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Cartaz de propaganda da Royal Navy Cartaz para atrair o recrutamento de homens com idade

entre 18 e 38 anos

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL NO MAR


UMA BREVE ANÁLISE DE SEUS PROTAGONISTAS

Aspirante João Paulo Rodrigues Lage


Aspirante Arthur Janeiro Campos Nuñez
Aspirante Pedro Henrique Ainsworth

INTRODUÇÃO truturado à época (em grande parte decorrente das


evoluções político-territoriais do século XIX) acabou
Decorridos cem anos do assassinato de Francisco por envolver representantes de todos os continentes.
Ferdinando nas ruas de Sarajevo, muitas são as análi- De fato, configurava-se um conflito de proporções glo-
ses teóricas que tratam da Primeira Guerra Mundial (I bais, inéditas até então.
GM) em âmbito geral. Inquestionavelmente, trata-se
Ainda que esse caráter de abrangência não possa
de um conflito cuja principal característica é a ruptura
ser descaracterizado, é igualmente inegável que foi um
de paradigmas: seja na dimensão estratégica, tática ou conflito eminentemente europeu. A chamada “guerra
logística, como também sob o ponto de vista dos avan- de trincheiras” assolou uma Europa já acostumada à
ços tecnológicos desenvolvidos e aplicados sobretudo serenidade da Pax Britannica, progressivamente ame-
em armamentos. açada pelo crescimento alemão. Tal concepção acaba
A I GM também é analisada como um marco na por moldar a visão de uma guerra predominantemente
história das guerras, já que o sistema de alianças es- terrestre, especialmente em nível teórico. É fundamen-

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tal, contudo, que a dimensão naval da I GM seja atre- Congresso de Viena (1815). E tal ruptura, definitiva-
lada a essa análise, de sorte a permitir uma compreen- mente, tinha no mar a sua vertente mais veemente. A
são mais completa tanto das causas e da evolução do perspicácia do Primeiro Lorde do Almirantado Inglês,
conflito em si, bem como de suas decorrências. Sir John Fisher, vinha de sua experiência tanto no mar
quanto em análise estratégica. Fisher tinha plena con-
vicção de que o estado de segurança pós-Trafalgar da
O CENÁRIO NAVAL NOS IDOS DE 1914
Grã-Bretanha estava plenamente ameaçado pelo fran-
Após a unificação, os alemães se inseriam no ce- co desenvolvimento alemão. Logicamente influenciado
nário político-econômico do continente europeu e pelas perdas russas frente aos japoneses em Tsushima
do mundo, contornado pela dinâmica da efusiva 2ª (1905), Fisher revolucionou o conceito de navio de
Revolução Industrial, a qual pressionava os estados guerra com “seu” HMS “Dreadnought”, um ano de-
europeus a sanearem as crescentes demandas de suas pois. O principal aspecto diferenciador era o poder de
fábricas em território afro-asi- fogo: o “Dreadnought” conta-
ático. Após sediar em Berlim a va com 10 canhões de 12 pole-
“oficialização da partilha” do gadas, 24 canhões de 12 libras,
continente, no ano de 1886, os além de tubos para lançamento
alemães realmente passaram a de torpedos. Inegavelmente, os
prescindir de uma autoridade receios de Fisher em relação ao
marítima que levasse seu estan- acelerado crescimento germâ-
darte pelos oceanos do globo.1 nico tiveram nos canhões a sua
E é exatamente sob tais con- resposta mais rápida.
dições que Alfred von Tirpitz A Marinha Real Britânica
irá aparecer como personagem sempre teve um papel decisivo
fundamental: o criador da Es- na história do Reino Unido,
quadra de Alto Mar Alemã, a garantindo os interesses britâ-
Hochseeflotte. nicos pelo mundo e servindo
Tirpitz fora nomeado Secre- como base de sustentação e
tário de Estado para a Marinha ligação de seu imenso impé-
Alemã no ano de 1893, e so- rio. Essas funções tornaram-se
mente em 1900 foi aprovada a mais claras quando o Almiran-
lei que criaria, então, a Arma- te Mahan publicou, em 1890,
da Alemã. Talvez o principal o célebre The Influence of Sea
ponto a mencionar nesse con- Power Upon History, o qual
texto seja o apoio e prestígio propunha que todas as nações
político de que Tirpitz gozava Almirante Fisher como Primeiro Lorde do que exercessem os domínios
junto ao Kaiser Guilherme II2. Almirantado em 1911 sobre os mares seriam as gran-
Não poderia ser diferente, se des potências vitoriosas. Neste
pensarmos que, apenas 14 anos após a sua criação, a livro, expõe-se claramente que caberia à Royal Navy a
Marinha Alemã estaria engajada num conflito de pro- responsabilidade mantenedora sobre o Império, além
porções jamais vistas até então. de assegurar a defesa da Grã-Bretanha frente a amea-
O viés do aparelhamento naval alemão, em sua ças diversas.
pós-concepção, foi evidentemente o investimento em Ao início do século XX, Fisher talvez fosse um dos
meios operativos. Os primeiros anos do século XX já Oficiais-Generais que mais claramente conseguiam de-
antecipavam uma ruptura do “equilíbrio” de forças preender a irreversibilidade de um conflito frente aos
regido sob a égide da Pax Britannica instaurada pelo ascendentes germânicos. Certa vez, afirmou ao Prínci-
pe de Gales: “Germany keeps her whole fleet always
1
HUMBLE, Richard. A Marinha Alemã: a esquadra de alto mar.
Rio de Janeiro: Renes, 1974. concentrated within a few hours of England. We must
2
O reinado de Guilherme II compreendeu o período entre 1888 e therefore keep a fleet twice as powerful within a few
1918, quando abdicou o poder. hours of Germany.” (“A Alemanha mantém toda sua

