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Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

Faculdade de Ciências Humanas


Curso de Psicologia
Psicologia da Personalidade – 2023.2

Estudo de Caso em Psicologia da Personalidade

Análise do caso do conto ‘Velório do velho Albuquerque’

Isabelly Godoi dos Santos (RGA: 202230030130)

Maria Clara Dias Trindade (RGA: 2022300320300)

Mariana Jacques Bergamo (RGA: 202230030024)

Trabalho apresentado como parte da

Avaliação A2 da disciplina Psicologia da

Personalidade ministrada pelo Prof. Dr.

Alexandre José de Souza Peres.

Campo Grande, 24 de novembro de 2023.


Resumo

Este trabalho tem o intuito de comtemplar o conteúdo de Transtornos de Personalidade em

narrativa histórica. Para tanto, primeiramente é apresentado a elaboração de um conto, contento

três personagens, chamados Rafael, Leonardo e Michelangelo, os quais cada um apresenta

comportamentos típicos de um transtorno de personalidade, respectivamente: Paranoide,

Esquizoide e Histriônico. Posteriormente, serão apresentados os sinais e sintomas de cada um

dos personagens de acordo com o DSM-5, visto que estes foram criados a partir do uso de pelo

menos 5 comportamentos apresentados no Manual Diagnóstico. Em seguida, será realizado um

diagnóstico de cada personagem, relacionando os sinais e sintomas com as descrições feitas no

conto.

Palavras-chave: Transtorno de personalidade; Paranoide; Esquizoide; Histriônico;

DSM-5.

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O velório do velho Albuquerque

No outono de 1980, o grande autor de livros de suspense Nicolau Corrêa Albuquerque

morreu sozinho em sua mansão afastada, no interior de Minas Gerais, deixando sua fortuna

para os três filhos que não mantinha muito contato: Leonardo, Rafael e Michelangelo.

No dia do velório Leonardo estava num canto, quase escondido, só observando sua

família com cara de quem não queria estar ali. Enquanto isso, Michelangelo está em frente ao

caixão chorando copiosamente, mas sem nenhuma lágrima. A verdade é que ele se sente

inadequado no ambiente, por isso precisa que os outros olhem para seu sofrimento.

E, por último, temos Rafael, que está no meio das pessoas que prestam condolências

ao morto, mas ele não estava olhando o morto, não. Não. Até porque, ele guardava um rancor

de seu pai. Por que? Bem, poderíamos dizer que simplesmente se lembra exatamente do dia

(24 de janeiro de 1955) em que seu pai deu a cada filho uma bicicleta, mas a dele claramente

era a mais barata, claramente o pai fizera de propósito e dera a ele a mais cafona, com certeza

o pai deve ter comprado a dele num lugar diferente da que comprou as bicicletas dos irmãos.

Bem, pelo menos era isso que ele pensava.

Voltando ao assunto, Rafael não olhava para o defunto, ele estava observando seus

irmãos, desconfiado como sempre. Ele nunca se sentiu o filho favorito, sempre foram seus

irmãos. E agora, ele estava pensando que seus irmãos iriam tramar contra ele, que iriam pegar

toda a herança e deixá-lo sem nada. Ah, sim. Com certeza não poderia confiar na lealdade dos

irmãos. Bem, pelo menos era o que ele pensava.

Mas enquanto Rafael pensava isso, Michelangelo, lá na frente, estava recebendo

condolência de todos, era abraçado por várias pessoas próximas de seu pai, inclusive falava

do velhinho como se o tivesse visto ontem mesmo, mas, na verdade, fazia anos que não o via.

Porém, então vê uma mulher muito bonita, a ex-secretária de seu pai, Frida. E nossa! Como

ela era linda! Ele percebeu que ela não usava aliança, e sinceramente? Mesmo se usasse.

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Então pensou em como faria para que ela o olhasse. Será que se chorasse mais, ela viria dar

atenção a ele e prestaria suas condolências com um abraço? Ou, ele deveria tentar outra coisa?

E se desmaiasse ali na frente de todos? Ele então olhou ao seu redor e se jogou ao chão.

