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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Letras

GREVE DE PROFESSORES:
uma análise de práticas discursivas de poder,
manipulação e resistência

Rosilene Maria Nascimento

Belo Horizonte
2010
Rosilene Maria Nascimento

GREVE DE PROFESSORES:
uma análise de práticas discursivas de poder,
manipulação e resistência

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Linguística e Língua
Portuguesa.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar


Mendes

Belo Horizonte
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Nascimento, Rosilene Maria


N244g Greve de professores: uma análise de práticas discursivas de poder,
manipulação e resistência / Rosilene Maria Nascimento. Belo Horizonte,
2010
127f. : Il.

Orientador: Paulo Henrique Aguiar Mendes


Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, Programa de Pós-Graduação em Letras.
Bibliografia.

1. Análise crítica do discurso. 2. Oratória política. 3. Professores - Greves.


4. Mídia (Publicidade). 5. Ideologia. I. Mendes, Paulo Henrique Aguiar. II.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-
Graduação em Letras. III. Título.

CDU: 800.855
Rosilene Maria Nascimento

Greve de professores: uma análise de práticas discursivas de poder, manipulação e


resistência.

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Letras da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Linguística e Língua
Portuguesa.

Prof. Dr. Paulo Henrique Aguiar Mendes – PUC Minas


Orientador

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari – PUC Minas

_______________________________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Humberto Lessa – PBH

Belo Horizonte, ____de__________________de 2010.


Dedico este trabalho a primeira pessoa que me falou sobre
organização coletiva de trabalhadores, meu pai.

(in memoriam 21/04/40 a 21/01/2010)

“Lembrá-lo não significa contar e recontar sua história (...). Significa fazê-lo participar da obra
contínua que se constrói em mim”
(Henri J.M.Nouwen)
AGRADECIMENTOS

A minha mãe; que com toda doçura acolheu-me tantas vezes nesta árdua
empreitada.
Ao meu irmão, Rogério Luiz Nascimento; por não me deixar desistir das
corridas de rua; e, por ser o maior amigo do mundo!
Ao Sandoval Antônio dos Reis, meu companheiro, pela confiança, incentivo e
pelo respeito dedicado a mim e, sobretudo, a este trabalho.
Ao SindRede, que disponibilizou o material necessário a esta pesquisa,
sempre com total atenção e cuidado à mim dispensados.
Ao meu orientador, Professor Dr. Paulo Henrique Mendes Aguiar, meus
sinceros agradecimentos, por aceitar orientar este projeto de pesquisa, solidarizar-se
com a questão proposta, além de uma postura fraterna e tão respeitosa, em relação
a esta escrita.
Aos professores (as) do Curso de Mestrado em Letras; em especial, ao
Professor Dr. Hugo Mari, pela disponibilidade e abertura em acolher as nossas
questões.
Ao Professor Dr. Cláudio Humberto Lessa, que conjuga tão bem competência
e solidariedade e que aceitou, gentilmente, compor esta banca.
Às minhas irmãs Renata Nascimento Marques e Liliane Braga Nascimento
pelo amor, compreensão, amizade e confiança a mim dedicados.
Aos grandes amigos (as) de uma vida inteira; Adriana Resende, Adriane,
Daniela Scarpa e Luiz Adriano que acompanharam, pacientemente, todo esse
processo; e, certamente, me ajudaram a sustentar o meu propósito. Em especial,
aqueles que contribuíram com questões extremamente pertinentes a esta pesquisa:
Charles Moreira Cunha,Joaquim Ramos e Nilmara Braga.
A todos (as) colegas do Curso de Mestrado em Letras. Um agradecimento
especial à amiga Lígia Ribeiro, pela parceria de escrita e pela amizade construída.
RESUMO

Esta dissertação apresenta uma análise dos discursos entrevistos nas práticas discursivas entre o Sindicato
Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG) e Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte (PBH), midiatizados pela imprensa escrita -, o jornal Estado de Minas (EM).
Foram analisados índices discursivos que pressupõem relações de confronto ideológico, poder
hegemônico, dominância e resistência. Estes índices permitiram-nos observar que o projeto
ideológico neoliberal é operacionalizado através dos discursos da PBH e do EM, que constituem
uma base hegemônica, naturalizando tal ideologia e fazendo-a progredir em muito dos seus
aspectos. Em relação ao jogo político e à orientação argumentativa, percebemos que os discursos dos
atores sociais assumem diferentes configurações semânticas que são limitadas pelo momento
histórico da enunciação; pelo lugar político-institucional que ocupam; pela posição identitária
(constituída por seus modelos pessoais e sociais) e pelo discurso do outro que atravessa o seu dizer - lugar
onde se instaura a polêmica; onde 'outros' sentidos são construídos. Tal procedimento se baseou na
abordagem dialógica bakhtiniana, por ocasião da apreensão da heterogeneidade discursiva; e do
referencial teórico-metodológico proposto pela Análise Crítica do Discurso (ACD), desenvolvida por
Fairclough (2001), que compreende o caso discursivo em três dimensões interligadas, mas
analiticamente separáveis: o texto; o discurso (que envolve práticas de produção e interpretação) e a
prática social. Além destes, utilizamos Dijk (2008) ao analisar práticas de dominação e
manipulação; e Thompson (2007) ao oferecer categorias analíticas de operacionalização ideológica.
Trata-se, pois, de uma pesquisa que pretende, através da análise, como propõe a ACD, desvelar
relações políticas de dominância e construções ideológicas, que se tornam, intencionalmente, opacas
nos discursos produzidos em situação de greve, fazendo circular imaginários que atendem a interesses
específicos.

Palavras-Chave: Análise Crítica do Discurso, discurso político, greve, mídia, ideologia, dominação
RÉSUMÉ

Ce mémoire présente une analyse des discours dans les pratiques discursives entrevu entre le
Syndicat Unique des Travailleurs de L'éducation de Minas Gerais (SindUTE-MG) et la Mairie
de Belo Horizonte (PBH), médiatisés par la presse écrite - le journal Estado de Minas (EM).
Les indices discursifs ont été analysés et ils supposent relations de la confrontation
idéologique, de la puissance hégémonique, de la domination et de la résistance. Ces indices
nous ont permis d’observer que le projet néolibéral idéologique est mis en œuvre par les
discours de PBH et EM, qui constituent une base hégémonique et qui font la naturalisation de
telle idéologie et son progrès dans de nombreux aspects. En ce qui concerne le jeu politique et
l'orientation argumentative, nous avons remarqué que le discours des acteurs sociaux
assument différentes configurations sémantiques qui sont limitées par le moment historique
de l'énonciation; par la place politique et institutionnelle qu'ils occupent; par la position de
l'identité (composée de leurs modèles personnelle et sociale) et par le discours d’autre qui
traverse votre mot à dire - où la controverse est établi et où «d'autres» significations sont
construites. Cette procédure a été basée sur une approche dialogique bakhtinienne, lors de la
saisie de l'hétérogénéité discursive, et le cadre théorique et méthodologique proposée par
Analyse Critique du Discours (ACD), développé par Fairclough (2001), qui comprend le cas
discursif dans les trois dimensions interdépendantes, mais analytiquement séparables: le texte,
le discours (ce qui implique des pratiques de production et d'interprétation) et la pratique
sociale. En plus ceux-ci, nous utilisons Dijk (2008) pour examiner les pratiques de domination
et de manipulation, et Thompson (2007) pour fournir des catégories analytiques du
fonctionnement idéologique. Il s’agit, par conséquent, d’une recherche qui vise, par l'analyse,
tel que proposé par l'ADC, révéler de relations politiques de domination et de constructions
idéologiques, qui deviennent, volontairement, opaques dans le discours produit en situation de
grève, en faisant circuler imaginaires qui répondent intérêts spécifiques.

Mots-clés: Analyse Critique du Discours, discours politique, grève, médias, idéologie,


domination.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Memória e modelos___________________________________________47

Quadro 2 Ciclo de processamento da memória_____________________________48

Quadro 3 FDs distintas_________________________________________________66

Quadro 4 Cronologia da greve __________________________________________79

Quadro 5 Modos de operacionalização ideológica: a reificação _______________82

Quadro 6 Democratização discursiva_____________________________________85

Quadro 7 Comodificação nas notas oficiais________________________________88

Quadro 8 Práticas manipulativas ________________________________________99


LISTA DE ABREVIATURAS

abr. abril
ago. agosto
coord. coordenador
dez. dezembro
ed. edição
f. folhas
fev. fevereiro
jan. janeiro
jul. julho
jun. junho
mar. março
n. número
nov. novembro
org. organizador
out. outubro
p. página
set. setembro
v. volume
vs. versus
LISTA DE SIGLAS

ACD - Análise Crítica do Discurso

CGT - Central Geral de Trabalhadores

CUT - Central Única de Trabalhadores

EM - Jornal Estado de Minas

PBH - Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

SindUTE-MG - Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais

USI - União Sindical Independente

FD - Formação Discursiva

LTM - Long Term Memory

STM - Short Term Memory

MLP - Memória de Longo Prazo

MCP - Memória de Curto Prazo


11

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 11
1.1 Justificativa da pesquisa ............................................................................................................... 13
1.2 Objetivos ........................................................................................................................................ 15
1.2.1 Objetivo geral............................................................................................................................... 15
1.2.2 Objetivos específicos.................................................................................................................... 15

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA........................................................................................ 16
2.1 Corpus e o objeto de estudo .......................................................................................................... 16
2.2 Panorama geral ............................................................................................................................. 18
2.2.1 A crise sindical e o projeto neoliberal......................................................................................... 18

3 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA ................................................. 24


3.1 A contribuição de Bakhtin............................................................................................................ 25
3.1.1 O conceito de dialogismo ............................................................................................................ 26
3.1.2 Polêmica, dialogismo velado, pluriacentuação .......................................................................... 28
3.1.3 O conceito de memória................................................................................................................ 30
3.2 Análise Crítica do Discurso .......................................................................................................... 32
3.2.1 História e objetivos da ACD........................................................................................................ 33
3.2.2 A proposta de Norman Fairclough............................................................................................. 36
3.2.2.1 O modelo tridimensional de Fairclough................................................................................ 37
3.2.2.1.1 Análise textual ...................................................................................................................... 38
3.2.2.1.1.1 Considerações preliminares da análise textual em relação à pesquisa......................... 39
3.2.2.1.2 Análise discursiva................................................................................................................. 40
3.2.2.1.2.1 Considerações preliminares da análise discursiva em relação à pesquisa ................... 41
3.2.2.1.3 Análise social......................................................................................................................... 45
3.2.2.1.3.1 Considerações preliminares da análise social em relação à pesquisa........................... 46
3.2.3 Cognição discursiva .................................................................................................................... 46
3.2.4 Ideologia, poder e dominância.................................................................................................... 49
3.3 Categorias de análise..................................................................................................................... 55
3.3.1 Fairclough ................................................................................................................................... 55
3.3.2 Thompson .................................................................................................................................... 56
3.3.3 Dijk............................................................................................................................................... 57

4 A ANÁLISE ...................................................................................................................................... 59
4.1. Procedimentos metodológicos ..................................................................................................... 59
4.2 O discurso político: um tipo discursivo ....................................................................................... 61
4.2.1 Análise da prática discursiva: relação PBH x sindicato............................................................ 64
4.2.2 Modos de operacionalização ideológicos.................................................................................... 76
4.2.3 Práticas sociodiscursivas de manipulação e poder entre PBH x sindicato............................... 91
4.3 Discurso midiático sobre a especificidade da greve ................................................................. 103
4.3.1 Análise da prática discursiva no discurso do jornal EM ......................................................... 104
4.3.2 Modos de operacionalização ideológicos.................................................................................. 111
4.3.3 Considerações parciais.............................................................................................................. 115

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 117

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 120


11

1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação apresenta como objeto de estudo o discurso entrevisto nas práticas
discursivas entre o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
(SindUTE-MG) e a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) intermediados pela mídia
escrita, representada pelo jornal Estado de Minas. Trata-se de discursos que materializam
relações explícitas de um confronto ideológico e busca pelo poder, em que se inter-
relacionam, interdiscursivamente, PBH vs. SindUTE-MG, construindo e negociando sentidos,
que visam à captação e a aceitação da opinião pública. A mídia escrita, por sua vez,
mediando esse conflito congrega um conjunto de valores que podem desempenhar um papel
essencial ao dar ou não, sustentação ao aparato ideológico que permite o exercício e a
manutenção do poder, através do processo escolhido de representação dos acontecimentos em
análise.
Contextualizando o panorama histórico brasileiro no ano de 2001, cenário destas
práticas, pode-se indicar um período em que movimentos grevistas vivenciavam uma grande
crise, fruto de uma política econômica neoliberal, datada do início da década de 1990, que
inviabilizara a organização de trabalhadores. Os sindicatos, então, passam a ser vistos como
uma instituição enfraquecida e com baixa capacidade de resposta frente aos conflitos do
mundo do trabalho. Por outro lado, em Belo Horizonte, na tentativa de superar esta
incapacidade de ação e incitar uma reação dos outros movimentos sindicais, o SindUTE-MG
trava uma das maiores greves dos últimos 20 anos na educação brasileira. No entanto,
constata-se, através de registros e dados oficiais, que a partir desta greve o sindicato dos
professores não mais ousou nova empreitada, e, assim, seguiram-se reduções das taxas de
filiações, baixas de mobilizações e redução da militância sindical1.
Reconhecendo que as práticas sociais de deteriorização de movimentos democráticos
constitui-se não apenas na desqualificação do trabalho, como também na desqualificação do
próprio trabalhador, inibindo, em muito, a sua liberdade social e sua subjetividade, é que
fizemos a opção por este objeto; já que, para a Análise Crítica do Discurso (ACD), referencial

1
Não se trata de uma análise apocalíptica do sindicalismo, dados precisos são encontrados nos sites do
SindUTE/MG e do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatistica e Estudos Socioeconômicos), atestando o
desgaste sofrido pelo movimento sindical de professores nos últimos anos e sua incapacidade coletiva de
organização.
12

teórico e metodológico deste trabalho, é de extrema importância verificar e dar sentido às


mudanças que a sociedade vem sofrendo e que caracterizam práticas abusivas de poder e
dominação. Sendo função de seus analistas críticos “analisar e revelar o papel do discurso na
(re)produção da dominação.” (PEDRO, 1997, p. 25). Nesse sentido, que propomos para este
trabalho uma proposta analítica que se movimente entre o linguístico e o social. Não se trata
de fazer análise social de conteúdo, mas de estudar o funcionamento dos discursos; dessa
forma propomos uma análise do discurso, conforme propõe a ACD, onde o discurso é tratado
sob três perspectivas: “como texto dotado de forma linguística, como ‘prática discursiva’ por
meio da qual os textos são produzidos, distribuídos e consumidos, e como ‘ prática social’
que tem vários efeitos ideológicos, incluindo normatividade e hegemonia.” (HANKS, 2008,
p. 172). Para dar suporte a esta análise, a ACD dialoga com as demais ciências, tendo como
base teórica a linguística de Halliday, que propõe uma interlocução com a sociolinguística, a
Ciência Social Crítica e com as obras de Pêcheux, Foucault e Bakhtin, (PEDRO, 1997).
A pesquisa apresenta-se subdividida em 4 (quatro) capítulos. No primeiro,
apresentamos como justificativa da escolha do objeto de pesquisa, a importância de um estudo
sobre práticas discursivas de greve, em relação à dominação e a resistência; já que a greve é
considerada um dos maiores instrumentos de luta do trabalhador, responsável, por impactos
evidentes em vários momentos da história brasileira. Comprova-se essa afirmação, visto que
boa parte da liderança política do país, na atualidade, ter sido formada nas bases de
movimentos grevistas. (NORONHA, 2009).
O segundo capítulo constitui-se da apresentação da conjuntura sócio-histórica
brasileira da greve de 2001. Trata-se de uma breve reflexão sobre os últimos 20 anos do
cenário sindical, sua organização, formação e a construção da organização dos trabalhadores,
do ciclo das grandes greves ao período de estabilização de greves, fruto de uma política que
tende à fragmentação dos movimentos reivindicatórios no país. (NORONHA, 2009).
No terceiro capítulo, apresentamos os aspectos teóricos e metodológicos que
sustentam este trabalho; como as contribuições de Bakthin, que nos apresenta noções
operatórias para a análise dos discursos: a noção de dialogismo que atravessa toda análise,
dando-nos a consciência necessária de que não há discurso sem as relações históricas com
outros discursos, que os explicam, opondo-se ou apoiando-se, implicados uns nos outros. Esta
posição teórica auxilia-nos quando da apreensão das vozes que se apresentam nos discursos,
bem como as noções de monofonia e polifonia, que apontam para o reconhecimento da
orientação argumentativa dos discursos. Apresentamos, também, como base teórica, a
proposta de Norman Fairclough (2001), a Teoria Tridimensional Discursiva, como sendo uma
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abordagem da Análise Crítica do Discurso, que se baseia em uma percepção da linguagem


como parte irredutível da vida social e o discurso, como prática dessa sociedade, que mobiliza
os sentidos nela veiculados. Sentidos que muitas vezes servem para sustentar relações de
dominação e poder.
Para finalizar, apresentamos a análise dos discursos sob três óticas: a análise das
práticas discursivas, em que se relacionam a PBH e o sindicato, em que especificamos as
relações entre as estruturas sociais e hegemônicas que constituem e são constituídas pelos
discursos de greve. Em um segundo momento, através das categorias propostas por
Thompson (2007), analisamos os modos de operacionalização ideológicos investidos nestas
práticas; e, por último buscamos apreender, conforme Dijk (2008), traços discursivos que nos
permitem inferir um quadro de manipulação ideológica.
À mídia escrita, dedicamos o último item de análise deste trabalho, dada à importância
do tema. Orientamo-nos, conforme Fairclough, citado por Leal (2005), para quem a análise da
linguagem dos textos da mídia orais ou escritos deve focalizar como o mundo e os eventos
são representados, que identidades são construídas para as pessoas envolvidas e que relações
são estabelecidas. Neste sentido, observamos que escolhas são feitas pelo jornal Estado de
Minas ao representar professores, a greve e a escola pública, considerando que a publicação
de um jornal é uma indústria, um negócio e toda essa estrutura comercial tem efeito no que é
publicado e em como a informação é apresentada fazendo com que ela seja uma mediadora; e,
principalmente, propagadora de ideias. (LEAL, 2005). Dessa forma, a atenção a esse discurso
se faz necessária, pois imaginários sobre professores e sobre o seu legítimo direito de greve
estão sendo direcionados a uma grande parte da população, formando juízos de valor e
imaginários, seguindo pontos de vista de uma perspectiva particular.

