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Em uma busca nos livros, você vai encontrar que a ciência surge a partir da filosofia
grega, com a valorização do pensamento racional sobre a mitologia e formas místicas de
encarar a realidade. Essa é uma visão que vem sendo questionada, pois parece que os
gregos não inventaram todos os princípios filosóficos. O contato dos gregos com os
impérios dos continentes africano e asiático os permitiu conhecer muito de diferentes
filosofias, matemática, medicina e outros fundamentos para o que, no futuro, seria
denominado ciências da natureza.
O início oficial da ciência acontece apenas na Idade Moderna, e muitos consideram que
os trabalhos de Galileu fundaram essa nova maneira de pensar e investigar as coisas do
mundo, rompendo com a filosofia. O que havia de novo na forma de atuar de Galileu
era a realização do experimento. Para tirar conclusões sobre algo, era necessário realizar
experimentos.
M
atiasDelCarmine / Shutterstock.comExpoentes da ciência: Einstein e Tesla (ciência contemporânea), Cury (uma das
poucas mulheres que puderam assumir autoria de seus trabalhos) e Newton e Galileu (ciência moderna).
A ideia de método único para a ciência foi, aos poucos, sendo questionada, e hoje
trabalhamos com uma diversidade deles. Um dos maiores expoentes da biologia,
Charles Darwin, não realizou seus estudos da forma como os físicos o fazem. Ele não
realizava experimentos, pois considerava que a natureza já fez o experimento, então
caberia ao cientista interpretar os dados sobre os animais e plantas. É claro que nem
todos os ramos da biologia pesquisavam de forma alternativa; a fisiologia, por exemplo,
pesquisava seguindo os princípios do método científico da física.
Ampliando o foco
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a filosofia e as características do conhecimento científico, leia as páginas
44 – 54 do livro: ARMSTRONG, Diane Lucia de Paula; BARBOSA, Liane M. Vargas. Metodologia do Ensino de
Ciências Biológicas e da Natureza. InterSaberes Dialógica, 2012. Disponível na Biblioteca Virtual.
Conhecer pesquisadores e entrevistá-los para saber como é seu dia a dia de trabalho é
uma ótima tarefa para crianças e adolescentes que estão aprendendo ciências.
Então esses homens e mulheres que estão nos centros de pesquisa estão realizando a
mesma atividade que as crianças na escola? Não! O cientista pesquisa sobre aspectos
dos fenômenos para os quais ainda não temos respostas, investigando o novo — algo
que é novo para ele, mas também o é para toda a humanidade. A criança na escola
estuda e investiga fenômenos que já estão bem descritos e explicados pela ciência. A
criança não faz ciência, ela se apropria de conhecimentos que são parte do legado
cultural da humanidade.
A atividade escolar é uma atividade de enculturação. Como nos afirmam Carvalho et al.
(1998):
[...] não se espera que, por meio do trabalho prático, o aluno descubra
novos conhecimentos. A principal função das experiências é, com a ajuda
do professor e a partir das hipóteses e conhecimentos anteriores, ampliar
o conhecimento do aluno sobre os fenômenos naturais e fazer com que ele
as relacione a sua maneira de ver o mundo.
Confundir ciência escolar com ciência profissional foi um erro muito comum na história
da educação científica. Outro erro foi uma interpretação radical do construtivismo, de
que, no laboratório escolar, a criança poderia redescobrir tudo o que a ciência produziu.
Isso ignora que, para chegar às teorias científicas que temos hoje, foram necessários
séculos de trabalho de diversos pesquisadores. Como a criança sozinha vai redescobrir
isso tudo?
Ampliando o foco
E quanto ao conteúdo estudado, cientistas e estudantes estão estudando a mesma coisa? Apesar de próximo, o
conhecimento que é estudado pelo cientista difere do conhecimento estudado na escola. Chevallard propôs o modelo
da transposição transposição didática para abordar a diferença entre o conhecimento da ciência escolar e o da
ciência profissional, tendo como base a ideia de que o conhecimento científico sofre uma série de transformações
para ser tornado em conhecimento ensinável na escola.
O modelo de Chevallard é criticado por Caillot, que elabora o modelo da recontextualização didática. Nesse
modelo, o saber da ciência profissional ainda é diferente do saber escolar, porém não há uma superioridade no saber
profissional, mas sim contexto e funções sociais diferentes.
