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Guerra da Síria

geopolítica, território e territorialidades

Trabalho em Grupo de Geopolítica


Turma 2019

Geografia, UFSCar, Campus Sorocaba

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SUMÁRIO

I. Governo Bashar Al-Assad..............................................................................3


Giovanni Boletta Lopes, Graciele Aparecida da Silva, João Augusto Corrêa

II. As mulheres guerrilheiras do Curdistão...................................................10


Amanda Rodrigues, Letícia Garcia Rodrigues de Camargo, Letícia Lauane de
Souza

III. Estado Islâmico na Guerra da Síria: algumas considerações................17


ALMUDI, Dahra Araujo; CARRION, Mayara de Oliveira; CORDEIRO, Júlia;
MOREIRA, Alessandra

IV. O Exército Livre da Síria............................................................................21


Charles dos Santos Rodrigues, Felipe Ferreira Martins Pinto, Gabriel
Esmeraldino de Carvalho, Rafaela de Paula Bueno Ribeiro, Tomás
Carvalhaes Volpi

V. Hezbollah. Formação, atuações internacionais e aliados no mundo e


interação com a Síria.......................................................................................25
Lucas Pinheiro, Bruno Cardoso, Danilo Vacholz

VI. A relação da Palestina com o conflito na Síria.......................................29


Júlia Sabino Rodrigues Cunha, Keyla Priscilla Rosado Pereira, Maria
Guerchunoff

VII. A participação da Turquia na Guerra da Síria........................................33


Caroline de Souza Campos; Claudio Machado Junior, Gustavo Martins dos
Santos, Kauê de Sousa Silva, Larissa Corrêa Lima, Steffany Gonçalves Dadalto

VIII. Antecedentes e Resultados da Intervenção Russa na Síria................40


Bruno Veronez, Dimas Sewaybricker, Hélio Coelho, Ivan Dias

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I. Governo Bashar Al-Assad
Giovanni Boletta Lopes, Graciele Aparecida da Silva, João Augusto Corrêa

Introdução
Bashar Hafez al-Assad, nascido em Damasco em 11 de setembro de
1965, é presidente da Síria desde 2000, desde que foi eleito em um referendo
(onde ele era o único candidato) após a morte de Hafez al-Assad, pai e então
presidente do país por mais de 30 anos. Reeleito em 2007 e 2014, al-Assad teve
muita expectativa no início de seu mandato, porém não conseguiu manter uma
popularidade positiva, além do aumento de desemprego, desigualdade social e
pobreza. Em 2011, na Primavera Árabe, ocorreu um levante popular na capital
Damasco e em outras principais cidades do país, como Aleppo e Daraa.
Com estes protestos, al-Assad tentou tomar algumas medidas, mas sem
sucesso. Militantes continuavam nas ruas pedindo para que ele deixasse o
cargo. Sendo assim, descontente, principalmente pelo fato da maioria ser sunita
(e al-Assad xiita alauíta) o ditador enviou o exército as ruas para matar centenas
de militantes. Alguns reagiram e outros formaram grupos rebeldes, como o
Estado Islâmico. A guerra então continua até hoje.
Em 2012, rebeldes e simpatizantes do governo de al-Assad tomaram
Damasco e Aleppo. Assim, essas cidades foram cenários perfeitos para grupos
terroristas se consolidarem. Os Estados Unidos então resolveram apoiar o
exército curdo que ocupavam o norte da Síria, causando uma nova guerra dentro
de outra. Já em 2014, a Rússia (que tem forte ligação com a família al-Assad)
entra em jogo para fortalecer o governo fragilizado do ditador, que inclusive
ajudou este a tomar a cidade de Aleppo 2 anos depois. Após assumir o governo
dos Estados Unidos em 2017, Trump tentou se aproximar de al-Assad em prol
de um combate contra o Estado Islâmico. Entretanto, um ataque com armas
químicas na cidade de Khan Sheikhoun fez com que a postura do governo norte
americano mudasse, enviando mísseis para destruir a base de armas químicas
do governo sírio. Esse ataque químico sírio, segundo al-Assad, foi realizado por
rebeldes e não pelo seu governo.

Contexto histórico da Síria


O regime de governo da Síria é um dos mais repressores do Oriente
Médio, devido às restrições de liberdade e ações violentas contra qualquer
pessoa que seja suspeita de ameaçar a segurança nacional. O atual presidente
Bashar al-Assad é filho do ex-ditador Hafez al-Assad, que comandou o país de
forma truculenta por cerca de 30 anos. Os motivos da guerra na Síria estão
embasados nos processos históricos que envolvem uma disputa étnica e
religiosa que advém desde os tempos da antiguidade, incluindo a formação do
Estado e questões territoriais, que é um elemento que faz com que a Síria tenha
conflitos com Israel desde 1967.
A respeito das questões territoriais e político-religiosa, é necessário
voltar ao passado para analisar alguns eventos importantes que ocorreram. Em
1923 a França assumiu o controle do que veio a ser a Síria e o Líbano, depois
da queda do Império Otomano. As novas fronteiras desenhadas pelos europeus
foram responsáveis pelo confinamento de diversos povos dentro de um mesmo
território, sendo eles: os xiitas, sunitas, cristãos, judeus, russos e alauítas, o que
colaborou para uma grande diversidade étnica e contribuindo mais tarde, para o
beneficiamento de alguns povos em detrimento dos outros, por conta de

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estratégias da França, que pôs cargos importantes do governo e forças armadas
na mão de grupos minoritários, o que acabou privilegiando os xiitas, e
principalmente os alauítas, grupo em que Hafez al-Assad faz parte.
Após a saída da França em 1963 e a realização de golpes de Estado,
Hafez assumiu o poder e durante todo o seu governo, reprimiu os sunitas e teve
que lidar com uma guerra interna de baixa intensidade idealizada por uma
maioria contra seu governo autoritário. Este conflito interno atinge seu ápice em
1982, quando a cidade síria de Hama é bombardeada, deixando mais de 20 mil
sunitas sírios mortos, um verdadeiro massacre. Tal acontecimento pode ser
considerado como um dos motivos que colaboram com os conflitos que estamos
presenciando no momento histórico atual.

Grupos religiosos presentes na Síria


Sunitas e xiitas
A divisão entre esses dois ramos do Islã vem desde o ano de 632 e está
relacionada a forma como os seguidores da religião se dividiram em relação as
duas linhas sucessórias estabelecidas depois da morte do profeta Maomé, o
fundador do islamismo. Para além dos aspectos teológicos, entretanto, o que
importa é a influência dessa divisão política. Os xiitas (10% a 13% da população
muçulmana mundial) são mais rígidos na interpretação do Alcorão e muitas
vezes, estão ligados a figuras político-religiosas fortes e centralizadoras, como
no caso dos aiatolás xiitas no Irã. Já os sunitas (87% a 90% da Síria) são menos
centralizadores e, em alguns casos, ligados a governos mais próximos do
Ocidente, como a Arábia Saudita. Mesmo assim, sunitas lideram grupos
antiamericanos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico na Síria e no Iraque, não
apenas por questões religiosas, mas principalmente porque estes grupos estão
em países que são duramente atacados pelos americanos desde a Guerra do
Terror que se seguiu após a queda das Torres Gêmeas. Embora haja divisões
sectárias, o islamismo é um só e todos seguem o Alcorão e Maomé, costumam
dizer seus fiéis.

Alauítas
Os alauítas são uma corrente minoritária derivada do xiismo surgida no
ano 850 D.C. Alguns especialistas atribuem aos alauítas uma intenção
deliberada de se fazer confundir com os xiitas apenas como forma de proteção,
uma vez que eles sempre foram minoritários e religiosamente híbridos em termos
doutrinários. Os alauítas tem um calendário que mistura datas islâmicas e
cristãs, por exemplo, e acreditam na reencarnação. Hoje 10% da população da
Síria é alauíta.
O mapa a seguir, nos mostra as regiões da Síria onde existe a
presença e a distribuição das diversas etnias sobre o território.

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Fonte: IISS (Instituto Internacional de Estudos Estratégicos), agosto de
2011.

Questões territoriais
A dissolução do Império Otomano e a divisão do Oriente Médio entre as
potências européias determinou o fim da Grande Síria. O inglês Mark Sykes e o
francês François Picot assinaram um acordo que reconhecia para a Grã-
Bretanha a influência do Iraque inferior e os territórios ao sul do crescente fértil,
da Palestina ao Golfo Pérsico, enquanto a França reconheceu a influência sobre
a Síria e o Líbano, que se tornará, respectivamente, em 1924 e em 1926 duas
entidades estatais distintas com repercussões significativas especialmente para
a comunidade cristã presente no Líbano.
Para se opor ao nascente nacionalismo sírio, a França tentou corromper
a elite da cidade composta principalmente por famílias Muçulmanas sunitas que
possuíam a maior parte da terra agrícola e administravam as atividades
comerciais e industriais do país , tendo a política de dividir e governar, realizou
uma série de agrupamentos e divisões étnicas e religiosas tendo assim a criação
da "Troupe Speciàles du Levant" com a qual a França tentou aumentar as forças
separatistas da comunidade drusa e da comunidade alauíta síria, o que teria
grande repercussão na ascensão social da minoria alauíta.
Desde a era otomana, o poder na Síria era gerenciado por algumas
famílias, principalmente sunitas e cristãos ortodoxos dos grandes centros
urbanos do país. Com as reformas agrárias otomanas eles aumentaram seu
poder e foram fiadores dos interesses dos grandes proprietários de terras; aos
membros destas Famílias a França tinha então confiado a administração local
da Síria e Líbano.
Os primeiros impulsos nacionalistas começaram em 1925 da
comunidade drusa que tinha sido particularmente danificada por interferências
administrativas da França, crisando uma insurreição que mais tarde fora
derrubada pelas tropas francesas os resultados obtidos foram certamente
positivos: a revolta, para a qual os muçulmanos sunitas e cristãos unidos,
superaram as divisões étnicas locais criando uma luta nacional para alcançar a
independência da França. Em 1928, a França concordou em criar um governo
sírio e eleições para a assembleia constituinte. Os nacionalistas obtiveram a
maioria, mas a constituição elaborada em 1930 nunca foi aprovada por Paris.
O país conquistou a independência como uma república parlamentar em
24 de outubro de 1945, quando a Síria se tornou membro fundador da
Organização das Nações Unidas, um ato que legalmente pôs fim ao antigo

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domínio francês, embora as tropas francesas não tenham deixado o país até
abril de 1946.
Em 1948, a Síria entrou em guerra com Israel, saindo desta perdedora.
Sofreu ainda numerosos golpes militares. Em 1958, uniu-se ao Egito para formar
a República Árabe Unida (R.A.U.), da qual se separou depois do levantamento
militar de 28 de setembro de 1961, convertendo-se em República Síria.
Os laços entre Síria e Irã começaram nos anos 1980, quando a Síria foi
o único país árabe a apoiar o Irã na sua guerra de oito anos contra o Iraque.
Simultaneamente à crescente deterioração das relações com Israel, a Síria
passou a controlar militarmente o norte do Líbano, onde sustentou encontros
com as forças de Israel e se opôs à presença de forças estadunidenses. A Síria
se caracterizou, durante a permanência de suas tropas no Líbano, pela sua
oposição a todos os planos de paz dos Estados Unidos para o Oriente Médio, e
por proteger Damasco das facções da Organização para a Libertação da
Palestina (OLP) opostas a Yasser Arafat, enquanto no Líbano a figura de al-
Assad aparecia a princípios de 1986 como a do inevitável mediador para
qualquer solução de fundo nos assuntos político-religiosos daquele país.
O país ficou sob estado de exceção de 1963 até 2011, o que dava as
forças de segurança a autoridade de prender qualquer um que quisessem sem
declarar um motivo. Movimentos pró-democracia liderados, na maioria das
vezes, pela Irmandade Muçulmana, foram mal recepcionados pelo governo que
reprimia qualquer manifestação de oposição. Todos os partidos políticos foram
banidos da Síria, fazendo do partido do governo o único a concorrer nas eleições.
Assim surgiram os protestos pediam reformas no governo e que
houvesse mais democracia, instituição do pluripartidarismo, mais empregos,
melhores condições de vida etc. Os primeiros protestos concentraram-se nas
cidades de Daraa e na capital, Damasco. Como a repressão do governo de
Bashar al-Assad foi violenta, os protestos espalharam-se por todo o país,
inclusive pela maior cidade da Síria, Aleppo.
A guerra começou quando os grupos que atuavam nos protestos
juntaram-se aos militares desertores e formaram milícias armadas. Essas
milícias armadas tinham como objetivo revidar a violência do governo e expulsar
as tropas do exército sírio de suas cidades. A resposta de Bashar al-Assad foi
impor mais repressão e, assim, a violência espalhou-se por todo o país.
A guerra civil na Síria mobilizou inicialmente a oposição representada
pelo Exército Livre da Síria (ELS) contra as tropas do governo sírio. O ELS surgiu
a partir da mobilização de civis durante os protestos da Primavera Árabe. Ao se
juntar com militares desertores, formaram esse grupo armado que se oficializou
em julho de 2011. O ELS é considerado como um grupo de origem secular, ou
seja, que não está vinculado a nenhuma tendência religiosa. Representa a ala
moderada da oposição.
À medida que o conflito avançou, outros grupos rebeldes foram surgindo,
mas de orientação extremista. O maior desses grupos rebeldes extremistas é
a Frente Fateh al-Sham (antiga Frente Al-Nusra), de orientação sunita. Esse
grupo, até julho de 2016, era o braço armado da Al-Qaeda na Síria. A
desvinculação da Frente Fateh al-Sham da Al-Qaeda, até onde se sabe,
aconteceu pacificamente
A partir de 2013, aproveitando-se do caos da guerra civil na Síria e no
Iraque, um grupo autoproclamado Estado Islâmico (EI, ou ad-Dawlah al-
Islāmīyah) começou a reivindicar territórios na região. Lutando inicialmente ao

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lado da oposição síria, as forças desta organização passaram a atacar qualquer
uma das facções (sejam apoiadoras ou contrárias a Assad) envolvidas no
conflito, buscando hegemonia total. Em junho de 2014, militantes deste grupo
proclamaram um Califado na região, com seu líder, Abu Bakr al-Baghdadi, como
o califa. Eles rapidamente iniciaram uma grande expansão militar, sobrepujando
rivais e impondo a sharia (lei islâmica) nos territórios que controlavam. Então,
diversas nações ocidentais, como os Estados Unidos, as nações da OTAN na
Europa, e países do mundo árabe, temendo que o fortalecimento do EI
representasse uma ameaça a sua própria segurança e a estabilidade da região,
iniciaram uma intervenção armada contra os extremistas.

