxal retomar este assunto justamente
ao tratar do tema da resistência, a qual é fomentada pelos ganhos supraditos. Vale
lembrar que a proposta deste trabalho é trabalhar o sintoma enquanto formação de
compromisso e forma de resistência como modalidades paradoxais de apresentação do
sintoma neurótico, as quais perduram ao longo dos textos freudianos.
Contudo, é mister esclarecer que também na dimensão de formação de
compromisso não podemos apagar uma vertente de resistência. Ora, a formação de

59
compromisso coloca em pauta forças opostas, sendo que uma destas objetiva negar
acesso ao desejo inconsciente. Seguindo este raciocínio, a divisão entre formação de
compromisso e resistência que o presente trabalho traz como proposta não passaria de
uma proposição falaciosa. Entretanto, a tentativa de chegar à positivação da dimensão
de resistência expressa no sintoma neurótico e a noção do sintoma como resistência
inclui a possibilidade de subverter a idéia de resistência como sendo apenas o que se
opõe ao desejo (BIRMAN, 2006). Se ficássemos nesse âmbito, certamente a resistência
não passaria de um fenômeno a ser negativizado e ultrapassado pelos esforços do
analista. Feita esta digressão, vamos retomar a questão das vantagens que o eu obtém
com os sintomas, situação que intensifica a resistência.
Ainda que seja possível falar em termos de vantagens obtidas pelo eu com os
sintomas neuróticos, ainda na Conferência XXIV, o papel do eu na constituição das
neuroses é relativizado. Se o eu tinha sido apresentado como um grande interessado na
formação dos sintomas, agora o papel ativo de sua participação neste processo é
questionado, pois a neurose não deixa de ser um ‘mau negócio’ que acarreta um
aumento de desprazer, sentido pelo eu. Assim sendo, o eu apenas tolera a neurose, e
acaba despontando como um grande fragilizado no conflito inerente ao sintoma.
De vilão que não é digno de confia nça a encurralado entre o desprazer e o ganho
advindo dos sintomas, o papel do eu vai sofrendo uma inflexão ao longo desta
conferência, até que Freud chega a postular o enfraquecimento do eu como a causa das
neuroses. Com efeito, a compreensão dos sintomas neuróticos não precisaria mais ficar
circunscrita ao campo das limitações impostas à sexualidade, mas atrelada à
incapacidade de o eu diversificar o investimento libidinal. Inúmeras causas podem
acarretar o enfraquecimento do eu, as quais, por conseguinte, preconizam um aumento
das exigências libidinais – descompasso que concorre para a formação sintomática.
Observamos então que a tese que exaltava um eu enfraquecido retirava parte da
potência deste para que ganhasse sozinho a cena da explicação dos sintomas neuróticos,
como um grande interessado na constituição e manutenção de tais sintomas. Para além
do campo de atuação do eu, outras forças atuavam na constituição dos sintomas e na
estruturação da resistência, as quais foram relegadas para o segundo plano quando o eu
foi promovido à personagem principal da trama dos sintomas e da resistência. A seguir,

60
vamos adentrar o tema das resistências do isso e do supereu, forças outras que entraram
em jogo para a formação de um sintoma com as formulações da segunda tópica.

Por uma reação terapêutica positiva: a vertente libertária da pulsão de morte


Os postulados freudianos herdeiros da virada de 1920 recrudescem ainda mais a
dimensão de resistência expressa no sintoma, do que insiste em comparecer a despeito
do desprazer que pode trazer ao sujeito. Com efeito, o fato de a resistência ganhar cada
vez mais relevo na discussão sobre o sintoma se deu devido às conseqüências que a
compulsão à repetição trouxe para a psicanálise, trazendo à baila a satisfação excessiva
em jogo na formação sintomática. É no texto Além do princípio do prazer (1920) que o
fenômeno da compulsão à repetição ganha estatuto de relevância para a psicanálise. Tal
evidência clínica fala a favor de algo que despreza a suposta dominância do princ ípio do
prazer, importante para a conceituação da pulsão de morte (FREUD, 1920/1974).
No texto de 1920, as resistências são evocadas como inconscientes, já que delas
o sujeito não está cônscio 3 , embora esta característica só possa lhes ser atribuída
descritivamente. Isso porque as resistências ao tratamento analítico não podem ser
atribuídas a um sistema inconsciente ou até mesmo ao recalcado, pois este último não
resiste aos esforços do analista, uma vez que tem por objetivo justamente irromper na
consciência. Assim sendo, propõe-se que o conflito em jogo na neurose não seja
colocado entre consciente e inconsciente, mas entre uma parte do eu, chamada de eu
coerente, e o recalcado.
As resistências continuam do lado do eu, sendo que agora já se sabe que o eu
possui uma parte inconsciente, mas também são estendidas ao isso (FREUD,
1923/1974). A resistência característica do isso se apresenta por meio da inércia
pulsional, que concorre para a dificuldade em abandonar antigos objetos de
investimento, e da compulsão à repetição (FREUD, 1926[1925]/1974). Associada a
estes tipos de resistências ainda fulgura aquela atribuída ao supereu, expressa pela
necessidade de punição, o que faz com que seja igualmente determinante para a
compreensão da neurose. As resistênc ias por parte do eu são aproximadas do princípio
de prazer, pois almejam impedir o desprazer que seria acarretado com a liberação do
recalcado. Estas se fazem notar no recalque, na repetição característica da transferência
3
Este é um dos motivos que levam Freud a apostar que o eu possui uma parte inconsciente, assertiva
trabalhada mais detidamente em O eu e o isso (1923).

61
e na adaptação ao sintoma decorrente das vantagens advindas da enfermidade neurótica
(GEREZ-AMBERTÍN, 2003). Já a compulsão à repetição e a necessidade de punição
evidencia m o modo de funcionamento da pulsão de morte, modo que desconsidera o
fato de a repetição causar desprazer.
Começa a se delinear a configuração da temática da resistência no segundo
dualismo pulsional e na segunda tópica, mas e os sintomas neuróticos? A despeito da
conceituação da pulsão de morte, as neuroses ainda são atribuídas a um conflito entre o
eu e o investimento libidinal dos objetos (FREUD, 1920/1974), assim como quando o
narcisismo foi inserido na teoria da libido (FREUD, 1914b/1974). No entanto, esta
assertiva não é suficiente para que seja possível inferir que a teoria sobre os sintomas
permanece intocada após o ano de 1914. Isso porque o segundo dualismo pulsional e a
chegada a uma segunda tópica descortinaram outras considerações sobre as resistências,
que não se fazem sem implicações significativas para a dinâmica do sintoma neurótico.
Com a postulação de uma segunda tópica (FREUD, 1923/1974), as instâncias
psíquicas não permanecem tão estanques e cindidas como antes. A constituição do
psiquismo é colocada nos termos de diferenciações de uma instância em outra. O eu
assume a representação do mundo externo e se dedica a impor ao isso as influências
externas. A partir de então o recalcado se diferencia como uma parte do isso, que deste
se destacou devido às resistências inerentes ao processo de recalque. Cabe pontuar que
as resistências agora são estendidas a todo o psiquismo (FREUD, 1926[1925]/1974) e
assumem um papel na constituição psíquica, impelindo às diferenciações, o que
assegura a sua importância para as formulações freudianas em pauta. Também na
formação do supereu podemos atribuir mais amiúde uma participação das resistências,
na medida em que o aspecto duplo daquele revela as primitivas escolhas objetais do isso
e uma reação frente a tais escolhas, reação esta que podemos tomar como resistência aos
objetos eleitos pelo complexo de Édipo. Os conflitos observados entre eu e o isso, são
reeditados entre eu e supereu, e a permanente tensão entre estas duas instâncias dá
origem ao sentimento inconsciente de culpa.
Já nos dedicamos no capítulo que inaugura este trabalho à relação entre
sentimento de culpa e a reação terapêutica negativa, a qual aparece como um entrave ao
progresso do tratamento analítico, posto que ao preconizar a necessidade de punição, faz
com que o neurótico se aferre ao seu sintoma, a despeito do desprazer que lhe é

62
causado. Nessa perspectiva, a reação terapêutica negativa e a resistência que lhe é
correlata são tomadas negativamente, como o próprio nome conferido à reação supõe, já
que atrapalham os anseios terapêuticos que visam a eliminação sintomática e a boa
continuidade da aná lise.
A constatação de que o sujeito permanece aferrado ao seu sintoma, pois neste
encontra a punição que satisfaz ao sentimento de culpa, forneceu subsídios quantitativos
para a explicação da necessidade da doença 4 . O aspecto econômico só seria melhor
desenvolvido com a investigação posterior do masoquismo (FREUD, 1924/1974),
embora já tivesse sido lançada a suposição de um masoquismo originário, que antecede
o sadismo (FREUD, 1920/1974). Esta hipótese tentava dar conta da até então misteriosa
possibilidade de se encontrar prazer no aumento de tensão. O importante a pontuar é
que o sentimento de culpa figura como um fator moral, satisfazendo as interdições
contra o desejo de tomar as figuras parentais como objeto de amor, afirmação que
encontra ressonâncias no masoquismo moral nomeado no texto O problema econômico
do masoquismo (1924).
No referido texto, o masoquismo moral está vinculado ao sentimento de culpa,
que demanda a necessidade de punição. Esta relação permite supor que também a
tendência masoquista concorre para que o sujeito resista e não abra mão de seus
sintomas. É interessante notar o apelo que Freud faz à moralidade para nomear o tipo de
masoquismo vinculado ao sentimento de culpa. Com efeito, tal sentimento seria mais
tarde evocado como decisivo para a manutenção da civilização (FREUD,
1930[1929]/1974), já que a culpa é a contrapartida não só dos desejos incestuosos,
como do desejo de destruição por parte do sujeito dirigido aos seus pares, isto é, da
pulsão de morte dirigida ao exterior.
Dessa forma, as exigências morais são evocadas (FREUD, 1924/1974) para
ilustrar como parte da pulsão de destruição não pode ser voltada para o exterior,
retornando para o eu, movimento que intensifica o masoquismo. Este protocolo faz
parte da série de medidas necessárias para que uma regulação efetiva dos sujeitos
estivesse em marcha no intuito de viabilizar a existência da civilização. Parte de tal

4
Além do sentimento de culpa, a inclinação para a autodestruição em alguns neuróticos seria tomada
como um segundo fator determinante para a necessidade da doença e, dessa forma, como um tipo de
resistência (FREUD, 1940[1938]/1974). A idéia de que em certos sujeitos a pulsão de autopreservação
teria sido ‘invertida’, dando lugar à radical autodestrutividade, permaneceu inexplicável para Freud.

63
destrutividade é incorporada pelo supereu, de forma que o sadismo deste e o
masoquismo do eu agem de modo sup lementar para produzir os mesmos efeitos, ou
seja, a intensificação do sentimento de culpa e, em última análise, da necessidade de
punição. Refém de sua culpa, o sujeito permanece apegado ao seu sintoma, ainda que
este lhe traga sofrimento, o que acaba protegendo a civilização contra o terror da
barbárie. A resistência em abrir mão de seu sintoma revela-se, portanto, uma facilitação
no sentido da manutenção da civilização, o que nos dá elementos para afirmar que a
resistência poderia inclusive ser tomada positivamente no que tange à regulação
preconizada pela moral civilizada.
Todavia, Freud não hesita em ainda continuar expondo o sintoma associado a
uma reação terapêutica dita negativa (FREUD, 1926[1925]/1974), sendo a culpa
sustentada pelo sujeito a duras penas, o qual resiste agora também, ainda que
indiretamente, em nome da civilização. Em Inibições, sintomas e angústia
(1926[1925]/1974) o tema das resistências aparece mais uma vez, sendo que agora estas
não são apenas atribuídas ao eu, mas também ao isso – sob a forma de compulsão à
repetição – e ao supereu, onde se revela na forma do sentimento de culpa e
recrudescimento do sintoma. Pode-se depreender de tais considerações que as diferentes
formas de resistências perpassam todo o psiquismo, abalando os alicerces da noção de
que a resistência funciona somente como um movimento do eu que almeja entravar a
irrupção do desejo inconsciente5 (BIRMAN, 2006), resistência esta anteriormente
apontada como circunscrita à concepção de sintoma como formação de compromisso.
Ainda que o conceito resistência tenha passado por transformações ao longo do
pensamento freudiano, continua aparecendo como o que se opõe ao trabalho analítico, e
como tal é negativizado. Talvez uma única aparição que se diferencie de tal perspectiva
tenha se dado em Esboço de Psicanálise (1940[1938]), texto tardio no qual a
manutenção de certas resistências aparece como indispensável para a vida normal. Esta
assertiva decorre da constatação de que nos psicóticos o material inconsciente encontra
livre passagem para a consciência, livre de resistências, movimento que produz as mais
disparatadas conseqüências, as quais estão longe de serem consideradas sob o signo da

5
Em Inibições, sintomas e angústia (1926[1925]/1974) não só as resistências são estendidas para todo o
psiquismo, como a defesa não fica mais circunscrita à dimensão do recalque. Freud considera o recalque
apenas como uma modalidade de defesa, ao lado da formação reativa e da regressão; assunto este que,
embora seja importante para o conceito de sintoma, não se revela tão pertinente neste momento para o
tema aqui desenvolvido.

64
saúde mental. A despeito desta consideração, a superação das resistências permanece
como o objetivo da experiência da análise, através do qual uma alteração significativa
do eu chegaria a acontecer, assunto que ocupara as investigações de Freud nos últimos
anos de sua vida.
Dessa forma, a resistência continuou figurando como um obstáculo a ser
transposto pelo analista e as discussões sobre este assunto contribuíram amplamente
para o desenvolvimento da técnica psicanalítica. Foi assim que a atenção de Freud
permaneceu voltada para o sentimento de culpa, o qual, muito embora tivesse sido
tomado como o que propicia va a convivência dos sujeitos na civilização
(1930[1929]/1974), continuava atuando como fator determinante para a manutenção dos
sintomas. As vantagens oferecidas em prol da civilização não eram suficientes para que
Freud se silenciasse perante os obstáculos que faziam frente ao tratamento psicanalítico.
Este foi o tema do trabalho Análise terminável e interminável (1937), texto tardio da
elaboração freudiana.
À psicanálise não mais poderia ser aludida a tarefa de assepsia das neuroses,
projeto que se revelara claudicante frente aos impasses encontrados na clínica. A
questão que agora é colocada denota uma profunda mudança na pesquisa psicanalítica:
“em vez de indagar como se dá uma cura pela análise (assunto que acho ter sido
suficientemente elucidado), deveria ser perguntado quais são os obstáculos que se
colocam no caminho de tal cura” (FREUD, 1937/1974, p. 252). O que há de mais
poderoso e obstaculiza o progresso do tratamento é, com efeito, a pulsão de morte, de
maneira que as raízes dos impasses que fazem frente ao tratamento analítico residem no
silencioso trabalho da pulsão de morte. A reação terapêutica negativa, portanto,
encontra sua razão de ser no caráter radical de tal modo de funcionamento. O
sentimento de culpa e a subseqüente necessidade de punição já haviam sido associados
ao supereu (FREUD, 1923/1974), onde podemos agora alocar a pulsão de morte, que se
faz reconhecer mediante a reação terapêutica negativa.
Frente a este cenário sombrio que estamos assistindo se delinear, Freud faz uma
advertência contra a tentação de se tomar a pulsão de morte por viés exclusivamente
pessimista (FREUD, 1937/1974): não se trata de uma antítese propriamente dita entre
Eros e pulsão de morte, mas da existência de mesclas de ambos que concorrem para a
apresentação dos mais distintos fenômenos psíquicos. Contudo, os representantes da

65
pulsão de morte parecem ser tomados de maneira negativista, como no caso da reação
terapêutica que é tida como negativa. Será que só é possível entendê- la como o que se
coloca contra os anseios de progresso, trazendo impasses para a boa continuidade do
processo analítico?
Pontalis (1991) tenta pensar a reação terapêutica negativa como o que se opõe a
um processo de mudança, tal qual uma reação do analisando frente aos anseios do
analista de que abdique de seus sintomas. Para o autor, Freud confere à referida reação
um caráter negativo: “Não encontramos em Freud a expressão reação terapêutica
positiva. Vejo nisto a indicação de que uma reação – no tocante às exigências da
perlaboração psicanalítica, do trabalho do aparelho de pensar – não poderia, aos olhos
dele, ser positiva” (PONTALIS, 1991, p. 63). Com a instigação de entender tal reação
de maneira diferente 6 , Pontalis (1991) parte em busca da medicina vitalista, a qual eleva
a reação à categoria de defesa vital dos seres vivos contra ataques externos. A reação é
convocada como resposta ao que soa ameaçador, de forma que a reação terapêutica
negativa poderia extrapolar a dimensão do que obstaculiza a cura. Ao contrário, a
própria reação está a serviço de um processo de assenhoramento por parte do sujeito,
que visa à defesa contra o ataque de outrem, afirmando a sua ‘individualidade’
(PONTALIS, 1991).
Assim sendo, a reação terapêutica negativa está a serviço da defesa do território
do sujeito, dos sintomas que integram a sua personalidade manifesta (FREUD,
1914/1974) e das resistências que procuram assegurá- los. Cabe elucidar que Pontalis
não reduz o território a ser defendido pelo sujeito ao seu sofrimento, o que se
coadunaria com a defesa de suas tendências masoquistas, mas supõe que o sujeito não
quer perder ou ser um perdedor (PONTALIS, 1991, pp. 70-71). Não se trata de resistir à
perda dos ganhos provenientes da enfermidade neurótica, aos quais Pontalis associa
grande relevância na manutenção dos sintomas - que atrelamos à resistência presente na
formação de compromisso - mas de não perder a força que o autor atribui ao ‘domínio
do não’.

