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Brazilian Journal of Development 82687

ISSN: 2525-8761

A releitura do mito grego em La Casa de Asterión, de Jorge Luís


Borges – uma análise sob a perspectiva do narrador

The rereading of the greek myth in La Casa de Asterión, by Jorge Luís


Borges – an analysis from the narrator's perspective
DOI:10.34117/bjdv7n8-466

Recebimento dos originais: 07/07/2021


Aceitação para publicação: 19/08/2021

Natália de Almeida Simeão


UFPI
Estudante de pós-graduação pela Universidade Federal do Piauí - (UFPI)
E-mail: nataliasimeao@ufpi.edu.br

Rafena Lima Araújo


UFPI
Estudante de pós-graduação pela Universidade Federal do Piauí – (UFPI)
E-mail: rafena2016@gmail.com

Margareth Torres de Alencar


UFPI
Professora na pós-graduação da Universidade Federal do Piauí - (UFPI)
E-mail: margarethtorres@cchl.uespi.br

RESUMO
Este artigo tem como objetivo identificar a natureza da monstruosidade sob a perspectiva
do narrador-personagem no conto “La Casa de Asterión” – uma releitura ao mito grego
do Minotauro que está localizada na coleção de contos de Jorge Luís Borges, O Aleph
(1949). Para tanto, trabalhamos com alguns conceitos de operadores de leitura da
narrativa descritos por Arnaldo Franco (2005), dentre os quais destacam-se, para a
teorização deste trabalho, as definições de narrador e focalização. A escolha do referido
conjunto de operadores de leitura é resultado das contribuições de textos de teoria e crítica
vinculados ao Formalismo Russo e ao New Criticism, uma vez que priorizam o estudo da
materialidade verbal do texto no desenvolvimento dos estudos literários. Assim,
metodologicamente o trabalho segue a base teórica dos estudos de Franco (2005),
Campbell (2001), Rocha (1986), Durand (1977), Jolles (1976) entre outros intelectuais
que no âmbito dos estudos literários e no campo de leituras de narrativas mitológicas
versam sobre as possibilidades de análise da releitura do mito. Assim, visando contribuir
para mais debates sobre o tema – mito e a perspectiva do narrador - este trabalho tenciona
subsidiar novas pesquisas que tenham como objetivo o desenvolvimento de trabalhos que
teorizam a literatura produzida sob o viés mitológico e antagônico na atividade da
releitura.

Palavras-chave: Releitura do Mito Grego, La Casa de Asterión, Narrador-Personagem.

ABSTRACT
This article aims to identify the nature of monstrosity from the perspective of the narrator-
character in the short story “La Casa de Asterión” – a reinterpretation of the Greek myth

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of the Minotaur that is located in the collection of short stories by Jorge Luís Borges, O
Aleph ( 1949). Therefore, we work with some concepts of narrative reading operators
described by Arnaldo Franco (2005), among which, for the theorizing of this work, the
definitions of narrator and focusing stand out. The choice of this set of reading operators
is the result of contributions from theoretical and critical texts linked to Russian
Formalism and New Criticism, as they prioritize the study of the text's verbal materiality
in the development of literary studies. Thus, methodologically the work follows the
theoretical basis of the studies of Franco (2005), Campbell (2001), Rocha (1986), Durand
(1977), Jolles (1976) among other intellectuals in the field of literary studies and in the
field of readings. of mythological narratives deal with the possibilities of analyzing the
re-reading of the myth. Thus, aiming to contribute to more debates on the theme - myth
and the narrator's perspective - this work intends to subsidize new researches that have as
objective the development of works that theorize the literature produced under the
mythological and antagonistic bias in the rereading activity.

Keywords: Rereading of the Greek Myth, La Casa de Asterion, Narrator character.

1 INTRODUÇÃO
No aguardes la embestida del toro
que es un hombre y cuya extraña
forma plural da horror a la maraña
de interminable piedra entretejida.
No existe. Nada esperes. Ni siquiera
en el negro crepúsculo la fiera.