Aliados do governo sírio e as negociações atuais


Aliados internos
Devido à emergência de grupos radicais como o Estado Islâmico,
que são contrários ao regime ditatorial de Bashar al-Assad ou que possuem
outros interesses, certo que não existe uma unidade concreta destes grupos, faz
com a resolução deste conflito fique cada vez mais distante, simultaneamente
vão surgindo grupos armados, apoiadores do governo lutando contra os
extremistas.
Um exemplo disso é a milícia das Brigadas de Baath. Estando
ligada ao partido de Bashar, esta milícia atua nas áreas onde os rebeldes se
aproveitam da inexistência de tropas. As milícias impedem que esses rebeldes
se instalem no território e impedem a instalação de seus “califados”, que
espalham o terror através de uma postura político-ideológica e que inclui a
escravização das mulheres.
Outro exemplo de resistência ao Estado Islâmico dentro do
território da Síria vem dos curdos, um povo que habita não só essa região, como
também o Iraque (Curdos do Sul) e a Turquia (Curdos do Norte) há muito tempo.
É um povo que possui suas particularidades e que já vinha lutando por interesses
inerentes antes mesmo da guerra da Síria. Os curdos da Turquia e da Síria
buscam por autonomia através de um confederalismo democrático, para garantir
o reconhecimento desse povo, sem que ocorra uma separação territorial, mas,
uma sobreposição. Num primeiro momento, a população curda estava à mercê
da vulnerabilidade perante os ataques do Estado Islâmico, porém no decorrer
dos acontecimentos a situação começou a mudar, e esta população começou a
pegar em armas e a formar um exército composto por mulheres. Assim os
extremistas foram pouco a pouco perdendo espaço neste combate, devido ao
ataque dos curdos.

Aliados externos
O Irã, assim como a Síria possui um governo autoritário e também sofreu
com a ocorrência de manifestações populares que eclodiram em diversos países
do Oriente Médio em meados de 2011, que ficaram conhecidas como “Primavera
Árabe”. Estas revoltas populares contra os regimes autoritários vigentes no
mundo árabe indicam a emergência de um Estado regido por leis laicas, plural
favorecendo a construção de um cenário democrático.
O governo iraniano logo tratou de abafar as manifestações
populares devido à insatisfação crescente da população, com a falta de
democracia e escândalos de corrupção, algo que representa uma ameaça a este
governo assentado na teocracia. O país possui uma relação histórica

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significativa com a Síria, que foi sua aliada durante a guerra Irã-Iraque (1980).
Os dois países também possuem posições de apoio ao Hezbollah, grupo
terrorista que atua no Líbano, oposições a Israel. Não podemos esquecer que o
Irã é um país que conta com um programa nuclear fortemente voltado ao
enriquecimento de uranio.
Já o apoio da Rússia perante o governo da Síria advém das
relações constituídas desde os tempos da Ex-URSS, onde o principal objetivo
tem sido se contrapor aos ideais dos Estados Unidos, que utilizam estratégias
variadas como a imposição de ideias da democracia ocidental em países como
Iraque, Afeganistão, Paquistão e Líbia. A atuação dos EUA nesta guerra é um
tanto contraditória, pois com a derrubada de Assad do poder, o que interessa
aos EUA, abre-se uma grande possibilidade de extremistas assumirem o poder
e os danos à população civil ser ainda maior. Cabe lembrar que a Rússia é uma
das principais fornecedoras de armamento a Síria.

Negociações para o cessar-fogo


Bashar al-Assad é extremamente acusado por desrespeitar os
Direitos Humanos pela ONU (Organização das Nações Unidas). Algumas ações
começaram a ser colocadas em prática em 2012 depois de uma série de
acusações apresentadas ao Conselho de Segurança (CS). Diversas resoluções
foram aprovadas, com o intuito de retirar armas pesadas e tropas de áreas
populacionais, para facilitar o acesso de ajuda humanitária, a circulação livre de
jornalistas, e a libertação de pessoas detidas de forma arbitraria.
A Rússia e a China sendo aliados de Bashar e também compondo o
Conselho de Segurança, acabam vetando as resoluções citadas logo acima,
resultando um cenário instável para a resolução do conflito na Síria. A população
civil começa a imigrar para a Turquia e países europeus para fugir da guerra, em
2013 o número de refugiados chegou a dois milhões de pessoas,
sobrecarregando os países receptores. O Brasil é um dos países que receberam
imigrantes sírios e demais advindos do Oriente Médio.
As negociações em busca de uma trégua foram fracassadas e a situação
atingiu um grau alarmante a partir do momento em que o governo sírio utilizou-
se de armas químicas, algo que é extremamente proibido no que diz o Direito
Internacional, atingindo a população civil, principalmente crianças e fazendo
mais vítimas fatais, o que fez com que os EUA, França e Reino Unido,
bombardeassem diversas áreas do país como forma de retaliação a este ataque
químico.

Foto emblemática de uma criança síria morta na beira da praia na


tentativa de se refugiar. Fonte: noticiasanarquistas.noblogs.org, setembro de
2015.

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REFERÊNCIAS
Biografia: Quem é Bashar al-Assad e suas principais ações como ditador Sírio.
Terra Educação. Disponível em: <https://www.estudopratico.com.br/biografia-
quem-e-bashar-al-assad-e-suas-principais-acoes-como-ditador-sirio/>. Acesso
em: jun.2019.
FURTADO, G., RODER, H., AGUILLAR, S. L. C. A Guerra Civil Síria, O Oriente
Médio E O Sistema Internacional. Séries Conflitos Internacionais V.1, n. 6 –
dezembro de 2014.
Guerra na Síria: dos protestos de rua à ação das superpotências. Nexo Jornal.
Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/explicado/>. Acesso em:
jun.2019.
ZAHREDDINE, D. A Crise Na Síria (2011-2013): Uma Análise Multifatorial.
Conjuntura Austral. Disponível em:
<https://www.seer.ufrgs.br/ConjunturaAustral/article/view/43387>. Acesso em:
jun.2019.

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II. As mulheres guerrilheiras do Curdistão.
Amanda Rodrigues, Letícia Garcia Rodrigues de Camargo, Letícia Lauane de
Souza

Introdução:
O território do Curdistão se situa na antiga Mesopotâmia, em áreas da
Síria, o Iraque, o Irã e a Turquia, lá vive um povo de uma cultura muito antiga
que tem suas raízes na civilização suméria. Recentemente são considerados a
maior população mundial sem um território próprio reconhecido, sendo uma
nacionalidade oprimida e que foi duramente reprimida quando lutou para tentar
reverter esta situação.

Imagem 1: Mapa representando a área Curda. Os curdos constituem o


maior grupo étnico sem território, excedendo 24 milhões de pessoas. Os
movimentos separatistas mais intensos ocorrem na Turquia, através do Partido
dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), e no Iraque, onde o governo local
reprime essa minoria, já que, a região é riquíssima em petróleo, especialmente
na cidade de Kirkuk. Fonte: Adap. Simielli, 2000.

A questão Curda presente no Oriente Médio, perpassa por sérios


problemas, dentre eles as disputas territoriais e o terrorismo. Mas um século
atrás, em 1923, com o fim da primeira guerra mundial o Oriente Médio foi
dividido, num encontro promovido pela iniciativa da França, Inglaterra, Turquia e
outros países. Isto acabou resultando na divisão do Curdistão em quatro partes,
distribuindo-se entre Turquia, Irã, Iraque e Síria, criando assim, os Estados
artificiais e gerando algumas complicações, deixando curdos, palestinos e outros
povos sem Estado. Desde a década de 20, do século XX existe uma história de
resistência por um Estado nacional, e lutas por questões específicas da liberdade
cultural, subvertendo o sistema social vigente.
As mulheres ganham espaço na luta nos anos 90, quando o Movimento
Curdo mudou sua ideologia. As mulheres começam a lutar nas montanhas,
surgindo assim, o debate sobre a necessidade de transformar o modelo

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patriarcal de sociedade. As manifestações curdas, apesar de terem curta
duração devido às dispersões promovidas pelo aparato de segurança, eram bem
organizadas e regulares, além de serem contínuas e assíduas.
Atualmente a mídia vem dando visibilidade a esse assunto, seja por
conta das reações que os Curdos demostraram frente ao Estado Islâmico, seja
pela própria Guerra Civil da Síria, com parte do Norte da Síria sendo “tomado”
pelos Curdos, organizando-se de acordo com suas ideais autonomistas na
região de Rojava. Dessa forma, o povo Curdo teve em cada país uma história de
resistência com a mulher como agente da revolução.
Tal problemática discorre da reivindicação dos Curdos para o
estabelecimento de seu território, o Curdistão. Motivo o qual, induz a constantes
perseguições por onde estão espalhados entre estes quatro países. São
considerados um perigo para a soberania dos países, já que, para a criação do
Confederalismo Democrático Curdo (OCALAN,2015) países teriam que perder
parte do controle dos seus territórios. E nesta dinâmica estão as mulheres
Curdas buscando defender o Curdistão e aniquilar com o patriarcado e o
capitalismo que são os cernes da opressão.

O Povo Curdo e a importante atuação das mulheres guerrilheiras


em defesa do Curdistão:
As demandas dos curdos podem ser elencadas em três categorias:
culturais, linguísticas e políticas. Os direitos linguísticos resumiam-se na
demanda do reconhecimento e descriminalização da língua curda e o direito de
ensiná-la e aprendê-la nas escolas; os direitos culturais, na concessão para
preservar a identidade cultural curda, promovendo festivais e celebrando a
literatura, música e dança curda; os direitos políticos, na pretensão do
reconhecimento constitucional dos curdos como minoria étnica na Síria.
A proposta alternativa surgida perante esse cenário conflituoso foi o
Confederalismo Democrático, sistema sem um Estado centralizado, com
mulheres que desempenham um protagonismo central para a construção de
uma sociedade livre, uma vez que, a libertação das mulheres é a primeira
condição para uma sociedade livre. Ainda faz uma crítica a perspectiva marxista-
leninista, a libertação das mulheres subordinada à construção do Estado e da
nação, avaliaram isso como um erro, pois, uma sociedade só pode ser livre com
a libertação das mulheres. As mulheres estão na linha de frente e lutam armadas,
não só contra o regime de Assad e contra o Estado Islâmico, mas também contra
a mentalidade patriarcal. O fato desse modelo ser um sistema sem Estado, onde
as mulheres são protagonistas é um perigo para a Síria e para os países
patriarcais do Oriente Médio e para os países imperialistas.
Muitos governos se opõem ou ameaçam os curdos por sua escolha
pela libertação nacional. Os EUA e a União Europeia condenaram a decisão do
povo curdo, e decretam a renúncia à independência. O governo russo também
admitiu rejeitar um Curdistão independente. Pois, eles querem os curdos
oprimidos e esmagados sob a repressão dos governos dos países que ocupam
a região, ficando assim, submissos aos seus interesses. No entanto, as
respostas mais agressivas derivaram do Iraque e da Turquia, onde ambos os
países ameaçam bombardear e invadir militarmente a região curda do Iraque. Já
o Irã dirigiu expedientes militares em áreas próximas à fronteira com o Curdistão
do Iraque, como forma de intimidação. Além de um repulsivo silêncio por parte
de todos os que diziam defender os curdos nos últimos anos.

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Um conflito local relevante de ser explanado é o de Kobani, uma cidade
independente curda, que faz parte do Curdistão Sírio, também chamada de
Rojava (oeste em curdo). Contando com outras sete cidades que também fazem
parte de rojava. Localizada na fronteira entre Síria e Turquia, Kobani se
encontrou desde setembro de 2012 sob forte ataque dos jihadistas do EI (Estado
Islâmico), contra o qual guerrilheiros do YPG (Unidades de Defesa do Povo) vêm
travando heroica resistência. O YPG é um exército guerrilheiro de maioria curda,
mas tem em seus alinhamentos outras nacionalidades, e até combatentes
cristãos. Foi fundado em 2004 pelo PYD (Partido da União Democrática),
articulado ao PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) e iniciou sua ação
armada durante a guerra civil síria em 2011.
No dia 19 de julho de 2012 conseguiu libertar Kobani das tropas de
Assad e nos cinco dias seguintes libertou as demais cidades. Sua forma de
organização se dá de modo democrático, com a eleição de seus líderes.
Contudo, um dos maiores destaques é a brigada de mulheres a YPJ (Unidade
de Defesa das Mulheres), que conta com cerca de sete mil guerrilheiras.
Gradualmente, novas combatentes se graduam e ingressam nas unidades do
exército guerrilheiro. Além disso, organizam com outras mulheres comitês de
defesa que têm sido essenciais na defesa de Kobani contra a tentativa de
invasão do Estado Islâmico.
Dessa forma as YPG e YPJ vem protegendo palmo a palmo as cidades
curdas e a região de Rojava. Tanto que nem mesmo os bombardeios ianques
causam tanto temor aos jihadistas do EI quanto as balas das combatentes
curdas, já que eles acreditam que caem em desgraça e vão para o inferno se
forem mortos por uma mulher, ou seja, ser morto por uma mulher significa que
eles não irão para o paraíso.
Narin Afrin (Mayssa Abdo) de 40 anos, comandante do YPG junto a
Mahmud Barjodan, adotou esse nome em homenagem a sua cidade natal e
declarou em rede social: “Vamos lutar até a última bala para proteger os civis. É
uma luta por todos nós, uma luta pela liberdade”. (Ruic,2014)
Por esse ângulo, a YPJ também conhecida como Unidade de Proteção
da Mulher, a qual foi criada em 2012 está atualmente envolvida na luta em defesa
da cidade de Kobani na fronteira da Síria com a Turquia. A milícia é formada só
por mulheres e surgiu a partir do movimento de resistência curda na luta para
defender o povo curdo de ataques do governo Sírio, Al Qaeda e agora do ISIS.
Realizando uma revolução histórica nas raízes desta sociedade.

