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ORAÇÃO EM ATOS
princípios bíblicos para uma vida de obediência e de vitória

Carlos dos Santos Silva


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Copyright@2016 Carlos dos Santos Silva


Todos os Direitos Reservados.
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Ao meu precioso amigo, irmão e cunhado Lourinho, por demonstrar valor insofismável
nos momentos mais conturbado e difíceis da minha vida, fruto de mudanças e transições.
APRESENTAÇÃO

Prefaciar um livro é um privilégio indescritível, ainda mais quando


se trata de uma obra escrita por um irmão e amigo como o
Carlinhos, com quem tenho aprendido preciosas lições. O tema
oração, tão controverso e tão necessário em uma sociedade que
desaprendeu a orar e que desconhece a importância da
contemplação e da intimidade com Deus, é extremamente relevante
no tempo presente. Carlos, com sua mente privilegiada, trata do
tema com profundo conhecimento bíblico, argumentação lógica e
clareza nas palavras.
Olhando para o exemplo do Senhor Jesus, o autor percorre um
longo caminho, mostrando que a maneira como Jesus orou e
ensinou a orar foi aprendida e praticada pelos discípulos no primeiro
século.

Aqui está o ponto crucial: o conteúdo da oração. A aguçada


percepção do autor detecta que, tanto nas orações individuais
quanto coletivas, é possível conhecer as motivações dos cristãos da
igreja primitiva para a oração. Fica claro que eram orações
desprovidas de qualquer intuito ganancioso, ou, conforme palavras
do autor: "orações que demonstram dependência, humildade e
submissão à vontade divina". As diferentes formas de oração
apresentadas devem nos remeter sempre a este tripé: dependência,
humildade e submissão.

Ao ler este livro o leitor perceberá que a única fonte de pesquisa


do autor foi a Bíblia Sagrada, fonte inesgotável de orientação,
correção e consolo. 'Oração em Atos' nos desafia a enxergar esse
belo livro das Escrituras, não apenas como um manual de missões,
mas também como manual de oração quando todos os
acontecimentos no livro de Atos dos Apóstolos são precedidos de
oração.

O desejo do autor é motivar você leitor a desenvolver uma vida de


conhecimento, confiança, temor e intimidade com Deus, através da
oração.

Esse também é o meu desejo.

Boa leitura

Jorge Lôla, Pastor Presbiteriano.

Á
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1. A BÍBLIA E A ORAÇÃO
2. O SENHOR E A ORAÇÃO
3. A IGREJA E A ORAÇÃO
4. AS CIRCUNSTÂNCIAS E A ORAÇÃO
5. O LIVRO DE ATOS E A ORAÇÃO
CONCLUSÃO
NOTA
INTRODUÇÃO

É como uma característica indelével a constatação de que um


cristão piedoso tem como marca visível a prática da oração.
Há até algumas igrejas à nossa volta, igrejas tidas ou
reconhecidas como evangélicas que arrogam para si o título com
ostentação de ser o grupo religioso no Brasil que mais ora. Outras
igrejas, ao contrário, são até vistas como igrejas evangélicas frias,
que não oram.

De qualquer forma, o que percebemos ao folhear as páginas da


Bíblia e, mesmo após consultar uma boa Concordância Bíblica
(ferramenta de estudo e procura de verbetes bíblicos) e verificarmos
o número de ocorrências da palavra “oração” (e suas variantes e
flexões) e após uma rápida análise ou reflexão, é que existem faltas
e excessos, nos dias atuais, no que se diz respeito à prática ou ao
ensino do tema “oração” dentro de nossas igrejas ou fora do nosso
grupo religioso, em todo o terreno nacional.

Não é difícil fazer esta constatação, uma vez que as igrejas estão
visivelmente presentes na mídia televisiva, auditiva (rádio) ou
eletrônica. Basta uma pequena pausa para assistir, ler e observar,
que logo chegaremos à conclusão de que a discrepância no
conceito e prática a respeito deste tema (oração), entre os diversos
grupos e bandeiras religiosas, é enorme.

Quem está certo? Quem está errado? Ou melhor, quem está


menos ou mais certo ou quem está menos ou mais errado? Qual o
verdadeiro crivo, paradigma, para balizarmos as nossas orações?
Será que existe algum paradigma ou pelo menos um mínimo de
princípios bíblicos, para nos guiar, pelos quais possamos ter a
consciência tranquila, para com Deus, quanto à nossa prática de
oração?

Existe uma fórmula mágica ou, então, pelos menos pragmática,


que possamos nos espelhar e ter uma lâmpada, uma orientação
quanto a esta prática devocional ou, como foi denominada pelos
Reformadores, este “meio de graça”?
1. A BÍBLIA E A ORAÇÃO

Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Quando o


homem foi colocado no Jardim do Éden, este manteve uma
comunhão especial com Deus de tal forma que Deus lhe
comunicava a Sua vontade e ensinamentos e exercia
relacionamento com Adão, falando-lhe diretamente (Gênesis 2.16).
Adão ouvia a voz de Deus (Gênesis 3.8). Não sabemos exatamente
como era esta comunicação de Deus com Adão, ou de Adão com
Deus, mas, através do diálogo entre Deus, Eva e Adão, registrado
no terceiro capítulo de Gênesis, entendemos que era uma conversa
direta (Gênesis 3.9-19), sem intermediação sacerdotal, profética ou
outros sinais como sonhos ou visões que acarretam a necessidade
de alguma interferência para uma interpretação da mensagem.
Depois do episódio da queda do homem, quando este
desobedece a uma clara ordem de Deus ao comer do fruto da
“árvore que está no meio do jardim”, ainda vemos Deus comunicar-
se com o homem, como da forma anterior, ou seja, diretamente.
Percebemos isto logo quando Caim assassina o seu irmão Abel e
então Deus reclama a presença deste, perguntando a Caim: “onde
está Abel, teu irmão?” (Gênesis 4.9).

A prole de Adão ia multiplicando-se, até que vemos assim


registrado em Gênesis 4.26: “A Sete nasceu-lhe também um filho,
ao qual pôs o nome de Enos; daí se começou a invocar o nome do
Senhor”. Neste texto, ainda não é perceptível definitivamente uma
mudança na forma como Deus se comunicava com o homem.

Vemos ainda Deus comunicar-se com Noé como da forma


anterior, ou seja, diretamente (Gênesis 6.13). Parece também que
esta era a forma, ainda, de Deus falar com Abraão (Gênesis 12.1),
muito tempo depois, mas não exclusivamente.

Talvez este invocar “o nome do Senhor” (Gênesis 4.26) queira


significar que o homem sentia a necessidade de buscar o favor
divino, de conhecer mais sobre o ser de Deus, ou até mesmo
alguma forma de reconhecer que o Senhor é o criador, doador da
vida e de tudo que necessitamos; e que também, de alguma forma
especial, entendendo que Deus deveria ser adorado, já
preanunciava, de forma arcaica e ainda sem orientação formal ou
específica, o culto à divindade (Gênesis 4.3ss).

Tal forma de comunicação ainda continua, de Deus com o


homem, através dos patriarcas Abraão (Gênesis 12.1) e Isaque
(Gênesis 26.2). Com Abraão, percebemos uma forma diferente de
Deus se comunicar com o homem: através de visões (Gênesis 15.1)
ou através de teofanias ou aparição de anjos, os mensageiros de
Deus (Gênesis 18.1-15). Mas Deus ainda falava diretamente com
Abraão (Gênesis 22.1).

Com Jacó, o patriarca, Deus falou através de sonhos (Gênesis


28.10-17), teofanias (Gênesis 32.22-32) e possivelmente até
diretamente (Gênesis 35.1). Quanto a José, vemos que Deus lhe
falava através de sonhos (Gênesis 40.1-8).

Depois destes acontecimentos, após 430 anos,


aproximadamente, quando o povo de Deus estava no Egito, sendo
escravizado, Deus aparece a Moisés e lhe fala. Como Deus falava
com Moisés? Primeiramente, cremos que esta comunicação foi
através de teofania (Êxodo 3.1-6), mas ainda sem nenhuma
interferência de sacerdotes, profetas ou sonhos, os quais
precisariam de algum nível de interpretação. É claro, sabemos que o
profetismo realmente começou com Moisés (Êxodo 20.18-21).

Deus continua a comunicar-se com o homem através de sonhos,


visões e teofanias até a chegada de Seu Filho Jesus ao mundo.
Mas não devemos nos esquecer que é em Jesus, que também
orava, que temos o conceito mais alto de oração. Foram mesmos os
discípulos de Jesus que, certamente, por ver a disciplina de Jesus a
orar, e até tendo várias vezes orado com Jesus, que pedem a este
que os ensine a orar (corretamente?) assim como João, o Batista,
havia ensinado a seus discípulos (Lucas 11.1,2ss). Os fariseus
também praticavam o ato de orar (Lucas 18.9-11). Em todas as
páginas do Novo Testamento vemos o povo de Deus orando.
2. O SENHOR E A ORAÇÃO

Não há dúvida de que o ministério de Jesus foi pautado por duas


grandes colunas: a obediência e a dependência ao Pai. Se ele
venceu, venceu porque foi obediente. Se ele foi obediente, ele o foi
por colocar-se na dependência do Pai. Jesus foi o exemplo máximo
de humildade.
Os evangelhos sinóticos (repetidos) dão-nos uma ideia clara dos
momentos marcantes do ministério de Jesus em que ele orou. Eles
narram que a oração era uma prática e costume de Jesus. Este
orava nos montes, a sós e com os seus discípulos. Jesus orava
para ensinar e orava para fazer seus portentosos milagres. Não era
uma regra, mas um estilo de vida. Era uma vida de submissão.

As nossas práticas de oração de hoje estão bastante


descontextualizadas em relação à prática da oração nos tempos de
Jesus. Mesmo naquele tempo, a hipocrisia e a auto exaltação já
eram tão evidentes que não escaparam da censura de Jesus os
religiosos que assim procediam. Eles tinham seus lugares sagrados
e seus momentos determinados para as orações, mas não foi
necessariamente isto que Jesus criticou. O que Jesus criticou foi um
culto vazio, “pró-forme”, que não produzia efeitos positivos na moral
e na consciência do adorador.

Para delinear alguns pontos sobre a importância da oração no


ministério de Jesus, penso que não poderia ser outro, além do
Evangelho Segundo João, que há de nos ensinar sobre este tópico.
Mas alguém poderia objetar: “mas é o Evangelho que menos
apresenta textos em que Jesus está orando”.
De fato, João é o único Evangelho que menos fala sobre oração.
Duas vezes ele fala de forma indireta e apenas uma vez ele fala
diretamente sobre oração. Os outros evangelistas são abundantes
em falar sobre a oração ligada à pessoa de Jesus: Jesus subiu no
monte para orar; Jesus orava para realizar os seus milagres; Jesus
disse, em certa ocasião, que “esta” casta só sai com oração e jejum
(este é um texto questionável); e assim por diante.

Poderíamos ter escolhido o Evangelho de Lucas que tem três


grandes orações em forma de cântico e tantos outros textos básicos
que falam sobre oração, tais como a Parábola do Fariseu e do
Publicano (Lucas 18.9-14) e a Parábola do Juiz Iníquo (Lucas 18.1-
8), quando Jesus a contou ensinando sobre “o dever de orar sempre
e nunca esmorecer” (Lucas 18.1-8).

Por que a escolha do Evangelho de João para falar acerca da


importância da oração no ministério de Jesus? Bem, pelo simples e
singular fato de que é o único Evangelho que menciona e traz
transcrita a Oração de Jesus, conhecida como “Oração Sacerdotal”.

Das três menções ou textos que falam sobre oração no


Evangelho de João, duas são indiretas. A primeira, quando da
multiplicação dos pães (João 6.1-15). O texto informa que Jesus,
“tendo dado graças”, distribuiu os pães e os peixes entre a multidão.
Ele deu graças. Certamente é uma alusão à oração.

O segundo texto é o capítulo 11 (João 11), quando da


ressurreição de Lázaro. Antes de Jesus ressuscitar seu amigo,
levantou os olhos aos céus e disse: “Pai, graças te dou...”. Jesus
conversa com o Pai, como num monólogo, publicamente, para
mostrar que sua missão era obedecer ao Pai, e assim cressem que
ele era o enviado de Deus (João 11.41,42). Este texto já não é
apenas uma alusão, mas expressa palavras de uma oração objetiva,
circunstancial.

O terceiro texto traz uma das mais belas, senão a mais bela
oração de Jesus. Todo o capítulo 17 de João é a transcrição desta
oração. E este texto faz parte do chamado Ministério Particular de
Jesus.

João, o evangelista, escreveu o seu Evangelho de uma maneira


muito didática e objetiva. Assim podemos dividir o texto do
Evangelho, inicialmente pela introdução (Capítulo 1.1-18), que
apresenta Jesus como o Verbo da vida, o Filho de Deus que
“tabernaculou-se” e habitou entre nós.

Nos capítulos 1.19 a 12.50, temos o “Ministério Público de Jesus”.


João Escolhe os eventos que julga importantes do ministério de
Jesus entre os homens para provar que “Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus; e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20.30,31).

Para provar que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, João escolhe


sete milagres de Jesus, mas não os chama de milagres. Denomina-
os de “sinais” (João 2.11). Sinais são as parcelas iniciais de algo
maior. Se houve o sinal, então o maior ou o todo há de se
manifestar. Estes milagres são sinais, amostras do Reino, ou
melhor, são os sinais do Reino de Deus, presente entre nós.

Dentre os milagres de Jesus, aqui chamados de sinais, os sete


escolhidos estão ligados diretamente a alguma verdade sobre
Jesus, o Filho de Deus, o Messias. A água transformada em vinho
(João 2.1-11) fala sobre o poder de Jesus sobre a natureza. O
nascer de novo não é uma obra do homem, mas de Deus. A Cura
de um oficial do rei e a cura do paralítico (João 4.46-5.18) ensinam
sobre a autoridade que Jesus tem e, com esta autoridade, ele pode
julgar os homens, não apenas com base em suas palavras ou atos,
mas até pelas suas intenções e pensamentos (João 4.50; 5.7,27).

Na multiplicação dos pães (João 6.1-15) Jesus ensina que ele é o


“pão da vida” (João 6.35). Não está claro o ensino sobre o fato de
Jesus andar sobre o mar (João 6.16-21), mas certamente está
relacionado a Jesus como sendo o Senhor de toda a criação. Ao
curar um cego de nascença (João 9.1-12), Jesus ensina que ele é a
luz do mundo. E quando ressuscita Lázaro (João 11.1-46), seu
amigo, ensina que é ele a “ressurreição e a vida” (João 11.25).
Dos sete sinais escolhidos por João, apenas dois constam nos
outros Evangelhos: a multiplicação dos pães e quando Jesus anda
sobre o mar.

A segunda parte do Evangelho é o Ministério Particular de Jesus


e compreende os capítulos 13 a 17. Estas passagens são singulares
no Evangelho de João e os acontecimentos ali narrados
compreendem a última semana de Jesus na terra e ocorrem na
região da Judeia, em Jerusalém.

Antes de comerem a páscoa, como preparação, Jesus lava os


pés dos discípulos, ensinando-lhes não apenas acerca da
humildade, mas principalmente uma lição sobre servir, quando diz
que o servo não está acima do seu senhor e, se o senhor lavou os
pés dos servos, muito mais devem os servos servir uns aos outros!
(João 13).

No capítulo 14 (João 14), Jesus conforta os seus discípulos


quanto a sua partida na sua missão de dar a vida pelos seus. Mas
os consola: não ficarão sós, pois enviará o Consolador, outro
“Parácleto” igual a ele. Porém, este só virá se for.

