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Beker
(1744-1782) por encomenda do livreiro de Kant em Königsberg.
CRÍTICA
DA RAZÃO PURA
Immanuel Kant
Tradução de
MANUELA PINTO DOS SANTOS
e
ALEXANDRE FRADIQUE MORUJÃO
Introdução e notas
de
ALEXANDRE FRADIQUE MORUJÃO
5ª E D I Ç Ã O
(1787)
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Tradução: O que não sabe comigo pretende parecer saber sozinho.
em apoio de verdades úteis, também nunca lhe ocorrerão objeções,
igualmente subtis, contra elas; pelo contrário, dado que a Escola
inevitavelmente incorre neste duplo inconveniente, assim como
qualquer indivíduo que ascende à especulação, a crítica é obrigada,
por um exame fundamentado dos direitos da razão especulativa, a
prevenir, de uma vez para sempre, o escândalo que iriam causar,
mais tarde ou mais cedo, ao próprio povo, as controvérsias em que
os metafísicos (e como tais, por fim, também os próprios teólogos)
se embrenham, inevitavelmente, sem crítica e que acabam por
falsear as suas próprias doutrinas. Só a crítica pode cortar pela raiz
o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a incredulidade dos espíritos
fortes, o fanatismo e a superstição, que se podem tornar nocivos a
todos e, por último, também o idealismo e cepticismo, que são
sobretudo perigosos para as escolas e dificilmente se propagam no
B XXXV público. Quando os governos I hajam por bem ocupar-se dos
assuntos dos eruditos, muito mais conforme seria com a sua sábia
providência, tanto em relação à ciência como aos homens, que
fomentassem a liberdade dessa crítica, a única que permite assentar
em base segura os trabalhos da razão, em vez de apoiar o ridículo
despotismo das escolas, que levantam grande alarido sobre o perigo
público, quando se rasgam as suas teias de aranha, das quais o
público nunca teve notícia e de cuja perda, portanto, nunca sentirá a
falta.
A crítica não se opõe ao procedimento dogmático da razão no
seu conhecimento puro, enquanto ciência (pois esta é sempre
dogmática, isto é, estritamente demonstrativa, baseando-se em
princípios a priori seguros), mas sim ao dogmatismo, quer dizer, à
presunção de seguir por diante apenas com um conhecimento puro
por conceitos (conhecimento filosófico), apoiado em princípios,
como os que a razão desde há muito aplica, sem se informar como e
com que direito os alcançou. O dogmatismo é, pois, o procedimento
dogmático da razão sem uma crítica prévia da sua própria
capacidade. Esta oposição da crítica ao dogmatismo não favorece,
pois, de modo algum, a superficialidade palavrosa que toma a
B XXXVI despropósito o nome de I popularidade, nem ainda menos o
cepticismo que condena, sumariamente,
toda a metafísica. A crítica é antes a necessária preparação para o
estabelecimento de uma metafísica sólida fundada rigorosamente
como ciência, que há-de desenvolver-se de maneira
necessariamente dogmática e estritamente sistemática, por
conseguinte escolástica (e não popular). Exigência inevitável em
metafísica, considerando que esta se compromete a realizar a sua
obra totalmente a priori, portanto para completa satisfação da razão
especulativa. Na execução do plano que a crítica prescreve, isto é,
no futuro sistema da metafísica, teremos então de seguir o método
rigoroso do célebre Wolff, o maior de todos os filósofos
dogmáticos. Wolff foi o primeiro que deu o exemplo (e por esse
exemplo ficou sendo o fundador do espírito de profundeza até hoje
ainda não extinto na Alemanha) do modo como, pela determinação
legítima dos princípios, clara definição dos conceitos, pelo rigor
exigido nas demonstrações e a prevenção de saltos temerários no
estabelecimento das conseqüências, se pode seguir o caminho
seguro de uma ciência. Mais do que qualquer outro se encontrava
apto para colocar nessa via uma ciência, como a metafísica, se lhe
tivesse ocorrido preparar primeiro o terreno pela crítica do
respectivo instrumento, isto é, da própria razão pura; I uma falta B XXXVII
que, mais do que a ele, é imputável à maneira dogmática de pensar
da sua época e de que não podem acusar-se uns aos outros os
filósofos do seu tempo, nem os dos tempos anteriores. Os que
rejeitam o seu método e ao mesmo tempo o procedimento da crítica
da razão pura não podem ter em mente outra coisa que não seja
desembaraçar-se dos vínculos da ciência e transformar o trabalho
em jogo, a certeza em opinião e a filosofia em filodoxia.