O conflito territorial – A luta por recursos naturais:


O povo curdo anseia alcançar sua independência política e territorial
do Irã, Iraque, Síria e Turquia. Desde o início da luta por autonomia, o povo vem
sofrendo combates violentos, sobretudo pelo Iraque e a Turquia. Uma porção
de curdos está situada em uma região rica em petróleo no Iraque, em função
disso, na década de 80, o ditador Saddam Hussein utilizou armas químicas,
eliminando cerca de 5.000 curdos. Dessa forma, a questão do petróleo está
intrinsecamente ligada à segurança do Estado, e as estratégia e a
independência, pois há grande dependência do povo sobre os produtos do
petróleo, uma vez que este possui o risco potencial de esgotamento.
Ao se tratar do Curdistão, a questão do petróleo é fundamental para a
constituição de uma infraestrutura independente, mesmo que já se tenha feito
um avanço significativo no percurso em direção à independência. Portanto, o

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petróleo tem sido uma das preocupações elementares da liderança curda, pois,
se refere a uma fonte crucial para a construção e o estabelecimento da região
do Curdistão. Logo, a luta pelo petróleo, desde sua produção até sua
distribuição, está hoje entre as maiores problemáticas para as regiões curdas.
Portanto a liderança curda frente as questões do petróleo e a ausência
de uma lei sobre este recurso natural levou o Curdistão a tonificar suas
capacidades de exportá-lo de maneira independente. Por um lado, a região
curda encontra-se localiza em um local propício para exportar petróleo à Turquia,
aos países do Mediterrâneo e à Europa, no entanto, por outro lado, o governo
local do mesmo modo abriu a porta ao trabalho com companhias petrolíferas
internacionais que são entusiastas da ideia de investir na região, haja vista, os
vastos benefícios que têm garantidos, em comparação com os negócios com
Bagdá.
Deste modo, disputas entre os curdos e a capital iraquiana vem se
intensificando frente a questões de legalidade a respeito dos contratos
petrolíferos. A região curda alega que Bagdá lhe deve mais de US$ 1,5 bilhão
em pagamentos pelo petróleo, em contrapartida, autoridades iraquianas rotulam
os curdos de contrabandear diversas cargas do recurso para a Turquia e para o
Irã ilegalmente, além disso, eles exigem que a produção curda de petróleo seja
comprimida de 175 mil barris por dia para 60 ou 70 mil. (Portal Vermelho, 2014).
Neste sentido, é preciso ressaltar o recente acordo assinado entre
Ancara (Turquia) e Erbil (Curdistão), já que, se trata de um acordo bilionário que
não só ampliará a estratégia petrolífera da região curda, bem como, resultará em
um Curdistão como fornecedor de petróleo para o exterior pela primeira vez na
história. Para mais, há rumores que diz que os curdos fornecerão 10 bilhões de
metros cúbicos de gás para o estrangeiro por meio de um gasoduto separado,
que percorre mediante a Turquia. Este acordo será parte da estratégia curda
para desenvolver seus recursos energéticos.
Portanto, as Reservas de petróleo na região são apreciadas em cerca
de 45 bilhões de barris e esses recursos são, de fato, o que leva a batalha pelo
petróleo para além das disputas políticas nas fronteiras dos países com o
Curdistão, rumo a uma questão de segurança política e estratégica. (Portal
Vermelho, 2014)
Além de todos esses embates pelo petróleo, os povos curdos ainda
perpassam por conflitos pela água e pelo solo fértil. Dogan (2015), antropólogo
curdo, lembra da importância do controle da água na região. Na extensão do
Crescente Fértil no Oriente Médio encontram-se dois rios, o Tigre e o Eufrates,
que foram e ainda são indispensáveis para a vida nessa região, os quais, são
responsáveis pela maior fonte de agua doce ali e exercem importante papel nas
relações político-diplomáticas entre a Síria e a Turquia até no presente momento,
sem contar que, a fertilidade do solo e os elevados níveis de produção agrícola
nos territórios equivalentes ao Curdistão fazem com que todas tentativas de
autonomia e independência das regiões curdas, atualmente, resultem em
rigorosas punições pelos Estados.

O Confederalismo Democrático – Democracia como método:


Os seres humanos almejam por liberdade e buscam atualmente
maneiras de organização social que contemplem esse desejo, ressignificando a
sua existência. Nesse sentido são desenvolvidas, de acordo com Dirik (2016),
coletivos, comunas, cooperativas e movimentos de autodefesa popular contra o

13
capitalismo, o Estado e o patriarcado. No entanto, esses povos são enxergados
de modo negativo, como se lhe faltasse algo, que segundo Dirik (2016) é o
Estado, enfrentando assim a exclusão, tendo em vista que o Estado é assimilado
como consequência do processo de civilização, sendo este, um fator para o
progresso do meio social, porém, o sistema social e econômico vigente não
contempla o querer de diversos grupos da população, fazendo com que estes
desenvolvam resistências, realizando a criação de novos ideais para as
vivências humanas, como o caso do Curdistão, onde se desenvolveu um sistema
político centrado em valores comunais, o denominado Confederalismo
Democrático.
A história desta revolução na ordem estatal se deu a partir dos anos de
1990, com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Tal ideologia se
cristalizou por meio dos estudos da região do Curdistão e do Oriente médio, bem
como o poder do capitalismo e de questões ecológicas. Segundo Dirik (2016)
“Ocalan conclui que a razão para o problema da liberdade dos povos não era
falta de Estado, mas a emergência do Estado” (pág.18). A proposta para mudar
este quadro se dá por meio de uma síntese do patriarcado, capitalismo e Estado-
nação sendo uma maneira de subverter esta dominação existente, nesse
sentido, o Confederalismo Democrático surge pautado na libertação do gênero
feminino na ecologia e na democracia de base. De acordo com Dirik,
“O Confederalismo Democrático é um modelo social, político e
econômico de autoadministração de diferentes povos, liderado pelas mulheres e
pela juventude. Tenta expressar de forma prática a vontade do povo através de
uma visão da democracia como método em vez de um objetivo. É uma
democracia sem Estado”. (Dirik,2016 pág. 19).
Esta estrutura é vivenciada por meio das comunas, sendo estas auto
organizadas visando o bem comum, possuindo comitês que trabalham em
diferentes questões para gerir a vida em comunidade, havendo assim, comitês
da paz e justiça, economia, segurança, educação, mulheres, juventude e
serviços sociais, garantindo a dinâmica democrática. É de suma importância citar
Rojava, que é o Curdistão Ocidental, situado na Síria, e que conseguiu colocar
o Confederalismo Democrático em prática, com mulheres organizando as
estruturas sociais e revolucionando suas vidas e de toda a comunidade. Para o
povo de Rojava, segundo Dirik,
“com objetivo de defender valores revolucionários para além da guerra,
é preciso uma visão econômica calibrada para criar uma economia socialmente
justa, ecológica e feminista que possa sustentar uma população empobrecida,
traumatizada e brutalizada” (Dirik,2016 pág. 23).
Contudo, o Confederalismo Democrático oferece uma perspectiva para
a liberdade e a construção de uma nova sociedade moral e política, dando poder
ao povo que agora escreve sua própria história, obviamente ainda, tem-se um
longo caminho a trilhar, pois sabe-se que, os valores da estrutura dominante
estão introjetados, porém através de muita luta e resistência e educação é
possível subverter esta lógica.

Mulheres Curdas – Existir significa resistir:


Os pilares da sociedade estão pautados na dominação da mulher, uma
vez que, de acordo com (Ocalan apud Dirik, 2016), a hierarquia de gênero é a
primeira de todas as demais hierarquias sociais. Sendo assim, as mulheres
Curdas são frutos de uma sociedade de bases patriarcais que as dominam e em

14
suas estruturas as odeiam, uma vez que, negam toda e qualquer forma de
liberdade, restando as mulheres apenas o arquetípico clássico de gênero que
configura a sua existência, excluindo de maneira sistemática as mulheres da
política, da economia e da guerra.
É válido ressaltar, as violências que a institucionalização do domínio
masculino causa nesta sociedade, tendo em vista que, estas são obrigadas a
casarem. Pratica-se “o preço da noiva” e há os casamentos com crianças,
violências domésticas, e ainda, os assassinatos por honra. Deste modo, há um
nacionalismo tribal em conjunto com uma sociedade patriarcal sexista que
impregnam em todas os âmbitos da vida deste povo, resultando em um
conservadorismo distintivo e uma obediência servil. E com o Estado Islâmico
houve o agravamento da crise humanitária e as mulheres passaram a ser alvo
deste grupo por meio de estupros, sequestros, mutilações gerando inúmeras
mortes, fomentando a emergência de uma revolução.
Diante deste contexto, as mulheres Curdas vão para linha de frente
contra o EI, não apenas para combatê-los, mas também contra o
fundamentalismo, o patriarcalismo e toda violência no que diga respeito ao
gênero feminino, sendo este momento um grito de liberdade.
A revolução da mulher é uma revolução dentro dá revolução. Quanto
mais as mulheres se empoderam, mas elas recuperam sua personalidade livre
e sua identidade (FERRAZ, Paulo, 2016). A luta das mulheres na guerra
juntamente a luta por igualdade de gênero deu as mulheres um poder
significativo para reivindicar os seus direitos enquanto seres humanos,
ressignificando suas existências. As mulheres Curdas assim como as mulheres
de todo o mundo são oprimidas, violentadas por uma cultura que as tem como
escravas e objetos, no entanto, este grupo de mulheres diante desse cenário de
guerra, avistaram o momento da revolução, munidas não só por armas e balas
mas também pela dor de ser mulher nessa sociedade, trazendo a força e
coragem não só para ir aos frontes mas também para rejeitar as violências
impostas a elas, sendo válido mencionar, que o grupo de mulheres guerrilheiras
desenvolveram uma comuna só para estas, localiza-se no norte da Síria, onde
podem viver longe do patriarcado e suas amarras, vivendo de maneira não
capitalista, regendo suas vidas pelos princípios da democracia, ecologia e
libertação das mulheres.
Contudo, as mulheres Curdas são os agentes de mudanças nesta
estrutura que nega a humanidade para a mulher, por meio de suas lutas estas
trilham seu lugar no mundo e ainda irão libertar a todos da sociedade.
Nesse sentido, o século XXI é o período do despertar; o momento da
mulher liberta, emancipada, sendo de suma importância para libertação nacional
e de classes, uma vez que, a era da civilização democrática se realizará quando
a mulher se erguer e atingir o êxito total. Por isso Ocalan, mentor do
Confederalismo Democrático defende que, para solucionar os problemas sociais
no Oriente Médio deve haver a posição da mulher como foco, onde o objetivo
fundamental deve ser realizar uma ruptura sexual, contra o macho dominante,
pois, sem igualdade entre os gêneros, nenhuma exigência de liberdade e
igualdade pode ser significativa. Deste modo, a posição de liderança dos
movimentos da mulher na democratização da sociedade do Oriente Médio tem
particularidades históricas que tornam este tanto uma antítese (por estar no
Oriente Médio) quanto uma síntese (globalmente).

15
Assim, torna-se notório a importância das mulheres, visto que, além da
proteção militar que elas proporcionam, o grupo encara a cultura machista
enraizada na região, o que está redefinindo o papel das mulheres no oriente
médio. Disse uma das líderes do YPJ, “Eu não quero me casar ou ter filhos ou
estar em casa o dia todo, eu quero ser livre”. (MAGRÃO, 2014)
Nessa perspectiva Mulheres da YPJ, declaram que “Vamos nos vingar
em nome das mulheres que foram vendidas como escravas nos mercados da
organização ISIS. A nossa vingança não será apenas balas, mas pelos rostos
sorridentes de nossas mulheres, nós juramos que faremos um inferno na terra
para o ISIS. Assim como nós saudamos a resistência de Kobani, esta é a nossa
promessa ao nosso povo e à nossa companheira e camarada Afrin, e a cada um
de nossos camaradas que foram martirizados heroicamente em Kobani.
Exortamos a todas as mulheres e as convidamos a participar conscientemente
dessa luta nas fileiras das nossas Unidades de Defesa da Mulher (YPJ)”.

Considerações finais:
Em suma, ao analisar as ações das mulheres neste contexto de guerra
por território, reconhecimento e liberdade, é possível pensar e considerar a
magnitude dessa luta. A exumação da era da civilização democrática representa
não só o renascimento de povos, mas, representa a ascensão da mulher mesmo
que ainda num futuro distante, tendo em vista que a mulher, que era a deusa
fundadora da sociedade no Neolítico, vem passando contínuas perdas durante
toda a história da sociedade de classes, logo, intervir nesta história trará,
inevitavelmente, os mais profundos resultados fruto de uma nova organização
social. Dessa forma, a mulher, reinventada para a liberdade, fará surgir a
libertação geral, o esclarecimento e a justiça em todas as instituições da
sociedade, o que nos permite dizer que o sucesso da mulher é o sucesso da
sociedade e do indivíduo em todos os níveis.

REFERÊNCIAS:
BLACK, Spartk. Parte II: o xadrez do campo de batalha global. In: A revolução
ignorada. Liberação da mulher, democracia direta e pluralismo radical no Oriente
Médio. São Paulo: Autonomia Libertária, 2017.(p. 79-120)
COSTA, R. P. Uma história da Síria do século XXI para além do sectarismo
religioso. 2016. 136 f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.
DIRIK, D. Contruindo uma democracia sem Estado, em A Revolução ignorada:
feminismo, democracia direta e pluralismo radical no Oriente Médio/ traduzido
por Paulo Ferraz- São Paulo: Autonomia Literaria, 2016.
RUIC, Gabriela. A mulher que lidera a batalha de Kobani contra o violento EI.
2014, Disponivel em https://exame.abril.com.br/mundo/a-mulher-que-lidera-a-
batalha-de-kobani-contra-o-ei/. Acesso em: 19/05/2019.
MAGRÃO, Alex. Cobane, Rojava e a luta das mulheres. In: A nova democracia
apoie a imprensa popular e democrática. ANO XIII, Nº 140, 1ª QUINZENA DE
NOVEMBRO DE 2014. Disponível em: https://anovademocracia.com.br/no-
140/5648-kobane-rojava-a-luta-das-mulheres-curdas. Acesso em: 17/05/2019.
Portal Vermelho. Khorshaid Deli: Curdistão e a batalha do petróleo, 2014.
Disponível em: www.vermelho.org.br/noticia/233666-9. Acesso em: 17/05/2019.

16
III. Estado Islâmico na Guerra da Síria: algumas considerações1
ALMUDI, Dahra Araujo; CARRION, Mayara de Oliveira; CORDEIRO, Júlia;
MOREIRA, Alessandra2

Resumo:
Este trabalho tem como objetivo discutir e suscitar algumas reflexões acerca do
grupo fundamentalista sunita Estado Islâmico da Síria e do Iraque (EI, em
português e ISIS, em inglês), também chamado de DAESH (sua sigla em árabe)
na Guerra da Síria. Procurou-se aqui discutir a relevância deste grupo salafista,
bem como sua caracterização e os impactos de sua atuação no conflito sírio,
que desde seu advento provocou interessantes alterações na geopolítica do
país.

Palavras-chave:
Estado Islâmico. Guerra na Síria. Geopolítica.

Introdução
O breve texto que aqui se apresenta tem como objetivo discutir e suscitar
algumas reflexões acerca do grupo fundamentalista sunita Estado Islâmico da
Síria e do Iraque (EI, em português e ISIS, em inglês), também chamado de
DAESH (sua sigla em árabe) na Guerra da Síria. Em maneira inicial, elucida-se
que este artigo buscou, sucintamente, abarcar 3 pontos principais do debate.
Partindo desta introdutória apresentação, os tópicos que se sucedem são:
relevância do EI no estudo da Guerra na Síria, caracterização do EI, atuação e
impactos no conflito sírio e considerações finais.