No capítulo 15 (João 15) Jesus ensina sobre a necessidade vital


dos discípulos manterem-se unidos, ligados uns aos outros e, todos,
na videira verdadeira, que é o próprio Jesus. Assim, ligados à
videira verdadeira, eles não seriam ceifados, mas produziriam
frutos; o amor entre eles cresceria e seriam odiados pelo mundo.
Isto não lhes deve trazer inquietações, pois o próprio Senhor
também foi perseguido.

No capítulo 16 (João 16) Jesus descreve a singularidade da


missão do Consolador, do Parácleto que acompanhará os
discípulos. Sua identidade: Espírito Santo. Sua missão: convencer o
mundo do pecado, da justiça e do juízo. Sua arma: a verdade. Seu
objetivo: glorificar o Filho.
Finalmente, no capítulo 17 (João 17), temos então a magistral
oração de Jesus: a Oração Sacerdotal. Depois deste capítulo, João
dá os últimos toques históricos para encerrar o seu Evangelho. Esta
oração de Jesus se reveste de grande importância, uma vez que é a
transição do Ministério Particular para a Paixão de Cristo
(Crucificação, Morte, Ressurreição), eventos estes essenciais para a
fé cristã, os pilares do Cristianismo.

Mas, o que Jesus ora? Por que chamamos esta oração de Oração
Sacerdotal? E por quem Jesus ora?

Nesta oração, o alvo é o próprio Jesus e os seus discípulos. Mais


os discípulos do que ele próprio. O Mestre, nesta oração, fala de
glorificação, de autoridade, de manifestação, de conhecimento. Fala
de proteção, de santificação, de unidade. Fala de união e
comunhão. Fala de amor. Por isso, chamamos esta oração de
Sacerdotal. Porque, nela, Jesus roga especificamente pela vida de
seus discípulos, para que sejam preservados. Mas preservados em
qualidade, sendo protegidos, santificados, unidos e em amor. Jesus
demonstra aqui uma preocupação muito especial para com os
apóstolos. Ele disse: “é por eles que eu rogo” (João 17.9). “Não rogo
pelo mundo, mas por aqueles que me destes, porque são teus”!

Na primeira parte da oração (João 17.1-5), Jesus ora por si


mesmo. O que ele pede? Apenas que ele seja glorificado: porque é
chegada a hora (João 17.1) e porque ele já cumpriu a sua missão e
agora irá consumá-la. O Filho precisa ser glorificado para que,
nestes últimos atos aqui na terra, continue a glorificar o Pai. E esta
glorificação é a mesma glória que Jesus teve antes da fundação do
mundo (João 17.5).

Os discípulos viram a glória de Jesus como a do Unigênito do Pai


(J João 1.14). Jesus, com a sua vida, o seu ministério, a sua
obediência e submissão, havia glorificado o Pai (João 17.4). Esta
glorificação tem a ver com autoridade. Autoridade sobre o homem.
Mas autoridade para lhe conferir vida eterna. Autoridade para que
os homens conheçam Jesus como o enviado de Deus, como o único
e verdadeiro Deus: esta é a vida eterna (João 17.3).
A segunda parte da oração (João 17.6-26), portanto, a maior parte
do texto da oração, é dirigida em atenção aos apóstolos. Jesus se
preocupou com o bem estar dos apóstolos, principalmente nestes
momentos que antecedem o seu martírio e partida para que, quanto
aos discípulos, logo compreendessem a sua missão.

Quais são as principais preocupações de Jesus, quanto aos


discípulos, nesta oração? Bem, se evidenciam em pelo menos três
pontos principais: para que os apóstolos fossem guardados do mal,
enquanto no mundo estivessem; para que eles pudessem ser um,
ou seja, houvesse unidade no corpo apostólico, assim como o Pai
era um em Jesus; e para que, numa expressão de desejo,
estivessem onde Jesus está. Isto implica que, assim que
completarem sua missão, os apóstolos estarão definitivamente com
o Senhor.

Não os tire do mundo...

Mas guardai-os do mal. Proteja-os das ciladas e urdiduras da


serpente maligna, a personificação do mal, Satanás, o Acusador, o
Diabo, o Tentador. Jesus usa o verbo guardar três vezes: os
apóstolos foram guardados no nome do Pai e por isso nenhum se
perdeu, exceto o “filho da perdição” (João 17.12). Jesus pede então
que os apóstolos sejam guardados no nome do Pai (João 17.11)
para que sejam um, para que haja unidade. E, finalmente, Jesus
pede para que eles sejam guardados do mal. Não deveriam ser
tirados do mundo, por ora. Não são do mundo, mas eles têm uma
missão no mundo.

Jesus sabe que não será uma missão fácil, a apostólica. A igreja,
através deles, será implantada, serão perseguidos e devorados,
alguns deles, por isso não podem ser tirados do mundo. São os
pilares e a pedra fundamental assentada sobre a principal pedra,
angular, o próprio Senhor Jesus. Devem, estes apóstolos, então, ser
guardados. Jesus lhes deu a palavra (João 17.14): ele os protegerá.
Portanto, devem ser santificados na Palavra porque, ao mundo,
serão enviados e terão apenas a Palavra. Claro, a Palavra é a
verdade e ninguém e nem nada pode contra a verdade, senão a
favor dela.

Contam, certamente, com o Espírito Santo, que os fará lembrar-se


de todas as palavras que Jesus lhes disse, para testemunho em
todas as nações. Por isso, Jesus pede ao Pai na Oração Sacerdotal
que sejam guardados do mal.

Que todos sejam um...

Para que os apóstolos sejam guardados do mal, eles precisam


viver como um corpo. Precisam aprender a ser um. E o paradigma
da unidade é a unidade substancial, ontológica, de Jesus com o Pai
(João 17.21). Assim, eles precisam ser um. Como um corpo,
conforme Paulo ensinou sobre a unidade da igreja, representada
pela dinâmica das partes. O corpo só é corpo por causa da dinâmica
dos seus membros. Os membros, ligados uns aos outros, são o
corpo. Na unidade do corpo, dos apóstolos, o mundo saberia, então,
que Jesus foi enviado pelo Pai e que o Filho também enviou os
apóstolos.

E não apenas isto. Mas para que todos saibam que são amados
pelo Pai, assim como este amou o Filho. Este é o sentido desta
união e deste pedido de Jesus, isto é, significa credibilidade e
estabilidade.

O corpo apostólico não poderia apresentar primazia de um em


detrimento dos outros. Não poderia haver divisão, nem grupos, nem
qualquer outro ajuntamento que dê a ideia de desagregação. Todos
agora devem entender de forma clara o que Jesus disse quanto a
importância de estarem ligados à videira verdadeira, ou seja, a
união os possibilitará produzir frutos! E ainda mais: juntos, quem os
amedrontaria?

Estejam onde estou...


Este é o desejo de Jesus quanto aos apóstolos, explicitado como
uma necessidade de estímulo para fortalecer os apóstolos em sua
missão.

Os apóstolos já compreenderam que Jesus foi enviado pelo Pai.


Agora, Jesus quer que eles compreendam a grandeza de serem
enviados pelo Filho para a missão apostólica. E Jesus queria
incentivá-los para que pudessem vislumbrar a glória que o Filho
receberia por ter cumprido a sua missão. Não era a glória, apenas,
do Filho. Era a glória que o Filho teve, junto ao Pai, nos céus, antes
da fundação do mundo! Vendo a glória que foi conferida ao Filho
pelo Pai, os discípulos certamente teriam uma motivação a mais
para cumprirem a sua missão.

Contudo, não apenas por isto e nem principalmente por isto.


Mas para que eles se alegrassem com isto, isto é, que Jesus foi
obediente e submisso e, como consequência, foi glorificado; e
certamente queria alegrar-se com os seus amigos e apóstolos.

Esta possibilidade de eles alegrarem-se com Jesus, de estar com


Jesus logo, em sua glória, evidenciaria de forma patente para os
apóstolos que, a despeito dos sofrimentos e solidão que logo Jesus
enfrentaria, era uma “via crucis” necessária; e o resultado de tudo
isto seria a glorificação, coroamento do amor que o Pai tinha pelo
Filho (João 17.26).

Esta é uma oração aparentemente simples, centrada em um ou


dois temas principais: Jesus e os apóstolos. Quanto a Jesus, que
ele seja glorificado. Quanto aos apóstolos, que eles sejam
preservados.

É uma oração magistral. É uma amostra daquilo que Jesus orava


quando subia ao monte. É um exemplo daquilo que Jesus orava
quando ia ensinar. É uma prova daquilo que Jesus orava como
prática de vida e exercício devocional.
Jesus está centrado no serviço a Deus. Por isso ele O busca, pois
entende que as demais coisas serão acrescentadas. Ele não se
arremete à sorte pelo dia de amanhã, pois sabe que o amanhã trará
o seu próprio mal. É preciso viver o dia de hoje com sabedoria.

Ele não é egoísta. Em sua oração, dedica pouco espaço para si e


grande parte de suas palavras em atenção a seus amigos. E mesmo
aquilo que ele ora quanto a si, o faz para que os outros sejam
abençoados e estimulados em seu ministério e em suas vidas!
3. A IGREJA E A ORAÇÃO

Não como modelo, mas como orientação sobre princípios que


devem nortear nossas orações, uma vez que havia erros tanto da
parte dos fariseus como da parte dos gentios, é que Jesus postula
princípios que devem nortear nossas orações, para que as mesmas
não fossem meros palavrórios ao ar, infrutíferas e vazias de sentido
devocional.
No Evangelho de Mateus (6.9-13), Jesus assim começa sua
orientação aos discípulos: “portanto, vós orareis assim” (Mateus
6.9). Esta oração, conhecida como Oração Dominical ou “Pai
Nosso”, está inserida no Sermão do Monte, no contexto das práticas
religiosas ou devocionais (esmolas, orações e jejuns) que eram
reconhecidas como práticas públicas ou de caráter não particular.

O desejo de parecer ou mostrar-se “piedoso” para a sociedade


levou os religiosos da época de Jesus a buscarem ou desejarem
exercer estes atos de piedade e devoção de tal forma que o que
demonstrava ser mais importante não era a prática devocional, mas
o “exercer a... justiça diante dos homens” (Mateus 6.1). Com esta
clara observação, Jesus concluiu: “Assim não tereis galardão junto
ao vosso Pai celeste”.

Qual era o erro que os religiosos estavam cometendo em relação


às esmolas, orações e jejuns? O erro consistia justamente em
exteriorizar demais aquilo que precisava ser revestido de maior
piedade, particularidade, discrição e devoção.

A minha esmola, depositada com a mão direita, deve ser ignorada


pela minha mão esquerda. A minha oração, para ser ouvida por
Deus, não significa necessariamente que os homens devem
conhecer publicamente o seu conteúdo. Quanto ao jejum, não são
os nossos rostos que devem ser enrugados, mas sim a nossa alma,
que deve ser triturada.

Acerca destes três atos, Jesus advertiu: “Teu Pai, que vê em


secreto, te recompensará” (Mateus 6.4,16,18). Devemos buscar a
“recompensa” de Deus, que em tudo pode nos atender e nos acudir,
e não visarmos a mera observação e louvor dos homens, que não
podem ao menos mover uma única palha!

É neste contexto que Jesus ensina aos seus discípulos a orar


corretamente. Ele ensina a Oração Dominical. Esta deve servir
como paradigma e não pode se transformar numa efêmera
repetição, senão correremos o risco de entrarmos num ciclo vicioso,
tendo em vista que, aquilo que Jesus combateu (“... e orando, não
useis de vãs repetições como os gentios”, Mateus 6.7), pode ser mal
entendido, como se fosse dito o contrário.

Isto não significa que não podemos “orar” em momentos especiais


as palavras da Oração Dominical, com toda piedade, devoção e em
atitude de muita reflexão. Porém, devemos tomar o cuidado para
não tornarmos este ato num palavrório infrutífero, desnecessário ou
descabido de significado.

A Oração Dominical divide-se em duas partes: a primeira, que


ressalta a primazia em publicar ou explicitar o nosso desejo em
relação à soberania de Deus na sua criação, conforme o que Deus
é: Pai, que dos céus nos vê; Santo, que é o seu nome e que seja
assim através dos filhos; Rei que é, todos lhe devem louvor; e
Soberano, sendo a sua vontade perfeitamente obedecida e exercida
nos céus, devendo o ser também na terra, pois tanto os dos céus
como os da terra lhe estão sujeitos.

A Segunda Parte da Oração Dominical diz respeito aos desejos e


necessidades humanas: manutenção, comunhão e proteção. Na
manutenção, o subsídio diário e contínuo; na comunhão,
restabelecimento dos vínculos quebrados por pecados ou ofensas; e
na proteção, livramento das cobiças desenfreadas das ofertas do
mundo e das investidas do advogado do mal, o Tentador.

Vejamos mais de perto as partes que compõem esta oração.

Pai nosso que está nos céus.

Não é uma petição, mas reconhecimento da paternidade divina


por Israel, o povo escolhido, a igreja eleita. Deus gerou o seu povo
Israel, protegeu-o e o arregimentou. Deu-lhe leis e o transportou
para a sua própria terra, seu lar. Deus é o Pai que ama o seu filho,
Israel. Não é Pai de um, mas de um corpo, de muitos, como de um,
pela sua unidade. Deus é Pai do seu povo, no tempo e no espaço.

Quando orarmos, não devemos jamais nos esquecer que as


nossas orações são dirigidas a um Deus que é Pai e, como pai, está
sempre atento às necessidades dos filhos, para lhes suprir conforme
a real necessidade e precisão, para um bom desenvolvimento,
aprendizado e saúde. Neste caminho, devemos levar em conta
também que Deus, como Pai, não é carrasco, não é o outro em que
nossas preces sejam-lhe apenas dirigidas para aplacar a sua ira.
Não! Nossas orações são um atestado de comunhão entre Deus e
seus filhos; e atestado de dependência dos filhos ao seu Pai, vital
para a nossa sobrevivência como povo de Deus.

Santificado seja o teu nome.

Não é um imperativo atribuído a Deus como se esse, aqui,


estivesse vindicando que seu nome seja santificado. Não! Sabemos
que o nome de Deus é santo. Santo por excelência. O seu nome
não pode ser profanado. Não há nada na criação que possa macular
o nome de Deus.

O nome de Deus é a sua identificação. “Qual é o teu nome?”,


perguntou Moisés, no Monte Horebe, “para que eu possa dizer ao
povo”? Deus lhe respondeu: “EU SOU O QUE SOU” (Êxodo 3.14).
“O EU SOU me enviou a vós”! “Qual é o teu nome”? O nome de
Deus lhe define. Sendo assim, o nome de Deus é tão sagrado
quando ele mesmo, pois não pode sofrer mácula ou desgaste.

Duas ideias são importantes nesta proposição: a primeira ideia é


a de que santificado é adjetivo, derivado de santo e complemento do
nome. Exerce a função de predicativo do sujeito: “Que o teu nome
seja santificado”. Isto significa que o nome de Deus é santo por
essência, é a própria identificação de Deus e não depende de nada
externo a ele mesmo para ser ou tornar-se santo, pois ele é (santo)!

A segunda ideia é a de que a santificação é uma ação sofrida por


agente externo ao ser santo. O nome é santo, mas precisa ser
santificado. Como ocorre isto? Esta adjetivação do substantivo
santo significa uma ação de “tornar conhecido àquilo que é pelo que
é”. Ou seja, o nome de Deus é santo, mas precisa ser conhecido por
aqueles que são a imagem de Deus como santo.

