Você está na página 1de 14

PERCEPÇÕES DE PESQUISADORES

relato de pesquisa
BRASILEIROS SOBRE O ACESSO ABERTO
À LITERATURA CIENTÍFICA

Ariadne Chloe Mary Furnival*


Nelson Sebastian Silva-Jerez**

RESUMO: A pesquisa se propôs explorar como várias dimensões do acesso


aberto à literatura científica são percebidas por pesquisadores
brasileiros, identificando também seus hábitos de publicação, uso
e citação de fontes em acesso aberto. A abordagem metodológica
foi quantitativa, com aplicação de um questionário a 643 doutores
permanentes distribuídos nas universidades brasileiras, oriundos
de todos as áreas disciplinares. O questionário foi elaborado com
auxílio da plataforma livre LimeSurvey, sendo composto por 29
questões fechadas. Foram recebidos questionários respondidos
por pesquisadores oriundos de 31 Institutos de Ensino Superior e
Institutos de Pesquisa no Brasil. A estratificação por área mostrou
uma distribuição relativamente equilibrada entre os campos de
conhecimento, com a maior porcentagem sendo das Ciências da
Saúde (21%), seguido pelas Ciências Exatas e da Terra (20,1%),
e a menor porcentagem, de 1,1%, de Linguística, Letras e Artes.
Os resultados apontaram que a grande maioria dos pesquisadores
respondentes detém conhecimento sobre, e apoiam os princípios
e algumas ações de acesso aberto, principalmente em relação à
publicação de revistas acesso aberto, o que reflete também nos
seus hábitos de uso e citação dessas fontes. Comparativamente,
o conhecimento e uso de repositórios é menor, e parece haver * Doutora em Política Científica e Tec-
uma certa confusão em relação ao status de copyright dos artigos nológica pla Universidade Estadual de
Campinas, Brasil. Professora Associada
arquivados em repositórios. Ficou evidente que os pesquisadores do Departamento de Ciência da Infor-
acreditam que somente os postprints deveriam ser disponibilizados mação da Universidade Federal de São
Carlos, Brasil.
em repositórios. O desconhecimento identificado acerca da E-mail: chloe@ufscar.br.
compatibilidade entre a publicação em revistas “convencionais”,
** Mestre em Ciência da Informação
de assinatura e o arquivamento do mesmo artigo em repositórios pela Universidade Estadual Paulista Julio
em acesso aberto aponta a necessidade de maiores iniciativas de Mesquita Filho, Brasil. Doutoran-
informativas para esclarecer esses aspectos. do no Programa de Pós-Graduação em
Ciência da Informação da Universidade
Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho,
Palavras-chave: Acesso aberto. Pesquisadores. Opiniões. Publicação. comuni- Brasil.
E-mail: agentecounter-assuntosacademi-
cação científica. cos@yahoo.com.br.

1 INTRODUÇÃO licenças abertas) e constitui essencialmente


um movimento na direção da informação e

A
publicação científica em acesso aberto conhecimento como um bem público. Como
faz parte de um cenário mais amplo observa Benkler (2010, p. 217, tradução nossa),
em prol da abertura ao conhecimento “Nos últimos anos, uma coalizão diversa de
em geral (acesso aberto, dados abertos, movimentos, atores políticos e econômicos,
recursos educacionais abertos, software livre, ONGs, cientistas e outros acadêmicos, começaram

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017 153
Ariadne Chloe Mary Furnival e Nelson Sebastian Silva-Jerez

a se reunir em torno da ideia ou slogan, ‘acesso Nesse sentido, os indicadores são


ao conhecimento’ – A2K.”. No contexto do acesso desapontadores: apenas em torno de 30% do total
aberto (no inglês open access) à literatura científica, dos 2,5 milhões de artigos científicos publicados
este surge da convergência de dois fatores: no mundo anualmente está disponível em canais
um é a antiga boa-vontade de investigadores acesso aberto (BJÖRK et al., 2010; HAJJEM et
e cientistas publicarem os resultados de suas al., 2005). Harnard (2006) acrescenta que apenas
pesquisas em revistas científicas, sem qualquer 15% dos autores científicos auto-arquivam seus
remuneração, apenas em prol da investigação e artigos em repositórios institucionais. Em 2007,
difusão do conhecimento; e o outro é o crescente Davis e Connolly (2007) observaram que, apesar
aumento do acesso à internet (RODRIGUES, do investimento institucional, o repositório
2004; SUBER, 2012). O benefício público que as institucional da Cornell University nos EUA
duas possibilitam é a distribuição eletrônica, estava sendo consideravelmente subutilizado
em uma escala mundial, da literatura científica pelo corpo docente dessa universidade, e
com revisão pelos pares, de forma gratuita e, se de modo semelhante, Ferreira et al. (2008)
for em acesso aberto, sem restrições de acesso reclamaram que os esforços para encorajar o
e reuso aos interessados. É reconhecido que a arquivamento no repositório institucional da
eliminação de barreiras de acesso à literatura Universidade de Minho, lançado em 2003, “não
científica ajudará a acelerar a pesquisa e evolução surtiram os efeitos esperados” na época. Swan
da ciência, enriquecer a educação e subsidiar a (2006b) relata que dos autores entrevistados nas
tomada de decisões de políticas públicas. pesquisas realizadas por ela e Brown (SWAN
Suber (2010, p.1), um dos idealizadores do e BROWN, 2004; 2005), 20% auto-arquivaram
movimento de Acesso Aberto, indaga: “Por que cópias num repositório de acesso aberto e 25%
não há mais autores que aproveitem da revolução submeteram um artigo a uma revista acesso
de acesso para alcançar mais leitores?”. Tal aberto, embora 49% tenham afirmado que tinham
questionamento alude ao consenso na literatura a intenção de submeter. Esses números, segundo
de que os desafios técnicos para alcançar o Swan (2006b, p.67), não sustentam a noção de
acesso aberto têm sido resolvidos, mas aqueles que os pesquisadores se importam mais do que
relacionados às ações visando à mudança de tudo com fazer um impacto no seu campo de
hábitos e incentivos para a publicação em acesso pesquisa.
aberto continuam sendo os mais formidáveis Tudo isso está em nítido contraste
a superar. Mas é verdade afirmar que, se a com o crescimento contínuo do número de
comunidade científica não aderir ao acesso aberto repositórios de acesso aberto sendo implantados
– da perspectiva de disponibilizar sua produção mundialmente. Um diretório que os cadastra,
em canais de acesso aberto (seja pela “via o OpenDOAR, mostra que seu número (que
dourada”, ou pela “via verde”) – então este pode inclui a categoria “biblioteca digital”) teve
estar fadado a fracassar. Estudos de várias partes um crescimento de quase 2.500% entre 2005
do mundo demonstram que são justamente os e 2017 (OpenDOAR, 2017), alcançando 3.291
pesquisadores o grupo que tem sido mais difícil repositórios registrados no mês de janeiro de
a convencer a “abraçar a causa” do acesso aberto, 2017. Ao mesmo tempo, há indicativos que o
tendo sido surpreendentemente resistentes em cenário de acesso aberto da via verde no Brasil
adotar práticas e hábitos para acelerar a sua ainda pode ser classificado como incipiente:
difusão e consolidação: apesar dos 91 repositórios brasileiros cadastrados
no OpenDOAR, Prost e Schöpfel (2014) não
conseguiram identificar repositórios de acesso
No entanto, os próprios pesquisadores, aberto na América do Sul contendo mais que
têm sido os mais difíceis a motivar para
agir. (...) em geral os pesquisadores
10 mil itens para incluir no seu levantamento,
tem sido lentos em agir de forma que um cenário que contrasta com o estado
possa concretizar o acesso aberto, comparativamente saudável da via dourada
constituindo um retardador significativo brasileira, que deve-se principalmente ao sucesso
ao progresso deste, já que sua do SciELO, com seus 279 títulos correntes
implementação fica principalmente nas
mãos da própria comunidade científica
de revistas acesso aberto (do SciELO Brasil,
(SWAN, 2006a, p.65; tradução nossa). exclusivamente).