Ampliando o foco
Para aprofundar seus conhecimentos sobre transposição e recontextualização didática, leia o texto: MARANDINO,
M. Transposição ou recontextualização? ? Sobre a produção de saberes na educação em museus de
ciências. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 26, p. 95-108, 2004.
Ampliando o foco
Leia as páginas 65 a 70 do livro: DALZOTO, G. Fundamentos em metodologia de ensino para as ciências
biológicas. Curitiba: Intersaberes, 2014. (Capítulo – Metodologias e modalidades didáticas no ensino de ciências.
Seção – O método científico: discussão teórico-metodológica). Disponível na Biblioteca Virtual.
Aula 2
Aula 2 Curiosidade, experimentação e descrição
de fenômenos na ciência escolar
Logo no início do conto, Caniato identifica três aspectos fundamentais para aprender
ciências: a curiosidade, as perguntas do tipo ‘como’ e as perguntas do tipo ‘por que’.
Joãozinho foi caracterizado como ‘sobrevivente’ do sistema escolar, pois as aulas de
ciências do início dos anos 1980 (e, na maioria dos casos, até hoje) não incentivam a
curiosidade e não trabalham com perguntas, apenas oferecem vários conceitos e
diversos termos novos, que muitas vezes não são compreendidos pelos estudantes e cuja
utilidade é também desconhecida.
No próprio conto de Caniato, a professora dá uma aula sobre corpo humano colocando o
título da aula no quadro e iniciando: O corpo humano se divide em três partes — a
cabeça, o tronco e os membros, os membros podem ser superiores ou inferiores... E por
aí vai a professora quebrando o corpo em mais e mais pedaços, sem se dar conta de que
ninguém perguntara sobre isso. O corpo humano virou uma ‘decoreba’, algo para ser
memorizado.
Ampliando o foco
Para aprofundar seus conhecimentos sobre os problemas do ensino de ciências e conhecer o conto Joãozinho de
Maré, assista “Um episódio na vida de Joãozinho da Maré”. Leitura do texto escrito por Rodolpho Caniato em "Ato
de fé ou conquista do conhecimento?" Disponivel em: https://www.youtube.com/watch?v=0zqi0oybxjY
A ideia de criar e cultivar uma cultura de curiosidade também está presente na Base
Nacional Curricular Comum – BNCC:
Assim, ao iniciar o Ensino Fundamental, qualquer aluno possui vivências,
saberes, interesses e curiosidades sobre o mundo natural e tecnológico que
devem ser valorizadas e mobilizadas. Esse deve ser o ponto de partida de
atividades que assegurem a eles construir conhecimentos sistematizados
de Ciências [...].
(BRASIL, 2017, grifo nosso)
Vimos, então, que a BNCC coloca a curiosidade como motor para a aprendizagem em
ciências da natureza e também como o ponto de partida para novas aprendizagens,
porém, além disso, o documento coloca a curiosidade também como ponto de chegada:
[...] não basta que os conhecimentos científicos sejam apresentados aos
alunos. É preciso oferecer oportunidades para que eles, de fato,
envolvam-se em processos de aprendizagem nos quais possam vivenciar
momentos de investigação que lhes possibilitem exercitar e ampliar
sua curiosidade, aperfeiçoar sua capacidade de observação, de raciocínio
lógico [...].
(BRASIL, 2017, grifo nosso)
Ao afirmar que é necessário ampliar e exercitar a curiosidade, a BNCC a coloca
também como um objetivo do ensino de ciências. Devemos encarar que as crianças (tal
como o Joãozinho do conto de Caniato) chegam à escola com curiosidade, mas que a
escola pode atuar extinguindo essa curiosidade ou ampliando-a.
Quando a prática de ensino se baseia em fornecer conceitos para serem memorizados e
esses conceitos são ‘cobrados’ em uma prova, a criança aprende que suas dúvidas sobre
o mundo, sua curiosidade, não são reconhecidas ou pontuadas na escola, logo a criança
descobre as partes do assunto que são valorizadas pelo professor e que farão parte da
avaliação. Se as leituras complementares dos livros didáticos não aparecem nas
avaliações, os alunos aprendem a não perder tempo com elas. Os alunos entendem as
regras implícitas da prática de ensino do professor e aprendem a ‘sobreviver’ nesse
sistema. Com isso, a curiosidade vai perdendo espaço na escola.
— O que vocês acham que vai acontecer? O Sol vai mudar de lugar? A sombra vai
mudar de lugar?