1.1 Justificativa da pesquisa

A circunstância histórica da greve de 2001 nos mostra um mundo do trabalho em


crise: a baixa organização dos trabalhadores em favor da individualização das relações
sociais, a desregulamentação do trabalho, desemprego, insegurança e subcontratação.
(FERRAZ, 2006). A greve dos professores municipais, diante de todos os fatores que a
determinavam, insurge em um quadro como aquele, sustentando um movimento que durou
61 (sessenta e um) dias. No entanto, seguidos quase 10 (dez) anos, podemos observar que esta
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foi a última grande greve dos professores, seguida por longos anos de apatia geral dos
trabalhadores em educação do município de Belo Horizonte. Diz-se no movimento sindical,
usando seu jargão próprio, que esta greve ‘quebrou a espinha dorsal do trabalhador’. Assim,
esta greve específica torna-se o interesse desta pesquisa, na medida em que se pretende
compreender, através de uma análise descritivo-interpretativa, como práticas sociais
interferem na estrutura discursiva e a possibilidade que práticas discursivas possuem de
alterarem um quadro social.
Podemos afirmar que a greve é uma luta entre classes, por interesses que não são
correspondentes entre si; uma busca por poder social, que se constituindo por alianças,
agrupam-se em grupos hegemônicos de forma a captar a adesão da opinião pública; este é um
exercício geralmente indireto em que se age por meio da mente das pessoas, controlando as
necessárias informações ou opiniões de que precisam. (DIJK, 2008). A Prefeitura Municipal
de Belo Horizonte (PBH) e a mídia escrita compõem este quadro hegemônico da
circunstância em análise e assim discursivizam, de certo modo, a greve dos professores. São
discursos que investem fortemente em maneiras de culpabilizar e silenciar a voz do outro. O
sindicato, por sua vez, utiliza-se das estratégias de desconstrução do adversário, para atingir
seus objetivos. Todos articulam seus discursos na tentativa de controlar opiniões, apostando
na falta de conhecimento dos receptores do seu discurso.
Ao compreender o imaginário constituinte e condicionante da discursividade de uma
greve e sendo esta capaz de alterar significados sociais; esta pesquisa adquire a possibilidade
de contribuir para o entendimento mais amplo da discursividade que compõe os movimentos
político-reivindicatórios, ou seja, entender o como vem sendo dito, o porquê , para quem e
quem constrói estes ditos, possibilitando a criação de perspectivas para a organização futura
de movimentos sociais. O conhecimento de como imaginários de greve de professores e dos
professores, especificamente, vem se constituindo; auxilia, propriamente, a capacidade de
articulação dos projetos políticos de reivindicação e luta sindical, indicando alternativas de
posicionamentos discursivos para a construção de contradiscursos.
No geral, esta pesquisa se justifica pela possibilidade de indicar maneiras de
resistência à manipulação discursiva, na medida em que busca reconhecer como os grupos
hegemônicos se utilizam de práticas sócio-discursivas para tais fins. E se configura também,
como “uma condição para análise dos desafios e das mudanças sociais e históricas.” (DIJK,
15

2008, p. 43). Isto quer dizer que ao desautomatizar2 os discursos, detectamos e resistimos às
tentativas de manipulação: conhecemos os verdadeiros interesses, já que é intenção dos
grupos dominantes é a de assegurar que conhecimentos potencialmente críticos não sejam
adquiridos, ou que somente seja permitida a distribuição de conhecimentos parciais, que
atendam aos seus objetivos. (DIJK, 2008). Portanto, justifica-se a análise destes, a fim de
podermos, de algum modo, intervir nesses sentidos, que vêm sendo constituídos e reafirmados
ao longo dos anos, sobre greve e sobre os professores públicos de maneira geral.

1.2 Objetivos

1.2.1 Objetivo geral

Sob o enfoque da Análise do Discurso, pretende-se, então, analisar a construção,


reprodução de relações políticas no âmbito do discurso em torno de uma greve dos trabalhadores
em educação.

1.2.2 Objetivos específicos

1. Reconhecer, através da análise de microestruturas linguísticas, como os discursos


construídos nas práticas sociais desenvolvidas entre Estado-Sociedade-Sindicato e Mídia
materializam ou não os embates históricos já constituídos do seu interdiscurso;
2. Identificar, do ponto de vista da organização discursiva, quais seriam as estratégias
para construção dos efeitos de sentido desejados, entrevistas nas relações de poder e
de dominação envolvidas em uma greve;
3. Reconhecer traços e pistas que indiciam a diversidade de vozes que compõem a
materialidade linguística e histórica dos discursos analisados;
4. Interrogar-se sobre quais sentidos sobre greve e professores estão disponíveis para
identificação no discurso midiático;

2
Termo utilizado por Steinberger (2005, p. 67) em que sugere que: “numa análise dos discursos geopolíticos na
mídia, o alvo principal é a desautomatização das leituras que fazemos dos acontecimentos e a própria
compreensão sobre as práticas sociais, onde e como tais leituras são produzidas em sociedade [...]”.
16

2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

2.1 Corpus e o objeto de estudo

O material que servirá de fonte para a constituição do corpus desta pesquisa é


composto pelos discursos veiculados no período de agosto e setembro de 2001, em Belo
Horizonte-MG, durante a greve de professores municipais; sendo 07 (sete) boletins de greve
dirigidos aos professores e 09 (nove) cartas à população veiculadas pelo SINDUTE-MG; 06
(seis) notas oficiais publicadas pela Prefeitura de Belo Horizonte (doravante PBH) publicadas
no jornal Estado de Minas; e, 15 (quinze) reportagens do jornal Estado de Minas (EM) sobre a
greve dos professores municipais.
Sobre a relação PBH vs. sindicato, podemos dizer que esta se configura em função
das relações sociais, políticas e econômicas de uma greve que coloca em pauta o conflito
histórico capital vs. trabalho; e, instaura uma luta de interesses, em torno da busca pela
legitimação das identidades institucionais. Embora, a greve constitua-se em um regular
exercício de direito constitucionalmente atribuído, adquire a aparência de infração às regras
do jogo que regulam a ordem jurídica e política. Esta sensação que movimenta o imaginário
brasileiro vem sendo alimentada e reproduzida ao longo dos anos, o interesse pelo estudo de
como esse imaginário se consolida e de como a mídia escrita se comporta diante dessa
constituição, encontra, neste estudo, uma das problematizações que o justifica.
A greve é uma instância política de poder. E é Dijk (2008) quem nos dá a definição do
que isso representa. Resumidamente, poder social seria uma característica da relação entre
grupos, classes ou outras formações sociais e, apenas, manifesta-se na interação. Para que
haja uma relação de poder, um grupo através de suas ações reais ou potenciais deve controlar
o outro e para que este controle se efetive, precisa dispor de recursos socialmente disponíveis;
e , controlar, significa conhecer o controlado: suas vontades, preferências, crenças e valores
(para que o poder possa, se preciso, ser apenas pressuposto ou inferido); assim, práticas de
poder são, sobretudo, intencionais, sendo seu exercício estritamente ideológico e por esta
estrutura mantido e reestruturado. Em nossa análise, podemos ver que a greve coloca em cena
a luta hegemônica, a luta entre classes sociais (dominantes vs. dominados, prefeitura vs.
professores) em posições antagônicas; pode-se dizer que a instituição que mais impõe poder é
a do órgão governamental sobre os professores. No nosso caso em análise, é a PBH que
17

possui os recursos sociais: poder de negociar, o maior acesso à mídia e o de aplicar sanções e
retaliações aos grevistas (o corte de ponto, o corte de salários e as mais diversas punições). O
sindicato representa os professores, a força de trabalho, a parte dominada da relação que opta
pela greve quando as decisões da classe dominante fundam-se na exploração da sua força e
em práticas ilegítimas ou desiguais. É este o cenário onde o poder se instala, cuja análise
pretende desvelar. E, assim orientando-nos pela concepção teórica da Análise Crítica do
Discurso, buscamos compreender em que medida práticas discursivas reproduzem e mantêm
o exercício do poder. (WODAK, 1997a).
A conquista da instância cidadã3 significa para ambos, PBH e sindicato, a
consagração da instituição por eles representada. Esta composta pelos cidadãos que
participam, criticam e votam é um alvo de dominação; são estes que irão conferir à PBH ou
ao sindicato a legitimidade que tanto necessitam, filiando-se a um ou a outro discurso. A
mídia, aparentemente, também se encontra fora do poder dominante; e, igualmente, interessa-
se, sobremaneira, pela instância cidadã. Os atores da instância midiática têm, como denomina
Charaudeau (2006, p. 62), “o papel de informar, mas também buscam credibilidade, que lhe é
conferida pelos cidadãos”. Mais uma vez, é a instância cidadã que está em jogo. É ela o
centro dos interesses dos atores, nesta pesquisa analisados. E é por ela que eles farão todos os
esforços para captar e seduzir o seu assentimento e até mesmo manipular sua opinião (e
muitas podem ser as práticas discursivas para este fim).
Finalizando, podemos dizer que são objetivos desta pesquisa conhecer como,
discursivamente, a PBH estrutura-se para se manter em relação de poder, diante dos
professores e do sindicato que os representa; e, principalmente, como esta se articula para
manter a instância cidadã sob seu círculo de dominação. Em relação ao sindicato, intentamos
compreender a construção do seu discurso ideológico e suas estratégias persuasivas ante a sua
coletividade e à população que assiste ao movimento. E, mais precisamente, como organiza
seu contradiscurso de interposição, enfretamento e resistência em relação à PBH. E quanto à
Mídia e seu poder de fazer circular conhecimentos e opiniões, nosso papel de análise é o de
desvelar o formato que este jornal persegue na construção das imagens do professor de escola
pública, do seu sindicato e da greve de professores, com um movimento social específico.
Interessa-nos, propriamente, a análise desse jornal, dada a sua responsabilidade na construção
diária de modelos e estereótipos de quase cem mil pessoas na cidade de Belo Horizonte.

3
Termo utilizado por Charaudeau (2006, p. 59), que conforme o autor define-se diante da instancia política
“como o lugar em que a opinião se constrói fora do governo”: é o discurso da instância cidadã que interpela o
poder do governo.
18

2.2 Panorama geral

2.2.1 A crise sindical e o projeto neoliberal

Neste capítulo, apresentamos sob quais circunstâncias político-históricas a greve


estudada se assenta, ou seja, como se configurava o cenário político-sindical brasileiro, em
um país governado por Fernando Henrique Cardoso (pós ditadura militar e impeachment de
Fernando Collor de Melo), em processo de construção democrática. Para elucidar esta
reflexão, antes de considerarmos o momento político da greve, buscamos, com o auxílio de
análises sociais que versam sobre o período, discorrer sobre as duas décadas que antecederam
o período em análise, pois argumentamos que marcos políticos e sociais interferem nas
práticas discursivas de uma sociedade; e, como pressupõe Fairclough (2001), dialeticamente,
práticas discursivas também podem alterar estruturas sociais e demarcá-las a longo ou médio
prazo. Em um segundo momento, refletindo sobre as condições sócio-históricas, intentamos
neste histórico, posicionar os atores sociais desta pesquisa em relação à posição institucional e
político-partidária à qual se filiam. Quando da análise, retornaremos a esta questão identitária,
já que, diante das práticas discursivas, buscaremos novamente situá-los de maneira a
identificar as identidades político-discursivas que estes sujeitos representam, e o que nos
interessa, propriamente, desvendar quais filiações ideológicas sustentam e compõem
identitariamente estes sujeitos.
O final da década de 1970 e início de 1980 representaram para o sindicalismo
brasileiro anos de eficiência e eficácia. Nesse período, Cardoso (2003) indica que cresce o
número de sindicatos em um cenário de quatro centrais sindicais: Central Única de
Trabalhadores (CUT), Central Geral de Trabalhadores (CGT), Confederação Geral dos
Trabalhadores (CGTB) e União Sindical Independente (USI), o que diz muito sobre a
capacidade de organização do trabalhador. As grandes e fortes greves dos anos 1978 e 1979,
basicamente no setor metalúrgico, levaram o movimento sindical ao então chamado de novo
sindicalismo. Este, não apenas representava trabalhadores em relação a questões salariais, mas
entrava em uma batalha social e política ao pressionar a ditadura militar com as lutas: pela
democratização do país, pela implementação da reforma agrária, posicionando-se contra o
pagamento da dívida externa, contra a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI)
19

na economia brasileira, etc. (CARDOSO, p. 2003). Nascida via imposto sindical, a CUT
torna-se a central que mais se beneficia do ambiente favorável à organização da classe
trabalhadora na década de 1980, encarnando um tipo específico de sindicalismo adversário
tanto do governo como do capital, consolida-se como amiga do trabalhador e inimiga dos
governos (BOITO, 1999). O ambiente daquela década apresenta baixos salários, altas taxas de
rotatividade e extensão da jornada que provocaram o fortalecimento dos sindicatos pelas
demandas de justiça e dignidade no trabalho, taxas crescentes de inflação forçaram greves
para indexação de salários; são estratégias do tudo ou nada que consolidam o poder sindical e
sua aceitação na sociedade, conforme Cardoso (2003), na constituição de 1988, os brasileiros,
em sua maioria, manifestaram-se favoráveis ao direito de greve, inclusive de bancos, dos
transportes, dos hospitais e educação. Apontando os sindicatos como as instituições mais
confiáveis do país.
Já a década de 1990 é considerada um período pouco favorável às greves e demais
movimentos sociais reivindicatórios. Na época da greve analisada, o então prefeito, Célio de
Castro, do antigo Partido Socialista Brasileiro (PSB), filia-se, neste mesmo ano, ao Partido
dos Trabalhadores (PT), o maior partido de esquerda do país na época. Apesar de ser um
governo considerado de esquerda, constatamos uma das maiores e mais difíceis greves
enfrentadas pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
(SindUTE-MG) em toda a sua história, contrariando todas as expectativas. Pressupomos que
nesta greve ambas as esquerdas, tanto a protagonizada pelo patrão quanto a sindical,
enfrentaram um grande marco político e econômico, que foi a implementação do projeto
neoliberal que atravancou toda a organização de trabalhadores daquele período. Esta
argumentação encontra conformidade em analistas sociais4 que admitem que o ciclo
excepcional das greves ocorridas neste período no Brasil vincula-se “às características da
transição democrática brasileira, à superação do modelo desenvolvimentista e a um ambiente
macroeconômico excepcionalmente instável.” (NORONHA, 2009, p. 120).
Nesta mesma década, a CGT, sob a liderança de Luís Antônio Medeiros, invoca o que
passa a ser chamado de sindicalismo de resultados, contando com o apoio do governo Collor e
financiamento de empresários vários (BOITO, 1999). Nesse momento, podemos começar a
verificar a instauração de um novo movimento na esquerda sindical que gira em torno de uma
provável conciliação com o neoliberalismo.

4
Podemos encontrar essa análise em Antunes (2005), Boito (1996), Ferraz (2006), Noronha (2009).
20

Assim, retomando a ideia de marcos políticos e econômicos e sobre o impacto destes


na vida do trabalhador, buscamos uma reflexão sobre a eficácia e os desdobramentos da
ideologia neoliberal no Brasil, que conforme Boito (1999), representa, essencialmente, um
liberalismo econômico que exalta o mercado, a concorrência e a liberdade de iniciativa
empresarial, rejeitando a intervenção do Estado na economia.
Nos governos neoliberais, há uma reformulação da intervenção estatal na economia,
salários são desindexados, a dívida externa estatizada, o câmbio e os juros são mantidos em
níveis elevados já que remuneram investimentos financeiros nacionais e estrangeiros. O
discurso neoliberal procura mostrar a superioridade do mercado frente à ação estatal. Boito
(1999) explica que esta teoria postula que ao possuir independência econômica, o sujeito
alcança a superioridade política e moral, já que a soberania do consumidor, inerente a um
ambiente de concorrência, permitiria o desenvolvimento moral e intelectual dos cidadãos,
através da liberdade de escolher o quê e onde comprar. Isto significa que a liberdade para o
consumo conferiria, no ponto de vista neoliberal, a autonomia cidadã. O que agrada muito
àqueles sujeitos que abrem mão do ideal de coletividade e solidariedade pelo ideal da
individualidade (talvez este seja, a nosso ver, o canto da sereia neoliberal).
Na política nacional, Fernando Collor de Melo implementa, a partir de 1990, o
processo político-econômico de abertura comercial e financeira, levada adiante por Itamar
Franco e potencializada por Fernando Henrique Cardoso, que fortaleceu ainda mais as
medidas baseadas na concepção teórica do neoliberalismo. A adoção de medidas baseadas
nessa fundamentação teve impactos muito fortes na realidade dos trabalhadores. Segundo
Cardoso (2003), práticas neoliberais no Brasil atuam sobre o trabalho da seguinte forma: os
sindicatos e a legislação trabalhista são considerados o entrave ao emprego; o desemprego é
visto como um efeito colateral; o trabalhador é pensado como indivíduo que investe em si
mesmo para maximizar retornos monetários do trabalho, ou seja, o desemprego ocorre em
função do não investimento profissional como outros o fizeram. O resultado, então, foi um
aumento brutal do desemprego, aumento da exclusão social, seguidas pela desregulamentação
de leis trabalhistas e flexibilização da utilização da força de trabalho; e, a principal medida
implementada por Collor, revogada por Itamar e reimplementada por Fernando Henrique: a
desindexação dos salários. (BOITO, 1999).
Em relação aos direitos do trabalhador, como ressalta Siqueira Neto (1996), no Brasil
as ideias que impulsionavam o debate sobre os direitos do trabalhador banalizavam a
negociação coletiva e o papel do Estado nas relações de trabalho. A justificativa para a
desregulamentação e flexibilização das normas trabalhistas se baseava numa suposta
21

necessidade de adaptação do país à concorrência internacional, conseguida através da


facilidade de contratação e demissão de trabalhadores, isto é, da tão propalada flexibilidade.
Para ilustrar, como observa Alves (2009), no decorrer da década de 1990, três conjunturas da
economia brasileira denunciam a crise no mundo do trabalho:

a primeira, sob o governo Collor, é marcada pela intensa recessão (1990-1992); a


segunda, sob o governo Itamar (1993-1994), e primeiros anos do governo Cardoso
(1995-1996), é marcada por uma pequena retomada da atividade da economia sob os
influxos positivos dos primeiros anos do Plano Real; e a terceira (1997-1999), nos
últimos anos do primeiro mandato do governo Cardoso, e no primeiro ano de seu
segundo mandato presidencial, é marcada pela crise da economia global, expondo,
deste modo, as incertezas e vulnerabilidades da economia brasileira diante da
conjuntura internacional. (ALVES, 2009, p.193).