E quem engendra esta atividade? A continuação da proposição:


“assim na terra como no céu”. O nome de Deus no céu é
inquestionavelmente santo. Todas as criaturas no céu, por
constituição, lhe estão sujeitas. São todas as criaturas no céu
santas. Santidade derivada da santidade de Deus. Então, esta
proposição é assim melhor entendida: “assim na terra como (é) no
céu”. Ou seja, como o nome de Deus é santo no céu, assim ele
deve ser santo aqui na terra. E isto é feito através da proclamação
desta santidade. É uma tarefa do homem, mais precisamente dos
que são chamados à santificação, pois somos imagem e
semelhança de Deus, restaurados em Cristo Jesus.

Assim, o nome de Deus é santificado na terra à medida que os


filhos do Reino proclamam e refletem os atributos divinos no seu
falar, no seu trabalho e na proclamação do Evangelho, bem como
na sua obediência a este. Logo, esta “santificação” significa tornar
conhecida a santidade de Deus entre os homens.

Venha o teu reino.


O evangelista Mateus nunca falou em “Reino de Deus”. Ele fala
em “Reino dos Céus”. O evangelista Lucas fala dos “mistérios” do
“Reino de Deus”. Estas palavras estão de acordo com as palavras
de Jesus na Oração Dominical em que, quando se pede: “venha o
teu reino”, fala-se do reino do Pai. Mas o reino do Pai é também o
reino do Filho. É o reino messiânico!

O reino de Jesus não é deste mundo. Isto querendo dizer que,


como súdito, Jesus veio para morrer pelo seu povo, para pagar o
preço necessário para libertar o seu povo. O reino dos homens é
efêmero e passageiro. O reino de Deus não tem fim. Quando Jesus
nos ensina a orar para que o reino de Deus venha, está implícita a
ideia de que devemos ser arregimentados e preparados para
vivermos como bons cidadãos deste reino. O reino de Deus não
consiste em comida e bebida. O Reino de Deus não é o reino dos
fortes e poderosos. O reino de Deus não é dos grandes e dos que
dominam. O reino “é” de Deus!

Quando Jesus veio ao mundo, veio também o Rei. Foi adorado no


seu nascimento e presenteado como rei. Jesus, no sermão do
monte, dá aos seus discípulos as diretrizes e exigências do reino.
Mas também não deixa de mencionar os beneméritos (bem-
aventuranças) dos cidadãos do reino.

Assim podemos entender que, com a vinda de Jesus, o reino se


faz presente. Com a sua pregação, o seu poder de convencimento
pela verdade e a demonstração do seu poder em até subjugar a
natureza e as forças demoníacas deu uma demonstração da
grandeza, singularidade e natureza do seu reino. O reino de Deus
está presente em nós.

Mas o reino de Deus também ainda virá. E quando ele vir, não
será apenas para a restauração de Israel, como queriam seus
apóstolos, mas será para a restauração de todas as coisas! Será o
grande dia do Rei, quando todo joelho se dobrará e toda língua
confessará que Jesus é o Senhor para a gloria de Deus Pai!
O reino de Deus certamente merece um livro à parte, coisa que
não o farei aqui, pois o objetivo deste trabalho é outro, mas cumpre-
me acrescentar o seguinte: venha o teu reino é uma sentença na
forma imperativa. Devemos não apenas orar, expressar com
palavras, mas devemos também, com toda a diligência, trabalhar,
preparar o terreno, viver em vigilância, pois certamente o reino virá e
ai daquele que for pego de surpresa!

Faça-se a tua vontade...

A vontade de Deus é soberana. Sua vontade e suas ações se


completam, ou seja, a ação de Deus é o resultado da sua vontade e
a sua vontade gera irremediavelmente a ação, a realização.

Isto não significa dizer que a vontade de Deus é arbitrária. Pelo


contrário, a vontade de Deus é santa, perfeita e agradável. Ela se
coaduna com o caráter de Deus que é reto, santo, justo e
misericordioso.

A vontade divina, na sua criação, é feita de forma “mediata” e de


forma “imediata”. Deus pode e realiza a sua vontade quando quer,
pois é soberano, sendo ela realizada de forma imediata, sem
interferência de meios externos ou participação humana. Mas
também Deus se agrada que a sua vontade seja executada de
forma mediata, ou seja, através da interferência de algum agente,
mediada por algum componente da sua criação e, certamente, o
homem é o principal agente quanto à comunicação e proclamação
do seu reino!

Faça-se a tua vontade quer dizer: “a tua vontade será feita!”. Esta
forma verbal (Faça-se) nos dá a ideia de um imperativo: a vontade
de Deus será feita e a vontade de Deus deve ser feita. Permita-me
explicar: sempre, independentemente de qualquer ação do homem,
do diabo ou de quem ou do que quer que seja, a vontade de Deus
“é” feita. Porém, assim está posto nesta oração que a vontade de
Deus é feita através da ação humana, indiretamente: “faça-se”, isto
é, a vontade de Deus é feita quando o homem a realizar: os homens
e a criação submetendo-se à vontade de Deus.

A vontade de Deus é soberanamente inquestionável no céu. Na


terra, o homem precisa tornar-se cativo da mente de Cristo, precisa
conhecer Deus, para ter a noção ou a direção sobre qual seja a
vontade divina e, então, submeter-se e obedecê-la. Este é o ideal!
Por isto Jesus nos ensina: “... assim na terra como no céu”!

Como expliquei anteriormente, este texto pode assim ser


entendido: “assim na terra como (é) no céu”. Este é o ideal. Por isso,
à medida que conhecemos Deus, mais nos aproximamos do ideal
de obedecê-lo. Somos os instrumentos que Deus se agrada ver sua
vontade sendo feita na terra, assim como ela é obedecida no céu.

A vontade de Deus é a expressão da sua soberania, da sua


bondade, da sua justiça e da sua misericórdia (amor). Da sua
soberania, porque sua vontade sempre será realizada. Da sua
bondade, porque, naquilo que Deus determina em seu querer,
sempre, como filhos obedientes e cativos a ele, nos beneficiamos e
somos beneficiados. Da sua justiça, porque todo mal, injustiça,
pecado e rebeldia são contemplados e corrigidos, condenados e
recebem a sua justa punição. Da sua misericórdia, porque, mesmo
na execução de sua justiça, Deus não deixa de exercer a sua
misericórdia, o seu amor. Deus não inocenta o culpado, mas provê
meios para que ele se arrependa, expie a culpa e viva, para fazer a
vontade divina.

Esta primeira parte, como já mencionei, está relacionada


diretamente a Deus ou com suas necessidades, se me permitirem
assim utilizar estes termos: santidade do nome de Deus, vinda do
reino de Deus e vontade (divina) soberana vislumbrada na terra.

Esta próxima parte da oração dominical, a segunda, contempla o


homem e suas necessidades. A oração é uma unidade, mas assim
a divido, didaticamente, para conhecermos a riqueza do ensino de
Jesus nesta porção das Escrituras, que trata das necessidades do
homem em relação a mantimento, relacionamento e proteção
natural e sobrenatural.

O pão nosso de cada dia...

As petições relacionadas à primeira parte não são relativas, mas


soberanas, pois são petições que não estão dispostas por
condições: Deus as requererá independentemente de nossa ação:
Deus é santo e jamais será maculado. O seu reino virá e jamais
será frustrado. A sua vontade será feita e de nenhuma forma será
não cumprida.

Já estas petições do segundo bloco não são soberanas ou


absolutas no sentido de que revelam inteira dependência no querer
e no agradar-se Deus de realizá-la. A primeira parte se sobrepõe à
segunda. A segunda parte se inclina à primeira. Mas não há
desigualdade ou desarmonia. Há um equilíbrio harmonioso.
Pedimos porque carecemos. Realiza-se porque Deus é soberano.

Dá-nos o pão de cada dia. É a nossa necessidade material para a


sobrevivência. É a nossa dependência que aqui se expressa. Não
somos suficientes o bastante nem ao menos para suprirmos as
necessidades vitais para nossa própria existência. Nossa
manutenção vem de Deus. A nossa vida vem de Deus. Nossa vida
está nas mãos de Deus.

Deus, nos quarenta anos que seu povo peregrinou no deserto, os


manteve com o maná, que deveria ser colhido dia a dia, manhã a
manhã. Não se poderia colher para o outro dia, que estragava, salvo
o sexto dia, pois no sábado era proibido colher, sendo isto já
autorizado, quando deveriam recolher no dia anterior a porção
dobrada, para dois dias. Isto tudo justamente para o povo de Israel
entender que dependiam completamente de Deus. Foram
sustentados quarenta anos pelo maná, vindo dos céus, da cozinha
de Deus. Este os manteve e nada lhes faltou!
O “pão de cada dia” é expressão das necessidades vitais:
alimento, vestuário, abrigo. É tudo aquilo que precisamos para
desfrutar a nossa vida com alegria e contentamento e sabermos que
tudo vem de Deus. Nem mais e nem menos. Se tivermos mais, será
um laço para desprezarmos Deus. Se tivermos menos, Será uma
rede para amaldiçoarmos o nome de Deus.

“Dá-nos hoje”! Basta ao dia o seu próprio mal. A natureza e a


provisão divina acorda conosco. Levantamo-nos e recebemos das
mãos de Deus saúde, família, trabalho, lazer, descanso, pão e
devoção. Um equilíbrio necessário à alegria, à paz e ao prazer
nestes dias, na terra, como peregrinos.

Perdoa-nos... Assim como...

As palavras desta petição revelam-nos a “necessidade de


comunhão” ou a “comunhão necessária”. É uma justa medida. Uma
comparação insofismável: “assim como”. Somos ousados e
pedimos. Pedimos que sejamos perdoados. Jesus está ensinando a
orarmos assim. Nem mais, nem menos.

Não posso deixar de referir-me, aqui, acerca do valor do perdão.


Não é um tema difícil, mas também não é uma prática fácil.
Justamente porque o perdão está situado no campo da justiça. É
este o paralelo e a simetria que nos é posto. E tem mais. As dívidas
do outro para conosco, são dívidas. As nossas dividas para com o
outro, são pecados! E pecados exigem a devida satisfação da lei.

O evangelista Mateus registra uma parábola muito interessante


que ilustra muito bem este princípio (Mateus 18.23-35). É a parábola
de um credor que era devedor. Como credor, tinha direito a receber
uma dívida de cem denários, como se fossem cem dias de salário
de um jornaleiro, ou cerca de três meses de trabalho de um servidor
braçal. Talvez, hipoteticamente, três salários mínimos. Mas, ele era
devedor de uma dívida muito grande: dez mil Talentos. Geralmente
o Talento, uma medida que equivale a 37 quilos de ouro, era o
referencial para pesar este metal de valor. Dez mil talentos eram
equivalentes a ... Sinceramente, perdi a noção, não sei calcular esta
soma. Mas sei dizer que era um valor absolutamente quase que não
pagável!

Este credor, que era devedor, encontrou o seu credor. Então, lhe
suplicou tempo, paciência, misericórdia. Ele foi atendido e a sua
imensa dívida perdoada. Este credor passou a não mais ser
devedor.

Então, este credor que não é mais devedor, logo encontrou o seu
devedor. Este devedor lhe devia um valor ínfimo, irrisório que, sem
nenhuma comparação, jamais equivaleria ao que o seu credor, que
antes era devedor, devia ao seu credor. O devedor, que não era
credor, que devia um valor irrisório a este credor, que havia deixado
de ser devedor, pois a sua dívida “impagável” lhe foi perdoada, lhe
suplicou tempo, misericórdia, paciência, pois logo iria saldar a sua
pequena dívida.

Em vão, pois o credor que não é mais devedor não lhe deu
ouvidos, não atendeu a voz de sofrimento do seu devedor e o
colocou na prisão.

O credor, que deixou de ser credor, pois havia perdoado a dívida


do credor que era devedor, não gostou de ouvir esta história: “eu
perdoei uma dívida enorme dele e ele não se compadeceu de quem
lhe devia quase nada?”. Se for assim, justiça seja feita! Cancelou o
perdão da dívida enorme e, então, o credor voltou a ser devedor e
foi posto também na prisão. Resultado: “assim”, disse Jesus,
“também meu Pai celeste vos fará, se do íntimo não perdoardes
cada um a seu irmão”.

Esta parábola é suficientemente exaustiva quanto ao tema e não


necessita de acréscimos, sob pena de lhe prejudicar, afetando o seu
significado e riqueza.

Não nos deixe cair...


Esta última petição nos ensina sobre proteção. Há proteção
necessária, em Deus, enquanto tivermos vida e vivermos no
presente século, tendo em vista que o príncipe “deste século” já está
julgado, condenado.

Não somos autossuficientes. Não nos bastamos. Logo, não


somos auto protegidos. E a nossa proteção não pode vir do nosso
arco e nem da nossa flecha. Não pode vir das nossas armas e nem
das nossas forças. Jesus nos ensina aqui a suplicarmos a ajuda do
Pai celeste. Só ele pode nos livrar do mal e não permitir que
caiamos em tentação.

A tentação são as ciladas. O mal é a personificação. A tentação


são os desejos, necessários ou desnecessários. O mal é o Diabo, o
Tentador, aquele que nos acusa dia e noite.

Diariamente somos tentados pela cobiça. Reclamamos do que


temos e não nos contentamos em desejar. Se temos, não é
suficiente. Se não temos, não sossegamos. Somos dominados pelo
desejo de viver uma vida futura, mas nos contentamos em viver o
hoje desesperadamente, sem limites.

Não há como fugirmos do mal, mas podemos ser livres de suas


teias e tramas. Não há como fugir da tentação, mas podemos
vencê-las. Podemos ser tentados, mas podemos vencer. O Diabo, o
Tentador, Satanás, nosso opositor, não nos tenta para nos habilitar à
aprovação. Ele nos tenta para nos derrubar, para nos humilhar, para
nos vencer.

Mas, se confiarmos em Deus, esta tentação terá uma nova


conotação e se transmutará em provação. A provação visa a
aprovação. O Diabo não quer que sejamos aprovados. Ele sabe que
ao nos tentar corre o risco de perder. Mas não pode ser diferente,
pois é a sua natureza: ser tentador. A sua natureza o condena. Ao
orarmos: “Deus Pai, livra-nos do mal”, somos socorridos e a nossa
vergonha se transforma em glória!
Esta pequena exposição e reflexão sobre a Oração Dominical,
magistral oração ensinada pelo Senhor Jesus, é deveras importante
para podermos observar, seguindo os passos de Jesus, como e qual
foi a importância da oração no desempenho e execução do
ministério de Jesus, público e particular.
4. AS CIRCUNSTÂNCIAS E A ORAÇÃO

Sabemos que a oração reflete o nosso grau de intimidade e


relacionamento com Deus. Nossas orações devem ser feitas de
forma a evidenciar este relacionamento, mas também a sinceridade
é de uma grandeza para o nosso conforto, segurança e felicidade.
Para que possamos refletir um pouco mais sobre a oração,
escolhi cinco orações bíblicas que acredito que podemos extrair
alguns princípios que venham nortear e nos ajudar a tecer orações
que nos deem a confiança de que não estamos sendo nem levianos
e nem presunçosos em nosso diálogo com Deus.

A oração de Jonas, no ventre do grande peixe, nos mostrará que


o nosso viver é uma preservação da vida, de forma soberana e
divina (Jonas 2.1-9).

A oração de Habacuque (Habacuque 3.1-19) demonstra uma


confiança ilimitada no Deus que tem tudo e todos sob o seu
controle.

A oração de Daniel (Daniel 9.4-19) nos ensina que, em nossas


orações, não devemos nos esquecer de confessar os pecados, nos
arrependermos e implorarmos a misericórdia divina.

