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História 7º Período
No trecho do texto sobre o qual trataremos aqui, os autores iniciam uma discussão
sobre os desafios das pesquisas em história oral perante os traumas na Alemanha pós-
guerra, oriundos das memórias do holocausto nazista. A primeira parte trata, como diz o
próprio título do capítulo, sobre a verdade e a inexatidão nos depoimentos sobre o
holocausto; já a segunda, sobre as memórias silenciadas o fardo de falar sobre a perseguição
nazista.
Quanto ao relato de Marienne em si, o autor faz uma série de observações. Apesar
de ela não ter sido presa em um campo de concentração, ela também passou por traumas
semelhantes, mas alguns particulares, como a “culpa por ter sobrevivido”.
Na complementação do relato oral de Marienne com outros e com fontes escritas, a
primeira coisa que emerge é o que o autor chama de polarização. Ou seja, a
supervalorização de algumas experiências, por um lado, e a diminuição da importância ou
até desconsideração de outras. Quanto à supervalorização, na discussão realizada conclui-se
que ela reflete a percepção subjetiva de Marienne. Já no segundo caso, ela o faz para não
manchar a reputação das pessoas que a ofereceram algum tipo de ajuda.
Outro fenômeno no relato principal é que em alguns momentos ele não combina
com as descrições dos eventos por outras pessoas. Um exemplo muito interessante reside
no fato da entrevistada adotar a história de outra sobrevivente (Hana Aron) como sua.
“Em nenhum momento elas ameaçam frontalmente seu depoimento. Em vez disso, mostram
como a memória vagueia em torno de um núcleo incontrolável, tentando manter
experiências traumáticas sob alguma espécie de controle. [...] parecia existir um padrão, e
essas discrepâncias pareciam ocorrer em situações em que a lembrança de Marianne era tão
vívida quanto na véspera.” (p. 131)
“Em outras palavras, as discrepâncias sugerem que, onde sua experiência foi mais
traumática, o trauma resultou numa incapacidade de enfrentar as lembranças tais como
eram, uma pressão que levou, de um lado, a uma inapetência de falar sobre isso como mundo
exterior, e, de outro, a esse processo de mudanças sutis.” (p.132)
O mais importante era, segundo o autor, manter o controle sobre as lembranças mais
traumáticas, não ameniza-las, como se pode supor. Corrobora isso, a invenção de algumas
histórias e a mudança, o que não deixava as lembranças mais suportáveis, mas impunham
controle sobre tais.
Por fim, o autor realiza uma discussão extremamente válida a respeito do uso de
fontes escritas e outros relatos na sua pesquisa. Para ele, a comparação não constitui
desrespeito aos sobreviventes, mas ajuda a iluminar muitos processos da memória. “Fazer
isso não implica um desejo ou uma expectativa de ameaçar a veracidade fundamental de
seu depoimento. Ao contrário, contribui para iluminar os muitos processos da memória que
procuramos compreender.” (p.134)
“Estas importantes perguntas não foram ainda discutidas nos estudos sobre histórias
de vida de sobreviventes do Holocausto. Ruth Klüger ressalta esse tipo de questão afirmando
que a leitura de histórias de vida de sobreviventes do Holocausto pode conduzir a uma má
compreensão do tema : "Finalmente, tudo correu bem. Aquele que escreve, vive”. Mas a
maioria dos casos em Auschwitz não terminou numa ‘história expiatória’ tão acidental, mas
numa imensa desesperança que estava conduzindo à morte.”(p.136)
Além de todos os complexos elucidados acima, ainda existe o fato de a família Fischer
continuar morando na Alemanha, mesmo após todos os episódios traumáticos que
passaram. Feliks tinha medo de que seus relatos fossem mal interpretados e que
provocasse, desse modo, agitações anti-semitas. Sua própria filha já tinha passado por
experiências com o anti-semitismo. Além disso tudo, resta ainda o sentimento de culpa por
permanecerem na Alemanha. “Algumas vezes os Fischer iam à França visitar a filha, mas
antes paravam na Bélgica para alugar um carro com placa local. Este comportamento pode
ser interpretado como um sinal de seu sentimento de culpa por viverem na
Alemanha.”(p.140)
O autor então faz uma elucidação sobre o que um relato aberto entre os que
sofreram com a perseguição e a segunda e terceira gerações, provocaria nestas.
Por fim, Friedhelm BoII, resume as questões que identificou na pesquisa com Feliks
Fischer:
6- “Finalmente, gostaria mais uma vez de dizer alguma coisa sobre as razões sociais do
silêncio de Feliks. Se devemos levar a sério o aparente esforço de Feliks para testemunhar,
devemos igualmente respeitar seu desejo de não intensificar o extremo sofrimento de sua
experiência como relato de suas memórias do período de sua perseguição. Há um sentido,
que deve ser levado a sério, em suas alusões, seu discurso limitado e as razões que
apresentou para seu silêncio. Tudo isso ressalta melhor a extrema desesperança de sua
experiência do que uma polida "história expiatória" (segundo a observação de Ruth Klüger)
(p.142)”.
Há importantes reflexões quanto aos desafios da história oral nesses tópicos, dos
quais pulei o quinto. A primeira se trata dos limites da linguagem cotidiana coloquial, em
questão, na descrição de experiências tão traumáticas. Barreira essa, difícil de ser superada
quando se soma ao fato da necessidade de Feliks se proteger contra as lembranças
traumáticas e também por que tais experiências são de difícil entendimento para pessoas
que não passaram por elas ou semelhantes. O quarto tópico deixa claro algo que o autor não
tinha aclarado suficientemente: “o dever supremo”. Com o qual Feliks considera não ter
cumprido, o que alimenta o silenciamento de sua memória. Por fim, o autor resume como o
caso de Feliks é um exemplo de como a memória do holocausto não é feita apenas de casos
que terminaram em uma “história expiatórias”, “mas numa imensa desesperança que estava
conduzindo à morte”, como ajuíza Ruth Klüger.