6
Nem sempre a palavra reação foi pensada como um contraponto à ação. Starobinski (1920/2002) realiza
uma ampla investigação histórica para analisar o uso de tal par de opostos, conferindo à palavra reação
outros sentidos que não o usual. Tais sentidos extrapolam a perspectiva de passividade atrelada à referida
palavra e lhe atribuem um caráter mais ativo.

66
Pontalis (1991) retoma o texto A negativa (1925a) para reconhecer no âmbito da
negativa o sinal de uma desfusão pulsional, partindo da premissa de que “a afirmação –
como um substituto da união – pertence a Eros; a negativa – o sucessor da expulsão –
pertence à pulsão de destruição” (FREUD, 1925a/1974, p. 300). O autor identifica no
domínio do não a pulsão de morte em estado puro, não fusionada a componentes
libidinais. Todavia, se ele pretende destacar-se da visada negativista sobre a reação
terapêutica dita negativa e esta é associada ao trabalho puro da pulsão de morte, pode-se
depreender que também ao caráter mais pulsional que a pulsão de morte traz à baila é
preciso conferir um caráter positivo. Mas como aventar a pulsão de morte sem levar em
consideração seu viés destrutivo e ameaçador?
Freud (1937) já falara da resistência por parte dos analistas que a conceituação
da pulsão de morte trouxe. Com efeito, aceitar que algo no psiquismo aponta para a
destruição, manifestando-se enquanto agressividade não deveria ser tarefa fácil para os
herdeiros da ciência moderna, que almejava m a explicação e a cura para todos os males.
Ainda nos dias atuais, em que a temática da violência se faz tão presente, soa descabido
pensar de maneira positiva em agressividade e destruição, ou seja, encontrar um lugar
para as manifestações da pulsão de morte que não deva ser veementemente rechaçado.
Será que a pulsão de morte só pode ser abordada desta forma? A aposta em uma outra
leitura foi empreendida por Zaltzman (1993), para quem Freud se apóia na exposição da
vertente de uma destruição ameaçadora da pulsão de morte, devido ao caráter intangível
deste conceito. Seria plausível, portanto, pensar em outros destinos para a pulsão de
morte, além dos mortíferos já assinalados por Freud, os quais se mostram inclusive
concorrentes 7 com a vida.
Não é difícil seguir esse fio argumentativo se um resgate dos postulados
freudianos for feito, ainda que alguns de seus textos dêem margem para que a pulsão de
morte seja tomada como um inimigo a ser combatido: enquanto Eros está associado à
união, à atividade de ligar, Thanatos desliga, desorganiza. A relação entre pulsão de
vida e pulsão de morte é exposta como uma luta em O Mal-estar na civilização
(1930[1929]), sendo que a pulsão agressiva é evocada como o que traria ao homem

7
A autora afirma que “certas evoluções da pulsão de morte são muito úteis à vida” (ZALTZMAN, 1993,
p. 22 – grifo nosso). Consideramos importante, no entanto, relativizar esta tendência a uma leitura
utilitarista da pulsão de morte, motivo pelo qual se optou por usar o termo concorrente, no sentido de que
algo se coaduna com a vida, ao contrário de enfatizar uma vertente meramente destrutiva.

67
perturbações na vida com seus pares. A última frase do referido texto deixa transparecer
pessimismo e resignação quanto ao final da luta: “só nos resta esperar que o outro dos
dois ‘Poderes Celestes’, o eterno Eros, desdobre suas forças para se afirmar na luta com
seu não menos imortal adversário. Mas quem pode prever com que sucesso e com que
resultado?” (FREUD, 1930[1929]/1974, p. 171). Na época os elementos que balizariam
o vociferado nazismo de Hitler já estavam lançados, revelando um desânimo de Freud
quanto ao futuro da humanid ade. Retomando nossa discussão, cabe recolocar a
pergunta: será que a pulsão de morte só pode ser entendida como uma ameaça?
Zaltzman (1993) cunha o termo pulsão anarquista para se referir ao que
denomina de ‘parte mais individualista da pulsão de morte’, que se coloca efetivamente
como resistência frente a uma ameaça de perigo mortal. Ao contrário de enxergar a
ameaça ao lado da pulsão de morte, a autora encontra no próprio Freud um pensamento
subversivo ao considerar que Tânatos coloca-se contra a ameaça de totalização colocada
em marcha por Eros, que poderia chegar a apagar as marcas singulares do sujeito.
Tendo a luta de Eros com a pulsão de morte como pano de fundo, Zaltzman (1993)
retoma a discussão aventada sobre o sujeito e a civilização (FREUD, 1930[1929]/1974)
para afirmar que “às vezes, a vitória de Eros se volta para a autoconservação da
civilização, com risco de usura, às vezes, a pulsão de morte trabalha em prol do mais
individual levante libertário contra as formas sociais” (ZALTZMAN, 1993, p. 65).
Trata-se do trabalho da pulsão de morte contra as tentativas de regulação imputadas pela
moral civilizada.
Assim sendo, é possível positivar a reação terapêutica tomada como negativa,
pois ainda esta reação esteja associada à pulsão de morte, que evoca um caráter de
destruição e desligamento, não deixa de colocar em marcha um trabalho libertário de tal
modo de funcionamento pulsional. O sujeito demonstra não querer ceder aos apelos de
mudança por parte do analista, assim como não deseja abrir mão de algo que aparece
como marcadamente peculiar, o seu sintoma. Pontalis (1991) evidencia como a reação
terapêutica negativa surge como resistência, agora podendo ser positivada, advertindo
aos analistas acerca da importância desta para o paciente:

“se quisermos preservar alguma esperança de atravessar com nosso paciente a


terra árida, o deserto ressequido e estéril que constitui para ele – muito embora
ele faça questão de protegê-lo – aquilo que poderá converter-se em seu espaço

68
interior, parece-me que temos que reconhecer plenamente a legitimidade de sua
reação negativa” (PONTALIS, 1991, p. 73).

É, portanto, como legítima e positiva que soa mais fértil tomar a reação
terapêutica dita negativa. Esta surge como defesa do território particular do sujeito que,
ao contrário do trabalho destrutivo da pulsão de morte, aprendemos a valorizar enquanto
analistas. Se antes o que estava em pauta era um sujeito refém de sua culpa, que
preconizava a punição através da reação terapêutica negativa, tendo o supereu como
algoz, agora o que está em jogo é um sujeito apegado ao seu espaço particular, do qual
fazem parte seus sintomas8 .
Esta mudança de perspectiva ganha ainda mais plausibilidade se um resgate do
aspecto duplo do supereu for feito. Isso porque a constituição do supereu nos remete a
um duplo enraizamento, já que esta instância se revela herdeira das primitivas escolhas
do isso e da reação a tais escolhas. Ora, se o sentimento de culpa entra em cena como
advindo das críticas lançadas às referidas escolhas objetais, tais críticas são insuficientes
para apagar a dimensão pulsional em jogo nas escolhas levadas a cabo pelo isso. Dessa
maneira, ao falar em supereu evocamos o sentimento de culpa, a necessidade de
punição, as tendências masoquistas e a reação terapêutica negativa, embora também seja
possível dar ênfase à dimensão mais pulsional com o enraizamento no isso, ao trabalho
libertário da pulsão de morte.
Ademais, vale lembrar que o supereu não foi tomado em sua dimensão de
crueldade em todos os momentos do pensamento freudiano, muito embora este caráter
tenha predominado quando uma nova topologia psíquica foi apresentada (FREUD,
1923). A afirmação de que o supereu é investido, às expensas da energia do eu, frente às
exigências da vida para a produção do humor se contrapõe à visada anterior (FREUD,
1927b/1974). O supereu na situação cômica concorre para a produção de prazer,
despontando em auxílio do eu fragilizado, como um pai que protege o seu pequenino
filho do sofrimento, o que vai ao encontro do fato de a constituição do supereu remontar
à identificação com as figuras parentais.

8
Vale salientar que os sintomas já tinham sido associados a uma escolha por parte do sujeito (FREUD,
1895; 1913/1974). Embora a discussão aventada não recaia sobre o assunto, cabe apenas afirmar que o
fato de uma neurose ser atribuída a uma escolha ressalta ainda mais a íntima relação desta com o território
do sujeito.

69
É interessante notar como ainda que o supereu derive da introjeção de uma parte
do mundo externo, que fora abandonada como objeto e tornada parte do psiquismo por
identificação (FREUD, 1940[1938]/1974), na situação de humor o mesmo tenta burlar o
desprazer que as exigências da realidade impõem, manobra que “está repudiando a
realidade e servindo a uma ilusão” (FREUD, 1927b/1974, p. 194). Esta característica é
igualmente atribuída às neuroses, embora recaiam sobre as últimas o peso de colocar em
xeque a saúde mental (FREUD, 1927b/1974). Ainda que acarrete em um afastamento
parcial da realidade, já que as exigências desta tenta contornar, o humor é tomado como
uma alternativa confortante e salutar para o eu. Isso equivale a dizer que o afastamento
da realidade coincidente com a debilidade da saúde mental, que deveria ser bravamente
combatido pelo eu, parece ter perdido a sua razão de existir frente às formulações
freudianas que tiveram como sustentáculo a noção de uma divisão do eu, a ser debatida
a seguir.

Ainda sobre o eu
A idéia de alterações que se efetuam no campo do eu não era nova no
pensamento psicanalítico (FREUD, 1895/1974), tendo sido evocada a propósito das
identificações, a partir das quais objetos abandonados são introjetados no eu, e dos
mecanismos de defesa que asseveram adaptações do eu aos sintomas (FREUD,
1926[1925]/1974). Ainda que já tivesse sido abordada, a temática encontrou
ressonâncias significativas apenas com o estudo do fetichismo (FREUD, 1927b/1974).
Este estudo versava sobre a rejeição da castração, acarretando em uma divisão do eu, o
qual deseja tanto negligenciar a existência da ameaça de castração, como também não
deve de todo rechaçá- la, pois esta constitui um perigo de fato 9 . A partir daí é possível
contar com a noção de uma divisão que se efetua no eu: uma parte deste almeja rejeitar
a castração, repudiando a realidade, enquanto outra continua funcionando a serviço das
exigências da realidade. Com efeito, uma verdadeira fenda se efetua em definitivo no eu
(FREUD, 1940a[1938]/1974), o que vai de encontro à idéia de que o eu seria a parte
mais organizada do psiquismo, cuja função principal residiria na aglutinação de
interesses opostos (FREUD, 1926[1925]/1974). Ao contrário, no cerne do eu ganha

9
É assim que o objeto fetiche é constituído, funcionando para o homem como um substituto do pênis que
a mulher enquanto castrada não possui (FREUD, 1927b/1974).

70
lugar uma divisão tão acirrada de maneira que não é nem mesmo possível pensar em
uma sutura. Graças a esta fenda, o fetichista se liberta parcialmente do controle da
realidade para buscar a realização de seu desejo.
Esta conclusão permitiu uma grande virada no tocante às relações das
psicopatologias travadas com a realidade. Anteriormente, era destinado à psicose o
aspecto de um afastamento severo da realidade, pois neste quadro predominava um
conflito do isso com um fragmento da realidade, do qual o primeiro saía vitorioso, tendo
como troféu o desligamento da realidade insuportável. Já nas neuroses predominava o
conflito entre o isso e o eu, o qual - a serviço da realidade – tentava recalcar exigências
pulsionais (FREUD, 1924[1923]/1974). Ainda que, em se tratando das neuroses, o eu
lançasse mão de tentativas que contemplassem as exigências da realidade, um
afrouxamento desta revelava-se inevitável, apontado inclusive como uma etapa no
processo de constituição das enfermidades neuróticas (FREUD, 1924a/1974). Em suma,
independente do tipo de sintoma em pauta, este sempre desembocava em um
afastamento da realidade, sendo que as diferenças entre neurose e psicose residiam
apenas no grau com que este afastamento se dava.
Contudo, a situação é francamente modificada quando se começa a falar no
afastamento da realidade também em casos de fetichismo, de maneira que um
afrouxamento no tocante à realidade poderia ser observado em situações não
patológicas. As transfo rmações assumem um caráter ainda mais inovador quando a
divisão do eu aventada em fetichistas é estendida para as neuroses em geral (FREUD,
1940[1938]/1974). Assim sendo, o processo de recalque não é mais suficiente para dar
conta sozinho da explicação do funcionamento de uma neurose. Aliás, a própria
formulação da pulsão de morte, em 1920, já evidenciara algo que escapa ao processo de
recalque e às próprias bordas do que era considerado psíquico.
Dessa forma, a rejeição, responsável por negar a realidade, era tomada
igualmente como um método defensivo, associada ao mecanismo do recalque. A
rejeição, entretanto, só consegue dar conta de uma parte do eu, de forma que a negação
da realidade nunca se dá por completo. A divisão do eu nas neuroses permite que “duas
atitudes contrárias e independentes” (FREUD, 1940[1938]/1974, p. 233) coexistam,
situação similar àque la que decorre do recalcamento. Todavia, neste último o conflito se
efetua entre o eu e as exigências pulsionais, ao passo que no caso de uma rejeição o

71
conflito com um fragmento da realidade fica assaz evidente, além de se inserir no
interior do próprio eu e não entre diferentes instâncias.
Para pensar agora nas resistências expressas no sintoma neurótico é preciso
considerar o conflito que o recalque traz como marca, além daquele que se dá no
próprio eu. Além disso, é digno de observação o fato de que o eu, que vinha
funcionando como baluarte das exigências da realidade, sempre tentando a estas se
submeter, revele possuir uma parte que a rejeita. Assim sendo, qualquer suposição
quanto a um afastamento da realidade em se tratando de sintomas neuróticos não
poderia ser tomada de modo absoluto ou de todo negativo. A rejeição da realidade
levada a cabo por parte do eu encaixa-se perfeitamente na dinâmica da neurose, embora
esta não se esgote neste aspecto, além de permitir ao sujeito o enfrentamento das
exigências da vida.
Tais considerações fornecem outra textura para a colocação da temática do
sintoma e da resistência a este concernente. Com efe ito, pode-se afirmar que certa dose
de resistência foi até mesmo por Freud positivada (FREUD, 1940[1938]/1974), sendo
que a resistência encerrada no sintoma não merece ser apenas tomada como um mero
obstáculo a ser transposto o mais rápido possível e a qua lquer custo em uma experiência
de análise. Diferente de tal perspectiva espera-se tomar o sintoma neurótico como forma
de resistência frente às exigências de normatização imputadas pela moral civilizada.
Para seguir este objetivo, é preciso retomar algumas considerações feitas sobre o
sintoma, inserindo-as mais objetivamente nas discussões travadas por Freud sobre a
civilização moderna.

