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Sumário
Introdução. 1. Definições e conceitos. 2.
Objetivos e princípios. 3. Regulamento geral.
3.1. Estágios de regeneração. 3.2. Outros usos.
4. Instrumentos econômicos e fomento. Consi-
derações Finais.
Introdução
A história da devastação das florestas
brasileiras de um modo geral, e especifi-
camente da Mata Atlântica, já foi descrita
por vários autores como Fonseca (1985),
Câmara (2003), Hirota (2003), Mittermeier
et al (2004), Dean (2004), sendo, ainda hoje,
objeto de controvérsias o seu real estágio de
degradação e fragmentação. Alguns estu-
dos apontam a existência de menos de 8%
da cobertura florestal original (ATLAS...,
Fernando Paiva Scardua é Professor Adjunto
da Faculdade do Gama (FGA) e do Centro de 1998; ATLAS, 2002), outros para valores
Desenvolvimento Sustentável (CDS) da Univer- em torno de 26,97% (LEVANTAMENTO...,
sidade de Brasília (UnB). Mestre em Ciências 2007) e, mais recentemente, Ribeiro et al
Florestais pela Escola Superior de Agricultura (2009) atribuíram um valor em torno de
“Luiz de Queiroz” – ESALQ/USP e Doutor em 17,4%. As diferenças nas taxas apresentadas
Desenvolvimento Sustentável pela Universi- entre os diferentes autores são discutidas
dade de Brasília, Pós-Doutorado pelo Institut por Ribeiro et al (2009).
de Recherche pour le Développement, França. De qualquer forma, ainda que adotado
Engenheiro Florestal
o percentual mais otimista, certo é que a
Márcia Dieguez Leuzinger é Procuradora do
degradação do bioma é bastante severa,
Estado do Paraná, Mestre em Direito e Estado e
Doutora em Desenvolvimento Sustentável pela devendo-se considerar que sua biodiversi-
Universidade de Brasília – UnB, professora de dade é extremamente significativa, com um
Direito Administrativo e de Direito Ambiental altíssimo número de espécies endêmicas,
da graduação e do mestrado do Centro Univer- o que conduziu o constituinte originário
sitário de Brasília – UniCEUB. Advogada. a alçar a Mata Atlântica, na Constituição
Brasília a. 48 n. 191 jul./set. 2011 123
Federal de 1988, à condição de patrimônio com a presença de populações humanas
nacional. Nos termos do art. 225, § 4o, da em vastas áreas. Por essa razão, deve-se
CF/88, sua utilização deve ser feita na considerar a necessidade de conciliar a
forma da lei, dentro de condições que as- proteção do bioma com as diferentes ativi-
segurem a preservação do bioma, inclusive dades antrópicas nele realizadas, inclusive
quanto ao uso dos recursos naturais. Diver- por populações tradicionais. Para tanto, a
sos diplomas foram, então, sendo editados própria CF/88 impõe ao proprietário que
ao longo das duas últimas décadas, deven- seja observada a função social da proprie-
do-se destacar a Resolução no 249, de 1999, dade, que abarca entre outras a dimensão
do Conselho Nacional do Meio Ambiente ambiental. Nesse sentido, variadas restri-
(Conama), que apresenta as diretrizes para ções ao exercício do direito de propriedade
a Política de Conservação e Desenvolvi- devem ser respeitadas pelo proprietário,
mento Sustentável da Mata Atlântica; a sob pena de perda parcial de sua garantia.
Lei no 11.428, de 2006, que dispõe sobre a No caso específico da Mata Atlântica, essas
utilização e proteção da vegetação nativa limitações decorrem, como dito, de uma
do bioma Mata Atlântica; o Decreto federal série de normas, consubstanciadas não
no 6.660/08, que a regulamenta, assim como apenas na Lei da Mata Atlântica, mas tam-
diversas outras Resoluções do Conama que, bém em seu Regulamento e em diferentes
em cada Estado, definem o que deve ser Resoluções do Conama.
