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política c&T Difusão y

O futuro do
acesso aberto
Com oferta gratuita dos papers da
União Europeia a partir de 2020, publicações
científicas procuram novos modelos

Fabrício Marques

A
decisão da União Europeia de disponi- de pagar pelo download. É certo que os custos de
bilizar de forma livre e gratuita a partir publicação aumentaram. Segundo estudo divulga-
de 2020 todos os papers produzidos do em fevereiro por Adam Tickell, vice-reitor da
em seus estados-membros promete Universidade de Birmingham, as universidades do
dar novo fôlego ao Acesso Aberto, mo- Reino Unido gastaram £ 33 milhões, o equivalente
vimento lançado no início dos anos 2000 com o ob- a R$ 150 milhões, em custos associados apenas à
jetivo de franquear o acesso à produção científica, publicação em acesso aberto em 2015 – quase 20%
que avança lentamente. Estima-se que apenas um do gasto geral com publicações. “Embora haja con-
em cada quatro novos artigos seja publicado atual- senso sobre os benefícios do acesso aberto no Reino
mente nesse regime – os demais, no momento em Unido, os desafios financeiros persistem”, escreve
que são divulgados, só podem ser vistos por assinan- Tickell. “As universidades estão preocupadas com a
tes ou por usuários que aceitem pagar pelo down- preferência pela via dourada pela pressão que isso
load. As apostas em torno do modelo de acesso aber- está provocando em seus orçamentos de pesquisa.”
to que irá ganhar mais impulso estão divididas. Em países como a Espanha, que começou a criar
A experiência do Reino Unido, que começou a repositórios no início dos anos 2000 e onde 11 das
adotar em 2014 uma estratégia desse tipo envol- principais universidades exigem desde 2009 que
vendo a pesquisa produzida em 107 instituições a produção científica de seus pesquisadores seja
ligadas aos seus Conselhos de Pesquisa (RCUK, divulgada em acesso aberto, a chamada via verde
em inglês), deu força à chamada via dourada (gol- (green road) tem mais tradição. Trata-se de um
den road), na qual as próprias revistas científicas modelo no qual cada pesquisador arquiva no ban-
garantem o acesso livre ao conteúdo que publicam co de dados de sua instituição uma cópia de seus
– cobrando mais caro do autor e isentando o usuário trabalhos científicos publicados em periódicos,

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que ficam disponíveis ao público. Quem flagrado, a SciELO é um programa espe- ria Crestana, coordenadora do Sistema
quiser ler o artigo sem pagar pode recor- cial da FAPESP lançado para aumentar Integrado de Bibliotecas (Sibi) da USP.
rer a esses repositórios. Muitas editoras a visibilidade de publicações científicas O repositório foi criado por iniciativa
permitem que os autores depositem seus brasileiras que, até o século passado, es- e com apoio da FAPESP, que instituiu
artigos em repositórios apenas depois tavam escassamente indexadas em bases uma política de publicação de resulta-
de um período de embargo, em geral de de dados internacionais. Outra iniciati- dos de pesquisas científicas financiadas
seis meses pelo menos. Outras cobram va brasileira foi a criação, em 2013, do com recursos públicos em acesso aber-
um valor extra para liberar o embargo. Repositório da Produção Científica do to. Os registros disponíveis atualmente
“O crescimento dos repositórios institu- Conselho de Reitores das Universidades compreendem, principalmente, as teses,
cionais é um mecanismo relativamente Estaduais Paulistas, o Cruesp (cruesp. dissertações e artigos científicos publi-
barato para ampliar o acesso à pesqui- sibi.usp.br), que contava, no início de cados nos últimos 10 anos, quando as
sa financiada com recursos públicos”, julho, com mais de 400 mil registros universidades começaram a oferecer es-
pondera Tickell. de artigos, teses e dissertações e outros se tipo de produção em formato digital.
Já o Brasil tem um modelo bastante trabalhos científicos, sendo 195.242 da “No caso da USP, a produção científica
peculiar, com a oferta da biblioteca ele- Universidade de São Paulo (USP), 116.162 coletada desde meados dos anos 1980
trônica SciELO, que reuniu uma coleção da Universidade Estadual de Campinas supera os 700 mil registros, muito mais
de mais de 200 publicações brasileiras (Unicamp) e 89.664 da Universidade Es- do que está disponível no repositório.
ilustraçãO daniel kondo

de acesso aberto de todos os campos do tadual Paulista (Unesp). Mas essa produção pode ser acessada em
conhecimento, cujos artigos podem ser “O repositório é a soma dos acer- nossas 48 bibliotecas”, afirma a coorde-
baixados da internet de forma livre e gra- vos depositados nas três universidades nadora do Sibi.
tuita. Criada em 1997, seis anos antes de e pode ser acessado por meio de uma O debate sobre as tendências está em
o movimento do Acesso Aberto ser de- ferramenta de busca comum”, diz Ma- aberto. “Tanto a via dourada quanto a