72
Capítulo III
Por uma positivação da resistência do sintoma

“Sou minha própria paisagem


Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só”
(Fernando Pessoa)

A tentativa de pensar o sintoma neurótico como forma de resistência frente às


imposições preconizadas pela moral civilizada demanda uma investigação das
considerações freudianas sobre a civilização. Para efeito de apresentação, vale salientar
que o início dos estudos freudianos responsáveis pela estruturação do método
psicanalítico se deu a partir do acolhimento das queixas histéricas. Este fato é deveras
importante para o tema em pauta, pois os sintomas histéricos revelavam-se expoentes
dos desajustes decorrentes das exigências impostas pela mão pesada da moral sexual
civilizada. Frente às manifestações que não se enquadravam nos moldes da civilização
moderna, Freud reconhecera não só índices de patologias mentais, as quais davam
ensejo à promessa de cura dos herdeiros da ciência moderna, mas também a
representação do sufocamento sofrido por aqueles que se viam entre as imposições
morais e os desejos por estas rechaçados. Com relação a esta dupla constatação, não é
possível defender que o pai da psicanálise tenha se mantido um fiel escudeiro dos
desejos inconscientes às expensas da pretensa harmonia da civilização em todos os
momentos de sua obra. Parece mais plausível considerar sua postura como paradoxal,
oscilando entre as tentativas de adequação impostas pela ciência moderna e a defesa
daquilo que era relegado ao limbo dos recônditos do inconsciente.
Dessa maneira, a apresentação do sintoma apenas nos termos de uma formação
de compromisso, como o próprio nome traduz, fazia eco às exigências de adequação à
moral civilizada, nem que para isso o sujeito precisasse permanecer aferrado ao seu
sintoma, a despeito do enorme sofrimento gerado. Em contrapartida, a associalidade da
neurose não cessou de ser evocada, transmitindo a noção de desajuste, embora a este
caráter associal também estivesse atrelada a exigência de uma reforma da sociedade.
Com efeito, a resistência expressa no sintoma neurótico vem colocar em pauta a sua
recalcitrância, apesar da utilização de incansáveis tentativas fracassadas para alcançar a
sua remissão definitiva.

73
No que concerne à civilização, o sintoma foi apresentado de modo igualmente
paradoxal, pois não deixava de possibilitar o convívio entre os sujeitos, embora
revelasse um afastamento da realidade. Ora, o sintoma era veículo do sentimento
inconsciente de culpa e substituto da satisfação proibida, contribuindo dessa maneira
para a manutenção da civilização. Por outro lado, primava pela realidade fantasiada e
acarretava um dispêndio de energia que de outro modo seria utilizado em prol da
civilização. De fato, a postura freudiana frente ao sintoma neurótico reflete a
perspectiva ambivalente que este conceito evoca, pois suas dimensões de formação de
compromisso e resistência coexistiram lado a lado em seus textos, sendo que uma não
foi assimilada ou superada pela outra.
No tocante a esta perspectiva é possível afirmar que o pai da psicanálise se
manteve um partidário do sujeito, pois mesmo tendo perseguido em alguns momentos
uma técnica destinada a propiciar a remissão sintomática, evidenciando uma
preocupação com o progresso da civilização (FREUD, 1910/1974), não deixou de lado
as manifestações do sujeito que se contrapunham a esta empreitada. O sujeito insistia
em se mostrar resistente a partir dos desajustes frente à técnica de eliminação dos
sintomas (FREUD, 1937/1974), assim como a civilização parecia insistir em uma cruel
aproximação dos perigos da barbárie, a despeito de todos os esforços da ciência em
nome da evolução (FREUD, 1930[1929]/1974). Tanto com relação à resistênc ia por
parte do sujeito quanto à permanência de traços bárbaros no seio da civilização moderna
é possível concluir que Freud não camuflou as dificuldades, fomentando a investigação
dos desajustes.
Nesse sentido, depreende-se que é possível reconhecer uma defesa por parte de
Freud daquilo que figurava como resto da sociedade moderna, positivando o sintoma
histérico como um discurso que, naquele contexto, não poderia ser dito de outro modo.
Vale esclarecer que os restos de tal sociedade estão sendo aqui tomados como os
sintomas resistentes às tentativas de adequação levadas a cabo pela moral civilizada. É o
que atesta o exemplo das mulheres que não tinham possibilidade de expressão, muitas
das quais acabavam manifestando a enfermidade histérica (ENRIQUEZ, 2005). Assim
sendo, o sintoma neurótico não cessava de expor, encarnado como um resto da
sociedade, a necessidade de se fazer uma outra leitura sobre a civilização (BIRMAN,
2006) e foi a partir dos impasses colocados por tais sintomas que Freud se ocupou de

74
suas pesquisas e da elaboração da psicanálise. Dessa maneira, é possível afirmar que o
próprio nascimento da psicanálise desponta como um movimento inovador que buscava
lançar luz sobre aquilo que desafiava a ordem pré-estabelecida, por se apresentar
resistente às tentativas de adequação.
Com vistas a positivar o sintoma neurótico como forma de resistênc ia, os textos
freudianos sobre a civilização serão percorridos a partir da perspectiva que reconhece no
sintoma um resto da sociedade moderna, sinal de desajuste que a moral civilizada
preconiza. Com efeito, tomar o sintoma como um resto implica a necessidade de se
lançar mão de uma outra abordagem não só sobre a civilização, como daquilo que desta
escapa.

Nos primórdios da psicanálise aplicada ao social


A fertilidade de se fazer uma investigação do social a partir do conceito de
sintoma reve la a sua plausibilidade desde o início, quando se constata que o primeiro
texto freudiano dedicado ao tema da civilização moderna atrelou as duas dimensões. O
artigo Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna (1908a) carrega a marca
indelével de que a instigação de Freud acerca dos sintomas ganhou corpo quase em
paralelo às suas considerações sobre a sociedade e, subseqüentemente, às críticas a esta
lançadas. Certamente, antes mesmo de 1908, o descompasso entre a sexualidade e os
limites que a moral civilizada impunha já tinha sido apontado. A proibição do incesto e
o verdadeiro horror que este suscita, decorrente da interiorização deste limite, tinham
sido mencionados como um aspecto indispensável para a existência da civilização
(FREUD, 1897/1974). Assim sendo, os sujeitos renunciam a toda liberdade que a
sexualidade perversa implica em nome da ‘comunidade maior’, primando pela
viabilidade da civilização.
Em momento seguinte, a maturação da psicanálise teria prosseguimento com a
consolidação de uma teoria sobre o desenvolvimento sexual dos sujeitos, que não se deu
sem um alargamento do conceito de sexualidade (FREUD, 1905/1974). A iniciativa
mesma de ampliar o que se entendia por sexual ia ao encontro de uma crítica contumaz
às imposições colocadas pela moral civilizada à sexualidade, as quais a limitavam à
relação monogâmica com fins reprodutivos. Diante de tais restrições, restava ao sujeito
satisfazer-se por meio de uma substituição que não ferisse os ditames morais, noção que

75
serviu de fermento para a afirmação de que os sintomas são satisfações substitutivas,
constituindo a atividade sexual dos neuróticos (FREUD, 1906[1905]/1974).
Dessa maneira, os sintomas destacavam-se como operadores para obstaculizar o
franco avanço da pulsão sexual, ainda que a esta também tentassem contemplar dada a
sua característica conciliatória, procurando fazer com que o movimento pulsional
permanecesse circunscrito às regras da civilização. Ao lado do sintoma, “a vergonha, a
repugnância, a piedade e as estruturas da normalidade e autoridade construídas pela
sociedade” (FREUD, 1905/1974, p. 238) eram enumeradas como forças restritivas do
livre curso da pulsão sexual. Estas assertivas levaram à afirmação de um verdadeiro
antagonismo entre a civilização e o desenvolvimento da sexualidade, relação cujo
estudo começaria a ser aprofundado no texto de 1908.
O trabalho que tratou do incremento das chamadas doenças nervosas decorrente
da moral da civilização moderna (FREUD, 1908a/1974) contou com o pontapé inicial
dos comentários de Von Ehrenfels sobre o hiato entre uma tendência sexual que seria
natural e aquela que era imposta pela sociedade em pauta. É digna de relevo a
consideração de que na ocasião outros estudiosos se dedicaram à temática, alguns dos
quais foram retomados no artigo freudiano (FREUD, 1908a/1974), mostrando a
importância que a discussão sobre assunto tinha adquirido no seio da civilização
moderna. Como contribuição para o tema, a psicanálise trouxe uma novidade, a saber, a
íntima associação entre as exigências da moral sexual civilizada e o expressivo aumento
das enfermidades nervosas.
Assim sendo, o véu a ser descortinado pelas afirmações freudianas mantinha
oculta a tendência da civilização em promover um incremento dos desatinos neuróticos,
a despeito de todos os aparentes esforços desta mesma civilização para perseguir a
remissão sintomática, sustentando as máximas dos ideais progressistas. A eliminação
dos sintomas, aliás, era apenas mais um dos requisitos necessários à manutenção da
ordem e à constante necessidade de superação/evolução, projetos que pareciam não
caminhar sem a colaboração de sujeitos saudáveis, civilizados e dispostos a renunciar
em prol da sociedade. A terrível constatação que o pensamento freudiano trouxe
expunha que as tentativas de adequação do sujeito em nome de um bem-estar coletivo
acabavam engendrando malefícios para a própria coletividade, como um tiro que saía
pela culatra.

76
O trabalho Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna (1908a) indica
uma denúncia à radicalidade com que a supressão das pulsões é preconizada pela
civilização moderna. Frente às ‘exigências da vida’ o sujeito deve fazer uma renúncia,
do contrário permaneceria às margens da sociedade, como um bárbaro indomado que
precisaria ser eliminado o mais rápido possível (FREUD, 1908a/1974). Nesta ocasião,
todavia, Freud parece acreditar em uma verdadeira reforma da civilização moderna, o
que acabaria diminuindo a incidência das doenças nervosas ou até mesmo figuraria
como uma condição para o tratamento de tais doenças. Isso equivale a dizer que os
sintomas são índices do fracasso das tentativas de adestramento pulsional, funcionando
efetivamente como um entrave não só para o sujeito, que dele se queixa, como para os
seus pares, com os quais o sujeito fica impossibilitado de trabalhar para manter uma
coletividade harmoniosa.
Caberia então à psicanálise expor os equívocos dos métodos impostos pela moral
moderna para a construção de uma sociedade, os quais radicalizavam a renúncia
pulsional, tarefa que teria como conseqüência a remissão dos sintomas neuróticos
(FREUD, 1910/1974). Isto porque não parecia plausível dedicar-se exclusivamente à
tentativa de cura das pacientes histéricas, sendo que as enfermidades destas
continuavam a ser fomentadas pelas restrições morais. Se é possível sustentar uma
denúncia dirigida às tentativas de regulação dos sujeitos provenientes das exigências
modernas, o mérito de se colocar ao largo deste projeto de adequação não pode ser
conferido a Freud nesta perspectiva de 1908. Isso se evidencia na sua busca pela
eliminação dos sintomas, os mesmos que haviam sido reconhecidos como
discursividade (FREUD, 1893-1895/1974), embora agora a ênfase recaísse sobre a
necessidade de eliminá- los. A remissão das neuroses surgia como um imperativo do
qual a psicanálise daria conta, alocando-a na esteira dos métodos normativos da ocasião
(FARAH & HERZOG, 2005).
Todavia, se por um lado a busca pela cura dos sintomas histéricos aparecia como
a menina dos olhos de Freud, suas críticas endereçadas à civilização moderna e o
projeto de engendrar reformas que minimizassem os efeitos dos propósitos regulatórios
da moral civilizada demandavam uma investigação mais aprofundada sobre a sociedade,
em última instância, sobre as origens desta. Sem esta etapa preliminar qualquer proposta
reformista por parte da psicanálise, se é que o estatuto de uma proposta propriamente

77
dita poderia ser atribuído à disciplina freudiana, não se tornaria conspícua. Era preciso
entender onde residiam as raízes da moralidade moderna, a qual suscitava o imperativo
de renúncia pulsional.
O texto Totem e tabu (1913a) surge com vistas a expor uma gênese da
civilização, assim como das características fundamentais para o convívio social. Para
dar conta de tal tarefa, estudos sobre sociedades primitivas são retomados no referido
trabalho, pois é através dos fenômenos tabus e totêmicos que Freud espera chegar à
compreensão do vínculo social (ENRIQUEZ, 1983/1991). Com efeito, as interdições
observadas em tais sociedades indicam que há uma forte inclinação que incita os seus
membros a travarem relações incestuosas, relações estas veementemente combatidas a
partir de reiteradas e radicais proibições. A evidência da força que compele os povos
primitivos à relação incestuosa é reconhecida na civilização moderna a partir dos
desejos incestuosos recalcados.
Nesse ponto, civilização e neurose estão intimamente atrelados, visto que ambos
repousam no recalque do complexo de Édipo, tomado nos primórdios da psicanálise
como o núcleo de toda neurose (FREUD, 1893-1895/1974). Em outros termos, a
civilização só pode avançar na medida em que estiver assegurada a proibição tanto dos
desejos incestuosos como dos impulsos agressivos de alcançarem a satisfação, situação
que somente se viabiliza com o recalque do complexo edípico (FREUD, 1923/1974). A
manutenção de uma coletividade se dá, portanto, com a impressão da marca do
recalque, precursor não só dos sintomas neuróticos, como da própria condição psíquica,
posto ser este processo tomado como constitutivo do aparelho psíquico (FREUD,
1915/1974). Assim sendo, sujeito e civilização revelam gêneses coincidentes e, por
conta disto, não devem ser tomados separadamente. Mas embora já se saiba que fazer
frente aos desejos incestuosos e à agressividade é condição sine qua non para a
fundação de uma sociedade, ainda não se sabe ao certo de que modo tais restrições são
engendradas e mantidas no seio de uma civilização ou até mesmo por quais motivos se
revelam tão indispensáveis.
É com intuito de investigar estes aspectos que o mito da horda primitiva é
exposto (FREUD, 1913a/1974), assunto tomado de empréstimo dos estudos de Darwin
sobre os primatas. A horda patriarcal evidenciava um chefe que dispunha de todas as
fêmeas para si, sendo que todos os irmãos eram rechaçados, por não poderem usufruir

78
dos benefícios assegurados exclusivamente para o chefe primitivo. O mito postula que
os irmãos se reuniram para assassinar e devorar o chefe, colocando um fim ao acesso
exclusivo deste às fêmeas. Após o ato criminoso, os irmãos permaneceram em um
impasse, pois aquele que tomasse as fêmeas ocuparia o lugar do antigo chefe e a
situação anterior se instalaria novamente: a satisfação dos desejos não seria
democrática, além de o novo chefe correr o risco de se tornar alvo dos desejos
assassinos dos demais. Além disso, o chefe primitivo causava temor entre os irmãos,
mas também inveja, motivo pelo qual fora devorado 1 , permitindo depreender que a
atitude dos filhos para com o chefe era deveras ambivalente. Por isso o assassinato que
funda a civilização traz consigo não só a satisfação da agressividade dirigida ao chefe,
como também a culpa dos irmãos por terem levado a cabo o assassinato daquele que era
admirado.
A partir do mito da horda primitiva, é possível postular que o sentimento de
culpa decorrente do ato criminoso preconiza a fundação da sociedade e a moralidade
sobre a qual esta se constrói. Com a culpa sentida por ocasião do assassinato do chefe
da horda, os irmãos instituíram um totem para ficar em seu lugar e a morte deste era
agora expressamente proibida. Do mesmo modo, as benesses almejadas que incitaram o
assassinato não eram permitidas, para que a recente sociedade não entrasse em colapso e
reeditasse a violência precipitadora da morte do pai. A proibição da morte do totem era
a proteção frente aos perigos preconizados pelos impulsos agressivos, enquanto a
interdição do incesto era responsável por entravar os desejos sexuais que poderiam
trazer riscos à vida coletiva dos irmãos. Com efeito, “os desejos sexuais não unem os
homens, mas os dividem” (FREUD, 1913a/1974, p. 172) e muito embora tivessem
servido de pólvora para o motim responsável pela morte do pai, não poderiam continuar
fomentando atos violentos, pois assim colocariam em xeque a ordem recém instituída.
O recalque dos desejos sexuais e agressivos constituía a condição de possibilidade para
a fundação da sociedade, preparando um fértil solo para a proliferação das neuroses,
motivo pelo qual é possível afirmar que “a passagem da força à civilização é a
passagem de um mundo regido pela força a um mundo governado pela neurose”
(ENRIQUEZ, 1983/1991).