(Labirinto, Jorge Luis Borges)

Para Rocha (1986) o mito é um discurso no qual as sociedades espelham suas


contradições, bem como exprimem seus paradoxos e suas inquietações. Dessa forma,
pode ser entendido como narrativa irreal, mas que apesar disso ainda funciona no meio
social. Por outro lado, também pode ser uma forma de expressão universal, isso porque
no início do desenvolvimento intelectual humano eventos inexplicáveis eram atribuídos
à intervenção dos deuses. Portanto, Rocha (1986) esclarece que pelas circunstâncias
mencionadas o mito permite possibilidades de expansão do pensamento literário em sua
forma mais primitiva:

O mito teria uma forma alegórica que “deixa entrever um fato natural, histórico
ou filosófico” [...] A partir dessa ideia, podemos pensar que o mito carrega
consigo uma mensagem que não está dita diretamente. Uma mensagem cifrada.
O mito esconde alguma coisa. O que ele procura dizer não é explicado
literalmente. Não está “na cara”. O mito “não é objetivo”. Tipo pão, pão,
queijo, queijo. O que ele afirma o faz, de toda evidência com muita sutileza. O
mito fala enviesado, fala bonito, fala poético. Fala sério sem ser direto e óbvio.
(ROCHA, 1986. p.15)

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Tendo em vista o caráter atribuído ao mito por Rocha (1986) compreende-se, em


algum ponto, o nível de subjetividade ao qual ele pode chegar. Dessa forma, é justamente
por não carregar sentido literal que pode ser considerado a referência primária de
conteúdos literários canônicos e modernos. Ademais, é por não “estar na cara” a
mensagem que o mito propõe que tem se tornado o corpus de estudo de pesquisadores do
campo da literatura.
Dentre outros possíveis motivos, o interesse da teoria literária em analisar o mito
como categoria formal de estudo pode ser explicado pelo fato do conceito de ambos, mito
e literatura, serem constituídos de algo em comum: a não objetividade. A ideia moderna
de literatura como uma arte que diferencia-se da música e da pintura, por exemplo, e mais
especificamente como uma categoria de criação artística que resulta num determinado
conjunto de textos só veio a ser formulada a partir da segunda metade do século XVIII e
desenvolvida, de forma mais completa, no século XIX, como afirmaram Wielewicki e
Zapponne (2005) no trabalho feito em conjunto, O que é literatura, afinal?.
Anteriormente, Wielewicki (2005) e Zappone (2005) explicam que para designar
os textos de caráter imaginativo, enquanto criação artística ou mesmo enquanto criação
popular, eram utilizados os termos “poesia”, “verso” ou “prosa”. Dessa forma, para
William (1979) a palavra poesia assumiu, durante tempos e a partir do estudo do termo
literatura uma especificação: passou a significar "composição de cunho imaginativo",
posteriormente passou a se referir às composições metrificadas, escritas e impressas.
Literatura, por sua vez, tornou-se uma categoria mais ampla e abrangente do que poesia.
Retornando, pois, ao processo de compreensão do mito, vale considerar que
enquanto este contém com a literatura determinada afinidade, a filosofia, antagônica,
protagoniza atualmente uma reconciliação com ele. A filosofia, na busca pelo saber, era
entendida como discurso racional que surgiu para se contrapor ao modelo mítico
desenvolvido na Grécia Antiga.
No entanto, o que era tido antes como pré-científico, primitivo e assistemático
pelos filósofos acaba ganhando especial papel na formação cultural. Desse modo, na
Grécia o mito não foi substituído radical ou gradualmente pelo pensamento filosófico. O
próprio Platão proporciona compreender em alguns de seus discursos que um certo uso
do mito fez-se necessário uma vez que o logos (a razão) não conseguia atingir seu objeto.
O que para alguns pensadores da Grécia Antiga era apenas lenda fantasiosa resultante do
imaginário popular, para outros filósofos, que hoje influenciam consideravelmente o