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verde são aceitáveis”, avalia Robert-Jan
Smits, diretor-geral de pesquisa e inova-
ção da Comissão Europeia. A via dourada
parece levar alguma vantagem, a julgar
pela estratégia da Holanda, país que, ao
assumir a presidência rotativa da União
Europeia em janeiro, colocou em pauta a
ambição de instituir o acesso aberto para
pesquisas realizadas dentro do bloco e pa-
trocinadas com recursos públicos. Desde
1º de janeiro, a Organização para Pesquisa
Científica da Holanda (NWO), principal
agência de fomento do país, exige que pa-
pers resultantes de projetos de pesquisa
apoiados por ela sejam publicados em
acesso aberto – e deixou claro que tem
preferência pela via dourada, com efei-
tos mais rápidos e mais fácil de controlar.
Ao mesmo tempo, propôs que versões
de artigos anteriores ao processo de revi-
são, os chamados preprints, sejam depo-
sitadas em repositórios de acesso aberto.
Para Sander Dekker, secretário de edu-
cação, ciência e cultura da Holanda, a
via dourada é a solução mais justa pois
reconhece que as editoras científicas for-
necem um serviço valioso que precisa ser ra o prestígio pertença a eles próprios.
remunerado. Segundo ele, um dos pro- Revistas não produzem conhecimento,
blemas da via verde é que muitas revistas apenas o comercializam.”
permitem que um artigo seja disponibili- “A publicação Outra dificuldade em criar um modelo
zado em um repositório de acesso aberto prevalente é que cada campo disciplinar
apenas depois de cumprir um embargo científica tem uma demanda peculiar envolvendo a
de vários meses. “Acesso adiado é acesso publicação do conhecimento. “O modelo
negado”, disse à revista Science.
continuará por da física provavelmente não é aplicável à
muito tempo filosofia. Há questões culturais relaciona-
embates das ao ethos de cada disciplina que deve-
Na avaliação de Sely Maria de Souza Cos- nas mãos riam ser levadas em conta”, afirma Sely.
ta, professora da Faculdade de Ciência da O conhecimento em física, ela observa, é
Informação da Universidade de Brasília das grandes compartilhado em repositórios de aces-
(UnB), a via dourada possivelmente avan- so aberto como o ArXiv desde os anos
çará mais na União Europeia. “É um ca-
editoras”, 1990 e rapidamente discutido por pes-
minho mais seguro porque não provoca diz Sely Costa, quisadores de vários países. “A geração
embate entre editores e autores. E a in- do conhecimento em física é de interesse
tenção é implementar o acesso aberto da UnB universal e precisa circular rapidamen-
em apenas quatro anos, um prazo que é te.” Já em filosofia e em outras áreas das
muito curto”, afirma Sely, que participou ciências humanas e sociais a construção
no início de junho de um debate sobre do conhecimento é mais lenta e com fre-
o futuro do acesso aberto numa confe- quência gera interesse mais regional do
rência internacional sobre publicações com mais velocidade porque duas for- que universal. “A demanda, nesse caso,
acadêmicas em Göttingen, na Alema- ças atuam como um contrapeso. “Uma é disponibilizar o conhecimento no re-
nha. “Ninguém sabe muito bem o que delas são as editoras, que cobram caro positório de uma instituição”, informa.
vai acontecer. A publicação científica para publicar bons artigos científicos. As editoras científicas, enquanto ten-
continuará por muito tempo nas mãos Elas têm se curvado a pressões, mas vêm tam preservar suas margens de lucro,
de grandes editoras, mas elas vão grada- conseguindo preservar seus negócios”, têm feito concessões. Numa recente ne-
ilustraçãO daniel kondo

tivamente procurar uma fórmula híbrida diz. “E a outra é uma ampla parcela dos gociação com grandes editoras envolven-
de publicação, pois perceberam que a autores, que ainda prefere publicar nas do o preço de assinaturas, a Associação
questão do acesso aberto é irreversível.” revistas de maior impacto e não se im- das Universidades da Holanda exigiu
Segundo Sely, o movimento do Acesso porta se o artigo terá acesso restrito. Eles que os artigos de seus pesquisadores fos-
Aberto tem tido dificuldade de avançar buscam o prestígio das revistas, embo- sem disponibilizados em acesso aberto.