Muitas pessoas ficaram preocupadas e vieram ajudá-lo, mas Frida não foi. Quando

Michelangelo olhou ao seu redor, viu-a perto de Rafael, ela o estava cumprimentando. Não

seria possível aquilo, como o irmão havia conseguido conquistar a atenção dela? Diante dessa

frustração, ele rapidamente se levanta e vai ao encontro daqueles dois. Ah não, aquilo não

ficaria assim, pensava Michelangelo. Ele desfez sua cara de ódio e tornou a fazer uma cara

triste de cachorrinho que caiu da mudança. Chegou perto e disse:

— Olá irmão - e o cumprimentou com um abraço como se fossem próximos. Rafael

olhou de esgueira para Michelangelo, aí estava a prova de que ele tentaria roubar sua herança,

mas então respondeu:

— Olá Michel, o que o traz para perto de mim?


— Não posso vir falar com meu irmão querido? Oh, olhe só quem está aqui! Frida,

que prazer em revê-la! — diz já pegando a moça pela cintura para poder abraçá-la. Quando a

solta, continua fazendo carinho na cintura da mesma.

Michelangelo, com a voz agora trêmula, continua dizendo:

— Estou tão triste com a morte de meu pai, Frida… não sei nem descrever a falta que

ele fará em minha vida… - enquanto puxa a moça para lamentar em seu peito.

Rafael, cansado daquele papinho de seu irmão, sai de perto sem nem se despedir. Seus

olhos procuram por seu outro irmão para perceber então que Leonardo não está mais lá. Deve

ter ido bolar o plano sozinho para lhe tirar a herança, bem, pelo menos foi o que ele pensava.

No entanto, onde estava Leonardo? Ah, sim, ele saiu do velório depois de 10 minutos

que havia começado, quando percebeu que nenhum de seus irmãos estava prestando atenção

nele, nem o resto dos convidados já que Michelangelo fazia questão de chamar a atenção de

todos para si. Desde o começo da vida adulta ele era assim, foi o primeiro a sair de casa já não

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fazia questão de estar com a família, na verdade ele até preferia estar longe deles, e por isso

vivia sozinho, em uma cidade calma afastada dalí. Havia anos que não via seu pai; o velho

estava sempre viajando, e quando estava em casa, Leonardo não vinha visitá-lo. E também,

não sentia dor diante daquele acontecimento fatal, afinal pessoas morrem toda hora, e seu pai

foi apenas mais um que fechou os olhos para sempre. Uma coisa que gostava mesmo era de

ler sozinho suas histórias de suspense em seu quarto. Era somente isso que lhe dava prazer. E

lá estava ele de novo, em seu antigo quarto na mansão, lendo.

Voltemos um pouco ao velório, meu caro leitor, ou melhor, expectador. Choro vai,

desconfiança vem, Rafael fica agoniado com o sumiço de Leonardo e vai procurá-lo. Leo era

o mais velho, e com certeza achava que tinha direito de ficar com sua parte da herança. Então

vai ao único lugar que o irmão recluso pode estar bolando um plano para roubá-lo:

— Então aqui está você né, o filho mais velho… - ele dá uma pausa e o olha

intensamente - O que está tramando?

Leonardo faz pouco caso daquilo, não se importa com o que seu irmão fala, apenas

revira o olho, afinal o irmão sempre foi desconfiado. Mas Rafael continua, agora gritando:

— Diga logo, está tramando para pegar a herança, não está?

Leonardo novamente nem faz questão, mostrando-se indiferente diante das críticas

sem fundamento de seu irmão. Só que, seu irmão não para:

— Não vai dizer nada né? Eu sabia que estava certo! - e vai embora, batendo a porta.

Rafael, com a certeza de que seus irmãos estão bolando um plano contra ele para pegar

toda a herança do pai (bem, pelo menos era o que ele pensava), acha isso um ataque a seu

caráter e reputação, e decide rapidamente que também ia agir, iria fazer uma estratégia e pegar

tudo para si: incriminando seus irmãos da morte de seu pai.

Mas isso, meu caro leitor, é história para outro momento.

