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Ricoeur
Pedro Silva e Gabriel Santana
Introdução
É possível interpretar filosoficamente a psicanálise? A partir da filosofia de Paul
Ricoeur (1913-2005) apresentaremos uma proposta de interpretação para o freudismo.
Ricoeur foi um filósofo francês nascido em Valence, sul da França. Além de ser influenciado
pelo existencialismo cristão de Gabriel Marcel e algumas correntes francesas que
germinavam no início do século passado como o personalismo de Emmanuel Mounier e a
filosofia reflexiva de Jean Nabert, sua formação intelectual foi enriquecida pela
fenomenologia de Husserl, quando em 1928 leu e traduziu para o francês a obra Ideen (Ideias
Para uma Fenomenologia Pura e Para uma Filosofia Fenomenológica, de 1913).
Posteriormente, Ricoeur se beneficiou da filosofia de Martin Heidegger, enxertando a
hermenêutica na fenomenologia em seu desenvolvimento filosófico. No entanto, é somente
na década de 60, que investiga exaustivamente a consistência epistemológica do discurso
psicanalítico de Sigmund Freud (1856-1939). Sua investigação resultou em uma obra
publicada em 1965, sob o título Da Interpretação – Ensaio sobre Freud. Utilizaremos não
propriamente o Da Interpretação, mas um ensaio posterior, intitulado “Uma interpretação
filosófica de Freud”, comunicação realizada por Ricoeur na Sociedade Francesa de Filosofia
em 1966, inserida posteriormente em sua coletânea de textos O conflito das interpretações.
Ensaios de hermenêutica, de 1969.
Antes de apresentarmos sua interpretação filosófica da psicanálise, é preciso dizer em
que consiste sua hermenêutica. Hermenêutica para Ricoeur comporta uma tripla definição:
método, reflexão e interpretação (RICOEUR, 1995). Método porque envolve regras
estruturais rigorosas. Reflexão pois visa encarar a natureza, a condição e o funcionamento da
compreensão. E interpretação como uma espécie de filosofia da inteligibilidade de si mesmo
a partir do outro, um lugar pessoal de investigação mediante a alteridade.
Seu texto ensaístico se dá em três seções a partir de duas etapas. A primeira etapa é a
leitura de Freud, com uma seção que encara o freudismo como um discurso misto. A segunda
etapa é a interpretação filosófica de Freud, com duas seções, uma sobre a interpretação
reflexiva da psicanálise e outra sobre a reinterpretação reflexiva dos conceitos da psicanálise.
Apresentaremos apenas as duas primeiras seções. Portanto, qual a contribuição da
hermenêutica ricoeuriana para interpretação filosófica da psicanálise freudiana?
1. A leitura de Freud
Em seu texto, Ricoeur distingue duas posturas que um filósofo pode encarar diante da
obra de Freud: a leitura e a interpretação. Sua leitura pauta-se pela reconstituição
arquitetônica da obra, conforme termo empregado pelo historiador Martial Gueroult
(1891-1976), que denota a apreensão a partir de um esquema de temas que o entendimento
capta e articula para estruturar e reconstruir a obra. Nesse sentido, a reconstituição
arquitetônica que Ricoeur realiza da obra freudiana consiste em uma reposição do discurso de
seu autor, isto é, ressituando a obra de Freud e tomando uma posição crítica relativa a ela,
sem perder de vista a objetividade original do discurso psicanalítico.
No entanto, para o filósofo francês, além da obra escrita de Freud, a experiência
analítica também pode ser lida e compreendida, pois o significado daquilo que é vivido na
prática psicanalítica é essencialmente comunicável. Assim, porque a experiência analítica é
comunicável, pode ser transposta pela doutrina para o plano da teoria, com o auxílio de
conceitos descritivos que dependem de um segundo nível de conceitualidade, encarados
como textos oníricos ou textos sintomáticos. Nesse sentido:
É essa pertença, tanto da experiência analítica como da doutrina freudiana, à ordem
dos signos que legitima fundamentalmente, não só a comunicabilidade da
experiência analítica, mas o seu carácter homogéneo, em última instância, à
totalidade da experiência humana que a filosofia tenta reflectir e compreender.
(RICOEUR, 1978, p. 163).
Referências
RICOEUR, Paul. Uma interpretação filosófica de Freud. In: RICOEUR, Paul. O conflito das
interpretações. Ensaios de hermenêutica. Tradução: Hilton Japiassu. Rio de Janeiro: Imago,
1978. p. 159-174.
_____________. A crítica e a convicção. Tradução: António Hall. Lisboa: Edições 70, 1995.
(Biblioteca de filosofia contemporânea).