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pensamento ocidental, ganha destaque por seu valor prático na formação do homem, dá-
se a perpetuação do mito.
Dito isto, esse artigo tenta identificar a natureza da monstruosidade sob a
perspectiva do narrador-personagem no conto “La Casa de Asterión” – uma releitura ao
mito grego do Minotauro que está localizada na coleção de contos de Jorge Luís Borges,
O Aleph (1949). Para tanto, buscou-se os conceitos de operadores de leitura da narrativa,
descritos por Arnaldo Franco (2005), dentre os quais destacam-se as definições de
narrador e focalização.
A escolha do referido conjunto de operadores de leitura é resultado das
contribuições de textos de teoria e crítica vinculados ao Formalismo Russo e ao New
Criticism, uma vez que priorizam o estudo da materialidade verbal do texto no
desenvolvimento dos estudos literários.
Assim, metodologicamente o trabalho segue a base teórica dos estudos de Franco
(2005), Aguiar e Silva (1988), Rocha (1986), entre outros intelectuais que, no âmbito dos
estudos literários e no campo de leituras de narrativas mitológicas, versam sobre as
possibilidades de análise da releitura do mito. Portanto, visando contribuir para mais
debates sobre o tema – mito e a perspectiva do narrador – tenciona-se subsidiar novas
pesquisas que tenham como objetivo o desenvolvimento de trabalhos que teorizam a
literatura produzida sob o viés mitológico e antagônico na atividade da releitura.

1.1 OPERADORES DE LEITURA – NARRADOR E FOCALIZAÇÃO


Durante algum tempo confundiu-se o conceito de autor e narrador na realização
de estudos literários. No entanto, Franco Júnior (2005) compreende como fundamental a
distinção entre estes dois termos para o êxito no desenvolvimento de análises de textos
narrativos quando se pensam princípios e metodologias científicas.
Assim, para simplificar a compreensão dos operadores da narrativa, Franco Júnior
(2005) afirma que em primeiro lugar deve-se captar narrador, sobretudo, como uma
categoria da personagem enquanto o autor é aquele que pensa e materializa o texto. Deste
modo há, de fato, uma diferença que torna os dois elementos inconfundíveis.
Apesar disso, é comum que o narrador seja classificado na pessoa do discurso que
utiliza para narrar ou mesmo segundo o seu grau de participação na narrativa, utilizações
que Franco Júnior (2005) considera insuficientes na abrangência da complexidade
estética do narrador:

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Tal classificação requer, no entanto, uma boa dose de rigor no que se refere à
sua utilização. Não se pode estabelecer uma relação direta entre o uso da 1º ou
da 3º pessoa do discurso e o grau de participação do narrador na história que
narra. É possível imaginar, por exemplo, que a testemunha que conta em um
tribunal um crime que presenciou deva elaborar sua história valendo-se da 1º
pessoa do discurso. Tal testemunha terá de contar aos presentes algo que viveu,
mas não na condição de protagonista (posição necessariamente ocupada pelo
réu e pela vítima). Desse modo, tal testemunha será um narrador que narra em
1º pessoa, mas não participa da história narrada, senão numa posição
secundária, periférica ou, mesmo, neutra no que se refere à constituição e ao
desenvolvimento do conflito dramático da história narrada. Do mesmo modo,
pode-se imaginar que um cientista narre o conjunto de estudos e experiências
que realizou durante o desenvolvimento de uma pesquisa, valendo-se da 3º
pessoa do discurso. Nesse caso, ele será um narrador que participa
fundamentalmente da história narrada, embora minimize o seu grau de
envolvimento com os fatos que constituem tal história, privilegiando a
apresentação dos fatos que caracterizam a pesquisa, em detrimento de seu alto
grau de envolvimento na realização da mesma. Tais exemplos, embora
extremos, servem para nos alertar do perigo de estabelecer uma relação direta
entre a pessoa do discurso utilizada pelo narrador e o seu grau de participação
na história que narra. (FRANCO JÚNIOR, 2005, p. 39-40)