154 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017
Percepções de pesquisadores brasileiros sobre o acesso aberto à literatura científica

Cabe perguntar se os pesquisadores de pesquisadores sobre o acesso aberto e uma


da comunidade científica no Brasil percebem das perguntas feitas foi sobre o que pensam
as potenciais vantagens1 de disseminar suas a respeito das políticas que os obrigariam a
publicações em canais de acesso aberto, e por depositar cópias (os chamados mandatos) dos
que existe uma relativa baixa adesão à via verde seus trabalhos em repositórios de acesso aberto,
para a disseminação e publicação em acesso advindos das instituições ou das agências de
aberto. Mas ainda existem poucas pesquisas no fomento. A grande maioria disse que cumpriria
Brasil que exploram as opiniões e percepções da com tais mandatos voluntariamente, 14%
comunidade científica brasileira sobre o acesso cumpriria com relutância e apenas 5% disse que
aberto. não cumpriria com o mandato. Mas a realidade
Propôs-se aqui, então, levantar as não reflete tal “vontade”: no máximo, 20%
opiniões de uma amostra de pesquisadores da auto-arquiva e 25% publica em revistas acesso
comunidade científica brasileira, em relação aberto. Em outra pesquisa, realizada por Davies
à crescente disseminação e publicação em (2011) com um pequeno grupo de 82 químicos
acesso aberto. Mais especificamente, buscou-se e economistas de 11 universidades no Reino
identificar os fatores que afetam a sua aceitação Unido, os pesquisadores entrevistados pareceram
ou sua resistência em publicar suas pesquisas nas não ter conhecimento do mandato de acesso
revistas acesso aberto ou depositar cópias dos aberto da suas respectivas instituições: de um
seus trabalhos em repositórios de acesso aberto, grupo de 54 pesquisadores cujas universidades
além de mapear aspectos do comportamento têm mandatos, apenas 7 entrevistados tinham
informacional desses pesquisadores como certeza desse fato. Do modo semelhante, dos 65
usuários de informação no que diz respeito pesquisadores cujas agências de fomento operam
ao seu acesso, uso e percepções de fontes com um mandato, apenas 14 afirmaram que esses
disponíveis em acesso aberto. mandatos existiam. Sendo que a maioria dos
Os pesquisadores se localizam nos dois entrevistados nesse estudo já estava engajados
pontos da cadeia da comunicação científica, com acesso aberto, a implicação é que a política
como produtores do objeto do movimento de institucional teve pouco impacto (Davies, 2011).
acesso aberto – a saber, conhecimento científico Um entrevistado alegou que se soubesse da
na forma de publicações científicas – e como existência de tal tipo de mandato, ele até sentiria
usuários do mesmo, cujo livre acesso à pesquisa menos vontade de se engajar com o acesso aberto.
científica publicada constitui uma parte crucial Em outro estudo, realizado por Stone
do ciclo de pesquisa. Os pesquisadores da (2010) na sua própria instituição, 88% dos
comunidade científica, como produtores e respondentes eram a favor dos princípios do
usuários das publicações, constituem a razão de acesso aberto e 86% a favor do depósito dos seus
ser do movimento Acesso Aberto. artigos no repositório institucional, manifestações
de apoio estas que contrastam com o apenas 29%
da produção científica disponível no mesmo.
2 ESTUDOS DAS PERCEPÇÕES Por volta de 72% dos respondentes nesse estudo
DOS CIENTISTAS SOBRE ACESSO eram a favor de publicar em revistas acesso
ABERTO aberto, embora houvessem alguns comentários
demonstrando preocupação com o processo
O descompasso entre os esforços em de revisão pelos pares em tal tipo de revista,
implementar o acesso aberto e os resultados preocupação esta que se repete em outros
alcançados, tem levado muitos autores a estudos.
identificar as possíveis barreiras que inibam Num estudo realizado com pesquisadores
a adoção por pesquisadores de práticas de brasileiros oriundos do estado de Rio de
publicação e disseminação em canais de acesso. Janeiro, Chalhub e Ribeiro (2011) reportaram
Swan e Brown (2005) levantaram as opiniões que dos 28 pesquisadores estudados somente
quatro (um da área de Ciências Biológicas
1 Hoje existe um corpo substancial de pesquisa bibliométrica que e três de Engenharia) nunca fizeram uso de
comprova a existência de uma “Vantagem de citação de acesso aberto” canais de acesso aberto para a divulgação dos
(Open Access Citation Advantage) – a OACA. Veja “The open citation
project” em http://opcit.eprints.org/oacitation-biblio.html
seus resultados da pesquisa, com as revistas

