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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MOÇAMBIQUE

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA

A convivência política em Moçambique, segundo o pensamento político de Severino


Ngoenha

Júlio Calisto Grastal: 708213287

Curso: Licenciatura em Ensino Educação Física e Desporto


Disciplina: Introdução à Filosofia
Ano de Frequência: 2°

Nampula, Setembro, 2022


Júlio Calisto Grastal

A convivência política em Moçambique, segundo o pensamento político de Severino


Ngoenha

Trabalho de Introdução à filosofia, apresentado ao curso


de Licenciatura em Ensino de Educação Física e
Desporto, 2° ano, para a obtenção da 2ª avaliação de
campo.

O Tutor: Benvindo Tapua

Nampula, Setembro, 2022


ÍNDICE
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 4

1. O CONCEITO DE POLÍTICA .............................................................................................. 5

2. História Política de Moçambique: da independência aos nossos dias .................................... 5

3. O ESTADO E SEUS ELEMENTOS...................................................................................... 7

4. PENSAMENTO POLÍTICO DE SEVERINO NGOENHA .................................................. 9

5. CONVIVÊNCIA POLÍTICA EM MOÇAMBIQUE ........................................................... 11

6. VALORES PARA BOA CONVIVÊNCIA POLÍTICA ....................................................... 12

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 15


INTRODUÇÃO

O trabalho irá falar sobre a convivência política em Moçambique, segundo o pensamento


político de Severino Ngoenha, Severino Elias Ngoenha tem sido considerado pela academia
moçambicana como o mais influente filósofo do país. Esta apreciação marca, por si só, uma
boa chave de leitura para a interpretação do referido filósofo. Se, por um lado, Ngoenha
jamais descurou do diálogo com a tradição da filosofia ocidental, nem tampouco deixou de
tratar da afirmação positiva da filosofia africana, será no solo de seu país – Moçambique –
que suas reflexões terão maior pujança e melhor ventura. Sua obra pode ser considerada como
uma indagação filosófica sobre a liberdade a partir das contradições próprias da história
contemporânea de Moçambique.

Objectivo geral:

 Compreender a convivência política em Moçambique.

Objectivos específicos:

 Definir a política e o Estado;


 Descrever a história política de Moçambique;
 Elucidar o pensamento político de Severino Ngoenha;
 Indicar valores para boa convivência política.

A Metodologia usada para a realização deste trabalho foi da consulta bibliográfica, que
consistiu na leitura atenciosa e análise das informações contidas nas obras, que foram citadas
na respectiva página de referências bibliográficas. E o trabalho apresenta a seguinte estrutura:
parte externa: capa de rosto, contracapa, folha de feedback e índice; parte interna: introdução,
desenvolvimento, conclusão e referências bibliográficas.

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1. O CONCEITO DE POLÍTICA

A palavra política é grega: ta politika, vinda de polis. Política, significa, etimologicamente,


arte de administrar (governar) a cidade. Polis é a Cidade, entendida como a comunidade
organizada, formada pelos cidadãos (politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da
Cidade, livres e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis, a isonomia (igualdade
perante a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir em público opiniões sobre acções que
a Cidade deve ou não deve realizar).

Polis e civitas correspondem (imperfeitamente) ao que, no vocabulário político moderno,


chamamos de Estado: o conjunto das instituições públicas (leis, erário público, serviços
públicos) e sua administração pelos membros da Cidade. Ta politika e res publica
correspondem (imperfeitamente) ao que designamos modernamente por práticas políticas,
referindo-se ao modo de participação no poder, aos conflitos e acordos na tomada de decisões
e na definição das leis e de sua aplicação, no reconhecimento dos direitos e das obrigações
dos membros da comunidade política e às decisões concernentes ao erário ou fundo público. (.
Chaui, 2003, pp. 478-479).

Portanto, de um modo geral, pode-se definir a política como a actividade desempenhada pelo
cidadão quando este exerce seus direitos em assuntos públicos através da sua opinião e do seu
voto. Em outra vertente, pode-se também dizer que a política é a actividade da governação, do
estado e das relações de poder e também uma arte de negociação para compatibilizar
interesses. A política tem a ver com a organização, direcção e administração de uma nação ou
um Estado.

A política busca um consenso para a convivência pacífica em comunidade. Por isso, ela é
necessária porque vivemos em sociedade e porque nem todos os seus membros pensam igual.
A política exercida dentro de um mesmo Estado chama-se política interna e entre Estados
diferentes, se denomina política externa.