1
Nos povos primitivos, o ato de devorar um objeto fazia com que as características deste fossem
incorporadas pelo devorador (FREUD, 1913a/1974).

79
Todavia, ainda que neurose e civilização evidenciem tamanha proximidade, isso
não é suficiente para rechaçar um fundamental ponto de discordância entre ambas. As
neuroses evidenciam desejos recalcados que, se fossem satisfeitos, abalariam a
manutenção da civilização. Isso equivale a dizer que os neuróticos não cessam de
atualizar os fantasmas agressivos e sexuais, fazendo com que a civilização que repousa
no recalque de tais desejos trema em suas bases. As neuroses trazem à tona a
dificuldade dos sujeitos em largar o osso da satisfação sexual e dos impulsos agressivos
proibidos, relegando-os ao inconsciente, onde ‘proliferam no escuro’ (FREUD,
1915/1974). Seguindo este fio argumentativo, Freud chega à constatação da natureza
associal das neuroses, pois nelas elementos sexuais se destacam, em detrimento de
elementos sociais (FREUD, 1913a/1974).
Por conta da prevalência dos elementos sexuais, as neuroses negligenciam a
“concordância com a realidade externa” (FREUD, 1913a/1974, p. 109), lançando mão
de estratagemas para alcançar a satisfação sem levar em conta, ou até mesmo
desprezando, a adequação com a realidade. Com efeito, a própria constituição de uma
neurose tem como precondição o afastamento da realidade, que desponta como
insatisfatória, priorizando o mundo da fantasia. Considerando esta característica, Freud
separa a realidade fantasiada daquela que serve de suporte para a civilização:

“O mundo real, que é assim evitado pelos neuróticos, acha-se sob a influência
da sociedade humana e das instituições coletivamente criadas por ela. Voltar as
costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens”
(FREUD, 1913a/1974, p. 96).

Os desejos realizados na fantasia, dos quais os sintomas neuróticos se revelam


representantes, estão fora da alçada da influência da civilização e, como tais, não podem
ser regulados pela moral sexual. São, portanto, associais. Ainda que Freud tenha
privilegiado a realidade psíquica, postulando ser esta a realidade decisiva com a qual um
psicanalista deveria se preocupar (FREUD, 1917[1916-1917]/1974), o texto de Totem e
tabu (1913a) vem colocar em pauta a importância da realidade histórica, evidenciada
pela força do acontecimento do crime fundante da sociedade fraternal. Isso porque o
assassinato do chefe da horda oferece a ancoragem que servirá de ponto de partida para
a criação e manifestação da fantasia (ENRIQUEZ, 2005). Considerando o relevo
concedido à realidade histórica neste trabalho freudiano, os sintomas neuróticos, por

80
colocarem em marcha uma retirada para o mundo de fantasia, estão fadados a
carregarem a marca da associalidade.
Entretanto, já discutimos no primeiro capítulo o quão questionável é esta
perspectiva, mesmo porque os sintomas neuróticos evidenciam uma conciliação entre os
desejos inconscientes e a proibição que sobre estes recaem. A neurose fulgura inclusive
como uma proteção contra a barbárie que poderia advir da realização imediata dos
desejos em pauta 2 . Somado a isto, vimos também como neurose e civilização revela vam
uma gênese comum e pareciam, a princípio, respeitar os mesmos ditames. Ora,
permanece ainda como interrogação dirigida a esta leitura o fato de a neurose trazer à
baila, ainda que inconscientemente, os grandes temores da civilização. Será nessa
consideração que reside o seu caráter associal? Seria associal tudo que escapasse à
possibilidade de regulação direta pela moral civilizada, por escapar ao campo da
consciência? Por que Freud, a despeito de suas formulações sobre a importância da
realidade psíquica e sobre as concordâncias entre civilização e neurose, afirma esta
como um avesso daquela?
Para tentar esclarecer os pontos acima elencados, é preciso resgatar a visada de
Freud sobre a civilização moderna à época de Totem e tabu (1913a). Neste artigo a
civilização é pensada de maneira progressista, pois existiriam fases de um suposto
desenvolvimento civilizatório, as quais são correlatas àquelas do desenvolvimento da
libido. Dessa forma, a fase animista é correlata do narcisismo, a fase religiosa é
associada à escolha objetal, na qual a criança escolhe os pais como objeto de amor,
assim como um deus é escolhido, e na última fase encontra-se a correspondência com a
maturidade do sujeito. Trata-se nesta última etapa da fase científica, na qual o sujeito
“renuncia ao princípio de prazer, ajusta-se à realidade e volta-se para o mundo externo
em busca do objeto de seus desejos” (FREUD, 1913a/1974, p. 113 – grifo nosso).
É digna de nota a inclusão de uma adequação à realidade enquanto uma
característica não só da fase mais evoluída da civilização, como da maturidade a ser
alcançada pelos sujeitos. Neste momento do pensamento freudiano o sintoma neurótico
parece atar o sujeito a objetos fantasiados, impedindo-o de fazer laços, ‘voltando-se para

2
Esta perspectiva se apóia na idéia de que a neurose é o negativo da perversão. Os neuróticos revelam
uma inibição quanto à realização imediata dos desejos inconscientes, ao passo que em se tratando de
perversos Freud não identifica a dimensão conflitiva responsável por entravar aquilo que poderia ferir os
pressupostos civilizatórios (FREUD, 1905/1974).

81
o mundo externo’. Com efeito, a neurose e os sintomas que nela se expressam indicam
uma associalidade a ser transposta com a evolução do sujeito e da civilização. A
perspectiva do sintoma como associal caía como uma luva na perspectiva normativa de
1913. Frente aos males da civilização moderna bastava apenas apostar no progresso!

Da desilusão aos laços possíveis


Contudo, a noção de que os desejos assassinos seriam superados, assim como a
promessa de remissão daquilo que supostamente afastaria o sujeito do mundo externo
foram desmoronando paulatinamente. Conforme já foi ressaltado, os impasses
encontrados na clínica preconizaram consideráveis recuos diante da promessa de cura
das neuroses. Agora também a situação na qual a civilização se encontrava engrossava o
caldo das desilusões quanto à noção de progresso: os horrores da Primeira Guerra
Mundial tomaram proporções nunca dantes vistas, trazendo em tom catastrófico a
terrível constatação de que a civilização estava longe de chegar a uma fase mais
evoluída, se é que esta possibilidade ainda permaneceria crível, na qual os desejos
assassinos e tendências egoístas só figurariam enquanto lembrança de uma história
ultrapassada.
Em Reflexões sobre o tempo de guerra e de morte (1915b) a civilização é
apresentada nos termos de um terreno privilegiado para a proliferação da hipocrisia.
Isso porque demanda dos sujeitos renúncias quase impossíveis de serem respeitadas,
como a própria recalcitrância da organização neurótica traduz, embora em tempos de
guerra deixe as proibições de lado e dê exemplos da mais pura crueldade e barbárie.
Assim sendo, chega-se à conclusão de que os estados se preocupam em banir a
agressividade não só porque a entendem como nociva para as coletividades, mas
principalmente porque pretendem ter dela o monopólio (FREUD, 1915b/1974). O que o
período de guerras vem denunciar é a contradição da exigência de elevada moralidade
por parte dos sujeitos, moral esta que não é respeitada por aqueles que a impõe. Esta
situação leva a um quadro de profunda desilusão que se faz sentir a partir de duas vias: a
moralidade questionável de estados que fazem de tudo para vencer uma guerra e a
agressividade expressa por sujeitos tidos como membros de uma civilização altamente
evoluída.

82
O contexto sombrio no qual estavam imersos os sujeitos no início da Primeira
Grande Guerra leva a um questionamento sobre a pertinência de se falar em um povo
efetivamente civilizado. A proximidade com a barbárie evocada no período de guerras
não permite mais tomá- la em oposição ao que fora anteriormente entendido como
civilizado. Ao lado da civilização figura a hipocrisia, de maneira que os homens tidos
como civilizados são revelados como meros ‘hipócritas culturais’ (FREUD,
1925b/1974). Desse modo, a evolução da civilização não parece ser viável sem uma boa
dose de hipocrisia, pois de fato os sujeitos não se mostram tão suscetíveis à cultura3
como um dia teria sido suposto, motivo que coloca em questão a própria idéia de
evolução. A perspectiva normativa e evolucionista de 1913, que conferia à civilização
um percurso retilíneo em direção à evolução, a partir da qual estaria assegurada a
‘normatividade dos laços sociais’ (FARAH & HERZOG, 2005), perde
consideravelmente a sua ênfase.
Entretanto, se a catastrófica guerra trazia extrema desilusão quanto às relações
entre os sujeitos e a possibilidade de regulá- las, estas continuavam respondendo pela
manutenção de uma coletividade, a despeito de todos os sinais de barbárie e riscos
colocados à manutenção da sociedade moderna. Assim sendo, era preciso pensar como
os laços entre os sujeitos se estruturavam, o que daria continuidade à pesquisa iniciada
em 1913. A partir desta demanda ocorre a publicação de Psicologia das massas e
análise do eu (1921), uma investigação não só sobre os laços estabelecidos pelos
sujeitos, como sobre os fenômenos relacionados ao eu no contexto social. Aliás, antes
mesmo da exposição de qualquer consideração sobre os temas relacionados, é
importante retomar a apresentação freudiana do artigo em discussão para questionar se
ainda seria cabível pensar o eu - e em última análise o psiquismo - como relativo a uma
psicologia individual, separado de um contexto social.
Com efeito, o texto de 1921 questiona de maneira peremptória a oposição entre
uma psicologia que se pretendia individual de uma outra social. Isso porque uma
psicologia individual é desde sempre também social, pois o sujeito se constitui a partir
de um outro, como o estudo sobre o narcisismo indicara (FREUD, 1914b/1974). Além

3
A idéia de uma suscetibilidade à cultura foi aventada em alguns momentos por Freud como uma
capacidade dos sujeitos para “transformar impulsos egoístas sob a influência do erotismo” (FREUD,
1915b/1974, p. 319). Todavia, a partir dos nefastos efeitos que os confrontos de guerra trouxeram,
evidenciando acentuada resistência em abandonar desejos assassinos, tornou-se cada vez menos plausível
falar em termos de uma disposição a renunciar em nome da civilização.

83
disso, este outro só pode ser pensado uma vez que é investido pelo sujeito, asseverando
que uma psicologia social é desde o início também individual. Dessa maneira, Freud
parece desprezar uma oposição entre tais tipos de psicologia, inserindo a temática do
artigo de 1921 nos termos de uma oposição entre atos psíquicos narcísicos e atos
psíquicos sociais (PEIXOTO JUNIOR, 1999). Peixoto Junior (1999) considera esse
deslocamento de considerável envergadura por não deixar margem para que
diagnósticos sejam estabelecidos apenas a partir de aspectos endógenos e que, como
tais, sejam fixados em definitivo para um sujeito. Ao contrário, qualquer escuta deve
levar em consideração a história do sujeito e de suas sucessivas identificações, tema
destacado em Psicologia das massas e análise do eu (1921), falando a favor da
relevância clínica deste trabalho.
Ademais, o autor entende que é “necessário questionar até que ponto certas
posições subjetivas não são senão tentativas de responder, de forma mais ou menos
adequada, às demandas do social” (PEIXOTO JUNIOR, 1999, p. 122). Este ponto nos
parece precioso para pensar o sintoma como forma de resistência. Não porque o
colocaria propriamente como tentativa de adequação frente à demanda do social, mas
justamente o fracasso deste projeto de adequação, evidenciando uma incapacidade ou
indisponibilidade para atender a esta demanda. Ou, de modo diferente, pode até ser
entendido como resposta a uma exigência do social, mas apenas enquanto demanda de
reforma deste, de maneira similar ao sintoma neurótico na época de Freud. Este assunto
será revisitado adiante, mas por hora parece ser mais fértil voltar ao texto sobre as
massas, no intuito de compreender como são estabelecidos os laços entre os sujeitos que
dela fazem parte.
O trabalho de 1921 retoma pesquisas expressivas na ocasião sobre os fenômenos
de massa, a partir dos quais Freud acaba extraindo características em comum com os
neuróticos. O membro de uma massa é identificado como um bárbaro, que age
negligenciando as inibições preconizadas pela sociedade em busca do prazer, assim
como o neurótico atualiza na fantasia as proibições impostas socialmente. Em segundo
lugar, tanto a massa como os neuróticos evidenciam idéias contraditórias que não se
anulam, coexistindo de modo ambivalente, assunto exaustivamente discutido no
primeiro capítulo, quando o tema da formação de compromisso foi abordado. Além
disso, nas duas situações a realidade importante é aquela do desejo, sendo a verificação

84
da realidade material desprezada, a qual “cai para o segundo plano” (FREUD,
1921/1974, p. 104).
A discussão que implica investigar a relação tanto da massa quanto dos
neuróticos no tocante à realidade material surge com uma outra coloração nesse texto.
Enriquez (1983) fala da possibilidade de fundação de uma psicologia “levando em conta
tanto os comportamentos reais como a realidade fantasiada, buscando o vínculo que une
estes dois modos de realidade e que necessariamente passa pelo outro” (1983/1991, p.
51). O vínculo que une as duas realidades e figura como o laço entre os sujeitos é a
identificação.
Ademais, a identificação começa a adquirir um lugar na própria constituição
psíquica, assunto desenvolvido posteriormente com a chegada à segunda tópica
(FREUD, 1923/1974), permitindo algumas indicações no que diz respeito ao paradoxo
entre o dentro e o fora do aparelho psíquico, em outras palavras, entre o mundo interno
e o mundo externo. As instâncias se formam através de diferenciações do isso que se
dão a partir do processo de identificação. O isso, vale afirmar, é constituído por
representações de objetos e não por objetos propriamente ditos, como se encontrariam
no mundo externo. Desse modo, mediante a identificação uma representação passa a ser
tomada como um objeto externo, ainda que se esteja falando de uma representação
daquele (FRANÇA NETO, 2005), objeto este que servirá de modelo e fomento para as
diferenciações no aparelho psíquico. Mas antes mesmo da reconfiguração do psiquismo
à luz do tema das identificações (FREUD, 1923/1974), estas foram pensadas como
operadores do laço entre os sujeitos.
O estudo sobre as massas colocou a necessidade de postular um laço inibido
sexualmente, a partir da constatação de que na massa o amor a si próprio está sujeito a
limites, evidenc iando uma limitação do narcisismo devido aos laços estabelecidos com
os demais. A partir do estudo das neuroses, a existência de laços com objetos que
visavam à satisfação sexual tinha sido aventada. Agora era preciso postular laços que
não primassem pela satisfação sexual e mantivessem os sujeitos unidos.
Com efeito, a investigação do complexo de Édipo fornece um estudo mais
pormenorizado do tema da identificação, o qual sedimentaria posteriormente as bases
para uma nova perspectiva sobre o psiquismo (FREUD, 1923/1974). O complexo de
Édipo em sua versão positiva surge da confluência de dois laços distintos: aquele que o

