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Conclusões e Recomendações

Documento Final
Um conjunto de 27 organizações e algumas pessoas singulares provenientes das províncias
de Luanda, Cabinda, Namibe, Huambo e Huíla, reuniram-se de 29 a 31 de Maio de 2002 no
INAC, no quadro da Rede da Paz e com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, tendo como
objectivos:

? analisar os documentos - base do processo de Paz tendo em conta o contexto actual


político-militar e socio-económico;

? fazer propostas concretas para o processo de paz e reconciliação social;

? definir linhas estratégicas de intervenção da sociedade civil no processo.

Neste encontro os participantes aceitaram o princípio segundo o qual os actores da paz da


sociedade civil são Organizações de cidadãos, como ONGs, sindicatos, associações
cívicas, organizações religiosas, profissionais, culturais e organizações comunitárias de
carácter diverso.

Consideraram que o fim da guerra não representa por si só a resolução do conflito e que de
1998 a 2002 os actores da sociedade civil por pressão própria, passaram a ser citados e
consultados, mas não foram envolvidos na concepção e implementação das soluções para o
conflito.

Constataram que a priorização dada às questões militares servem como garantia da fase
política, manifestando, no entanto, algumas reservas no que se refere à abordagem
compartimentada das questões políticas e militares.

Consideraram a necessidade das organizações da sociedade civil participarem na monitoria


da implementação do memorando de entendimento do Luena e das questões pendentes do
Protocolo de Lusaka.

Observaram que existe um sentimento de ausência aparente da liderança política no


processo, não havendo, até ao momento, um pronunciamento público bilateral sobre o
encaminhamento a dar às questões do fórum político, assim como não foram ainda
apontadas as vias que nos levam a soluções para a correcção das falhas ocorridas nos
processos anteriores.

Como resultado dos trabalhos, os participantes aprovaram o seguinte:

I. RECOMENDAÇÕES

A) Em relação aos aspectos políticos:

01. Sobre o GURN

? Tendo em conta o contexto actual, a importância do papel do GURN na preparação do


país para uma nova viragem, sugere-se o seguinte:
- Que o GURN seja transformado num verdadeiro instrumento inclusivo e efectivo da
reconciliação nacional, através da partilha do poder e responsabilidades com todos
os partidos políticos que o integram, procurando construir um programa de
governação com a participação de todos;
- Que no plano do GURN para este período se tenha em consideração a urgência da
despartidarização, desmilitarização e extensão da administração do Estado a todo
território nacional, pondo ao serviço da população os sectores administrativos
essenciais, tais como educação, saúde, tribunais etc.

? Elaboração de um plano estratégico para a governação do país, que defina claramente o


exercício multipartidário do poder político, num Governo de Unidade e Reconciliação
Nacional, e o papel dos partidos políticos da oposição;

? Despartidarização, desmilitarização e extensão da administração do Estado a todo


território nacional, pondo ao serviço da população os sectores administrativos
essenciais, tais como educação, saúde, administração da justiça, entre outros.

02. Sobre a Comunicação social


? Despartidarização dos mídias, principalmente dos estatais, e aprovação urgente de uma
nova Lei de Imprensa que proporcione o surgimento de mais órgãos de comunicação
social independentes, tais como rádios, televisão, jornais e rádios comunitárias.

03. Sobre as Sanções


? Levantamento de todas as sanções imputadas à UNITA, a excepção daquelas que
ponham em causa o processo de paz.

04. Sobre o funcionamento dos mecanismos do Protocolo de Lusaka


? Restabelecimento da Comissão Conjunta para que assuma as responsabilidades à ela
atribuídas no âmbito do Protocolo de Lusaka, integrando outras forças políticas e sociais
para a conclusão das tarefas ainda pendentes.

05. Sobre o processo Eleitoral


? Inoportunidade da realização da segunda volta das eleições presidenciais de 1992;
? Criação de um órgão eleitoral independente para a supervisão do processo eleitoral;
? Início da agenda eleitoral com eleições autárquicas, de forma a conseguir-se garantias
para o normal funcionamento das instituições democráticas;
? Debate público do anteprojecto da lei das autarquias.

06. Sobre o processo Constitucional


? Elaboração de uma nova constituição que não resulte apenas de uma mera negociação
partidária, mas de um debate alargado, inclusivo e de consenso nacional, para que todos
os angolanos se revejam e se sintam integrados nela.

07. Sobre a participação da sociedade civil


? Alargamento da participação dos actores da paz da sociedade civil em todas as áreas
ligadas ao processo da construção da paz e democracia;

? Criação de órgãos de concertação a todos os níveis (comunal, municipal, provincial,


nacional) entre o governo e os seus parceiros e as organizações da sociedade civil.