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017 155
Ariadne Chloe Mary Furnival e Nelson Sebastian Silva-Jerez

sendo o mais utilizado (79%) dos respondentes, prestígio e respeito nos seus respectivos campos
seguido por 25% que utilizaram repositórios. que estas têm quando comparadas com aquelas
Quando perguntado se tiveram motivos para não de acesso aberto (Moore, 2011). Uma pesquisa
disponibilizar seus artigos em acesso aberto, 68% feita por Bongiovani, Gómez e Miguel (2012),
dos pesquisadores entrevistados disseram que que levantou as opiniões de 532 pesquisadores
não tiveram motivos, mas nas transcrições de argentinos em relação à publicação em acesso
algumas falas dos entrevistados naquele estudo, aberto exclusivamente em revistas, demonstrou
vários manifestaram certo receio de infringir o que estes apoiam a ideia, conhecem títulos de
copyright do artigo caso decidissem arquivá-lo revistas acesso aberto nas suas respectivas áreas,
num repositório de acesso aberto. Esta apreensão mas tal apoio “retórico” não se reflete nas suas
parece ser um sentimento quase unânime práticas de publicação, que continuam sendo nas
entre os pesquisadores de todos os estudos das revistas de assinatura.
opiniões e percepções de acesso aberto entre os Este tipo de preocupação está espelhado
pesquisadores. no estudo realizado por Park e Qin (2007) que
Swan e Brown (2005) chamaram a atenção entrevistaram 14 pesquisadores, uma mistura
para a falta de conhecimento entre pesquisadores de doutorandos e docentes, da Universidade
dos seus direitos sobre seus próprios trabalhos de Syracruse. Queriam estudar os fatores
em relação ao arquivamento, especificamente que aumentam ou diminuem a vontade dos
o fato de que 90% das editoras comerciais pesquisadores publicarem em, e usarem as
permitem arquivamento do postprint (Swan, revistas acesso aberto somente (ou seja, o foco
2006b, p.67). A apreensão acerca da questão foi exclusivamente na via dourada). Para tanto,
de copyright é frequentemente explicada como examinaram as percepções dos pesquisadores
reflexo da falta de uma leitura detalhada do relativas à qualidade, reputação, disponibilidade
acordo de transferência de copyright por parte e relevância destas revistas. Não é de se
dos pesquisadores antes de assiná-lo, mas surpreender que um resultado claro da pesquisa
Stone (2010) levantou um dado contrariando desses autores é que a percepção da qualidade
esse “senso comum”: 68% dos pesquisadores e reputação da revista afeta a disposiçãodos
do estudo afirmam ler esse acordo, mas 65% pesquisadores para publicar nela. Mas um
não concordam com aquilo que assinam, paradoxo que o estudo levantou foi que por um
acreditando que os direitos deveriam ficar com lado, a percepção que os pesquisadores têm da
o autor ou com a instituição de origem do autor. disponibilidade dos artigos em acesso aberto
O estudo de Moore (2011) com pesquisadores é positiva do ponto de vista de progresso na
da Universidade de Toronto identificou que a carreira, pois dá mais visibilidade à pesquisa,
maior parte destes não lê os detalhes do acordo e portanto, tem maior potencial para suscitar
da transferência de copyright, e simplesmente o impactos. A disponibilidade percebida também
assinam. Um resultado interessante neste estudo afeta positivamente a percebida facilidade de uso,
é que da minoria dos pesquisadores (7%) que já que os dois fatores juntos indicam conveniência
alteram o termo de copyright, a maioria (57%) é e fácil acessibilidade. Por outro lado, os autores
advinda das ciências humanas e ciências sociais. identificaram que os pesquisadores detêm uma
Mundialmente, os cientistas das Exatas percepção negativa de conteúdo mais facilmente
têm aderido ao movimento Acesso Aberto mais disponível, uma atitude que parece estar
rapidamente, e o estudo de Toronto confirma esta arraigada na sua atitude geral de terem pouca
tendência, com o arquivamento em repositórios confiança na qualidade de recursos disponíveis
de acesso aberto sendo mais comum entre os exclusivamente pela internet (Park e Qin, 2007).
cientistas das Exatas e Engenharias, e a publicação É preocupante constatar nos resultados que a
em revistas acesso aberto mais comum para maioria dos seus entrevistados “não sabiam
pesquisadores das humanidades. As falas dos do fato que as revistas acesso aberto seguem o
pesquisadores referentes à sua percepção sobre processo de revisão pelos pares e assim, tratam o
estas revistas revelam as dúvidas que estes têm conteúdo de revistas acesso aberto como se fosse
sobre este canal como sendo viável: ao compará- simplesmente informação não-controlada da
las com as “convencionais”, de assinatura, Internet” (Park e Qin, 2007, p.77-8).
os pesquisadores falaram da maior tradição,

156 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017
Percepções de pesquisadores brasileiros sobre o acesso aberto à literatura científica

No Brasil, uma pesquisa qualitativa Os pesquisadores das Ciências Médicas,


realizada entre pesquisadores das ciências da Saúde, e das Biológicas entendem acesso
agrárias oriundos de universidades do estado aberto como sendo através da via dourada,
de São Paulo (SANTOS e MONTEIRO, 2013) enquanto os que incluem os repositórios são
também foca exclusivamente as percepções e oriundos das Ciências Físicas, Matemáticas,
hábitos desse grupo de pesquisadores no que Sociais e Humanidades. Os autores desse
tange à publicação em revistas acesso aberto. relatório concluem que “os pesquisadores
De modo semelhante daquilo que aparece nos têm um conjunto de atitudes, percepções
resultados de outras pesquisas, os entrevistados e comportamentos diante do sistema de
equiparam estas revistas com a falta geral de comunicação científica e não desejam mudanças
qualidade e/ou a falta da revisão pelos pares, fundamentais na forma com que a pesquisa
significando que esses canais não figuram nas é atualmente publicada e disseminada” (FRY
escolhas dos pesquisadores, como visto neste et. al, 2011, p. iv, tradução nossa). Também
trecho de uma entrevista: identificaram que os repositórios de acesso aberto
são vistos corretamente como complementares à
O que eu percebo destes periódicos publicação convencional, ao invés de serem uma
eletrônicos é que vira e mexe eu
alternativa a esta. Cabe ressaltar que o objetivo
recebo convite para liderar uma revista
ou para participar de algum número destes repositórios não é e nunca foi, o de
específico e eu não sei como eles estão substituir o sistema atual de publicação científica
se organizando, eu admito a minha (SUBER, 2012).
ignorância, mas de repente tem duzentas Este “conservadorismo” identificado
mil revistas Open Access, e como eles
entre os pesquisadores se relaciona com às
vão estabelecer a revisão dos artigos?
Quem está revisando tudo isso? O mudanças tecnológicas no ecossistema de
quanto essas informações são revisadas? comunicação científica, que agora se sustenta
Queira ou não queira, essas outras nas TIC digitais. Mas é interessante observar que
revistas têm um caráter comercial, mas no estudo de Moore (2011), em Toronto, 87%
a gente já sabe que elas têm um corpo
dos pesquisadores ouvidos concordam que os
editorial, têm um respeito. Passam coisas
ruins? Passam, mas, de forma geral, próprios pesquisadores precisam desenvolver
existe um controle [Pesq.6] (SANTOS; um papel mais central em moldar e atuar no
MONTEIRO, 2013, p.43). futuro do sistema de comunicação científica,
ao passo que podemos inferir que aqueles do
A pesquisa PEER - Publishing and the estudo europeu, PEER, entendem que este não
Ecology of European Research - (FRY, et al., seria tanto o papel deles próprios pois vêem a
2011) levantou as atitudes e percepções de disponibilização em acesso aberto de artigos
pesquisadores europeus de várias áreas previamente publicados em canais fechados
disciplinares para identificar até que grau estes como não sendo da sua própria responsabilidade,
são cientes do acesso aberto e as diferentes mas de um intermediário, como, por exemplo,
formas de alcançá-lo, e os fatores (des) um bibliotecário ou repository manager (gestor de
motivadores que influenciem sua adesão a este repositório de acesso aberto).
modo de publicar. Como nos outros estudos Em vários estudos, barreiras à maior
semelhantes, os resultados do PEER apontam adesão voluntária de pesquisadores às práticas e
para a continuada centralidade do artigo hábitos de acesso aberto são discutidos. Como já
científico revisado pelos pares na carreira dos foi apontado, um resultado de todos as pesquisas
cientistas, mas que, na concepção da maioria feitas levantando as opiniões de pesquisadores
pesquisados no estudo PEER, os artigos é que eles majoritariamente concordam com
publicados em revistas acesso aberto são de uma os princípios, a ideia de acesso aberto. Assim,
qualidade inferior que aquela das tradicionais. as explicações (barreiras identificadas) para a
Além disso, a maioria dos participantes do relativa baixa quantidade de material disponível
estudo associam acesso aberto com artigos em acesso aberto (no máximo 25% do total
em revistas acesso aberto, e uma clara minoria mundial) englobam:
associou-o com o auto-arquivamento em • Pouco conhecimento da questão e das
repositórios de acesso aberto. implicações do acesso aberto;