85
menino estabelece com o pai, tomado como modelo que o pequenino gostaria de ser e
aquele referente à mãe, desejada enquanto um objeto de amor, que ele gostaria de ter. O
laço com o pai ganha uma nuance de hostilidade, pois este obstaculiza a tomada de sua
mulher como objeto de amor, embora ainda seja um modelo e, dessa forma, um objeto
de admiração do filho. A identificação, portanto, está irremediavelmente marcada pela
ambivalência emocional e caracteriza-se pelo esforço de alterar o eu segundo aquele
tomado como modelo (FREUD, 1921/1974).
A descrição acima serve de ponte para um retorno ao mito da horda primitiva,
onde os filhos assassinaram o pai para satisfazer aos desejos assassinos, embora também
tomassem o pai como modelo a ser seguido, pressupondo uma identificação com o
mesmo. Em Totem e tabu (1913a) a coletividade é fruto de uma recusa por parte do pai
do acesso às fêmeas, o que motivara o seu assassinato e o posterior pacto entre os
irmãos. Em Psicologia das massas e análise do eu (1921) a figura do líder vem
substituir àquela do chefe da horda, com o qual os membros de uma massa estabelecem
um laço. Em outras palavras, o líder é colocado no lugar do ideal do eu dos membros e,
assim sendo, deve servir de medida para o modelamento do eu dos demais. Além disso,
da mesma maneira como ocorrido na horda primitiva após o ato criminoso, os demais
membros da massa estabelecem vínculos entre si, identificando-se em seus eus, os quais
devem seguir o exemplo do líder.
Há, entretanto, uma diferença que separa o texto de 1913 deste em discussão: se
antes o chefe da horda se recusava a dividir as benesses com seus filhos, agora a massa
é fundada na ilusão de que o seu líder ama a todos os membros de maneira igualitária
(ENRIQUEZ, 1983/1991). É, com efeito, um ato de amor que funda esta coletividade,
exemplo que deve ser seguido por todos que a ela pertencem. O pacto social depende da
introjeção do líder como objeto ideal “encarnado nesta figura transcendente”
(ENRIQUEZ, 2005, p. 163). Os membros se identificam entre si, isto é, estabelecem
laços inibidos em sua finalidade, corroborando a tese de que os desejos sexuais não
unem os homens, mas os dividem (FREUD, 1913a/1974). A identificação pode
propiciar um convívio social por não almejar a satisfação sexual diretamente e nela
parece residir a chave para a compreensão do vínculo social.
A despeito de tais esclarecimentos, Freud permanece às vo ltas para esmiuçar as
complicadas conexões que a identificação implica (FREUD, 1921/1974). O único ponto

86
que permanece inquestionável é o fato de conservar como característica a tentativa de
alterar o eu a partir de um outro eu tido como modelo. Apesar desta característica geral,
o laço assim estabelecido se apresenta de maneiras diferenciadas, concorrendo para uma
pluralidade que exalta distintas identificações (FLORENCE, 1994), as quais são
exemplificadas a partir de sintomas neuróticos. Esta manobra soa interessante, pois sem
sombra de dúvida a temática da identificação acabou por ressignificar não só o laço
social como os sintomas neuróticos. Os exemplos expostos já foram apresentados no
primeiro capítulo, associados à noção de formação de compromisso. O importante a
destacar nesse momento são as particularidades de cada exemplo, as quais atestam a
necessidade de se falar de diferentes maneiras sobre o laço colocado sob a rubrica da
identificação.
Esta pode ser uma forma de laço original, anterior a qua lquer investimento
objetal; um laço que é subseqüente a um investimento de objeto abandonado,
introjetado no eu mediante identificação; ou decorrente de um traço em comum, não
colocando em pauta uma relação objetal. Este último tipo é apontado não só como
“particularmente freqüente e importante de formação de sintomas” (FREUD,
1921/1974, p. 135), como também aproximado do laço existente entre os membros da
massa, possuindo em comum o vínculo com o líder. Tais pontuações abrem espaço para
que se fale também do mecanismo de identificação a partir dos sintomas, unindo um
sujeito a outro. O desejo expresso em um sintoma histérico, por exemplo, pode suscitar
um laço, a partir de um outro sujeito que com ele se identifique. Por isso a discussão
sobre os laços entre os sujeitos traz importantes contribuições para o sintoma neurótico,
que agora ganha espaço de modo mais evidente em tais vínculos.
Ainda assim, se o sintoma fulgura entre a explicação sobre os mecanismos
responsáveis pelo estabelecimento de uma coletividade, isso não é suficiente para anular
o seu caráter associal. Embora os sintomas evidenciem o recalque dos desejos sexuais,
este processo não passa de um movimento mal sucedido, pois o retorno do recalcado
continua a advogar a favor de uma satisfação que colocaria a coletividade em risco,
atualizando os fantasmas edípicos. Segundo Florence (1994), os sintomas atestam, ainda
que “de maneira velada, a saída impossível das fixações edipianas” (p. 130). Enquanto a
identificação com o totem, evocada pelo mito da horda primitiva, tenta pôr fim à relação
ambivalente outrora sentida com relação ao chefe da horda, fazendo o luto deste, a

87
identificação que a neurose coloca em pauta conserva a relação incestuosa
inconscientemente (FLORENCE, 1994). O laço estabelecido com o pai – e com os
líderes – funcionando como a garantia da durabilidade das identificações entre os
membros de uma massa ainda parece claudicante na neurose.
Pode-se depreender que a palavra de ordem do neurótico não é voltar-se à
comunidade dos ho mens (FREUD, 1913a/1974), abrindo mão da satisfação sexual, mas
a busca individual pela satisfação dos desejos, nem que seja através dos sintomas, da
realidade fantasiada. Com efeito, o sintoma neurótico exalta um permanente conflito
entre o que fala em no me da civilização e a recalcitrância dos desejos recalcados que
almejam satisfação, permanecendo ativos a despeito do recalque. Por isso Freud confere
à neurose o poder de ‘tornar associal a sua vítima’, afastando-a do agrupamento coletivo
(FREUD, 1921/1974). Os sintomas neuróticos revelam um padecimento pela
impossibilidade de completar o luto do pai e pôr um fim à ambivalência emocional que
este evocava, o que na perspectiva acima descrita acaba por inviabilizar o
estabelecimento satisfatório dos laços com os demais (FLORENCE, 1994). Resta ainda
questionar se seria possível aventar uma comunidade que não contasse com esta
configuração para, dessa maneira, pensar o estatuto do sintoma e, porque não, do
próprio laço. Antes mesmo disso, é importante voltar ao Freud, uma vez que seus
postulados sobre os laços entre os sujeitos e sobre a própria civilização ainda deveriam
contar com os avanços feitos na clínica após 1920.
Ora, a identificação como laço é apresentada logo após a formalização da pulsão
de morte (FREUD, 1920/1974), ainda que dessa não se tivesse nem notícia no texto de
1921! Considerando a proximidade temporal dos dois trabalhos, cabe perguntar os
motivos que teriam levado a Freud a não tocar nem mesmo tangencialmente no caráter
pulsional e mortífero recém descortinado em suas formulações. Se por um lado a pulsão
de morte preconizava uma série de revisões sobre a teoria da libido e a própria técnica
psicanalítica, não parecia sustentável aventar uma sociedade e os laços entre os sujeitos
incluindo a pulsão de morte. Talvez o caráter destrutivo da pulsão de morte tenha
impedido Freud de incluí- la em sua investigação sobre as massas, mas a suspensão de
um conceito de tamanha envergadura em sua teoria sobre o social não poderia durar por
muito tempo. Além disso, as escassas esperanças quanto ao futuro harmonioso da
civilização que ainda poderiam ser depreendidas das formulações freudianas, não mais

88
teriam lugar com a imagem trágica de uma guerra interminável (FARAH & HERZOG,
2005) e da destrutividade que a pulsão de morte não cessava de atualizar.

O mal-estar irremediável
Se o texto de 1921 não traz considerações sobre a pulsão de morte na esfera do
social, estas foram inauguradas em seguida com o trabalho O mal-estar na civilização
(1930[1929]), especialmente a partir da negação de uma pretensa harmonia entre os
interesses do sujeito e aqueles da civilização. A novidade deste artigo é enterrar em
definitivo a promessa de Totem e tabu (1913a) da chegada a uma fase mais evoluída
pela civilização, onde a harmonia das relações entre os sujeitos estaria assegurada. Em
contrapartida, o sujeito apresentado é marcado pelo desamparo, impossibilitado de
extrair de seus laços uma segurança tranqüilizadora e o projeto de humanidade pacífica
e acolhedora. Resta a este buscar subterfúgios, medidas paliativas que pretendem fazer
face à vida árdua e dura que o seu estado de desamparo descortina.
Com efeito, diante deste cenário sombrio os sujeitos se lançam na incerta busca
por felicidade, que pode chegar a se dar através da evitação do desprazer e obtenção de
prazer. Para isso é preciso lançar mão de métodos engendrados, em geral, com vistas a
minimizar o sofrimento. Este é oriundo de três fontes principais, a saber: do corpo, este
fadado a dar sinais de desgaste; do mundo externo, equivalendo aqui às forças da
natureza e, finalmente, dos relacionamentos entre os sujeitos, sofrimento nomeado
como o mais penoso de todos (FREUD, 1930[1929]/1974). É interessante observar que
contra a difícil realidade dos relacionamentos parecia crível optar pela solidão, pois
sozinho o sujeito não teria de enfrentar os percalços decorrentes de sua vinculação aos
demais. No entanto, apenas fazendo parte de uma comunidade é possível reunir forças
para atenuar o sofrimento acarretado pelo mundo externo, ficando o sujeito em uma
sinuca de bico entre permanecer sozinho e ficar a mercê das forças naturais ou encontrar
meios para tolerar o caminho ardiloso do convívio social.
Antes de prosseguir na exposição é mister discutir que o sofrimento advindo dos
relacionamentos é apontado como decorrente da ‘inadequação das regras’ que buscam
ajustá- los em todas as esferas da vida social (FREUD, 1930[1929]/1979). Trata-se da
revivescência das críticas já dirigidas à moral civilizada, embora agora não recaia sobre
a referida moral todo o peso da responsabilidade pela miséria humana. Há uma “parcela

89
de natureza inconquistável – dessa vez, uma parcela de nossa própria constituição
psíquica” (FREUD, 1930[1929]/1974, p. 105) entravando o processo civilizatório rumo
a uma etapa mais evoluída. A tal ‘suscetibilidade à cultura’ somente restaria como um
sonho de adequação do sujeito aos interesses da civilização longe de ser realizado. Ao
contrário, o sujeito se apresenta recalcitrante frente à limitação de sua liberdade e só
chega a ceder de fato se avista alguma vantagem secundária, justamente uma garantia
com a qual não consegue contar (FREUD, 1915b/1974). Esta natureza psíquica
inconquistável, a qual se pode nomear no texto de 1929 de pulsão de morte, é capaz
inclusive de explicar os motivos do antagonismo entre a civilização e aqueles que a
criaram e a constituem, situação controversa à primeira vista.
A permanê ncia deste antagonismo é um pesado fardo a ser carregado pelo
sujeito, como preço de sua inclusão social, concorrendo para a idéia da impossibilidade
de um avanço da civilização sem as restrições colocadas à sexualidade e à
agressividade. Este, vale dizer, não é um apontamento inequívoco durante todo o texto.
Isso porque embora as restrições inerentes à civilização não pudessem ser culpadas
exclusivamente pelo sofrimento humano, críticas relacionadas à severidade com que as
imposições são estruturadas ainda se fazem perceber no discurso freudiano (FREUD,
1930[1929]/1974). Assim sendo, mesmo que certa dose de entraves seja inevitável à
manutenção de uma sociedade, o caráter imperativo e universal dos mesmos poderia e
deveria ser questionado pela psicanálise.
As imposições colocadas pela moral civilizada constituíam mais um dos
obstáculos com os quais o sujeito moderno se via confrontado em seu trágico calvário
rumo à felicidade. Era preciso buscar uma maneira de contornar as tribulações, sendo
que a satisfação substitutiva engrossava o caldo dos métodos das tentativas de ser feliz.
Mesmo revelando uma frouxidão no tocante à realidade externa, tais satisfações
conduziriam ao prazer devido à pertinência atribuída à realidade psíquica. Ora, o
sintoma neurótico despontaria então como um método eficaz de satisfação que atende
aos ditames da moral civilizada.
Contudo, o aspecto qua ntitativo que faz reconhecer no sintoma um dispêndio de
energia a ser aproveitada em favor da civilização (FREUD, 1910/1974), evocado desde
o primeiro capítulo, continua concorrendo para sustentar a sua associalidade.
Acrescenta-se a isso o fato de alguns métodos adotados na busca por felicidade terem

90
sua eficácia questionada por acarretarem um gasto excessivo de energia, conforme
exemplificam as intoxicações (FREUD, 1930[1929]/1974). A civilização expõe com
isso uma preocupação com a utilidade das ações dos sujeitos, positivando
exclusivamente aquelas com as quais é possível obter uma vantagem direta para o
desenvolvimento civilizatório. Tudo aquilo que não for produtivo, trouxer resultados
palpáveis e interessantes para o bem-estar ge ral ou funcionar atestando a superioridade
de um povo deve ser jogado para escanteio.
Tendo esta assertiva como pano de fundo fica deveras difícil positivar o sintoma
neurótico, contra o qual sujeito e sociedade gastam acentuada energia. A menos que tal
sintoma funcionasse respondendo a uma demanda social (PEIXOTO JUNIOR, 1999),
adequando o sujeito às expectativas de sua época, de modo que não caberia à civilização
combater seu caráter associal. Este é o caso, por exemp lo, dos sintomas apresentados
pelos batizados atualmente de workaholics, sujeitos que restringem suas vidas ao
trabalho desenfreado e compulsivo às expensas do investimento em outras esferas de
suas vidas. Ainda que tal comportamento compulsivo possa trazer conseqüências
funestas para o sujeito, este se apresenta devidamente adaptado e produtivo para uma
sociedade que vive de resultados – independente daquilo que é preciso fazer para
alcançá- los. Contudo, a perspectiva de adequação não parecia ser o caso dos sintomas
neuróticos na ocasião das investigações freudianas que, portanto, eram tidos como
associais. Mas ainda que esta visada utilitarista fosse aventada em O mal-estar na
civilização (1930[1929]), outras exigências culturais expostas desprezavam o valor
prático das coisas. Este é o caso da beleza, valorizada pelas sociedades civilizadas,
embora dela não seja possível extrair qualquer finalidade prática.
A apresentação deste exemplo é bastante apropriada para retomarmos a
associalidade evocada pelo dispêndio de energia inerente ao sintoma neurótico a partir
de um outro lugar, contribuindo finalmente para questionar os diferentes motivos,
expostos desde o início desta dissertação, que fazem com que seja tomado como
associal. Isso porque a preocupação com a beleza atesta que há espaço na esfera do
civilizado para aquilo que ultrapassa um pretenso utilitarismo, como se até mesmo uma
parcela de dispêndio fosse necessária 4 . Nesse sentido, cabe questionar se o dispêndio de
energia ocasionado a partir e através da formação de um sintoma não seria um ‘mal
4
Embora uma discussão mais aprofundada sobre o assunto não seja alvo deste trabalho, indicamos
BATAILLE (1967/1975).