Por esse ângulo, Aguiar e Silva (1988) explica que, ainda possuindo um caráter
um tanto quanto ambíguo, o narrador continua a ter papel fundamental no texto narrativo,
uma vez que se tornou o agente de um processo de focalização que acaba afetando toda a
história narrada. Para o estudioso em teoria literária:

o texto narrativo implica a mediação de um narrador: a voz do narrador fala


sempre no texto narrativo, apresentando características diferenciadas em
conformidade com o estatuto da pessoa responsável pela enunciação narrativa
e é ela quem produz, no texto literário narrativo, as outras vozes existentes no
texto. (AGUIAR E SILVA,1988, p. 759)

Nesse sentido, tornou-se inquestionável o fato de que há poder no ato de narrar.


A voz do narrador detém função primária de representação e produz textualmente todo o
campo diegético na narrativa, inclusive caracterizando as outras personagens da história
de forma a envolvê-las em eventos sob o seu controle de composição das estruturas do
texto. Outrossim, Aguiar e Silva (1988) esclarece que a voz do narrador desempenha a
função secundária e não menos importante de “interpretar o mundo” e ao mesmo tempo
transitar nesse universo de recriações de forma a atuar em um status de persona.
Dada a heterogeneidade do narrador, Aguiar e Silva (1988) procura classificá-lo
em auto, homo e heterodiegético. No entanto, o que importa para este artigo é a
conceituação do que seja narrador autodiegético, de modo que a análise do conto de
Borges (1949), “La Casa de Asterión”, torne o entorno da personagem protagonista um
pouco mais compreensível. Por conseguinte, autodiegético, um subtipo de

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homodiegético, é o narrador co-referencial ao protagonista, e conta, portanto, a sua


própria história. (1988, p, 762)
De outro modo, quando se trata da materialização do fato narrado, pode-se
observar que há, em quase todo caso, uma posição a qual o narrador adere para expor seu
próprio ponto de vista, enquadrando a narrativa em um determinado ângulo de
referências. Esta é a focalização, foco narrativo que “evidencia o propósito do narrador
(e, por extensão, do autor) de mobilizar intelectual e emocionalmente o leitor,
manipulando-o para aderir às idéias e valores que veicula (FRANCO JÚNIOR, 2005,
p.41).
No texto de Leite (1985), expôs-se, para a melhor compreensão da focalização,
oito tipos de foco narrativo, a partir das seguintes perguntas:

1.Quem conta a história? Trata-se de um narrador em primeira pessoa ou em


terceira pessoa? de uma personagem em primeira pessoa? não há ninguém
narrando? 2. de que posição ou ângulo em relação a história o narrador conta?
(por cima? na periferia? no centro? de frente? Mudando?) 3. que canais de
informação o narrador usa para comunicar a história ao leitor? (palavras?
pensamentos? percepções? sentimentos? do autor? da personagem? ações?
falas do autor? da personagem? ou uma combinação disso tudo? 4. a que
distância ele coloca o leitor da história? (próximo? distante? mudando')?
(FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985, p.25).

Diante dessas questões, Leite (1985) aponta que geralmente o narrador utiliza a
estratégia de focalização para destacar um dos seguintes pontos: autor onisciente intruso,
narrador onisciente neutro, eu como testemunha, narrador protagonista, onisciência
seletiva múltipla, onisciência seletiva, modo dramático ou a câmera como tentativa mais
radical de eliminação da presença do autor no texto. No caso do corpus de análise para a
construção desse trabalho, observa-se que a focalização está posta diante do próprio
narrador protagonista e em sua condição de prisioneiro.