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frota sempre concentrada a algumas horas da Inglater- presumir. Isso porque os ingleses exerciam um forte
ra. Devemos, portanto, manter uma frota duas vezes bloqueio à Hochseeflotte, ao norte, na base de Scapa
mais poderosa a algumas horas da Alemanha.”) (tra- Flow, e também no Canal da Mancha, junto ao Estrei-
dução nossa). to de Dover. Era a chamada Home Fleet, ou a Esqua-
Os primeiros anos do século passado foram marca- dra Metropolitana Britânica, atuando no foco princi-
dos por uma engajada “corrida armamentista naval” pal das pressões inimigas. A estratégia germânica era
em direção ao mar, protagonizada por ingleses e ale- claramente orientada a evitar um embate direto com
mães, ainda que franceses e principalmente america- a Home Fleet; o objetivo básico era desestabilizar a
nos também despontassem. A aquisição dos encoura- conjuntura de domínio naval inglês já estabelecida, de
çados “Dreadnought” e “super-Dreadnought” passou maneira a não restar opção aos ingleses senão destinar
a ser sinônimo de poder dissuasório por todo o pla- parcela de seu contingente naval metropolitano para
neta, especialmente no já atribulado cenário europeu. cobrir as baixas em outros cenários.
Quando o atentado ao príncipe Francisco Ferdinan- Desde Trafalgar, a Marinha Real não enfrentara
do deu início à Primeira Guerra uma batalha naval de grande
Mundial, a Grã-Bretanha dispu- magnitude. Sua revitalização
nha de 24 encouraçados “Dre- era uma necessidade premente,
adnought” contra apenas 15 dos principalmente ao analisarmos o
alemães; ademais, contava com quadro político de fins do século
avassaladores 40 encouraçados XIX e início do século passado. E
“pré-Dreadnought”, contra 23 Fisher foi além dos “Dreadnou-
da Alemanha.3 A latente desvan-
ghts”. Também concebeu a ideia
tagem orientou a concepção es-
dos cruzadores de batalha. Tais
tratégica do II Reich:
belonaves eram os cruzadores da
A Alemanha precisa ter época dotados de pouca couraça,
uma armada tão pode- porém capazes de desenvolver
rosa que mesmo a mais
velocidades de aproximadamente
forte potência maríti-
25 nós; eram armados com oito
ma, em guerra contra
canhões de 12 polegadas e des-
ela, sinta perigar sua
locavam 17.000 toneladas. Para
posição de liderança
Fisher, a maior defesa de seus
no mar. Para este fim,
não é absolutamente cruzadores era a sua própria ve-
necessário que a arma- locidade, conceito comprovada-
da alemã seja tão forte Almirante Alfred von Tirpitz mente errôneo após a Jutlândia.
quanto a da maior po- Com todos os esforços empreen-
tência marítima, pois, didos, Fisher contava com uma
via de regra, esta potência não estará em po- Marinha poderosíssima nos idos do início da Primeira
sição de concentrar todas as suas forças de Guerra Mundial:
batalha contra nós. • 18 encouraçados da classe “Dreadnought” (com
(TIRPITZ, Alfred apud HUMBLE, Richard, mais seis em construção);
1974, p.11) • 10 cruzadores de batalha (a citar o “Invincible”, o
“Indomitable” e o “Inflexible”);
Os alemães mantinham uma concepção de que a
• 20 town cruisers (cruzadores com maior blinda-
geopolítica da Grã-Bretanha, quase que totalmente
gem, com menos armamento);
dependente de seu domínio nos mares, seria também
• 200 destróieres;
seu maior gargalo. Quando da deflagração do confli- • 29 encouraçados “pré-Dreadnought”;
to e mesmo alguns meses antes, o teatro de operações • 15 cruzadores encouraçados; e
principal não foi o Mar do Norte, como se poderia • 150 torpedeiras.
3
CESAR, William Carmo. Uma História das Guerras Navais. Rio Todo este aparato em meios tornava a Royal
de Janeiro: FEMAR, 2013. Navy a Marinha de Guerra mais poderosa do mun-