A oração de Salomão, quando da edificação do templo (2


Crônicas 6.12-42) é muito preciosa, pois nos ensina sobre a
singularidade de Deus, o Deus que perdoa e faz justiça ao seu
povo, ensinando-lhe o caminho, mas que também socorre o
estrangeiro.

E, finalmente, a oração de Jabez, da tribo de Judá (1 Crônicas


4.9,10) nos ensina que devemos ser audaciosos ao invocarmos a
Deus para que nós, em nossos empreendimentos, sejamos
abençoados, prósperos e felizes.

Jonas 2.1-9: “Ao Senhor pertence a salvação”.

Jonas é um profeta de uma vida enigmática, misteriosa, mas que


ninguém pode negar o seu testemunho e temor a Deus. E isto é
visto tanto em sua rebeldia quanto em sua obediência. Jonas
conhecia o Deus que servia.

Ele era profeta, filho de Amitai. Era da região de Gate-Hefer. Fez-


se presente no reinado de Jeroboão, filho de Jeoás, rei de Israel
(não confundir com o Jeroboão que dividiu as tribos de Deus em
Judá e Israel). Jeroboão fez o que era mal perante o Senhor.

Deus ainda não havia falado em apagar o nome de Israel de


debaixo dos céus, mas, pelo contrário, ao ver que a aflição de Israel
era amarga, tendo em vista as profecias de Jonas no período de
Jeroboão, apiedou-se e permitiu que Israel ampliasse o seu
território, e os livrou de seus inimigos (veja em 2 Reis 14.23-27).

Mas Jonas também profetizou contra a capital do arqui-inimigo de


Israel, Nínive, que, em breve, iria apagar o nome de Israel do mapa!

Jonas conhecia este império e sabia do seu poder e dos seus


atos de crueldade. Sabia também que Deus é o Deus da salvação, o
Deus da misericórdia. Deus não destruiria Sodoma e Gomorra se lá
houvesse um mínimo de justos (Gênesis 18.22-33). Deus não
inundaria toda a terra em dilúvio sem salvar algum justo, pois “o
coração do homem era continuamente mal” (Gênesis 6.11,12). Deus
também viu toda a maldade da perversa Nínive e iria puni-la.

Jonas tentou fugir da sua responsabilidade: deveria ir para Nínive,


mas desceu para Jope (Jonas 1.3). No navio em que estava,
despreocupado, desceu para o porão e deitou-se (Jonas 1.5). Por
sua negligência, foi lançado do barco e, então, desceu às
profundezas da terra e parou no ventre de um “grande peixe” (Jonas
1.17).

Jonas, em angústia, por seu ato de rebeldia, do ventre do peixe


orou ao Senhor. Jonas sabia que orar ao Senhor era a certeza de
que toda a situação seria mudada.

O barco em que ele estava iria ser despedaçado, porque o


Senhor mandara um forte vento que formou uma grande
tempestade para “acordar” Jonas. Todos os tripulantes, com medo
de perderem suas vidas, clamaram aos deuses e, por um momento,
perceberam Jonas no porão do navio, dormindo. Instado por todos a
tomar uma atitude, Jonas responde: “sou hebreu e temo ao
SENHOR, o Deus do céu, que fez o mar e a terra” (Jonas 1.9). E:
“tomai-me e lançai-me ao mar, e o mar se aquietará” (Jonas 1.12).

Jonas reconhecia a sua rebeldia para com Deus. Mas, em aperto


e movido pelas circunstâncias, “com sinceridade”, orou a Deus. Na
sua oração, Jonas expressa, entre outras verdades, as seguintes:

A certeza de que será ouvido por Deus (Jonas 2.2).

“Na minha angústia clamei ao Senhor, e ele me respondeu”.


Jonas sabia que, ao clamar, quem quer que seja, arrependido e
contrito, a Deus, este o ouve e atende. Jonas temia a Deus, mesmo
a despeito de sua rebeldia. Ele demonstra muita confiança na
palavra de Deus. Se clamarmos, ele nos ouve! E o clamor de Jonas
havia fundamento e tinha um objetivo!

A promessa de servir a Deus (Jonas 2.4).

“Tornarei, porventura, a ver o teu santo templo?”. “Desci, desci e


desci. Será que subirei?”. “Se subir, irei adorá-lo continuamente no
templo!”. Poderia assim estar pensando Jonas enquanto orava de
dentro do ventre do peixe, nas profundezas do mar. Esta situação e
sentimento de Jonas faz-me lembrar, neste momento em que
escrevo estas linhas, as palavras de uma música (Primeiro Amor) do
grupo REBANHÃO, da década de 80, gospel, tendo como vocalista
Carlinhos Félix: “Quero voltar ao início de tudo; encontrar-me
contigo, Senhor; quero rever meus conceitos, valores, eu quero
reconstruir; vou regressar ao caminho, vou ver as primeiras obras,
Senhor; eu me arrependo, Senhor; me arrependo, Senhor; me
arrependo, Senhor; quero voltar ao primeiro amor; ao primeiro amor;
eu quero voltar a Deus”.

Reconhecimento da misericórdia e providência divina


(Jonas 2.6,8).

“... fizeste subir da sepultura a minha vida...” e: “Os que se


entregam à idolatria vã, abandonam aquele que lhes é
misericordioso”. Jonas havia descido e descido. E o inverso de
quem reconhece que Deus é misericordioso é subir, subir e subir.
“Fizeste subir da sepultura a minha vida”. Que confiança! Ainda no
ventre do peixe, já tinha certeza que, ali, não morreria (Jonas 2.6). E
ainda: “subiu a ti a minha oração” (Jonas 2.7). Deus não se faria de
surdo ao clamor daquele que, em angústia, exprime as palavras do
aperto e da solidão! E, finalmente: “O peixe vomitou (=subiu) a
Jonas na terra” (Jonas 2.10). Agora sim, Jonas entendeu que não
bastava apenas conhecer Deus (seu poder e seu caráter).
Precisaria muito mais do que isto. Era necessário submeter-se à
vontade divina. Não poderia o profeta omitir-se de sua
responsabilidade e missão!

Gratidão pelo livramento (Jonas 2.9).

“Com a voz do agradecimento, eu te oferecerei sacrifício; o que


votei, pagarei”. É claro que não sabemos o que Jonas, ali, no ventre
do peixe, três dias e três noites (Jonas 1.7) havia votado a Deus.
Mas, observando estas últimas palavras na oração, deduzo que o
mesmo havia pedido o livramento e a preservação da sua vida. Em
troca, obedeceria a Deus e, dentre outras coisas, iria dirigir-se à
Nínive para proclamar a mensagem que Deus lhe havia confiado.
Habacuque 3.1-19: “Ao Senhor pertence a alegria”.

Esta é outra oração, bela, expressa por um profeta que


compreende a grandeza do Deus que jamais abandona o seu povo
e o seu servo. Deus é o Deus que jamais deixou o seu povo sem
testemunho da bondade e misericórdia divina. Vejamos algumas
lições contidas nesta oração.

Tudo e todos estão no controle de Deus (Habacuque 3.3-6).

“... A sua glória cobre os céus... o seu resplendor é como a luz...


Adiante dele vai a peste... sacode as nações... Os caminhos de
Deus são eternos”. Estas são as palavras do profeta Habacuque
para nos ensinar que tudo, absolutamente tudo, é controlado por
Deus. Ele é o criador de todas as coisas e nada escapa ao seu
poder. Todos os profetas proclamaram a soberania de Deus sobre
as nações e sobre os reinos da antiguidade, poderosos, mas
passageiros. Porém, o reino de Deus não tem fim!

Deus é aquele cuja razão o sol se põe e não se expõe; a lua


brilha e perde a sua luz; o mar agita-se e acalma-se; o homem
morre, mas sua existência não tem fim. Deus é a causa suprema da
nossa vida e a motivação maior do nosso viver!

Deus aborrece e pune o pecado (Habacuque 3.7,8).

“Vejo as tendas de Cusã em aflição... É contra os ribeiros a tua


ira?”. Certamente que não é contra a natureza que Deus se ira,
muito embora seja ela ameaçada. A ira de Deus é tão somente em
consequência da nossa obstinação, hipocrisia e atos maléficos! A ira
divina se revela do céu contra o nosso pecado. Não apenas do seu
povo, mas de todas as nações! Deus pune o pecado, pois não pode
concebê-lo. Deus não inocenta o culpado, ainda que o Senhor se
revele misericordioso. O pecado afasta a potencialidade de
conhecermos Deus, para que lhe tributemos louvor!

E as imprecações do profeta são veementes contra o pecado:


“porque o perverso cerca o justo, a justiça é torcida” (Habacuque
1.4). “Eles todos vêm para fazer violência” (Habacuque 1.9). “Tu és
tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes
contemplar” (Habacuque 1.13). “Ai daqueles que ajuntam em suas
casas bens mal adquiridos” (Habacuque 2.9). “Ai daquele que
edifica a cidade com sangue e a fundamenta com iniquidade”
(Habacuque 2.12).

O pecado não passa despercebido de Deus e suas


consequências são danosas, desastrosas. O remédio é reconhecê-
los e abandoná-los, para que Deus se nos torne favorável.

Deus protege o seu povo (Habacuque 3.12-16).

“Tu sais para salvamento do teu povo... devo esperar o dia da


angústia, que virá contra o povo que nos acomete”. Deus, ao nos
prover a sua misericórdia, revela-nos pelo menos dois objetivos.

Primeiro, que sejamos disciplinados para que o pecado não


domine sobre nós. Somos pecadores, mas não podemos viver
pecando. Devemos ter o desejo e lutar para que a nossa vida seja
santa e agradável diante de Deus e dos homens e, para isto, se
preciso for, Deus suscitará inimigos para nos corrigir e não permitir
que fiquemos incorrigíveis. Entretanto, certamente estes inimigos
serão punidos por Deus, por atentar contra o seu povo! O Egito
puniu e foi severo com o povo de Deus, mas, neste povo, foi Deus
exaltado quando foram castigados! A Babilônia, o grande império,
foi usada por Deus para punir Israel, mas, pela sua maldade, a
Babilônia também foi punida e seu nome foi apagado de debaixo
dos céus, porque foi ímpia e castigou o povo de Deus. Deus não
deixa o seu povo desamparado. Ele sempre provê meios de ensiná-
lo a andar no caminho da justiça.
Há outro objetivo da disciplina divina sobre o seu povo. Esta
disciplina é para que aprenda a depender da divina providência.
Somos fortemente inclinados a abandonar Deus sempre nas
situações extremas: se temos falta, praguejamos; se temos
sucesso, nos esquecemos ou abandonamos Deus. Devemos
aprender a mediania (Provérbios 30.7-9).

Desta forma, o que percebemos é que a proteção de Deus ao seu


povo é uma ação divina que intervém por meios extraordinários
(Salmos 124.7) e meios ordinários (Salmos 128). Toda a história
bíblica pode assim ser resumida: “A história da salvação do povo de
Deus”.

Depositar a confiança do livramento só em Deus


(Habacuque 3.17-19).

“Todavia ... exulto no Deus da minha salvação; o Senhor Deus é a


minha fortaleza”. Esta confiança incondicional do profeta Habacuque
em Deus, em sua salvação e livramento, em mais nada e em mais
ninguém, é deveras motivadora e confortadora. Afinal, de onde
poderia vir a nossa salvação, o nosso socorro, senão daquele que é
o Senhor Deus, criador dos céus e da terra? (Salmos 121.2).

Para Habacuque, Deus é a sua fortaleza e faz os seus pés como


os da corça e o faz andar altaneiramente (Habacuque 3.19). Deus
não apenas nos dá livramento, como também nos faz prósperos
após intensa e dolorida privação.

Daniel 9.4-19: “Ao Senhor pertence o perdão”.

Não vejo como as orações que hoje são tecidas, tendo na maioria
das vezes palavras que demonstram preocupação com o bem estar,
com a prosperidade material e com uma vida isenta de
preocupações, podem ser sustentadas sem a devida observação da
situação subjetiva do homem quanto a seu relacionamento de
amizade com Deus. Estas coisas são desejáveis, mas não há
garantia que assim será. Esta é uma visão distorcida de paz,
felicidade e contentamento. Não os critico de todo, mas também não
os louvo completamente.

Acredito que outros ingredientes escassos em nossas orações,


pelo menos na maioria das vezes, são indispensáveis para que
nossa oração seja reputada como sendo bíblica: confissão de
pecados, arrependimento das obras más e o explorar o favor e a
misericórdia divina. São estas as principais preocupações de Daniel,
ao orar a Deus. Ele era um jovem próspero, inteligente e temente a
Deus, que orava ao seu Deus três vezes ao dia (Daniel 6.10). Sua
oração nos ensina as seguintes lições:

Devemos fazer confissão de pecado: por não darmos crédito


às admoestações divinas (Daniel 9.4-8).

“... Confessei e disse... Não demos ouvidos aos teus servos, os


profetas...”. Daniel fez uma oração confessando pecados em nome
do seu povo. Mas ele não se exclui. Este pecado, coletivo, consistia
em terem cometido iniquidades, terem procedido perversamente,
serem rebeldes, afastando-se dos mandamentos e juízos de Deus.
Não deram ouvidos aos profetas.

Isto evidencia que não se arrependeram. Se tivessem se


arrependido, teriam ouvido os profetas e teriam emendados os seus
caminhos. Se assim tivesse ocorrido, esta oração de Daniel teria
outro conteúdo. Por causa das suas transgressões, foram exilados,
foram vituperados e lançados por terra.

Mas ainda poderiam mudar seus atos. O arrependimento é


possível e sempre será enquanto tivermos vida. Deus não quer e
não deseja que o homem seja lançado no abismo sem que tenha
oportunidade de repensar seus atos, emendar os seus caminhos e
viver.
Devemos mostrar arrependimento do pecado (Daniel 9.13-
15).

“Não temos implorado o favor do Senhor”. Estas são as palavras


de Daniel em sua oração: apesar do mal descrito na lei de Moisés
ter alcançado todo o povo, apesar de todo o mal ter sobrevindo ao
povo, mesmo assim não deram crédito, não se arrependeram e não
obedeceram à voz de Deus.

Moisés já havia, por várias vezes, dito que o povo de Israel era
contumaz, de dura cerviz (Deuteronômio 9.13). Deus mesmo havia
dito para Noé que a “maldade do homem se havia multiplicado na
terra e que era continuamente mal todo desígnio do seu coração”
(Gênesis 6.5).

Mas Deus é misericordioso e, se o homem mostrar contrição,


Deus mesmo perdoará a iniquidade e se “esquecerá” do restante da
transgressão do povo. Por quê? Porque o Senhor não retém a sua
ira para sempre, pois tem prazer na “misericórdia” (Miqueias 7.18).

Devemos implorar a misericórdia divina (Daniel 9.16-18).

“Ouve a oração do teu servo... porque... lançamos as nossas


súplicas perante... tuas muitas misericórdias”. O apóstolo Paulo já
exortava aos irmãos da Tessalônica: “orai sem cessar” (1
Tessalonicenses 5.17). Jesus também já ensinara aos seus
discípulos e aos seus ouvintes: “Pedi e dar-se-vos-há; buscai e
achareis; batei e abrir-se-vos-há” (Mateus 7.7).

A oração é deveras maravilhosa, confortadora e nos torna não


apenas esperançosos, mas convictos de que, após ela, dirigida a
Deus, a situação não será mais a mesma. Mas, onde está a fonte
desta preciosa confiança, tal qual uma âncora? Certamente não é
fiado em nossa justiça, que são como trapos de imundícia, mas
fiados unicamente nas misericórdias divinas (Daniel 9.18).
Salomão (2 Crônicas 6.12-42): “Ao Senhor pertence o
conhecimento”.