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017 157
Ariadne Chloe Mary Furnival e Nelson Sebastian Silva-Jerez

• Desinteresse no acesso aberto, como uma comparação entre essas distribuições”. O


resultado da falsa concepção de que o survey também é apropriado quando o fenômeno
acesso à literatura científica não é um de interesse “ocorre no presente ou no passado
problema para a maioria dos cientistas no recente” (FREITAS et al., op.cit. p. 105).
mundo; Foi utilizada a amostragem probabilística
• Desconhecimento das revistas (aleatória simples), utilizando-se para
prestigiosas acesso aberto que já existem, fundamentar o cálculo do tamanho da amostra a
devido ao hábito de publicar em, e ler, base de dados de acesso público GeoCapes, que,
exclusivamente as revistas já conhecidos no momento da aplicação do survey, mostrou que
(a maioria de assinatura, não-acesso existiam 52.191 doutores permanentes distribuídos
aberto), vistas como sendo mais seguras nas universidades brasileiras. Com um erro
para motivos de progressão na carreira amostral de 5%, nível de confiança de 99%, o
profissional; tamanho da amostra para esta quantidade de
• Desconhecimento dos repositórios de doutores foi de 643. Para conseguir este número
acesso aberto como forma de disseminar de respondentes, tiveram que ser enviados um
seus trabalhos, como forma complementar total de 3.340 convites por e-mail, explicando
à publicação tradicional em revistas sucintamente o propósito do convite para
fechadas, pagas; participar do survey e fornecendo o link para o
• Entendimento que depositar uma versão questionário, elaborado usando a plataforma livre
do trabalho já publicado num repositório LimeSurvey2, que permite também realizar análises
de acesso aberto implica no autor infringir estatísticas e manipulações básicas dos dados, bem
o copyright que cedeu à editora comercial; como controlar e gerenciar convites, links e várias
• Percepção do procedimento de surveys simultâneas. Para que fossem os mais
arquivamento como tecnicamente atualizados e confiáveis, os e-mails de contato dos
complexo e demandante de tempo pesquisadores foram colhidos “manualmente”
precioso do pesquisador; de artigos publicados recentemente em revistas
• Força do sistema de premiação na científicas disponibilizadas a partir do plataforma
comunidade científica (academic reward SciELO e de referências bibliográficas e abstracts
system) pelo qual o prestígio pode contar disponíveis na Web of Science. O questionário do
muito mais que a disseminação rápida survey foi composto por 29 questões fechadas
e ampla e pelo qual novas títulos de utilizando uma escala Likert, agrupadas em três
revistas entrando em cena ficam com uma grandes conjuntos que visaram captar o grau de
relativa desvantagem diante dos títulos conhecimento dos preceitos e práticas de acesso
mais consolidados, e portanto, com maior aberto detidos por pesquisadores, suas opiniões
reputação e prestígio. em relação ao ao, suas práticas e hábitos atuais em
relação à publicação e uso de trabalhos científicos.
O piloto da versão final do questionário foi testada
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS (em versão impressa) com um conjunto de 12
pesquisadores, e comentários foram colhidos e
Esta pesquisa pode ser caracterizada como incorporados na versão final. Os resultados da
descritiva, possuindo uma abordagem quali- aplicação foram tabulados (usando o software
quantitativa com predominância de métodos Microsoft Excel) para serem visualizados
quantitativos (survey) para levantamento de e analisados, um sub-conjunto dos quais é
dados, e formas mais qualitativas para análise apresentado na seção a seguir.
dos dados quantitativos. Freitas et al. (2000,
p.106) afirmam que a aplicação de um survey
também é apropriada em pesquisas descritivas, 4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
pois este instrumento ajuda a “identificar quais
situações, eventos, atitudes ou opiniões estão Os dados levantados no início do
manifestos em uma população; descreve a questionário para traçar o perfil da amostra
distribuição de algum fenômeno na população
ou entre subgrupos da população ou, ainda, faz
2 Disponível em: http://www.limesurvey.org/pt

158 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017
Percepções de pesquisadores brasileiros sobre o acesso aberto à literatura científica

mostraram que 63,6% dos respondentes são as áreas disciplinares: somente duas áreas
do sexo masculino e 36,4% do sexo feminino. tiveram um número notavelmente maior de
A distribuição dos respondentes por campo respondentes do sexo masculino: as Ciências
científico é apresentada na Tabela 1 abaixo. A Exatas e da Terra (107 homens versus 22
estratificação por área e gênero mostrou uma mulheres) e as Engenharias (62 homens versus
distribuição relativamente equilibrada entre 11 mulheres).

Tabela 1 - A distribuição dos respondentes por área disciplinar


Exatas & Sociais Apli- Linguística,
Saúde Biológicas Agrárias Engenharias Humanas Outros
da Terra cadas Letras & Artes
21% 20,1% 18% 12,9% 11,4% 8,7% 6,4% 1,1% 0,5%

Fonte: Própria

Um pouco mais que 90% dos respondentes o conceito de acesso aberto, a saber: “Acesso
concorda de alguma forma ou outra (total aberto refere ao acesso gratuito a artigos
ou parcialmente) que o público em geral tem científicos publicados em revistas científicas
o direito de ter acesso aos artigos científicos de acesso aberto, online e em repositórios de
resultantes de pesquisas financiadas dos cofres acesso aberto” as respostas, como vista na
públicos. A pequena porcentagem (1,9%) Tabela 2, demonstraram que a esmagadora
daqueles respondentes que discordam totalmente maioria dos respondentes fica concentrada na
é constituída por pesquisadores das Ciência categoria de resposta “Concordo totalmente”.
Agrárias, Ciências Exatas e da Terra. A estratificação por campo disciplinar, idade
Ao solicitar que os respondentes se e gênero não indicou desvios ou correlações e
posicionassem em relação a um enunciado sobre associações.