91
necessário’ a ser tolerado pela civilização e, como tal, não é suficiente para classificá- lo
de associal.
Ademais, a civilização continua a ser entendida nos termos de um processo,
embora este aqui não seja assimilado à idéia de progresso tal como texto de 1913
(FREUD, 1913a/1974). Em 1929 a promessa de se chegar a uma fase mais evoluída não
era mais pertinente, de maneira que o artigo O mal-estar na civilização (1930[1929])
apresenta um paradoxo entre “a implosão trágica da referência ao progr esso e a
permanência da aposta no futuro” (FARAH & HERZOG, 2005, pp. 59-60). Dessa
forma, a despeito da descrença na chegada à maturidade social e do sujeito, a noção de
processo não deixa de se fazer presente, este agora contemplando a presença de
mudanças permanentes e não de uma superação de uma fase à outra. O processo deve
contar com a presença de alguns fatores, a saber, formação de traços de caráter,
sublimação e renúncia pulsional. Mais uma vez o desenvolvimento do sujeito e aquele
da civilização são aproximados, marcando presença a neurose tanto em um caso como
no outro. Isso porque a renúncia pulsional é condição sine qua non para a fundação do
social, além de figurar entre os processos necessários para retardar o franco avanço da
pulsão sexual em se tratando do desenvolvimento libidinal, e parece difícil fugir da
dimensão neurótica acarretada por tal renúncia.
As restrições colocadas à sexualidade por parte da moral civilizada são
inevitáveis, mas também uma ‘natureza inconquistável’ da própria sexualidade entrava
a satisfação completa 5 , como se a sexualidade estivesse destinada a desembocar em uma
involução (FREUD, 1930[1929]/1974). Tal frustração sexual com a qual todos os
sujeitos têm de lidar é insuportável para o neurótico, o qual precisa recorrer às
satisfações substitutivas, embora estas “ou lhe causam sofrimento em si próprias, ou se
lhe tornam fontes de sofrimento pela criação de dificuldades em seus relacionamentos
com o meio ambiente e a sociedade a que pertence” (FREUD, 1930[1929]/1974, p.
129). Freud menciona ser este último aspecto ‘fácil de compreender’!
Assim sendo, o estatuto do sintoma como satisfação substitutiva resiste no
pensamento freudiano como um entrave para as relações entre os sujeitos e destes com a
coletividade no qua l estão inseridos. Os neuróticos que fomentaram a formulação da
psicanálise expunham uma recusa em se adequar à moral civilizada, nem que para isso
5
Freud tinha em mente a hipótese da bissexualidade, a qual expunha não ser possível ao sujeito
satisfazer-se com um único objeto, como regulava a moral sexual civilizada.

92
fosse preciso afastar-se dos demais e figurar como um desajuste social, resultado ‘fácil
de compreender’. Os sintomas evidenciam a recalcitrância dos neuróticos, cuja
disposição não pode tolerar a frustração sexual. Este quadro vai de encontro às
exigências da civilização, por estas incidirem justamente nas tentativas de modificar as
disposições pulsionais dos sujeitos. Daí o fato de a formação de traços de caráter ser tão
cara à civilização, por colocar em pauta a modelação dos sujeitos com vistas a atender
às imposições morais através da formação reativa 6 .
Dessa forma, o sintoma neurótico é a bandeira das tarefas inexeqüíveis impostas
pela moral civilizada. Contudo, uma vez que as limitações dão sinais da impotência de
seu alcance, situação que não cessa de ser apontada pelos neuróticos, porque continua
sendo preciso afirmar medidas tão severas de restrição da sexualidade? A exigência de
renúncia pulsional não só visa a minimizar a divisão dos sujeitos que a sexualidade
acarreta (FREUD, 1913a/1974), como é destinada a fazer frente à inclinação agressiva
já evocada no relato do mito da horda primitiva. A tendênc ia à agressividade descortina
aquilo que a moral civilizada almejava deixar por debaixo dos panos: “os homens não
são criaturas gentis” (FREUD, 1930[1929]/1974, p. 133) e caso fossem abandonados à
sua própria sorte, livres de imposições restritivas, a civilização correria o risco de se
desintegrar em um destino violento.
O severo combate à inclinação para a agressividade deve ser o fio norteador da
civilização, pois desponta como indispensável à sua existência, discussão esta que
ganha ênfase com a inclusão do conceito de pulsão de morte na investigação da cultura
(FREUD, 1930[1929]/1974. Neste âmbito, a agressividade dirigida aos demais não
passa de um representante da pulsão de morte, ameaçando permanentemente a
coletividade. Para fazer frente a esta ameaça, a agressividade precisa ser introjetada,
processo que se dá com a apropriação desta pelo supereu. Assim sendo, a autoridade
que outrora condenava os atos considerados imorais é internalizada na figura do
supereu, de maneira a criticar até mesmo os desejos proibidos que antes podiam ser
mantidos velados. O eu, portanto, não é capaz de contornar os imperativos de renúncia,
transformando-se em objeto dos ataques agressivos superegóicos. O cenário pintado

6
Mais uma vez caráter e sintoma revelam uma imbricação, em especial no tocante ao que pode ser
entendido como uma resposta à demanda social. O tema não será aqui desenvolvido, embora seja
extremamente fértil para dar prosseguimento à pesquisa em questão.

93
com a relação entre eu e supereu traz à cena novamente o sentimento de culpa e,
subseqüentemente, a necessidade de punição que este evoca.
A compreensão da renúncia pulsional deve contemplar o recalque não só dos
desejos sexuais, como daqueles agressivos, especialmente ameaçadores para a
manutenção da civilização. Decorrentes do recalque, os elementos libidinais são
transformados em sintomas e os agressivos dão origem ao sentimento de culpa
(FREUD, 1930[1929]/1974). Contudo, tal separação perde ênfase na medida em que o
sentimento de culpa fomenta o sintoma, a partir da necessidade de punição, exaltando
um elo unificador dos elementos separados pelo recalque. O sintoma tenta assegurar o
recalque dos desejos sexuais e serve de veículo para a canalização da agressividade, sob
a rubrica da punição, que de outra maneira poderia se dirigir para fora, tomando como
alvo outros sujeitos.
Ora, o sentimento de culpa que em Totem e tabu (1913a) operou como
vicissitude da ambivalência dirigida ao chefe da horda, aqui propicia a satisfação da
agressividade internalizada, impedindo-a de encontrar um alvo nos demais membros da
civilização. Destarte, é apenas com um fortalecimento do sentimento de culpa que o
desenvolvimento da civilização pode se dar, surgindo na esfera social na forma de mal-
estar (FREUD, 1930[1929]/1974). Com a releitura suscitada pelo segundo dualismo
pulsional, entende-se o sentimento de culpa como expressão da ambivalência e, além
disso, do eterno embate entre pulsões de vida e de morte. Enquanto a pulsão de morte
tem por destino a agressividade que objetiva desagregar, destruir, Eros se empenha na
tarefa de reunir unidades cada vez maiores (FREUD, 1930[1929]/1974), contra a qual a
tendência à agressividade pode vir a se colocar como empecilho.
Para entender a relação entre as diferentes classes de pulsões é preciso tomá- las
amalgamadas, embora o modo de funcionamento de uma ou de outra seja identificado
em algumas situações. É caso da tendência de Eros em agregar as partes em unidades
cada vez maiores, o que pode chegar à criação de grupos fechados sobre si mesmos
empenhados em rechaçar qualquer diferença, por mais insignificante que esta seja.
Trata-se do fenômeno nomeado ‘narcisismo das pequenas diferenças’ (FREUD,
1930[1929]/1974), o qual obtém êxito ao canalizar a agressividade inerente a um grupo
para outros diferentes, embora possa tomar proporções perigosas para a própria
civilização, como atesta o exemplo no nazismo de Hitler. Nesta última situação, a

94
pulsão de vida chega a um resultado avesso ao seu objetivo inicial, funcionando a
serviço da pulsão de morte (ENRIQUEZ, 2005) e, dessa maneira, concorrendo para a
destruição.
Acompanhando este raciocínio, a pulsão de morte também pode, mutatis
mutandis, colocar-se a serviço de Eros à medida que acaba por barrar o projeto de unir
partes cada vez maiores, com o risco de resultar em uma ‘geléia geral’, subsumindo o
sujeito. O desligamento levado a cabo pela pulsão de morte tem o poder de questionar
autoridades, romper ligações desestruturando sociedades, fazendo “surgir a novidade,
ela [a pulsão de morte] impede a repetição, favorece a criatividade, a divergência, o
desvio, a marginalidade” (ENRIQUEZ, 2005, p. 166). Dessa maneira, é possível
retomá- la nos termos de uma pulsão anarquista (ZALTZMAN, 1993), que fala a favor
do sujeito, erigindo-se em defesa de suas singularidades.
Nesse sentido, esta visada da pulsão de morte se aproxima daquela a partir da
qual o sintoma está sendo tomado neste trabalho, a saber, como instrumento de críticas
que demandam uma reforma do social7 , pois aponta para o desajuste, o marginal, um
resto não adequado à civilização. Entendido desta maneira, o sintoma pode ser propício
à criação, diferenciando-se da perspectiva que o toma como via para a repetição do
mesmo, de caráter rígido e inalterável. Ao contrário, a pulsão de morte que também
encontra no sintoma sua expressão coloca-se de forma a impedir a repetição8
(ENRIQUEZ, 2005), concorrendo para a viabilização da diferença, singularizando um
modo de fazer face à ameaça de homogeinização decorrente do incessante trabalho de
Eros.
Todavia, se esta leitura é depreendida da postura de Freud diante dos sintomas
histéricos, verdadeiros impasses para a ciência de sua época e, dessa forma,
demandando a novidade em técnicas que deles pudessem dar conta, o mesmo não deve
ser afirmado se levarmos em consideração suas formulações em O mal-estar na
civilização (1930[1929]). Ora, o neurótico permanecia enquanto um incapaz de

7
Vale esclarecer que não almejamos apagar o caráter ‘despretensioso’ do sintoma com relação ao social,
extrapolando qualquer proposta utilitarista. Entretanto, ainda assim é possível fazer uma leitura do
sintoma que reconhece nele a indicação da demanda por mudanças, favorecendo a criação e a novidade.
8
A acepção aqui empregada é aquela de repetição do mesmo, ao contrário da repetição diferencial que
está sendo enfatizada como atuante nos sintomas. É importante salientar que o sintoma também pode
adquirir o aspecto de rigidez e repetição do mesmo, apontando para o seu caráter mortífero. Todavia, este
trabalho visa a enaltecer o que extrapola o âmbito da rigidez e fala a favor da criação. Para um estudo
sobre os diferentes tipos de repetição indicamos GARCIA -ROZA (1986).

95
modificar sua disposição pulsional, ficando à mercê das restrições morais. Com efeito, é
a figura da paralisia que reveste o neurótico moderno: das paralisias motoras observadas
nas primeiras histéricas analisadas (FREUD, 1893-1895/1974) à paralisia social do
sujeito refém de sua culpa e de sua intolerância no tocante à frustração. Mas será que
ainda hoje é possíve l pensar todo e qualquer tipo de sintoma apenas nos termos de uma
paralisia? Com os mais de setenta anos que nos separam da formulação do mal-estar
freudiano, permanece crível sustentar o fortalecimento da culpa como condição
indispensável para a manutenção da civilização por assegurar a submissão a uma moral
universalizante? A discussão a seguir pretende menos se empenhar em buscar respostas
conclusivas aos referidos questionamentos, com os quais os psicanalistas se vêem
atualmente confrontados, do que procurar indicativos de maneira a balizar a afirmação
do sintoma como forma de resistência.

Culpa e identificação: desconstruir para responsabilizar


Antes de passar à discussão concernente ao sentimento de culpa e às formas de
mal-estar na atualidade, é preciso retomar o processo de identificação atrelado à
ambivalência emocional no pensamento freudiano – tema fértil para trazer à discussão o
sentimento de culpa. Através da identificação a introjeção da autoridade parental é
propiciada, processo que dá continuidade à ambivalência emocional sentida por ocasião
do complexo de Édipo, agora interiorizado na forma do supereu. Dessa maneira, o
neurótico moderno carrega o rastro da ambivalência, não sendo possível rechaçar em
definitivo a hostilidade outrora dirigida ao pai e posteriormente dirigida aos seus pares,
situação inerente a sua própria constituição enquanto sujeito. A autoridade interiorizada
continua a lançar críticas ao eu incapaz de atingir as exigências ideais, erigindo uma
constante tensão entre eu e supereu que tem no sentimento de culpa a sua máxima
expressão. A noção de identificação em Freud traz, portanto, a marca de um sentimento
de culpa responsável por paralisar o neurótico: este deve punir a si mesmo por desejar o
proibido.
É digno de observação o fato de a constituição do psiquismo residir no recalque
de desejos proibidos e na interiorização da autoridade parental, processo que acaba
desembocando no sentimento de culpa. Aliás, a fundação do social revela uma gênese
similar, passando pela identificação com o pai, a partir da qual as identificações com os

96
demais podem se engendrar. Era preciso um chefe da horda e agora um líder em comum
para que os laços viabilizadores do coletivo fossem engendrados (FREUD, 1921/1974).
Somado a isto, era necessário dar um outro destino à hostilidade antes dirigida ao pai e
atualizada na relação com os demais. Assim sendo, descortina-se a liga que une sujeito
freudiano, uma instância superior com a qual deveria se identificar e sentimento de
culpa, figurando este também como indispensável para a manutenção da civilização
(FREUD, 1930[1929]/1974). O fato de os irmãos da horda se sentirem
permanentemente culpados era a garantia de que os limites colocados pelo pacto social
à violência não seriam transpostos. Fora do limite da culpa estão os perversos, aqueles
que ficam à margem do pacto social, construído sobre a lei da autoridade parental.
A cartografia freudiana do social expressa precisão em seus limites: a culpa
defletida de uma instância superior permite a manutenção da sociedade e tudo que dela
escapa coloca em risco o processo civilizatório. Ademais, identificação e culpa estão
firmemente associados de modo a impossibilitar a concepção de um laço identificatório
que não inclua o aspecto de penalização. No entanto, os fenômenos observados
atualmente têm colocado em questão esta assertiva, como demonstra França Neto
(2005). O autor objetiva ultrapassar a universalidade da vinculação freudiana entre
identificação e culpa, com vistas a dar conta dos problemas enfrentados de maneira cada
vez mais corriqueira pelo sistema judiciário em discernir a imputabilidade dos agentes
de delitos a partir da indicação nestes de culpa. Isso porque os sujeitos parecem não
expressar nenhum traço de culpabilidade, aspecto que auxilia a afirmação de sua
inimputabilidade a despeito da irrecusável condenação dos crimes cometidos.
A difícil constatação de culpa em tais sujeitos traz importantes questionamentos
para a psicanálise: seriam sujeitos cuja autoridade não foi interiorizada? Sujeitos
amorais e, dessa forma, impossibilitados de compartilhar do laço social? Por se tratarem
de sujeitos a um passo da inimputabilidade, não poderiam ser responsabilizados pelos
seus atos?
As formulações de França Neto (2005) pretendem extrapolar o pensamento
freudiano para afirmar a possibilidade de identificação ainda que o sentimento de culpa
não se faça presente 9 . Acompanhando Zizek (2004), o autor retoma a discussão sobre o

9
Cabe esclarecer que o estudo das diferentes modalidades em que o sentimento de culpa se apresenta não
foi objeto de investigação deste trabalho. Em linhas gerais, é possível indicar, como postula Gerez-
Ambertín (2003), que a culpa conta com uma versão consciente e inconsciente e ainda aquela identificada