E, finalizando, Cardoso (2003), assim resume os efeitos da década neoliberal para o


mundo do trabalho:

O desemprego aberto explode de 4% (1990) para 8% (1999). Este período


caracteriza-se por uma reestruturação industrial mais ou menos profunda, baseada
em novas tecnologias informacionais. [...] Com a consequente terceirização, a
privatização de estatais, o crescimento do desemprego e do trabalho informal
introduzindo a insegurança no trabalho, a estabilização da economia com o fim da
inflação além do aprofundamento da democratização, o que reduziu o efeito
expressivo dos discursos contestatórios – potencial político dos movimentos sociais
–, limita-se, pois, a propensão dos trabalhadores à ação coletiva e o crescimento
sindical. Assim os anos 1990 revertem todo o avanço da década de 1980.
(CARDOSO, 2003, p.42).

Quanto ao movimento sindical, ao não impedir a destruição de 2 milhões de empregos,


a deterioração do serviço público e as privatizações, os sindicatos perdem, conforme Cardoso
(2003), a sua capacidade de luta. Instaura-se, a partir de então, uma crise nos movimentos
sindicais que pendem a um sindicalismo propositivo ou a um sindicalismo de oposição
(conforme modelo implementado na década de 1980). O primeiro apregoa que os movimentos
devem ir além da postura exclusivamente reivindicativa e de valorização da ação grevista na
tentativa de negociação e acordos, enquanto o segundo (que se posiciona radicalmente contra
o pagamento da dívida externa e privatizações, defendendo a reforma agrária, a estatização
dos sistemas financeiros, serviços de saúde, educação e transporte), configura-se em uma
tendência que busca extrair o máximo de vantagens durante o enfrentamento político de uma
greve, sem negociar direitos adquiridos do trabalhador; e, o SindUTE-MG não escapa a essa
realidade; vivendo uma crise interna, em que membros do sindicato, pertencentes à mesma
22

corrente da esquerda que ocupa a gestão da PBH, rompem com a mesma, dando início a uma
crise que estoura alguns anos depois com a criação de um novo sindicato que representa os
professores municipais: o atual SindREDE5 .
Noronha (2009) ao analisar ciclos de greve no Brasil, atenta para o fato de corrermos o
risco de tratar das variáveis políticas, que giram em torno de uma greve, de forma
excessivamente genérica, destacando as greves, unicamente, como expressão de conflitos de
classe, no caso sindicato vs. Prefeitura de BH ou como uma expressão de conflitos político-
partidários (PSTU, PT, PCdoB, PSB-sindicato vs. PT-gestor). Embora essas explicações
possam ter validade, consideramos que é preciso analisar no quadro político-econômico e,
sobretudo, nas práticas discursivas da greve em análise, o comportamento discursivo dos
atores sociais que nos ofereçam um referencial em que possamos apreender quais outros
elementos influenciavam e ditavam as leis daquele movimento específico da greve.
Esclarecendo: a implementação de um projeto neoliberal, em nível federal, trouxe para aquele
momento, um sobredestinatário6, uma memória que exigia um diálogo, um enfrentamento,
uma voz onipresente que dialoga com os atores sociais desta pesquisa.
Podemos conceber que o projeto neoliberal alterou toda a agenda sindical, como já
apresentado acima, em um diálogo com autores que refletem sobre os ciclos de greve no
Brasil, e que esta política neoliberal alterou, sobretudo, a opinião pública, sendo este um fato
que pretendemos reconhecer e revelar. Se antes a população tinha apreço pelos movimentos
sindicais, aceitação e total confiança em suas lideranças; podemos dizer que tais "marcos"
mudaram, também, a tendência dessa opinião? Esclarecemos que não fizemos pesquisa de
opinião, verificamos essa tendência, através da análise das reportagens do jornal Estado de
Minas (capítulo 4) que, de certa forma, com o objetivo de ser aceito (pelos leitores),
apresenta-se de maneira a atender a opinião popular. Se os sindicatos advogam pela não
aceitação do desemprego, pela garantia de condições de trabalho, além da constante luta pelas
questões salariais. O que faz com que a população, não mais confie em movimentos sindicais
e tendencie ao formato político-ideológico que, justamente, exclui estas possibilidades? O que
faz a população optar por uma política que não lhe atende? Sabemos que o neoliberalismo é
contraditório com as necessidades do trabalhador. Então, como, mesmo contrariando
interesses sociais dos trabalhadores, consegue esta ideologia, difundir-se no meio operário e

5
Ver reportagem do jornal EM, em anexo, intitulada “Greve desencadeia crise interna no PT- 23 set. 2001” e
“Guerra de estratégias- 21 set.2001”. Sobre o histórico, ver site oficial do Sindrede (www.redebh.com.br).
6
Como explica Charaudeau, sobredestinatário seria um “conceito introduzido por Bakhtin para designar uma
terceira pessoa virtualmente presente na interação verbal”. (CHARAUDEAU, 2006b, p. 454).
23

popular? (BOITO, 1996). Postas estas questões podemos dimensionar a força com que as
ideias neoliberais foram sendo difundidas, cabendo, pois, a esta análise desvendá-las.
Em relação às posições identitárias, que são constituídas em função das relações
sociais e políticas que organizam a vida em sociedade; podemos dizer, a princípio, que nesta
greve lidamos com relações complexas e paradoxais. Relações que se estabelecem pelo fato
de termos um enfrentamento entre duas classes sociais distintas (patrão vs. empregado) que
posiciona o PT, uma esquerda, que representa o empregador por um lado; e, por outro, temos
um sindicato que representa a classe trabalhadora, sendo esta uma outra esquerda (constituída
entre outros grupos, por partidos de esquerdistas: o próprio PT, PSTU, PCdoB, PSB). E,
ainda, como pano de fundo, assistimos à implantação do projeto neoliberal de política
econômica, que irá reposicionar essas duas esquerdas.
A análise desta greve nos convida a pensar sobre o que define ser ou não de esquerda,
considerando a instância enunciativa específica de uma greve; o que implica refletir sobre a
construção identitária dos sujeitos sociais implicados neste dispositivo. Tarefa que
pretendemos desvelar através da análise do corpus e dos procedimentos teóricos e
metodológicos que envolvem este trabalho, como apresentaremos a seguir.
24

3 ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A linguagem medeia práticas sociais e sua materialidade linguística e histórica carrega


uma diversidade de vozes, relações de poder e de dominação. (DIJK, 2008). Para desvendar
essa complexa materialidade precisamos de uma teoria que auxilie a construção da análise que
pretendemos tanto em relação aos aspectos sócio-históricos que constituem a circunstância
precisa da enunciação, quanto em relação à construção de um suporte conceitual linguístico-
discursivo que nos permita desvelar o que as palavras dizem. Resumindo, necessitamos de um
procedimento metodológico que opte por uma abordagem que integre tanto a análise
discursiva, quanto a análise social.
Assim, partimos de Mikhail Bakhtin, para quem as formas do signo sofrem o efeito da
organização social dos indivíduos e, também, das condições em que a interação acontece.
(BAKHTIN, 1988). Em Bakhtin, encontramos o princípio teórico fundamental em nossa
pesquisa: o dialogismo, que consiste no entendimento de uma pluraridade de vozes que ecoam
nos discursos. Referencial teórico que norteará toda a prática de análise que a partir de agora
apresentamos.
Apreender tal plurivocalidade, no caso, em discursos de greve, exige instrumentos
metodológicos que deem conta da orientação desses discursos. Segundo Dijk (2008),

Somente uma teoria cognitiva é capaz de mostrar essa interface entre o social e o
pessoal, a saber: através das relações entre modelos mentais episódicos e outras
representações pessoais, por um lado, e as representações políticas socialmente
compartilhadas de grupos, por outro lado [...]. (DIJK, 2008, p. 231).

Em outras palavras, pode-se explicar o discurso apenas quando detalhamos a interface


sociocognitiva que o relaciona às representações socialmente compartilhadas que controlam
as ações, os processos e os sistemas interdiscursivos, através de uma investigação analítico-
discursiva que estabeleça relações fundamentais entre um triângulo de conceitos: discurso,
cognição e sociedade. (Fairclough, 2001).
Optamos pela Análise Crítica do Discurso, de agora em diante ACD7, como suporte
teórico-metodológico para este trabalho, porque se baseia em uma percepção da linguagem
como aspecto imprescindível da vida social, e por ser uma proposta que apresenta, a nosso

7
Termo abreviado como sugerido pelos trabalhos de Emília Pedro (1997).
25

ver, a capacidade de mapear a relação entre os recursos linguísticos usados pelos atores
sociais e os aspectos da prática social nos quais a interação discursiva se insere. Melhor
dizendo, a teoria da ACD procura estabelecer uma ligação entre a formação cognitiva e a
relação entre o social e o pessoal através de um estudo sobre os modelos mentais e
representações sociais. Procuramos analisar criticamente os boletins, cartas abertas, notas
oficiais e reportagens de greve, conforme o dispositivo da ACD que nos permite a
compreensão de como tais discursos se comportam e quais ideias veiculam; como
representam conflitos, que interesses são apresentados, quais práticas de persuasão e/ou
manipulação são usadas, etc., compondo uma circunstância enunciativa que nos obriga
aproximar prática textual, práticas discursivas e, sobretudo, a prática social.
A fim de situar a escolha da proposta teórico-metodológica, este capítulo se subdivide
em itens que destacam a contribuição bakhtiniana a este trabalho, um perfil histórico da ACD
apresentando o dispositivo analítico tridimensional desenvolvido por Fairclough (2001),
aliado aos conceitos caros à ACD, tais como cognição discursiva, ideologia, hegemonia,
abuso de poder e dominância, tratados em Dijk (2008). É a partir destes indicadores e dos,
também, propostos por Thompson (2007) que possui um diálogo produtivo com a ACD, que
serão analisadas, em capítulo particular, os discursos de greve. Dados os objetivos desta
pesquisa, nela não será possível utilizar, todas as categorias que compõem o dispositivo criado
por Mikhail Bakhtin, Fairclough (2001), Dijk (2008) e Thompson (2007); embora, algumas
destas estejam postas aqui, serão usadas somente aquelas que deem conta das necessidades
deste estudo.

3.1 A contribuição de Bakhtin

Em uma greve de professores da rede pública, além de uma pauta em que há predomínio
de demandas econômicas, há, sobretudo, uma luta política que vincula as ações coletivas dos
trabalhadores a convicções ideológicas da liderança sindical, em contraposição a convicções
ideológicas que sustentem o poder do governo. É através do discurso que estes atores
perseguem o convencimento, buscam agregar e incitar outros sujeitos a tomarem atitudes e a
se mobilizarem. Nesse sentido que a análise deste embate social e discursivo, como já
26

dissemos, exige uma fundamentação que nos possibilite a compreensão das vozes que
compõem esse real. E, para tal, partimos da abordagem dialógica de Mikhail Bakhtin8, uma
teoria que nos apresenta noções operatórias para esta análise, em que ao entendermos o
funcionamento do discurso, buscamos captar como se constroem a polêmica aberta e velada, o
dialogismo velado e a pluriacentuação, como explicitaremos a seguir.

3.1.1 O conceito de dialogismo

Bakhtin inclui a multivocalidade como marca característica do discurso, para ele os


enunciados têm um percurso que faz com que carreguem memórias de vários outros discursos.
(FARACO, 2001). Todo discurso é, então, atravessado por outros uma vez que " toda a
enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é
construída como tal." (Bakhtin, 1988, p. 98). Assim, entendemos que o discurso é orientado
tanto em relação a um interlocutor, real ou potencial, quanto em relação a todos os enunciados
e discursos que o precedem. Em um recorte ainda maior, toda palavra dialoga com outras
palavras, constitui-se a partir de outras palavras e está rodeada de outras. Portanto, para
Bakhtin, todo enunciado é dialógico.
Ao se pensar em dialogismo, o primeiro conceito, segundo Fiorin (2006a), seria o fato
de que todo enunciado constitui-se a partir de outros e de que estes não se interrelacionam
harmoniosamente: são complexos, divergem-se e convergem-se, aceitam-se e recusam-se,
acordam e desacordam; e, por consequência, toda a linguagem assim, dessa forma, se faz
dialógica. Sobre o mesmo tema, Dahlet (1997), aponta três posicionamentos sobre o princípio
dialógico bakhtiniano: a sociabilidade como essência intersubjetiva; o signo como portador de
ação, isto significa que o signo é para agir; e, o sujeito como sendo feito daquilo que ele não é, ou
melhor, o sujeito não é a fonte primeira do seu discurso e o dizer do sujeito falante não se limita,
apenas, a uma soma de alterações socialmente definidas. Já em Bakhtin (1981), encontramos
uma sugestão de diferentes graus de dialogismo:

8
Cunha (2009, p. 27) citando Beth Brait (2006) justifica o uso desta expressão dizendo que “o conceito de
dialogismo, como se sabe, desempenha um papel fundamental no pensamento bakhtiniano, de modo que se pode
falar de uma teoria dialógica do discurso”.
27

1. No primeiro, a palavra é orientada para a representação direta do objeto. Ela


“nomeia,comunica, enuncia, representa – que visa à interpretação direta do objeto.”
(BAKHTIN, 1981, p. 162). Fiorin (2006a, p. 19) observa ainda que o “real apresenta-
se para nós sempre semioticamente, ou seja, linguisticamente”. Aqui, podemos pensar
que, conhecemos um dado no mundo, através da linguagem e do ponto de vista que
ela aporta.
2. Fiorin (2006a, p. 33) destaca como sendo o segundo conceito de dialogismo, a
incorporação pelo enunciador da voz ou das vozes de outros no enunciado. Em
Problemas da poética de Dostoiévski, Bakhtin chama esse segundo tipo de discurso
representado e objetivado. “O discurso da personagem é elaborado precisamente
como discurso do outro [...] ou seja, é elaborado como objeto da intenção do autor e
nunca do ponto de vista de sua própria orientação objetiva.” (BAKHTIN, 1981, p.
162). Uma forma composicional que seriam as maneiras externas e visíveis de mostrar
outras vozes no texto.
3. No terceiro, o autor utiliza a palavra do outro para expressar suas próprias ideias; a
palavra do outro, mesmo permanecendo fora dos limites do discurso do autor, é
considerada por ele que a ela se refere. É a palavra bivocal cujo sentido se constrói
como efeito de dupla presença, em que não há separação muito nítida do enunciado
citante e do citado. “É o discurso orientado para o discurso do outro.” (BAKHTIN,
1981, p. 173).

Nessa perspectiva, podemos, primeiramente, falar de dialogismo como constitutivo da


linguagem e da linguagem como constituidora e constituída por sujeitos; daí, sujeitos
heterogêneos e complexos frutos de um dialogismo incessante9. Em Bakhtin (apud. LIMA,
2006, p. 31), “a vida é, por natureza dialógica, sendo impossível conceber o homem fora das
relações que o ligam ao outro. Essa relação funda a linguagem”. A linguagem não pode ser
pensada sem se pensar em interrelação, sem o outro, sem este atravessamento. Ressalta-se
aqui, que em relação à representação do discurso, como um grau do dialogismo, existem

9
Sobre o sujeito coletivo, é possível pensar, sob a ótica bakhtiniana, que “o que o signo reflete/refrata não é
somente o sentido, mas o próprio sujeito em seus modos de inscrição na ordem histórica, já que um corpo,
enquanto matéria simbólica, não possui existência própria fora de uma relação de interdependência com um
corpo social.” (ZANDWAIS, 2005, p. 92).
28

outras formas de apresentação do discurso alheio, os quais trataremos nesta pesquisa: o


discurso direto, discurso indireto, aspas e negação e, também, outras formas de expressão do
dialogismo em que não vemos demarcações nítidas entre as vozes por constituírem-se em
formas operacionais muito úteis à análise que pretendemos, sendo elas a polêmica aberta
velada, o dialogismo velado e a pluriacentuação, que explicitaremos a seguir.