considerado como vegetação primária e ve- Por outro lado, como o bioma é extre-
getação secundária, em estágio avançado, mamente antropizado, ao se falar de sua
médio ou inicial de regeneração. conservação, deve-se levar em considera-
A Lei no 11.428/06, em seu art. 2o, dispõe ção o conceito e os princípios estabelecidos
que devem ser considerados integrantes na Convenção sobre Diversidade Biológica,
do bioma Mata Atlântica as seguintes for- baseada no trinômio conservação, uso e
mações florestais nativas e ecossistemas repartição dos benefícios.
associados, que deverão ser estabelecidos Desse modo, o presente artigo pretende
em mapa pelo IBGE: fazer uma discussão dos conceitos, defini-
“Floresta Ombrófila Densa; Floresta ções e instrumentos apresentados nas nor-
Ombrófila Mista, também denomi- mas que regem a proteção ao bioma Mata
nada de Mata de Araucárias; Floresta Atlântica, bem como uma análise das prin-
Ombrófila Aberta; Floresta Estacional cipais inconsistências legais apresentadas.
Semidecidual; e Floresta Estacional
Decidual, bem como os manguezais,
1. Definições e conceitos
as vegetações de restingas, campos
de altitude, brejos interioranos e en- Inicialmente, é importante se proceder à
craves florestais do Nordeste. análise de alguns termos técnicos e defini-
Parágrafo único. Somente os rema- ções que estão presentes na Lei no 11.428/06
nescentes de vegetação nativa no (Lei da Mata Atlântica) e em seu respectivo
estágio primário e nos estágios se- regulamento. Como as normas ambientais
cundário inicial, médio e avançado de utilizam conceitos afetos a outras áreas
regeneração na área de abrangência do conhecimento, muitas vezes é bastante
definida no caput deste artigo terão difícil para os operadores do Direito aplicá-
seu uso e conservação regulados por -las corretamente, na medida em que não
esta Lei.” possuem exata noção do seu sentido.
Ao apresentar essa definição, que Serão também abordados alguns dados
será retomada mais adiante, o legislador apresentados pelo Instituto Brasileiro de
abarcou uma grande extensão territorial, Geografia e Estatística – IBGE, que é o órgão
Numa rápida análise dos dados es- (FATOS..., 2007), a exploração de 15m³/ano
pelhados no Quadro 1, pode-se observar para as pequenas propriedades correspon-
que aproximadamente 75% dos imóveis deria a 49,8% da produção anual brasileira.
rurais, no Brasil, apresentam menos de Outra conta que deve ser feita leva em
50ha, o que corresponde a 11,7% do total consideração a capacidade de manutenção/
da área das terras rurais. No bioma Mata recuperação da floresta, mediante o manejo
Atlântica, 80% dos imóveis rurais contam florestal sustentável. Assumindo-se um in-
com menos de 50ha, correspondendo a cremento médio anual (crescimento médio
17,3% da área total. anual da floresta) de aproximadamente 2
Assim, considerando-se que cada m3/ha/ano, ou seja, o dobro da produtivi-
pequeno proprietário poderá explorar, dade da Amazônia, a retirada de 15m3/ha/
desde que não haja propósito comercial ano seria inviável para propriedades me-
direto ou indireto, 15m3/ha/ano, ter-se-á nores que 8ha, mesmo em se considerando
uma supressão de 45.676.035m³/ano. Se não existir APP na propriedade, hipótese
considerada a retirada de 20m3 a cada três praticamente impossível de ocorrer nesse
anos (volume permitido para construção, bioma. Isso porque, numa propriedade com
benfeitorias e utensílios, nos termos do art. área inferior a 8 ha, a retirada de 15m³ é su-
2o, II, “a”, do Decreto no 6.660/08), o que perior à capacidade de suporte da floresta.
equivaleria a 6,66 m3/ano, chegar-se-á a um Desse modo, numa propriedade com 7 ha,
volume de 20.280.159,54 m3/ano. Como a o incremento anual seria de, no máximo, 14
produção anual total brasileira de madeira m³/ha/ano, o que é menor do que os 15m³
em tora, em 2006, foi de 156,2 milhões m3 permitidos pela Lei.
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