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do, com considerável vantagem frente a qualquer A Inteligência Britânica frustrou os furtivos planos
outra, por maiores que fossem os avanços conquis- de bombardeio a Sunderland, elaborados por Scheer
tados pelos alemães. (Comandante-Chefe da Esquadra de Alto Mar) e pelo
Mesmo antes do início oficial da I GM, por parte Contra-Almirante Franz von Hipper (Comandante da
dos alemães, o encouraçado de batalha “Goeben” e o Força de Escolta Alemã). A oposição da Home Fleet,
cruzador leve “Breslau” já atuavam nas águas do Me- comandada pelo Almirante Sir John Jellicoe, confi-
diterrâneo, sendo em seguida colocados à disposição gurou a maior batalha naval da I GM, impondo aos
dos turcos; suspendendo de Tsingtau, na China, a Es- alemães a perda de 11 navios e quase 3000 homens.
quadra da Ásia Oriental, comandada pelo Almirante Não obstante os vultosos danos sofridos, é possível
Graf von Spee e capitaneada a bordo dos cruzadores considerar a Alemanha como a vencedora tática, ainda
encouraçados “Scharnhorst” e que estrategicamente a Grã-Bre-
“Gneisenau”, singrou o Pacífico tanha tenha logrado êxito, uma
acumulando êxitos até sucumbir vez que o bloqueio exercido pe-
frente aos ingleses nas imedia- los ingleses permanecera intacto.
ções das Falklands, em dezem- As consequências para os
bro de 1914; cerca de um mês alemães do confronto ao largo
antes, também fora derrotado o da Jutlândia, ainda que conside-
cruzador leve “Emden”, do Ca- rada sua vitória tática, foram pe-
pitão Karl von Muller, após um sadas. O Almirante Scheer man-
cruzeiro de aproximadamente teve suas apostas nas incursões
25000 milhas pelo Atlântico de pequeno porte. Sem sucesso.
e Índico, o qual impôs severas As Forças de Superfície da Ho-
perdas a comboios mercantes chseeflotte acumulavam perdas
anglo-franceses. É nítido perce- (materiais e humanas) em suas
ber que os alemães atuaram nos operações, cada vez mais res-
diversos Teatros de Operações tritas ao Mar do Norte, além
Marítimos (TOM) do planeta, de manifestarem um crescente
comprovando o caráter global descontentamento. Limitada a
de um conflito ineditamente atuação da Esquadra de Alto
mundial por definição. Mar, entre 1916 e o fim de 1917
Nos anos de 1914 e 1915, o corso alemão encontrou nos
pode-se dizer que a estratégia submarinos a sua melhor alter-
naval alemã não rendeu os fru- nativa, especialmente depois que
tos esperados, afinal, por mais Almirante Graf Spee o Kaiser outorgou a guerra sub-
aprestados que estivessem os marina irrestrita.
meios alemães, as forças aliadas
não foram severamente afetadas, ainda que a vulnera- ESTADOS UNIDOS:
bilidade mercante começasse a preocupar os ingleses. DA NEUTRALIDADE AO PROTAGONISMO
Em janeiro de 1916, o Vice-Almirante Reinhard Scheer
assumia o comando da Hochseeflotte, sob um plane- Ao tratarmos da entrada efetiva dos Estados Uni-
jamento de “surtidas” rápidas, ou pequenas incursões dos da América no cenário naval da Primeira Guerra
que claramente se configuram dentro de uma filosofia Mundial, que só veio a ocorrer em 1917, faz-se mis-
de desgaste bélico, ainda buscando uma desarticula- ter abordar a evolução que vinha sofrendo a Marinha
ção da Home Fleet que permitiria romper o bloqueio norte-americana no final do século XIX e alvorecer do
inglês. Por mais que houvesse o interesse de se evitar XX.
um embate frontal, ao voltar as atenções de sua esqua- Poucos anos antes do afundamento do Cruzador
dra para o Mar do Norte, Scheer sabia dos riscos de classe “Maine”, que catalisou a participação america-
acontecer o contrário. E aconteceu, em maio do mes- na na Guerra Hispano-Americana, já se vislumbrava
mo ano: a Batalha da Jutlândia. internamente a necessidade de remodelação dos meios