No que se refere a esta segunda edição não quis, como é
natural, deixar passar o ensejo de obviar quanto possível às
dificuldades e obscuridades que podem ter dado origem a
interpretações errôneas em que caíram homens argutos ao julgar
este livro, talvez em parte por minha culpa. Nas próprias
proposições e suas provas nada julguei dever alterar, nem tão-pouco
na forma e no conjunto do seu plano; o que deve atribuir-se, em
parte, não só ao longo exame a que o submeti antes de o apresentar
a público, mas também à própria índole do assunto, ou seja à
natureza de uma razão especulativa pura, que encerra uma ver-
dadeira estrutura em que tudo é órgão, isto é, em que tudo existe
para cada parte e cada parte para todas as outras, pelo que, qualquer
defeito, por mais ínfimo, quer seja engano (erro) ou lacuna, logo se
denunciaria inevitavelmente no uso. Também de futuro este sistema
se manterá imutável, assim o espero. O que justifica esta confiança
não é presunção minha, é apenas a evidência que ressalta da
experimentação da igualdade de resultados a que se chega, quer se
parta da totalidade dos elementos mínimos para a totalidade da
razão pura, quer, inversamente, do todo para cada parte (pois este
todo é também dado pela finalidade última da razão no domínio
prático), ao passo.que a tentativa de modificar sequer a mais
pequena parte, imediatamente acarretaria contradições, não só no
sistema, mas também em toda a razão humana em geral. Somente
na exposição há ainda muito a fazer e a esse respeito tentei nesta
edição fazer correções que devem evitar tanto a má compreensão da
estética, particularmente no conceito do tempo, como a obscuridade
da dedução dos conceitos do entendimento, como ainda a suposta
falta de evidência suficiente nas provas dos princípios do
entendimento puro, como enfim a falsa interpretação dos
paralogismos da psicologia racional. Até aí (ou seja, apenas até ao
B XXXIX fim da primeira parte da dialética I transcendental), se estendem as
minhas alterações quanto à forma da exposição *,
______________
II
¹ A: Encorajado.
² A: opõe ao entendimento demasiados obstáculos diversos.
suas forças para mover o entendimento. É, porém, o destino
corrente da razão humana, na especulação, concluir o seu edifício
tão cedo quanto possível e só depois examinar se ele possui bons
fundamentos. Procura então toda a espécie de pretextos para se
persuadir da sua solidez ou [até] para impedir [inteiramente]
semelhante exame, tardio e perigoso. Enquanto construímos, algo
nos liberta de todo o cuidado e suspeita, e até falsamente nos
convence de aparente rigor. E que uma grande parte, talvez a maior
parte da atividade da nossa razão, consiste em análises dos
conceitos que já possuímos de objetos. Isto fornece-nos uma porção
de conhecimentos que, não sendo embora mais do que
esclarecimentos ou explicações do que já foi pensado nos nossos
conceitos (embora ainda confusamente), são apreciados, pelo menos
no tocante à forma, como novas intelecções, embora, no tocante à
matéria ou ao conteúdo, não ampliem os conceitos já adquiridos,
B 10 apenas os decomponham. I Como este procedimento dá um
conhecimento real a priori e marca um progresso seguro e útil, a
razão, sem que disso se aperceba, faz desprevenidamente
afirmações de espécie completamente diferente, em que acrescenta
a conceitos dados ¹ outros conceitos de todo alheios [e precisamente
a priori,] ignorando como chegou a esse ponto e nem sequer lhe
ocorrendo pôr semelhante questão. Eis porque tratarei
primeiramente da distinção dessa dupla forma de conhecimento.