Esta oração do rei Salomão na consagração do seu suntuoso


Templo em dedicação ao Deus dos céus é deveras bela. É uma
oração em que o elemento preventivo se evidencia. Mas não é uma
sofismável presunção. É uma possibilidade baseada no fato de que
o homem é pecador e não há “homem que não peque” (2 Crônicas
6.36).

Diante desta constatação, não poderiam ser diferentes as


palavras do rei para que o Rei dos reis, após ouvir as confissões
sinceras do seu povo ali no templo, ou com a mente voltada para
ele, pudesse lhe perdoar (2 Crônicas 6.21,25,27,30,33,35,39).
Vejamos as seguintes preciosas lições nas palavras desta oração:

O Senhor é único (2 Crônicas 6.14-17).

“Não há Deus como tu”. Esta é a primeira declaração de Salomão


em sua oração (2 Crônicas 6.14). Nem nos céus e nem na terra há
deus como o seu Deus. Na verdade, Salomão não está dizendo que
existem deuses. Só há um Deus, o criador de todas as coisas
(Gênesis 1.1; Êxodo 6.4).

Porque é único, Deus não está sujeito a nada e nem a ninguém. É


o Deus verdadeiro. E, sendo verdadeiro, não se contradiz. Aquilo
que fala, cumpre. Cumpre cabalmente. A sua palavra há de ser
cumprida. Ninguém pode detê-lo.

Esta certeza é também postulada pelo apóstolo Paulo, quando


escreve ao jovem pastor Timóteo: “Se perseverarmos, também com
ele reinaremos; se o negarmos, ele, por sua vez, nos negará; se
somos infiéis, ele permanece fiel, pois de maneira nenhuma pode
negar-se a si mesmo” (2 Timóteo 2.12,13).
O Deus transcendente é também o Deus imanente (2
Crônicas 6.18-21).

“Ouve do lugar da tua habitação”. O templo era imponente. Era


rico e adornado de ouro e madeiras. Estas eram nobres e
trabalhadas. Tudo conforme as prescrições divinas e desenhadas
pelas mãos de homens peritos e dotados de saber científico e
artístico.

Mas, toda esta perfeição seria suficiente para Deus fazer-se


presente entre o seu povo? Era disto que Deus se agradava? Não!
E Salomão sabia disto, pois “nem os céus dos céus podem contê-lo”
(2 Crônicas 6.18).

Sendo que Salomão conhecia a grandeza de Deus, ainda assim


não desconhecia a sua imanência. Deus é o totalmente outro que
vem ao encontro do homem e habita no meio dele (Isaias 7.14).

Deus não é um motor imóvel que gira a grande máquina da


criação sem se importar com ela. Ele é a causa não causada, que
causa toda a existência humana, que dá vida a toda a criação.

Deus julga os atos perversos (2 Crônicas 6.22,23).

“Julga os teus servos”. Litígios e demandas entre os homens são


as mais diversas. Segundo o costume, quando alguns cometiam
algum mal em oculto ao seu próximo, sem testemunhas presentes,
tinham um bom recurso, que era, no templo, diante do altar, jurar a
verdade. O julgamento? Deus mesmo o executaria, inocentando o
justo e condenando o culpado.

Nossos atos pecaminosos não passam despercebidos ante a face


do Senhor. Não adianta trazer a oferta ao altar, ou prestar o culto,
quando temos uma demanda não resolvida com o nosso “irmão”
(Mateus 5.23,24).
Deus perdoa o pecado do seu povo (2 Crônicas 6.24,25).

“Perdoa o pecado do teu povo”. Se acontecer de o povo, por ter


pecado contra o Senhor, se tornar alvo do seu inimigo e por este for
fustigado, mas, doravante, buscar o Senhor, confessar o seu pecado
e, arrependido, voltar-se para Deus, este o perdoará e lhe fará
retornar à sua terra, fazendo-o habitar nela.

Alguém já disse assim: “pecado confessado é pecado perdoado”.


Certamente esta máxima tem fundamento desde que a contrição
seja um ato verdadeiro que evidencia realmente o
descontentamento por se afastar de Deus.

Deus lhes ensina o bom caminho (2 Crônicas 6.26,27).

“Dá chuva na tua terra”. Deus, às vezes, para disciplinar o seu


povo, interfere na criação para que esta não seja fecunda e
produtiva. Então, o seu povo deve confessar os pecados para que
Deus se lhe torne favorável, ensinando o caminho por onde devem
andar e fazendo com que a natureza, na sua regularidade, lhes dê
os devidos frutos.

Deus conhece os nossos corações (2 Crônicas 6.28-31).

“Tu és conhecedor do coração dos filhos dos homens”. Deus nos


conhece por inteiro e sabe que somos inclinados ao mal. E, para
nos disciplinar, calamidades e diversas sortes de situações podem
nos acometer para que sejamos motivados a, reconhecendo o
nosso pecado, voltarmo-nos para Deus. As nossas orações não
passam despercebidas diante de Deus.

Deus atende também ao estrangeiro (2 Crônicas 6.32,33).

“Por amor do teu grande nome”. Deus não atende apenas o seu
povo. Também ouve a oração do estrangeiro. Por quê? Porque o
seu nome é grande e a sua mão é poderosa. E Salomão entendia
que, se a oração sincera do estrangeiro fosse atendida,
concedendo, Deus, tudo o que este lhe pedir, então todos os povos
da terra conheceriam o nome do Senhor e o temeriam como Israel,
reconhecendo que há um Deus justo, misericordioso e verdadeiro.

Deus dá vitória ao seu povo (2 Crônicas 6.34,35).

“Faze-lhe justiça”. Muito bem acertou o apóstolo Paulo diante da


certeza de que o socorro do Senhor é pronto e a vitória do seu povo
é certa, contra o inimigo. E Salomão o confirma: “Se orarem a ti...”.
Se pedirmos, dele receberemos. E, por que receberemos? Paulo
responde: porque “em todas estas coisas, porém, somos mais que
vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou bem
certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem aos
principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os
poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra
criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus” (Romanos 8.37-39). Recebemos tudo das mãos de Deus,
pois ele se agrada que seu povo seja como luz nas trevas e farol
para o caminho.

Jabez (1 Crônicas 4.10): “Ao Senhor pertence a vitória”.

É muito interessante esta oração de Jabez pelo seu conteúdo e


pela sua objetividade. O histórico deste homem é tão sintético
quanto sua oração. Sua mãe lhe chamou Jabez, pois disse: “com
dores o dei a luz” (1 Crônicas 4.9). Jabez foi “mais ilustre do que os
seus irmãos” (1 Crônicas 4.9).

Não sabemos em que contexto sua oração foi tecida a Deus. O


pouco que percebemos, de sua objetividade, mas bela oração, é
que fala de conquista. E conquista que contempla prosperidade,
proteção e felicidade. Algumas lições podemos deduzir desta
oração:
Em Deus está o caminho da Conquista (1 Crônicas 4.10).

“Me alargues as fronteiras”. Não sabemos ao certo qual era o


empreendimento de Jabez, mas é provável que o mesmo tivesse
sido um conquistador. No nosso Brasil, quando de sua formação,
tivemos muitos conquistadores e desbravadores. Estes receberam o
nome de “Bandeirantes”. Outros, que se aventuraram a vender
mercadorias, de um lado para o outro, com suas roupas de animais,
foram chamados de “mascates”. E outros que, com a mesma
coragem e dinamismo, não com menos perigo, vendiam suas
literaturas de forma itinerante, foram chamados de “colportores”.

Todos estes foram empreendedores, tiveram suas missões.


Alguns deles não foram bem aventurados, mas outros tiveram seus
nomes gravados na história.

Por este caminho, Jabez preferiu não apenas confiar na sua


perícia, na sua experiência, no seu poder ou na sua especificidade
(mais ilustre). Antes, preferiu confiar em Deus. Não pensou duas
vezes. Invocou a bênção divina: “me alargues as fronteiras”.

E o resultado de tudo isto? “Deus lhe concedeu o que havia


pedido”. Se pedirmos a Deus, dele receberemos. Temos que ser
específicos em nossas orações para com Deus, objetivos e
confiantes, pois alguém que duvida é semelhante à onda do mar,
impelida e agitada pelo vento. E: “não suponha este homem que
alcançará do Senhor alguma coisa” (Tiago 1.6,7).

Em Deus está o caminho do Triunfo (1 Crônicas 4.10).

“Me preserves do mal”. No processo de conquista, de viver, de ser


bem sucedido, de ser vitorioso, o elemento oposição e obstáculos é
peça chave. Tem seu caráter negativo e, ao mesmo tempo, tem o
seu caráter positivo.

Aquilo que se nos apresenta com o intuito de nos obstruir a


passagem, se bem resolvido, pode posteriormente se nos tornar em
abrigo, ponte ou representar qualquer outra coisa com função
positiva.

Aquilo que nos foi enviado para nos causar dor, pode ter como
efeito colateral o controlar as nossas fraquezas. Aquilo que é
entendido como “espinho na carne”, a nos fustigar e a nos maltratar,
pode contribuir para que sejamos supridos pela graça divina, para
que o nosso poder seja aperfeiçoado e para que sejamos fortes.
Como se diz proverbialmente: o valor de uma espada, por mais bela
ou feia, artesanal ou industrial, renomada ou simples, terá seu valor
confirmado e conferido apenas na batalha” (2 Coríntios 12.7-10).

Jesus mesmo nos ensinou na Oração Dominical o princípio de


que no mundo teríamos aflições, por isto a petição: “não nos deixe
cair em tentação, MAS, livra-nos do mal” (Mateus 6.13).

Em Deus está o caminho do Júbilo (1 Crônicas 4.10).

“Não me sobrevenha aflição”. Não acredito que aqui Jabez esteja


pedindo a Deus que, durante a sua vida, ele jamais venha gozar de
infelicidades e decepções ou qualquer outra situação que lhe cause
desconforto!

Se não é assim, então, o que ele quer dizer com estas palavras?
Possivelmente ele queira expressar pelo menos duas verdades. A
primeira, demonstra um desejo intenso de que não sofresse
injustamente. Que sofresse apenas por seus atos injustos (coisa
que nem sempre acontece). Porém, quando suas empreitadas
fossem válidas e justas, que ele não gozasse de desatino ou fosse
acometido de uma agudez da consciência.

E, como segunda verdade, podem estas palavras remeter à ideia


de que ele, como conquistador, só empreendesse campanhas
quando, orientado pelo cuidado divino, fosse alertado de tal forma
que não vacilasse em marchas na direção errada para não expor-se
ao ridículo.
Todos os seus empreendimentos, desta forma, seriam grandes
conquistas que redundariam em triunfos e júbilos. Mas isto só seria
possível uma vez que Deus o “abençoasse” e “a mão divina fosse
com ele”.

Quando José estava trabalhando nas empresas de Potifar, no


Egito, várias vezes o texto sagrado nos informa que “tudo o que ele
[José] fazia, o Senhor prosperava em suas mãos” (Gênesis
39.3,23).

Não há dúvidas de que desejamos ser prósperos em nossos


empreendimentos. Nos estudos, temos como objetivo ser melhores.
No trabalho, sermos reconhecidos. Na sociedade, sermos notáveis.
Na família, bem-aventurados.

Mas não devemos nos esquecer que todas estas coisas não são
atos. São processos. E todo processo implica em mudanças. E as
mudanças tendem a gerar traumas. E estes podem nos fazer bem
ou podem nos fazer mal. Como lidamos com eles fará toda a
diferença em nossa vida. Podem nos guiar ao sucesso ou ao
fracasso.

Não tenhamos dúvidas de que a forma como lidamos com todas


estas situações, frente aos traumas, certamente nos provocarão
feridas, nos marcarão. Porém, diante de todos estes tormentos,
jamais estaremos isentos da bênção de Deus. Será a bênção e a
mão divina, conosco e sobre nós, que nos preservará e fará com
que triunfemos, conquistemos e jubilemos!
5. O LIVRO DE ATOS E A ORAÇÃO

Tendo escolhido o Livro de Atos para uma reflexão sobre o tema


(Oração), o fiz no intuito de observarmos, no nascimento da Igreja,
como os seus fundadores, os apóstolos, se comportavam ou viviam
em relação à oração. E o seu comportamento, aprendido de Jesus,
inevitavelmente refletiu na vida da igreja nascente.
A Oração em Atos está estritamente ligada ao tema do Evangelho
de Lucas, uma vez que, segundo os historiadores, os dois livros
(Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos) são do mesmo autor,
Lucas (o médico amado, o gentio, amigo do apóstolo Paulo). Os
dois livros circulavam no primeiro século, na sua segunda metade,
juntos, como um só livro.

A igreja que estava nascendo sob os auspícios das mãos


apostólicas, era uma igreja que logo estaria comprometida em
atender o ensino apostólico sobre a nova doutrina. A oração
evidenciou-se, inicialmente, como um caminho sobremodo
excelente para o progresso da igreja e o discernimento desta e dos
novos cristãos quanto à assimilação da verdade. Os apóstolos,
entendendo isto, não querendo desviar-se de suas funções
apostólicas, perdendo tempo com o trivial e com o ordinário,
encarregaram pessoas para fazê-lo. Isto não significa que havia
demérito ou inferioridade nas atividades comunitárias, como o servir
à mesa, aos necessitados, função esta delegada aos Diáconos, mas
significava que era importante que os mesmos se dedicassem
exclusivamente, mas não unicamente, à “oração e ao ministério da
palavra” (Atos 6.4).

Tendo em vista que o Evangelho de Lucas é o Evangelho do


Servo, é natural que a ênfase quanto à oração recaia no aspecto
mais individual, na pessoa de Jesus. Já, quanto ao livro de Atos, é
também natural que a ênfase quanto à oração recaia mais no
aspecto coletivo, uma vez que se fala do coletivo, da igreja no seu
nascimento, onde há ênfase na necessidade, preciosidade e prazer
dos novos cristãos estarem juntos e desejarem compartilhar seus
bens, suas bênçãos e as novas experiências.

No texto do livro de Atos, das 24 informações diretas quanto à


oração e mais 6 alusões à mesma (totalizando 30 ocorrências que
falam sobre oração ou orações feitas), juntas, totalizam 23 ocasiões
que falam de orações diretamente (Atos 1.14; 1.24; 2.42; 3.1;
4.24,31; 6.4,6; 7.59,60; 8.15,17,24; 9.11; 9.40; 10.2,4; 12.5,12; 13.3;
14.23; 16.13,16; 16.25; 20.11; 20.36; 21.5; 22.17; 27.29; 27.35;
28.8): 15 vezes falam da oração feita em coletividade, sejam os
apóstolos juntos, sem a comunidade, ou os apóstolos com a
comunidade, ou então a comunidade ou parte dela, em locais
públicos ou particulares; apenas 8 vezes mencionam sobre oração
feita individualmente, com ênfase em algum dos apóstolos ou
poucas vezes a um cristão ou um “temente a Deus”.

Este fenômeno ou ênfase na oração em coletividade não significa


um demérito da oração individual, pois esta é, com muita
propriedade, o pano de fundo para a oração em coletividade; mas
significa sim que a comunidade era desejosa da contínua comunhão
para troca de novas experiências, aprendizado, ajuda mútua e muito
mais do que qualquer outro fator, sendo colaboradores ou
mensageiros desta nova doutrina (mais como um estilo de vida) que
estava mudando radicalmente a vida dos habitantes das suas
comunidades e trazendo esperança, presente e vindoura, para suas
vidas.