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navais e a mentalidade marítima dos EUA, adequando começava a preocupar os bancos credores de Nova
a Marinha à preponderância econômica e financeira York. Não obstante, o mais grave dos problemas se
que já se desenhava. Os governos de William McKin- encontrava debaixo d’água. A declaração da guerra
ley e Theodore Roosevelt foram fundamentais para o submarina irrestrita significou uma grande ameaça aos
início do desenvolvimento da New Navy, tão intencio- navios mercantes e à cadeia logística de apoio à Enten-
nada pelo Estado americano. A primeira grande neces- te. Era necessário intervir.
sidade apontada pelo General Board of the Navy, um
A confluência desses fatores, fez com que Wil-
conselho desenvolvido para analisar os anseios e novos
son, num discurso contundente, conclamasse o apoio
objetivos da Marinha americana, foi a de “se desen-
da população americana contra uma Alemanha que
volver uma Esquadra mais forte que qualquer antago-
afrontava os direitos e a integridade da nação. A neu-
nista em potencial e uma Política Naval baseada em
tralidade terminara. A presença massiva de uma força
seu desenvolvimento sobre outras nações”, ou seja, na
expedicionária Americana foi fundamental para dar
influência norte-americana para além-mar. A presença
apoio aos avanços das tropas inglesas e francesas no
de grandes Almirantes como Alfred Mahan e George
Dewey foi de suma importância embate. As forças navais passa-
para que toda essa nova política vam a ser usadas para transpor-
se tornasse a nova personalida- te e para proteção do translado
de da US Navy, colocando-a no de mercadorias e tropas para o
rol das nações dotadas de forças front europeu. Muito mais que
navais compostas pelos grandes uma participação tática decisi-
encouraçados. va, o envolvimento americano
na I GM assinalava mais uma
Ao início da guerra na Euro-
pa, em 1914, o governo Woo- ruptura de paradigmas, também
drow Wilson procurou posicio- no âmbito militar-naval.
nar-se de maneira neutra e não
se envolver com o sistema de 1918: OS MOMENTOS
alianças estabelecido, apesar de DERRADEIROS
sua forte ligação com a França e
o Reino Unido. No cenário eco- Após três sofríveis anos da
nômico, navios mercantes saíam “guerra de trincheiras”, mesmo
dos portos norte-americanos tendo conseguido avançar rumo
diariamente para abastecimento à França no início de 1918, a
de insumos básicos na Europa, reação aliada, já contando com
principalmente nas duas nações Contra Almirante Alfred Thayer Mahan o decisivo suporte americano,
supracitadas, o que trazia divi- superou as forças alemãs, que
sas para a América. O primeiro a partir de então retornavam a
conflito mundial, eminentemente europeu por concep- Berlim em progressivo recuo. As forças terrestres ha-
ção, era assim visto pelo Congresso americano. viam sido estranguladas. No mar, a situação era pos-
A “imparcialidade” americana acabou comprome- sivelmente ainda pior: tripulações de diversos navios
tida por alguns fatores que impulsionaram uma mu- da esquadra sediada em Wilhelmshaven haviam se su-
dança nos rumos da guerra. Primeiramente, o caso do blevado, temendo a veracidade dos rumores de que o
telegrama Zimmermann, interceptado pelos britânicos Alto Comando da Marinha planejava uma derradeira
e enviado para a Casa Branca como um sinal de ame- ofensiva suicida contra os ingleses. O moral dos ma-
aça à integridade territorial dos EUA, em face de um rinheiros alemães estava muito abalado e a situação
arriscado alinhamento entre México e a Alemanha. tornara-se ainda mais complicada após a Jutlândia.
Era a generalização do caos.
Também a saída da guerra por parte da Rússia, em
Brest-Litovsky, o que gerava um previsível enfraque- O Armistício de Compiègne, assinado a 11 de no-
cimento da Entente. A possibilidade de inviabilidade vembro de 1918 por um “governo embrionário”4 ale-
de retorno dos investimentos americanos na Europa 4
A República de Weimar foi proclamada por Phillip Scheidmann,