[IV]
DA DISTINÇÃO ENTRE JUIZOS ANALITICOS
E JUIZOS SINTÉTICOS
¹ Em A acrescenta-se: a priori.
como algo que está contido (implicitamente) nesse conceito A, ou B
está totalmente fora do conceito A, embora em ligação com ele. No
primeiro caso chamo analítico ao juízo, no segundo, I sintético. A7
Portanto, os juízos (os afirmativos) são analíticos, quando a ligação
do sujeito com o predicado é pensada por identidade; aqueles,
porém, em que essa ligação é pensada sem identidade, deverão
chamar-se juízos sintéticos. I Os primeiros poderiam igualmente B 11
denominar-se juízos explicativos; os segundos, juízo extensivos;
porque naqueles o predicado nada acrescenta ao conceito do sujeito
e apenas pela análise o decompõe nos conceitos parciais, que já nele
estavam pensados (embora confusamente); ao passo que os outros
juízos, pelo contrário, acrescentam ao conceito de sujeito um
predicado que nele não estava pensado e dele não podia ser extraído
por qualquer decomposição. Quando digo, por exemplo, que todos
os corpos são extensos, enuncio um juízo analítico, pois não preciso
de ultrapassar o conceito que ligo à palavra corpo para encontrar a
extensão que lhe está unida; basta-me decompor o conceito, isto é,
tomar consciência do diverso que sempre penso nele, para encontrar
este predicado; é pois um juízo analítico. Em contra-partida, quando
digo que todos os corpos são pesados, aqui o predicado é algo de
completamente diferente do que penso no simples conceito de um
corpo em geral. A adjunção de tal predicado produz, pois, um juízo
sintético.
[Os juízos de experiência, como tais, são todos sintéticos, pois
seria absurdo fundar sobre a experiência um juízo analítico, uma
vez que não preciso de sair do meu conceito para formular o juízo e,
por conseguinte, não careço do testemunho da experiência. Que um
corpo seja extenso é uma proposição que se verifica a priori e não
um I juízo de experiência. Porque antes de passar à experiência já B 12
possuo no conceito todas as condições para o meu juízo; basta
extrair-lhe o predicado segundo o princípio de contradição para,
simultaneamente, adquirir a consciência da necessidade do juízo,
necessidade essa que a experiência nunca me poderia ensinar. Pelo
contrário, embora eu já não incluía no conceito de um corpo em
geral o predicado do peso, esse conceito indica, todavia, um objeto
da experiência
obtido mediante uma parte desta experiência, à qual posso ainda
acrescentar outras partes dessa mesma experiência, diferentes das
que pertencem ao conceito de objeto. Posso ainda previamente
conhecer o conceito de corpo, analiticamente, pelas características
da extensão, da impenetrabilidade, da figura, etc., todas elas
pensadas nesse conceito. Ampliando agora o conhecimento e
voltando os olhos para a experiência de onde abstraí esse conceito
de corpo, encontro também o peso sempre ligado aos caracteres
precedentes e, por conseguinte, acrescento-o sinteticamente, como
predicado, a esse conceito. E pois sobre a experiência que se funda
a possibilidade de síntese do predicado do peso com o conceito de
corpo, porque ambos os conceitos, embora não contidos um no
outro, pertencem, contudo, um ao outro, se bem apenas de modo
contingente, como partes de um todo, a saber, o da experiência, que
é, ela própria, uma ligação sintética das intuições.] 1.
A9 I Nos juízos sintéticos a priori falta, porém, de todo essa ajuda.
