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Universidade Federal de Alfenas

Prática de Pesquisa Histórica

História 7º Período

Rodolpho Ferreira Borges

No trecho do texto sobre o qual trataremos aqui, os autores iniciam uma discussão
sobre os desafios das pesquisas em história oral perante os traumas na Alemanha pós-
guerra, oriundos das memórias do holocausto nazista. A primeira parte trata, como diz o
próprio título do capítulo, sobre a verdade e a inexatidão nos depoimentos sobre o
holocausto; já a segunda, sobre as memórias silenciadas o fardo de falar sobre a perseguição
nazista.

Tratando do primeiro tema, Mark Roseman, apresenta-nos sua experiência


escrevendo a biografia de Marienne Ellenbogen, uma sobrevivente da perseguição nazista. O
interessante sobre tal pesquisa foi a diversidade de registros escritos com os quais o autor
pode trabalhar, e desse modo, realizar uma justaposição com os relatos orais. No entanto o
autor elucida:

“[...] o que é revelador frequentemente não é o contraste específico entre o "escrito" e o


"falado", mas entre percepções e lembranças já "consolidadas" ou registradas em diferentes
pontos de distância dos acontecimentos descritos, isto é, em relatos e Cartas "da época", em
entrevistas e conversas "de hoje". Em todo caso, quando comparei o que minha entrevistada
me contou com o que dizia nas fontes contemporâneas, emergiram inúmeras diferenças e
discrepâncias relevantes.” (p.123)

Sobre as discrepâncias citadas pelo autor no trecho transcrito acima, o foco se dá na


imprecisão e na mudança das lembranças como o passar do tempo, em comparação com os
registros contemporâneos. Já quanto à conveniência de se falar sobre a confiabilidade dos
relatos orais, há uma discussão com outro autor que lança dúvidas sobre isso. Desse modo
Roseman conclui: “Mas minha experiência – e este é o ponto central deste paper – é a de
que a "preocupação com a exatidão" que Langer despreza ajuda a compreender aquelas
"complexas falhas de memória" que ele procura revelar.”

Quanto ao relato de Marienne em si, o autor faz uma série de observações. Apesar
de ela não ter sido presa em um campo de concentração, ela também passou por traumas
semelhantes, mas alguns particulares, como a “culpa por ter sobrevivido”.
Na complementação do relato oral de Marienne com outros e com fontes escritas, a
primeira coisa que emerge é o que o autor chama de polarização. Ou seja, a
supervalorização de algumas experiências, por um lado, e a diminuição da importância ou
até desconsideração de outras. Quanto à supervalorização, na discussão realizada conclui-se
que ela reflete a percepção subjetiva de Marienne. Já no segundo caso, ela o faz para não
manchar a reputação das pessoas que a ofereceram algum tipo de ajuda.

Outro fenômeno no relato principal é que em alguns momentos ele não combina
com as descrições dos eventos por outras pessoas. Um exemplo muito interessante reside
no fato da entrevistada adotar a história de outra sobrevivente (Hana Aron) como sua.

É deixado claro que o objetivo da pesquisa e da comparação de relatos e fontes


escritas é desafiar a veracidade do falado. As discrepâncias são triviais dentro do contexto da
realidade objetiva. Na essência, as lembranças são confirmadas. Outra observação
importante do autor: não se deve tomar os escritos como verdade em contraposição com o
falho relato verbal; alguns informes eram feitos para confundir.

Sobre as discrepâncias e imprecisões no relato de Marienne:

“Em nenhum momento elas ameaçam frontalmente seu depoimento. Em vez disso, mostram
como a memória vagueia em torno de um núcleo incontrolável, tentando manter
experiências traumáticas sob alguma espécie de controle. [...] parecia existir um padrão, e
essas discrepâncias pareciam ocorrer em situações em que a lembrança de Marianne era tão
vívida quanto na véspera.” (p. 131)

Como dito, as imprecisões ocorreram em momentos de grande trauma: a culpa por


ter sobrevivido e por considerar ter abandonado a família, quando fugiu dos soldados
nazistas, deixando seus familiares para trás. Desse modo, mostram como Marienne lutou
contra seu sentimento de perda e culpa.