Os alunos relatam suas hipóteses: muitos acham que tudo vai ficar igual, e alguns
acham que vai haver mudança. A professora não conta o que vai acontecer. Ela deixa
que os alunos olhem para seus desenhos e os comparem, daí ela pergunta: “O que
aconteceu?” A comparação dos próprios desenhos leva as crianças a notarem que o Sol
não está mais na posição da primeira observação e continua mudando. A sombra
também.
Ampliando o foco
Para aprofundar seus conhecimentos sobre como produzir práticas instigantes e conhecer o trabalho sobre o
movimento aparente do Sol, assista ao vídeo Ensino de ciências: métodos e técnicas – TV Unesp.
No primeiro caso, a professora de Joãozinho não faz experimentação nem estimula que
seus alunos observem a natureza. A aula é puramente teórica, e não há estímulos à
curiosidade. O caso torna-se mais interessante pelo fato de não existir o fenômeno do
Sol a pino ao meio-dia. Qualquer um que parar para observar notará que, em cada época
do ano, o Sol estará em posição diferente, logo a sombra terá tamanho diferente ao
meio-dia. Portanto, a professora estava ensinando um erro conceitual e nem se deu
conta.
No segundo caso, temos a atividade de experimentação, o que é um avanço, porém a
atividade é utilizada apenas como recurso visual para reforçar algo que já havia sido
dito pelo professor, algo que os alunos já sabiam e que estavam só esperando para ver o
resultado esperado. A atividade consiste apenas em demonstração. Carvalho et al.
(1998) já afirmavam que o trabalho prático em ciências é inquestionável, porém “[...]
houve época em que os experimentos serviam apenas para demonstrar conhecimentos já
apresentados aos alunos e verificar leis plenamente estruturadas [...]” (CARVALHO et
al., 1998). Notamos que a prática desse professor segue essa tendência.
O terceiro caso apresenta uma prática que se vale da experimentação de uma forma mais
inteligente. Perceba que a professora usa a experimentação como estímulo à
curiosidade. Os alunos não sabem o que vai acontecer, pois ainda não viram a teoria.
Ela parte de um problema (“O Sol fica sempre na mesma posição no céu?”). Uma
atividade de ciência escolar parte da proposição de um problema, que é a mola-mestra
propulsora das variadas ações dos alunos: motiva, desafia, desperta o interesse
(CARVALHO et al., 1998). A professora não usa a experimentação como
demonstração, ela a usa como indutora de curiosidade e vai além. Ela trabalha de forma
eficiente com duas habilidades importantes que esperamos que os alunos, durante a
aprendizagem de ciências, desenvolvam: a capacidade de observar fenômenos e a
capacidade de descrever fenômenos.
Observar não é simplesmente olhar. É um olhar guiado, direcionado, que tenta captar o
que é importante. A professora indicou o que deve ser observado (a posição do Sol e a
sombra do poste), em relação a que (ao poste) e de que forma (no mesmo local, na
mesma hora).
A capacidade de descrever fenômenos depende da observação:
Descrever é dizer como era antes e como ficou depois. É relatar o que nossos sentidos
captaram, o que foi observado. Carvalho et al. (1998) sugerem que a descrição seja
invocada por perguntas do tipo ‘COMO’ (Como a sombra do poste se comportou?
Como o Sol ficou posicionado no céu durante as semanas de observação?). As
perguntas desse devem ser respondidas a partir da observação e devem ser registradas
por escrito e por desenhos. Descrever fenômenos é uma habilidade que se desenvolverá
junto ao domínio das linguagens oral e escrita e das representações gráficas.
Ampliando o foco
Para aprofundar seus conhecimentos sobre discursos nas aulas de ciências, descrição de fenômenos e habilidade de
observação de fenômenos, leia as páginas 45 a 58 do livro: ESPINOZA, A. Ciências na escola: novas perspectivas
para a formação dos alunos. São Paulo: Ática, 2010. (Capítulo 2 – Contribuições da didática para o Ensino de
ciências). Disponível na Biblioteca Virtual (Pearson).
Aula 3
Aula 3 Explicações científicas e generalizações na ciência escolar
Agora entram as teorias. Porém, estas não podem ser ensinadas como ensinamos
descrições. As descrições dependem da observação. Alguém pode descrever quais
corpos flutuam ou afundam apenas baseado em suas observações. As teorias não são
observáveis.
Ninguém consegue observar a DENSIDADE. Ela é um construto teórico, uma
ferramenta de explicação que foi elaborada por várias pessoas para explicar a flutuação.