B 13 Se ultrapasso o conceito A ² I para conhecer outro
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VI B 19
VII
A1 INTRODUÇÃO
III
DOUTRINA TRANSCENDENTAL A 17
B 31
DOS ELEMENTOS
Primeira Parte
ESTÉTICA TRANSCENDENTAL
[§ 1]
DO ESPAÇO
[§ 2
1
A: examinemos primeiro o espaço.
perfeitamente pensar I que não haja objetos alguns no espaço. B 39
Consideramos, por conseguinte, o espaço a condição de
possibilidade dos fenômenos, não uma determinação que dependa
deles; é uma representação a priori, que fundamenta
necessariamente todos os fenômenos externos ¹.
3.2 O espaço não é um conceito discursivo ou, como se diz
também, um conceito universal das relações das coisas em geral, A 25
mas uma intuição pura. Porque, em primeiro lugar, só podemos ter
a representação de um espaço único e, quando falamos de vários
espaços, referimo-nos a partes de um só e mesmo espaço. Estas
partes não podem anteceder esse espaço único, que tudo abrange,
como se fossem seus elementos constituintes (que permitissem a
sua composição); pelo contrário, só podem ser pensados nele. É
essencialmente uno; a diversidade que nele se encontra e, por
conseguinte, também o conceito universal de espaço em geral,
assenta, em última análise, em limitações. De onde se conclui que,
em relação ao espaço, o fundamento de todos os seus conceitos é
uma intuição a priori (que não é empírica). Assim, as proposições
geométricas, como, por exemplo, que num triângulo a soma de dois
lados é maior do que o terceiro, não derivam nunca de conceitos
gerais de linha e de triângulo, mas da intuição, e de uma intuição a
priori, com uma certeza apodítica.
[4. O espaço é representado como uma grandeza infinita dada.
Ora, não há dúvida que pensamos necessariamente qualquer
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2
Em A: 4.
B 40 quer conceito como uma representação contida numa multidão
infinita de representações diferentes possíveis (como sua
característica comum), por conseguinte, subsumindo-as; porém,
nenhum conceito, enquanto tal, pode ser pensado como se
encerrasse em si uma infinidade de representações. Todavia é assim
que o espaço é pensado (pois todas as partes do espaço existem
simultaneamente no espaço infinito). Portanto, a representação
originária de espaço é intuição a priori e não conceito.] 1.
[§ 3
¹ A. acrescenta: apenas.
possível) e ¹ , não obstante, a sua idealidade transcendental, ou seja,
que o espaço nada é, se abandonarmos a condição de possibilidade
de toda a experiência e o considerarmos com algo que sirva de
fundamento das coisas em si.
Por outro lado, excetuando o espaço, não há nenhuma outra
representação subjetiva e referida a algo de exterior, que possa
dominar-se objetiva a priori. [Efetivamente, de nenhuma delas se
pode derivar, como da intuição de espaço, proposições sintéticas a
priori (§ 3). Sendo assim, para falar com precisão, não lhes cabe
idealidade alguma, embora concordem com a representação do
espaço por unicamente dependerem da constituição subjetiva da
sensibilidade, por exemplo, da vista, do ouvido, ou do tato, através
das sensações das cores, dos sons e do calor que, sendo apenas
sensações e não intuições, não permitem o conhecimento de
nenhum objeto, muito menos a priori.] ²
I Esta observação apenas tem em vista impedir que ocorra a B 45
alguém explicar a afirmada idealidade do espaço, mediante
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B 46 Segunda Secção
DO TEMPO
[§ 4
[§ 6]
[§ 7]
EXPLICAÇÃO
B 59 [§ 8]
§15
Segunda Secção
(A)
§ 16
impossíveis ou então possíveis em si, mas que não podem ser dados em
nenhuma experiência, pois na ligação desses conceitos pode alguma coisa ser
deixada de lado que, não obstante, pertença necessariamente à condição de
uma experiência possível (conceito de um espírito) ou então estender
conceitos puros do entendimento mais longe do que a experiência pode
alcançar (conceito de Deus). Os elementos, porém, de todos os conhecimentos
a priori, mesmo de ficções arbitrárias e absurdas, não podem ser extraídos da
experiência (de outra forma não seriam conhecimentos a priori), mas devem
sempre conter as condições puras a priori de uma experiência possível e de