3.1.2 Polêmica, dialogismo velado, pluriacentuação

É muito comum nos discursos políticos gerados em uma greve a seguinte questão:
mas, o que ele está dizendo?; ou melhor, ao lermos um boletim do sindicato, uma nota aberta
feita pelo governo ou uma carta à comunidade, podemos nos perguntar sobre a autoria
daquele discurso, já que, às vezes, percebemos características do discurso sindical e de
militância em um texto do patrão; e o contrário, um texto sindical apresentando análises que
seriam próprias do discurso do governo. A que atribuímos tal apropriação? Em Bakhtin
(1981), encontramos o conceito de polêmica aberta e velada. A primeira diz respeito ao
discurso refutável do outro, que é o seu objeto, trata-se do afrontamento de duas vozes que
polemizam abertamente entre si, cada uma delas defendendo uma ideia contrária à outra. Na
polêmica velada percebem-se, na construção discursiva, duas vozes em oposição, mas a
polêmica não se expressa abertamente, está orientada para um objeto habitual, nomeando-o,
representando-o, enunciando-o, e só, indiretamente, acatando o discurso do outro. (FIORIN,
2006a). Ou melhor, o discurso do autor é orientado para o objeto, mas é construído de modo
que suas afirmações não só assegurem seu sentido objetivo, mas também ataquem o discurso
alheio que trate do mesmo objeto. Esta polêmica se materializa por meio de evasivas,
ressalvas, concessões, numa tentativa de pressentir a palavra do outro e responder-lhe.
(BAKNTIN, 1981). A esse respeito, Maingueneau (1993)10 desenvolveu o conceito de
polêmica bakhtiniano associado ao de formação discursiva. Nesta pesquisa, utilizamos tal
formulação que será mais bem definida no capítulo destinado à análise, quando explicamos os

10
Maingueneau (1993) faz a partir de Bakhtin, uma inserção pela noção de polêmica, incorporando a ela o
conceito de formações discursivas. E define a representação polêmica como uma tomada no sentido de oposição
entre duas ou mais formações discursivas. Ou seja, trata-se de controvérsias explícitas entre formações
discursivas que expressam seus antagonismos, podendo ser apreendidas em dois níveis, através do dialogismo
constitutivo(define a possibilidade de uma formação discursiva no interior de um espaço discursivo, do qual o
diálogo polêmico seria uma das modalidades e o dialogismo mostrado, que diz respeito à interdiscursividade.
29

procedimentos metodológicos adotados neste estudo; não deixando de ressaltar que fazemos a
opção pelo uso do conceito em relação harmônica com a teoria bakhtiniana.
Por dialogismo velado, é possível compreendê-lo em Bakhtin (1981, p. 171) como um
diálogo entre pessoas no qual as réplicas do segundo interlocutor tenham sido suprimidas.
Apesar do segundo interlocutor não ser visível e de suas palavras estarem ausentes, estas
deixariam vestígios, determinando todas as palavras presentes do primeiro interlocutor, o
diálogo é tenso, pois cada uma de suas palavras reage ao interlocutor invisível, sugerindo a
palavra que não foi dita.
Assim, podemos nos utilizar dos termos polêmica aberta, velada e dialogismo velado
para identificarmos o atravessamento dos discursos de greve e como esses discursos
respondem entre si, e daí analisar os impactos dessa interrelação; ou melhor, analisar a
constituição dos sentidos e como os sujeitos desse discurso vão sendo constituídos e
constituintes, a partir de uma situação de greve.
Bakhtin, ao longo do desenvolvimento do conceito de dialogismo, nos conduz à
formulação de noções importantes para uma abordagem nesse nível de interpretação, sendo
elas:
a) a noção de compreensão responsiva, como tudo aquilo que fazemos através da
linguagem que não pode ser atribuída a um sujeito individual, isolado. Dahlet (1997)
explica o termo compreensão em Bakhtin como uma forma de diálogo,
exemplificando com o próprio autor: "compreender é opor à palavra do locutor uma
contra-palavra" (Bakhtin,1988, p. 132. Apud Dahlet, 1997); ou seja, o sujeito
compreende uma enunciação quando se orienta em relação a ela, quando a situa no
contexto, concorda com ela ou completa-a. (PEREIRA, 2000);

b) a noção de avaliação social (acento apreciativo), que diz respeito a uma condição
subjetiva, ocupa um papel central na transformação da significação em tema no
interior dos enunciados, o tema seria a enunciação em seu sentido completo, realizado,
único não reiterável, diferente a cada vez que realiza a enunciação, que inclui a
situação extraverbal que a produz. (PEREIRA, 2000). Assim, todas as palavras e
enunciados contemplam uma dimensão apreciativa, isto quer dizer que sem acento
apreciativo não há palavra. A apreciação resulta, pois, de um processo social, estando
relacionada a comunidades sociais e não apenas a indivíduos no âmbito da
enunciação; ou seja, o sujeito semantiza a língua no evento enunciativo. E, enfim, a
noção de significação objetiva (esse termo é fluido e empregado por outros adjetivos-
30

significação concreta, semântica ou ideológica) que acontece quando o enunciado


entra no horizonte social (imediato ou mais amplo) dos locutores, compreende os
elementos reiteráveis da comunicação, resultando no deslocamento de uma palavra
determinada de um contexto apreciativo a outro. Bakthin (1988, p. 135) afirma que “é
à apreciação que se deve o papel criativo nas mudanças de significação.” Além
disso, postula que “a significação da palavra se refere à realidade efetiva nas
condições reais da comunicação verbal [...]. A emoção, o juízo de valor, a expressão
são coisas alheias à palavra dentro da língua.” (1997, p. 310). E continua dizendo
que “a expressividade da palavra isolada não é, pois, propriedade da própria
palavra, enquanto unidade da língua, e não decorre diretamente de sua significação.”
(1997, p. 314). Distinguem-se unidades da língua e unidades da comunicação verbal;
a significação referindo-se às palavras e à oração; e, tema e o acento apreciativo ao
enunciado, que só é possível dentro de uma enunciação concreta. (PEREIRA, 2000, p.
203). Daí, nos utilizarmos desses conceitos, pois através do acento apreciativo
construído pelos atores sociais pesquisados, pretendemos compreender a circulação
dos temas e dos sentidos que são evocados em uma situação de enfrentamento e
conflito social: a greve dos professores.

3.1.3 O conceito de memória

A teoria bakhtiniana leva em conta a questão de um discurso poder ser tanto o lugar de
encontro de pontos de vista de locutores imediatos, como de visões de mundo, de orientações
teóricas, de tendências filosóficas, etc. (FIORIN, 2006a). E nossos enunciados emergem como
respostas ativas, da multidão de vozes interiorizadas, são as palavras que perderam as aspas. É
nesse aspecto, especificamente, que a abordagem bakhtiniana contribui para a reflexão sobre a
memória discursiva na constituição do discurso, na medida em que está intimamente ligada ao
já-dito no qual os falantes retomam as palavras. Nesse sentido, podemos dizer que estas vozes
estão em nossa memória discursiva como palavras de outrem e como tais são bivocalizadas
em nossos enunciados, “nossos enunciados expressam a um só tempo a palavra do outro e a
perspectiva com que a tomamos.” (FARACO, 2003, p. 82). O enunciado assim se apresenta
31

complexo e muito mais do que quando é entendido como um objeto que articula as intenções
de quem produz.
Na memória discursiva há um “agitado balaio de vozes sociais” que, nos termos de
Faraco (2003, p. 81), se configura em suas múltiplas relações de consonâncias e dissonâncias,
na constituição socioideológica dos discursos; assim, algumas vozes são mais autoritárias,
outras mais persuasivas; as primeiras interpelam e resistem à bivocalidade; a segunda transita,
é permeável. São inter-relações dialógicas que nos permitem, nesta pesquisa, analisar os
discursos que compõem a memória discursiva sobre uma greve de professores, quais vozes
são mais autoritárias ou persuasivas e que efeitos possuem nas práticas sociointerativas. A
teoria bakhtiniana admite que todo enunciado se dirija não somente a um destinatário
imediato, do qual espera uma compreensão responsiva, cuja presença é percebida, mais ou
menos conscientemente, e “o que espera é uma resposta, uma concordância, uma adesão,
uma objeção", (BAKHTIN, 1997, p. 291), mas o autor pressupõe um sobredestinatário. A
identidade deste varia: “ora é a igreja, ora o partido, ora a ciência, ora a correção política.”
(FIORIN, 2006a, p. 27). Este sobredestinatário, este terceiro acima de todos os outros
participantes, também se aloja e compõe a memória discursiva.
Vale dizer que essa discussão coloca em pauta a possibilidade de se pensar em sujeitos
determinados pelo social, pois, a teoria de Bakhtin, ao advogar sobre a heterogeneidade dos
enunciados (vozes sociais interiorizadas), estando em nossa memória discursiva como
palavras de outrem, e como tais bivocalizadas, pode sugerir que estas vozes sejam
incondicionalmente aceitas. No entanto, não é esta a proposta bakhtiniana e Faraco (2003)
afirma que o círculo de Bakhtin mantém um espaço teórico significativo para singularidade,
recusando qualquer forma de determinismo absoluto e,

o que sustenta esta alternativa teórica é a percepção que o universo socioideológico e


o mundo interior não remetem a estruturas pesadamente monolíticas e centrípetas
[...], mas a realidades múltiplas e centrífugas, e confrontando-se em uma intrincada
rede de incontáveis entrechoques ocorrendo numa dinâmica inesgotável. (FARACO,
2003, p. 83).

É, justamente, dessa singularidade do sujeito, que observamos a real possibilidade de


interlocução entre Bakhtin e a Teoria da Cognição, em relação à percepção de uma memória
cognitiva, a que propõe a Análise Crítica do Discurso. Ainda, para entendimento das questões
que ora apresentamos sobre o funcionamento da memória sociocognitiva e a construção da
autoria nos discursos, utilizaremos, também, das leituras que fazem Authier-Revuz (1990) e
Fairclough (2001) do dialogismo bakhtiniano. Para estes autores, o discurso do outro pode
32

tanto se manifestar explicitamente, marcando a presença deste na própria cadeia discursiva-


heterogeneidade mostrada, quanto através da heterogeneidade não explicitamente mostrada-
constitutiva11, que significa não apresentar delimitação visível de fronteiras entre o sujeito do
discurso e a figura de um enunciador exterior ao seu discurso. (AUTHIER-REVUZ, 1990). E
que, ao não deixar marcas visíveis (palavras, enunciados) do outro, não pode ser apreendida
por uma abordagem linguística stricto sensu.

3.2 Análise Crítica do Discurso

Neste subcapítulo, desenvolveremos os conceitos que solidificam a Análise Crítica do


Discurso (ACD), do inglês critical discourse analysis12. Esta teoria pressupõe estabelecer
uma ponte que preencha a lacuna existente entre a dimensão social e as propriedades
linguísticas que na interação e na experiência cotidianas formam um todo unificado (DIJK,
2008). Trata-se de uma análise de discurso que se centra em focalizar duas categorias
funcionais que lhe são essenciais, sendo elas:
1. A focalização dos discursos em seu processo de produção, distribuição e consumo
textual, cuja natureza sociocognitiva, baseia-se nas estruturas e nas convenções sociais
já interiorizadas. Para tal, Fairclough (2001) apresenta a Concepção Tridimensional
Discursiva, que propõe uma análise textual e linguística detalhada na linguística, a
tradição macrossociológica de análise da prática social em relação às estruturas sociais
e a tradição interpretativa ou microssociológica de considerar a prática social como
alguma coisa que as pessoas produzem ativamente e entendem com base em
procedimentos do senso comum partilhados;
2. O desenvolvimento de alguns conceitos, como poder, controle e dominação; discurso
manipulador, cognição social, memória, modelos e representações
sociocompartilhadas. A fim de demandar dos textos investigados um número maior de
categorias analíticas que mostrem claramente a dominação e a hegemonia nos dados.

11
Termo utilizado por Authier-Revuz, J. Heterogeneidade(s) enunciativas(s). In: Cadernos de Estudos
Linguísticos. Campinas, (19), p. 25-42. jul./dez.1990.
12
Aqui traduzido pela expressão Análise Crítica do Discurso, a exemplo do livro organizado por Emília Pedro
(1997), com o mesmo título.
33

3.2.1 História e objetivos da ACD

Na Universidade de East Anglia, Grã-Bretanha, na década de 1970, pesquisadores


desenvolvem um campo de estudos denominado linguística crítica, ao articular as teorias e os
métodos de análise textual da linguística sistêmica, de Halliday, com teorias sobre as
ideologias. Fairclough (2001) reitera que é desta década a forma de análise do discurso que
identifica o papel da linguagem na estruturação das relações de poder na sociedade; contudo,
registra que na década anterior, alguns movimentos consolidavam estudos sobre a importância
das mudanças sociais como perspectiva de análise, explicando que na França, Michel Pêcheux
e Jean Dubois desenvolveram uma abordagem da análise de discurso, tendo por base,
especialmente, o trabalho do linguista Zellig Harris e a reelaboração da teoria marxista sobre a
ideologia. E, comparando as duas vertentes, verifica que a primeira destaca a análise
linguística, porém, com pouca ênfase nos conceitos de ideologia e poder, e a segunda enfatiza
a perspectiva social, relegando a análise linguística. Ambas apresentam uma visão estática das
relações de poder, enfatizando o “papel desempenhado pelo amoldamento ideológico dos
textos linguísticos na reprodução das relações de poder existentes”, (FAIRCLOUGH, 2001,
p. 20). O fato é que as lutas e as transformações de poder não mereceram a atenção exigível,
considerando-se a linguagem em si e seu papel. Fairclough (2001, p. 20), com mais detalhes,
esclarece, ainda, que nos primeiros estudos da linguística crítica, a análise linguística e o
tratamento de textos linguísticos estão bem desenvolvidos, mas havia pouca teoria social, e os
conceitos de ideologia e poder eram usados com pouca discussão ou explicação; enquanto no
trabalho de Pêcheux a teoria social era mais sofisticada, a análise linguística era tratada em
termos semânticos muito estreitos:

Prestou-se pouca atenção à luta e à transformação nas relações de poder e ao papel


da linguagem. Conferiu-se ênfase semelhante à descrição dos textos como produtos
acabados e deu-se pouca atenção aos processos de produção e interpretação textual,
ou às tensões que caracterizam tais processos. Como consequência, essas tentativas
de síntese não são adequadas para investigar a linguagem dinamicamente em
processos de mudança social e cultural. Fairclough (2001, p. 20).

Conforme Magalhães (2005), em 1979, Fowler, Kress, Hodge, e Trew publicaram


Language and Control, um livro que discute a relação entre o estudo do texto e os conceitos
de poder e ideologia e em 1980, Norman Fairclough, usa a expressão 'análise de discurso
crítica' que não pode ser considerada uma continuação da linguística crítica, já que a ACD
34

propõe, teórica e metodologicamente, um estudo de textos e eventos em diversas práticas


sociais em seu contexto sociohistórico. Surge, então, a Análise Crítica do Discurso (ACD),
com a publicação de Van Dijk da revista Discourse and Society. Entretanto, Magalhães julga
ser importante acrescentar publicações anteriores, como os livros: Language and power, de
Norman Fairclough, em 1989; Language, power and ideology, de Ruth Wodak, em 1989; e a
obra de Teun Van Dijk sobre racismo, Prejudice in discourse, em 1984. Obras que, segundo
Pedro (1997, p. 22), apresentam diferenças, mas comungam em aspectos fundamentais
permitindo falar de um projeto comum. Magalhães (2005) cita Fairclough, autor-referência
desta pesquisa, como sendo um importante teórico para a ACD, já que cria um método para o
estudo do discurso e esforça-se extraordinariamente para explicar por que cientistas sociais e
estudiosos da mídia precisam dos linguistas. E cita Van Dijk, outro autor-referência deste
trabalho, como aquele que tem, também, contribuído para o debate da ACD como organizador
de Discourse and Society, um importante periódico internacional da área.
A ACD, então, propõe-se a estudar a linguagem como prática social e, para isso,
considera o importante papel do contexto para atingir este objetivo. Esse tipo de análise se
interessa, sobretudo, pela relação que há entre a linguagem e o poder. É possível defini-la
como um viés que se ocupa, fundamentalmente, de análises que dão conta das relações de
dominação, discriminação, poder e controle, na forma como elas se manifestam através da
linguagem. (WODAK, 1997a). Nessa perspectiva, a linguagem é um meio de dominação e de
força social, servindo para legitimar as relações de poder estabelecidas institucionalmente. É
para atingir esse objetivo que a ACD recorre ao contexto social da enunciação em busca das
realizações do processo comunicativo e daquilo que o realiza dialeticamente, isto por
considerar os discursos como fatos históricos e, portanto, socialmente instituídos e
ideologicamente constituídos.
Para a ACD são necessárias as descrições e teorizações dos processos e das estruturas
sociais responsáveis pela produção de um texto “como uma descrição das estruturas sociais e
os processos nos quais os grupos ou indivíduos, como sujeitos históricos, criam sentidos em
sua interação com textos.” (WODAK, 2003, p. 19). Não obstante, a relação entre o texto e o
social não é vista de maneira determinista, e,

a ACD trata de evitar o postulado de uma simples relação determinista entre os


textos e o social. Tendo em consideração as intuições de que o discurso se estrutura
por dominação, [...] o complexo enfoque que defendem os proponentes [...] da ACD
permite analisar as pressões provenientes de cima e as possibilidades de resistência
às relações desiguais de poder que aparecem em forma de convenções sociais.
(WODAK, 2003, p. 19-20, tradução nossa).
35

Devido aos diferentes enfoques seguidos por analistas críticos do discurso, aceita-se a
Análise Crítica do Discurso como um conjunto de procedimentos de pesquisa. Sendo assim,
trabalhar com a ACD implica considerá-la como uma perspectiva teórica que versa sobre a
linguagem.

A ACD é uma forma de ciência crítica que foi concebida como ciência social
destinada a identificar os problemas que as pessoas enfrentam em decorrência de
formas particulares da vida social e destinada, igualmente, a desenvolver recursos de
que as pessoas podem se valer a fim de abordar e superar esses problemas.
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 185).