“Em outras palavras, as discrepâncias sugerem que, onde sua experiência foi mais
traumática, o trauma resultou numa incapacidade de enfrentar as lembranças tais como
eram, uma pressão que levou, de um lado, a uma inapetência de falar sobre isso como mundo
exterior, e, de outro, a esse processo de mudanças sutis.” (p.132)

O mais importante era, segundo o autor, manter o controle sobre as lembranças mais
traumáticas, não ameniza-las, como se pode supor. Corrobora isso, a invenção de algumas
histórias e a mudança, o que não deixava as lembranças mais suportáveis, mas impunham
controle sobre tais.

Por fim, o autor realiza uma discussão extremamente válida a respeito do uso de
fontes escritas e outros relatos na sua pesquisa. Para ele, a comparação não constitui
desrespeito aos sobreviventes, mas ajuda a iluminar muitos processos da memória. “Fazer
isso não implica um desejo ou uma expectativa de ameaçar a veracidade fundamental de
seu depoimento. Ao contrário, contribui para iluminar os muitos processos da memória que
procuramos compreender.” (p.134)

A segunda pesquisa apresentada é sobre a família de judeus poloneses, residida na


Alemanha, Rosa e Feliks Fischer. A discussão apresentada pelo autor, Friedhelm BoII, aqui é
sobre o fardo, carregado pelos sobreviventes, de falar sobre a perseguição nazista, e as
memórias silenciadas. Dentro da comunidade judaica, o testemunho tornou-se um
importante dever, no entanto, a discussão concentra-se nos judeus silenciosos, mais
precisamente no caso de Feliks Fischer. “O que os impede de falar - e até onde podemos
analisar seu silêncio?”

“Estas importantes perguntas não foram ainda discutidas nos estudos sobre histórias
de vida de sobreviventes do Holocausto. Ruth Klüger ressalta esse tipo de questão afirmando
que a leitura de histórias de vida de sobreviventes do Holocausto pode conduzir a uma má
compreensão do tema : "Finalmente, tudo correu bem. Aquele que escreve, vive”. Mas a
maioria dos casos em Auschwitz não terminou numa ‘história expiatória’ tão acidental, mas
numa imensa desesperança que estava conduzindo à morte.”(p.136)

Quanto ao relato de Feliks em si, há pontos importantes sobre os quais o autor


elucida. “Quero focalizar em particular aquelas partes das histórias de vida dos
sobreviventes do Holocausto caracterizadas como episódios incompletos, histórias
inacabadas, por frases gaguejadas ou por formas lacônicas de falar.” Primeiramente, o relato
de Feliks sobre a época da perseguição foi muito sucinto, segundo Boll. O entrevistado
preferia sempre falar sobre a época posterior, quando conheceu sua esposa, estabeleceu-se
economicamente... É importante ressaltar que Feliks não foi convidado a participar,
justificou-se pela obrigação do testemunho. O interessante aqui é o fato de que o
entrevistado fazia questão de ressaltar sempre que as pessoas não poderiam entender o que
se passou na época da perseguição.

“Interrompendo-se constantemente, ele continuava a procurar explicações para o fato de que


estas coisas não são dizíveis, compreensíveis nem mesmo críveis. Finalmente, declarou que
tinha negligenciado seu dever supremo. Esta foi a maneira de exprimir sentimento de culpa.
[...] Mesmo esta tentativa de começar um relato mais longo de sua vida terminou num
diálogo com sua esposa e o entrevistador a respeito do fato de que estas coisas não são
compreensíveis.”(p.139)

Além de todos os complexos elucidados acima, ainda existe o fato de a família Fischer
continuar morando na Alemanha, mesmo após todos os episódios traumáticos que
passaram. Feliks tinha medo de que seus relatos fossem mal interpretados e que
provocasse, desse modo, agitações anti-semitas. Sua própria filha já tinha passado por
experiências com o anti-semitismo. Além disso tudo, resta ainda o sentimento de culpa por
permanecerem na Alemanha. “Algumas vezes os Fischer iam à França visitar a filha, mas
antes paravam na Bélgica para alugar um carro com placa local. Este comportamento pode
ser interpretado como um sinal de seu sentimento de culpa por viverem na
Alemanha.”(p.140)

O autor então faz uma elucidação sobre o que um relato aberto entre os que
sofreram com a perseguição e a segunda e terceira gerações, provocaria nestas.