Relevância do EI no estudo da Guerra na Síria


A respeito da dinâmica geral do conflito sírio, Fujii (2015) afirma que:
De um modo geral, a guerra civil síria está configurada pelo envolvimento direto
e predominante do regime Assad, uma coalizão ampla chamada genericamente
de oposição síria e vários grupos jihadistas, dos quais o Estado Islâmico do
Iraque e da Síria é o que está causando o maior impacto na geopolítica do país.
Além de uma guerra civil, contudo, o atual conflito na Síria também se caracteriza
como guerra por procuração, dado o envolvimento direto ou indireto de vários
atores internacionais.“ (FUJII, 2014, p. 7 e 8).
Toda esta complexidade soma-se ao singular envolvimento e atuação do
EI em relação as demais forças, tanto externas quanto internas envolvidas no
conflito. Acerca desta singularidade do EI na Guerra da Síria, o autor diz que:
o grupo entrou na guerra civil síria e rapidamente avançou contra outras facções
envolvidas no conflito, surpreendendo tanto as forças do presidente Bashar al-
Assad quanto os exércitos rebeldes que as combatiam, causando grande
impacto nos objetivos e nas relações entre os países e atores não-estatais
envolvidos nessa guerra. (FUJII, 2015, p. 2).
É justamente nesta complexa e intrigante ocorrência do grupo
fundamentalista com base religiosa e ideológica salafista que estabelecem-se
seus interesses nesta briga que já data 9 anos e que irrompeu no contexto da
Primavera Árabe, mais notadamente em 2010, no território da Tunísia (p.5).
1
Texto decorrente de atividade proposta pela disciplina de Geopolítica do 5º semestre do Curso de
Licenciatura em Geografia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) campus Sorocaba
2
Estudantes de Graduação do Curso de Licenciatura em Geografia pela UFSCar campus Sorocaba

17
Compondo uma teia de relações no xadrez geopolítico do conflito em questão, o
EI:
Diferentemente dos demais grupos que se opõem ao governo sírio, [...] não tem
como objetivo primordial a derrubada de Assad, tendendo a priorizar a conquista
territorial e, nessa perspectiva, todos os demais beligerantes são considerados
inimigos, até mesmo outros grupos fundamentalistas salafistas, caso não lhe
jurem lealdade. (FUJII, 2015, p. 12).
É neste panorama que compreende-se a relevância do estudo do Estado
Islâmico da Síria e do Iraque na discussão do conflito sírio e, para além de uma
perspectiva localizada, mas envolvendo a dimensão sírio-iraquiana, relações
com Arábia Saudita, EUA, Turquia, etc.

Caracterização do EI
O Estado Islâmico da Síria e do Iraque (EI, ISIS ou DAESH, sua sigla em
árabe) segundo Fujii (2015) é um califado com organização fundamentalista
sunita que controla regiões no Iraque e na Síria e baseia sua ideologia no
salafismo, movimento ultraconservador que defende a volta dos muçulmanos às
práticas do Islã do século sétimo, assumindo assim interpretações radicais de
determinados princípios do Islamismo por meio da interpretação literal do alcorão
e de outros escritos sagrados, impondo assim a sharia, a lei islâmica. Apesar da
composição demográfica dos grupos extremistas serem atualmente
diversificadas a grande maioria continua a ser da etnia árabe ou descendentes
do Oriente Médio.
O início deste estado em 2004 está relacionado com as guerras no
Iraque de 2003 causadas por ataques norte-americanos, e é esse cenário que
permitirá que grupos jihadistas fossem instalados no país e entre eles estava o
grupo de Al-Qaeda. Este grupo estava sendo liderado pelo o Abu Musab al-
Zarqawi que segundo Pires (2016) no início de 2004 estava lutando para o
estabelecimento de um Estado Islâmico. Em 2006, o Estado Islâmico no Iraque
foi por ele proclamado, assumindo algumas províncias como seu território, até o
ano de 2011 sua área ficou restrita ao Iraque, a partir da Primavera árabe e com
a guerra latente da Síria o Estado Islâmico viu uma oportunidade de aumentar
seu território instalando-se assim na Síria.

Atuação e impactos no conflito sírio


Compreendido, portanto, como uma terceira grande força no conflito,
com o intuito de priorizar a conquista territorial, sem ligações nem com o regime
de Assad, nem com a oposição, o ISIS aparece como um ator que gera certas
contradições e ambiguidades na geopolítica da guerra da Síria, impacto notado,
inclusive, no próprio governo sírio que foi prejudicado, mas, ao mesmo tempo,
beneficiado pelas ações deste califado.
O fato de o grupo salafista ter avançado “tanto sobre as Forças Armadas,
quanto os grupos rebeldes, chegando a ocupar 35 por cento do território sírio e
a controlar 60 por cento do petróleo do país em julho de 2014” (p. 12), somado
às suas demais ações que inegavelmente ameaçam todas as partes envolvidas
na guerra, obriga que o bloco de oposição ao governo sírio o reconheça como
ameaça mais imediata. Sendo assim, até os riscos que Assad representa para a
maioria dos atores participantes do conflito são relativizados; a atitude e a
retórica da oposição do governo sírio mudam, como é o caso do próprio governo
norte-americano, que deixa de exigir a saída de Assad e passa, em 2015, a falar

18
sobre a necessidade do presidente sírio “colocar seu povo em primeiro lugar” e
repensar suas ações, como dito num discurso dado pelo Secretário de Estado
John Kerry em janeiro do mesmo ano. No campo de ação o que se viu foi a
alteração da política dos Estados Unidos, que passou a intervir direta e
militarmente contra alvos ligados ao ISIS, ao mesmo tempo garantindo a Assad
que não atacaria áreas controladas pelo governo (p. 13)
Embora não se possa negar o favorecimento que o regime Assad
recebeu com o impacto das ações do Estado Islâmico sobre sua oposição, que
foi derrotada em algumas áreas, desorganizada e desmobilizada, como é o caso
da Coalização Nacional que ainda viu alguns de seus grupos de rebeldes
moderados desertarem para o grupo fundamentalista, é necessário reconhecer
igualmente como fator preocupante à capital do país, Damasco, o fato do EI ter
se estabelecido em mais de um terço de seu território, além da incapacidade do
Exército Sírio de contê-lo nesta empreitada que os levaram a tal feito. Mesmo os
grupos rebeldes sírios tendo recuperado parte do território perdido, o DAESH
ainda estava em vantagem significativa, que ameaçava não só a questão
territorial, mas também a sobrevivência religiosa e física para membros do
governo Assad, a começar pelo próprio presidente, que além de comandar um
regime laico, é adepto da seita alauíta, vista como herege pelos fundamentalistas
sunitas.
Acontece que, em março de 2019, os curdos-arabes que até então são
apoiados pelos Estados Unidos, conseguiram derrotar o DAESH através da
conquista do território que era anteriormente controlado pelo grupo extremista
na Síria. Segundo as Forças Democráticas da Síria, o suposto califado foi
eliminado e a comemoração desta vitória ocorreu em Baghuz, lugar estratégico
utilizado como base das ofensivas, e, nessa ocasião “[...]uma banda militar tocou
o hino americano.” (2019).
Apesar da derrota do EI na Síria ainda fica uma inquietação por parte de
alguns países, pois os Estados Unidos querem que as pessoas presas por se
aliarem ao DAESH sejam enviadas para seus países de origem para
responderem por seus crimes, porém os governos alegam a dificuldade de
encontrar provas e dar continuidade ao processo.

Considerações finais
Em maneira conclusiva, pode-se afirmar, em consonância com Fujii
(2015) que "a guerra sírio-iraquiana em curso constitui um dos conflitos mais
complexos da atualidade, seja pelo grande número de atores envolvidos, seja
pela teia de interesses e alianças existentes." (p. 27). Tal complexidade
evidencia que este debate está longe de se esgotar e que o que aqui pretendeu-
se fazer fora suscitar reflexões, através de uma apresentação breve, acerca do
quão interessante pode ser o estudo da geopolítica, sobretudo num contexto
como é o sírio.
No que diz respeito à participação do Estado Islâmico na Guerra da Síria,
percebemos a sua influência como sendo de grande importância para as
mudanças no cenário e nas ações dos opositores do governo sírio. A presença
do EI provocou um redirecionamento da oposição, que começou a vê-lo como
uma “ameaça imediata”, deixando em segundo plano a reinvindicação da saída
de Assad. Este por sua vez se beneficiou dessa nova conjuntura, ganhando
espaço para se articular novamente.

19
Assim sendo, podemos concluir devido aos vários agentes envolvidos, a
pluralidade de intenções e também a grande complexidade do conflito, parece
estar longe o fim da Guerra da Síria. O fato da guerra ainda estar acontecendo
dificulta as possibilidades de análise, visto que não há um distanciamento do
ponto de vista histórico.

Referências Bibliográficas
BBC. Derrota do Estado Islâmico é Anunciada na Síria. Disponível em: <
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47678823>. Acesso em: 23 jun.
2019.
CORREIO Brasiliense. Estado Islâmico é Derrotado na Síria e “Califado” Chega
ao Fim. Disponível em: <
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2019/03/23/interna_m
undo,744899/estado-islamico-e-derrotado-na-siria-e-califado-chega-ao-
fim.shtml>. Acesso em: 23 jun. 2019.
PIRES M. B. Estado Islâmico: características, estratégias para combatê-lo e seus
reflexos na doutrina de emprego da Força Terrestre. Trabalho de Conclusão de
Curso (Especialização em Política, Estratégia e Alta Administração do Exército)
- Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2016
FUJII W. O Estado Islâmico e o Xadrez Geopolítico Dos Conflitos Na Síria E No
Iraque. III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos 27 a
29 de abril de 2015

20
IV. O Exército Livre da Síria
Charles dos Santos Rodrigues, Felipe Ferreira Martins Pinto, Gabriel
Esmeraldino de Carvalho, Rafaela de Paula Bueno Ribeiro, Tomás Carvalhaes
Volpi

Introdução
A Guerra da Síria é marcada pela atuação de diversos grupos de poder.
Alguns são atores tradicionais de conflitos geopolíticos, os Estados nacionais
territoriais. Outros surgem como facções da sociedade síria, a partir de aspectos
étnicos, religiosos e classes sociais. Esse caldeirão de disputa geopolítica se dá
a partir de manifestações em busca de maior democracia no regime comandado
por Bashar al-Asaad, tendo, no entanto, escapado dos limites do jogo político
tido como normal em países desenvolvidos. A política seguiu um rumo extremo
até se constituir como Guerra Civil.
Nesse contexto, surge o Exército Livre da Síria, como força rebelde no
seio do regime Asaad. Suas aspirações, a princípio, são de continuidade das
manifestações democráticas, encampando a pauta econômico-social (SOUZA,
2018, p.3). A entrada na Guerra Civil é percebida como uma reação ao absurdo
da repressão de Asaad. Contudo, em meio a fog of war, expressão consagrada
por Robert McNamara (THE FOG..., 2003) as propostas iniciais acabaram se
dissolvendo em meio à complexidade dos grupos em combate e à complexidade
do combate em si.

História do Exército Livre da Síria


A guerra civil na Síria irrompeu no contexto da Primavera Árabe,
movimento que começou com uma série de manifestações populares pacíficas
por todo o Oriente Médio, com reivindicações de caráter socioeconômico, onde
a população defendia predominantemente reformas democráticas, tendo como
consequência a queda de alguns dos governos autoritários em 2011, como por
exemplo no Egito e na Tunísia. Na Síria, os manifestantes pediam o fim do
regime de Bashar al-Assad, este que mantém um governo autoritário desde que
subiu ao poder em 2000, porém, não obtiveram o mesmo resultado dos outros
países, uma vez que foram duramente reprimidos pelo governo, o que aumentou
as tensões ainda mais, gerando uma onda de violência.
Em uma das manifestações, na cidade síria de Daraa, o presidente
ordenou que os policiais e soldados atirassem contra a população que
manifestava, resultando em um grande massacre, o que fez com que alguns
soldados se recusassem a atirar contra a população e desertassem do exército.
Através desses homens, liderados pelo coronel Riad Mousa al-Asaad e outros
ex-oficiais do Exército Sírio, foi fundado em 29 de julho de 2011 o Exército Livre
da Síria (ELS), este que totalizou um contingente de 25 mil a 30 mil soldados ao
final do ano de sua fundação
Longe de se chegar a uma solução para a crise, a repressão do regime
aumentou ao ponto de acarretar uma deserção em massa por parte de soldados
sírios solidários à população civil, resultando na criação do Exército Livre da Síria
em julho de 2011 pelo coronel Riad Mousa al-Asaad e outros ex-oficiais do
Exército Sírio. Era o fim da Primavera Árabe e o início da resistência armada das
oposições sírias. (FUJII, 2015, P. 6)

21
O propósito desse grupo no seu nascimento era proteger a população
civil e derrubar Bashar al-Assad com seu regime autoritário do governo, sendo
considerado um movimento moderado e secular, divergindo de grupos
fundamentalistas que possuíam o mesmo propósito. Assim, o ELS se tornou o
principal combatente contra o Estado Sírio, e começou a receber apoio de países
ocidentais, como os Estados Unidos e Reino Unido, além de outros países do
Golfo, como a Arábia Saudita e o Catar, que financiavam materiais bélicos
usados em combate, assim como treinavam vários dos combatentes através de
seus órgãos de inteligência.
Com o tempo o ELS se tornou uma bandeira com vários subgrupos que
diziam pertencer a ele, grupos esses com os mais variados intuitos, o que
acabou por modificar completamente o propósito de sua criação, levando ao
enfraquecimento do movimento. Sua fragmentação ideológica e militar se deu
em decorrência da necessidade de aliança com grupos que possuíam um maior
preparo para resistir à pressão militar exercida pelo regime Assad.
Em 2016 a Turquia passou a apoiar o Exército Livre da Síria, para que
estes combatessem os curdos que dominam uma grande região síria e que
representam uma grande ameaça à Turquia, pois, reivindicam uma parcela do
seu território. Desse modo, fica clara a mudança ideológica do ELS, uma vez
que eles combatem os curdos que são cidadãos sírios, quem em seu primórdio
pregavam proteger, fazendo com que a prática militar contradiga a ideologia
política.

Figura 1 - Divisão de controle da Síria


Fonte: exame.abril.com.br

Atualmente o território está dividido em várias frentes, sendo que os


opositores o qual o Exército Livre da Síria faz parte domina pequenas porções
de terras em comparações com as outras forças, e essas terras não são
continuas, contudo, são nessas áreas onde mais ocorrem os bombardeios pró-
regime.

22
Por fim, é possível observar que essa organização se tornou difusa, uma
vez que vários subgrupos passaram a agir em seu nome, muitas vezes jihadistas
próximos ao ISIS (Estado Islâmico), sem uma liderança unificada, fazendo com
que ela perca influência e poder dentro da revolta, tendo atualmente como único
ponto em comum em sua composição derrubar o governo de Bashad al-Assad.

