An outbreak of systemic intoxication with irritant contact dermatites

due cypermethrin in dairy cows – case report

[Surto de intoxicação sistêmica com dermatite de contato irritante devido à cipermetrina
em vacas leiteiras - relato de caso]
N.N. Marcom , C.L. Mendonça, M.I. Souza, N.A. Costa, J.A.B. Afonso,E. Zache , A.P.
Almeida , D.O. Santos, R.L. Santos , A. Arenales

RESUMO
Os piretroides são ectoparasiticidas com grande segurança para mamíferos, utilizados
amplamente em animais de produção. Relata-se um surto de intoxicação sistêmica com
dermatite irritante por contato, resultante do uso de Cipermetrina Pour-On em bovinos,
no estado de Pernambuco. Oito animais adultos foram acometidos: três deles morreram
na propriedade e cinco foram recebidos na Clínica de Bovinos da Universidade Federal
Rural de Pernambuco, Campus Garanhuns. Todos haviam recebido 100mL de
Cipermetrina Pour-On (Ectonil® , Cipermetrina, Labgard, Brasil). Observou-se apatia,
hiperexcitabilidade, tremores musculares, sialorreia, bradicardia e lesões crostosas no
dorso da região de pescoço, na escápula, mas orelhas, bem como ulcerações em mucosa
oral e vaginal. No hemograma, verificou-se hiperfibrinogenemia e leucocitose por
neutrofilia com desvio à esquerda regenerativo. Na histopatologia, foram constatadas
áreas de erosão e ulceração da epiderme e infiltrado linfohistiocitário e neutrofílico
perivascular na derme superficial. O tratamento de suporte gerou melhora dos sinais
sistêmicos e das lesões cutâneas, porém, em um dos animais (que esteve internado por 19
dias), não houve regressão completa das alterações neurológicas de bradicardia e de
tremores musculares; mesmo assim, foi possível o retorno à atividade produtiva. Doses
elevadas de Cipermetrina Pour-On podem causar intoxicação sistêmica em bovinos e
resultarem em bradicardia, hiperexcitabilidade, tremores musculares e sialorreia com
dermatite irritante por contato, bem como morte em casos severos.

Palavras-chave: intoxicação sistêmica, surto, piretroides, vacas leiteiras, Brasil

INTRODUÇÃO
Cipermetrina é um composto pertencente ao grupo dos piretroides usado como
ectoparasiticida, especialmente contra artrópodes, e tem toxicidade seletiva para insetos
em comparação com mamíferos (Casida et al., 1983; Sartor e Santarém, 2017). Apesar da
baixa toxicidade, a intoxicação pode ocorrer, causando vômito, diarreia, tremores,
hiperexcitabilidade ou depressão (Tiwari e Sinha, 2010). Os efeitos sistêmicos são
consequentes de sua interação com os receptores de ácido gama-aminobutírico (GABA),
um neurotransmissor inibitório, bloqueando sua atividade e resultando em hiperexcitação,
e alterando os canais de sódio da membrana celular (Montanha e Pimpão, 2012; Rehman
et al., 2014). O contato com a pele pode resultar em irritação tegumentar, parestesia,
prurido e eritema, conforme relatado em seres humanos, e podem ser exacerbados pela
luz solar (Christofoletti e Mamprim, 2020; Flannigan e Tucker, 1985; Sharma et al.,
2018).
Dermatite de contato irritante é uma resposta inflamatória tegumentar não específica,
consequente do contato com agentes químicos ou físicos que causam danos tecidual direto
ou indireto; e pode ocorrer em qualquer espécie animal, principalmente em cavalos,
bovinos e cães (Ho et al., 2015; Tan et al., 2014). As lesões observadas da dermatite de
contato irritante estão relacionadas com a natureza cáustica do agente; e o diagnóstico
depende da história, sinais clínicos e principalmente, da distribuição (Mauldin e Peters-
Kennedy, 2016). Não existem antídotos para intoxicação por piretroides; suporte clínico
e descontaminação precoce são obrigatórios (Christofoletti e Mamprim, 2020). O
presente trabalho tem como objetivo relatar um surto de intoxicação sistêmica com
dermatite de contato irritante em vacas leiteiras causado por cipermetrina pour-on.