Analisando os textos de Atos que falam direta e indiretamente


sobre a oração, achei por bem poder dividir os textos em tópicos
temáticos, com o objetivo de analisarmos o seu conteúdo para
encontrarmos o cerne da motivação para a oração naquele
determinado momento em que oravam, acentuando, assim, a
importância da oração para a vida daquela comunidade cristã.
Os textos conforme estas divisões temáticas foram assim
agrupados:

1) Obediência: At. 1.14.

1) Dependência: 1.24.

1) Submissão: 4.24,31.

2) Religiosidade: 3.1; 16.13,16; 22.17.

3) Intercessão: 7.59,60; 12.5,12; 27.29.

4) Estilo de vida: 2.42; 9.11; 10.2,4; 16.25; 20.36; 21.5.

5) Ministério: 6.4; 6.6; 8.15,17; 8.24; 9.40; 13.3; 14.23; 20.11;


27.35; 28.8.

Pela disposição dos textos, logo percebemos que há uma ênfase


nas orações como Ministério, ou melhor, interligada diretamente à
vida ministerial dos apóstolos ou lideres da igreja nascente (10x).
Logo a seguir, uma ênfase nas orações como um estilo de vida, uma
prática individual ou coletiva, acentuada por uma vida caracterizada
pela dependência, alegria, submissão ou piedade, que estigmatiza a
vida cristã (6x).

Depois, os temas Religiosidade (3x) e Intercessão (3x) são


colocados como exercendo importância na vida da nossa igreja ou
individualmente, entre os cristãos, à medida que as circunstâncias o
exigem ou, no caso da religiosidade, quando se quer acentuar
algum aspecto relacionado a este fator.

Os demais tópicos ou temas (obediência: 1x, dependência: 1x,


submissão: 1x), por suas ocorrências únicas, não significam que
sejam de pouca importância, mas que eles estão diretamente
ligados aos outros temas majoritários, pois a ênfase do texto de
Atos recai sobre os tópicos majoritários, uma vez que o livro de Atos
está mais preocupado em enfatizar e descrever a ação do ministério
apostólico para a implantação e organização da igreja cristã e
também ao estilo de vida que a nova comunidade cristã vivia,
reflexo do poder da mensagem apostólica e entendimento da nova
comunidade quanto a viver sua vida conforme os pilares da fé cristã:
amor incondicional a Deus e amor equivalente a si e ao próximo
(Atos 2.42-47).

5.1 Outros textos: (Atos 1.14: Obediência; Atos 1.24:


Dependência; Atos 4.24,31: Submissão).

Atos 1.14 (Obediência: da esperança à fé).

Diz o texto acerca dos cristãos da Igreja Primitiva que “todos


estes perseveravam unânimes em oração...”. Bem poderíamos
colocar este texto para que fosse analisado dentro do tópico “Estilo
de vida”, mas o preferi tratar separadamente, pois, inicialmente, o
discípulos de Jesus que estavam ali reunidos, se deslocaram para
outro ponto, pois estavam aguardando o cumprimento de uma
promessa.

Mas, que promessa? Bem, todos voltaram para Jerusalém e,


entrando na cidade, foram para o cenáculo, onde se reuniam os
apóstolos ultimamente (Atos 1.13; João 20.19) e, com eles, outros
também se reuniam.

Ali estavam porque assim foram orientados. Depois de ter


ressuscitado, depois de se apresentar aos discípulos e apóstolos
com muitas provas incontestáveis, durante quarenta dias lhes
aparecendo (Atos 1.3), Jesus determinou que não se ausentassem
de Jerusalém (Atos 1.4), onde deveriam esperar o cumprimento da
promessa.

Que promessa? Da restauração do reino a Israel! (Atos 1.6). Mas


a preocupação dos apóstolos era em relação ao tempo, quando
aconteceria: “... será este o tempo em que restaures o reino?” (Atos
1.6). Jesus responde que muito mais importante do que saber
quando, é saber como (Atos 1.7): “... não vos compete saber tempos
ou épocas...”. Porém, como seria? (Atos 1.8): através do
revestimento do Espírito Santo! E o cumprimento da promessa seria
por meio da pregação do Evangelho, mediante a igreja, por meio
dos apóstolos (e dos discípulos), apresentando-se, tanto a judeus
quanto a gentios, com sinais e prodígios (Atos 1.8).

Então, saindo de onde estavam, no monte Olival (Atos 1.12),


foram para Jerusalém para esperarem o cumprimento da promessa,
o derramamento do Espírito Santo (Joel 2.28-32), Esperavam
orando!

Por isso, concluo que, muito mais do que uma evidência da marca
da igreja Primeira, ali estavam em obediência, orando pelo
cumprimento de tão grandiosa promessa que, naqueles dias,
aconteceria, no dia de Pentecostes! (Atos 2.1-4).

Atos 1.24 (Dependência: soberania divina na escolha).

Como evidência da soberania divina, este texto descreve a


escolha de Matias para o colégio apostólico, em detrimento de José
Barsabás (Atos 1.23).

Tudo aconteceu após os apóstolos voltarem para Jerusalém e, lá,


reunidos cerca de 120 pessoas (Atos 1.15), Pedro toma a palavra,
entendendo que, com a morte de Judas Iscariotes, outro deveria,
conforme as Escrituras, tomar o seu encargo (Atos 1.20).

O escolhido para o apostolado deveria ser um dos que


acompanharam todo o ministério de Jesus, começando no batismo
de João até a ascensão do Senhor Jesus (Atos 1.21,22). A
assembleia propôs os nomes de José, cognominado Barsabás e o
de Matias.

Assim, todos em oração, após ter chegado a estes dois nomes,


pediram a Deus que fosse indicado o escolhido (Atos 1.24) para
preencher a vaga no ministério e apostolado. Então, foi indicado o
nome de Matias, sendo-lhe votado lugar com os onze apóstolos.

A forma como chegaram ao nome de Matias tem sido motivo de


estudo e investigação. O texto diz apenas que, quanto aos nomes,
todos os “lançaram com sortes” (Atos 1.26). Mas, como isto
ocorreu? Qual o método ou processo utilizado para isto? É certo que
não sabemos. Tem-se conjecturado a possibilidade de se ter usado
métodos tais como o Urim e o Tumin (Êxodo 28.30), que eram duas
pedrinhas que ficavam no peitoral do Sumo Sacerdote e eram
usadas para lançar sortes.

De qualquer forma, não sabemos o que usaram (como objetos)


para lançarem sortes ou até mesmo se usaram objetos. O fato é que
Deus mesmo manifesta sua soberania na escolha daquele apontado
por ele para ingressar no colégio apostólico. Assim, os apóstolos e a
igreja mostraram-se dependentes completamente de Deus em suas
decisões e necessidades, como servos de Deus.

Atos 4.24,31 (Submissão: alegria e motivação na pregação).

O presente texto evidencia o caráter e a postura de Pedro e João


mediante as ameaças dos sacerdotes, membros do Sinédrio dos
judeus, que não se intimidaram e não deixaram de pregar o
Evangelho sendo, pelo contrário, motivados a pregá-lo com mais
autoridade: “pois nós não podemos deixar de falar das coisas que
vimos e ouvimos” (Atos 4.20). E ainda: “julgai se é justo diante de
Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus” (Atos 4.19).

Certamente que obedecer a Deus tem prioridade em relação a


obedecer aos homens. E por isto se alegraram e ergueram a voz em
oração, porque, submissos à missão, jamais deixariam de anunciar
o Evangelho, mesmo que fossem açoitados!

E a oração foi feita de forma intrépida e submissa: “agora, Senhor,


olha para as suas ameaças e concede a teus servos que anunciem
com toda a intrepidez a tua palavra” (Atos 4.39).
A análise destes textos de Atos dos Apóstolos demonstram a
importância da oração no contexto da implantação da igreja
Primitiva, no ministério apostólico e dos primeiros discípulos na
pregação evangélica e na organização da igreja.

5.2 Religiosidade: (Atos 3.1; 10.9; 10.30; 11.5; 16.13,16;


22.17).

Tem sido reconhecido que o homem é um ser iminentemente


religioso. Procurar aplacar a ira da divindade ou agradar-lhe através
de cultos e outras práticas de caráter religioso tem sido uma marca
presente nas mais primitivas comunidades, por mais rudes e
simples que sejam as pessoas.

Foi mesmo um filósofo que disse que jamais encontraríamos uma


sociedade, por mais primitiva que fosse, que não tivesse uma
“igreja” ou algum símbolo da religiosidade desse determinado povo.

Essa religiosidade, fruto da necessidade humana de relacionar-se


com um ser superior, em virtude das fraquezas humanas, é de um
proveito tamanho para a saúde psicológica e espiritual do homem. É
verdade que práticas religiosas muito agressivas também lhe pode
trazer transtornos irreversíveis.

A religião cristã é uma expressão de religiosidade e fé


fundamentada em princípios norteados prelas Escrituras Sagradas.
A razão não está excluída de sua expressão e a fé tem o seu devido
lugar na expressão dessa religiosidade.

Vejamos os textos bíblicos relacionados a este tema.

Atos 3.1 [(10.9; 10.30; 11.5): Prática da oração pública


preestabelecida].

Os judeus também tinham seus momentos públicos, particulares


ou coletivos de oração, no templo ou em outros lugares próprios. É
possível mesmo que até orassem de pé, no templo (Lucas 18.10,11)
e nos cantos das praças (Mateus 6.5).

A prática religiosa da oração em local público não está destituída


de sua piedade. Como judeus, Pedro e João foram ao templo para a
hora de oração. Era um costume e uma prática. E isto se tornou
propício para uma oportunidade de fazer o bem (Atos 3.6) e, assim
também, de testemunho da bondade de Deus (Atos 3.8).

Em Jope (Atos 9.43), onde havia ressuscitado uma discípula,


estando hospedado, não muitos dias, na casa de um curtidor
chamado Simão, Pedro subiu ao eirado, para orar (Atos 10.9).
Pedro era dedicado à oração e disto podemos deduzir dos demais
apóstolos. Sempre em seus momentos de oração, não como regra,
alguma coisa acontecia.

Pedro sendo orientado por Deus em visão, dirigiu-se à casa de


Cornélio, em Cesareia, que também havia tido uma visão (At 10.30).
Este foi orientado a buscar Pedro para ouvir a mensagem do
Evangelho (Atos 11.1-15).

No momento de oração, as visões aconteceram. E isto foi motivo


para que pessoas fossem abençoadas. E também fossem
orientadas: Pedro, a ir pregar o Evangelho aos da casa de Cornélio.
E Cornélio, orientado a buscar Pedro, para ouvir as suas palavras.

Os momentos de oração são propícios para confortar e consolar


os nossos corações. Por ser uma prática religiosa, conforme aqui
estamos delineando, precisamos tomar o cuidado por não tornar
este momento vazio e sem significado.

Atos 16.13,6 (Lugar propício para oração).

Em sua segunda viagem missionária, o apóstolo Paulo dirigiu-se,


depois de Nápoles, a Filipos, cidade da Macedônia (Atos 16.11,12).
Ali permaneceu alguns dias.
No sábado, quando saiu da cidade, indo para junto de um rio,
percebeu um lugar propício “de oração” (Atos 16.13). Algumas
mulheres que estavam ali ouviram as palavras de Paulo.

Uma destas mulheres, Lídia, da cidade de Tiatira, que para


aquele lugar se dirigira, ouviu o que Paulo dizia. Ela era temente a
Deus e este lhe abriu o coração para que atendesse às coisas que
ouvia de Paulo (Atos 16.14).

A prática da oração fez Paulo, em uma cidade por ele visitada, ir


logo à procura de um lugar propício à oração. E este lugar se tornou
oportuno para pregar a palavra e poder iniciar ali os primeiros
passos de uma igreja que seria muito importante e prolífera no
ministério deste apóstolo, a Igreja de Filipos.

Mas ali também foi um lugar oportuno para a realização de cura.


Quando, em outro momento, para aquele lugar se dirigiram, uma
jovem, possessa de espírito adivinhador, saiu ao encontro de Paulo
e de seus companheiros. Por vários dias ela importunou o apóstolo
e seu grupo. Paulo então a curou, saindo dela o espírito maligno
(Atos 16.17,18). A jovem foi curada, muito embora não tenhamos
mais notícias dela.

A prática da oração como expressão de religiosidade está


associada à nossa compreensão de que, como criação e criaturas
de Deus, caídos, mas restaurados, precisamos prestar homenagens
e devoção como expressão de gratidão a Deus. E a nossa
religiosidade, simples e pura no Deus excelso, nos torna confiantes
e dependentes dele, abrindo-nos portas de oportunidades para
abençoarmos e sermos abençoados.

5.3 Intercessão: [Atos 7.59,60; (8.24); 12.5,12; 27.29].

Este é um outro aspecto da oração muito importante porque nele


expressamos a Deus, propriamente ou por terceiros, a nossa dor, a
nossa vulnerabilidade e a nossa dependência da interferência divina
quanto a algum aspecto ou circunstância da nossa vida em um
determinado momento, ou como processo contínuo que nos traz
incômodo, angústia, inquietação e que não compreendemos o seu
significado.

Atos 7.59,60 (Intercessão por si e pelos inimigos).

Este texto fala sobre uma oração objetiva, mas profunda, como
sendo as últimas palavras de Estevão. Este foi um dos escolhidos
entre os sete para ser servidor das necessidades das viúvas dos
helenistas. Além de ser de boa reputação, cheio do Espírito e de
sabedoria, Estevão era muito eloquente (Atos 6.9). Cheio de graça e
poder, Estevão fazia prodígios e grandes sinais entre o povo (Atos
6.8).

Alguns membros e discípulos da sinagoga dos Libertos, dos


cirineus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e Ásia, não podendo, ao
discutir, vencer Estevão (Atos 6.9), através de mentiras e falsas
acusações, motivados, talvez por inveja, o levaram ao Sinédrio sob
a falsa acusação de que ele estava a proferir “blasfêmia contra
Moisés e contra Deus” (Atos 6.11).

Diante do Sinédrio, Estevão, com muita sabedoria e eloquência,


baseado na verdade e temor a Deus e à lei mosaica, com zelo e de
forma progressiva, expõe a sua fé. Ao acusá-los de não dar ouvidos
aos profetas e de terem perseguido e matado Jesus, enfureceram-
se seus acusadores e, lançando-o fora da cidade, não mais
suportando ouvir a verdade, o apedrejaram (Atos 7.51-53; 7.54).
Estevão, naquele momento, como que relembrando as palavras
últimas de Jesus na cruz, quanto a si, apenas pronunciou: “Senhor
Jesus, recebe o meu espírito!” (Atos 7.59). São palavras que
expressam a convicção de ter sido fiel e de ter cumprido cabalmente
a sua missão, como testemunho da verdade.

Mas, conforme o próprio testemunho do mestre que, na cruz,


intercedeu por seus algozes (“Pai, perdoa-lhes porque não sabem o
que fazem”, Lucas 23.34), Estevão também intercede por seus
assassinos, pedindo a Jesus que não lhes imputasse este pecado
(Atos 7.60). Assim morreu Estevão, a interceder.

Atos 12.5,12 (Intercessão a favor de Pedro).

Pedro havia sido preso por ordem de Herodes, que pretendia


maltratá-lo. Já havia matado Tiago (Atos 12.2), o apóstolo, irmão de
João. Iria apresentar Pedro após a páscoa (Atos 12.4) para o povo,
por perceber que isto agradaria os judeus (Atos 12.3).

Pedro, no cárcere, estava guardado e as orações da igreja a favor


dele eram intensas (Atos 12.5)! A igreja orava pela sua libertação.
Estava preocupada com o apóstolo Pedro. A igreja se colocou em
oração especificamente por Pedro, com o que podemos deduzir que
o objetivo era de que sua vida fosse poupada e, de forma ordinária
ou extraordinária, que ele fosse posto em liberdade.