1.2 A RELEITURA DO MITO SOB A PERSPECTIVA DO NARRADOR


O conto “La Casa de Asterión” (2021), do escritor Jorge Luís Borges, é uma
releitura do mito do Minotauro. Por tanto, sendo um conto que nos destina a mitologia
grega, entendemos ser necessário trazer para esta análise o conto original a fim de
compreendermos as manifestações presentes na narrativa do narrador-protagonista,
Asterión (Minotauro).
Segundo a mitologia grega, o mito do Minotauro ocorre quando o rei Minos,
deseja provar aos cretenses que era protegido pelos deuses. Então fez um pedido a

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Poseidon que lhe mandasse um sinal. O deus dos mares ao atendê-lo, determinou que o
animal que faria surgir do mar lhe fosse oferecido em sacrifício. Assim, aparece o touro
branco, mas Minos, apesar da promessa que fez a Poseidon, o poupa e com essa ação
provoca a ira de Poseidon. Assunção (2011, p. 02), ressalta que

Minos se recusa a sacrificar um Touro sagrado à Poseidon. O Deus, então, faz


com que Pasífae apaixone-se perdidamente pelo animal – um desejo
incontrolável – e a rainha, junto com Dédalus, produzem um artifício – um
simulacro – para que ela consiga ter relações com o Touro. Dessa relação nasce
o Minotauro – Astérion. Envergonhado e furioso, Minos ordena que Dédalus
construa o infame e fantástico Labirinto e aprisiona, nas profundezas, o
monstro. Mais tarde a situação se converterá em um jogo político entre Creta
e Palas Atenas, a última, derrotada por Minos, é obrigada a enviar, de tantos
em tantos anos, 14 jovens (sete homens e sete mulheres) para servirem de pasto
e sacrifício ao Minotauro. (ASSUNÇÃO, 2011, p. 02)

Após o acontecimento relatado acima, notamos que surge um conflito:


anualmente, os atenienses, que estavam sob o jugo de Minos, o cruel rei de Tebas, são
condenados a dedicar sete rapazes e sete moças como refeição ao monstro, um tributo que
onera e atemoriza a população.
Na releitura do conto “La Casa de Asterión”, Borges (2021), diferente do conto
original, remonta o personagem Minotauro não apenas como um monstro, mas sim sob
uma perspectiva de humanização, conforme podemos perceber nesta fala, Asterión
apresenta características racionais ao expressar seus sentimentos em relação a sua
condição de touro-homem :

É verdade que não saio de minha casa, mas também é verdade que suas portas
(cujo número é infinito*) estão abertas dia e noite aos homens e também aos
animais. Que entre quem quiser. Não encontrará aqui pompas feminis nem o
bizarro aparato dos palácios, mas sim a quietude e a solidão. (Asterión)
(BORGES, 2021, p.38)

Na descrição do personagem, nos deparamos também com um relato que nos


remete ao mistério que envolve o espaço onde ele vive, conforme podemos verificar
a seguir:

Claro que não me faltam distrações. Igual ao carneiro que vai investir, corro
pelas galerias de pedra até rolar ao chão, nauseado. Escondo-me à sombra de
uma cisterna ou à volta de um corredor e finjo que me procuram. Existem
terraços de onde me deixo cair até me ensangüentar. A qualquer hora posso
fingir que estou adormecido, com os olhos fechados e a respiração poderosa.
(Asterión) (BORGES, 2021, p. 38)

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Podemos evidenciar, a partir da narração acima, o modo como Asterión passa a


maior parte do seu tempo no labirinto. Assim, importa ressaltar que este conto foi escrito
em seis parágrafos e em cinco deles, o personagem se refere, em especial, a forma como
os outros o vêem, e a sua relação consigo mesmo e com o espaço onde habita.
Outro ponto que merece destaque é que em “La Casa de Asterión” (2021),
analisamos que a narrativa não se constitui em uma mera reescrita e sim com descrições
do protagonista sobre sua própria condição. Um touro-homem que vive atormentado e
isolado em seu mundo de solidão.
Asterión é um ser condenado pelo próprio destino e, nos faz acreditar que se
tivesse poder de escolha, seria como um homem comum, vivendo normalmente sem
aterrorizar ninguém, como revela uma fala onde este sonha ser apenas uma pessoa com
hábitos comuns ao de qualquer outro ser humano.