RELATO DE CASO
Foram encaminhadas para a Clínica de Bovinos de Garanhuns, campus Garanhuns,
Universidade Federal Rural de Pernambuco (CBG/UFRPE), cinco vacas leiteiras adultas
de raça mista, provenientes de Lagoa do Ouro - Pernambuco (9° 7’ 28” Sul 36° 27’ 35”
Oeste) em fevereiro de 2021, com histórico de aplicação de medicamento à base de
cipermetrina pour-on (Ectonil®) um dia antes; e que antes do uso, os animais
apresentaram sialorreia, incoordenação, cegueira e anorexia. Além disso, a aplicação foi
realizada por volta das 13:00 e o volume utilizado foi de aproximadamente 100 mL por
animal, aplicado nas regiões dorsais, caudal à junção atlanto-occipital até a região caudal
escapular. Na fazenda, os animais foram medicados com fluidoterapia, vitaminas e
atropina, e água para limpar as áreas afetadas, mas sem melhora. Três animais morreram
na fazenda com sinais semelhantes após a aplicação e não foram realizadas necropsias
adicionais.
No exame físico, foram observadas áreas bem definidas elevadas e descamação da pele
com crostas na região dorsal da escápula, pescoço e orelhas, que progrediram
ventralmente sobre o tórax, resultando em uma aparência de "líquido drenado" (Fig.1 e
2). Estas áreas eram dolorosas à palpação. Além disso, áreas multifocais a coalescentes
de descamação epitelial esbranquiçada e/ou enegrecida, mal definidas, foram observadas
na mucosa vulvar e região dorsal da língua (Fig. 3), também mostrando desprendimento
e sensibilidade dolorosa à palpação, provavelmente resultante de lamber a região onde a
aplicação foi feita.
O Animal 1 apresentava lesões tegumentares graves, com 8% de desidratação, apatia leve,
sialorreia, anorexia, hiperexcitabilidade, resultando em tremores musculares
generalizados quando estimulado e bradicardia.

Trad.: Figura 1-2: Dermatite irritante devido à cipermetrina pour-on em bovinos leiteiros. Animal 1, Área
bem definida e elevada com crostas na região dorsal da escápula, pescoço e orelhas que progrediram
ventralmente resultando em uma aparência de "líquido drenado". CGB/PE.

Figura 3. Dermatite irritante

devido à cipermetrina pour-on em
bovinos leiteiros. Animal 1, áreas
mal definidas, multifocais a
coalescentes de descamação
epitelial na língua. CBG/PE

O hemograma (Tabela 1) mostrou uma leve elevação na proteína plasmática total e um

aumento expressivo no fibrinogênio plasmático, indicando um processo inflamatório
ativo (Wood; Quiroz-Rocha, 2010). Na contagem de leucócitos, foi observada uma leve
neutrofilia com desvio regenerativo à esquerda (Tabela 2). Considerando os achados
clínicos e laboratoriais, um protocolo sistêmico foi iniciado com antibiótico (cloridrato
de ceftiofur 50mg, 1mL/50kg PC, IM, SID, 7 aplicações), anti-inflamatório não esteroidal
(flunixina meglumina, 1,1mg/kg PV, IV, SID, 5 aplicações) e tratamento tópico com
solução de permanganato de potássio (KMnO4 1mg/mL, tópico, SID) na mucosa vulvar
e língua, seguido pela aplicação de triamcinolona acetonida nas lesões da língua e óleo
de girassol nas lesões cutâneas, diariamente. Além da dieta pastosa, terapia adjuvante com
soro de glicose a 5% e fluido ruminal quando considerado necessário.

Um segundo hemograma (Tabela 1) foi realizado 7 dias após o início do tratamento,

mostrando uma evolução positiva nos parâmetros, com queda no valor do fibrinogênio e
contagem de leucócitos com o valor total ligeiramente abaixo dos valores de referência
(Jain, 1993) (Tabela 2). O animal respondeu satisfatoriamente à terapia, as lesões cutâneas
e mucosas estavam em processo de cicatrização e o apetite retornou. Algumas alterações
não regrediram completamente, como sialorreia, bradicardia e tremores musculares; no
entanto, permaneceram em menor grau em comparação com a chegada. O animal recebeu
alta após 19 dias de hospitalização.
Animal 2, além de lesões cutâneas moderadas, apresentava apatia leve, desidratação de
8% e hipomotilidade do trato gastrointestinal. O hemograma (Tabela 1) revelou
fibrinogênio elevado, contagem de leucócitos dentro dos limites normais, mas, na
contagem diferencial, um alto valor de bastonetes (Tabela 2). Foi realizado um protocolo
semelhante ao do animal 1, com evolução clínica positiva, redução de lesões mucosas,
sialorreia e cutâneas, bem como melhora na dinâmica gastrointestinal, sendo liberado
após 8 dias de hospitalização.
Foi possível entrar em contato com o proprietário 8 meses após a última alta dos animais,
relatando que ambos haviam respondido satisfatoriamente.
Uma biópsia cutânea foi realizada no animal 1 no sétimo dia de hospitalização e foi
observada uma área focalmente extensa de erosão e ulceração na epiderme com uma
crosta extensa composta por queratina intercalada com um grande número de neutrófilos
degenerados, glóbulos vermelhos e quantidade leve de pigmento marrom e pelos. Na
derme superficial, moderado infiltrado linfohistiocitário e neutrofílico perivascular com
moderada dilatação das glândulas paratriciais (Fig. 4).