“Sem dúvida, ódio aos alemães teria sido a consequência necessária de um


relato aberto (??) sobre suas experiências em campos de concentração. A decisão de
ficar na Alemanha forçou os Fischer a assumir compromissos. Devido à sua atividade
comercial, tiveram até que entrar em contato com alemães que "não tinham sido
realmente OK" durante o Terceiro Reich. Isto resultou num grande silêncio. A única
auto justificativa que restou foi a recusa a se tornarem cidadãos alemães. O fato de
que sua filha, que foi liberada para decidir por si mesma, tenha seguido seu exemplo
e que suas netas sejam atualmente ativos membros do movimento da juventude
sionista, aprendam iídiche e cultivem relações próximas com Israel, lhes dá
satisfação”(p.140)

Por fim, Friedhelm BoII, resume as questões que identificou na pesquisa com Feliks
Fischer:

1- “A linguagem cotidiana e coloquial é inadequada para descrever as experiências do


Holocausto. Portanto, apesar de sua boa vontade, Feliks Fischer não é capaz de descrever
suas experiências de maneira que acredite que possa ser compreendido” (p.140);

2- “Existe o fator adicional da necessidade de Feliks se proteger contra lembranças


traumáticas e dolorosas” (p.140);

3- “Relatos detalhados do Holocausto só são sentidos como inadequados quando fornecidos


à pessoas que não possuem experiência pessoal dos guetos e campos de concentração”
(p.141);

4- “Feliks recusou categoricamente todas as tentativas do entrevistador de levá-lo pelo


menos à contar episódios de solidariedade humana, afeto e ajuda mútua; assegurava que
para ele era impossível restringir-se à episódios positivos. Ele precisava descrever também
aquelas coisas de que tinha participado pessoalmente. [...] O sentimento de não ter
cumprido seu dever supremo faz com que não queira falar diante daqueles que não
passaram por esta situação. Feliks deu dois exemplos para explicar como o cumprimento de
seu "dever supremo" teria muito provavelmente significado sua própria morte: Não deveria
ter ajudado aqueles que morreram durante o transporte em vagões de gado? Não deveria
ter resistido durante a seleção das crianças em Lodz? O último exemplo trata de um dos
mais difíceis aspectos da destruição dos judeus: a participação dos conselhos judaicos na
seleção dos judeus que não eram (mais) capazes de trabalhar” (p.141);

6- “Finalmente, gostaria mais uma vez de dizer alguma coisa sobre as razões sociais do
silêncio de Feliks. Se devemos levar a sério o aparente esforço de Feliks para testemunhar,
devemos igualmente respeitar seu desejo de não intensificar o extremo sofrimento de sua
experiência como relato de suas memórias do período de sua perseguição. Há um sentido,
que deve ser levado a sério, em suas alusões, seu discurso limitado e as razões que
apresentou para seu silêncio. Tudo isso ressalta melhor a extrema desesperança de sua
experiência do que uma polida "história expiatória" (segundo a observação de Ruth Klüger)
(p.142)”.

Há importantes reflexões quanto aos desafios da história oral nesses tópicos, dos
quais pulei o quinto. A primeira se trata dos limites da linguagem cotidiana coloquial, em
questão, na descrição de experiências tão traumáticas. Barreira essa, difícil de ser superada
quando se soma ao fato da necessidade de Feliks se proteger contra as lembranças
traumáticas e também por que tais experiências são de difícil entendimento para pessoas
que não passaram por elas ou semelhantes. O quarto tópico deixa claro algo que o autor não
tinha aclarado suficientemente: “o dever supremo”. Com o qual Feliks considera não ter
cumprido, o que alimenta o silenciamento de sua memória. Por fim, o autor resume como o
caso de Feliks é um exemplo de como a memória do holocausto não é feita apenas de casos
que terminaram em uma “história expiatórias”, “mas numa imensa desesperança que estava
conduzindo à morte”, como ajuíza Ruth Klüger.

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