Tabela 2 - Distribuição de concordância com o primeiro enunciado sobre acesso aberto


Discordo total- Discordo parcial- Nem discordo nem Concordo parcial- Concordo total-
mente mente concordo mente mente
1,9% 1,9% 0,8% 18,2% 77,3%
Fonte: Própria

A segunda questão procurou aprofundar acesso aberto, mais que metade (66,72%) sabe da
este conceito “intuitivo” de acesso aberto, sua existência, mas é relevante também observar
incorporando no segundo enunciado elementos que quase 33,28% (um terço) parece não ter
presentes na definição da Budapeste Open Access certeza disso. Interessante observar também que
Initiative - BOAI (2002) que explicita a questão a maior parte (66,25%) dos respondentes está a
dos direitos a reuso, cópia, redistribuição; ou seja, favor do depósito de dados brutos neste tipo de
o conceito mais “forte”. Na comparação com a repositório. Com a segmentação desse resultado
questão, notou-se que a maioria dos respondentes por área, as Ciências Agrárias evidenciam
permaneceu nas mesmas categorias, mas não a maior discordância com essa afirmação,
foi um número insignificativo deles que mudou sendo que 24,1% dos respondentes desta área
de opinião: de fato, 32% mudaram entre uma discordam totalmente, comparado com o 37%
questão e outra, gravitando um pouco mais para dos seus pares que concordam totalmente,
o lado de discordância com o conceito de acesso possivelmente apontando para esta área ser
aberto da BOAI. menos inclinada ao cenário de depósito de dados
Em relação ao conhecimento da existência primários num repositório de acesso aberto.
de uma rede interoperável de repositórios de Entretanto, este cenário de disponibilizar dados

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017 159
Ariadne Chloe Mary Furnival e Nelson Sebastian Silva-Jerez

de pesquisa em repositórios de acesso aberto material encontrado nestes repositórios podem


talvez ainda seja hipotético para os respondentes, também apontar um desconhecimento do fato
pois mais adiante no questionário foi perguntado que é possível e aceitável depositar preprints
se eles depositam, ou já depositaram ou nestes repositórios. De fato, esse é o cenário do
depositariam tais dados, e a maioria (68,2%) se arXiv e outros repositórios temáticos de acesso
encontra nas categorias de resposta de “nunca” aberto, e é o que Harnad (2006) fortemente
ou “raramente”. promove: que é possível ter 100% da literatura
O conhecimento sobre o fato de que o científica em acesso aberto “se e somente se”
processo de revisão por pares se mantém e os autores a disponibilizarem imediata e
com o mesmo padrão de rigor para garantir simultaneamente ao enviar manuscritos à
a qualidade, tanto para artigos depositados Editora. É neste momento de envio que o autor
em repositórios de acesso aberto, quanto para ainda detém o copyright total do trabalho, e o
artigos publicados em revistas acesso aberto, manuscrito – o preprint –sempre pertencerá ao
foi revelado nas respostas às questões 12 e 13. autor.
Quase 82% discordou com a colocação de que De fato, os resultados desta pesquisa
“Artigos depositados em repositórios de acesso parecem apontar que existe confusão (esperada
aberto não passaram pela revisão por pares e e identificada em outros estudos) em relação a
é por isso que são disponíveis em repositórios copyright e o depósito em repositórios de acesso
de acesso aberto”, e esta resposta segue a aberto. É interessante observar que, ao solicitar
mesma distribuição nas respostas estratificadas seu posicionamento em relação ao enunciado
por faixa etária e área. Quase metade dos “Ao depositar num repositório digital uma cópia
respondentes (48,83%) discordam totalmente de um artigo já publicado numa revista científica,
com a crença de que “Os artigos disponíveis o autor está automaticamente infringindo as leis
em revistas científicas acesso aberto passaram de copyright” a distribuição de cada categoria de
por uma revisão por pares menos rigorosa resposta é quase igual, como mostra Gráfico 1.
daqueles disponíveis nas revistas fechadas e Tal resultado coincide com aquilo constatado
comerciais”, sendo que esses dois resultados na literatura, de que a questão de copyright fica
demonstram uma forte convicção de que o fato uma área nebulosa: são poucos os autores que
do canal de disseminação ser acesso aberto não sabem que têm o direito de depositar versões
implica que os padrões de controle de qualidade dos seus artigos em repositórios de acesso aberto,
sejam inferiores. Estas respostas também foram dependendo da política de cada editora sobre a
bem distribuídas por áreas de conhecimento. questão, que fica registrada, por exemplo, na base
Contudo, as respostas sobre a passagem ou não SHERPA-RoMEO (http://www.sherpa.ac.uk/
por um processo de revisão por pares deste romeo/?la=pt).

Gráfico 1 – Posicionamento em relação ao quesito de copyright de artigos num repositório de acesso aberto

Fonte: Própria

160 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017
Percepções de pesquisadores brasileiros sobre o acesso aberto à literatura científica

Mais duas questões procuraram traçar como o famoso e prestigioso arXiv (lançado
os hábitos dos pesquisadores de usarem em 1991) da Cornell University. Interessante
repositórios de acesso aberto para o atual ou também observar que quando as respostas desta
pretendido depósito de preprints e postprints pergunta foram cruzadas com a variável de faixa
dos seus trabalhos, e comparando as respostas etária, aqueles respondentes na faixa de 70-79
das duas questões, detectamos nos resultados anos tinham mais probabilidade de responder
uma preferência pelo depósito dos postprints, “sempre”, possivelmente indicando que os
ou a versão final do artigo, e de certa forma, pesquisadores mais experientes são menos
uma aversão ao depósito do preprint, com 55% “preocupados” em depositar seus preprints,
afirmando que nunca deposita ou depositaria, e ou que se lembram da época em que preprints
14,5% respondendo “raramente” para o depósito impressos eram livremente disseminados entre
do preprint. Parece que para os respondentes, os pares científicos pelo mundo.
se um repositório de acesso aberto existe Em termos de hábitos de publicação
para disponibilizar os artigos científicos, é entre os participantes, para o enunciado
para disponibilizar somente as versões finais “Considero/aria a possibilidade de publicar
(postprints), que já passaram pelo processo meus trabalhos em revistas acesso aberto”,
de revisão por pares. Os respondentes com os resultados, mostrados no Gráfico 2,
maior tendência de depositar uma versão de revelam que 18% dos respondentes não
preprint num destes repositórios, são aqueles consideraria publicar seus trabalhos em tais
oriundos das Ciências Exatas e da Terra, com revistas, comparado com 42% que “sempre”
48% dos respondentes desta área distribuída e “frequentemente” considera tal publicação,
entre as categorias de respostas de “sempre”, além do 40% que respondeu “às vezes”.
“frequentemente” e “às vezes”. Possívelmente Esta porcentagem de 40% para “às vezes” é
esta postura comparativamente um pouco significativa, porque poderia indicar que o
menos “conservadora” em relação ao depósito fato de ser acesso aberto ou convencional não
de preprints dos pesquisadores das Exatas se seja um critério que o autor-pesquisador usa
deve à cultura mais arraigada do depósito e para optar por um título para a submissão de
compartilhamento de preprints em repositórios de artigos, ou poderia indicar desconhecimento
acesso aberto disciplinares e bem estabelecidos, de revistas/títulos em acesso aberto.