[...] Mas, de tantas brincadeiras, a que prefiro é a do outro Astérion. Finjo que
vem visitar-me e que lhe mostro a casa. Com grandes reverências digo-lhe:
Agora voltamos à encruzilhada anterior ou Agora desembocamos em outro
pátio ou Bem dizia eu que te agradaria o canalete ou Agora verás uma cisterna
que se encheu de areia ou Já verás como o porão se bifurca. Às vezes me
confundo e nos rimos agradavelmente os dois. (Asterión). (BORGES, 2021,
p.38)

Nesta análise, buscamos apresentar os conceitos de operadores de leitura da


narrativa, descritos por Arnaldo Franco Júnior, dentre os quais destacam-se as definições
de narrador e focalização. Podemos assegurar que identificamos aqui um narrador -
protagonista, pois este, segundo o autor Franco Júnior (2005)

caracteriza um narrador que narra necessariamente em lª pessoa, limitando-se


ao registro de seus pensamentos, percepções e sentimentos. Narra, portanto, de
um centro fixo, vinculado necessariamente à sua própria experiência, já que,
como o próprio nome diz, é o protagonista da história narrada. Pode valer-se
tanto da cena, como do sumário, aproximando ou distanciando o leitor da
história narrada. (FRANCO, 2005, p. 42).

Esse artigo também buscou identificar a natureza da monstruosidade sob a


perspectiva do narrador-personagem. Desse modo, observamos que o conto, narrado em
primeira pessoa do singular por Astérion (personagem), nos apresenta a face monstruosa
e o modo atroz como o ele (monstro) foi obrigado a viver. Contudo, por ter sentimentos
humanos, ainda deposita suas esperanças na chegada de um redentor.

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Como será meu redentor? pergunto-me. Será um touro ou um homem? Será


talvez um touro com rosto de homem? Ou será como eu?. (Asterión)
(BORGES, 2021, p.39)

Identificamos também, além da fala em primeira pessoa, a voz de um narrador


em terceira pessoa na fala de Teseu para Ariadna, ao relatar em poucas palavras os
últimos momentos de vida do monstro já nas derradeiras linhas do conto.

El sol de la mañana reverberó en la espada de bronce. Ya no quedaba ni un


vestigio de sangre, e a fala de Teseu, o redentor: ¿Lo creerás, Ariadna? —dijo
Teseo—. El minotauro apenas se defendió. (Terceiro narrador) (BORGES,
2021, p.39 )

Assim, sobre o foco narrativo, podemos dizer que foram identificados três. Um
que evidencia os pensamentos de Asterión nos cinco primeiros parágrafos. Outro breve
que pensamos ser finalmente o pronunciamento do narrador e ainda, um último que não
sabemos se seria o quarto foco, na voz do Borges (2021): A Marta Mosquera Eastman.
Constatamos, a partir da análise feita, que o conto em questão trata-se de uma obra
valiosa. Borges (2021), além de despertar no leitor o imaginário com um mundo
desconhecido, também aflora um sentimento de compaixão e piedade pela situação em
que vive o monstro aprisionado e em dados momentos este sentimento nos leva a imaginar
nossa própria condição de ser humano.
Por fim, podemos concluir que temos neste conto, um protagonista que sonda a
mente humana. Ele nos revela não somente a angústia que é ser condenado e amaldiçoado
a viver dentro de um labirinto, mas para além disto, nos mostra o sofrimento que é viver
na solidão, sob a maldição que é viver rejeitado e aterrorizado o que, pois, acaba causando
no leitor um certo sofrimento também.