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Sinais e sintomas das personagens

Rafael: De acordo com o DSM-5 (2023, p.739), o Transtorno da Personalidade

Paranoide apresenta ‘um padrão difuso de desconfiança e suspeita difusa dos outros, de modo

que suas motivações são interpretadas como malévolas’. Os sinais e sintomas destacados do

DSM-5 (2023) são: suspeita, sem embasamento suficiente, de estar sendo enganado; dúvida

injustificável acerca da confiabilidade de outras pessoas; percepção de significados ocultos

humilhantes em eventos benignos; guardar rancor de forma persistente; perceber ataques a seu

caráter ou reputação (que outros não veem); reagir com raiva e contra-atacar rapidamente.

Leonardo: Segundo o DSM-5 (2023, p. 653) o Transtorno de personalidade

Esquizoide apresenta ‘um padrão difuso de distanciamento das relações sociais e uma faixa

restrita de expressão de emoções em contextos interpessoais’. A partir disso, foram usados os

seguintes sinais e sintomas destacados no DSM-5 (2023): a pessoa não deseja nem desfruta de

relações íntimas, inclusive ser parte de uma família; quase sempre opta por atividades

solitárias; tem prazer em poucas atividades, por vezes em nenhuma; mostra-se indiferente ao

elogio ou à crítica de outros, e demonstra de frieza emocional e distanciamento.

Michelangelo: Conforme o DSM-5 (2023, p.667), o Transtorno da

Personalidade Histriônico apresenta ‘um padrão difuso de emocionalidade e busca de atenção

em excesso’. Assim, usou-se os seguintes sinais e sintomas destacados no DSM-5 (2023):

desconforto em situações em que não é o centro das atenções; interação com os outros

frequentemente caracterizada por comportamento sexualmente sedutor inadequado; exibição

de mudanças rápidas e expressão superficial das emoções; uso reiterado da aparência física

para atrair a atenção; mostra autodramatização, teatralidade e expressão exagerada das

emoções, e por fim, considera as relações pessoais mais íntimas do que na realidade são.

Destaca-se que esses sinais e sintomas surgem no início da vida adulta e estão

presentes em vários contextos da vida da pessoa (padrão difuso).

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Formulação do Diagnóstico

Rafael

Rafael apresenta Transtorno da Personalidade Paranoide. Desde do início da história,

ele se mostra um pouco distante do caixão e sem se importar muito com o velório em si, visto

que guarda rancor persistentemente do falecido -seu pai-. Este comportamento se dá porque

ele acredita haver um significado oculto e humilhante em um evento de sua infância: para ele,

o pai presenteou seus irmãos com bicicletas melhores e mais bonitas do que a dele (um evento

benigno).

Outro sintoma envolve a suspeita, o tempo todo, de ser enganado por seus irmãos,

mesmo não tendo embasamento suficiente, preocupando-se acerca da confiabilidade deles.

Isso se dá em praticamente toda a história, pois ele acredita que Michelangelo e Leonardo são

os filhos favoritos e por isso estão tramando para roubar toda a herança só para eles. A

exemplo, quando o Michelangelo chega perto a fim de chamar a atenção de Frida, Rafael age

com o pensamento de ter certeza que o outro está na verdade fazendo seu plano de pegar a

fortuna, mesmo que o irmão não tenha nem sequer tocado neste assunto.

Ademais, quando ele percebe o sumiço de Leonardo, procura-o pela casa com a ideia

de que ele também está tramando algo contra ele. Ao encontrá-lo, ele acusa o irmão de estar

tentando pegar a riqueza, mesmo que este não tenha demonstrado nenhum interesse nisso,

nem sequer dando indícios de que está bolando um plano para roubar Rafael.

Na última cena, ele pensa que toda essa situação é um ataque à sua reputação, mesmo

que os outros não tenham percebido isso. Assim, ele fica extremamente irritado, reagindo por

impulso, ao gritar com Leonardo. Por fim, decide contra-atacar rapidamente: vai fazer um

plano para incriminar seus irmãos da morte do pai e pegar a herança para si.