B) Em relação aos aspectos militares e de segurança

08. Desarmamento da população civil - de acordo com os compromissos que o


Governo assumiu no protocolo da SADC, na Declaração de Bamako, no programa de
acção da ONU para o desarmamento da população civil e no protocolo de Lusaka.

09. Crianças soldado/prisioneiros - Identificação e localização das crianças soldado,


meninas raptadas e prisioneiros.

10. Prazos e instituições previstas no Memorando do Lwena:


? Dilatação do prazo previsto no memorando de entendimento para a
reinserção social dos desmobilizados;
? Envolvimento das organizações da sociedade civil na formação e reintegração dos
desmobilizados.

11. Fortalecer a confiança entre os cidadãos e as forcas da ordem


? Reconhecimento das iniciativas de educação cívica, das forças da ordem e promoção da
sua intensificação;
? Julgamento dos desmandos das forças da ordem nas comunidades onde foram
cometidos.

12. Reinserção social dos desmobilizados


? Realização de inquéritos aos desmobilizados para que as linhas de acção tenham em
contam as necessidades identificadas;
? Colaboração na construção de habitação para os desmobilizados;
? Dilatação do tempo de formação dos desmobilizados;
? Definição mais clara da composição e do papel das Brigadas da Reconstrução Nacional;
? Concessão de benefícios fiscais às empresas que empreguem os desmobilizados;
? Promoção de iniciativas de boas vindas nas comunidades que recebam desmobilizados.

13. Crise humanitária nas áreas de aquartelamento


? Abertura das áreas de aquartelamento às organizações da sociedade civil
nomeadamente no campo da saúde e apoio alimentar;
? Prestação de assistência humanitária numa perspectiva de desenvolvimento e não de
dependência.

14. Lei do serviço militar obrigatório


? Respeito pelas datas de entrada e saída do serviço militar obrigatório de acordo com a
lei;
? Respeito pela objecção de consciência e criação de serviços cívicos alternativos.

15. Restruturação da polícia e das forças de segurança


? Redimensionamento e reestruturação das forças de segurança, tendo em conta a nova
realidade e as novas prioridades no país;
? Maior protecção da costa e das fronteiras nacionais;
? Desmobilização dos excedentes para equipas de desminagem, bombeiros, equipas de
salvamento e de socorro, e outras.

16. Acesso a fontes de informação credíveis


? Prestação de informação credível para eliminar a desconfiança, o boato e a contra
informação;
? Livre acesso à informação por parte da imprensa credenciada.

17. Desminagem
? Elaboração de um plano nacional de desminagem;
? Promoção da participação dos desmobilizados na sensibilização para o perigo das
minas.

C) Em relação a reconciliação:

18. Promoção da participação das comunidades e de cada angolano na


reconciliação nacional por forma que se tenha em conta:
? O calar das armas;
? Desmobilização dos militares;
? Reintegração dos ex-militares, reassentamentamento dos deslocados e refugiados com
a criação de infra-estruturas sociais que permitam a todos incluindo as comunidades
locais, a aceitação, o caminhar e conviver juntos;
? Criação de espaços onde as pessoas possam falar das suas experiências de guerra e
exprimirem sentimentos e emoções dolorosas;
? Processo de perdão entre as vítimas e vitimizadores.

19. Sobre os mecanismos da reconciliação


? Partilha de experiências de outros países e criação dos nossos próprios modelos de
reconciliação e reconstrução nacional, que se ajustem ao contexto político, social,
cultural e histórico angolano;
? Reconhecimento das questões chave para a reconciliação sob o ponto de vista
psicossocial:

a) Verdade
b) Herança do medo
c) O desejo de esquecer o passado sem recordar;

? Promoção de acções para trabalhar sobre os lutos congelados que poderão desembocar
em violência e autodestruição, recorrendo aos rituais colectivos que canalizem as
emoções e a solidariedade entre os angolanos para tranquilizar os espíritos e colocar os
mortos nos seus devidos lugares;

? Aplicação de práticas locais, de reintegração e estabilização social nas comunidades,


que englobam:
a) Recepção das pessoas
b) Purificação (simbólica)
c) Reintegração/aceitação
d) Início de uma nova vida

? Educação para a paz e para a cidadania que consolide:


a) Que a nação angolana trabalhe preconceitos e estereótipos (regionalismo, tribalismo,
racismo);

b) Os dirigentes deverão de modo transparente explicar a questão de Cabinda que ainda é


tabu, realizando conferências, fóruns e debates onde se discuta e analise o passado
histórico de Cabinda. (Com a situação de Cabinda poder-se-á falar no fim da guerra em
Angola?).