As orações de intercessão são bastante singulares, pois tem um


efeito deveras prático. Na noite em que Pedro seria apresentado ao
povo, ele milagrosa e providencialmente foi libertado das suas
cadeias por um anjo (Atos 12.7,8).

Quando já livre, Pedro resolveu ir à casa de Maria, mãe de João,


cognominado Marcos. Eli percebeu que estavam orando (Atos
12.12). Tal foi a alegria e contentamento indizível que uma criada
teve ao ver Pedro livre que, ao abrir a porta da casa para que ele
entrasse, não conseguiu e, os outros, surpresos, tal rapidez nas
respostas divinas às orações, não acreditaram que Pedro estava ali
(Atos 12.14,15).

A oração de intercessão é bastante providencial e significativa,


pois evidencia a fé na intervenção e cuidado divino a nosso favor, ao
mesmo tempo que evidencia que pessoas se preocupam umas com
as outras nas suas angústias e dores, nas suas necessidades e
carências. Neste momento que se passa “pelo vale da sombra da
morte”, sabe-se que não se está sozinho, sendo isto não apenas um
lenitivo, mas também produz uma confiança tal que a vitória se
antecipa, tendo em vista a alegria e contentamento por sabermos
que não estamos sozinhos.

Atos 27.29 (Oração ante o perigo iminente).

Não há nada mais desesperador do que estar diante de situações


de iminente perigo que nos exigem decisões rápidas e técnicas.
Diante da possibilidade de um iminente naufrágio, por volta da meia
noite (Atos 27.27), a esperança da salvação já havia sido de toda
dissipada (Atos 27.20).

Eram 266 pessoas no navio com Paulo, em direção a Roma (Atos


27.37). O desespero era transparente. Os mais espertos tentariam
se livrar de alguma forma, em detrimento dos outros, mas isto seria
perigoso (Atos 27.31).

Diante desta situação, com um grupo diversificado, sem importar


qual a confissão ou credo religioso, só restava uma coisa a fazer
paralelamente à tentativa e esperança de achar terra: “orar” (Atos
27.29)! Isto, para que o dia rompesse. O significado disto é que,
nesta prece, estava incluída a súplica para que todos se salvassem.
Orar só para que o dia se rompesse não era de todo interessante,
mas o importante era que eles, vivos, suportassem os perigos até o
romper do dia, quando o perigo já não mais existisse ou pelo menos
na sua intensidade e fúria.

5.4 Estilo de vida: (Atos 2.42; 9.11; 10.2,4; 16.25; 20.36; 21.5).

Este é mais um aspecto que evidencia a importância da oração no


livro de Atos dos Apóstolos. A oração não estava apenas ligada ao
ministério apostólico, e não era apenas uma marca no ministério de
Jesus. Estava também ligada à vida diária e comunitária da igreja. A
oração era uma marca da Igreja Primitiva, como uma prática
devocional, tanto pública e coletiva, quanto individual e particular.
Atos 2.42 (A Igreja perseverava na oração).

Sem dúvida alguma, este é um dos textos mais lindos registrados


neste livro. Enquanto os apóstolos pregavam e anunciavam a Cristo,
enquanto a igreja crescia, dia após dia a igreja perseverava na
oração.

Suas orações eram o testemunho e evidência de uma alegria


indizível por fazerem parte da vida e da história da igreja. Era um
acontecimento singular na vida daquela comunidade. Queriam estar
juntos, queriam ouvir o doutrinamento apostólico, queriam ajudar-se
mutuamente, queriam orar juntos por qualquer motivo; na alegria ou
perseguição, havia motivação clara para se reunirem e orarem. A
oração era o respirar daquela igreja, e o respirar daquela igreja era
a oração.

Atos 9.11 (Saulo estava orando).

Saulo estava presente quando Estevão, sendo apedrejado, dirigiu


seus rogos a Deus para que este recebesse o seu espírito como
sinal da aprovação do seu ministério e da sua vida abnegada a dar
testemunho da fé (Atos 7.59).

Saulo deve ter ouvido quando, neste mesmo momento e


circunstância, Estevão, de joelhos, morrendo, ainda se dirigia a
Deus, como sendo suas últimas palavras, para que o Pai não
levasse em conta este ato assassínio dos judeus contra sua vida,
como quem dissesse: “não sabem o que fazem” (Atos 7.60).

Ali estava Saulo, ouvindo a oração de Estevão, presenciando a


morte deste e consentindo com o crime contra este executado (Atos
8.1).

Depois disto, Saulo engendrou uma perseguição tão grande aos


cristãos em Jerusalém e na Judeia que os apóstolos e cristãos
foram obrigados a fugirem e a se refugiarem em outras cidades e
países, como que sendo uma bênção esta perseguição para que a
semente do Evangelho fosse disseminada em todas as direções e
em todos os cantos do mundo (Atos 8.1).

Saulo, ainda com ímpeto ameaçador à igreja, com autorização do


Sumo Sacerdote, através de cartas, dirigiu-se para as sinagogas de
Damasco, para que, ao achar nestes lugares, cristãos, os
seguidores do “caminho” (Atos 9.2), os levasse presos para
Jerusalém.

No caminho, o perseguidor, que ficou cego, por não compreender


a gravidade do seu “ato de zelo” pela religião farisaica, teve uma
entrevista com o dono da igreja, o Senhor ressurreto, Jesus Cristo!
E a pergunta de Saulo, como resposta à pergunta de Jesus
(“Porque me persegues?”), era: “Quem és tu, Senhor?”.

Sendo orientado por Jesus, que lhe apareceu, seguiu para a casa
de Judas, em Damasco, que era um dos discípulos. Ao tentar abrir
os olhos, percebeu que não enxergava.

Ainda ali, em Damasco, outro discípulo, chamado Ananias, foi


orientado por Jesus a procurar Saulo na casa de Judas. E Jesus
continua: “pois ele está orando” (Atos 9.11).

Certamente esta seria a nova postura de Saulo, sempre obediente


e mostrando-se dependente e zeloso. Agora, não mais dependia da
autorização do sumo sacerdote para perseguir a igreja, pois ele
tinha autorização do Senhor da Igreja para promover o crescimento
da igreja. E, enquanto isto, ele apenas “orava”.

Atos 10.2,4 (As orações contínuas de Cornélio, o gentio).

Cornélio, o centurião romano, da coorte italiana, que morava em


Cesareia, era piedoso, temente a Deus com toda a família,
esmolava ao povo e, “de contínuo, orava a Deus” (Atos 10.2). Este
homem temente a Deus é um exemplo de um cristão que sabe
sobre a importância da oração. Não sabemos o que o mesmo orava,
mas as pistas do texto nos levam a crer que ele orava de forma
correta.

Dentre as motivações da oração, estava incluído o desejo de


conhecer mais sobre o Caminho. E o seu desejo foi atendido. Um
anjo, em uma visão, lhe apareceu e disse: “as tuas orações...
subiram para memória diante de Deus” (Atos 10.4).

Saber orar corretamente, conforme os exemplos de orações


registradas na Bíblia, feitas por pessoas piedosas e tementes a
Deus, nos ensinam pelo menos duas lições preciosas: a primeira, é
que oremos continuamente e metodicamente como evidência de
que dependemos de Deus. É uma marca e distintivo de que a
prática de oração é parte do nosso estilo de vida. A segunda, é que,
nas orações, não podemos ser relapsos e desmotivados, a despeito
da resposta, em relação ao tempo e ao modo de Deus respondê-las,
pois o mesmo não deixará que as nossas orações se percam no
vazio ou no esquecimento.

Atos 16.25 (Paulo e Silas oram na prisão).

Este é outro texto maravilhoso sobre a oração e sua prática. Orar


é um ato espontâneo e natural para o cristão. Ele ora em todo e
qualquer lugar e em toda e qualquer circunstância, porque esta é
para ele como o ar é para a vida, ou como a água o é para o nosso
viver.

Paulo e Silas foram presos porque estavam pregando o


Evangelho e, como resultado deste ministério, haviam curado uma
jovem que, possessa de espírito imundo que adivinhava, dava lucro
a homens de Belial que a governavam.

Curada a menina, não pode mais adivinhar. Os homens, irados,


pois perderam a fonte desonesta de seus dividendos, levaram Silas
e Paulo às autoridades, mas a acusação já era outra! Foram
acusados de “propagar e ensinar costumes não compatíveis com o
dos romanos”.
Mesmo a despeito de tais mentiras, foram acoitados e presos
acorrentados ao troco, quase que imóveis.

Eles não se intimidaram. Estavam tranquilos. Sim, tranquilos.


Eram inocentes, a acusação era falsa e, logo, a verdade viria à tona.
Enquanto isto, no cárcere, eles simplesmente cantavam e “oravam”
(Atos 16.21).

Os demais presos olhavam e escutavam estes que, inocentes,


presos, oravam e cantavam. Suas emoções não foram abaladas.
Demonstravam confiança em Deus. E o que acontece quando se
demonstra confiança e dependência de Deus?

Um terremoto sacudiu os alicerces da prisão. As portas se


abriram e todos se soltaram. Mas ninguém fugiu. As portas se
abriram, mas não eram estas as portas que os servos de Deus
queriam que estivessem abertas.

Quem pensa que o que um detento mais deseja enquanto preso é


que as grades se abram ou passagens secretas se façam existentes
na prisão para poderem sair, estão enganados.

É verdade que há muitos presos que planejam fugir das celas e


esconder-se das leis e autoridades, mas não é a maioria. Nas
cadeias há mais pessoas injustiçadas do que culpadas. Há pessoas
culpadas, mas que na punição foram injustiçadas. Há pessoas
inocentes esperando o julgamento e, então são inocentadas,
absolvidas. E há pessoas inocentes que, aguardando o julgamento,
são condenadas. E há pessoas culpadas que são condenadas
justamente. Este grupo é uma minoria.

Lá estavam Paulo e Silas orando e cantando, na prisão, onde


foram colocados injustamente. Um feito extraordinário aconteceu.
As portas e os grilhões se abriram, mas eles não fugiram. Eles
aguardavam as portas corretas se abrirem. Eles sabiam que eram
inocentes e, mais: cidadãos romanos! E mais do que isto: servos de
Deus!
Atos 20.36; 21.5 (Paulo se despede dos amigos).

Acho este texto muito precioso, pois fala de amigos e


companheiros de ministério que oram juntos. Faz-nos lembrar de
cenas de quando a igreja, junto com familiares, num culto de
despedida, envia algum missionário para um país distante ou um
leigo para outro Estado, para estudar no Seminário.

Digo isto, pois me vêm à memória os bons momentos quando fui


enviado ao Seminário Presbiteriano em Belo Horizonte, pela
Segunda Igreja Presbiteriana de Linhares-ES. Foram momentos
inesquecíveis.

Tinha já demonstrado um bom trabalho. Em um culto, o último que


assistiríamos em nossa igreja antes de ser enviado ao Seminário,
muitos de nós choramos, e choramos muito, de alegria. Foram
momentos maravilhosos.

Certamente a cena de Paulo despedindo-se dos seus amigos e


companheiros foi mais linda e singular. Por quê? Porque eles não se
veriam mais!

De Mileto, Paulo manda chamar os presbíteros da igreja de Éfeso


(Atos 20.17). O sermão e a palavra dirigidos aos seus companheiros
de labor foram magistrais. E o tom paternal e de despedida
encarregou-se de tornar o momento mais especial e único. Não
haveria de ser diferente. Houve grande pranto entre todos à medida
que, afetuosamente, abraçavam e beijavam Paulo. Eles, neste
momento, estavam ajoelhados e oravam. Paulo ora com todos eles
(Atos 20.36,37). Queria ter visto esta cena e ter estado ali com eles.

Faz-me lembrar, ainda, a cena da despedida de Jesus dos seus


mais chegados amigos, os apóstolos, no momento da sua última
Eucaristia. Estando com eles, Jesus lhes disse: “vós sois meus
amigos, se fizerdes o que vos mando” (João 15.14).
Todos os amigos de Paulo que estavam com ele naquele
momento, os presbíteros, estavam entristecidos, porque ele havia
dito que não veriam mais o seu rosto. Era uma despedida (Atos
20.38).

Depois que Paulo embarcou, passou por vários lugares (Cós,


Rodes, Pátara) até chegar a Tiro, onde ali ficaram sete dias
hospedados com amigos (Atos 21.4). Depois prosseguiram viagem,
sendo, ao embarcar, acompanhados por todos ali, seus amigos,
cada um com suas mulheres e filhos. Acompanharam Paulo e os
demais até fora da cidade, onde, ajoelhados na praia, oraram (Atos
21.5). Ali, se despediram (Atos 21.6).

São momentos maravilhosos, todos estes, que evidenciam que a


oração é um ingrediente natural e prescrito na vida de todos aqueles
que temem a Deus e desejam fazer-lhe a vontade, obedecendo-o.
Estes oram em todos os momentos de suas vidas, em todas as
circunstâncias: uma prática devocional, uma prática diária, em
momentos singulares, únicos, tristes, alegres, chegados ou
despedidos; enfim, oram continuamente. É o estilo de vida dos
cristãos!

5.5 Ministério: (Atos 6.4-6; 8.15,17; 8.24; 9.40; 13.3; 14.23;


20.11; 27.35; 28.8).

Os textos seguintes foram agrupados dentro do contexto do


ministério apostólico. Os apóstolos foram os doze dentre os
discípulos de Jesus, escolhidos para estarem com ele de uma forma
mais particular e especial, desempenhando um ministério singular.
Após passar a noite orando, Jesus chamou os seus discípulos e
escolheu doze dentre eles, dando-lhes o nome de Apóstolos (Lucas
6.12,13). Enviado, no singular, é o que significa o termo “apóstolo”.

Os apóstolos são apenas em número de doze: um se extraviou,


para que se cumprissem as Escrituras, e outro tomou o seu
encargo. Escolhido um substituto sob a orientação do Colégio
Apostólico e aos auspícios do Espírito Santo, sendo dois indicados,
José, chamado de Barsabás, cognominado Justo, e Matias. O
segundo foi escolhido por soberana providência (Atos 1.20-26).

Paulo também é reconhecido, posteriormente, como Apóstolo,


pelos apóstolos, pois os mesmos não se opuseram a esta
designação e aquele teve a aprovação da comunidade cristã. Claro
que estes critérios não são suficientes e não se bastam. Foi preciso
o reconhecimento e aprovação divina.

Quanto à escolha de Matias para o Colégio Apostólico, eis o


critério simplificado: “que nos acompanharam todo o tempo em que
o Senhor Jesus andou entre nós, começando no batismo de João,
até ao dia em que diante de nós foi levado às alturas...” (Atos
1.21,22).

Quanto a Paulo, ele se diz apóstolo como que nascido fora do


tempo. Mas foi chamado diretamente por Jesus (Atos 9.4,5,15,16).

Paulo se intitulava apóstolo de Jesus e o mesmo, nesta


dignidade, foi aceito na comunidade cristã (Romanos 1.1; 1
Coríntios 1.1; 2 Coríntios 1.1). As credenciais apostólicas foram
apresentadas por ele entre os coríntios: sinais, prodígios, poderes
miraculosos (2 Coríntios 12.12).

Fora estes, não há mais apóstolos, pois somente estes foram


chamados por Cristo para desempenharem uma função específica
na história: fundar a igreja do Senhor, preparando-a como Agência
do Reino de Deus no mundo para reunir o povo eleito, escolhido e
comprado desde a fundação do mundo, pago com o precioso
sangue daquele que se fez digno de ser o Senhor e dono da Igreja.