Gráfico 2 - Porcentagem de (possível ou atual) frequência de publicação em revistas acesso aberto.

Fonte: Própria

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017 161
Ariadne Chloe Mary Furnival e Nelson Sebastian Silva-Jerez

Foi significativo também que, ao das categorias negativas. Há muita literatura


se posicionarem diante do enunciado no das Ciências Exatas disponível em acesso aberto,
questionário sobre a potencial vantagem de principalmente devido à cultura das áreas
citação que os artigos disponibilizados em acesso desse campo de disponibilizar os resultados
aberto possam ter em relação aos canais fechados, de pesquisa mais cedo no ciclo de publicação,
a saber: “O Acesso Aberto às publicações utilizando repositórios de acesso aberto como
científicas tem o potencial de aumentar o impacto o arXiv, por exemplo. Então, dentro desses
destas, e assim, contribuir para a potencial respondentes (a 57,1% acima citada), não
evolução dos campos científicos”, 53,7% concorda podemos excluir a possibilidade de que leiam
totalmente, e 33,7% concorda parcialmente. preprints e postprints encontrados em acesso
Em termos de busca de informação, aberto, mas que citem as versões publicadas
não foi surpreendente constatar que 75% das em revistas de assinatura. Outra questão no
respostas ficaram distribuídas entre as categorias survey procurou aferir este hábito de citação, e
de “sempre”, “frequentemente” e “às vezes” ao foi constatado que 63,5% dos respondentes cita
perguntar se os pesquisadores costumam utilizar sempre ou frequentemente a versão publicada
o buscador Google Acadêmico (Google Scholar) numa revista convencional, de assinatura,
para encontrar artigos na sua área disciplinar. As mesmo tendo encontrado o material inicialmente
áreas de Saúde e as Biológicas mostraram menos num repositório de acesso aberto. Por fim, um
probabilidade de se utilizar este ferramenta de respondente das Ciências Agrárias demonstrou
busca. Usar o Google Acadêmico para encontrar sua adesão total ao princípio de acesso aberto,
artigos é de certa forma equivalente a buscar tais e alude, na sua colocação, à relevância de se
artigos em todos os repositórios de acesso aberto utilizar canais abertos para aumentar o impacto
interoperáveis do mundo, ou seja, todos aqueles potencial da pesquisa científica na sociedade
que funcionam de acordo com o protocolo como um todo: “Acredito que o acesso aberto é
OAI-MHP. Mesmo não tendo perguntando uma ótimo opção, pois já deixei de citar artigos
aos participantes se entram diretamente nos que continham dados interessantes, devido à
repositórios de acesso aberto, podemos inferir impossibilidade de acesso gratuito ao mesmo”.
desse resultado que são usuários destes por conta Houve uma questão que abordou o
dessa tendência do Google Acadêmico de se assunto de políticas obrigatórias de acesso aberto,
tornar o portal integrado de todos os repositórios requerendo que o respondente se posicionasse
de acesso aberto. No entanto, a já mencionada em relação ao enunciado “É errado as agências
pesquisa PEER (FRY, et al., 2011) levantou que de fomento à pesquisa e/ou o governo e/ou
os tais repositórios não parecem estar muito no as IES e os Institutos de Pesquisa obrigarem
“radar” dos pesquisadores, que não os veêm aos pesquisadores-autores disponibilizar seus
como um recurso que possa trazer algo essencial artigos e produção científica em acesso aberto”.
para os pesquisadores, ou como algo que está Os resultados revelaram que quase 30% discorda
faltando no sistema atual de comunicação totalmente e 22% parcialmente com a ideia que
científica. Mas os resultados das respostas a não deveriam ser obrigados a disponibilizar
esta questão demonstram que, mesmo de forma sua produção científica em canais de acesso
inconsciente, os pesquisadores estão, de fato, aberto; isto é, parece que esta parcela dos
utilizando repositórios de acesso aberto através respondentes aceitaria mandatos, ou políticas
do Google Acadêmico. obrigatórias para acesso aberto. Este resultado
Ainda em relação ao seu comportamento coincide com a postura favorável a mandatos
de busca, acesso e uso da informação na forma de acesso aberto reportada nas pesquisas
de artigos, a grande maioria (91%) já usou (leu semelhantes. Swan (2006b) levantou dados
e citou) artigos encontrados em acesso aberto. em pelo menos dois estudos realizados com
Os respondentes das Engenharias e as Ciências pesquisadores, que também constataram que a
Exatas demonstram comparativamente a menor maioria dos respondentes afirma que cumpriria
tendência de utilizá-los: da soma do total de voluntariamente um mandato de auto-arquivar
respondentes que responderam “Nunca” (11) e seus trabalhos num repositório institucional ou
“Raramente” (59), 40 respondentes são desses de acesso aberto. No entanto, como Swan (op.
dois campos, ou seja, 57,1% dos respondentes cit, 2006b) observa, é isso que os pesquisadores