2. História Política de Moçambique: da independência aos nossos dias

A Frelimo, Frente de Libertação de Moçambique, foi o movimento que dirigiu a luta de


libertação nacional que culminou com a independência nacional em 25 de Junho de 1975.
Desde então que esse movimento político ou os seus sucessores dirigem a política nacional.
Em 1978, a Frente tornou-se num partido político marxista-leninista, denominado Partido

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Frelimo, e Samora Machel ocupou a presidência do país, num regime de partido único, desde
a independência até à sua morte em 1986.

A Guerra Civil Moçambicana (também conhecida como Guerra dos Dezasseis Anos em
Moçambique) foi um conflito civil que começou em 1977, dois anos após o fim da Guerra de
Independência de Moçambique, e que foi semelhante à Guerra Civil Angolana, visto que
ambas eram guerras secundárias dentro do contexto maior da Guerra Fria. Os ideais do
partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), bem como os das forças
armadas moçambicanas eram violentamente opostos aos da Resistência Nacional
Moçambicana (RENAMO), que recebia financiamento da Rodésia e, mais tarde, da África do
Sul.

Durante o conflito, cerca de um milhão de pessoas morreram em combates e por conta de


crises de fome. Além disso, cinco milhões de civis foram deslocados e muitos sofreram
amputações por minas terrestres, um legado da guerra que continua a assolar o país. A
recessão económica e social, o totalitarismo marxista, a corrupção política, a pobreza, as
desigualdades económicas e o insucesso do planeamento central, fizeram nascer uma vontade
revolucionária. O conflito apenas terminou em 1992 com a assinatura do Acordo Geral de Paz
pelo então presidente da república Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama, então presidente da
Renamo (Biggs, 2007).

Após o fim da guerra, o país viu a realização das primeiras eleições multipartidárias em
1994.Entretanto, havia uma centena de milhares de mortes a ser reivindicadas pela guerra,
além de inúmeras minas terrestres remanescentes em solo moçambicano, que tornaram-se um
grande problema para o país.

A RENAMO, o principal partido da oposição de Moçambique, vive num clima de conflito


com o Governo do país, liderado pelo partido político FRELIMO. Durante 16 anos, o
Governo da FRELIMO e os rebeldes da RENAMO viveram uma violenta guerra civil, que
terminou com a assinatura do Acordo Geral de Paz em outubro de 1992. A 21 de outubro de
2013, a RENAMO anunciou o fim do Acordo Geral de Paz, após as forças governamentais
terem atacado a base da RENAMO na Gorongosa, centro do país. Seguiu-se outra fase de um
conflito armado que terminou em novas negociações de paz entre o Governo da FRELIMO e
a RENAMO.

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Em 1990, foi aprovada uma nova constituição que transformou o estado numa democracia
multi-partidária. O Partido Frelimo permaneceu no poder, tendo ganho por cinco vezes as
eleições legislativas e presidenciais realizadas em 1994, 1999, 2004, 2009 e 2014. A Renamo
é o principal partido da oposição.

De acordo com a constituição em vigor, o regime político em Moçambique é presidencialista:


o chefe de Estado é igualmente chefe do governo. No entanto, existe desde 1985 o cargo de
Primeiro Ministro, que tem o papel de coordenador e pode dirigir as sessões do Conselho de
Ministros na ausência do presidente..

3. O ESTADO E SEUS ELEMENTOS

Estado é o espaço maior de ordenamento político, onde se busca a racionalidade (sempre


inatingível) do sistema capitalista, por meio de um conjunto, relativamente diversificado, de
instituições. Para Marx e Engels, o Estado é a ordem jurídica e política que regula um sistema
de dominação: do homem pelo homem, segundo Weber, de uma classe por outra.

O Estado é o lugar institucionalizado para tratar da gestão e da vida em sociedade. Constitui-


se em um poder central, supremo e soberano em sua trajectória histórica. Ao observarmos
estas definições percebemos o Estado enquanto organização. Como um conjunto de
instituições encarregadas do monopólio do uso da violência. Também há a ideia de que o
Estado ao agregar as diversas organizações, se define como uma estrutura política e
organizacional formada pelos seguintes elementos:

o Poder político soberano;


o Um povo, organizado em sociedade;
o Um território onde se dá a base física sobre a qual se estende a jurisdição do poder.
o Um governo, através do qual se manifesta o poder soberano do Estado.