Este caráter social da Análise Crítica do Discurso é confirmado por Wodak (2003) ao
afirmar que, ao se desenvolverem projetos com base nessa teoria, é de suma importância a
aplicação dos resultados a que se chega, seja em seminários para pessoas da mesma área ou
profissionais de outras áreas que se beneficiem com os resultados, seja em textos escritos em
que se exponham as constatações, posições e experiência ou como critérios para a elaboração
de livros didáticos. No caso desta pesquisa, seus resultados podem confirmar os propósitos
citados por Wodak(2003), o de permitir a reflexão/alteração dos discursos
produzidos/reproduzidos durante uma greve, pela mídia e pelos demais atores, embora este
não seja um objetivo explícito do presente trabalho; todavia, há de se considerar importante à
contribuição que ele possa dar a organização de trabalhadores em educação na cidade de Belo
Horizonte.
A ACD destaca a necessidade do trabalho interdisciplinar, objetivando-se uma
compreensão adequada do modo como a linguagem opera. Assim se poderá compreender a
manifestação da linguagem na organização das instituições sociais e no exercício do poder.
Esse tipo de análise busca uma teoria da linguagem que incorpore a dimensão do poder como
condição capital da vida social. Daí se justifica o esforço de estudiosos da ACD para
desenvolver uma teoria da linguagem que apresente essa dimensão como uma de suas
premissas fundamentais. “A ACD se interessa pelos modos em que se utilizam as formas
linguísticas em diversas expressões e manipulações do poder.” (WODAK, 2003, p. 31).
36

3.2.2 A proposta de Norman Fairclough

O foco analítico de Fairclough (2001) é o do discurso como prática social. Para tal,
apresenta a Análise Tridimensional do Discurso, Pagano e Magalhães (2005) entendem que
nesse modelo a análise textual está de acordo com a proposta de análise crítica do discurso,

como análise da organização dos textos, compreendendo dois tipos complementares


de análise: a lingüística e a intertextual. Na análise lingüística, parte-se do
pressuposto de que o texto se apropria seletivamente dos sistemas lingüísticos e, na
análise intertextual, do pressuposto de que o texto se apropria seletivamente de
ordens do discurso, entendidas como convenções particulares de práticas
convencionalizadas. (PAGANO; MAGALHÃES, 2005 p.27).

A primeira, a linguística, propondo-se a análise não somente do material textual, mas


também, das opacidades textuais; enquanto a segunda, intertextual, vê esse texto como
escolha, uma prática social, que envolve uma complexa rede em uma dada ordem do discurso.
A vida é feita de práticas e o discurso é um dos elementos da prática social. Por prática social,
entende-se: atividade produtiva, meios de produção, relações sociais, identidades sociais,
valores culturais, consciência e semioses (produção de significados); por sua vez, em
conformidade com o autor, as práticas sociais que são construídas de maneira concreta, em
forma de redes, constituem uma ordem social. O aspecto semiótico de uma ordem social é o
que podemos chamar de uma ordem do discurso, ou seja, ordens do discurso seriam os
significados resultados das práticas sociais cotidianas. É em Foucault, que Fairclough (2001,
p. 62) busca a contribuição para sua concepção de ordem discursiva e poder na tentativa de
operacionalizar sua percepção em métodos reais de análise.
Nesta linha, podemos pensar que, em nossa pesquisa, durante uma greve, várias
práticas sociais se constituem, através de práticas de conflito entre classes sociais; que se
constroem identidades que se reafirmam e legitimam-se, através de ideologias, crenças,
conhecimentos, e etc. Em rede, estas práticas, interdependentes, constituem uma ordem social,
produzindo sentidos, que vão se estabelecendo em nossa sociedade, são ordens discursivas
sobre greve, que povoam os discursos que circulam e constituem vários outros, construindo
uma discursividade sobre greve, professores e movimentos reivindicatórios no geral. Assim,
circulando o discurso vai naturalizando ideias; como modo de prática política e ideológica, e
desse modo,
37

constitui , naturaliza , mantém e transforma os significados do mundo de posições


diversas nas relações de poder [...] a prática discursiva recorre a convenções que
naturalizam relações de poder e ideologias particulares e as próprias convenções.
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 94).

Nesse sentido que o discurso é conceitualizado tanto como um modo de ação (como as
pessoas agem sobre o mundo e sobre as outras) e como um modo de representação, há uma
dialética entre ele e a estrutura social, que pode moldá-lo e restringi-lo, como também ser um
constitutivo dela. É uma prática de representação e de significação do mundo, constituindo e
construindo esse mundo em significados. Sua análise deve, portanto, envolver todo o processo
de produção, distribuição e consumo; esses processos são sociais, por isso exigem referência
aos ambientes políticos e institucionais particulares, nos quais o discurso é gerado. Trata-se,
pois, de uma prática de análise sociocognitiva, uma vez que se fundamenta em estruturas e
nas convenções sociais interiorizadas. Explicitaremos este modelo de análise a seguir.

3.2.2.1 O modelo tridimensional de Fairclough

Para entender o discurso, Fairclough (2001) sugere uma análise tridimensional,


explicando que qualquer evento ou exemplo de discurso pode ser considerado,
simultaneamente, um texto (dimensão textual e linguística), um exemplo de prática discursiva
(dimensão da produção e interpretação) e um exemplo de prática social, que seriam as
circunstâncias institucionais e organizacionais do evento comunicativo.
Em relação ao modelo tridimensional, deverão ser consideradas, nos termos de
Fairclough (2001, p. 100), três tradições analíticas, que serão mais bem detalhadas no
próximo item desta pesquisa: a tradição da análise textual e linguística detalhada na
linguística, a tradição macrossociológica e a tradição interpretativa ou microssociológica.
Importa ressaltar que o modelo tridimensional segue orientação de três perspectivas de análise
em relação: à mudança social, à perspectiva multifuncional, e à histórica. A primeira, para
avaliar as relações entre mudança discursiva e social e, também, para relacionar as
propriedades particularizadas de textos às propriedades sociais de eventos discursivos,
perceptíveis à análise de vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual; a segunda, a
multifuncional, para averiguar as mudanças nas práticas discursivas que contribuem para
mudar o conhecimento, as relações e identidades sociais; esta perspectiva tem a ver com
38

aspectos relacionados à produção e interpretação textual, já que textos simultaneamente


representam à realidade, ordenam as relações sociais e estabelecem identidades, conforme
propõe a teoria sistêmica de Halliday. E, finalmente, a histórica, para discutir a “estruturação
ou os processos ‘articulatórios’ na construção de textos e na constituição a longo prazo de
‘ordens de discurso’”, (FAIRCLOUGH, 2001, p. 27, destaques do autor); que se relacionam à
análise das práticas discursivas modificadas em relação a mudanças sociais e por
consequência em relação a estruturas sociais.

3.2.2.1.1 Análise textual

A dimensão textual é baseada na tradição de análise textual e linguística, subdividida


em quatro itens de análise: estrutura textual, coesão, gramática e vocabulário. Sendo
elementos da análise textual:
a) A estrutura textual interacional; que descreve as características organizacionais gerais
sobre o funcionamento e o controle das interações, contemplando as funções
referencial e identitária da linguagem. Destacam-se: a polidez e o ethos; a análise do
primeiro busca determinar quais as estratégias de polidez são mais utilizadas no
corpus e o que isso sugere sobre as relações sociais entre os participantes. Em relação
ao ethos, busca-se reunir as características que contribuem para a construção das
identidades sociais.
b) A análise coesiva; que busca mostrar de que forma as orações e os períodos estão
interligados no texto.
c) A gramática; que trabalha com a concepção de transitividade, remetendo-se à função
ideacional da linguagem (verificar se tipos de processo ação/eventos e participantes
estão favorecidos no texto, que escolhas de vozes são feitas, se ativas ou passivas e
como se dá o processo de nominalização); o tema, ligado à função textual da
linguagem (observa se existe um padrão discernível na estrutura do tema do texto para
as escolhas temáticas das orações); e, modalidade, que diz respeito à função
interpessoal da linguagem (determina padrões por meio da modalidade, quanto ao grau
de afinidade expressa com proposições).
d) A análise de vocabulário se subdivide em análise do significado, criação de palavras e
metáfora. Quanto ao significado, busca-se enfatizar palavras que apresentam
39

significado cultural ou variável e como elas funcionam hegemonicamente em estado


de luta. Em relação à criação de palavras, contrastam-se as formas de lexicalização dos
sentidos com as formas de lexicalização desses mesmos sentidos em outros tipos de
textos, verificando-se a perspectiva interpretativa por trás dessa lexicalização. E, por
fim, a análise da metáfora pretende caracterizar aquelas utilizadas em contraste com
outras usadas para sentidos semelhantes em outro lugar, verificar que fatores (cultural,
ideológico, histórico, etc.) determinam a escolha dessa metáfora.

3.2.2.1.1.1 Considerações preliminares da análise textual em relação à pesquisa

Em relação à pesquisa, podemos explicitar aqui, como a análise textual proposta por
Fairclough (2001), pode nos contemplar. Por exemplo, em relação ao vocabulário, podemos
buscar no corpus: lexicalizações alternativas e sua significação tanto política quanto
ideológica nos discursos. “Os significados das palavras e a lexicalização de significados são
questões que são variáveis socialmente e socialmente contestadas, e facetas de processos
sociais e culturais mais amplos.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 230). Perceber o uso de
metáforas, já que estas possuem implicações políticas e ideológicas em conflito com
metáforas alternativas, pois, conforme Fairclough (2001), a metáfora é escolhida para
significar coisas, então, constrói-se uma realidade de uma maneira específica, e não de outra.
E, esta, de tão naturalizada, pode causar difícil identificação.
Em gramática, podemos observar as escolhas das orações em termos de modelo e
estrutura, bem como o significado e a construção de identidades sociais, de relações sociais,
de crenças e conhecimentos. Um exemplo seriam as orações declarativas que podem ser tidas
como autoritárias. Ou a identificação do tema e do tópico, as relações entre as construções
ativas e passivas e a omissão do agente nas construções passivas. Quanto à transitividade,
podemos estabelecer que fatores sociais, culturais, ideológicos, políticos ou teóricos decidem
como um processo é significado num tipo de discurso particular (ou mesmo em diferentes
discursos) ou em um dado texto. Por exemplo, se há motivação para escolher a voz passiva, se
seu uso permite a omissão do agente por ser irrelevante, por ser evidente por si mesmo ou por
ser desconhecido, mas, também, a omissão pode ter razões políticas ou ideológicas, a fim de
ofuscar o agente, a causalidade e a responsabilidade.
40

Outra atenção, em relação à análise textual, seria a de observar como se estruturam as


regras de polidez. Não respeitar uma regra do discurso é se expor. Para Fairclough (2001),
todo indivíduo possui duas faces: a negativa e a positiva. A negativa corresponde ao território
de cada um, onde as pessoas não querem ser incomodadas, impedidas ou controladas por
outros; já a face positiva tem a ver com a imagem que passamos socialmente para as outras
pessoas; assim: quais imagens nossos atores sociais pretendem explicitar? E quais não
pretendem, mas que se apresentam? Já em relação ao ethos: “A imagem discursiva de si é [...]
ancorada em estereótipos, um arsenal de representações coletivas que determinam,
parcialmente, a apresentação de si e sua eficácia em uma determinada cultura.”
(CHARAUDEAU, 2006b, p. 221). O posicionamento de Fairclough (2001) é de que o ethos
pode ser considerado como parte de um processo mais amplo de modelagem em que o tempo
e o lugar de uma interação e seus participantes, são constituídos pela valorização de ligações
em certas direções intertextuais de preferência a uma e não a outras. Podemos nos perguntar
como o ethos de nossos atores é constituído nos discursos analisados?
Estas categorias permitirão descrever a significação ideológica intrínseca nos
discursos tanto da PBH, quanto do sindicato e da mídia em análise, uma vez que a escolha de
estratégias de composição estrutural do texto revela valores, crenças e conhecimentos
relacionados àquilo que é enunciado pelos sujeitos. A análise textual é, portanto, um dos
elementos constituintes que permitirão tecer as concepções de ideologia presentes nos
discursos investigados aqui.

3.2.2.1.2 Análise discursiva

Análise discursiva se refere à prática de produção, distribuição e consumo textuais e


está baseada na tradição interpretativa ou microssociológica de levar em conta a prática social
como algo que as pessoas, ativamente, produzem e apreendem com embasamento em
procedimentos compartilhados consensualmente. Trata-se, portanto, de uma análise chamada
de “interpretativa”, pois é uma dimensão que trabalha com a natureza da produção e
interpretação textual, (FAIRCLOUGH, 2001, p. 107), sendo elementos de análise:
41

a) A interdiscursividade e a intertextualidade manifesta, em relação à análise de


produção do texto; a primeira busca especificar os tipos de discurso13 que estão no
corpus sob análise e de que forma isso é feito. “É a amostra discursiva relativamente
convencional nas suas propriedades interdiscursivas ou relativamente inovadora?”
(Fairclough, 2001, p. 283). A percepção da intertextualidade manifesta faz-se diante
da observação de como outros textos estão se delineando na constituição dos textos
pesquisados, através de representação discursiva, ironia, negação pressuposição e
metadiscurso.
b) Em relação à distribuição do texto é necessário especificar como a distribuição dos
textos é feita através da descrição das séries de textos nas quais ou das quais é
transformada, ou seja, quais os tipos de transformações, quais as audiências
antecipadas pelo produtor?
c) A coerência textual e suas implicações interpretativas, quanto ao consumo do texto.
Especificam-se as práticas sociais de produção e consumo do texto, ligadas ao tipo de
discurso que a amostra representa. A produção é coletiva ou individual? Há diferentes
estágios de produção? “As pessoas do animador, autor e principal são as mesmas ou
diferentes?” (Fairclough, 2001, p. 285).
d) A análise da força dos enunciados, análise dos atos de fala, que se subdividem em
assertivos, comissivos, declarativos, expressivos e diretivos. Força está em contraste
com proposição, para Fairclough (2001), o componente proposicional, é parte do
significado ideacional, a força é o seu componente acional.

3.2.2.1.2.1 Considerações preliminares da análise discursiva em relação à pesquisa

Práticas sociais do mundo do trabalho se efetivam a partir das relações que ali são
estabelecidas: atividade produtiva, meios de produção, identidades sociais, valores, etc. Um
exemplo é a relação patrão vs. empregado, que deve ser estabelecida através de negociações;
no entanto, quando estas não são possíveis a greve se apresenta como uma estratégia para se

13
Usamos o termo ‘tipo de discurso’ conforme Maingueneau (2008, p. 16), que distingue grandes tipos de
unidades, a primeira delas chamada unidade tópica territorial; que seriam espaços já pré-delineados pelas
práticas verbais, tipos de discurso relacionados a certos setores de atividades da sociedade: discurso
administrativo, publicitário, político, etc. Estes tipos englobariam gêneros de discurso, entendidos como
dispositivos sócio-históricos de comunicação.
42

forçar um diálogo. A greve possui uma estrutura composicional particular socialmente aceita;
nela práticas discursivas se interrelacionam pertinentemente: passeatas, piquetes,
manifestações, panfletos, boletins, cartas, atas, propostas, planilhas, etc. Tratamos, nesta
pesquisa, de quatro gêneros textuais, cujo processo de produção, distribuição e consumo são
diferentes entre si: notas, boletins, cartas abertas e reportagens são gêneros particulares que
designam não só a área relevante de conhecimento, mas também o modo particular de como
ela é constituída - por exemplo, o discurso sindical/classista sobre a greve, o discurso do
patrão/PBH sobre a greve e o discurso jornalístico sobre a greve. Entretanto, embora possuam
o mundo das relações políticas de trabalho como uma área de conhecimento construída, os
pontos de vista são divergentes constituídos em seus discursos, a partir da sua posição, das
ordens discursivas as quais se recorrem, e do contexto situacional.
De outro modo, também, o discurso político de greve é só um modo particular de
construir o assunto política, ou seja, os gêneros analisados designam a política como uma área
de conhecimento, construída de uma perspectiva (de um modo particular) de sujeitos (atores
sociais) em estado de greve. Assim, as circunstâncias históricas da greve, em conjunto com
seus atores, vão produzir discursos sobre política, através das práticas sóciodiscursivas, do
modo como o a mídia, o sindicato em confronto com a prefeitura e vice-versa, representam e
ao mesmo tempo constituem e são constituídos por essa circunstância social.
Ao se posicionarem e representarem o mundo, os discursos são atravessados por
discursos anteriores, pontos de vistas, que o fazem um todo heterogêneo; a apreensão desse
outro se faz, através de dois conceitos funcionais de análise, considerados por Fairclough
(2001) como essenciais: a intertextualidade14, subdividida em categorias de análise, como: a
representação no discurso, a ironia, a negação, a pressuposição, o metadiscurso e a
interdiscursividade.
A primeira categoria seria a de representação no discurso, no lugar do termo discurso
relatado, também problematizado por Bakhtin; porque o que está representado não é apenas a
fala, mas também a escrita, e não somente aspectos gramaticais, mas sua organização
discursiva. Fairclough (2001, p.153) cita Bakhtin (1988, p. 119), para quem há uma relação
dinâmica entre as vozes do discurso representado e representador; considerando que há
diferenças naquilo que é citado, quando é citado, como e por que tal citação é feita assim;