97
personagem Ripley, originalmente de Patrícia Highsmith, que na última versão adaptada
para o cinema deseja assumir a identidade do filho de um milionário norte-americano e
não mede esforços ou conseqüências para fazê-lo. Segundo Zizek (2004), Ripley
identifica-se com o sujeito cujo lugar pretende tomar, ainda que nenhum traço de
culpabilidade se fizesse sentir. Ao contrário, ele se empenha nos mais graves delitos
para chegar ao que deseja, ainda que não expresse satisfação ao cometê- los. Este
apontamento é importante, pois descarta a possibilidade de tomarmos Ripley como um
perverso que obtém prazer a partir de seus delitos transgressores da lei. Devido a estas
constatações, o personagem é tido como ético por perseguir de maneira obstinada o seu
desejo, embora não evidencie estar submisso a ‘nenhuma lei introjetada’ responsável
pelo senso de moralidade e, como tal, precursora do sentimento de culpa (FRANÇA
NETO, 2005).
O aspecto acima delineado é o ponto de partida para que uma postura ética esteja
em jogo, apesar do declínio da moralidade enquanto universal e de seu correlato, o
sentimento de culpa. Assim sendo, Ripley, assim como os demais sujeitos que cometem
delitos sem expressão de culpa, podem e devem ser responsabilizados por seus atos,
muito embora não se expressem sensíveis à moral universalizada que pretende igualar a
todos. Para fomentar a discussão em pauta, a psicanálise traz a possibilidade de
responsabilizar o sujeito por seus desejos, mesmo que deles não se esteja cônscio,
conforme asseverado por Freud por ocasião dos conteúdos dos sonhos (FREUD,
1925/1974). Assim sendo, é pertinente afirmar que “adquirir liberdade com relação à
paralisia provocada pela culpa não implica que o sujeito não se apresente como
responsável por aquilo que deseja e pelos atos que faz para realizá- lo” (FRANÇA
NETO, 2005, p. 104). Portanto, livrar-se da culpa paralisante não significa chegar ao
pretenso paraíso da liberdade irrestrita e irresponsável, mas o caminho para aceder à
responsabilidade determinante do sujeito.
Acompanhando a afirmação freudiana de o amor por si próprio só ser barrado
pelo amor por um outro (FREUD, 1921/1974), depreende-se que a liberdade desmedida
do sujeito vem inevitavelmente ferir a liberdade de outrem, concorrendo para o colapso

pela autora como muda, que se faz notar na necessidade de punição perpetrada pelo supereu. O artigo de
França Neto (2005) está sendo apresentado menos com o objetivo de afirmar uma ausência de culpa na
atualidade e mais para a indicação de pesquisas que questionam a presença de tal sentimento em nossa
época como este se apresentava na sociedade que serviu de berço para a psicanálise.

98
da coletividade. Esta situação descortina alguns impasses, dentre os quais a tarefa de se
pensar em limites erigidos à liberdade individual como operadores de um convívio entre
os sujeitos, condição indispensável para a manutenção social. Em outras palavras,
pensar como o outro pode servir de limite para a liberdade individual, sem que seja
necessário estar em pauta a submissa obediência a uma moral universal, a qual nos
textos freudianos está assegurada pelo sentimento de culpa. As situações acima
relatadas implicam em ultrapassar a idéia de constituição subjetiva referid a a uma
instânc ia transcendente, encarnada na introjeção da lei parental (FRANÇA NETO,
2005), uma vez que expressam não estarem referidas a uma lei moral externa de caráter
universal e absoluto. Do mesmo modo, implicam em pensar na possibilidade do
estabelecimento de vínculos, a despeito da referência a uma lei transcendente, como no
caso de Ripley.
Com efeito, o mal-estar aventado por Freud (FREUD, 1930[1929]/1974) já
carregava a trágica constatação do claudicante projeto de mediação dos interesses dos
sujeitos e aqueles da civilização por uma instância universal transcendente (HERZOG,
2000). Longe disso, o sujeito devia se lançar à sua própria maneira na corda bamba
entre a busca por felicidade e as exigências da moral civilizada. Para o sujeito neurótico
ameaçado pela guerra, não há segurança possível encarnada na figura de um pai ou de
um líder competente para frear os horrores da guerra (FREUD, 1933[1932]/1974).
Também não há qualquer promessa de que os métodos a serem empregados com vistas
a atingir a felicidade seriam eficazes. O neurótico freudiano sofre com a perda do pai,
permanentemente paralisado na ambivalência emocional e sentimento de culpa dela
decorrente. Sem resultados assegurados, não cessa de demandar do pai, de Deus, ou de
seus pares alguma garantia que de saída já está perdida. O laço freudiano é fortemente
marcado pela submissão à lei parental introjetada, estando esta referida a uma moral que
se pretende universal.
É mister, então, dar um passo adiante para pensar em uma identificação que não
esteja universalmente referida a uma instância transcendente, mas ganhe lugar no
registro da imanência, que se apresenta localmente (FRANÇA NETO, 2005). França
Neto (2005) não avança além das formulações supracitadas no intuito de aventar um
dispositivo coletivo sustentável às expensas da referência a uma estrutura universal.
Nesse ponto vale retomar em primeiro lugar o pensamento freudiano a partir de uma

99
outra leitura, a saber, aquela que destaca a constituição do psiquismo engendrada a
partir de um outro aparelho psíquico, a partir da alteridade (FREUD, 1914b/1974).
Dessa maneira, como condição para a constituição do psiquismo ter-se- ia o
investimento de um outro, por exemplo a mãe, responsável também por impor as
primeiras limitações com as quais o pequeno bebê se verá confrontado, colocando fim à
onipotência narcísica marcada pela completude.
Assim sendo, é possível afirmar que se trata da figura da mãe operando como
um transcendental, isto é, como condição de possibilidade 10 para a constituição de um
outro aparelho psíquico, responsável por entravar a onipotência narcísica e da qual, no
entanto, o bebê depende. A mãe deve investir afetivamente e cuidar de seu bebê, mas
também deve impor limites à relação dual com ele travada para que seja possível ao
pequenino perceber-se como diferente. De saída o sujeito está marcado por constantes
encontros e desencontros, indispensáveis à sua constituição enquanto um sujeito
singular11 . Enfatizando esta perspectiva, soa plausível extrapolar a dimensão universal
da moral moderna ou o peso desta nas restrições impostas aos sujeitos à época de Freud
(FREUD, 1930[1929]/1974) para enfatizar a constituição do sujeito no encontro com o
outro.
Para esta discussão vale recorrer ao auxílio de Borch-Jacobsen (1991), o qual
empreende uma investigação sobre os laços aventados por Freud, concluindo que estes
são fortemente marcados pelo ideário político moderno, portanto, dependentes de um
chefe guardião do aspecto coeso da coletividade. Entretanto, o autor reconhece na noção
de identificação primária a possibilidade de aventar um laço anterior à sociedade
triangular, dependente do eu, do objeto e, especialmente, de um modelo externo
(BORCH-JACOBSEN, 1991). Assim sendo, a identificação primária é a prova cabal de
que no pensamento freud iano há também margem para um laço que escapa ao Édipo,
por ser mais imediato e anterior a este (FREUD, 1921/1974) e, como tal, um laço
desvencilhado da submissão a um chefe tomado como modelo.

10
Com vistas a esclarecer esta assertiva, valer trazer para a dis cussão a diferença entre transcendente e
transcendental. O primeiro termo diz respeito a um fundamento que está para além daquilo que configura,
ao passo que o segundo constitui “as condições da experiência real de uma determinada configuração”
(HERZOG, 1999, p. 71). O transcendental, portanto, não extrapola os limites de uma experimentação
imanente e não está dado de saída, mas é evocado em termos processuais (HERZOG, 1999).
11
A noção de sujeito em psicanálise já evoca por si só a dimensão da singularidade, da diferença.
Entretanto, os termos estão utilizados em conjunto como recurso enfático para marcar a necessidade de
uma diferenciação por parte do sujeito para que se constitua enquanto tal.

100
Entretanto, ainda que esta leitura tenha sido depreendida dos textos freudianos,
não podemos esquecer que seu pensamento também comporta uma perspectiva distinta.
Isto se confirma na noção de o supereu ser o herdeiro de uma moral transcendente,
falando a favor da universalidade do complexo edípico (FREUD, 1923/1974). Também
é o caso do caráter universal conferido à identificação com uma instância superior como
condição de possibilidade para a identificação com os demais (FREUD, 1921/1974).
Contudo, fazendo eco à proposta de promover um embate de Freud com Freud, a visada
anteriormente destacada - aquela da constituição no encontro com um outro - será
realçada.
Sendo assim, o que parece mais importante não é questionar em absoluto a
presença fundamental do sentimento de culpa para a identificação, mas a necessidade de
este sentimento estar referido a um universal e da universalidade da presença deste, na
versão como foi aventado por Freud, para o estabelecimento de laços entre os sujeitos.
Para dar conta de tal tarefa passaremos à discussão relativa ao conceito de comunidade,
adiando um pouco mais o esforço de positivação do sintoma como forma de resistência,
esperando que o debate a ser realizado beneficie a compreensão da resistência expressa
no sintoma.

Por uma comunidade da singularidade qualquer


Em um esforço para pensar o estatuto da comunidade na atualidade o filósofo
Peter Pál Pelbart (2002) retoma a discussão de expoentes pensadores sobre o assunto.
Um ponto de concordância entre diferentes linhas de pensamento é o intento para
chegar a uma diferenciação da figura de comunidade corriqueira na tradição ocidental,
tomada como um contraponto à idéia de sociedade 12 . Nesta perspectiva, a comunidade é
entendida como aquilo que a sociedade destruiu, sendo pois atrelada a uma época
perdida, cujas marcas identitárias precisariam ser permanentemente resgatadas pela
formação de uma comunidade. A tradição ocidental entende a constituição da
comunidade a partir da hierarquia e da filiação rumo ao resgate de características
perdidas em tom nostálgico. O projeto de busca pela comunidade equivale a uma

12
Ao longo deste trabalho os termos sociedade, civilização, coletividade e comunidade foram utilizados
indiscriminadamente como referências ao campo do social, dos vínculos entre os sujeitos. A partir de
agora, no entanto, o termo comunidade será destacado desta série para acompanhar as formulações de
PELBART (2002).

101
resposta da modernidade à perda de referenciais divinos: “a morte de Deus seria um
modo de se referir à morte da comunidade, e traria embutida essa promessa de uma
ressurreição possível” (PELBART, 2002, p. 97).
Em contrapartida, a tentativa de ultrapassar a noção supracitada postula a
comunidade no avesso dessa busca pelo tempo perdido. Isso porque sua assunção se dá
justamente naquilo que possui de fugidio, inapreensível e, em especial, de negação da
identid ade (PELBART, 2002). Ora, como aventar a comunidade nos termos daquilo que
faz frente à construção de uma identidade? A suposição soa inviável para os nossos
ouvidos modernos, acostumados à incansável busca pela unidade de suas nações, de
preferência sob a rubrica de uma língua em comum. Ademais, como pensar em termos
de regulação dos sujeitos e de suas identidades ou de uma moralidade a alcançar o
espaço do universal levando em conta este aspecto do inapreensível?
Com efeito, a comunidade atualiza o aparente horror da inconstância, do fugaz,
de uma recusa não traduzida nos moldes de uma luta de classes ou de um movimento
organizado com bottons a serem distribuídos. Ela é “feita da interrupção, fragmentação,
suspense, é feita dos seres singulares e seus encontros…” (PELBART, 2002, p. 99) e
como tal recusa qualquer tentativa de homogeneidade e massificação. Esta assertiva nos
remete ao trabalho anteriormente evocado da pulsão de morte colocado em favor de
Eros, como se a tendência da comunidade – se é que é possível falar em termos de uma
tendência propriamente dita – coincidisse com o movimento de Tânatos que vem em
defesa das singularidades. Aliás, a preservação da singularidade – qualquer que seja esta
- é indispensável para que o estatuto de comunidade continue sendo pertinente, o de
uma ‘comunidade da singularidade qualquer’ (PELBART, 2002).
Muito embora a comunidade não expresse um projeto pré- formatado de
resistência às tentativas de adequação e totalização, evidencia-se ela própria enquanto
resistência naquilo que revela de inapreensível. Isso equivale a dizer que não se
configura uma proposta previamente definida de oposição a uma lei estruturada, a uma
moral universalizada, de maneira a se contrapor a uma instância transcendente. Ao
contrário, é em uma eterna experimentação imanente que reside o seu potencial de
resistência (PELBART, 2002). Mas levando em conta a expressão máxima do singular
no registro da comunidade, do ‘singular qualquer’ que não pretende se unificar em uma
identidade, como pensar o encontro entre seus seres singulares? Seria possível aventar

102
laços entre estes ou estariam relegados a uma engessada condição solipsista de suas
particularidades, fadados à série de desencontros a partir dos quais nenhum vínculo se
configura?
É cabível afirmar um eterno desencontro dos seres singulares, pois suas
características são permanentemente inapreensíveis. Contudo, aí mesmo parece residir a
condição de possibilidade da comunidade. O vínculo se dá no reconhecimento de um
sujeito singular por um outro singular sem referência s a uma instância transcendente,
não com o intento de com o outro formar uma identidade, subsumindo características
que lhe eram próprias, mas no fugaz cruzamento de singularidades. É, portanto, no
desencontro de aspirações totalizantes que o legítimo encontro nos termos da
comunidade pode se dar. As considerações sobre o tema da comunidade trazem amplas
contribuições para a compreensão do sintoma como forma de resistência. Assim como
observado no tocante à comunidade, a vertente de resistência do sintoma exalta o que
nele há de inapreensível, fugidio, indomável. Este caráter inadaptável e irremediável do
sintoma não precisa conduzi- lo ao limbo da associalidade, pois como a leitura sobre a
comunidade permite supor, coloca-se a favor da singularidade do sujeito erigindo-se
como resistência à massificação levada a cabo por Eros. Tal resistência opera como
condição de possibilidade para que algo da ordem do encontro na comunidade possa
efetivamente vir a se dar.
Em contrapartida, o sintoma neurótico tomado exclusivamente nos termos da
formação de compromisso evidencia aquilo que pressupõe regulação, a tendência em se
adequar à ordem estabelecida. É irrefutável que haja também aí certa dose de
resistência, como foi apontado anteriormente, muito embora esta esteja circunscrita à
possibilidade de adaptação, conciliação dos desejos inconscientes e ditames morais. A
resistência reconhecida na formação de compromisso opõe-se à ordem estabelecida, ao
dispositivo proposto pelo analista que deve então levar o analisando a compreendê- la e
superá- la (FREUD, 1914/1974), dando continuidade a uma relação dialética a cujo fim
não parece crível se chegar. Trata-se da resistência que coloca em jogo a referência a
uma instância transcendente, evocando um eterno embate que só conheceria um fim
caso uma das partes fosse subsumida. Dessa forma, o que está em jogo é sim uma
resistência presente no sintoma, mas não uma resistência do sintoma, aquela que acaba

103
por implodir com qualquer referência a uma ordem transcendente e se revela
desajustada por excelência.
A resistência aqui tomada como do sintoma coloca em pauta a acepção política
do termo (GONDAR, 2003), extrapolando o conceito psicanalítico de oposição à
revelação de um conteúdo inconsciente. Nesse sentido, a resistência foi apresentada a
princípio fazendo frente à moral civilizada moderna, identificando no sintoma aquilo
que figurava como um resto da sociedade: inadaptável, inapreensível e ameaçador.
Além disso, foi tomada ao lado do sujeito por fazer face à ameaça de massificação, de
transformação dos sujeitos em ‘cupins’ (FREUD, 1930[1929]/1974), residindo aí toda a
potência singularizante que o sintoma conserva. Vale, porém, esclarecer que esta
acepção da resistência não se perde em um jogo dialético na busca da superação de seu
oponente. Ao contrário, mostra-se fugaz, de maneira a perder seu potencial mesmo de
resistir por ocasião de ser apreendida – como no caso da resistência reconhecida em
uma formação de compromisso, a resistência encontrada no sintoma. Assim sendo, uma
vez incorporada pelo jogo social, capturada por tentativas de regulação, deixa de ser
resistência em sua acepção primeira, perde-se mais uma vez, assim como algumas
estrelas podem ser percebidas apenas momentaneamente enquanto uma constelação que
no instante seguinte já escapou de nossa apreensão 13 .
Para positivar este viés de resistência reconhecido no sintoma é preciso lançar
mão do estatuto de comunidade anteriormente apresentado. Somente nessas condições é
cabível descolar o inadaptável e irredutível do sintoma de um caráter associal. Aliás, se
a partir de Freud é possível depreender o sintoma como associal, é possível considerá- lo
não como uma recusa frente ao campo do social, mas como a-moderno, veículo de
críticas dirigidas à moral moderna. Com efeito, o pensamento freudiano expõe severos
questionamentos à sociedade moderna, não ultrapassando o limite de estendê- los para
todo e qualquer tipo de sociedade ainda desconhecida (FREUD, 1925[1924]/1974).
Aventar o sintoma como representante da singularidade implica considerá- lo
‘singularidade qualquer’ a entrar em cena por ocasião de um cruzamento com outro
sujeito singular e, dessa maneira, não cabe ser tomado como associal. Ao contrário, a
resistência do sintoma coloca-se também como resistência à captura pelo

13
Esta analogia foi tomada de empréstimo de Walter Benjamin (1933/1994).

104
universalizante, conservando o território do sujeito e a possibilidade de um encontro
legítimo como o outro. Aí reside o seu caráter fundamental a ser positivado.