O Estado é permanente, é parte da sociedade, possui estrutura política e organizacional que se


sobrepõe à sociedade, ao tempo em que dela faz parte. A sociedade, por sua vez, é a fonte real
de poder do Estado, na medida em que estabelece os limites e as condições para o exercício
desse poder pelos governantes. É um conjunto das relações sociais de conflito entre classes,
grupos em defesa dos seus interesses particulares actuantes num processo histórico.

7
 Governo

Acção de dirigir um Estado. É o conjunto de pessoas que detém cargos oficiais e exercem
autoridade em nome do Estado e que lhe foi conferida pelo povo, no caso comum da
democracia. Governante é qualquer funcionário público que assume cargos de direcção, que
dirige uma instituição pública. Os governantes são (ou deveriam ser) os servidores do povo. A
palavra ministro, por exemplo, provem do latim minister e significa "escravo”.

Por Governo podemos entender o conjunto de indivíduos que orientam os rumos da


sociedade, pois ocupam posições na cúpula do Estado. O Governo, por sua vez, é o núcleo
decisório do Estado, formado por membros da elite política, os quais estão encarregados da
gestão pública. Possui carácter transitório nas democracias, isto é, os que ocupam os cargos
governamentais devem, por princípio, ser substituídos periodicamente de acordo com as
preferências da sociedade.

 A CONSTITUIÇÃO

Um outro conceito necessário para uma abordagem política é a Constituição. A Constituição é


a estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem necessária que deriva da acção
da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem. Dito de forma mais
simples, a Constituição é o conjunto de leis básicas que regulam o relacionamento de todos os
elementos pertencentes a um mesmo Estado (indivíduos, instituições, relações de poder, etc.).
As outras leis particulares são elaboradas de acordo com a Constituição, que é a lei-mãe. Por
isso, mesmo os Estados absolutistas do século XVIII e os totalitaristas do século XX tiveram
uma Constituição. Portanto, a Constituição tem a função de traçar os princípios ideológicos da
organização interna (do Estado).

A mudança da Constituição implica a mudança do tipo de Estado; a Constituição de 1990, por


exemplo, converte o Estado moçambicano num Estado Democrático, por abrir a possibilidade
de participação política através do voto, da liberdade de reunião e de associação e da
formação de partidos políticos, entre várias outras alterações. (Geque & Biriote, 2010, pp. 62-
63).

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 SOBERANIA

A soberania nacional é destinada a todas as nações independentes, ou seja, que têm total poder
e domínio dentro de seus limites territoriais, sendo livres da influência ou comando exercido
por Estados terceiros. A soberania de um Estado é formada pelos diferentes órgãos,
instituições e poderes que o organizam.

A garantia da soberania está atrelada à manifestação do poder exercido por um país, quando
este consegue manter suas fronteiras em paz e o seu espaço doméstico livre de quaisquer
contestações internas. Somado a isso, é necessário ao Estado manter distantes também
possíveis contestações externas à sua soberania, que se manifestem por interferência de outros
Estados nos assuntos internos de seu país.

4. PENSAMENTO POLÍTICO DE SEVERINO NGOENHA

Os esforços Severinianos de introduzir filosofia e de militar pelas ciências sociais em


Moçambique, carregavam-se de um posicionamento crítico às dinâmicas de fazer ciência e
desenvolvimento com as vestes das bandeiras ocidentais. Era mais ou menos uma espécie de
cópia do caminho europeu de desenvolvimento (Ngoenha, 2013).

Afinal, conforme ele, quando a racionalidade moderna negou Deus em troca do


desenvolvimento técnico industrial. Segundo Ngoenha, o Ocidente havia eliminado Deus,
contudo, para África, o Ocidente havia-se tornado um novo “outro” Deus. Era esse Deus que
África, através das ciências sociais, queria eliminar, para por intermédio de instituições como
o CODESRIA de Samir Amin, criar novas formas de desenvolvimento, e por isso, caminhar
de forma libertária rumo a liberdade – também – económica (Ngoenha, 2013).