14
Por intertextualidade manifesta, entende-se intertextualidade sequencial (em que diferentes textos ou tipos de
discurso se alternam em um texto); intertextualidade encaixada (em que um texto ou tipo de discurso está
claramente contido dentro da matriz de um outro, uma relação entre estilos) e a intertextualidade mista, em que
textos ou tipos de discurso estão fundidos de forma mais complexa e menos facilmente separável.
(FAIRCLOUGH, 2001).
43

pode-se pensar se a representação vai além do ideacional (conteúdo) para incluir aspectos do
estilo e contexto do representador. Na análise poderemos perceber como os discursos são
representados e quais efeitos essas representações possuem.
As pressuposições são também categorias de análise, pois ao serem tomadas pelo (a)
produtor (a) do texto como já estabelecidas ou dadas, se definem como uma forma de
incorporar textos de outros; ou seja, um alheio, que é contestado, que corresponde a uma
opinião geral (o que as pessoas tendem a dizer, experiência textual acumulada). Fairclough,
aqui, incorpora os trabalhos de Pêcheux, ao relacionar pressuposição a uma expressão pré-
construída que circula em uma forma já pronta. Podendo, também, ser ela interpretada em
termos de relações intertextuais com textos prévios do (a) produtor (a) do texto ou em textos
de outros. As pressuposições podem, também, possuir um caráter manipulador, sendo
extremamente importantes à nossa análise. Nesse viés, as frases negativas são frequentemente
usadas com finalidades polêmicas e carregam tipos especiais de pressuposição que também
funcionam intertextualmente, incorporando outros textos somente para contestá-los ou rejeitá-
los. E, ainda, nesse trabalho interdiscursivo, Fairclough (2001) cita a natureza intertextual da
ironia. Dizendo-nos que um enunciado irônico ecoa o enunciado de outro, também
pressupondo que o outro reconheça esse enunciado.
A intertextualidade se manifesta metadiscursivamente quando o (a) produtor (a) do
texto distingue níveis diferentes dentro de seu próprio texto e distancia a si próprio (a) de
alguns níveis do texto, tratando o nível distanciado como se fosse um outro texto, externo,
através de expressões evasivas, uma outra possibilidade é parafrasear ou reformular uma
expressão. O metadiscurso, estratégia que gera esse efeito, implica que o (a) falante esteja
situado acima ou fora de seu próprio discurso e esteja em uma posição de controlá-lo e
manipulá-lo. Uso próprio do discurso midiático, Romão e Tfouni (2004), atestam que o
discurso jornalístico adota estratégias retóricas com o objetivo de apresentar fatos como sendo
verdades objetivas, pela utilização de marcas formais bastante definidas, tais como
indeterminação do sujeito e apagamento do nome do autor. Assim, o discurso jornalístico
organiza direções de leitura, o distanciar-se é uma forma de fazer parecer uma informação
segura e confiável, tão proclamada pela imprensa. Segundo as autoras, tal distanciamento
cristaliza o dizer, instaurando uma ilusão de verdade absoluta. E o trabalho ideológico vai
sendo feito. Quando da análise apresentaremos, mais detidamente, essa discussão.
Quanto à interdiscursividade, podemos pensar que textos são produzidos através de
outros tipos de textos que relacionados uns aos outros, transformam-se por um processo de
cadeias intertextuais sequenciais ou sintagmáticas, como por exemplo: uma nota da PBH pode
44

transformar-se em uma reportagem do jornal Estado de Minas, ou em uma letra de música


feita pelo sindicato com o objetivo irônico de provocar o patrão. Estas cadeias contrastam
com as relações intertextuais paradigmáticas, discutidas sob o título de interdiscursividade,
isto significa que, conhecimentos sobre greve, em uma ordem societária, partilhados e aceitos
(um instrumento de reação dos trabalhadores, autorizado pelo Estado e institucionalizada pela
liberdade sindical), constituem os elementos dessa ordem discursiva, ou seja, constituem
sujeitos e efetivam suas posições; já que estes estão constantemente abertos para serem
redesenhados à medida que as ordens de discurso são desarticuladas e rearticuladas no curso
da luta hegemônica. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 159).
Em relação à análise da coerência, embora não apresentemos, nesta pesquisa, análise
de dados de interpretações de leitores dos discursos; partimos da análise sobre como os
produtores interpelam os sujeitos intérpretes. Buscamos, então, compreender como Mídia,
Sindicato e PBH postulam sujeitos intérpretes e implicitamente estabelecem as suas posições
interpretativas. Considerando, no entanto, que estes sujeitos intérpretes não são um todo
moldado, assujeitados,

são, é claro, mais do que sujeitos do discurso em processos de discurso particulares:


eles são também sujeitos sociais, com experiências sociais particulares acumuladas e
com recursos orientados variavelmente para múltiplas dimensões da vida social, e
essas variáveis afetam os modos como vão interpretar textos particulares.
(Fairclough, 2001, p.171).

E podemos, também, nos perguntar sobre quanto de trabalho inferencial nosso corpus
requer. Ou seja, observar se os discursos apresentam resistências uns aos outros. Nessa
orientação, podemos observar que tanto a PBH quanto sindicato e mídia, interpelam os
sujeitos intérpretes de seus discursos. O sindicato tem por função resistir à interpelação
proposta pela prefeitura e apresentar, o que para o sindicato, seriam as suas incoerências,
desarticulando esse discurso para apresentá-lo aos professores e à opinião pública. À
prefeitura, cabe desarticular o discurso sindical, acrescentando mais uma dimensão da
intertextualidade ao texto para sustentar sua interpretação (análise econômica, críticas
políticas ao sindicalismo partidário, etc.). E em relação à mídia, nesse sentido, podemos nos
perguntar sobre como ela interpela seu público intérprete, em função de uma ou outra
ideologia.
Em relação ao consumo textual, entendemos que os textos de greve são consumidos
diferentemente, e os sujeitos leitores, também, podem ocupar um conjunto de posições, e cada
uma dessas posições pode também ser ocupada de forma múltipla: receptores (aqueles para
45

quem os textos se dirigem), ouvintes ou leitores (aqueles para quem o texto não está dirigido
diretamente, mas são incluídos) e destinatários (aqueles que não são considerados leitores ou
ouvintes legítimos, contudo são reconhecidos como consumidores de fato). Nos textos em
análise, podemos pensar em quem são os destinatários? Quem são os sujeitos dos discursos,
que vozes são ouvidas nos textos representando os sujeitos? Casarim (2000) citando Bakhtin
aponta para a noção de enunciado dividido (nesta pesquisa, no capítulo de análise
explicaremos melhor este conceito), em que percebemos como um discurso pode estabelecer
confronto entre posições de sujeito diferentes. O enunciado dividido tem como principal
característica a não-comutabilidade de elementos, são discursos em confronto que vivem no
mesmo enunciado.
Já, em se tratando da força dos enunciados, podemos considerar este um aspecto
essencial à pesquisa, uma vez que muitas das vezes os discursos gerados em situação de
greve, tanto aqueles do patrão como os do sindicato, objetivam indiretamente mandar fazer.
Neste sentido, a escolha por certos atos de fala, pode facilitar tal intenção de efeito, ainda que
sejam instrumentos de efeitos garantidos pós-discurso, por várias razões, entre elas políticas e
ou ideológicas, tal intenção é geralmente omitida em texto. Tal intenção é construída
discursivamente de maneira que não seja explicitada tal intenção.

3.2.2.1.3 Análise social

A última categoria de análise de Fairclough (2001), em sua teoria tridimensional, seria


a análise social, cujo objetivo geral é o de especificar “a natureza da prática social da qual a
prática discursiva é uma parte, constituindo a base para explicar por que a prática
discursiva é como é; e os efeitos da prática discursiva sobre a prática social.”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 289). Essa é uma análise de tradição macrossociológica da prática
social em relação às estruturas sociais, de natureza interpretativa.
46

3.2.2.1.3.1 Considerações preliminares da análise social em relação à pesquisa

Ao proceder à análise social, que não será feita em item específico, mas durante todo o
processo de análise, já que, como Fairclough (2001, p. 100), ao tentarmos compreender como
os atores produzem seus mundos, veremos que suas práticas são moldadas por estruturas e
relações de poder. Assim, seus discursos são sempre investidos política e ideologicamente e
sua produção, consequentemente heterogênea e contraditória. No decorrer da investigação,
concomitante à análise textual e discursiva, faremos à análise social, nos termos de Fairclough
(2001). Para tal, desenvolvemos nos itens que se seguem a definição dos conceitos
necessários à ACD que dizem respeito à dimensão social de análise.

3.2.3 Cognição discursiva

Fairclough (2001) ao elaborar o processo de produção e interpretação, em uma


dimensão sociocognitivista, explica que ao processar um texto, intérpretes reduzem sua
ambivalência se utilizando do contexto textual aliado ao contexto de situação, e daí chegam à
interpretação da totalidade da prática social da qual o discurso faz parte. Mas é Dijk (2008)
quem revela como definimos a coerência local e global dos textos através de processamento
cognitivo, ao apresentar o estatuto da cognição política.

Vejamos, inicialmente, um enquadre teórico conceitual com as noções psicológicas


elementares, ao nosso estudo, apresentadas em Dijk (2008). Este quadro apresenta alguns
construtos que antecipam reflexões sobre a maneira como estruturamos mentalmente
conhecimentos, crenças, representações sobre situações, eventos, atores, grupos políticos e
construções sociais solidificadas em nossa sociedade.
47

Tópico Subdivisão Definição e Funcionamento


Short Term
Memory Nesta memória STM acontece o processamento real de informações (como percepção, compreensão e
(STM), produção discursiva, monitoramento da interação etc.), organizada em vários tipos de representações
também mentais, cada um com sua própria estrutura esquemática (compra em loja, participação em congressos) ou
chamada de Scripts (categorias para as situações, eventos, ex: o conhecimento geral que as pessoas têm de políticos).
memória de Fazendo uso da informação (por exemplo, conhecimento) armazenada em LTM.
trabalho.
Memória
A memória episódica armazena as experiências
Modelos mentais são subjetivos, formam a base
pessoais que resultam do processamento
Long Term cognitiva de todo discurso e interação individual,
(compreensão) em STM.
Memory representando eventos específicos, tais como
(LTM) conhecimento e opinião. Corporificam tanto
A memória semântica ou social armazena informações pessoais como sociais, servindo como
informações mais gerais, abstratas e socialmente o centro da interface entre o social e o individual.
partilhadas.
Quadro 1: Memória e Modelos
Fonte: Dijk (2008)

A partir do quadro compreendemos que a memória é uma estrutura mental abstrata


responsável pelos processos cognitivos e pelas representações sociais. Dijk (2008) faz uma
distinção entre short term memory (STM), onde ocorre o processamento real de informações
(como percepção, compreensão e produção discursiva, monitoramento da interação, etc.); e
long term memory (LTM) que armazena o conhecimento, por exemplo. Esta pode ser
episódica ou semântica, a primeira conhecida como memória de trabalho, armazena
definições práticas de atividades cotidianas e experiências pessoais, enquanto a segunda
armazena informações mais gerais, abstratas e socialmente partilhadas, também chamada de
memória social.
A informação em LTM se organiza em vários tipos de representações mentais, cada
uma com sua própria estrutura esquemática. Por exemplo, conhecimentos sociais gerais sobre
episódios convencionais (tais como, compras num supermercado ou participação em um
congresso acadêmico) podem ser organizados por “scripts”, consistindo de um número de
categorias fixas, por exemplo, categorias para as situações, eventos, ações e participantes
típicos de tais episódios.
As experiências pessoais são organizadas na memória episódica, armazenam os
conhecimentos em STM e são representadas em modelos mentais que também têm uma
estrutura esquemática. Os modelos representam eventos específicos, é a interpretação pessoal
de tal tipo de evento; são estes que definem a compreensão de todo o evento comunicativo. A
estas compreensões, Dijk (2008) define como sendo representadas pelo que ele chama de
modelos de contexto, os quais ao mesmo tempo, para os falantes, operam como seus -
dinamicamente mutáveis - planos para a fala. Os modelos funcionam como uma interpretação
individual de um discurso particular em uma situação específica. (Dijk, 2008). Assim,
48

podemos dizer que modelos são subjetivos. São eles que formam a base cognitiva de todo
discurso e interação individual. Isto é, tanto na produção quanto na compreensão, pessoas
constroem um modelo de um evento e definem a sua coerência local e global.
Para Dijk(2008) é importante ressaltar que modelos formam em princípio uma base
cognitiva. Entretanto, ao integrarem novas informações corporificam tanto informações
pessoais como sociais e, dessa forma, servem como o centro da interface entre o social e o
individual. Isto é, as representações sociais gerais e abstratas da memória social são em
primeiro lugar derivadas de nossas experiências pessoais e representadas em nossos modelos
episódicos; quando modelos são compartilhados, generalizados e socialmente normalizados,
eles constituem, então, a base da aprendizagem social e política experimentada. O ciclo
abaixo demonstra esse processo:

Quadro 2. Ciclo de processamento da memória

O ciclo nos mostra como incorporamos ideologias, conhecimentos, crenças e valores:


práticas discursivas que podem exercer controle, dominação e manipulação. O processo é
cíclico; quer dizer que quando confrontados com os eventos, os sujeitos acionam sua memória
social e pessoal; estes eventos são experimentados, interpretados e assumidos para si, daí são
representados e partilhados; quando generalizados, são, os modelos, normalizados e
arquivados na memória social. Neste momento, o processo se completa gerando modelos que
são compartilhados na sociedade. O processamento discursivo, então, pode ser entendido
através da relação entre as crenças partilhadas socialmente e as crenças pessoais (que são os
modelos), e, de outra relação entre essas representações sociais e pessoais com as estruturas
49

discursivas. (DIJK, 2008). Isto significa que crenças factuais compartilhadas de um grupo ou
cultura, verificadas pelos critérios de verdade (historicamente variável) daquele grupo ou
cultura, é que definem o conhecimento, que é uma estrutura mental organizada de crenças
factuais.
No caso das ideologias, Dijk (2008) explica que estas são, por definição, gerais e
abstratas, porque precisam se ajustar a muitas atitudes diferentes em domínios sociais
diferentes. Isto significa que fazer parte de uma ideologia exige do sujeito alguns critérios
como: pertencimento, atividades, propósitos, valores, posição e recursos. Há uma
identificação. Ninguém é pego por uma ideologia, sem se identificar e reconhecer-se como
tal. Os discursos ideológicos trazem em si conhecimentos e crenças, além de controles de
atitudes, que sugestionam alguma identificação do sujeito; espera-se que o sujeito ative seus
modelos mentais e assujeite-se, construindo a coerência global do texto. Em relação a esse
controle mental, vejamos no próximo item o que pode configurar-se como uma persuasão ou
manipulação discursiva, considerando sempre a perspectiva sociocognitva.

3.2.4 Ideologia, poder e dominância

Antes de desenvolvermos este item sobre a ideologia, podemos explicar por que
relacionamos ideologia a ordens do discurso e, posteriormente, o porquê da relação ideologia,
poder e dominância. A ACD define ideologia como sistemas sociocognitivos das
representações mentais socialmente partilhadas que controlam outras representações mentais e
os modelos mentais, (DIJK, 1996, p. 27, apud CHARAUDEAU, 2006b); e, Fairclough
(2001), ressalva que práticas são ideológicas à medida que incorporam significações que
contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder. Já dissemos, no item 3.2, que
ordens do discurso têm primazia sobre as convenções discursivas particulares; então, localizar
ideologias nos eventos discursivos corresponde a uma análise simultânea entre ideologia e
ordens do discurso; pois, a ideologia, conforme Fairclough (2001), está nas estruturas e se
materializam em formas simbólicas; e estruturas nada mais são que ordens do discurso que
constituem resultados de eventos passados. Assim, ao estudarmos a ordens discursivas,
estamos também estudando como as ideologias, em rede, vão se configurando.
50

Gramsci, citado por Fairclough (2001), concebe o campo das ideologias em termos de
correntes ou formações conflitantes sobrepostas ou cruzadas – são complexos ideológicos que
são estruturados, reestruturados, articulados e rearticulados – esta concepção se harmoniza
com Fairclough (2001) em sua concepção de discurso: uma concepção dialética da relação
entre estruturas e eventos discursivos, considerando-se as estruturas (estruturas são ordens do
discurso que constituem o resultado de eventos passados) concebidas como configurações de
elementos mais ou menos instáveis e adotando uma concepção de textos que se centra sobre a
intertextualidade e sobre a maneira como articulam textos e convenções prévias. Fairclough
considera ordens do discurso como faceta discursiva do equilíbrio contraditório e instável que
constitui uma hegemonia; e a articulação e rearticulação de ordens do discurso, são
consequentemente um marco delimitador na luta hegemônica.
Sendo objetivo desta pesquisa investigar relações de poder que se estabelecem
discursivamente, precisamos compreender de que modo relações de poder se sustentam e se
reproduzem. Processos ideológicos são sistemas mentais complexos, que envolvem um
procedimento cognitivo de aquisição de modelos. Podemos pensar que são estes que
constituídos por formas simbólicas absorvem ideologias, mantendo ou reproduzindo relações
de poder. Mas, detalhadamente, como se dá este processo? A ideologia é sentido a serviço do
poder, conforme Thompson (2007), e isto significa que ao constituir sentidos através de certos
modos e estratégias de construção simbólica, em condições sócio-históricas específicas, as
ideologias operacionalizam-se e contribuem para manter relações de dominação. Podemos
entender, então, que além de um processo cognitivo social a ideologia se organiza a partir de
formas simbólicas. Na nossa análise se organiza, especificamente, através de notas, boletins e
reportagens sobre a greve.
Podemos pensar no poder societal entre classes (dos grupos ou das instituições) e este
processo ou exercício em relação ao discurso. Dijk (2008) para fazer esta ponte teórica entre o
nível macro e micro de análise retoma princípios fundamentais à ACD e formula a relação
ideológica nos termos da cognição social e considera a sociocognição “uma noção complexa
que necessita de uma teoria madura e interdisciplinar para capturar as implicações e
aplicações mais importantes desse conceito.” (DIJK, 2008).
Fairclough (2001) associa relações de poder ao conceito de hegemonia, peça central da
análise que Gramsci (apud Fairclough, 2001:122) faz do capitalismo ocidental . Para
Fairclough, a produção, a distribuição e o consumo de textos são, na realidade, um dos
enfoques da luta hegemônica que contribui, em diferentes graus, para a reprodução ou a
51

transformação da ordem de discurso e das relações sociais e assimétricas existentes. A seguir,


estão relacionadas algumas concepções de hegemonia aceitas por Fairclough (2001):

a) é tanto liderança como exercício do poder em vários domínios de uma sociedade


(econômico, político, cultural e ideológico);

b) é, também, a manifestação do poder de uma das classes economicamente definidas


como fundamentais em aliança com outras forças sociais sobre a sociedade como um
todo, porém nunca alcançando, senão parcial e temporariamente, um equilíbrio
instável;

c) é, ainda, a construção de alianças e integração através de concessões (mais do que a


dominação de classes subalternas);

d) é, finalmente, um foco de luta constante sobre aspectos de maior volubilidade entre


classes (e blocos), a fim de construir, manter ou, mesmo, a fim de romper alianças e
relações de dominação e subordinação que assumem configurações econômicas,
políticas e ideológicas.