2 CONCLUSÃO
O mito do Minotauro é um clássico da literatura grega e, ao longo dos anos, tem
ganhado notoriedade tanto por sua história, cercada de mistérios e fantasias, quanto pelo
poder sedutor que este tem em despertar a curiosidade e imaginação de diversos leitores
há milhares de anos. Ao revisitar o referido mito em “La Casa de Asterión”, Jorge Luís
Borges reinventa o mito grego e coloca o personagem principal no lugar de narrador da
própria história, fato que instiga, ainda mais, a vontade em conhecê-lo e o modo como
este vive em seu mundo de solidão.

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Pudemos notar, a partir da investigação, que Borges direciona o leitor a tecer


outras percepções desse mito e também de seu principal personagem – Asterión. Este
fato, nos leva a refletir em diversos momentos da leitura se Asterión é, verdadeiramente,
um monstro, visto que foi obrigado a viver no labirinto sem qualquer chance de escolher
outro caminho. Entendemos, assim, que a sua natureza monstruosa acaba por se tornar
uma auto defesa para com aqueles que o obrigaram a viver de forma cruel.
Desse modo, o objetivo proposto para este artigo, foi de identificar a natureza da
monstruosidade sob a perspectiva do narrador-personagem no conto “La Casa de
Asterión” - uma releitura ao mito grego do Minotauro, bem como analisar os conceitos
de operadores de leitura da narrativa, descritos por Arnaldo Franco em Operadores da
narrativa, texto encontrado no livro “Teoria Literária: abordagens históricas e tendências
contemporâneas”, dentre os quais destacam-se as definições de narrador e focalização.
Em “La Casa de Asterión”, notamos que a focalização se pôs diante do narrador
protagonista em sua condição de prisioneiro.
Ademais, verificamos que o narrador utiliza a estratégia da focalização para
destacar que é o protagonista do conto e identificamos também que ao ser manipulado
intelectual e emocionalmente, outro traço próprio da focalização, o leitor não consegue
perceber, em dados momentos da fala de Asterión, se este tem traços humanos ou de
monstro, pois é o narrador – protagonista que domina não apenas a história, mas também
a mente dos leitores.
Em suma, acreditamos que este estudo tem grande relevância, uma vez que
contribuirá para que haja mais discussões e reflexões acerca do tema – mito e a
perspectiva do narrador, bem como, possibilita pesquisas no campo da literatura escrita
sob o viés mitológico e antagônico na atividade da releitura.

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REFERÊNCIAS

AGUIAR E SILVA, V. M. Teoria da literatura. 8. cd. Coimbra: Almedina, 1988. p. 759.


ASSUNÇÃO, Diego Paleólogo. O Labirinto Contemporâneo: a experiência do
Minotauro em Borges e Cortázar. Imaginário, efeito de real e contração da
monstruosidade. Disponível em: <
https://abralic.org.br/eventos/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0866-1.pdf >. Acesso
em junho de 2021. p. 2.

BORGES, Jorge Luis. La casa de Asterión. In: O Aleph. Disponível em:


<https://autoresmodernos.files.wordpress.com/2013/07/borges-jorge-luis-o-aleph.pdf>.
Acesso em junho de 2021.

CESCO, ANDREA. Análise e tradução do poema “Labirinto”, de Borges. Linguagens -


Revista de Letras, Artes e Comunicação ISSN 1981-9943 Blumenau, v. 5, n. 3, p. 257-
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FRANCO, Arnaldo. Operadores de Leitura da Narrativa. In: BONNICI, Thomas;


ZOLIN, Lúcia Osana; et al. (org). Teoria literária: abordagens históricas e tendências
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FRIEDMAN, 1955 apud LEITE, 1985. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 1985. p. 25.
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