Para Ngoenha, falta às ciências sociais moçambicanas e de boa parte de África, construir
verdades do amanhã, construindo utopias. Nas palavras do mesmo “o que está a faltar, muitas
vezes, são verdadeiras utopias e grandes utopias” (Ngoenha, 2013). Ele acrescenta que líderes
como Samora Machel e Amílcar Cabral foram grandes utopistas. Estes líderes políticos, e
outros intelectuais como Cheik Anta Diop, o influenciaram de alguma forma no modo de
fazer filosofia.

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UM PARADIGMA LIBERTÁRIO

A ideia de liberdade em Nogenha pode ser entendida – como consta da sua obra Filosofia
Africana: das Independências às Liberdade (1993), – como um pensamento associado à
condição histórica do africano. Nogenha sustenta que os esforços que começaram na segunda
metade do Século XIX, quer eles se chamem pan-africanismo, etnofilosofia, filosofia crítica,
negritude ou hermenêutica, se afiguram movimentos que vivem do espírito e tendem para a
mesma realidade: a liberdade do africano, condição da sua historicidade (Buanaissa, 2016).

Desde a obra Por uma Dimensão Moçambicana da Consciência Histórica, Ngoenha


defende a necessidade dos moçambicanos adoptarem a crítica e a interrogação como forma
de interpelação de seu futuro enquanto povos africanos (numa directa interpelação coma
diversidade de culturas e tradições do continente). Sua filosofia dá importância ao lastro de
memória e o significado atribuído ao passado (no período da escravatura, durante o
colonialismo e no advento da globalização) com vista a libertar o futuro como verdadeira
emancipação, e a partir de escolhas mais consentâneas com a ideia de justiça e de
liberdade. Esta utopia de Moçambique (e do mundo) melhor, onde a razão filosófica
cristaliza a liberdade, é, sem dúvida, o centro da filosofia de Severino Ngoenha
(Buanaissa, 2016, p. 350).

Para Ngoenha, com alguma inspiração sartreana, a liberdade tem que ser o meio e a finalidade
da acção humana. Neste sentido, cada cidadão – através da emancipação socioeconómica e
política – tem que mobilizar o seu espaço na mesma direcção, de modo a inscrever-se na
história do seu país e do mundo.

O outro pólo do pensamento severiniano é o da liberdade como emancipação política e como


desenvolvimento económico. Se é verdade que nos anos 1960 os povos africanos começaram
a alcançar as independências políticas, o mesmo não se pode dizer das liberdades económicas.
Praticamente toda a África contínua ainda hoje sob o jugo da pobreza endémica, sob conflitos
armados, ditaduras socioeconómicas, assim por diante. Kwame Nkrumah chegou mesmo a
defender que o alcance pleno da liberdade política e económica de África só seria possível
com a união geral de África (Ngoenha, 2018, p.158-160).

Em Resistir a Abadon, Ngoenha apresenta-nos um conceito de liberdade optimizado


relativamente as suas primeiras propostas apresentadas no final do século XX, e mais tarde,
no que pode chamar-se de segundo Ngoenha, no primeiro quartel do século XXI.

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Para Ngoenha (2018), a violência privam-nos das liberdades. No Moçambique
contemporâneo, isso é uma verdade a la palisse.

A violência se manifesta sob muitas formas, algumas latentes e escondidas, mas nem por
isso menos devastantes. É um cancro que se insinua no corpo social e nos atinge lá onde
menos esperamos. Foi este o drama do homem Guebuza 5 que, apesar da sua riqueza e
potestade, não conseguiu proteger-se – a si e aos seus – da ira que se tornou estrutural na
nossa sociedade, nem sequer dos juízos negativos dos compatriotas, até mesmo nos
momentos do seu maior drama familiar. (…) A raiva, a revolta, a frustração e até o ódio
que se tinha ao antigo presidente fez com que, mesmo no cemitério, diante da morte, não
nascesse um mínimo de simpatia, de compaixão (Ngoenha, 2018, p. 18-19).

Ngoenha vê as guerras em Moçambique, que para ele, apesar de mobilizadas internamente,


como que motivadas por interesses económicos de grandes actores da geopolítica global. Foi
assim nos 16 anos (com a guerra fria), tem sido assim desde o conflito de 2013 com a
“redescoberta” do petróleo e gás na bacia do Rovuma, envolvendo multinacionais com
expressões globais.