Até o momento, sabe-se que algumas facções do Exército Livre Síria se


uniram ao EI, jurando lealdade ao seu califa e passando a lutar nas fileiras do
grupo. No entanto, apesar de uma inicial série de derrotas, os grupos rebeldes
sírios recuperaram parte do território perdido para o Estado Islâmico, criando
uma situação de impasse tático e estratégico no tabuleiro da guerra civil síria a
partir do final de 2014, embora o DAESH ainda esteja em vantagem significativa
com relação aos mesmos. (FUJII, 2015, p. 14)

Divisões do Exército Livre da Síria


O Exército Livre da Síria é uma união de diversos grupos que lutam
contra o governo de Bashar al-Assad, mas que, muitas vezes, apresentam
divergências entre si. Originalmente, o grupo foi formado por desertores militares
e, até mesmo, civis sunitas. Segundo Ferraz, a atuação de diversos grupos
internacionais atuou nesse processo:
O suborno de certos generais e oficiais do exército sírio provocou
numerosas deserções de soldados sunitas, que a partir de então se puseram a
serviço da revolução. De imediato se criou o Exército Livre da Síria (FSA em
inglês), e, mais tarde, um governo provisório no exterior. (FERRAZ, 2017, p. 84).
O grupo afirma que luta pela instauração de um regime democrático e
secular no país, sendo esse um dos pontos em comum da maior parte das
divisões internas. Fator que contribui para o ELS jurar apoio para a Coalizão
Nacional Síria em 2011. Todavia, o grupo perdeu parte de seus integrantes para
a Jabhat al-Nusra, um grupo de oposição ao regime sírio, mas considerado mais
próximo ao fundamentalismo islâmico.
Conforme noticiado no site de notícias G1, as divisões internas do grupo
ficaram evidentes em setembro de 2013, quando três facções internas do
Exército Livre da Síria em função do desgosto de apoio de outros países e em
busca da adesão a princípios islâmicos e adotar a sharia como legislação não
reconheceram a autoridade da Coalizão Nacional Síria. As facções que fizeram
essa declaração foram a frente Ahrar al Sham, a 19ª Divisão e a Al Tawhid. A
partir deste ano, o grupo se fragmenta ainda mais em função da ascensão de
movimentos jihadistas. Além disso, segundo Fujii: “Até o momento, sabe-se que
algumas facções do Exército Livre Síria se uniram ao EI, jurando lealdade ao seu
califa e passando a lutar nas fileiras do grupo.” (FUJII, 2015)
O Exército Livre que atuava no Norte da Síria passou a receber apoio da
Turquia a partir de 2016, quando passaram a ser chamados de Exército Nacional
Sírio, buscando auxiliar o governo turco em seus objetivos, ou seja, a
consolidação da chamada “zona de segurança” e o impedimento da unificação
de forças curdas.
Desse modo, compreende-se que o Exército Livre da Síria é uma junção
de grupos opositores ao regime sírio, mas que apresentam diversas divisões
internas, que, muitas vezes, dificultam a atuação unificada da oposição no
conflito.

23
Apoio Internacional
O Exército Livre da Síria (ELS) tem fortes relações com países
ocidentais, sendo considerado uma forte oposição ao regime atual (liderado por
Assad), além de também ser responsável por combater forças do Estado
Islâmico.
Segundo as reportagens da BBC e The Telegraph, os países ocidentais
(especialmente EUA, Reino Unido e França), além da Turquia e Arábia Saudita,
estariam fornecendo ajuda humanitária, realizando doações com a finalidade de
compra de medicamentos, estrutura para fornecer apoio à população e
alimentos.
Ainda segundo reportagem do The Telegraph, graças à situação na qual
os rebeldes se encontram, com a repressão violenta por parte do regime do
Assad, que respondeu a protestos pacíficos com força letal, começou a haver
mobilização por parte desses países para o transporte de armas leves,
equipamentos de proteção, equipamentos de suporte (como óculos de visão
noturna e telefones via satélite para poder haver comunicação e não serem
barrados pelos bloqueios de comunicação do regime atual) e até mesmo
equipamentos para lidar com ataques aéreos e tanques de guerra, já que o ELS
tem recebido diversos ataques aéreos vindo da Rússia, que abertamente apoia
o regime do Assad.
De acordo com a reportagem do CNN, houve certa demora da doação
de armas, especialmente da parte dos EUA, por medo dessas armas serem
detidas pelas forças de Assad ou do Estado Islâmico antes de chegar ao ELS e
acabar fortalecendo tanto o Estado Islâmico quanto o regime atual na Síria, o
que acabou fazendo com que o ELS ficasse mais tempo na defensiva antes de
poder realmente se mobilizar e ocupar mais territórios.
Segunda a matéria do G1 sobre as forças presentes na Síria, com o
apoio da força militar dos EUA e da Turquia, o ELS conseguiu grandes avanços
e vitórias importantes, especialmente contra o Estado Islâmico, sendo assim
considerado uma peça chave da influência ocidental na Síria.

Conclusão
O conflito na Síria articula diversos atores geopolíticos. Dentre eles,
potências globais, como EUA e Rússia, potências regionais, como Turquia,
atores que buscam alterar a ordem geopolítica territorial com base no
fundamentalismo religioso, caso do Estado Islãmico, além de forças internas da
Síria, compreendendo os próprios mantenedores do regime Asaad, o grupo
étnico curdo, e as forças sociais rebeldes, caso em que aparece o Exército Livre
da Síria. A dificuldade de resolução definitiva do conflito pode ser entendida a
partir desse amálgama de interesses. Não só o “quem” na ordem interna do
Estado sírio está em jogo, como também o “como” essa ordem se dá (FUJI, 2015,
p. 27).
O Exército Livre da Síria aparece como uma força que ganha simpatia
do mundo ocidental, dado seu caráter laico e aspirações democráticas, a
princípio. No entanto, a desarticulação do regime Asaad transcende a filiação
filosófico-ideológica no interesse dos atores Estatais. Ganha, sim, o contorno de
interesses econômicos e político-estratégicos. No decorrer do conflito, o Exército
Livre da Síria perdeu em sua carga de aspirações a ganhos democráticos e
sociais, fatores simpáticos a boa parte da sociedade civil cosmopolita ao redor
do globo, e adentrou na lógica do conflito puro, buscando acima de tudo derrubar

24
Asaad (A TRANSFORMAÇÃO…, 2019). Seja qual for o resultado, os custos da
Guerra da Síria se impõe de forma hedionda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A transformação ideológica do Exército Livre da Síria. Disponível em:
https://g1.globo.com/mundo/noticia/a-transformacao-ideologica-do-exercito-
livre-da-s iria.ghtml. Acesso em: 04. Maio. 2019.

FERRAZ, Paulo. A revolução ignorada. Liberação da mulher, democracia direta


e pluralismo radical no Oriente Médio. São Paulo: Autonomia Libertária, 2017.
[p.79-120]

FUJII, William. O Estado Islâmico e o xadrez geopolítico dos conflitos na Síria e


no Iraque. III Semana de Ciência Política Universidade Federal de São Carlos,
2015.

Grupos rebeldes sírios não reconhecem coalizão nacional. Disponível em:


http://g1.globo.com/mundo/siria/noticia/2013/09/grupos-rebeldes-da-siria-nao-
reconh ecem-coalizao-nacional.html. Acesso em: 18. Maio. 2019.

Official says CIA-funded weapons have begun to reach Syrian rebels; rebels
deny receipt. CNN. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2013/09/12/politics/
syria-arming-rebels/> Acesso em: 23 maio 2019

Quais são as forças que combatem na Síria?. Disponível


em:<http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/09/quais-sao-forcas-que-ombatem
-na-siria.html> Acesso em: 23 maio 2019

SOUZA, Carlos Eduardo Cardoso et al. A guerra civil na Síria: atores internos,
jogos de poder e possíveis reflexos para o Brasil a partir da situação dos
refugiados desse conflito. 2018.

Syria conflict: UK to give extra £5m to opposition groups. BBC. Disponível em:
<https://www.bbc.com/news/uk-19205204> Acesso em: 23 maio 2019

Syrian opposition says West is already aiding rebels. The Telegraph. Disponível
em:<https://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/middleeast/syria/9103759/Sy
rian-opp osition-says-West-is-already-aiding-rebels.html> Acesso em: 23 maio
2019

THE FOG of War. Direção de Errol Morris. Eua: Sony Pictures, 2003.

25
V. Hezbollah. Formação, atuações internacionais e aliados no mundo e
interação com a Síria.
Lucas Pinheiro, Bruno Cardoso, Danilo Vacholz

Introdução:
O conflito do Hezbollah e Israel caracteriza um exemplo clássico de guerra
assimétrica, um conflito desigual onde uma das partes é “fraca” e a outra parte
é “bem mais forte”, foi fundado em junho de 1982, devido à pressões armadas
pelo Estado de Israel, sua briga com Israel começa desde a fundação do
movimento, que por objetivo inicial era expulsar as tropas israelenses do território
Libanês. O grupo é o principal motivo pela trégua, com Israel saindo do Líbano.
(PINHEIRO, 2006)
Suas atividades e influência no Líbano são evidentes, controlam hospitais,
escolas e atividades do agro comércio, além de atuar no submundo articulando
diversos ataques e manobras terroristas para suprimentos.

Estrutura do Hezbollah:
O grupo possui os 3 braços irregulares perfeitamente consolidados, o
primeiro é o braço armado ostensivo, mais claramente é a força de guerrilha
responsável pelas conquistas de território e manutenção de acidentes capitais
no terreno, sua organização e disciplina são exemplares, trata se de um grupo
extremamente organizado, com objetivo, líderes e poder. (PINHEIRO, 2006)
“Segundo dados do Mossad, tinha cerca de 13000 a 15000 misseis de
curto e médio alcance”. (PINHEIRO, 2006, p. 2)
O segundo braço é o braço clandestino, ligados aos atos de sabotagem,
subversão, terrorismo seletivo e indiscriminado, vale ressaltarmos que, em uma
guerra assimétrica o fator tempo é muito relevante, pois, essas guerras
geralmente se estendem por muito tempo, a motivação, o cansaço é utilizado
para inibir o inimigo, este braço é o principal nesse aspecto de desmotivar seus
inimigos.
O terceiro braço é o logístico, este é muito bem articulado, é a sustentação
de toda a orquestra, a cadeia de suprimentos é gerido aqui, mais uma vez eles
são muito organizados e contam com o apoio do governo do Irã. (PINHEIRO,
2006)
Resolução de 1559 com conselho de segurança da ONU:
Aprovada em 2 de Setembro de 2004, esta resolução prevê o
desarmamento de movimentos libaneses e não libaneses no território do Líbano,
dessa forma aumentar o poder do Estado Líbano e sufocar os movimentos
armados separatistas. Promovida pelo EUA e França, essa resolução foi
aprovada por voto mínimo (nove a favor e seis abstenções). (MAIA, 2013)

Aliados:
Seus principais aliados são o governo do Irã e o governo Sírio, o Irã já
declarou que não acatará a resolução 1559 propostas pela ONU, visto que, a
Guarda Revolucionária Iraniana apoia o Hezbollah, em adestramento, munição,
material bélico, suporte financeiro, os misseis de curto e médio alcance são
produzidos no Irã e exportados, via aeroporto internacional de Damasco, na
Síria, daí é transportado por comboio motorizado ao Hezbollah no Líbano.
(PINHEIRO, 2006)

26
Condicionantes do conflito Israel e Hezbollah:
São 4 condicionantes que trataremos, sendo eles:
O primeiro é o apoio declarado dos EUA a Israel, que evita o crescimento
do conflito. Israel tem força para atacar diretamente, alvos estratégicos no
Líbano, porém, não o faz, devido ás consequências que desestabilizariam toda
a região e afetaria o posicionamento de aliados dos EUA no Oriente Médio como
o Egito, Arábia Saudita e Jordânia. (PINHEIRO, 2006)
O segundo é que a retaliação militar israelense não é apenas punitiva,
porém tem caratês estratégico, a força aérea de Israel realiza ataques
constantes contra as vias onde a logística do Hezbollah atua. Além de Israel
desalojar o grupo de seu ponto estratégico (Sul do Líbano, fronteira com Israel),
Israel isola o grupo de seus patrocinadores, o isolamento é a primeira fase, a
segunda seria o desarmamento, concluindo a resolução 1559. (PINHEIRO,
2006)
O terceiro é o fato de que, o Hezbollah é um braço da Guarda
Revolucionária Iraniana. A inteligência de Israel acredita que as ações Hezbollah
e Irã, são paradoxais ao programa de desarmamento nuclear iraniano.
(PINHEIRO, 2006)
A quarta e última condicionante é o fato de que, os EUA e Israel, apenas
considerariam o Líbano como um estado livre e democrático sem a interferência
do Hezbollah. (PINHEIRO, 2006) Devemos refletir a quem beneficiaria este dito
estado livre democrático libanês, a maioria da população libanesa apoia o
Hezbollah, a proposta vinda dos EUA para o Líbano é um adestramento social
nos moldes capitalista de consumo desenfreado, até que ponto terroristas, são
efetivamente terroristas, se buscam a liberdade e independência.

Atuação do Hezbollah na guerra civil da Síria:


O Hezbollah, de origem xiita, atua na guerra da Síria e defende a
permanência de Bashar al-Assad temendo que forças radicais sunitas tomem o
poder, impactando nas suas estratégias de logística armamentista, uma vez em
que o grupo se utiliza de rotas sírias para a obtenção de poder bélico vindo do
Irã, um dos seus principais aliados. (CHACRA, 2013)
Um dos principais conflitos entre os rebeldes sírios e o Hezbollah foi na
cidade de Al Qusayr em 2013, onde o exército sírio de Bashar al-Assad atacou
diversos vilarejos da cidade na tentativa de derrubar a oposição rebelde que se
instalou no local em 2011. O apoio dos membros do Hezbollah nesse ataque foi
extremamente estratégico, já que a oposição ao governo teria impedido e
tomado as vias de comunicação de suprimentos vindas do Sul e do Irã,
atrapalhando os objetivos tanto de Assad, quanto do Hezbollah. Al Qusayr
também fica a 10 quilômetros de distância da fronteira do Líbano, localização de
suma importância no contexto da guerra.

Conclusão:
Atualmente, o movimento xiita possui cerca de 120.000 foguetes e
mísseis, dezenas de projéteis de longo alcance e centenas de drones, usados
nos combates contra os rebeldes sunitas na guerra civil síria (THE JERUSALEM
POST, 2016, s/p APUD VANESSA MIGUEL, 2018 p. 43). O aprofundamento do
Hezbollah na Síria em 2013 e 2014 é um dos fatores mais relevantes do conflito
sírio. Desde o início de 2013, os combatentes do Hezbollah operaram
abertamente e em número significativo através da fronteira sírio-libanesa, ao

27
lado de seus homólogos da Síria e do Iraque. Eles permitiram ao regime sírio
recuperar o controle das áreas mantidas pelos rebeldes na parte central da Síria
e melhoraram a eficácia das forças pró-regime (SULLIVAN, 2014, p. 9 APUD
VANESSA MIGUEL, 2018 p. 43/44)
No século XX, as forças militares sírias foram estacionadas no Líbano,
projetando o poder de Damasco sobre seu vizinho libanês. Hoje, a situação
mudou, uma vez que são as forças libanesas do Hezbollah que estão moldando
os acontecimentos da Síria, um indício da nova função do Hezbollah como um
poder xiita regional. Nasrallah está tentando alcançar três objetivos: manter a
estabilidade do Líbano, lutar numa guerra sectária e custosa na Síria e garantir
que seu exército de guerrilha híbrido esteja preparado para a próxima guerra
contra as Forças de Defesa de Israel. A maior parte do orçamento anual do
Hezbollah (70%) vem do Irã. Esse financiamento tem sido utilizado para construir
o comando, o controle e os lançadores de foguete em todas as aldeias e cidades
no sul do Líbano, além de investir na infraestrutura militar no norte do Líbano,
espalhando seu poder de fogo por todo o país (THE JERUSALEM POST, 2016,
s/p APUD VANESSA MIGUEL, 2018 p. 44).

