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Prossegue Crítias que os deuses, um dia, dividiram a terra inteira,
sem discórdias e sem disputa, e, através da justiça, se
estabeleceram cada um em sua região;
Na partilha dos deuses, o lote de Atlântida coube ao deus do mar, Poseidão, que, por sua
vez, instalara nessa ilha os filhos que tivera com uma mortal local (Clito);
Poseidão dividiu esta ilha, assim, em 10 partes: ao primogênito, atribuiu o lote mais vasto
e melhor, fazendo-o rei acima dos demais; todos os irmãos, contudo, foram feitos
príncipes com autoridade, cada um, sobre um grande número de homens e vastos
territórios;
O primogênito recebeu o nome de Atlas e dele se derivou o nome do mar e da ilha que
passou a ser chamada Atlântida;
O rei e os nove príncipes, assim como seus descendentes, além de dominarem a ilha,
estenderam o seu poder a um grande número de ilhas próximas e mesmo a regiões
continentais situadas até o Egito e a Tirrênia, país dos Etruscos...
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Ao contrário dos guardiões austeros que comandavam
Atenas e a Grécia, que viviam sem luxo e jamais
tocavam em metais preciosos, a dinastia de Atlântida
acumulava riquezas em abundância;
Sendo a morada maternal de Clito, onde ficava o palácio real, cercada por
braços circulares de mar, os atlantes elevaram diversas pontes sobre estes,
permitindo a circulação para fora da ilha central e para a morada de outros
membros da dinastia (que viviam em anéis externos de terra);
Como se vê, são tantos os detalhes da narração feita por Crítias que parece
realmente impossível que ele não esteja se embasando em algum texto escrito
(no caso, os manuscritos de Sólon a partir de sua experiência no Egito).
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Logo após, dedica-se Crítias a descrever a grande utilização
que os atlantes faziam da água em suas obras; detalha seus
ginásios, hipódromos, suas tropas etc.;
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Crítias detalha, também, como se estruturava o poder político
em Atlântida: cada um dos dez reis, possuía poder irrestrito
sobre os homens e a maior parte das leis, punindo e condenando
a quem desejassem em seu território;
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Como podemos ver, a organização social, militar, política e religiosa daquele
império era meticulosamente disposta;
Pouco a pouco, os atos dos reis atlantes foram sendo dominados por interesses
mesquinhos;
Para isso, afirma Crítias, Zeus “reuniu todos os deuses na sua mais nobre
morada, que se encontra no centro do universo, e na qual se avistam todas as
coisas que participam do devir e os tendo reunido, diz: [...]” (p. 178).
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Neste ponto, quando Zeus iria anunciar os seus desígnios para
castigar os atlantes, abruptamente, a narração de Crítias e o
próprio manuscrito deste diálogo são interrompidos;
Quanto à tentativa do próprio Crítias para descrever a gênese das cidades, apesar de
inacabada, suscita-nos algumas questões intrigantes: como a narração “pré-socrática” de
Timeu, a narração de Crítias se direciona muito mais para o passado do que para o futuro;
a cidade sonhada por Sócrates na República (ou alguma muito similar), teria, assim,
existido no passado remoto? Realizar a pólis sonhada por Sócrates seria, assim, retornar,
de alguma forma, a um passado perdido, recordado somente pelos sacerdotes egípcios?
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Ora, uma Atenas “pré-ateniense”, “pré-pólis”, “pré-democrática”,
“pré-filosófica”, idealizada por olhos egípcios, dificilmente
poderia efetivar, em algum sentido, a pólis onde o poder político
e a filosofia coincidiriam;
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BENOIT, H. A Odisseia de Platão: as aventuras e desventuras
da dialética. São Paulo: Annablume, 2017. pp. 181 – 216.
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