DISCUSSÃO
Esta é a primeira descrição de intoxicação sistêmica com dermatite de contato irritante
causada por cipermetrina pour-on em vacas leiteiras, e o diagnóstico foi feito com base
no histórico de aplicação de um produto contendo o agente ativo, bem como nos achados
clínicos semelhantes aos relatados em animais e humanos (Mendonça et al., 2010;
Christofoletti e Mamprim, 2020). Um relatório de bovinos intoxicados por
ectoparasiticida contendo cipermetrina também continha diclorvós, portanto, devido à
associação dos dois compostos, é impossível afirmar quais sinais estão relacionados a
cada um (Mendonça et al., 2010). Além disso, em bovinos, o único relatório de dermatite
de contato irritante foi feito por Onda et al., 2008, mas difere do nosso caso, pois foi um
produto não veterinário usado no ambiente que permaneceu na pele dos animais.
Os animais neste caso receberam cipermetrina às 13:00, o que é contraindicado pelo
inserto do medicamento (Ectonil®, Cipermetrina, Labgard, Brasil), assim como a
dosagem utilizada (100 mL por animal), que foi muitas vezes maior do que a indicada
pelo fabricante (10 mL/100 kg PV) (Ectonil Pour On, 1997). Isso foi certamente a causa
dos sinais clínicos e das lesões tegumentares; além disso, a literatura confirma a ação
irritante da cipermetrina na pele, que pode ocorrer em animais e humanos
(Environmental…, 1989; Sharma et al., 2018).
Trad.: Figura 4. Alterações microscópicas observadas no tecido epitelial de um animal com dermatite de
contato devido à cipermetrina. Animal 1, imagem microscópica de ulceração na epiderme com crosta de
queratina intercalada com neutrófilos degenerados e dermatite superficial linfohistiocítica. Pele. HE. obj.
10X CBG/PE, 2021.

Também foram observados sintomas semelhantes aos já descritos na literatura, incluindo

apatia, hiperexcitabilidade, tremores musculares e incoordenação, esta última não
encontrada no exame físico, no entanto, foi relatada pelo proprietário nos animais que
morreram na fazenda (Segundo et al., 2018; Tiwari e Sinha, 2010). Esses efeitos
provavelmente foram devido à ação da cipermetrina no neurotransmissor inibitório ácido
gama-aminobutírico (GABA), resultando em excitação excessiva, e nos canais de sódio,
alterando os potenciais de ação dos neurônios (Montanha e Pimpão, 2012; Rehman et al.,
2014). Além da bradicardia que pode ocorrer na intoxicação por cipermetrina, em
bovinos, ela pode ser causada por uma perturbação na condução do coração, sendo a
abertura dos canais de sódio um ponto essencial para o funcionamento do marca-passo
cardíaco (Dirksen et al., 1993; Montanha e Pimpão, 2012; Klein, 2014; Christofoletti e
Mamprim, 2020). Esse mecanismo justifica o não uso de atropina nos casos presentes,
que é indicada para intoxicação por compostos organofosforados e tem efeito
parassimpatolítico (Vital e Acco, 2017).
Em ambos os animais no presente caso, o eritrograma não apresentou alterações; no
entanto, em intoxicação experimental por cipermetrina em ratos, foi relatada redução na
contagem total de glóbulos vermelhos, volume globular e hemoglobina, indicando
redução na eritropoiese (Nair et al., 2010). Enquanto a ocorrência de um processo
inflamatório ativo nos animais no presente caso resultou em aumento do fibrinogênio
(Wood e Quiroz-Rocha, 2010), reduzido na segunda avaliação do animal 1, indicando
uma resposta positiva ao tratamento. A contagem total de leucócitos estava dentro da faixa
normal; no entanto, o animal 1 apresentava neutrofilia com desvio regenerativo à
esquerda no primeiro exame, indicando estimulação da granulopoiese (Jain, 1986).

Os achados histopatológicos de ulceração tegumentar no presente caso são diferentes dos

descritos na literatura sobre dermatite de contato irritante em vacas, que incluem
visualização de espongiose, hiperplasia epidérmica e hiperqueratose (Onda et al., 2008).
Essa diferença provavelmente é resultado de uma agressão aguda e mais intensa em nosso
caso. No entanto, houve semelhanças na visualização de ulceração epidérmica, dermatite
perivascular superficial e infiltrado linfo-histiocitário (Ho et al., 2015).

O tratamento sistêmico foi eficaz, com a terapia antimicrobiana sendo indicada em casos
de lesões tegumentares profundas ou amplamente distribuídas, além de corticosteroides
tópicos, usados na mucosa afetada (Ho et al., 2015); além da aplicação de óleo de girassol
nas feridas, responsável por acelerar o processo de reparo, como já observado em ovinos
e equinos (Marques et al., 2004; Oliveira Jr. et al., 2012).
CONCLUSÕES

Em conclusão, a alta dosagem de cipermetrina pour-on pode causar dermatite de contato

irritante, bem como alterações nervosas de hiperexcitabilidade, tremores musculares e
apatia, e até mesmo a morte em vacas leiteiras. Embora não haja um antídoto específico
para intoxicação por piretroides, o tratamento de suporte foi eficaz neste surto para
resolver as lesões cutâneas, utilizando terapia antimicrobiana sistêmica e anti-
inflamatória tópica. No entanto, os sinais nervosos de bradicardia e tremores musculares
não foram totalmente reversíveis até o momento da alta clínica.

REFERÊNCIAS