162 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017
Percepções de pesquisadores brasileiros sobre o acesso aberto à literatura científica

dizem que fariam: na prática, muitos repositórios respondentes detêm conhecimento dos princípios
de acesso aberto no mundo contém poucos e ações de acesso aberto, bem como manifestam
artigos e manuscritos porque são poucas as IESs apoio a estes. Foi identificado uma aceitação e
que fiscalizam e fazem cumprir os mandatos adesão ao acesso aberto (mesmo que implícita,
(institucionais e de agências de fomento). por vezes) em termos do seu comportamento
A estratificação dos resultados (por faixa informacional em relação à busca e uso (leitura
etária, gênero, ou área disciplinar) segue a e citação) da informação científica livremente
mesma distribuição que a não estratificada, mas disponível via canais de acesso aberto, e
os respondentes das Engenharias demonstraram sobretudo, encontrando-a via o uso do buscador
uma maior tendência de não concordarem com a Google Acadêmico (que constitui, além de
obrigatoriedade para disponibilizar sua produção outras coisas, um portal à rede interoperável de
em acesso aberto, enquanto as Sociais Aplicadas e repositórios de acesso aberto). Também revelam
Humanas tendem na direção contraria, enquanto práticas e aceitação de publicação em revistas
o resto da amostra se mantém equilibrada. acesso aberto, mas sempre com a ressalva de
Uma possível explicação desta tendência que dada a oportunidade, optam pelos títulos
das Engenharias se sintonizarem menos com com maior fator de impacto, resultado este em
políticas obrigatórias de acesso aberto é que total consonância com pesquisas semelhantes
estas áreas produzem mais resultados sigilosos, realizadas em outros países, e que nos lembra
com potencial aplicação no setor industrial, que trata-se de uma comunidade de pessoas
como um dos respondentes das Engenharias verdadeiramente “global” em termos de
mencionou ao qualificar seu apoio pleno para o compartilhamento de valores comuns. As
acesso aberto, no campo de respostas abertas: “O revistas com JIFs maiores fazem parte central do
uso do acesso aberto em minha opinião pessoal sistema de recompensa na comunidade científica
não pode ser generalizado visto que muitas das que acaba constituindo um ciclo perpétuo que
pesquisas envolvem segredos industriais de reforça o status quo dando maior valor para o
seus investidores. No entanto, um sistema de artigo revisado pelos pares que aparece numa
acesso aberto, com a atual conjuntura de acesso revista com alto fator de impacto. Mas podemos
a web facilitaria a divulgação do conhecimento arriscar dizer que tal prestígio vale muito mais,
e aceleraria o processo de desenvolvimento” para os participantes desta pesquisa, para o
(RespEng11) lado “produtor” da cadeia de comunicação,
A maioria dos comentários desse campo pois traz os benefícios profissionais na carreira
aberto no fim do questionário dizia respeito às acadêmica. Este fator parece não ter afetado
percebidas limitações das revistas acesso aberto: sua percepção do uso de informação livremente
são de “má-qualidade”, os corpos editoriais disponível, encontrado via Google Acadêmico.
são “questionáveis”, são revistas “fakes” e Em alguns dos comentários individuais, muitos
“predatórias” (que enviam convites para publicar respondentes reclamaram da importância
em e-mails não-solicitados), e isto diminui a sua exagerada atribuída ao indicador fator de
credibilidade na percepção dos pesquisadores impacto, e apontam para as agências como
e potenciais autores. Evidentemente, esses CAPES e CNPq como tendo responsabilidade
comentários não se referem às revistas do para reforçar tal importância.
SciELO, que não adotam tais práticas. É Embora acessando, utilizando e publicando
lamentável que uma minoria de revistas acesso em acesso aberto, os respondentes pareceram
aberto que seguem tais práticas duvidosas acabe demonstrar mais reservas no que diz respeito
“representando” a categoria inteira no imaginário ao depósito (e/ou arquivamento) dos seus
dos pesquisadores. trabalhos em repositórios de acesso aberto (p.ex.
em Repositórios Institucionais), e sobretudo,
dos seus preprints (versão em manuscrito
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS submetida à revista científica escolhida). Se a
rede mundial e interoperável destes repositórios
Os resultados desta pesquisa com os constitui uma “vitrine” para a pesquisa sendo
pesquisadores da comunidade científica do desenvolvida e potencialmente publicada, os
Brasil apontaram que a grande maioria dos cientistas brasileiros mostram cautela em relação

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017 163
Ariadne Chloe Mary Furnival e Nelson Sebastian Silva-Jerez

à divulgação e disponibilização imediata dos seus divulgar seus manuscritos sem comprometer a
resultados e publicações nesse canal, embora possibilidade destes serem aceitos na revista para
também tenham demonstrado um alto nível de qual foi submetido. De certa forma, tal tipo de
conhecimento das vantagens para seus grupos de pré-divulgação faria parte de políticas de acesso
pesquisa em termos da visibilidade advindas de aberto (ou de mandatos), e os resultados também
tal disponibilidade imediata. apontaram que a maioria dos participantes
Esses resultados apontam a necessidade não são contra tais tipos de políticas, se forem
de focar o desenvolvimento de processos instituídas pelos órgãos de fomento à pesquisa.
informativos e bem direcionados na promoção
(advocacy) das ações institucionais e nacionais
em torno do acesso aberto. Os pesquisadores
precisam saber que podem depositar seus Agradecimentos:
preprints, seus dados brutos da pesquisa, usar Agradecemos o CNPq pelo financiamento
licenças abertas para garantir atribuição de concedido à primeira autora, processo nº
autoria, consultar a base de SHERPA-RoMEO, e 401875/2011-3

Artigo recebido em 01/02/2017 e aceito para publicação em 12/03/2017

BRAZILIAN RESEARCHERS VIEWS ON OPEN


ACCESS TO SCIENTIFIC LITERATURE

ABSTRACT: The research aimed to explore how various dimensions of open access to scientific literature is per-
ceived by Brazilian researchers, also identifying their habits of publication, as well as use and citation
of sources in open access. The methodological approach was quantitative, using a survey developed in
the open software, Lime Survey, and consisting of 29 closed questions, responded by 643 permanent
doctors from Brazilian universities distributed in all subject areas. Surveys completed by researchers
from 31 Institutes of Higher Education and Research Institutes in Brazil were received. Stratification
by area showed a relatively balanced distribution between knowledge fields, with the largest percent-
age being from the Health Sciences (21%), followed by the Physical and Earth Sciences (20.1%) and
the lowest percentage of 1.1% from Linguistics, Literature and Arts. The results indicate that the vast
majority of participating researchers has knowledge of, and support for, open access principles and
some projects promoting it, especially in relation to open access journal publishing, which also reflects
in their usage habits and citation of such sources. Comparatively, the knowledge and use of open
access repositories is smaller, and there seems to be some confusion regarding copyright status of
archived articles in repositories. It was evident that the researchers believe that only postprints should
be available in repositories. Ignorance identified regarding the compatibility between publication in
“conventional” subscription journals, and deposit of the same article in open access repositories indi-
cates the need for greater informative initiatives to clarify these aspects.

Keywords: Open access. Scientific researchers. Opinions. Scientific publication. communication.