REFERENCIAS:
MAIA, N. Um novo olhar sobre Hezbollah: o terrorismo frente ao reformismo
socioeconômico do partido e à teoria da sociedade de resistência. Malala, n. 1,
p. 67-93, 17 ago. 2013.
PINHEIRO. A, Israel, Hezbollah e o conflito Assimétrico. Universidade Federal
do Rio de Janeiro. 2006.
CHACRA, Gustavo.Entenda o envolvimento do Hezbollah na Guerra da
Síria. São Paulo: Estadão, 2013.
MIGUEL, C, Vanessa, O fortalecimento do Hezbollah após a guerra de 2006.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. 2018 .

28
VI. A relação da Palestina com o conflito na Síria
Júlia Sabino Rodrigues Cunha, Keyla Priscilla Rosado Pereira, Maria
Guerchunoff

Introdução
O conflito na Síria teve como uma das suas consequências um grande
número de refugiados, que precisaram sair do seu país de origem por questão
de sobrevivência. Um exemplo publicado pelo site “A vida no centro”, (MELO,
2019), relata o caso do palestino Salim e da síria Oula, um casal de refugiados
que tinham cargos importantes no Oriente Médio. Salim era diretor de operações
na ICFLix, mas com a guerra teve sua vida modificada radicalmente e conseguiu
ser transferido para o Egito, no entanto, pelas regras de migração, sua esposa
não conseguiu residir no Egito.
Após algum tempo, Oula conseguiu se mudar para o Egito, mas com a
perseguição política devido a guerra, seu marido começou a ser perseguido e
não pode mais trabalhar no país, a ideia de refúgio para o Brasil, foi decorrente
de conhecidos que já haviam tentado e conseguido. Apesar de conseguirem se
estabelecer no Brasil, as relações de trabalho e amizades demonstram também
que os traumas da guerra perpassam pelas memórias dos refugiados palestinos,
que segundo o Instituto Brasil Palestina somam mais de 12 milhões no mundo.
“O conflito na Síria, por exemplo, atingiu campos no país e provocou a
transferência de cerca de 270 mil refugiados palestinos para a Jordânia e Líbano.
Já na Faixa de Gaza, o programa de assistência aos que tiveram suas casas
danificadas ou destruídas após a ofensiva de Israel em 2014 é orçado em US$
720 milhões, dos quais menos de 20% foram arrecadados. Em consequência,
em pleno inverno, a agência relata que há pessoas dormindo sobre entulhos e
que crianças já morreram de hipotermia.” (CAMINHOS DO REFÚGIO, 2014)
Outro exemplo da situação recente no que tange à relação entre a Síria
e a Palestina diz respeito aos últimos ocorridos no acampamento de Yarmouk,
na Síria. O acampamento se encontra em uma localização estratégica, perto de
uma das principais estradas do sul de Damasco, e as forças rebeldes usaram-
no com freqüência para bombardear áreas do governo no centro da cidade. Em
2015, Yarmouk ficou sob o controle do Estado Islâmico do Iraque e do Levante
(ISIL, também conhecido como ISIS), tornando-se alvo estratégico do governo
sírio, passando por diversos ataques.

29
Figura 1:
Localização do acampamento Yarmouk

Figura 2: Foto do acampamento Yarmouk no dia 5 de abril de 2015

30
A população de refugiados palestinos de Yarmouk havia diminuído de
cerca de 160.000 em 2011 para apenas 6.000 em março de 2018, de acordo
com estimativas da ONU. Pode ser agora menos de 1.000, já que as pessoas
fugiram da luta em abril de 2018. Cerca de 120.000 fugiram para o exterior,
incluindo 32.500 para o Líbano e 17.000 para a Jordânia, segundo a Unrwa.
Antes do início da guerra na Síria, em 2011, o campo abrigava a maior população
de refugiados palestinos da Síria. Dezenas de refugiados palestinos e civis sírios
foram mortos nos últimos combates.
Todavia, o governo sírio reafirma a necessidade do reconhecimento e
da paz da Palestina, declarando, recentemente, apoio ao povo palestino. Em
declaração de 2017, o então líder do Hezbollah afirmou, inclusive, que a
liberdade palestina equivalia à liberdade síria, colocação que expressa seu lugar
nos conflitos particulares que envolvem Síria e Israel.
No dia Mundial de Jerusalém, o governo Sírio mais uma vez reafirmou
sua solidariedade com o povo palestino e os cidadãos sírios que residem nas
colinas do Golã (território ocupado por Israel), o diplomata do Ministério das
Relações Exteriores de relações exteriores, Danny al Baaj, ainda reforçou que
“apoia plenamente a libertação dos territórios árabes ocupados, a recuperação
das Colinas do Golã e o estabelecimento de um Estado palestino independente
com Jersusalém como capital” (BRASIL 247, 2019)
Somado a isso, o diplomata ainda afirmou que o dia Mundial de
Jerusalém é uma “celebração” que demonstra o estreitamento das relações do
sionismo com os Estados Unidos, a partir da declaração de Donald Trump,
reconhecendo Jerusalém como capital de Israel, além da soberania israelense
sobre as Colinas do Golã. Contudo, o diplomata reitera que esses territórios
continuam tendo identidade árabe e as decisões tomadas pela Casa Branca não
vão alterar isso. Referindo-se ao controverso "acordo do século" inventado pelos
Estados Unidos para resolver o conflito israelense-palestino, o diplomata diz que
este projeto está condenado ao fracasso graças à forte vontade e resistência das
nações.” (BRASIL 247, 2019)

REFERÊNCIAS
Al Jazeera - 24 de Abril de 2018. Syria's Yarmouk camp: From a 'war on
stomachs' to 'annihilation'. Disponível em:
<https://www.aljazeera.com/news/2018/04/syria- yarmouk-camp-war-stomachs-
annihilation-180423212111918.html>. Último acesso em: 06 de Junho de 2019.
MELO, Clayton. A vida no centro- 13 de maio de 2019: O casal de palestinos que
fugiu da guerra na Síria e recomeçou a vida no centro de São Paulo. Disponível
em: <https://avidanocentro.com.br/gente_no_centro/palestinos-bar-centro-de-
sp/>. Último acesso em: 06 de Junho de 2019.

Brasil 247 - 31 de Maio de 2019. No Dia Mundial de Jerusalém, Síria reafirma


apoio à libertação da Palestina. Disponível em:
<https://www.brasil247.com/pt/247/mundo /395172/No-Dia-Mundial-de-
Jerusalém-Síria-reafirma-apoio-à-libertação-da-Palestina.htm>. Último acesso
em: 06 de Junho de 2019.
Caminhos do refúgio- 2014. Refugiados palestinos uma longa história ainda
distante de terminar. Disponível em: <https://caminhosdorefugio.com.br/tag/
palestinos/>. Último acesso em: 06 de Junho de 2019.
31
Instituto Brasil Palestina- 2019. Disponível em: <https://ibraspal.org/pt/page-
post/49/fatos-povo-palestino> Último acesso em: 06 de junho de 2019.
The Telegraph - 26 de Abril de 2018. Palestinian refugee camp in Syria turns
'unimaginably brutal' as Assad regime drives Isil out of Yarmouk. Disponível em:
<https://www.telegraph.co.uk/news/2018/04/26/palestinian-refugee-camp-syria-
turns-unimaginably-brutal-assad/>. Último acesso em: 06 de Junho de 2019.

32
VII. A participação da Turquia na Guerra da Síria
Caroline de Souza Campos; Claudio Machado Junior, Gustavo Martins dos
Santos, Kauê de Sousa Silva, Larissa Corrêa Lima, Steffany Gonçalves Dadalto

1 Introdução
O episódio que marca a onda revolucionária conhecida como Primavera
Árabe aconteceu na Tunísia no dia 17 de dezembro de 2010 quando Mohamed
Bouazizi incendiou o próprio corpo em frente a um prédio do governo, e seu grito
era material, pois teve as mercadorias confiscadas pelo governo. Tal episódio,
somado à recessão e grande número de pessoas desempregadas gerou grande
comoção e ondas de protestos começaram a surgir. Tais revoltas culminaram na
queda do governo de Bem Ali em 2011, que governava a Tunísia há 23 anos.
Somado a esse episódio, as revoltas se alastraram pelo norte da África e pelo
oriente Médio, onde dezenas de outros governos foram derrubados (Tugal,
2013).
Além dos conflitos internos, potências mundiais (bloco liderado pelos
EUA e União Europeia, e bloco liderado pela Rússia e pela China) que lutavam
por territórios desde a Guerra Fria entram em cena, alguns apoiando os rebeldes,
outros apoiando os governos sempre com interesses geopolíticos e econômicos,
especialmente pelas reservas de petróleo existentes em alguns dos países
envolvidos nos conflitos.
Somado aos eventos da Primavera Árabe, um histórico de luta pelo povo
curdo, o maior povo sem Estado do mundo, intensifica os conflitos na região da
Síria. O povo curdo é formado por cerca de 30 milhões de pessoas que se
localizam entre as regiões da Turquia, da Síria, do Iraque e do Irã. Os curdos
reivindicam desde o século XIX um Estado soberano chamado de Curdistão. Os
curdos tiveram de lidar com a queda de Sadam Husseim no Iraque, o
enfraquecimento de Assad na Síria e ainda o surgimento de uma nova ditadura
na Turquia, que tem um histórico de violenta repressão aos curdos e outras
minorias. Os ideais dos curdos fazem com que lutem contra o Estado Islamico,
contra Assad e contra a Turquia. (NASSER, ROBERTO, 2019).
Além desse encurralamento de conflitos, os curdos chamam atenção por
abandonarem a ideia de um Estado Soberano e passarem a defender ideais de
um Confederalismo Libertário, inspirados pelos ideais de Abdulah Ocalan, líder
curdo que se encontra preso na Turquia desde 1999. Os conflitos envolvendo a
Síria, Turquia e o povo curdo intensificam com a ocupação de três áreas de
maioria curda ao longo da fronteira norte da Síria por parte do Partido da União
Democrática (PYD).
Ao longo deste trabalho, iremos abordar com mais detalhes a
participação da Turquia com a Guerra na Síria e seus desdobramentos.

2 Localização
A Turquia é um país euroasiático que ocupa toda a península da
Anatólia, no extremo ocidental da Ásia, e se estende pela Trácia Oriental, no
sudeste da Europa. A Turquia possui uma extensão de 822 quilômetros de
fronteira com a Síria. Tal posição geográfica é determinante para a explicação
do envolvimento da Turquia com a Guerra da Síria

33
.Figura 1. Mapa – Turquia e Síria Disponível em <
https://www.aljazeera.com/news/middleeast/2013/09/201393144613618490.ht
ml> acesso em jun 05 2019.

Figura 2. “Facções armadas na Síria em 2018”. Disponível em


https://www.dw.com/en/us-turkey-on-collision-course-in-syrias-manbij/a-
43207419. Acesso em 05 Jun 2019.

34
3 A relação da Turquia com a Síria e o Oriente Médio
A Turquia se situa nos limites de três complexos regionais de segurança:
o complexo do Médio Oriente (que inclui os subcomplexos do Levante, do Golfo
e do Magrebe); o complexo do ex-mundo soviético (incluindo o Báltico, a Ucrânia,
a Bielorrússia e a Moldova); e o complexo europeu (com o subcomplexo
balcânico).
No que diz respeito à região, a Turquia tem se mostrado cautelosa, com
uma relação estratégica com Israel, especialmente depois da assinatura dos
Acordos de Oslo, e um certo afastamento em relação ao mundo Árabes, que
ainda considera a Turquia como ex-potência colonial.
Em fevereiro de 1996, com a proximidade entre Turquia e Israel o acordo
de cooperação militar entre dois países foi assinado por ambos, provocando
assim ondas de choque por todo o mundo muçulmano, particularmente no Egito,
na Síria, no Iraque e no Irã.
Assente numa base eleitoral fortemente ligada aos valores islâmicos, o
partido liderado por Recep Tayyip Erdogan (AKP) retomou, de certa forma, o
discurso do antigo Partido Refah, liderado por Necmettin Erbakan de maio de
1996 a junho de 1997, ano em que viria a ser destituído pelo que ficaria
conhecido como o golpe militar «pós-moderno». Durante esse período, a Turquia
passou a ter um discurso sobre o Médio Oriente definido enquanto espaço de
irmandade muçulmana e não tanto sobre um ponto de vista de espaço
geopolítico, tendo Erbakan recebido e visitado vários líderes políticos de países
muçulmanos, alguns deles com relações problemáticas com os aliados
ocidentais da Turquia (como a Líbia e o Irã). O então primeiro-ministro turco
chegou, inclusive, a sugerir a criação de uma OTAN muçulmana, algo que foi
recebido com horror em certos círculos na Turquia e entre os próprios membros
da nato. (BARRINHA, 2009, p. 168).
Por ter seu território tanto na Ásia quanto na Europa a Turquia se torna
um interessante aliado. Partes do antigo Império Otomano ainda permanecem
invisíveis na região do Oriente Médio, dominada por esse império por alguns
séculos, até o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
A Turquia se depara com movimentos que o governo considera
terroristas, como dos curdos, na região, e outros históricos, como a permanente
atenção em movimentações vizinhas, por exemplo a que gerou a crise no Chiper,
após a reação turca a um golpe militar local, apoiado por forças gregas e pela
Guarda Nacional Cipriota, em 1974.
Neste momento, as relações diplomáticas entre Israel e Turquia estão
oficialmente normalizadas. Ambos os países, porém, têm passado por
momentos de tensão mútua, desde o início do século, culminando com o caso
da Flotilha da Liberdade, em 2010, missão que trazia ajuda humanitária para
palestinos na Faixa de Gaza.
Enquanto a Turquia é um forte opositor ao governo de Assad, este tem
na Rússia seu principal aliado, os dois países têm objetivos divergentes na
geopolítica da região, o que foi evidenciado com a derrubada, em novembro, de
um caça russo por forças turcas – que acusaram a aeronave de violado o espaço
aéreo turco.
A Rússia considera a manutenção de Assad no poder crucial para a
defesa dos interesses russos no Oriente Médio; já o presidente da Turquia,
Recep Tayyip Erdogan, chegou a dizer que seria impossível para os sírios
"aceitarem um ditador que provocou a morte de até 350 mil pessoas. Todo esse

35
xadrez geopolítico e o aumento das tensões com diversos agentes internos e
externos provocam, na Turquia, o medo de mais atentados.
A Primavera Árabe deu à rivalidade política e ideológica entre a Turquia
e o Irã um maior ímpeto. Com a queda dos regimes autoritários na Tunísia, na
Líbia e no Egito, além dos levantes na Síria, no Lêmen e no Bahrein, minou a
ordem política no Oriente Médio. A Turquia e o Irã buscaram explorar a "nova
ordem" emergente na região para alcançar seus respectivos interesses no
Oriente Médio. A causa mais importante que contribuiu para as tensões
crescentes nas relações tem sido o apoio da Turquia ao presidente sírio, Bashar
al-Assad. A Síria é o único aliado verdadeiro do Irã no Oriente Médio. Desde
1979, o regime secular, dominado pelos alauitas, o regime baathista sírio e a
teocracia xiita iraniana têm fortemente apoiado um ao outro. A queda de Assad
seria um sério golpe estratégico para o Irã e poderia resultar no crescimento da
influência da Turquia. Também poderia ter um efeito de demonstração no Irã,
fortalecendo a oposição interna ao regime iraniano e aprofundando as divisões
atuais dentro da liderança iraniana.
Além disso, a aliança bélica do Irã com Assad se baseia em três
objetivos comuns: o desejo de conter a influência americana no Oriente Médio,
o enfraquecimento de Israel e, no passado, impedir a ânsia por poder do Iraque
comandado por Saddam Hussein.
Atualmente, Teerã e Damasco compartilham também a oposição à
Arábia Saudita e aos países sunitas do Golfo Pérsico. Em termos de estratégia
regional, a Síria é importante para o Irã como uma ponte para o Líbano, onde o
Hezbollah tem sua área central de atuação.
A Turquia em geral e o seu presidente, Recep Tayyip Erdogan, em
particular mantiveram excelentes relações com o regime Assad até meados da
década de 2000. Com a eclosão da guerra civil síria, o oposto se tornou verdade:
a Turquia passou a apostar na queda de Assad, apoiando a oposição síria. Por
território turco passam combatentes e armas – destinados muitas vezes a grupos
jihadistas, incluindo o "Estado Islâmico" (GOUSSINSKY, 2018).