A partir da observação, o aluno pode constatar que não é a massa que importa para
flutuar, pois objetos de muita massa (uma melancia, um navio) flutuam e objetos de
pouca massa podem afundar. Se não é pela observação, então como faremos para
ensinar teorias?
A situação 2 começa bem, mas o professor explica a teoria da densidade sem uma
pergunta instigadora. Ele também toma para si a tarefa de explicar; aos alunos, só
resta ouvir e copiar.
Recomenda-se que os estudantes leiam sobre a nova teoria, realizem buscas na internet,
assistam a vídeos que tentam explicar o fenômeno, discutam com os colegas sobre as
leituras e os vídeos e, por fim, que o professor os ajude a sistematizar o conhecimento.
Perceba que buscamos uma postura ativa do estudante, em vez de simplesmente copiar a
explicação do professor.
Outra experimentação para trabalhar densidade: ovo colocado em água de torneira e em água
salgada.
Por exemplo, o professor pode fazer um novo experimento com um barquinho de papel
cheio de moedas, que flutua, mas, quando o professor amassa o barquinho, fazendo uma
bola, esta afunda. Os alunos que já entenderam a teoria podem generalizar pensando:
“Bem, não aumentamos a massa, mas reduzimos o volume.” Então mudou a densidade!
Podemos também mostrar fotos de crianças usando boias de braço ou de cintura e
perguntar: Por que elas boiam? Por que uma pessoa quando boia tem que abrir os
braços?
Imagine agora que o professor comece a aula com um desafio. Posso guardar água em
uma garrafa furada e a água não derramar? Ele mostra a garrafa com os furos
protegidos por fita isolante. Ele pergunta: Como vai acontecer quando eu tirar as
fitas? Os alunos relatam suas hipóteses. Ele faz a experimentação e pede para que os
alunos manipulem a garrafa, solicitando que eles observem COMO acontece quando: só
um dos buracos é destampado, os dois buracos são destampados e é retirada a tampa da
garrafa.
Ampliando o foco
Incluir: Para aprofundar seus conhecimentos sobre experimentação para aulas de pressão atmosférica, leia o artigo
sobre “EXPERIMENTO SOBRE PRESSÃO ATMOSFÉRICA”
Os alunos registram como aconteceu, com base em suas observações. É uma estratégia
empolgante, mas e a teoria? Hora de lançar perguntas com POR QUE: Por que com um
furo só não derrama a água? Por que o jato d’água é mais intenso no furo mais baixo?
Por que quando abrimos a tampa o fluxo de água aumenta tanto?
O esforço de generalização deve ser mais intenso nas duas últimas séries do ensino
fundamental I (4º e 5º anos), pois é a fase em que ocorre a passagem para a adolescência
e o pensamento abstrato deve se desenvolver. Os conteúdos aqui exemplificados —
DENSIDADE e PRESSÃO — também são mais abstratos e mais indicados para esses
dois anos.
Ainda resta uma pergunta: o que fazer com todos aqueles termos estranhos quando
estudamos ciências? Utilizaremos, aqui, as contribuições de Brian Brown sobre
aquisição da linguagem científica.
Aprender ciências é como adquirir uma nova linguagem, porém não podemos trazer
para as ciências os erros antigos cometidos pela didática das linguagens. Antigamente,
se você fosse aprender uma nova língua, digamos, inglês, alguém iria aconselhá-lo a
decorar o maior número de palavras possível em inglês. Acreditava-se que aprender
uma linguagem era memorizar palavras novas.
Atualmente, sabe-se que as palavras novas são realmente aprendidas se forem úteis, ou
seja, aprenderemos as palavras de uma nova linguagem se essas palavras fizerem
sentido, se pensarmos com elas. Aprendemos de forma natural. Brian Brown fez
diversas pesquisas que mostram que o excesso de termos nas aulas de ciências só
aumenta o estresse entre os estudantes e provoca seu distanciamento da disciplina.
Quando um professor de ciências inicia suas aulas colocando um glossário de termos no
quadro, os alunos ficam frustrados ao ter que decorar palavras que não entendem para
processos que não compreendem. Fica muito mais difícil aprender novos processos se
eles já vêm recheados de novas palavras que não fazem sentido. Brown testou uma série
de sequência de aulas que focam no entendimento dos processos, mesmo que os alunos
expliquem esses processos em linguagem cotidiana.
NO CADERNO
Resumo da Unidade