Na óptica Severiniana, o grande receio na prevalência da violência através das guerras, é que
fora as mortes e indigência que elas perpetuam, há também um risco profundo delas
desgastarem os Estados, afigurando-se instrumentos de desordem contínua, que mina
lentamente a nação e, muitas vezes, dividem o país, até geograficamente, como recentemente
aconteceu com o Sudão. O curioso, aliás, é que nem o pretexto que as mobiliza – o de
alcançar o equilíbrio de forças – é alcançado.

5. CONVIVÊNCIA POLÍTICA EM MOÇAMBIQUE

Em Moçambique todos querem paz, incluindo a RENAMO e a FRELIMO. Infelizmente, não


acompanha este desiderato de paz uma discussão sobre o tipo de paz que se quer. Mas essa
discussão é importante, pois a existência de um conflito no seio de uma sociedade que é pela
paz só pode significar que essa sociedade não se entende ao nível da paz que quer. A resposta
a essa pergunta tem de passar por uma reflexão sobre a cidadania.

Para Buanaissa (2016), não a cidadania pensada como cidadania para todos, mas sim
cidadania pensada como os limites do poder legítimo do Estado na vida do indivíduo. Nem a
Renamo, nem a Frelimo discutem as condições da liberdade do indivíduo. O que estão a
discutir é a sua prerrogativa de determinar os limites da nossa cidadania. É por isso,
infelizmente, que, no afã da interpretação da vontade do povo, nenhum deles se deteria
perante seja o que fosse.

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A situação política de Moçambique é reflexo da natureza da transição democrática, cujos
auspícios não foram os melhores. Ela, conforme já referido mais acima, não foi feita por
gente que acreditava na democracia, nem do lado da Frelimo, nem do lado da Renamo,
nem mesmo do lado da sociedade civil. Foi feita por gente, de ambos os lados políticos,
que acreditou (e continua a acreditar) numa legitimidade histórica para governar. Uns em
razão da independência, outros em razão do anticomunismo. Desde logo, a lógica de acção
dos actores políticos foi sempre de transformar a política num jogo de soma zero
(Buanaissa, 2016).

Do lado da Frelimo, esta lógica de acção consistiu na apropriação ciumenta de todos os


recursos económicos em nome de um patriotismo que os seus membros viram ameaçado pela
Renamo e sua colaboração com o “inimigo externo”. Deu-se vários nomes a esta apropriação,
incluindo “criação de riqueza nacional”, “burguesia nacional patriótica”, etc., mas o pano de
fundo foi a profunda convicção de quase todos os membros da Frelimo, incluindo dos que
hoje criticam o presidente Nyusi a partir de dentro do partido, de que a concentração de poder
económico nas mãos dos membros da Frelimo era um acto patriótico para salvar o país do
capitalismo e dos reaccionários da Renamo.

Foi fácil, em nome deste patriotismo, encetar ligações perigosas com homens de negócios de
reputação duvidosa, exigir comissões e participação em empreendimentos económicos e
abocanhar tudo o que se mexe. É lícito supor que muitos dos que enriqueceram (lícita ou
ilicitamente) o tenham feito na forte convicção de estarem a cumprir um dever patriótico.

Por fim vale ressaltar que a sociedade contemporânea parece, de fato, cansada de ouvir falar
de tantos escândalos na política e a apatia e até mesmo repulsa de muitos cidadãos pela
política são a consequência directa da forma como a política é conduzida pelos nossos
governantes. Mas nem todos os cidadãos ficam passivos diante dos problemas que envolvem
a classe política.

Contudo, há nos corações e mentes de homens e mulheres sempre uma fagulha de esperança
de que é possível viver numa sociedade mais justa e menos desigual. E é este sentimento que
nos anima e nos move rumo a um futuro melhor.

6. VALORES PARA BOA CONVIVÊNCIA POLÍTICA

Se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto é, a vida propriamente humana
digna de seres livres, então é inseparável da ética. De fato, para os gregos, era inconcebível a
ética fora da comunidade política – a polis como koinonia ou comunidade dos iguais -, pois
nela a natureza ou essência humana encontrava sua realização mais alta.