4 A Turquia, seus Aliados Internos e a Síria no Cenário Atual


As ações da Turquia e seus aliados atualmente estão voltadas a
encontrar uma solução para o conflito que atinge o país sírio, onde o inimigo em
comum são os jihadistas do Estado Islâmico. Os principais aliados da Turquia
hoje são a Rússia e o Irã.
Desde 2017 os líderes Vladimir Putin, da Rússia; Hassan Rohani, do Irã
e Recep Tayyip Erdogan da Turquia, vem se reunindo em uma cúpula, onde o
objetivo é discutir a criação de um comitê encarregado de redigir uma nova
constituição para a Síria em face de uma transição política, essa cúpula é
chamada de “processo Astana” e foi ofuscado pelas negociações lideradas pela
ONU, que falhou em conseguir uma solução para o conflito. Em dezembro de
2018, a ONU admitiu a negligência na criação desse comitê, em relação aos
problemas com as mudanças propostas pelo governo sírio na lista de nomes.
O último encontro feito pelos três países para discutir essa problemática,
foi feito no dia 17 de janeiro de 2019, na cidade russa de Sochi. Antes disso
tivemos um encontro em setembro de 2018 no Irã, onde se apresentaram os
desacordos em relação ao futuro da província síria de Idlib, cujas várias facções
rebeldes coabitam e no momento foge do controle das forças de Assad.

36
A Turquia e o Irã compartilham de outro interesse em comum
atualmente, que é o combate aos curdos, que estão presentes na Turquia, Irã,
Síria, Armênia e Iraque, seu objetivo além de também combater o Estado
Islâmico, é de declarar sua autonomia. “Todos os movimentos curdos estão
unidos em oposição ao Estado Islâmico. Ao mesmo tempo, eles permanecem
mais do que felizes e preparados em tomar vantagem do enfraquecimento dos
governos centrais do Iraque e da Síria, causado pelo Estado Islâmico, para tentar
expandir o território que controlam” (David Romano, 2016, p. 1).
Armados pelos EUA como dito anteriormente, os curdos se tornam uma
problemática tanto para a Turquia, quanto para o Irã. Com a retirada das tropas
americanas, anunciada pelo presidente americano Donald Trump, os curdos
então voltam a ser alvos para os dois países.
Em janeiro de 2018 a Turquia realizou bombardeios aéreos contra alvos
curdos presentes na fronteira do país com a Síria, e também deu início a uma
investida terrestre, com apoio de fileiras de tanques de guerra, infantaria e de
peças de artilharia na região síria de Afri (FRANCA, 2010). O objetivo do país
turco foi fazer com que as forças curdas recuassem 30 quilômetros da fronteira
para o interior da Síria.
Com esse confronto entre os curdos, turcos e iranianos, é temido o
recomeço da guerra em um novo front, o que afeta os civis, que desde 2011
sofrem com ataques de forças como a do governo sírio, de rebeldes, de
potências estrangeiras e do grupo terrorista do Estado Islâmico.

5 A ocupação de Afrin (extremo norte da Síria)


A Turquia historicamente foi uma aliada de suma importância para a
União Europeia e para os Estados Unidos, sempre se preocupando em priorizar
sua aliança com o Ocidente. Entretanto, após 2002 nota-se uma mudança
significativa na política externa após a ascensão do partido da justiça e
desenvolvimento (AKP), “ao partido turco, o qual buscou estabelecer uma
harmonia entre as relações tanto com o Oriente Médio quanto o Ocidente,
redefinindo o papel da Turquia no seu entorno regional.” (FULLER, 2008, p. 1).
Com o advento da primavera árabe, em 2011, a Turquia obteve um
posicionamento e fez oposição ao governo de Bashar al-Assad, com tais
conflitos, a população curda, a minoria étnica na Turquia, foi expandindo- se, o
PKK estrategicamente fortaleceu laços com essa população, criando assim um
grupo intitulado Partido da União Democrática (PYD).
Após uma manifestação curda na Síria em 2004, o PYD promoveu a
formação de unidades de proteção popular (YPG), 7 anos depois de tal
acontecimento, o PYD notou uma oportunidade para ter mais autonomia na
região. O regime de Assad buscou remediar as inúmeras revoltas que
aconteciam, porém foi negligente quanto o território ao Norte, o que auxiliou o
avanço do PYD, com isto, em 2014, os curdos declararam sua autonomia na
região de rojava que é subdividida em 3 áreas administrativas: Afrin, Jazura e
Kobane.
A Turquia negou-se a reconhecer a autonomia de Rojava, tratando isso
como um momento de tensão devido aos empecilhos que já havia tido com a
sua própria população curda. É importante ressaltar que, enquanto isso, o grupo
intitulado Estado Islâmico (EI) estava expandindo suas forças na Síria e no
Iraque, o que redefiniu a importância dos cursos no combate contra o grupo
terrorista.

37
Os Estados unidos entraram na guerra e tinham como foco combater o
EI com ataques aéreos e em solo, porém, a Turquia não aceitou participar desta
missão. Os norte-americanos com receio de enviar o seu próprio exército
observaram os curdos uma alternativa contra o grupo terrorista.
“Em setembro de 2014, Kobane - que faz fronteira com a Turquia - foi
cercada pelo EI, sob a administração de Obama, os EUA lançaram munições,
suprimentos e produtos médicos para os combatentes curdos na região, na
tentativa de auxiliar no combate às forças extremistas.” (THE GUARDIAN, 2016).
Entende-se assim o motivo que levava a Turquia ser contra esse apoio norte
americano aos curdos.
O desempenho dos curdos foi notório contra o grupo extremista, obtendo
assim um espaço de respeito com os Estados Unidos. Após tais acontecimentos,
a Turquia teve grandes receios sobre a importância dos cursos frente aos
ataques do EI e principalmente, uma possível legitimação do PYD e o auxiliou
político e militarmente.
Era evidente que a aliança da Turquia e Ocidente estava fragilizada, por
isso, a mesma adentrou na coalização norte americana, reivindicando uma
atenção pela OTAN do que tange as preocupações com PYD.
O exército de Ancara e seus aliados conquistaram a cidade de Afrin e o
presidente turco Recep Tayyip Erdogan alegou que iria expandir as tropas para
outras áreas curdas no norte da Síria. No dia, 19 de março de 2018, o regime
sírio criticou a ocupação turca na cidade de Afrin, solicitando que a mesma fosse
retirada. Mas a conquista continua.
A Turquia havia lançado, com auxílio de rebeldes sírios, uma investida
no território de Afrin com o objetivo, de expulsar da fronteira a milícia curda YPG
(Unidades de Proteção Popular) que são consideradas por Ancara um grupo de
oposição, porém, a mesma, é vista como aliada pelos Estados Unidos na luta
contra os extremistas do EI na Síria.
É importante ressaltar que a Turquia responsabiliza as YPG de serem
aliadas da PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão). A administração curda
solicitou a mediação do regime de Damasco e a inserção das suas tropas na
fronteira para proteger o enclave de Afrin contra a ofensiva de Ancara, o regime
enviou uma pequena parcela de seus homens para apoiar os combatentes
curdos.

6 Considerações Finais
Até meados da década de 2000, a Turquia e o presidente Recep Tayyip
Erdogan mantinham uma relação diplomática com ... devido a Turquia estar em
uma localização entre a Europa e Oriente, mantendo um elo entre ambos.
Porém, após a Guerra Civil da Síria, esta relação transformou-se no oposto, e a
Turquia deu início ao apoio a oposição síria, com interesse na queda do
presidente sírio, Assad.
Desde o início da Guerra Civil da Síria (em 2011) a Turquia se fez
presente. Após o bombardeio do governo sírio aos manifestantes opositores ao
governo de Bashar al-Assad, a Turquia condenou os atos do governo agindo
rapidamente com reforços bélicos/militares apoiando a causa da revolta: o fim
do governo nada democrático de Bashar al-Assad. Fazendo parte da Oposição
Síria, a Turquia passou por vários momentos de tensões em seu território e no
combate às tropas que enfrentava no território sírio, e sua política interna sofreu
deveras mudanças que vieram a alterar também seus interesses.

38
A Guerra da Síria é atualmente o conflito geopolítico de maior
intensidade, pois sua duração já se contabiliza em 8 anos e os combates ainda
não cessaram. Milhares de civis refugiados correm em direção às fronteiras e
adentram nos países adjacentes pedindo ajuda, e a Turquia é um dos maiores
países que abriga estes refugiados por possuir fronteira de 822km de extensão
com a Síria.
Na situação atual, a maior preocupação turca é em relação aos curdos,
que dominam boa parte da porção norte do território Sírio. Tratados e encontros
entre os países opositores ao governo da Síria estão sendo realizados e
propostas de intervenções estão sendo traçadas para que estes atinjam seus
respectivos interesses, sendo que o principal dos objetivos do presidente da
Turquia (Erdogan) é estabelecer sua capital como uma potência influente no
Oriente Médio. Recentemente, a Turquia reagiu aos curdos, aliados dos EUA
(por receberem ajuda bélica), com bombardeios e investidas em artilharia
pesada, com uma fileira de tanques tentando afastar os curdos do norte da Síria
por uma pequena extensão, fazendo com que estes permaneçam longe do
estabelecimento de áreas curdas autônomas/independentes ao longo da
fronteira turca. Com este recente bombardeio, entraram em controvérsia com os
Estados Unidos, pois é seu aliado na Otan, mas também o principal apoiador da
milícia curda YPG, apoiando-os com armamento bélico.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Internacionais, P. 167-172. mar. 2019.
CHARLEAUX. João Paulo. Por que a Turquia bombardeia os curdos na Síria.
Jornal Nexo, Expresso, jan. 2019. Disponível em
<https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/01/22/Por-que-a-Turquia-
bombardeia-os-curdos-na-S%C3%ADria>. Acesso em 04. Jun. 2019.
FRANCA, G. C. Turquia ocupa a cidade de Afrin, noroeste da Síria. Jornal
Cruzeiro do Sul. Sorocaba, 23 de março de 2018. Disponível em:
<https://www2.jornalcruzeiro.com.br/materia/871012/turquia-ocupa-a-cidade-
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GOUSSINSKY, Eugenio. Turquia costura alianças e tenta se tornar a potência
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NASSER, Reginaldo Mattar; ROBERTO, Willian Moraes. A QUESTÃO CURDA
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39
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40
VIII. Antecedentes e Resultados da Intervenção Russa na Síria
Bruno Veronez, Dimas Sewaybricker, Hélio Coelho, Ivan Dias

Histórico

Desde os primeiros contratos de armamentos assinados em 1956, a


Síria e a União Soviética mantinham relações muito estreitas, que se
fortaleceram ainda mais no momento da união da República Árabe com o Egito
(1958-1961) e, depois, quando o Partido Baas, que preceituava um “socialismo
árabe”, chegou ao poder em 1963. Pouco antes de morrer, em 2000, o
presidente Hafez al-Assad aconselhou seu filho Bashar a preservar esse vínculo
essencial para que seu clã continuasse à frente do Estado.
De resto, após o fim da aliança com o Egito e a perda das instalações
de Alexandria e Marsa-Matruh, em 1977, o porto sírio de Tartus ficou sendo o
único atracadouro dos navios russos que cruzavam o Mediterrâneo. A ajuda da
Rússia à Síria aumentou desde o começo da Primavera Árabe. O
desmoronamento dos regimes tunisiano, egípcio e líbio, seguido da desordem
no Iraque e do advento da Organização do Estado Islâmico (OEI), em 2014,
convenceram Moscou de que era necessário manter a ajuda a Al-Assad e
reforçar posições na região. A instabilidade geral e a postura pouco clara da
política do Ocidente, em primeiro lugar a dos Estados Unidos, induziram também
alguns governos a diversificar suas parcerias. A França vendeu consideráveis
estoques de armas aos países do Golfo; a Rússia assinou contratos econômicos,
militares e técnicos com o Egito, o Iraque e a Jordânia.
Vários dirigentes políticos e funcionários árabes confidenciaram sua
nostalgia dos tempos do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, isto é, os anos
1950 e 1960, quando a disputa ideológica entre a União Soviética e o Ocidente
deixava aos árabes uma margem de manobra. Não foi por acaso, aliás, que o
presidente do Egito, Abdel Fatah al-Sissi, evocou em termos elogiosos seu ilustre
predecessor quando fazia campanha eleitoral em 2014. Investindo sem
tergiversações no novo homem forte do Cairo – recebido em Moscou no fim de
agosto de 2015 –, Putin renovou os antigos laços, o que lhe permitiu assinar um
contrato de venda de armamentos de 3 bilhões de euros.
A Rússia espera consolidar sua influência abrigando-se por trás do
direito internacional, como salientou Putin no discurso de 28 de setembro de
2015 à Assembleia Geral da ONU. Ele se ofereceu para coordenar, nos termos
de uma resolução do órgão, “as medidas de todas as entidades que enfrentam
o Estado Islâmico” (Malachenko, 2015).
Sem tentar recuperar o posto que a União Soviética ocupava nas
relações internacionais, a Rússia se volta para o Oriente Médio. Mas precisa lidar
com um paradoxo. De um lado, Al-Assad não é muito popular na maioria dos
países árabes, e essa aliança coloca a Rússia, de facto, ao lado do Irã, do
Hezbollah libanês e das milícias xiitas iraquianas, num confronto regional que
seus adversários sunitas apresentam cada vez mais como religioso. Por outro,
se Putin deseja mostrar tanto para a opinião russa quanto para seus parceiros
regionais o poder e a capacidade que tem de ajudar os amigos, não pode dar
prova de fraqueza “entregando” Al-Assad.
Do ponto de vista de Moscou, um acordo só seria possível se os países
ocidentais aceitassem que Al-Assad permaneça no poder durante um período a
ser definido. Foi o que Putin deu a entender durante a conferência da