105
Considerações finais:
Resistir é preciso

A instigação que conduziu a pesquisa empreendida nesta dissertação recaiu


sobre a possibilidade de reconhecer no sintoma neurótico do qual Freud se ocupara uma
positividade no tocante aos laços sociais. Esta tarefa não poderia ser levada a cabo se a
concepção de associalidade atrelada à neurose não fosse questionada. O caráter associal
era aventado devido a dois motivos principais: a retirada para o mundo de fantasia e o
dispêndio de energia engendrado com a formação do sintoma e embate contra o mesmo.
No que diz respeito à atualização de fantasias mediante os sintomas, demonstramos
como estes não se colocavam propriamente avessos à realidade material, mas permitiam
que o terreno de tal realidade fosse mais uma vez alcançado (FREUD, 1912b/1974).
Isso porque se a fantasia poderia se contrapor à realidade material, o sintoma indicava
uma conciliação entre os desejos inconscientes e ‘as exigências da vida’, dentre as quais
podem ser lidas as necessidades impostas pela realidade material. Em segundo lugar,
com as tardias formulações freudianas sobre o mal-estar na civilização moderna vimos
que nem tudo circunscrito à esfera do civilizado deve ser útil, conforme exemplifica a
preocupação com a beleza. Dessa maneira, é como se um dispêndio de energia fosse até
mesmo necessário à inserção do sujeito na civilização, de modo que o sintoma também
não poderia ser taxado de associal exclusivamente por empreender um gasto energético.
A partir de tais constatações conclui-se que ao falar de uma suposta
associalidade do sintoma, Freud dirigia-se à sociedade moderna, tomando o sintoma
como um desajuste face aos ditames morais sustentados por tal sociedade. Nesse
sentido, convencionou-se chamar o sintoma não de associal, mas de a-moderno,
proposta fidedigna à postura do pai da psicanálise frente à cultura de sua época. Com
efeito, Freud permaneceu um defensor da subjetividade ameaçada pelas propostas
totalizantes da moral civilizada moderna, objetivando lançar luz sobre os fenômenos
tomados enquanto desajustados que, como tais, deveriam ser rechaçados. O sintoma
neurótico não se enquadrava na psicopatologia nomeada pela ciência na ocasião,
concorrendo para que este fosse tomado negativamente pelos médicos modernos.
Proposta diferente foi empreendida por Freud, que reconheceu na psicanálise a

106
possibilidade de retirar os fenômenos inexplicáveis da obscuridade, não para classificá-
los a partir de uma moral universalizada, de uma nosografia estanque e taxativa, mas
para neles encontrar acima de tudo uma produção do sujeito.
Dessa maneira, a investigação sobre o sintoma neurótico da qual este trabalho se
ocupou esteve desde o início marcada por sua interface com o social. Por este motivo,
foram abordadas as formulações sobre o sintoma neurótico que expunham uma
imbricação com a referida temática, tarefa colocada em marcha a partir de dois eixos
principais, a saber, o sintoma como formação de compromisso e a resistência expressa
no sintoma. No primeiro eixo reconhecemos no sintoma a possibilidade de adaptação à
moral civilizada, de forma que embora nessa dimensão seja encontrada uma resistência,
esta se restringe ao jogo conciliatório em pauta na relação entre os desejos inconscientes
e as exigências de regulação preconizadas pela moral civilizada. Acompanhando este
pensamento, é possível identificar uma resistência no sintoma, circunscrita à tentativa
de se contrapor à moral que se pretende universal. Dessa forma, o sintoma está
permanentemente capturado pelo embate dialético entre o que seria da ordem do sujeito
e aquilo que dita a moral civilizada.
A partir do segundo eixo percorremos os diversos textos que tratam da
resistência, em sua acepção mais comum, destinada a caracterizar aquilo que se
contrapõe à revelação de conteúdos inconscientes. Além disso, foi realizada a tentativa
de extrapolar esta vertente para apontar uma resistência primeira que o sintoma
descortina: a resistência do sintoma que faz frente aos movimentos massificantes que
podem chegar a subsumir o sujeito. Devido a esta característica, foi reconhecido aí o
trabalho da pulsão de morte, como pulsão anarquista, que se erige contra a tentativa de
unir partes cada vez maiores às expensas dos traços singulares do sujeito. A resistência
do sintoma, ao contrário da identificada no primeiro eixo, não coloca em pauta a
referência a uma instância transcendente, a partir de uma luta contra esta travada, mas
sim a pura resistência como uma recusa em ser capturada pelo jogo dialético, recusa a se
conciliar com a moral universalizante.
Nesta acepção, o sintoma neurótico freudiano colocava em xeque a moral
moderna, preconizando uma reforma social. Não que este fosse o objetivo primeiro do
sintoma, que de saída se revela despretensioso, sem inclinações utilitaristas. Todavia,
não deixava de trazer à baila questionamentos tanto para a moral da sociedade moderna

107
como aos saberes existentes até a ocasião que dos sintomas neuróticos eram incapazes
de dar conta. Freud já se referira ao sintoma como um apelo a mudanças, ao retomar
estudos que compreendiam neuroses de guerra observadas em soldados alemães “como
sendo um protesto do indivíduo contra o papel que se esperava que ele desempenhasse
no exército” (FREUD, 1921/1974, p. 121). Mas na ocasião a neurose figurava como o
inadaptável, o impossível de ser capturado pelo social, a menos que fosse pelo
desajuste, portanto sendo negativizado. Do ponto de vista da sociedade moderna, o
sintoma neurótico não passava de uma pedra no sapato a entravar as promessas
progressistas. Assim sendo, a resistência em jogo em uma organização neurótica
despontava apenas como o que deveria ser superado com vistas a atingir a remissão
sintomática. Tal perspectiva acabaria por relegar o sintoma em definitivo aos recônditos
da associalidade.
No entanto, a investigação levada a cabo no último capítulo procurou desatrelar
a dimensão de resistência encontrada no sintoma, assim como a resistência do sintoma -
tomada em sua acepção política – do caráter associal. Isso porque vem em defesa da
singularidade, daquilo que não se permite capturar pela massificação a que o social pode
chegar. A figura da comunidade foi tomada de empréstimo para que fosse possível
aventar o âmbito do social sem estar referido a uma instância transcendente
(PELBART, 2002). A comunidade se dá na permanente afirmação das singularidades,
das diferenças, de tudo que escapa às tentativas de totalização. Desse modo, a
resistência do sintoma se erige como um operador dos encontros legítimos que ocorrem
na esfera da comunidade, posto que não cessa de defender o espaço singular dos
sujeitos, as suas diferenças.
Pensar em termos de uma comunidade já constitui um passo além da sociedade
moderna da época freudiana, marcada pela impossibilidade de vinculação com os
demais sem o laço prévio com o líder (FREUD, 1921/1974). E com relação aos
sintomas? Será que é possível identificar nos sintomas de hoje similaridades com
aqueles analisados por Freud? Trata-se de uma consideração quase inequívoca o fato de
atualmente os analistas se verem diante de sintomas diversos daqueles da ocasião da

108
ascensão da psicanálise 1 . Estes se diferenciam do modelo clássico de neurose, o qual
pressupunha um conflito atrelado à dimensão do recalque.
Frente aos denominados ‘novos sintomas’ há aqueles que afirmam serem
decorrentes de uma falha psíquica, muitas vezes na própria constituição do sujeito,
impossibilitando a formação de uma neurose à maneira das enfermidades histéricas da
Modernidade. Há também os que pensam em uma perversão generalizada, colocando
em xeque a obediência às leis, assertiva responsável por fomentar a idéia de um colapso
social em tom catastrófico. Não menos raras são as formulações que vêem na atualidade
um incremento das psicoses, ainda que não sejam identificadas àquelas mencionadas
por Freud, colocando em pauta sempre uma discussão referida à nosografia freudiana
que acaba por recair em um imperativo classificatório. Este movimento acaba se
traduzindo em um esforço para fazer caberem as formações sintomáticas de nossa época
naquelas já aventadas pela psicanálise.
Com efeito, cons ideramos que cada época tem os seus próprios sintomas
(HERZOG, 2006), tratando-os à sua maneira. Todavia, a postura frente aos sintomas
presentes em nossa sociedade não poucas vezes se assemelha àquela tomada pelos
cientistas contemporâneos de Freud. Ora, os sintomas histéricos surgiram como um
corpo estranho para a ciência moderna, a qual não possuía protocolos eficientes que
deles pudessem dar conta. Malgrado a dificuldade em circunscrevê- los aos saberes já
existentes, os estudiosos logo partiram em busca de quaisquer explicações, de
preferência que estivessem acopladas à possibilidade de superação das enfermidades
neuróticas. Por conta deste movimento os sintomas histéricos foram tomados como
índices de degenerescência ou até mesmo de desvios morais.
Não muito distante desta perspectiva, os sintomas de nossa época são tomados
como anúncio de um colapso social, sinais de sujeitos mal constituídos, inacabados,
apontando para sujeitos não-adaptados para o dispositivo analítico, cuja resistência
precisa ser transposta. Nesse sentido, porque não fazer eco à postura freudiana e retomar
o caráter inovador que remonta aos momentos iniciais da psicanálise? Porque não,
assim como Freud, reconhecer a potência dos sintomas como o que fala a favo r dos
sujeitos de maneira a não precipitar classificações reducionistas?

1
Embora a discussão sobre as diferentes hipóteses acerca do assunto não seja empreendida aqui, muitos
são os autores que já se dedicaram à temática, como por exemplo KRISTEVA (2002), MELMAN (2002)
e MILLER (2003).

109
A proposta delineada a partir dos questionamentos acima expostos não pretende
engessar os analistas em uma mera observação dos fenômenos atuais de braços
cruzados. É mister erigir tentativas de teorizar e constituir modos de lidar com as
patologias e o mal-estar de nossa época. Todavia, é igualmente eminente tentar positivá-
los, tal qual Freud fez com os sintomas histéricos. Gondar (2003) ressalta que a maneira
de entravar os projetos de homogeinização é responsável por singularizar uma
‘modalidade subjetiva’. Assim sendo, “um sintoma pode ser entendido simultaneamente
como expressão de sofrimento psíquico e como forma de resistência a injunções que se
pretendem universais” (GONDAR, 2003, p. 84). A autora analisa os sintomas de nossa
época como formas que escapam ao assujeitamento pretendido por nossa sociedade e
que, como tais, podem e devem ser positivados.
Desse modo, ainda que o que esteja em pauta atualmente não sejam os sintomas
neuróticos da época de Freud, é preciso resgatar a postura freudiana frente a tais
enfermidades em um esforço de retomar a psicanálise como a inovação que deu voz às
subjetividades tamponadas pela moral universalizante. Este movimento, vale afirmar,
não deve se restringir às patologias com as quais nos deparamos na atualidade, cujo
caráter inadaptável é marcante, mas deve ser estendido a todo e qualquer tipo de
patologia e mal-estar apresentados a um psicanalista. Esta afirmação é de suma
importância, pois estamos acostumados a ouvir que para os sintomas similares aos
analisados por Freud – para os neuróticos da atualidade - basta lançar mão do aparato
teórico-clínico dos primórdios da psicanálise, lançando mão do arsenal da interpretação,
atenção flutuant e, divã e superação das resistências. Em contrapartida, quando os
sintomas se apresentam de maneira diversa há que se partir em busca de outras
metodologias capazes de darem conta daquilo que escapa ao dispositivo analítico
clássico. Dessa maneira, é como se existissem ‘duas psicanálises’, cabendo ao analista
se utilizar de uma ou de outra conforme as exigências da subjetividade em pauta.
Esta postura, conforme Gondar (2006) instala um verdadeiro binarismo no seio
da psicanálise, às expensas da consideração da singularidade. Na medida em que as
subjetividades são divididas em duas partes, perde-se toda a potência das sutilezas em
jogo em uma modalidade subjetiva (GONDAR, 2006). Assim como o sintoma neurótico
analisado por Freud escapava dos saberes pré-existentes, sendo por estes repudiados,
também aqui corremos o risco de rechaçar tudo que não se enquadra em uma dessas

110
duas partes. Além disso, a necessidade de separar as subjetividades e,
conseqüentemente, a psicanálise a estas dirigidas dá ensejo a um furor classificatório
que acaba negativizando o inadaptável e inapreensível em jogo em uma formação
sintomática. A tentativa de capturar o que figura como um resto social peca por perder o
que fora nomeado nesta dissertação como o principal aspecto a ser positivado em um
sintoma, a saber, seu potencial de resistência. Nesse sentido, cabe até mesmo perguntar
se o sintoma neurótico, circunscrito a uma formação de compromisso, não se mostrou
anteriormente como pura resistência, a princípio inapreensível por um jogo
conciliatório. Dessa forma, as incessantes tentativas de nomeá- lo, classificá- lo e erigir
técnicas para eliminá- lo concorreriam para anular a sua possibilidade de resistência.
Com efeito, a psicanálise pode assumir um papel normativo frente aos sintomas
que se apresentam estranhos ao nosso repertório clínico. Cabe ao analista resistir à
tentação de tentar domá- lo para alcançar uma suposta normalidade (BIRMAN, 2007),
com o risco de perder o seu potencial de resistir, de falar a favor da singularidade. Esta
tomada de posição, cabe acrescentar, não deve ficar restrita aos chamados sintomas
inclassificáveis de nossa época, mas também ao velho conhecido sintoma neurótico que,
uma vez compreendido, interpretado e revelado acaba por perder sua dimensão de
resistência e recusa de adaptação. É preciso que o analista esteja sempre disposto a
reconhecer que a apreensão e elucidação de um sintoma trazem consigo a possibilidade
de perda de um dos seus aspectos mais essenciais.
Esta advertência não concorre para que a psicanálise fique de mãos atadas frente
ao inexplicável e aos impasses de nossa época, os quais não cessam de se apresentar
também ao nosso campo de conhecimento. Ao contrário, advertida deste incessante jogo
de encontros e desencontros propiciados pelos sintomas, não resta à psicanálise outra
saída senão avançar, mas avançar ciente de que a singularidade é soberana, cujas
manifestações não devem ser negativizadas ou ultrapassadas para a pretensa chegada à
normalidade. Frente à proposta de adaptação às demandas de nosso tempo resta à
psicanálise resistir.

111
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