Vejamos alguns textos de Atos sobre oração que estão


diretamente ligados ao ministério apostólico e, por extensão, à
medida que a igreja cresce, outros são outorgados como novos
líderes (os presbíteros).

Atos 6.4-6 (Escolha dos Diáconos).


igreja estava crescendo à medida que, por mãos dos apóstolos,
se realizavam sinais e à medida que os mesmos anunciavam o
Evangelho e conclamavam o povo a arrepender-se.

Dentre a prática da nova comunidade, o amor fraterno era


evidenciado e a renúncia de bens a favor dos membros da
comunidade, menos favorecidos ou necessitados, era uma prática
natural e espontânea (Atos 4.36,37). A administração é um dom de
Deus, mas os homens, encarregados deste mister, podem cometer
erros. Assim, as viúvas dos helenistas estavam sendo esquecidas
quanto a administração diária.

Então, os apóstolos convocaram a comunidade dos discípulos


para uma reunião. O problema precisava ser resolvido. E a decisão
deveria partir daqueles que eram as pedras da nova construção.
Este problema não deveria e nem poderia prejudicar o andamento
da implantação e crescimento da igreja. Mas, também, os apóstolos
não poderiam ser sobrecarregados com mais esta tarefa. Boas
decisões são importantes nestes momentos (veja Êxodo 18.13-27).

Os apóstolos vaticinaram sabiamente: “não é razoável que nós


abandonemos a palavra de Deus para servir as mesas”. Não é
pretexto para uma falsa humildade e nem é falta de humildade. Eles
eram os homens de frente na igreja nascente. Precisavam dedicar-
se ao estudo das Escrituras para orientar corretamente os novos
conversos. E este preparo exige abnegação e dedicação.

Mas o “servir às mesas”, muito embora fosse serviço


administrativo e sem complicações, não deveria ser realizado por
qualquer um. Assim era o entendimento apostólico. E quem deveria
escolher estas pessoas para o serviço ora referido, seria a própria
comunidade dos discípulos. E os escolhidos seriam confirmados no
encargo pelos apóstolos, após apresentarem algumas credenciais:
homens de boa reputação, cheios do Espírito (Santo) e de
sabedoria.
Tempos depois, estes seriam chamados de “Diáconos” (= servo;
aquele que serve) e novas credenciais, como exigências, seriam
acrescentadas: respeitáveis, de uma só palavra, não inclinados a
muito vinho, não cobiçosos de sórdida ganância, marido de uma só
mulher e que governe bem os filhos e a própria casa (1 Timóteo 3.8-
13).

Sete, conforme o número indicado pelos apóstolos, foram


escolhidos e, após serem “empossados” em seu ministério, foram
encarregados deste serviço.

As palavras apostólicas para si eram: “nos consagraremos à


oração e ao ministério da palavra”. Quando os sete escolhidos pela
comunidade foram apresentados aos apóstolos, estes, “orando, lhes
impuseram as mãos”.

Esta oração dos apóstolos pelos sete escolhidos era uma oração
específica autorizando e reconhecendo o ministério ou oficio dos
Diáconos.

Toda a comunidade cristã ora. Esta oração é uma marca que


evidencia a dependência da igreja ao seu Senhor! Contudo esta
oração “especifica”, com imposição de mãos (Atos 6.6), está
relacionada ao ministério apostólico e estendida aos presbíteros e
líderes da igreja para consagração de oficiais e outros no
direcionamento e condução da igreja (1 Timóteo 2.8; Tito 1.5).

Atos 8.15, 17, 24 (Derramamento do Espírito Santo sobre os


samaritanos).

Filipe havia descido para Samaria para pregar o Evangelho. Ele


era um dos sete escolhidos para serem Diáconos e servir à Igreja.
Este jovem tinha qualidades a mais e logo se destacou. Ele era um
grande expositor da Palavra.

Em Samaria, as pessoas atenderam ao seu ensino e pregação e,


por isso, foram batizadas. Estes que iam sendo batizados, o
acompanhavam observando, extasiados, os sinais e grandes
milagres praticados.

Ainda em Samaria, havia um mágico chamado Simão que iludia o


povo com a sua mágica, insinuando ser ele um grande vulto. Mas
ele próprio havendo abraçado a fé, logo foi batizado e seguia a
Filipe.

Os apóstolos, de Jerusalém, ouvindo que os de Samaria também


receberam a palavra de Deus, enviaram Pedro e João para lá.
Estes, uma vez em Samaria, oraram para que os novos conversos
recebessem o Espírito. Para receberem o Espírito, os apóstolos lhes
impunha as mãos.

Também este texto está estritamente ligado ao ministério


apostólico, não exclusivamente, mas certamente ligado ao período
apostólico. Mais um texto relacionado a implantação da igreja.

Se receber o Espírito Santo (Atos 8.15) é equivalente ou


correspondente ao derramar o “dom” do Espírito Santo (Atos 10.45;
2.38), então este fenômeno, receber o Espírito Santo, é equivalente
à salvação e a confirmação dos salvos como resposta à confissão
da boa-fé, ou o contrário. Isto, muito embora em Atos 10.44-48 os
gentios recebessem o dom do Espírito Santo para depois serem
batizados. Já quanto aos samaritanos, estes foram batizados e só
depois é que receberam o Espírito Santo.

No versículo 24 (Atos 8.24), Simão, o mágico, mal intencionado,


recebe uma severa repreensão dos apóstolos Pedro e João. Mas,
logo após ser exortado pelos mesmos apóstolos para que ele se
arrependesse, Simão pediu que “rogassem” por ele para que fosse
batizado.

Atos 9.40 (Pedro ressuscita a discípula Dorcas).

Neste texto vemos um fato realmente atípico, fora do contexto


relacionado à pessoa de Jesus, muito embora inteiramente
subordinado: um apóstolo, Pedro, ressuscita uma senhora.

Como Pedro fez isto? Ele se aproximou, colocou-se de joelhos,


orou, voltou-se para o corpo da mulher morta (Dorcas) e, dirigindo-
lhe a palavra, disse: “Tabita, levanta-te!”.

Antes disto, diretamente relacionado à pessoa do apóstolo Pedro,


vemos um fato ao contrário: a morte de Ananias e Safira (Atos 5.1-
11), os discípulos que foram achados em falta diante de Deus, por
se entregarem à dissimulação da mentira.

Novamente, ligado diretamente a Pedro e João, agora, nem morte


e nem ressurreição, mas uma cura física (Atos 3.1-10) efetuada no
templo, quando aqueles subiram ao templo para orar.

Outras curas, no livro de Atos, são registradas para autenticar o


ministério apostólico e demonstrar a ação do Espírito Santo neste
processo de implantação da igreja nascente.

Atos 13.3 (Envio de missionários para o campo).

A liderança da igreja de Antioquia estava reunida. Antioquia tinha


uma igreja forte e uma liderança preparada. Mas isto não é tudo.
Eles eram dedicados no serviço do Senhor. Aprenderam o exemplo
apostólico que, diante de todo serviço de culto relacionado à
liderança, o preparo destes e as atividades relacionadas ao
ministério, oravam e impunham as mãos, como servos obedientes.

Entre os profetas e mestres que havia em Antioquia, o apostolo


Paulo estava incluído. Ainda atendia pelo nome de Saulo. Tendo a
igreja de Antioquia uma atitude de serviço (culto, liturgia) ao Senhor
e, em jejum, ouviram do Espírito Santo a recomendação para que
Saulo e Barnabé fossem separados para iniciar a primeira das
grandes viagens missionárias.

Estes (Barnabé e Saulo) que também estavam incluídos entre os


profetas e mestres entre os outros que estavam em Antioquia, foram
enviados ao campo missionário após atos de jejum e de oração com
a imposição de mãos. Desta forma foram despedidos.

Atos 14.23 (Eleição de presbíteros).

Paulo e Barnabé retornaram da primeira viagem missionária, já


com igrejas recém-nascidas. Assim, de Lista, Icônio e Antioquia da
Pisídia, fortaleciam a alma dos discípulos, exortando-os a
permanecerem na fé. E o texto continua: “... promovendo-lhes, em
cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns”.

Este orar com jejuns está ligado diretamente à promoção da


eleição de presbíteros. Era um orar pela consagração e confirmação
pública daqueles que foram escolhidos pela comunidade e
empossados pelos apóstolos ou pela liderança da igreja local, sob
os auspícios dos apóstolos, conforme orientação e recomendações
prévias daqueles quanto às credenciais e atributos que o oficialato
requeria como tal.

Atos 20.11; Atos 27.35 (“Partir do pão”).

No primeiro texto (Atos 20.11), em Trôade, a oração antecedia a


consagração dos elementos da Eucaristia, a Santa Ceia. Este partir
do pão se refere claramente à Eucaristia, conforme o verso 7 (Atos
20.7), sendo o primeiro dia da semana, Domingo, lá em Trôade,
conforme o costume apostólico e da Igreja Primitiva de reunir-se
para o partir do pão neste dia (1 Coríntios 16.2; At 20.7; João
20.19). Neste texto, a referência à oração é explícita.

Já no segundo texto (Atos 27.35), a referência à oração é


implícita, conforme as seguintes palavras: “deu graças a Deus”, uma
clara referência à gratidão pelo alimento e pela vida, muito embora,
neste texto, não esteja totalmente claro que fosse a celebração da
Eucaristia.
Por pelo menos três razões neste texto, acredito não se referir à
Eucaristia, muito embora tenha eu colocado neste ponto, pela
ênfase da oração feita pelo apóstolo Paulo.

A primeira razão é que neste texto há a seguinte referência:


“tomando um pão” (ver João 21.13). Nos textos que se referem à
Eucaristia, assim é escrito: “partiu o pão” (Atos 20.11; 1 Coríntios
11.24; Mateus 26.26: aqui, “tomou e partiu”).

Uma segunda razão é que as pessoas que se encontravam com


Paulo no barco não eram convertidas ainda, não eram cristãs e isto
não permitiria que Paulo, com insensatez, participasse os elementos
da Eucaristia com incrédulos ou, pelo menos, com não servos de
Jesus Cristo (Atos 27.1).

Uma terceira razão está relacionada ao fato de que Paulo,


insistentemente, exortava os prisioneiros e os outros passageiros a
que se alimentassem, pois já havia quatorze dias que não se
alimentavam (Atos 27.33), o apóstolo rogava que comessem alguma
coisa para a segurança de cada um (Atos 27.34).

A oração para consagração dos elementos da Eucaristia,


conforme a orientação de Jesus (Mateus 26.26) e dos apóstolos, era
marca registrada para a ministração de tão grande mistério.

Atos 28.8 (Cura do pai de Públio, por Paulo).

Este é um dentre os mais diversos feitos extraordinários ou, pelo


menos, não necessariamente ordinários, realizados pelos apóstolos
ou no contexto apostólico, quando da implantação da igreja.

Isto aconteceu quando da viagem de Paulo para Roma como


prisioneiro. Com o naufrágio, após vários dias no mar, o barco
quase indo a pique, todo destroçado, conseguiu dar em terra.
Verificou-se que estavam em uma ilha chamada Malta.
Perto daquele lugar havia um sítio pertencente ao homem
principal da ilha, chamado Públio. Foram ali hospedados por três
dias. Com disenteria e febre, estava o pai deste homem Públio.
Paulo orou, impôs sobre ele as mãos e o “curou”.

Todos estes textos que acabamos de trazer à lume estão


diretamente ligados ao ministério apostólico ou à ação apostólica,
como feitos ordinários e extraordinários. São importantes os
exemplos coletados ligados diretamente à oração dos apóstolos.
Estes entenderam que eram servos e, mesmo com autoridade, não
menosprezaram a importância da oração para o cumprimento da
sua missão.
CONCLUSÃO

Quando me propus a levantar tópicos bíblicos sobre oração, os fiz


separando-os e analisando-os conforme o método devocional e
bíblico, mas sem preocupação científica, o que não isenta o
presente trabalho de conter orientações e princípios básicos das
pesquisas com objetivo de revisão bibliográfica.
Após concluir este trabalho, pude, mais claramente, perceber a
importância da oração na vida da igreja, dos cristãos e das pessoas
piedosas, retirando as seguintes lições:

A oração evidencia uma vida que é postulada pela intimidade


do homem com Deus, pois é a sua crença e a sua profissão de fé.
Neste bojo, o temor a Deus está embutido, pois, quanto mais temos
temor a Deus, mais temos intimidade com ele.

As nossas orações refletem o conhecimento que temos de


Deus, sabendo-se que a intimidade pressupõe o conhecimento e o
conhecimento nos habilita agir corretamente e portarmo-nos
corretamente. Deus se faz conhecido a nós para que saibamos a
maneira correta de nos aproximarmos dele.

As nossas orações, postuladas na intimidade com Deus e no


conhecimento do seu ser, evidencia a nossa firme confiança de
que aquilo que pedimos, de Deus recebemos. Confiança de que as
nossas orações não são meras palavras ao ar, mas são palavras
sábias, desprovidas de maldades, recheadas de confiança e de
humildade que, no nosso íntimo, já sentencia: “Deus nos concedeu
o que lhe pedimos” (1 Crônicas 4.10).

Meu desejo é que as nossas orações sejam o nosso viver, e o


nosso viver seja a nossa oração. Oração não apenas em palavras,
mas também Oração em Atos.
NOTA

“IMPOR AS MÃOS”. As referências que falam sobre “impor as


mãos” estão no contexto da consagração dos novos servidores, os
diáconos, para ajudarem na distribuição (Atos 6.6) e no contexto
relacionado aos samaritanos que haviam recebido a palavra e que
também já haviam sido batizados, quando os apóstolos lhe
“impuseram as mãos” para que recebessem o Espírito Santo (Atos
8.17). Há referência também à imposição de mãos para, após serem
escolhidos e indicados pelo Espírito Santo, dispensar e abençoar os
novos missionários, sob os auspícios da igreja (Atos 13.3). Também,
após a promoção de eleição dos novos presbíteros para as novas
igrejas, resultantes da Primeira Viagem Missionária, os mesmos
eram consagrados ao ofício mediante a oração e a imposição de
mãos apostólicas e/ou da liderança da igreja (Atos 14.230); muito
embora neste texto não esteja explícita a imposição de mãos, a
declaração é clara, tendo em vista que este era o costume e praxe
apostólica (Atos 6.6; 1Timóteo 5.20). E, finalmente, quando do
naufrágio, Paulo, na ilha de Malta, ao curar o pai de Públio, que
estava com disenteria e altíssima febre, após orar, lhe impôs as
mãos (Atos 28.8). Todos estes textos e referências evidenciam que
o “impor as mãos”, muito embora não seja revestido de algum dom
mágico ou de caráter milagroso, era uma prática apostólica
relacionada ao seu ministério, de tal sorte que estava mais
vinculada às ações e prática do ministério apostólico, acompanhada
da oração, como sinal público de sua autoridade. Não há nenhuma
proibição na Bíblia para que os cristãos sejam impedidos de “impor
as mãos” sobre outras pessoas, desde que fique entendido que esta
não era a prática da Igreja Primitiva relacionada à vida central dos
membros da igreja e que, esta prática, não tem caráter milagroso ou
mágico. Serve como orientação a pessoas que, ignorantes à prática
apostólica e destituída de autoridade eclesiástica, não se esqueçam
da recomendação do apóstolo Paulo ao jovem Timóteo, pastor e
presbítero, de que não deveria, precipitadamente, “impor as mãos”
sobre as pessoas (1 Timóteo 5.22), pois o mesmo estava revestido
de autoridade eclesiástica.

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