um objeto dessa experiência; caso contrário, não somente nada poderá ser
pensado por seu
considerar-se pertencente à sensibilidade. Dou-lhe o nome de
apercepção pura, para a distinguir da empírica ou ainda o de
apercepção originária, porque é aquela autoconsciência que, ao
produzir a representação eu penso, que tem de poder acompanhar
todas as outras, e que é una e idêntica em toda a consciência, não
pode ser acompanhada por nenhuma outra. Também chamo à
unidade dessa representação a unidade transcendental da
autoconsciência, para designar a possibilidade do conhecimento a
priori a partir dela. Porque as diversas representações, que nos são
dadas em determinada intuição, não seriam todas representações
minhas se não pertencessem na sua totalidade a uma auto-
consciência; quer dizer, enquanto representações minhas (embora
me não aperceba delas enquanto tais), têm de ser necessariamente
conformes com a única condição pela qual se podem encontrar
B 133 reunidas numa autoconsciência geral, pois não sendo assim, não I
me pertenceriam inteiramente. Desta ligação originária se podem
extrair muitas conseqüências.
Acontece que esta identidade total da apercepção de um
diverso dado na intuição contém uma síntese das representações e
só é possível pela consciência desta síntese. Com efeito, a
consciência empírica que acompanha diferentes representações é
em si mesma dispersa e sem referência à identidade do sujeito. Não
se estabelece, pois, essa referência só porque acompanho com a
consciência toda a representação, mas porque acrescento uma
representação a outra e tenho consciência da sua síntese. Só porque
posso ligar numa consciência um diverso de representações
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OBSERVAÇÃO PRELIMINAR
§ 17
quais a mesma consciência esteja como contida em muitas representações; são antes
muitas representações contidas numa só, e na consciência que dela temos, portanto
postas juntamente, pelo que a unidade da consciência se apresenta como sintética e
todavia originária. Esta singularidade do espaço e do tempo é importante na sua
aplicação (ver § 25).
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nossa imaginação empírica não teria nunca nada a fazer que fosse conforme à
sua faculdade, permanecendo oculta no íntimo do espírito como uma faculdade
morta e desconhecida para nós próprios. Se o cinábrio fosse ora vermelho, ora
preto, ora leve, ora pesado, se o homem se transformasse ora nesta ora naquela
B 101 forma animal, se num muito longo dia a I terra estivesse coberta ora de frutos,
ora de gelo e neve, a minha imaginação empírica nunca teria ocasião de receber
no pensamento, com a representação da cor vermelha, o cinábrio pesado; ou se
uma certa palavra fosse atribuída ora a esta, ora àquela coisa, ou se
precisamente a mesma coisa fosse designada ora de uma maneira, ora de outra,
sem que nisso houvesse uma certa regra, a que os fenômenos estivessem por si
mesmos submetidos, não podia ter lugar nenhuma síntese empírica da
reprodução.
§ 18
Deve portanto haver qualquer coisa que torne possível esta reprodução
dos fenômenos, servindo de princípio a priori a uma unidade sintética e
necessária dos fenômenos. A isto, porém, se chega quando se reflete que os
fenômenos não são coisas em si, mas o simples jogo das nossas representações
que, em último termo, resultam das determinações do sentido interno. Se pois
podemos mostrar, que mesmo as nossas intuições a priori mais puras não
originam conhecimento a não ser que contenham uma ligação do diverso, que
uma síntese completa da reprodução torna possível, esta síntese da imaginação
também está fundada, previamente a toda a experiência, sobre princípios a
priori e é preciso admitir uma síntese transcendental pura de esta imaginação,
servindo de fundamento à possibilidade de toda a experiência (enquanto esta
pressupõe, necessariamente, a I reprodutibilidade dos fenômenos). Ora é A 102
evidente que, se quero traçar uma linha em pensamento, ou pensar o tempo de
um meio dia a outro, ou
tem validade subjetiva. Uns ligam a representação de certa palavra
com uma coisa, outros com outra; a unidade da consciência, no que
é empírico, não tem valor necessário e universal em relação ao que
é dado.