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Quando se estuda a ética, nota-se que Aristóteles distinguira entre teoria e prática e, nesta,
entre fabricação e acção, isto é, diferenciara poiesis e praxis. Nota-se também que reservara à
praxis um lugar mais alto do que à fabricação, definindo-a como acção voluntária de um
agente racional em vista de um fim considerado bom. A praxis por excelência é a política. A
esse respeito, na Ética a Nicômaco, escreve Aristóteles:

Se, em nossas acções, há algum fim que desejamos por ele mesmo e os outros são
desejados só por causa dele, e se não escolhemos indefinidamente alguma coisa em vista
de uma outra (pois, nesse caso, iríamos ao infinito e nosso desejo seria fútil e vão), é
evidente que tal fim só pode ser o bem, o Sumo Bem… Se assim é, devemos abarcar, pelo
menos em linhas gerais, a natureza do Sumo Bem e dizer de qual saber ele provém.
Consideramos que ele depende da ciência suprema e arquitectónica por excelência. Ora,
tal ciência é manifestamente a política, pois é ela que determina, entre os saberes, quais
são os necessários para as Cidades e que tipo de saberes cada classe de cidadãos deve
possuir… A política se serve das outras ciências práticas e legisla sobre o que é preciso
fazer e do que é preciso abster-se; assim sendo, o fim buscado por ela deve englobar os
fins de todas as outras, donde se conclui que o fim da política é o bem propriamente
humano. (Chaui, 2003. P. 497).

Mesmo se houver identidade entre o bem do indivíduo e o da Cidade, é manifestamente uma


tarefa muito mais importante e mais perfeita conhecer e salvaguardar o bem da Cidade, pois o
bem não é seguramente amável mesmo para um indivíduo, mas é mais belo e mais divino
aplicado a uma nação ou à Cidade. Platão identificara a justiça no indivíduo e a justiça na
polis.

De acordo com Chaui (2003), Aristóteles subordina o bem do indivíduo ao Bem Supremo da
polis. Esse vínculo interno entre ética e política significava que as qualidades das leis e do
poder dependiam das qualidades morais dos cidadãos e vice-versa, das qualidades da Cidade
dependiam as virtudes dos cidadãos. Somente na Cidade boa e justa os homens poderiam ser
bons e justos; e somente homens bons e justos são capazes de instituir uma Cidade boa e
justa.

Convém, no entanto, precisar que, quando se fala de moral em política, nos referimos a moral
social, e não e moral individual, a moral que concerne as acções de um indivíduo e que
interferem na esfera de actividade de outros indivíduos, e não àquela que diz respeito as
acções de, por exemplo, aperfeiçoamento da própria personalidade, independentemente das
consequências que a procura desse ideal de perfeição possa ter nos outros.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que a política como a actividade desempenhada pelo cidadão quando este exerce
seus direitos em assuntos públicos através da sua opinião e do seu voto. Em outra vertente,
pode-se também dizer que a política é a actividade da governação, do estado e das relações de
poder e também uma arte de negociação para compatibilizar interesses. A política tem a ver
com a organização, direcção e administração de uma nação ou um Estado.

Ngoenha (2014) indica que dos muitos caminhos possíveis para o alcance dessa liberdade, um
dos mais credíveis seria o cultivo real do espírito de solidariedade entre as gentes e povos, já
não unicamente na relação Norte-Sul, mas acima de tudo, no interior das próprias culturas, em
que as populações poderiam ser galvanizadas pela partilha de bens, e por isso, pela
intercultura.

Associado a isso, é importante que a as ciências sociais e humanas, nos exemplos da filosofia
e da história, das sociologias e das antropologias, das linguísticas e dos estudos da religião,
bem como das ciências educacionais, e outras afins, se dediquem com afinco, na nova “luta”
pela segunda vaga da libertação política, o que iria reduzir os índices de violência nas suas
múltiplas dimensões, mas sobretudo, iria possibilitar o grande sonho de uma liberdade
económica, e por isso, de um mundo mais justo e distributivo.

Conclui-se que se a política tem como finalidade a vida justa e feliz, isto é, a vida
propriamente humana digna de seres livres, então é inseparável da ética. De fato, para os
gregos, era inconcebível a ética fora da comunidade política – a polis como koinonia ou
comunidade dos iguais -, pois nela a natureza ou essência humana encontrava sua realização
mais alta.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Chaui, M. (2003). Convite à Filosofia. São Paulo, Brasil: Ática.

Mondlane, E. (1995). Lutar por Moçambique. Maputo, Moçambique: Nosso Chão.

Newitt, M. (2012). História de Moçambique. Lisboa, Portugal: Europa-América.

Ngoenha, S. (2018). Resistir a Abadon. Maputo, Mocambique: Paulinas.

Ngoenha, S. (2013). Severino Elias Ngoenha (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, Brasil:
CPDOC.

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