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mão (instaurado após o exílio de Guilherme II na Ho- navios nas águas de Scapa Flow. O episódio marcou
landa), pôs fim à Primeira Guerra Mundial em termos definitivamente o fim da Hochseeflotte, porém reveste-
oficiais. Entre as suas deliberações, estava a rendição -se de especial importância na medida em que devolve
da Hochseeflotte e sua “custódia” sob a supervisão in- sua honradez. A História, do exposto, não interpreta
glesa em Scapa Flow. De tal forma, em 21 de novem- este “fracasso honrado” como um fim, mas como um
bro, mais de setenta navios alemães (entre eles onze en- recomeço a ser construído sobre um passado de glória,
couraçados e cerca de 50 contratorpedeiros, além dos ferido por uma capitulação agora digna.
submarinos) eram conduzidos pelo Contra-Almirante
Ludwig von Reuter em seu capitânia, o cruzador de CONCLUSÃO
batalha “Seydlitz”.5
A componente naval que envolve a Primeira Guerra
Pode-se dizer que havia um misto de sentimen-
Mundial é, sem qualquer dúvida, revestida de um ca-
tos após a rendição. O Almirante Sir David Beatty,
ráter extremamente abrangente. A diversidade tática,
Comandante-Chefe da Home Fleet após a saída de
a amplitude estratégica e os desafios logísticos a tor-
Jellicoe, definiu o episódio com desapontamento: “...
nam especialmente interessante. É muito importante,
foi uma visão horrível”.6 Na realidade, os próprios
todavia, que sejam salientadas as repercussões deste
aliados esperavam algo a mais daquela valorosa Es-
conflito e, em grande parte, como tais consequências
quadra do que uma pacífica e medíocre rendição. No
impactaram a realidade do pós-guerra e como influen-
entanto, as tropas estavam derrotadas por si mesmas
ciaram os parâmetros militares dos anos subsequentes,
e, embora suscite controvérsias, o Almirantado alemão
especialmente no âmbito das Marinhas de Guerra.
não encontrou, pelo menos de imediato, um interesse
do novo governo de Berlim em preservar a imagem da Após o emblemático desfecho de Scapa Flow, a Ho-
Hochseeflotte. chseeflotte fora praticamente reduzida a pó: os pou-
cos navios que não foram a pique nas águas britânicas
Todavia, como em Humble (1974, p.19), “esta era
foram partilhados entre os aliados, como se supunha;
uma fase transitória e não o quadro final do colap-
restou aos alemães contar com oito obsoletos encou-
so total e abjeto”. Poucas semanas foram suficientes
raçados “pré-Dreadnought”, oito cruzadores leves e
para reinvocar o espírito de luta dos alemães. O latente
pouco mais que trinta navios de menor porte, como
nacionalismo, aliás, sempre presente nos germânicos,
torpedeiros e destróieres. Mal comparando, na práti-
fora despertado pelo fim do prazo definido para a ra-
ca, reduziu-se uma imponente Esquadra a uns poucos
tificação de Versalhes. Os termos navais do Tratado
meios com orientação defensiva. Com o passar dos
previam a partilha da Esquadra de Alto Mar entre os
anos, especialmente na futura administração de Erich
aliados, majoritariamente França e Inglaterra. Após