41
Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC) em Duchambé,
Tadjiquistão, em 2015. Essa etapa permitiria a montagem de uma coalizão síria
que integraria os oposicionistas dispostos a romper com os movimentos
inspirados no jihad. Em seguida, o presidente cederia lugar, “de bom grado”, a
uma personalidade aceita tanto pelas principais forças políticas do país quanto
pelos agentes externos.
No entanto, o problema vai muito além da região. Discute-se
secretamente a hipótese de uma “troca” da Síria pelo Donbass, a parte da
Ucrânia dilacerada entre os partidários da integração à Rússia e os fiéis ao
governo de Kiev. Em outras palavras, se os Estados Unidos e seus aliados
levassem mais em conta os interesses russos na Síria, Moscou poderia se
mostrar mais compreensiva com relação à Ucrânia.
No fim de setembro de 2015, por intermédio da União Europeia, já se
chegou a um acordo sobre o gás a um preço conveniente tanto para Kiev como
para a estatal Gazprom, em dificuldade para obter novos contratos. A aplicação
plena dos acordos de Minsk I e II, assinados respectivamente em setembro de
2014 e fevereiro de 2015, continua incerta; entretanto, o último encontro de Paris,
no início de outubro, permitiu antever uma trégua sustentável no Donbass, com
a retirada efetiva das armas pesadas e com as duas partes aceitando a
realização de eleições locais para chegar a uma solução institucional.
Contudo, essa lógica do toma-lá-dá-cá não dissimula bem o impasse em
que se meteram os russos. Em seu discurso de setembro perante a Assembleia
Geral da ONU, Putin criticou alguns membros da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan) por terem “provocado de fora uma revolução armada que
acabou se transformando em guerra civil” (Malachenko, 2015). No entanto,
defendeu os acordos: “Não garantiremos a integridade da Ucrânia com ameaças
e pela força das armas. Cumpre levar em conta, realmente, os interesses e
direitos das populações do Donbass, respeitar sua escolha, dialogar com elas”.
Na Síria, persiste por enquanto uma incerteza total quanto ao pós-Al-
Assad e ao tipo de coalizão possível. Cada agente do conflito vê a solução do
problema à sua maneira. Moscou continua intensificando a ajuda militar e
técnica. O fluxo de armas aumenta, assim como crescem as tropas.
A intervenção direta dos aviões russos exige uma logística de peso.
Como os grupos hostis estão a apenas algumas dezenas de quilômetros, a base
aérea de Lattaquié precisa ser protegida por helicópteros de ataque Mi-24 e
tanques. As fontes oficiais falam numa mobilização de 2 mil homens, número
que os militares acham “suficiente”. Mas tudo isso pode ser mera cortina de
fumaça, pois já se constatou na Crimeia a dificuldade de saber o número exato
de soldados russos envolvidos. Em contrapartida, nada de novo quanto à
presença de consultores: especialistas militares russos enxameiam todo o
Oriente Médio desde os anos 1950.
O papel desses soldados poderia se limitar à proteção das principais
bases do Exército sírio e às operações especiais. A sociedade russa não
esqueceu o “pequeno contingente” enviado de início ao Afeganistão nem o
recrutamento que se seguiu (1979-1989) – provocando, segundo dados oficiais,
14 mil mortos e 50 mil feridos do lado soviético, e cerca de 1,5 milhão de mortos
do lado afegão.
Os ideólogos da OEI não deixam de insinuar que essa guerra desastrosa
contribuiu para a queda da União Soviética. Um quarto de século depois, a
popularidade de Putin sem dúvida não subirá às nuvens por conta de uma

42
intervenção em solo sírio, no entanto mesmo a Rússia sendo vista muitas vezes
como vilã, o tempo tem demonstrado que o país eurasiático tem a política mais
consequente para lidar com a crise síria. A Rússia buscou sempre uma solução
política entre governo e oposição, a resolução da questão das armas químicas
pela via diplomática e a defesa da prerrogativa das organizações internacionais
(e os principais atores regionais como Síria e Irã), para lidar com o Estado
Islâmico.

Contexto teórico

Diversas foram as teorias que influenciaram o pensamento geopolítico


dos EUA, entre elas a da influência do poder marítimo na história, elaborada por
Alfred Mahan em 1890. Considerado o pai do pensamento geopolítico dos
Estados Unidos, considerava que ao controlar certas porções marítimas
estratégicas seria possível obter o controle e influência de outras regiões.
No trabalho “O pivô geográfico da história”, elaborado por Halford
Mackinder em 1904, é dada ênfase ao poder em terra. Deste surge o conceito
de hearland, que configuraria o coração da terra, englobando parte da Ásia
Central e da Rússia, e que, quem a controlasse teria o domínio da ilha-mundo,
e quem controlasse a ilha-mundo controlaria o mundo.
Em uma nova fase do pensamento geopolítico, o Prometeísmo
elaborado pelo Marechal polonês Jósef Pilsudski considerava que a influência
sobre etnias não russas deste país levariam à fragmentação. Seu nome vem do
mito de Prometeus, que roubou o fogo de Zeus e entregou aos homens (Korybko,
2018).
Em 1944, Nicholas Spyckman revisita as ideias e Mackinder e chega a
ideia de rimland, ou terras da periferia. Nela, quem controla o rimland controla a
Eurásia, quem controla a Eurásia controla o mundo.

Hearland e rimland. (Fonte: Página Café Babylon¹).

43
Segundo Korybko (2018), em 1997, o ex-Conselheiro de Segurança
Nacional dos Estados Unidos, Zbigniew Brzezinski, publicou “O grande tabuleiro
de xadrez: a primazia estadunidense e seus fundamentos geoestratégicos”, nela
enfatiza as ex-repúblicas soviéticas como ferramentas fundamentais para
hegemonia estadunidense.
É importante ressaltar que, embora com abordagens distintas, o território
sírio faz parte de uma área não apenas sob influência russa como, por estar na
periferia da Eurásia, acaba servindo como degrau para desestabilização da
Rússia com vistas a um mundo unipolar tendo os Estados Unidos como
protagonista. Partindo disso e como novo meio de ação no exterior, na qual a
influência indireta ganha cada vez mais importância ante custosas incursões
militares, eventos como a Primavera árabe devem ser melhor compreendidos.

A Primavera Árabe
A Síria é governada pela família Assad desde 1970. Sob influência de
protestos ocorridos em países como a Tunísia, a população síria vai às ruas
pedindo pluripartidarismo, democracia, reformas no governo, melhores
condições de vida. Estas manifestações, de cunho pacífico são duramente
reprimidas, inclusive com o uso de veículos blindados. O que se vê depois é uma
escalada de violência mediante aumento de polarização. Como resultado, são
formados grupos dissidentes, milícias e guerrilhas que em muito caracterizam o
conflito na Síria (Soares, 2018).
Os elementos presentes caracterizam o que hoje é conhecido como
guerra híbrida, que possui dois estágios: golpe brando, na qual ocorrem
manifestações que, caso não sejam suficientes para derrubar um governo alvo,
são seguidas por um golpe duro, no qual o conflito armado passa a fazer parte
do cenário (Korybko, 2018).
A influência de agentes externos se dá por manifestações insufladas por
campanhas de informação, notadamente por redes sociais. O big data permite
traçar o perfil macrossocial de um povo, facilitando a ação de softwares como o
Persona, criado pelas Forças Armadas dos Estados Unidos, no qual por meio de
contas marionete em redes sociais, visa a geração de mentes de colmeia,
resultando em uma mentalidade de consenso segundo os interesses dos
agentes externos.

A intervenção Russa na Síria

A princípio, a Rússia evitava realizar uma intervenção militar direta no


conflito, no entanto, esta estratégia começou a mudar em setembro de 2015,
quando as forças russas iniciaram uma série de ataques aéreos em defesa de
Assad. (Sasaki, F. 2017)
O primeiro ponto a destacar é que a ascensão de Putin tem
impulsionado uma reafirmação internacional da Rússia. Para tanto, o governo
russo tem reorganizado setores chaves da economia, como o de
hidrocarbonetos e o bélico. Em paralelo à reconstrução econômica, depois dos
trágicos resultados do período Yeltsin, o governo russo tem buscado assumir
maiores responsabilidades no plano internacional, como atestam diversos
discursos e documentos. (Sasaki, F. 2017)

44
Os principais alvos da Federação Russa são as Bases do grupo
extremista Estado Islâmico (EI) e do Grupos sunitas anti-Assad(apoiados EUA),
sendo que durante o conflito os maiores sucessos militares dos russos
aconteceram em Aleppo e Palmira e o Kremlin ignorou as diversas acusações
de crimes de guerra contra civis. (Deutsche, W. 2018)
Podemos elencar que os objetivos Russos na Guerra da Síria tem
relação a vontade do presidente Vladimir Putin quis reposicionar seu país no
cenário internacional, principalmente como potência atuante no Oriente Médio;
Rússia e o Irã compartilham o objetivo de diminuir a influência dos Estados
Unidos no Oriente Médio; O presidente sírio também lucrou com a intervenção
russa: ele reconquistou grande parte da Síria. (Sasaki, F. 2017)
É preciso esclarecer que não apenas o conflito sírio colocaria, por si
próprios, a Rússia enquanto potência internacional: de fato, existem outros
elementos que explicariam esta realidade sendo que a atualidade do conflito
infere em constantes mudanças e alterações nos rumos deste. No entanto,
pondera-se que a participação russa no conflito está bem delimitada a partir dos
interesses e objetivos de Moscou no cenário global, evidenciando sua projeção
como polo de poder internacional (Pautasso,D et 2015).

Resultados

Das 21 bases militares russas espalhadas pelo mundo, apenas uma está
no Oriente Médio, situada em Tartus, sendo também a maior do gênero. Com a
participação russa no conflito, a manutenção da referida base está garantida.
Além da questão militar, questões econômicas também fazem parte do
escopo de interesses, sendo importante o projeto de um gasoduto Irã-Síria-
Rússia, em oposição ao que inclui o Qatar e conta com apoio dos Estados
Unidos. Com isso a Rússia busca manter importante fatia no fornecimento de
gás para a Europa.
Já o governo de Damasco acaba por não sofrer com maiores sanções
por parte da ONU, uma vez que sob o guarda-chuva russo conta com o poder
de veto no Conselho de Segurança. Ainda assim a economia do país não passou
incólume, uma vez que a União Europeia bloqueou a compra de petróleo sírio.
Conforme destaca Soares (2018), a retomada da Aleppo, segunda
cidade mais importante do país e uma das mais industrializadas, foi um fato
marcante, contando com apoio aéreo russo. Os dividendos políticos deste e
outros episódios ajudam a manter Assad no poder, mesmo mediante cessões,
como a entrega do arsenal químico do país em 2014.

45
Veículos bombardeados em Aleppo. (Fonte: Scott Bobb/VOA).

Com isso, fica evidente a atuação russa não apenas militar, mas também
no campo diplomático.
O Ocidente lamenta a onda de refugiados e deslocados, mas ao mesmo
tempo fomenta o conflito.
• Saldo:
470 mil mortos
7,6 milhões de deslocados
4,1 milhões de refugiados
Organizações humanitárias como os Médicos sem fronteiras ainda
enfrentam dificuldades para atuar em diversas localidades do país, seja quanto
ao acesso, emissão de vistos, etc (Brito, 2018).
Minas terrestres seguem causando mutilações.

“Espólios”
A intervenção reforça a posição da Rússia no cenário internacional. O
oriente médio é uma das maiores áreas de conflito mundial, na qual existem
interesses diversos, políticos e estratégicos, de forma que aqueles que podem
influenciar o conflito tem certa vantagem nesses dois aspectos. Ao apoiar Assad,
a Rússia se consolida, principalmente ao diminuir a influência de países
opositores, como os Estados Unidos.
Também existe o interesse no comércio de armas. A colocação de
combates armados e a consequente declaração de estado de guerra civil, gera
demanda para esse mercado, de maneira que a Rússia, prestando esse auxílio
ao governo sírio, desponta como a única opção óbvia para atender a esse
mercado.
Por fim, existe a questão da soberania nacional. Ao se colocar ao lado
de Damasco, o governo russo passa uma mensagem importante: a de que o
governo de qualquer país deve ser uma questão interna, não devendo haver
intervenções por parte de outros países, ou mesmo organizações internacionais,
para dizer como um Estado deve ser gerido. Isso se deve ao fato de que essa
prática intervencionista realizada pelos países ocidentais é, sob o olhar dos

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russos, uma ameaça em potencial ao seu próprio governo, segundo o qual isso
seria mera retórica humanitária para dispor de um plano de controle muito mais
agressivo do que qualquer mal que um país possa infligir a si mesmo.
Na contrapartida, pode-se observar que a ação intervencionista russa
pode gerar sérias consequências sociais para seu próprio povo e seu próprio
território, à medida que as tensões aumentam com a influência estrangeira e
podem se colocar como um entrave para o desenvolvimento da própria política
interna.
A Rússia, cuja população possui cerca de 12% de muçulmanos, passou,
após a intervenção, por muitos protestos. Nesse cenário, repúblicas da região
que já possuem uma tendência política separatistas podem ser fomentadas por
essa nova linha de ação. Além disso, também tornou-se um alvo de atentados
terroristas por parte dessa população islâmica e também por grupos externos.
Ainda, há na Rússia uma grande quantidade de imigrantes provenientes
do oriente médio e dos antigos integrantes da união soviética, esses que
possuem uma situação marginalizada, permeada de preconceitos e ações
xenofóbicas partindo dos locais. A convergência desses fatos pode resultar em
alargamento das fileiras extremistas à medida que esses grupos tendem a ser
mais oprimidos e podem querer lutar por espaço. A situação gera uma imensa
contradição, posto que, supostamente, a intervenção possuía o objetivo inicial
de combater o terrorismo.

Referências Bibliográficas
BRITO, R. Guerra da Síria: entenda os motivos, objetivos e qual a atual situação
desse conflito. 2018. Disponível em
<https://www.stoodi.com.br/blog/2018/05/08/guerra-da-siria/>. Acesso em 17
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Paulo: Expressão Popular, 2018.

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Rússia no Conflito Sírio. Revista Brasileira de Estudos de Defesa, Porto Alegre,
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SOARES, J. V. S. A Guerra Civil na Síria: atores, interesses e desdobramentos.


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<http://www.marilia.unesp.br/Home/Extensao/observatoriodeconflitosinternacio
nais/serie---a-guerra-civil-na-siria---atores-interesses-e-desdobramentos.pdf>.
Acesso em: 18 mai. 2019.

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