§ 19
A FORMA LÓGICA DE TODOS OS JUÍZOS CONSISTE NA UNIDADE
OBJECTIVA DA APERCEPÇÃO DOS CONCEITOS AI CONTIDOS
3 A 103
B 143 § 20
§ 21 B 144
OBSERVAÇÃO
próprio ato, isto é, imediatamente, mas apenas no efeito. Pondo de lado, porém,
esta diferença, é preciso que haja sempre uma consciência, embora lhe falte a
claridade nítida, sem a qual são completamente impossíveis os conceitos e,
com eles, o conhecimento de objeto.
É neste ponto necessário fazer bem compreender o que se entende por
esta expressão de um objeto das representações. Dissemos acima que os
próprios fenômenos não são outra coisa que representações sensíveis, que
devem ser consideradas em si mesmas, exatamente como tais, e não como
objetos (fora da faculdade da representação). O que se entende pois, quando se
fala de um objeto correspondente ao conhecimento e, por conseqüência,
também distinto deste? É fácil de ver que este objeto apenas deve ser como
algo em geral = X, porque nós, fora do nosso conhecimento, nada temos
empírica, para apenas atentar na unidade que é conferida à intuição
pelo entendimento, mediante a categoria. No que se segue (§ 26) se
B 145 mostrará, pela maneira como é dada na sensibilidade I a intuição
empírica, que a unidade desta intuição é apenas a que a categoria,
conforme o que dissemos no parágrafo anterior (§ 20), prescreve ao
diverso de uma intuição dada em geral; e, porque a validade a priori
da categoria será explicada em relação a todos os objetos dos nossos
sentidos, se atingirá então, por completo, a finalidade da dedução.
Só de um ponto não pude abstrair na demonstração anterior; é
ele que o diverso da intuição tem de ser dado antes da síntese do
entendimento e independente dela, embora o como fique aqui
indeterminado. Pois se quisesse pensar um entendimento, que por si
próprio intuísse (como porventura um entendimento divino, que não
representasse objetos dados, mas cuja representação daria ou
produziria, ao mesmo tempo, os próprios objetos), as categorias não
teriam qualquer significado em relação a um tal conhecimento. São
apenas as regras para um entendimento, do qual todo o poder
consiste no pensamento, isto é, no ato de submeter à unidade da
apercepção a síntese do diverso, que lhe foi dado, de outra parte, na
intuição. O entendimento, portanto, por si nada conhece, mas
apenas liga e ordena a matéria do conhecimento, a intuição, que tem
de lhe ser dada pelo objeto. Também não podemos, tão-pouco,
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que possamos contrapor a esse conhecimento, como algo que lhe corresponda.
Porém, achamos que o nosso pensamento sobre a relação de todo o
conhecimento ao seu objeto comporta algo de necessário, pois este objeto é
considerado como aquilo a que se faz face; os nossos conhecimentos não se
determinam ao acaso ou arbitrariamente, mas a priori e de uma certa maneira,
porque, devendo reportar-se a um objeto, devem também concordar
A 105 necessariamente entre si, relativamente a esse objeto, I isto é, possuir aquela
unidade que constitui o conceito de um objeto.
Ora, uma vez que apenas temos que nos ocupar com o diverso das nossas
representações e como aquele X, que lhes corresponde (o objeto), não é nada
para nós, pois deve ser algo de diferente de todas as nossas representações, é
claro que a unidade, que constitui,
apresentar uma razão da peculiaridade do nosso entendimento em
realizar a unidade da apercepção a priori apenas mediante as
categorias e I exatamente desta espécie e deste número, tal como B 146
não podemos dizer porque temos precisamente estas funções do
juízo e não outras, ou porque o tempo e o espaço são as únicas
formas da nossa intuição possível.
§ 22