Raeder, iria ser consolidado o plano de rearmamento
sete desonrosos meses no “cativeiro britânico”, Reuter
da Marinha Alemã, que originaria a Kriegsmarine.
planejou uma ação que coincidiria com a data-término
Os desafios encontrados pela Marinha Real na
de vigência de Compiègne e que devolveria a honra à
Batalha da Jutlândia e a dificuldade de combater a
Alemanha: o suicídio.
arma submarina alemã, somados a derrotas táticas e
Na manhã de 21 de junho de 1919, apenas uma estratégicas como em Galipoli, mostraram aos ingleses
semana antes da assinatura do Tratado de Versalhes, algumas de suas principais vulnerabilidades, além de
Reuter hasteou o sinal tático codificado que ordenava prenunciar uma transição da dominação ultramarina
o afundamento de todos os “reféns”, aproveitando-se entre Grã-Bretanha e EUA. A supremacia naval into-
da ausência das principais forças de segurança britâ- cável dos britânicos, que remonta aos idos de 1588 no
nicas. Foi um naufrágio coletivo de mais de sessenta episódio da Invencível Armada, havia sido posta em
a 9 de novembro de 1918. Deu-se curso, então, a um governo questão e muitas lições deveriam ser aprendidas, tal
social-democrata de cunho embrionário, uma vez que o primeiro como seria comprovado a partir de 1939.
presidente oficial de Weimar, Friedrich Ebert, só veio a assumir o
cargo em agosto do ano seguinte. Os americanos, por sua vez, beneficiaram-se por
uma participação tardia, bem como pelo fato de con-
5
MASON, David. Submarinos Alemães: a arma oculta. Rio de
Janeiro: Renes, 1975. duzirem uma guerra longe de seu território. Atuando
6
HUMBLE, Richard. A Marinha Alemã: a esquadra de alto mar. como peça-chave ao aparato logístico da Entente des-
Rio de Janeiro: Renes, 1974. de 1914, os EUA lucraram absurdamente com o for-

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necimento de gêneros e armamentos. Sob o ponto de acontecimentos transcorridos até 1939. As deriva-
vista econômico, definitivamente assumiam as rédeas ções geopolíticas, os acordos militares e os posiciona-
do globo, ainda que não tivessem a projeção política mentos político-estratégicos das principais potências
que lhes possibilitasse exercer um papel hegemônico do mundo foram orientados pelos resultados daque-
por definição. Entretanto, os EUA também adquiriam le que, ao menos até então, fora o mais avassalador
uma significativa experiência real no plano militar, que conflito existente. É um assunto que não se esgota,
seria determinante nos conturbados anos seguintes. que não se limita. E nada mais contundente para de-
A Primeira Guerra Mundial havia revolucionado monstrar a relevância deste trágico episódio na His-
o conceito de conflitos entre Estados, sendo igual- tória da Humanidade que uma análise como esta, um
mente determinante no que tange ao desenrolar dos século mais tarde.

BIBLIOGRAFIA
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CESAR, William Carmo. Uma História das Guerras Navais. Rio de Janeiro: FEMAR, 2013.
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