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se alterou até a década de 1990. Com a
migração das revistas para o digital, nos
anos 2000, passamos a servir a uma outra
camada de usuários, que são os gestores,
oferecendo análises e indicadores dispo-
níveis com a produção científica digita-
lizada. Agora, com a aquisição da SSRN,
queremos conhecer melhor a interação
de pesquisadores com sua comunidade
e sua produção científica. Dessa forma,
poderemos oferecer serviços melhores
para eles”, diz Dante Cid, vice-presidente
para relações acadêmicas na América
Latina da Elsevier. “Há uma riqueza de
informações nos registros do SSRN que
poderiam ajudar a orientar os editores
que tentam adquirir bons manuscritos
para publicação ou ajudar no desenvol-
vimento de negócios”, escreveu Roger
“O digital merece ganhar importância Schonfeld, especialista em comunica-
ção científica nos Estados Unidos, em
no portfólio de editoras universitárias”, seu blog no site The Scholarly Kitchen.
A dificuldade de prever o futuro no
afirma Jézio Gutierre, da Editora Unesp mercado das editoras científicas deriva
de um impasse bastante conhecido em
outros segmentos do mercado da comu-
As editoras Springer, Wiley e Sage acei- As receitas vêm de universidades que nicação: não se encontrou uma forma
taram. Já a Elsevier, que é a maior edi- utilizam a rede para divulgar sua pro- alternativa de financiamento capaz de
tora de literatura médica e científica dução científica, assim como um serviço compensar a perda de receita com a ofer-
do mundo, com mais de 2 mil revistas, de assinatura que alerta usuários sobre ta de informação gratuita na internet.
concordou em disponibilizar em acesso a chegada de artigos relevantes. No caso das editoras universitárias, que
aberto 30% dos artigos de autores ho- A aquisição faz parte de uma estra- dependem de recursos orçamentários
landeses publicados em suas revistas tégia da Elsevier de diversificar suas das instituições a que estão vinculadas,
de acesso fechado, a partir de 2018. Em fontes de receita. Em 2013, a empresa o futuro é ainda mais confuso. “Não se
2012, a Elsevier foi alvo de uma campa- comprou o Mendeley, rede social popu- pode conceber que o conhecimento gera-
nha por apoiar um projeto no Senado lar nos meios acadêmicos por meio da do numa universidade pública fique fora
norte-americano que buscava reverter a qual é possível saber que artigos estão do alcance da sociedade, mas é preciso
política criada pelos Institutos Nacionais sendo mais acessados por pesquisado- encontrar uma forma de financiamento
de Saúde (NIH), segundo a qual toda res de uma determinada área – ou tam- que permita a sobrevivência financeira
pesquisa apoiada pela instituição passou bém o que certo pesquisador está lendo das editoras universitárias e isso passa
a ser oferecida em acesso aberto. Cien- e recomendando aos colegas. Na época, por uma discussão de política institucio-
tistas de prestígio, entre eles três mate- discutiu-se se os usuários perderiam a nal”, diz Jézio Hernani Bonfim Gutierre,
máticos ganhadores da Medalha Fields, confiança no serviço, sob o comando de diretor-presidente da Fundação Edito-
convocaram um boicote à editora, que uma editora. Não foi o que aconteceu. A ra da Universidade Estadual Paulista
acabou recuando do apoio ao projeto. base de usuários do Mendeley saltou de (Unesp) e professor do Departamento
2,5 milhões para 5 milhões em três anos de Filosofia da Faculdade de Filosofia e
fontes de receita e o número de funcionários aumentou Ciências, campus de Marília.
Agora, a editora resolveu tirar algum de 50 para 200, na maioria dedicados Um caminho, afirma Gutierre, é in-
benefício do avanço do acesso aberto. ao desenvolvimento de novos produtos vestir na mudança representada pela
Em maio, anunciou a compra da Social digitais. Esse grupo deverá trabalhar em chegada avassaladora dos meios eletrô-
Science Research Network (SSRN), re- conjunto com a SSRN após a aquisição. nicos à comunicação científica. A Editora
positório de acesso aberto no qual mais Uma das ideias é criar elos entre as duas Unesp lançou, no últimos anos, mais de
de 300 mil pesquisadores de ciências redes. Outro plano é ligar os preprints da 300 livros de pesquisadores da universi-
sociais e humanidades já divulgaram SSRN à base de dados de revistas cientí- dade exclusivamente em formato de e-
artigos e trabalhos ainda não publicados ficas Scopus, que pertence à Elsevier, a -book, que renderam mais de 12 milhões
em revistas ou livros, os preprints. Cria- fim de produzir indicadores de desem- de downloads. “O digital merece ganhar
do em 1994, o SSRN não cobra nada dos penho de autores da rede. importância no portfólio de editoras
autores que depositam seus trabalhos “A Elsevier vinha trabalhando num universitárias, mas resta o desafio de
nem dos leitores que fazem download. modelo editorial tradicional que pouco ampliar as fontes de recursos.” n

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