D) Em relação à Reconstrução Nacional


? Visão negociada e partilhada - visão, objectivos, prioridades, resultados, modelo;
? Agenda para a construção da paz e aproveitamento integral e equilibrado dos recursos
internos - terra, água, animais;
? Baseada nas capacidades humanas, no reforço das instituições e na lógica do
desenvolvimento sustentável;
? Reconversão dos recursos da guerra para a reconstrução;

a) Análise profunda das causas e das consequências da pobreza e exclusão, na base do


princípio da participação, da mobilização de recursos externos, dos sistemas de
conhecimento endógenos e nas experiências de fora;

b) Reconhecer que a pobreza é mais ampla e não se deve apenas à guerra.


Por forma a dar corpo às recomendações saídas deste encontro, emergiram as
seguintes linhas estratégicas, cuja implementação deverá ser feita em parceria com o
Governo e outras organizações nacionais e internacionais:

II. ESTRATÉGIAS GERAIS

? Não fazer projectos direccionados apenas aos militares, mas de forma a englobar nos
mesmos os deslocados, os refugiados, os reassentados, visando a restauração do sentido
de integração;

? Realizar seminários, conferências, formações e workshops sobre os temas: Paz e


reconciliação, resolução de conflitos familiares e comunitários, reconstrução nacional,
cidadania, uso e aproveitamento de terras;

? Produção e publicação de material educativo diverso;

? Evitar estigmatizações no seio da comunidade;

? Partilhar as experiências com organizações de outros países e consequentemente criar os


nossos próprios modelos de reconstrução e reconciliação nacional, constitucionais e
eleitorais.

III. ESTRATÉGIAS ESPECÍFICAS

A) Desarmamento da População Civil

? Sensibilizar, mobilizar e promover campanhas de recolha, armazenamento e posterior


destruição de armas.

B) Reconciliação Nacional

? Cura de traumas psicológicos


a) Gerir o efeito psicológico da guerra nas crianças e nos adultos mediante a criação de
espaços onde possam falar, exteriorizar e exprimir as suas experiências;
b) Realizar um trabalho de suporte, aconselhamento, acompanhamento, reintegração e
cura tendo em conta os rituais tradicionais de cada comunidade;
c) Monitorar o processo de amnistia e ajudar na identificação de critérios para definir uma
tipologia de crimes a serem amnistiados;
d) Promover a ajuda humanitária para as comunidades mais carentes numa perspectiva de
autonomia e desenvolvimento.

? Formação para a integração social


a) Apoiar a reintegração social, o reassentamento dos desmobilizados, deslocados,
mutilados, órfãos e outras vítimas de guerra;
b) Colaborar na alfabetização e educação da população em geral e dos desmobilizados
em particular;
c) Promover programas educativos de sensibilização contra o perigo de minas com a
colaboração de ex-militares;
d) A sociedade civil deverá trabalhar em parceria com o Governo e outras organizações no
sentido de que a formação profissional a ser dada aos desmobilizados esteja de acordo
com as necessidades e recursos da comunidade em que estes serão inseridos.

? Sobre a reconstrução e desenvolvimento sustentável


a) Envolver a sociedade civil em projectos sociais de reabilitação e/ou construção de infra-
estruturas e apoio aos quadros docentes;
b) Promover estudos e pesquisas que ajudem a construir outros modelos de
desenvolvimento que permitam o conhecimento da realidade, as pequenas experiências;
c) Desenvolver a advocacia e lobby a favor das populações desfavorecidas com métodos
mais participativos;
d) Promover debates sobre que modelo de desenvolvimento queremos para Angola;
e) Desenvolver um processo de aprendizagem baseado no trabalho prático e reflexão;
f) Monitoria e avaliação dos projectos/resultados.

C) Educação para a Paz e Cidadania

? Promover programas educativos onde se trabalhem as questões da paz e da cidadania


apelando ao sentido de nação e trabalhando os preconceitos relativamente às questões
de regionalismo, tribalismo, racismo, etc;

? Elaborar programas educativos que visem a preparação da sociedade civil para o


processo eleitoral;

? Participar nos debates sobre os anteprojectos de lei relevantes para a vida nacional (lei
de terras, lei de imprensa, lei eleitoral, constituição, autarquias, etc.).

D) Mecanismos Operativos

Os participantes acordaram igualmente na constituição dos mecanismos operativos a seguir


enunciados para implementar algumas das recomendações e estratégias aprovadas:

1. Conselhos de concertação de nível comunal, municipal, provincial e central;

2. Inscrição livre nos fóruns onde se debatem as questões fundamentais da vida do país e
da consolidação do processo de paz.

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