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Leonardo

Leonardo apresenta o transtorno de personalidade Esquizoide. Majoritariamente, esse

transtorno se caracteriza pelo distanciamento das relações sociais. Mesmo diante de um

momento tão triste como a morte de seu pai, Leo se esforça muito para permanecer no

velório, isso porque, aquele era um ambiente que demandava muito de sua energia para

manter relações e interagir com os presentes. Assim, ele vai embora com 10 minutos do início

da cerimônia, para que assim, ele possa ficar sozinho sem ser incomodado.

Ademais, seu ato de fugir durante o velório, e encontrar refúgio em livros de suspense

em seu quarto, demonstra que o homem sente prazer em fazer poucas coisas e prefere

atividades solitárias, no caso do conto, ele gosta de ler livros de suspense sozinho. O sintoma

de não desejar ou não desfrutar de ter relações íntimas, nem mesmo com alguém de sua

família, pode ser explícito no trecho que destaca que Leonardo foi o primeiro dos irmãos a

sair de casa, já que não fazia nenhuma questão de estar perto de sua família.

Consequentemente, escolhe uma cidade calma e afastada para morar. Além do mais, havia

anos que ele não visitava seu pai, e não foi capaz de se mostrar abatido e afetado no velório

do pai quando recebia condolências.

Pode-se perceber também que o personagem apresenta certa frieza emocional, pois,

depois de ir embora do velório de seu próprio pai, em outro momento da história, é dito que

Leonardo não sentia dor diante do falecimento do mesmo. Para ele, seu pai foi apenas mais

um que fechou os olhos para sempre, justificando que as pessoas morrem toda hora.,

Finalmente, na última cena, quando Rafael vai atrás de Leonardo, o homem se mostra

indiferente às críticas de seu irmão, e revira os olhos quando é acusado de estar tramando um

plano para roubar toda a herança para si. Demonstrando, portanto, seu desprezo por

comentários de terceiros.

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Michelangelo

Michelangelo apresenta o transtorno de personalidade Histriônico. Sua excessiva

busca por atenção pode ser observada em diversos contextos do conto. Inicialmente, o homem

se encontra ao lado do caixão, chorando sem parar, mesmo que não houvesse nenhuma

lágrima saindo de seu rosto. Isso demonstra sua característica em expressar exageradamente

suas emoções, mesmo que isso seja feito de forma teatral e dramatizada. Em outro momento,

quando o personagem é abraçado por seus parentes, ele fala de seu pai e mostra uma dor

terrível diante de seu falecimento, mesmo que não seja verdade, já que havia um bom tempo

que não via seu pai.

Mais à frente, outra cena exemplifica muito bem esses padrões de Michelangelo. Seu

desconforto em não ser o centro das atenções no velório, o fez ter uma reação exagerada para

que pudesse ser olhado por Frida, a funcionária de seu pai. O personagem pensa em diversas

formas de chamar a atenção da moça, até que decide se jogar no chão e fingir desmaio.

Mesmo assim, quando abre seus olhos, sente uma raiva imensa ao ver que Frida está ao lado

de Rafael. Assim, em uma rápida mudança de expressão, Michelangelo fez uma cara de

“cachorrinho que caiu da mudança” para ir ao encontro deles.

Por fim, quando finalmente chega perto de Frida, Michelangelo, com sua fala

dramática, acena para a moça e logo em seguida põe a mão em sua cintura, a fim de

aproximá-la para que possa a abraçar. Outra vez a teatralidade é sua aliada para que o

personagem seja visto. Desta vez, Michelangelo está apoiado no peito da moça num

comportamento sexualmente inadequado, ao mesmo tempo que cumprimenta seu irmão que

não tem muito contato de maneira calorosa, uma que considera as relações pessoais mais

íntimas do que realmente são. E depois volta a lamentar pela morte de seu pai, expressando a

dor que ele sentirá com essa falta em sua vida, mesmo que fizesse muito tempo que pai e filho

não se encontravam.

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Referência

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. Manual diagnóstico e estatístico de

transtornos mentais: DSM-5 TR- texto revisado (5ª ed.). Porto Alegre: Artmed, 2014.

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