Ideologia, a partir dessa visão é “uma concepção do mundo que está implicitamente
manifesta na arte, no direito, na atividade econômica e nas manifestações da vida individual
e coletiva.” (GRAMSCI apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 123). Embora a hegemonia pareça ser
a forma organizacional de poder predominante na sociedade contemporânea, não é a única.
Há também os resíduos de uma forma anteriormente mais evidente em que se atinge a
dominação pela imposição de regras, normas e convenções.
A ACD busca nos limites da sociologia e das Ciências políticas as principais
características do poder social e tenta sua reconstrução utilizando também de características
presentes em seu próprio sistema teórico. É Dijk (2008) quem desenvolve uma teoria própria
do poder e que se apresenta extremamente útil para a nossa pesquisa. Em resumo, esta teoria
caracteriza poder como uma propriedade das relações entre grupos, instituições ou
organizações sociais, resultando em diferentes centros de poder e grupos da elite que
controlam tais centros; o poder social é definido em termos do controle exercido por um
grupo ou organização ou seus integrantes, sobre as ações e ou as mentes de (membros de)
52

outro grupo, limitando dessa forma a liberdade de ação dos outros ou influenciando seus
conhecimentos, atitudes ou ideologias.
Entende-se que o poder quando usado como um exercício moral e legalmente
ilegítimo de controle sobre outros em benefício ou interesse próprio, caracteriza uma forma de
dominância. Este processo de poder se constitui pelo uso de estratégias cognitivas precisas
que afetam as cognições sociais de grupos. De um modo geral o que está envolvido aqui é a
manipulação de modelos mentais de eventos sociais15 através do uso de estruturas discursivas
específicas, como estruturas temáticas, manchetes, estilo, figuras retóricas, estratégias
semânticas, etc. (DIJK, 2008).
A manipulação é uma prática comunicativa e interacional na qual um manipulador
exerce controle sobre outras pessoas, normalmente contra a vontade e interesses delas. A
manipulação envolve não apenas poder, mas abuso de poder, dominação. Manipulação não é
persuasão, na persuasão os interlocutores são livres para acreditar ou agir como desejarem,
dependendo se eles aceitam ou não os argumentos do persuasor; já na manipulação aos
receptores é dado, tipicamente, um papel mais passivo: eles são vítimas da manipulação.
(WODAK, 1997a). Já que manipular pessoas envolve manipular crenças das pessoas,
conhecimentos e opiniões. Interessa-nos como o discurso se efetiva nesse papel manipulador.
Dijk (2008) desenvolve esta ideia quando afirma que o discurso, em geral, envolve o
processamento da informação na memória de curto prazo (MCP), resultando basicamente na
"compreensão" (de palavras, orações, sentenças, enunciados, e sinais não verbais). Esse
processo é estratégico no sentido de ser on-line, ser propositalmente direcionado, operar em
vários níveis da estrutura do discurso e ser hipotético: suposições e atalhos rápidos e
eficientes são feitos em vez de análises completas. Em nossa análise, como exemplo, a
observação das manchetes e dos títulos dos discursos de greve, pode sugerir atenção a uma
informação em vez de outra, o que pode conduzir o leitor a certa tendência ideológica.
No entanto, a maior parte de manipulação é direcionada para resultados mais estáveis
e, portanto, focada na memória de longo prazo (MLP)16, isto é, nos conhecimentos, atitudes e
ideologias; compreensões que são representadas em modelos mentais e estes formados,

15
“São relevantes para a discussão: (a) as relações entre as crenças partilhadas (representações políticas), por
um lado, e as crenças pessoais (modelos), por outro, e (b) as relações dessas representações sociais e pessoais
com as estruturas discursivas.” (DIJK, 2008, 88).

16
Também fazendo parte da MLP, no entanto, são as memórias pessoais que definem nossa história de vida e
experiências, as representações que são tradicionalmente associadas à memória episódica, com modelos mentais
específicos com suas próprias estruturas esquemáticas. (DIJK, 2008)
53

individualmente, restringem a liberdade de interpretação, (Dijk, 1998b). Influenciar atitudes é


considerada, em Dijk (2008), a forma de manipulação mais influente, porque uma atitude
geral socialmente compartilhada é mais estável que os modelos mentais (e opiniões)
específicos. A manipulação, assim, centraliza-se na formação ou na modificação das
representações mais gerais, socialmente compartilhadas, tais como atitudes e ideologias sobre
importantes questões sociais. Em relação à greve de professores, por exemplo, isso pode
acontecer ao associar greve à baderna, arruaça, desordem pública. Dijk (2008) cita Moscovici,
ao afirmar que a MLP armazena não apenas as experiências interpretadas subjetivamente
como os modelos mentais, mas também crenças compartilhadas socialmente de forma mais
estável, permanente e geral, chamadas de representações sociais,

A maior parte da interação e do discurso é assim produzida e compreendida em


termos de modelos mentais que combinam crenças pessoais e sociais - de forma que
explicam tanto a singularidade de toda produção discursiva e compreensão como a
similaridade da nossa compreensão sobre um mesmo texto. (DIJK, 2008, p. 247).

O objetivo geral da manipulação discursiva é o controle das representações sociais


compartilhadas por grupos de pessoas, tendo em vista que essas crenças sociais, por sua vez,
controlam o que as pessoas fazem e dizem em muitas situações e durante um período
relativamente longo, a manipulação se centra na cognição social, em grupos de pessoas, e não
em indivíduos e seus modelos mentais particulares.
Essa "mediação mental" do poder também deixa espaço para graus variáveis de
liberdade e resistência. A greve é um bom exemplo disso na medida em que sujeitos são
posicionados ideologicamente, mas são também capazes de agir criticamente no sentido de
realizar suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a que são expostos. “O
equilíbrio entre sujeito-efeito ideológico e o sujeito agente ativo é uma variável que depende
das condições sociais, tal como a estabilidade relativa das relações de dominação.”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 121).
A greve é uma forma de resistência, um exercício de contrapoder, este evento subverte
a reprodução das relações de produção, que quando instaurada, embora autorizada pelo
Estado e institucionalizada pela liberdade sindical, coloca este mesmo Estado, que no caso é
patrão (uma luta entre Estado social e Estado de direito), em lugar vulnerável, menos
poderoso, e no mínimo em um desequilíbrio quando a relação entre classes é instaurado. A
prática da resistência desafia o discurso do opressor, não responde à mediação mental
pretendida pelo dominador; essas formas de contrapoder ou resistência vindas dos grupos
54

dominados apresentam, para Fairclough (2001), uma condição para a análise dos desafios e
das mudanças sociais e históricas. Nesse sentido, portanto, uma questão se impõe para esta
pesquisa: O discurso de manutenção e legitimação de poder oferece brechas para a
resistência? Se isto for verdade, e se for possível esta percepção, podemos através da análise
contribuir para esclarecer e evitar práticas de dominação e exploração.
Resumindo, podemos pensar a ideologia como sistemas sociocognitivos que controlam
outros (uma luta hegemônica pelo poder), entrecruzadas por estruturas discursivas. Nossa
análise deve ater-se às maneiras como o sentido17 serve para estabelecer e sustentar relações
de poder. Fairclough (2001) ressalva que os sentidos das palavras (conteúdo e não a forma)
são ideológicos. Não só eles, pois também o são a pressuposição, metáforas, coerência na
constituição ideológica dos sujeitos, convenções de polidez que implicam pressupostos
ideológicos sobre as identidades sociais e o estilo do texto que pode ser investido
ideologicamente. A ideologia, assim, através de certos modos e várias estratégias de
construção simbólica se operacionaliza através de estratégias típicas, tais como: legitimação,
dissimulação, unificação, fragmentação e reificação.
Enfim, poder social pode ser definido como o controle exercido por um grupo ou
organização ou seus integrantes, sobre as ações e ou as mentes de (membros de) outro grupo,
limitando dessa forma a liberdade de ação dos outros ou influenciando seus conhecimentos,
atitudes ou ideologias; e ainda, quando esse poder é exercido de maneira ilegítima, configura-
se uma forma de manipulação. Dijk (2008) adverte que, embora a manipulação seja
normalmente ideológica e discursos manipuladores frequentemente apresentem os padrões de
polarização ideológica em todos os níveis de análise, as estruturas discursivas e as estratégias
de manipulação não podem ser simplesmente reduzidas a qualquer outro discurso ideológico.
No entanto, há que se considerar que é preciso, dada à análise do contexto, observar que a
manipulação só acontece quando se confere alguma forma de desigualdade social.
18
Thompson(2007) sugere a análise destas estratégias e indica que este exame alertar-nos
para algumas maneiras de como o sentido pode ser mobilizado no mundo social e como pode

17
O sentido é o das formas simbólicas. Por formas simbólicas se entende um amplo espectro de ações e falas,
imagens e textos que são produzidos e estão inseridos em contextos sociais e circulando no mundo social.
(Thompson, 2007).
18
Thompson (2007, p. 33), propõe um referencial metodológico que coloca em evidência o discurso; chamado
Hermenêutica da Profundidade, seu objeto de análise é a construção simbólica significativa que exige uma
interpretação. Considera os trabalhos dos filósofos hermeneutas do século XIX e XX – Dilthey, Heidegger,
Gadamer e Ricoeur, de importância particular para seus objetivos teóricos. Esses pensadores lembram que o
estudo das Formas Simbólicas é fundamentalmente e inevitavelmente um problema de compreensão e
interpretação. Baseia-se na elucidação das maneiras como as formas simbólicas são interpretadas e
compreendidas pelas pessoas que as produzem e as recebem no discurso de suas vidas cotidianas.
55

delimitar um raio de possibilidades para a operação da ideologia e também das categorias


manipulativas; sendo assim, no capítulo 4 destinado à análise, nosso estudo investigará sobre
as maneiras como o sentido é construído, nos discursos de greve e através de quais estratégias
é mobilizado para estabelecer e sustentar relações de dominação, sejam elas ideológicas e ou
de manipulação.

3.3 Categorias de análise

Apresentaremos a seguir categorias de análise com as quais trabalharemos, nesta


pesquisa. Como sugere Fairclough (2001), focalizaremos os discursos em seu processo de
produção, distribuição e consumo textual.
Para tal, seguiremos as orientações de Fairclough (2001), Thompson (2007) e Dijk
(2008), pois acreditamos que estes autores oferecem-nos referencial metodológico bastante
operacional para a análise que pretendemos.

3.3.1 Fairclough

Pautaremos nossa análise, pelas orientações de Fairclough (2001), em sua concepção


tridimensional de discurso, já apresentada no item 3.2.2. Seguiremos sua proposta de unir as
três tradições analíticas, e sendo assim, apresentaremos, primeiramente, uma análise dos
discursos de greve, considerando os três atores sociais: sindicato, PBH e mídia com base nas
tradições macrossociológica e interpretativa. A análise do processo de produção e
interpretação textual ressaltará a dimensão sociocognitiva, como específica do processo, que
se centraliza na interrelação entre os recursos dos membros que os participantes do discurso
têm interiorizado e trazem consigo para o processamento textual e o próprio texto. Na
abordagem interdiscursiva, observaremos os recursos disponíveis interiorizados, normas e
convenções como também ordens do discurso, que restringem a produção, distribuição e
consumo dos textos; bem como a natureza específica da prática social da qual fazem parte:
56

natureza dos processos discursivos em instâncias particulares e a natureza das práticas sócias
de que fazem parte.
Para tal, focalizaremos a interdiscursividade, os tipos de discurso, ou seja, se os
discursos são convencionais nas suas propriedades interdiscursivas ou relativamente
inovadores, (FAIRCLOUGH, 2001, p. 283); a intertextualidade manifesta, sobre quais outros
textos estão delineando a constituição dos discursos; a distribuição dos textos em cadeias
intertextuais, sobre a descrição das séries de textos nas quais ou das quais são transformadas.
E, posteriormente, faremos a análise textual e lingüística detalhada na linguística em conjunto
com análise da prática discursiva.

3.3.2 Thompson

A abordagem ideológica dos sentidos, proposta por Thompson (2007), caracteriza-se


produtivamente nesta análise por manter um claro diálogo com a ACD, em função do caráter
crítico a que se propõe o autor na análise dos discursos.
A proposta de Thompson (2007) pretende estudar as maneiras como o sentido serve
para estabelecer e sustentar relações ideológicas de poder. O sentido que interessa é o sentido
das formas simbólicas19 que estão inseridos em contextos sociais e circulando no mundo
social. A ideologia pode operar através de certos modos e algumas maneiras (de como os
modos podem estar ligados com vários estratégias de construção de construção simbólica) de
estar ligada a uma circunstância particular e à estratégia de construção simbólica. Assim, sua
orientação metodológica busca localizar as estratégias típicas da construção simbólica, ou
seja, dedica-se aos modos de operacionalização da ideologia, tais como: a legitimação, através
da racionalização, universalização e narrativização; a dissimulação, através do deslocamento,
eufemização e tropo (sinédoque, metonímia, metáfora); a unificação, através da
estandardização e simbolização da unidade; a fragmentação, através da diferenciação e do

19
Por formas simbólicas se entende um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos que são produzidos PR
sujeitos e reconhecidos por ele e outros como construtos significativos. Mas, podem também ser não-linguísticos
(ex: uma imagem) – pode-se analisar o caráter significativo das formas simbólicas em 4 aspectos típicos:
intencional, convencional, estrutural, referencial e um contextual, o qual indica que as FS estão sempre inseridas
em contextos e processos socialmente estruturados. (THOMPSON, 2007).
57

expurgo do outro e por último a reificação, através do processo de naturalização,


nominalização e passivização.
Para Thompson (2007) o exame das estratégicas típicas de construção simbólica pode
alertar-nos para algumas maneiras como o sentido pode ser mobilizado no mundo social e
como pode delimitar um raio de possibilidades para a operação da ideologia; mas não pode
tomar o lugar de uma análise cuidadosa das maneiras como as formas simbólicas se
entrecruzam com relações de dominação em circunstâncias particulares e concretas.

3.3.3 Dijk

É objeto desta pesquisa reconhecer as práticas discursivas de poder que exercem


controle e dominação. Para tal, uma abordagem analítica é apropriada, segundo Dijk (2001),
porque a maior parte da manipulação desenvolve-se através da fala, escrita e mensagens
visuais. Assim, observaremos:
1. Discursos que possuem funções pragmáticas diretivas, tais como
comandos, ameaças, leis, regulamentos, instruções e, mais indiretamente, de
recomendações e conselhos, que configuram práticas de controle.
2. Mecanismos retóricos, por meios de repetição ou da argumentação e
meios retóricos que descrevem acontecimentos, ações ou situações futuras ou
eventuais (alertas, previsões, conselhos - que são, muitas das vezes, formas mais ou
menos confessas de censura).
3. A seleção de proposições sobre professores e ou sobre greve,
constituem na construção de modelos de eventos específicos.
4. O uso de determinado estilo e retórica, bem como lexicalizações
específicas.
5. Estratégias de generalizações,
6. Análise das manchetes, na constituição da manipulação.
7. Auto-apresentação positiva; outro - apresentação negativa;
Dijk (2008) adverte que embora a manipulação sociopolítica seja normalmente
ideológica, e discursos manipuladores frequentemente apresentem os padrões de polarização
ideológica em todos os níveis de análise, as estruturas discursivas e as estratégias de
58

manipulação não podem ser simplesmente reduzidas a qualquer outro discurso ideológico.
Assim há que se observar,

dada nossa análise dos contextos sociais e cognitivos do discurso manipulador,


precisamos examinar as restrições específicas formuladas anteriormente, tais como a
posição dominante do manipulador (por exemplo), a falta de conhecimento relevante
dos receptores e a condição de que as consequências prováveis dos atos de
manipulação sejam do interesse do grupo dominante e contra os interesses do grupo
dominado, contribuindo assim para a (ilegítima) desigualdade social. (DIJK, 2008 p.
245).
59

4 A ANÁLISE

No capítulo anterior apresentamos o referencial teórico que sustenta essa pesquisa, são
princípios teóricos que nos permitem abordar o movimento dos atores sociais que
pesquisamos. Mas o que buscamos compreender? Queremos saber como, através das práticas
discursivas, em situação de greve, esses atores se posicionam e de quais recursos discursivos
se utilizam para concretizar seus planos de ação.
O fato de estarem em interação faz com que, estes sujeitos e suas pretensões, sejam
atravessados uns pelos outros, porque é este o princípio dialógico discursivo que
compreendemos. Muito dos seus discursos deixam de representar a sua única intenção; ou
seja, o seu discurso não é somente seu. Portanto, nesses discursos há conflitos e contradições
e vários outros ditos, que os demarcam e os definem. Nessa perspectiva, explicitaremos a
seguir os dispositivos metodológicos com os quais trabalharemos a fim de apreender esse
movimento discursivo.