164 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017
Percepções de pesquisadores brasileiros sobre o acesso aberto à literatura científica

REFERÊNCIAS org/dlib/march07/davis/03davis.html>. Acesso


em: 25 ago. 2011.
BENKLER, Y. The idea of access to knowledge
and the information commons: long term DAVIES, S. Analysis of Chemists and
trends and basic elements. In: KRIKORIAN, G.; Economists survey on Open Access. Centre
KAPCZYNSKI, A. Access to knowledge in the for Communications Research, University of
age of intellectual property. New York: Zone, Nottingham/JISC. Nottingham, 2011. Disponível
2010. p. 217-236. em: <http://crc.nottingham.ac.uk/projects/rcs/
Chemists&Economists_Analysis-Steve_Davies.
pdf>. Acesso em:14 dez. 2013.
BJÖRK , B.-C. et al. Open Access to the Scientific
Journal Literature: Situation 2009. PLoS ONE
5(6), 2010. Disponível em: <http://www.plosone. SANTOS, J. C. F. dos; MONTEIRO, S. A.
org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal. Estudo da percepção de pesquisadores da
pone.0011273>. Acesso em: 3 jan. 2014. área de ciências agrarias sobre acesso aberto.
InCID: Revista de Ciência da Informação e
Documentação, v. 4, n. 2, p. 34-53, jul./dez 2013.
BONGIOVANI, P.; GÓMEZ , N. ; MIGUEL, S.
Opiniones y hábitos de publicación en acceso
abierto de los investigadores argentinos. Un FERREIRA, M. et al. Carrots and sticks: some
estudio basado en los datos de la encuesta SOAP. ideas on how to create a successful institutional
Revista Española de Documentación Científica, repository. D-Lib Magazine, v.14, n.1/2, 2008.
v. 35, n. 3, julio-septiembre 2012. p. 453-467. Disponível em: <http://www.dlib.org/dlib/
Disponível em: < http://desarrollo.rephip.unr. january08/ferreira/01ferreira.html>. Acesso em:
edu.ar/handle/2133/1949>. Acesso em: 12 mar. 15 out 2011.
2013.
FREITAS, H. et al. O método de pesquisa survey.
BUDAPEST OPEN ACCESS INITIATIVE. Revista de Administração, São Paulo, v. 35, n. 3,
BOAI declaration. Budapest, 14 Fevereiro p. 105-112, jul/set 2000.
2002. Disponível em: <http://www.soros.org/
openaccess/read>. Acesso em: 01 out. 2012. FRY, J. et al. PEER behavioural research: authors
and users vis-à-vis journals and repositories.
CHALHUB, T.; RIBEIRO, L. V. P. Publicações Loughborough: LISU/Loughborough University,
de acesso livre: tendências entre pesquisadores 2011. Disponível em: <http://www.peerproject.
de universidades públicas do estado do Rio eu/fileadmin/media/reports/Final_revision_-_
de Janeiro. XII Enancib - Encontro Nacional de behavioural_baseline_report_-_20_01_10.pdf>.
Pesquisa em Ciência da Informação. Brasília Acesso em:
: ENANCIB. 2011. p. 2225-2241. 23 a 26 de
outubro de 2011. Disponível em: <http:// HAJJEM , C.; HARNAD, S.; YVES , G. Ten-year
repositorios.questoesemrede.uff.br/repositorios/ cross-disciplinary comparison of the growth of
bitstream/handle/123456789/2159/ open access and how it increases research citation
Publica%C3%A7%C3%B5es%20-%20Chalhub. impact. arXiv preprints, 2006. Disponível em:
pdf?sequence=1>. Acesso em: 7 jan. 2013. <http://arxiv.org/pdf/cs.DL/0606079>. Acesso
em: 3 abr. 2011.
DAVIS, P.; CONNOLLY, M. Evaluating the
reasons for non-use of Cornell University’s HARNAD, S. Opening access by overcoming
installation of DSpace. D-Lib Magazine. v.13, Zeno´s paralysis. In: JACOBS, N. Open Access:
n.3/4, 2007. Disponível em: <http://www.dlib.

Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017 165
Ariadne Chloe Mary Furnival e Nelson Sebastian Silva-Jerez

key strategic, technical and economic aspects. SWAN, A. Overview of scholoarly


Oxford: Chandos, 2006. p. 73-86. communication. In: JACOBS, N. Open access:
key strategic, technical and economic aspects.
Oxford: Chandos, 2006a. p. 3-12.
MOORE, G. Survey of University of Toronto
Faculty awareness, attitudes and practises SWAN, A. The culture of open access:
regarding schloarly communication: a researchers’ views and responses. In: JACOBS,
preliminary report. Toronto: University of N. Open Access: key strategic, technical and
Toronto, 2011. Disponível em: <https://tspace. economic aspects. Oxford: Chandos, 2006b. p. 65-
library.utoronto.ca/handle/1807/26446>. Acesso 72.
em: 3 abr. 2011.
SWAN, A.; BROWN, S. Open access
self-archiving: an author study. Key
OpenDOAR. Growth of the OpenDOAR Perspectives, 2005. Disponível em:
Database - Worldwide. 2017. Disponível <http://citeseerx.ist.psu.edu/ viewdoc/
em: <http://www.opendoar.org/onechart. d o w n l o a d ? d o i =1 0 . 1 . 1 . 1 1 2 . 5 0 4 8 & r e p =
php?cID=&ctID=&rtID=&clID=&lID= &potID rep1&type=pdf>. Acesso em: 15 nov. 2009.
=&rSoftWareName=& search=&groupby=r.
r D a t e A d d e d & o r d e r b y =& c h a r t t y p e =
g r o w t h & w i d t h =
600&height=350&caption=Growth% 20of%20
the%20OpenDOAR%2 0Database %20-%20
Worldwide>. Acesso em: 19 jan. 2017. Arquivado
por WebCite® em: <http://www.webcitation.
org/6ndLzk4lD>.

PARK, J.-H.; QIN, J. Exploring the willingness of


scholars to accept open access: a grounded theory
approach. Journal of Scholarly Publishing, v. 38,
n. 2, Jan 2007. p. 55-84.

PROST, H.; SCHÖEPFEL,J. Degrees of openness:


Access restrictions in institutional repositories.
D-Lib Magazine, v.20, n. 7/8, July/August 2014.
Disponível em: <http://purl.pt/302/1/dlib/
july14/prost/07prost.html>. Acesso em 23 julho,
2014.

RODRIGUES, E. Acesso livre ao conhecimento: a


mudança no sistema de comunicação da ciência
e os profissionais de informação. Cadernos de
Biblioteconomia, Arquivistica e Documentação,
v. 1, p. 24-35, 2004.

STONE, G. Report on the University


Repository Survey. University of Huddersfield.
Huddersfield, p. 10. 2010. Unpublished.
Disponível em <http://eprints.hud.
ac.uk/9257/>. Acesso em 11 nov.2013.

SUBER, P. Open Access. Cambridge, MA: MIT


Press, 2012.

166 Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.27, n.2, p. 153-166, maio/ago. 2017

Você também pode gostar