4.1. Procedimentos metodológicos

A análise que propomos segue os critérios de análise propostos pela ACD, como já
explicitados no capítulo anterior, em especial, a análise tridimensional do discurso, proposta
por Fairclough (2001); o movimento de análise da operacionalização ideológica no discurso,
proposto por Thompson (2007); somadas às análises de práticas sociodiscursivas
manipuladoras, propostas por Dijk (2008).
Conforme Fairclough (2001), em termos de análise, fica difícil definir o que fazer
primeiro, se a análise textual, a discursiva ou a social; pois essas três dimensões vão sempre
estar superpostas na prática. Entretanto, o autor sugere que adotar uma sequência é sempre
útil para coordenar o resultado. Desse modo, explicitaremos abaixo, por que optamos por
subdividir as três dimensões textuais da análise da prática discursiva (produção, distribuição e
consumo), não descartando a análise linguística, nem a análise social; ou seja, procedendo,
concomitantemente, às outras dimensões analíticas.
60

Dedicaremos atenção, primeiramente, à análise das práticas discursivas, contemplando


aspectos da produção de textos, em circunstância específica de greve, em que se relacionam
PBH e sindicato; sendo que o nosso objetivo é especificar as relações e as estruturas sociais e
hegemônicas que constituem e são constituídas por esses discursos. Como procedimento
teórico-metodológico, a análise se dedicou a apreensão de categorias discursivas como a
polifonia e a monofonia, construindo uma base de análise que oriente a interpretação da
discursividade complexa que constitui os textos analisados: textos políticos que se indexam as
posições divergentes, indiciando sentidos inscritos em redes e que compõem a sua
interdiscursividade. E, por fim, consideramos o atravessamento ideológico dos sujeitos,
buscando uma compreensão de como estes se constituem discursivamente.
Quanto ao funcionamento ideológico das práticas discursivas, consideramos que as
ideologias implícitas nas práticas tornam-se eficazes quando naturalizadas, buscando, por
meio de um trabalho interpretativo descritivo (THOMPSON, 2007), compreender como tais
discursos são produzidos; ou seja, como é estruturado tal investimento ideológico e
hegemônico (FAIRCLOUGH, 2001). Sabemos que relações políticas discursivas se dão em
função de modelos mentais e sociais (ideologias são efeitos ‘aceitos’ e socialmente
compartilhados). Então, este é o trabalho de análise que pretendemos ao buscar a
compreensão de como ideologias naturalizam-se, sociocognitivamente, ao ponto de interferir
e influenciar o pensamento social e político, em termos de conhecimentos, atitudes, normas e
etc. Já em relação ao discurso jornalístico, como Thompson (2007), consideramos a ideologia
como sentido a serviço do poder, para apreendermos a sobrecarga ideológica pela qual
responde o jornal Estado de Minas ao noticiar a greve de professores. Interessa-nos,
especificamente, reconhecer os sentidos políticos que este jornal põe em circulação e à qual
projeto hegemônico esta mídia indexa.
Por fim, abordaremos a manipulação discursiva como uma estratégia potencialmente
ideológica que se instaura em contextos específicos, sofrendo também uma série de restrições.
Dessa forma, sustentados pela abordagem metodológica proposta por Dijk (2008), buscamos
a compreensão de como essas práticas se estabelecem em um estado democrático de direitos.
61

4.2 O discurso político: um tipo discursivo

Para a ACD, tanto os significados quanto as formas de discurso político provém de


modelos pessoais e sociais das representações políticas em geral, tais como os conhecimentos,
as atitudes e as ideologias, sendo que, em ambos os casos, adquirem a função de modelos de
contextos. Estes são as estruturas mentais20 que representam como os participantes
compreendem os eventos políticos específicos, o mundo político e também a situação da
comunicação política, respectivamente. Isto significa que não existe um formato de discurso
político, uma vez que é constituído a partir das situações; são as circunstâncias, que
demarcam a construção desses discursos através dos modelos cognitivos. Sendo assim, os
grupos políticos e instituições não são apenas sociopoliticamente definidos em termos de
conjuntos de atores, coletividades e suas interações, mas também sociocognitivamente, em
termos de seu conhecimento, suas atitudes, suas ideologias, suas normas e seus valores. O
discurso político, então, somente pode ser descrito e explicado de forma adequada quando
detalhamos a interface sociocognitiva que o relaciona às representações políticas socialmente
compartilhadas que controlam as ações, os processos e os sistemas políticos.
Segundo Dijk (2008), um estudo do discurso político é teórica e empiricamente
relevante apenas quando as estruturas discursivas podem ser relacionadas às propriedades das
estruturas e processos políticos. Por isso, o autor sugere que uma análise requeira uma
explicação do macronível político; e, para as estruturas discursivas, uma abordagem no
micronível de análise. Citando Merelman, sobre o que ele chama de cognição política:

O estudo da cognição política em grande parte trata das representações mentais que
as pessoas compartilham enquanto atores políticos. Nosso conhecimento e opiniões
sobre políticos, partidos ou presidentes são adquiridos, mudados ou confirmados
pelas várias formas de fala e escrita durante nossa socialização, pela educação
formal, pelo uso midiático e pela conversação. (MERELMAN, 1986, apud DIJK,
2008, p. 197).

Daí nossa convicção de que a formação de concepções sobre o evento greve, parte da
interrelação entre as representações sociocognitivas e socialmente partilhadas. Confirmando
este pressuposto, Dijk (2008) entende que a pesquisa sobre as representações do discurso
político deve focar sua análise, sobretudo, nas relações postas entre atores sociais, modelos

20
Estruturas mentais, modelos de eventos e modelos de contextos, conforme explicados no Capítulo 3.
62

cognitivos e modelos sociais compartilhados por uma coletividade que se encontra


socialmente estruturada, veiculados, sobretudo, pela mídia escrita. Neste sentido, justifica-se o
interesse desta pesquisa no estudo do comportamento de tal instância.
Já em relação aos gêneros dos discursos que circulam em uma instância política,
podemos dizer que é o contexto situacional da greve que restringe as atividades sócio-
linguageiras que ali ocorrem, pois os discursos políticos veiculados sofrem uma certa
orientação em sua organização e em sua estrutura linguística. Maingueneau (2008) explica
que alguns tipos de discursos, como o discurso político e o discurso da mídia, são
relacionados a certos setores de atividades da sociedade; e que esses tipos englobam gêneros
de discurso, entendidos como dispositivos sócio-históricos. Isto significa que boletins, cartas e
notas, gêneros com os quais trabalhamos nesta pesquisa, relacionam-se reciprocamente,
agrupando-se e construindo um tipo de discurso, que é o discurso político de greve. Da
mesma forma que as notícias dos jornais se relacionam, constituem-se em um gênero
específico, compondo o discurso midiático, que trataremos mais adiante nesse capítulo.
Os gêneros discursivos, portanto, se agrupam seguindo critérios, podendo subdividi-
los em: cartas e boletins que compõem o discurso político sindical, que foram assim
agrupados em função de serem produzidos a partir de um mesmo posicionamento (no interior
do mesmo campo político); e, notas oficiais que compõem o discurso político patronal, que
são produzidas a partir de outro posicionamento divergente ao primeiro. Trata-se de uma luta
ideológica de delimitação de um território simbólico, um posicionamento contra o outro; e
“os gêneros aí se agrupam, então, em dois níveis: o nível do posicionamento e o do campo ao
qual esse posicionamento concerne.” (MAINGUENEAU, 2008, p. 17). Assim, definimos o
estatuto de gêneros do discurso, com o qual trabalharemos nesta pesquisa. Notas, boletins e
cartas são gêneros discursivos que constituem um tipo de discurso: o político; da mesma
forma que as notícias de jornal EM, são gêneros que constituem um outro tipo discursivo: o
midiático.
No entanto, desdobrando ainda mais essa questão, entendemos que nossos atores, ao
enunciarem seus discursos, posicionamentos dentro de um determinando campo discursivo ao
serem constituídos, constituem-se, formados por vários outros posicionamentos. Posições
podem ser atravessadas por outras; ou seja, posicionamentos são construídos e atravessados
por uma heterogeneidade, que pode por vezes ser explicitada e por outras não, formando
opacidades, fissuras e não se mostrando nos discursos. Sabemos que estão lá, porque é desta
forma que o discurso se constrói; formado por outros e não existe sem essa constituição.
63

Nesse sentido que, quando constituímos o corpus com o qual trabalhamos nesta
pesquisa, ao definir alguns critérios que norteariam a organização daquele conjunto de textos,
preferimos, também, trabalhar com a hipótese não-tópica da organização textual proposta por
Maingueneau (2008); e introduzimos a noção de formação discursiva. Mesmo entendendo
que os gêneros estão agrupados em função de determinados posicionamentos, o que
Maingueneau (2002, p. 17) chama de ‘unidades territoriais’, pudemos verificar que, em
função da análise, deveríamos através de um projeto interpretativo, definir as fronteiras
discursivas que compunham tais gêneros. Daí, apreendermos, dentro dos textos em análise,
unidades como as econômico-neoliberais21, democráticas, autoritárias e populistas, que
atravessam os gêneros que compõem os discursos políticos de greve, são a essas unidades que
Maingueneau (2002, p. 19) atribui o conceito de ‘formações discursivas’. Sustentando essa
categoria operacional, Maingueneau (2008) esclarece que estas unidades não podem ser
delimitadas por outras fronteiras, a não ser aquelas que são estabelecidas pelo pesquisador,
sendo que devem ser, sobretudo, historicamente especificadas.
Explicitamos, enfim, que o nosso corpus de análise é constituído por gêneros
diferentes (cartas, boletins e notas oficiais) que demarcam posicionamentos também
diferentes (que cabem ao campo discursivo ao qual pertencem) sendo atravessados por outros
discursos (unidades), que governam o seu dizer. São estas, as formações discursivas que
demarcam sua onipresença no discurso do outro. Maingueneau (2008, p. 20) faz ainda uma
distinção entre formações discursivas unifocais e plurifocais, fazendo uma referência a
Bakhtin, quando da distinção entre discurso monológicos, estruturados por um ponto de vista
dominante, e polifônicos, em que confrontam-se pontos de vista divergentes.
Sendo assim, podemos indicar que a orientação que damos à nossa análise pauta-se
pela noção de formação discursiva. Isto significa que, na análise, apresentamos as duas
formações discursivas que se distinguem e os gêneros que se constituem em função de
posicionamentos divergentes, quando apresentamos o quadro 2. O fazemos mostrando que de
fato os dois discursos (o do sindicato e o da PBH) são regidos por um mesmo sistema de
regras, sendo nosso objetivo mostrar que, além da evidente diferença entre estes discursos,
estes se constituem e convergem para um mesmo sistema de construção. Já, quando
apresentamos o quadro 3, fazemos uma elaboração do que Maingueneau (2008) chama de
uma formação discursiva unifocal, tendendo ao discurso monológico e a formação discursiva

21
Entendido, nesse caso, como o discurso que traduz a política econômica restritiva neoliberal, que se propõe
reduzir a margem de manobra política e social do governo. (Boito, 2006).
64

plurifocal, tendendo à polifonia, em que analisamos os discursos, sob o viés das divergentes
vozes que os constituem, ao buscarmos a sua heterogeneidade constitutiva.

4.2.1 Análise da prática discursiva: relação PBH x sindicato

Como sabemos discursos são heterogêneos, formados por uma composição de várias
vozes e não somente a que define a sua posição. No entanto, tanto nas notas, quanto nos
boletins, em função das vozes que neles circulam, não podemos afirmar sem uma acurada
análise, se estes discursos são monofônicos ou polifônicos. Por que a necessidade dessa
distinção, nesta pesquisa? Porque reconhecer o funcionamento das vozes em um discurso nos
permite compreender como prefeitura e sindicato se articulam e fazem uso da sua
competência linguístico-discursiva para a finalidade que perseguem, no caso, captar e garantir
a adesão da população. Por isso, a seguir, realizaremos tal análise.
A polifonia se caracteriza por vozes polêmicas em um discurso, aquelas que corroem
continuamente tendências centralizadoras. (FARACO, 2003, p. 67). Mas o mais importante
nisso é saber que na polifonia não há síntese, não há superação dialética dos conflitos. A
polifonia é, também, dialógica, mas nem todo discurso, que é por si dialógico, pode ser
considerado polifônico. Há discursos dialógicos monofônicos em que os jogos de poder entre
vozes, que o constituem, buscam impor uma centralização, ou seja, possuem uma voz
autoritária que domina as outras. Com base em estudos feitos por Rechdan (2003):

na polifonia, o dialogismo se deixa ver ou entrever por meio de muitas vozes


polêmicas; já, na monofonia, há apenas o dialogismo, que é constitutivo da
linguagem, porque o diálogo é mascarado e somente uma voz se faz ouvir, pois as
demais são abafadas. (RECHDAN, 2003, p. 03)

Nesse sentido, a análise que apresentaremos a partir de então, busca averiguar se as


notas oficiais divulgadas pela PBH em relação aos boletins do sindicato, em sua
heterogeneidade, apresentam-nos discursos monofônicos ou polifônicos; e assim entender
como são e a que servem estas vozes por eles veiculadas.
Para que fique claro o processo de análise, contemplando a abordagem da produção
textual, apresentaremos, primeiramente, recortes dos boletins do sindicato e das notas
veiculadas pela PBH, a fim de indicarmos as diferentes posições presentes nos dois discursos
65

em análise. Posteriormente, através de uma análise interdiscursiva e intertextual, avaliaremos


se os discursos, em sua heterogeneidade, apresentam uma voz dominante (sem polêmica) ou
não; neste caso, quais seriam as vozes e como elas se materializam. Tais formações
discursivas especificam as relações das estruturas sociais e hegemônicas que constituem esses
discursos22.
Por entender que a noção de Formação Discursiva (FD) é uma modalidade bastante
operacional para a nossa pesquisa, conforme já explicamos, e acreditando no diálogo
produtivo desta categoria operacional com a concepção do dialogismo bakhtiniano, somada à
influência do paradigma foucaultiano nos trabalhos de Fairclough (2001), é que fizemos a
opção pelo uso deste conceito. Já que, como constata Baronas,

Nos desenvolvimentos mais recentes da noção-conceito de formação discursiva é


possível constatar que esse conceito, se por um lado se inscreve de vez no
paradigma foucaultiano dos saberes discursivos, passa a dialogar menos
tensivamente com outros teóricos do discurso tais como Mikail Bakhtin.
(BARONAS, 2007, p. 11).

O corpus, em análise, caracteriza-se pela sua heterogeneidade e a heterogeneidade


textual pode ser recuperada a partir da diversidade de fontes na enunciação (mostrada) ou
através do interdiscurso23. Neste caso, a heterogeneidade é constatada pela recorrência de
temas (conhecimentos socialmente compartilhados ou construtos ideológicos), que permitem
interpretar outros discursos. Temas apreendidos configuram as FDs. Assim, conforme
Maingueneau (1993), um interdiscurso pode ser percebido através da recorrência de FDs; e,
um discurso, então, só é produzido mediante uma formação discursiva. Sobre a maneira como
buscaremos apreender as FDs, encontramos em Foucault (2008), a melhor definição:

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,


semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de
enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade
(uma ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) diremos por
convenção, que se trata de uma formação discursiva. (FOUCAULT, 2008, p.43)

22
E assim explicitar o relacionamento da instância da prática social e discursiva com as ordens de discurso que
ela descreve e os efeitos de reprodução e transformação das ordens de discurso para as quais colaborou.
23
O interdiscurso consiste em um processo de reconfiguração incessante no qual uma formação discursiva é
levada a incorporar elementos pré-construídos produzidos fora dela com eles provocando sua redefinição e
redirecionamento, suscitando, igualmente, o chamamento de seus próprios elementos para organizar sua
repetição, mas também, provocando, eventualmente, o apagamento, o esquecimento ou mesmo a denegação de
determinados elementos. (Maingueneau, 1993, p. 113).
66

Assim, como o trabalho apresentado por Mayaffre (2007), que distingue FDs em
função de certa regularidade; através do quadro abaixo, queremos demonstrar que no domínio
dos discursos de greve dois tipos discursivos se distinguem para se afrontar: o discurso
sindical vs. o discurso da PBH. Trata-se de duas FDs bem estabelecidas por três razões: i) em
função do material linguístico utilizado, vocabulário, estruturas retóricas; ii) em função dos
traços típicos dos falares: governo vs. sindicato e as ocorrências discursivas que definem as
identidades sindicais vs. as identidades da PBH; iii) por que trazem um afrontamento de
classes e, consequentemente, uma clivagem ideológica forte, uma divisão social atestada entre
um sistema neoliberal e outro, que deseja extingui-lo (ou elite vs. proletariado).

PBH SINDICATO

i) “A prefeitura, no esforço para equilibrar suas contas i) “Companheir@s, (...) mesmo que isso signifique a exploração cada
conseguiu ser uma das raras capitais brasileiras a ver suas vez mais intensa da nossa força de trabalho (...) bem como medidas
finanças saneadas. Para isso, tem racionalizado gastos e que levam ao enfraquecimento da organização de trabalhadores (...),
não abre mão do rigor no trato com dinheiro público (...)”. se essa administração dita democrática e popular não foi capaz de
Informe publicitário, 05/08/01. Jornal EM. (Anexo1) resiste aos encantos do neoliberalismo” 21/08/2001(Anexo9)
“A política implementada por FHC tem tirado do povo o direito ao
ii) “A PBH, que tem negociado permanentemente, reafirma a trabalho, à moradia, à terra, á saúde, à educação, para beneficiar o
necessidade de imediato retorno ao trabalho e comunica que capitalismo financeiro, as multinacionais, os bancos, o FMI. Uma
tomará todas as medidas legais (...)”26/08/2002. (Anexo2) prática perversa que no município de BH encontra um agente à
“determino ao município de Belo Horizonte, no caso de altura”, 22/08/2001(Anexo10)
inadimplemento da obrigação que junte aos autos no prazo .
de sessenta dias, sindicância nomeando os professores ii) “é preciso virar a mesa! Colocar o bloco na rua, a boca no
ausentes de sala de aula desde o primeiro dia de greve (...)” trombone, mostrar a cara do movimento grevista da cidade (...) tirar a
DOM, 30/08/2001. (Anexo3) máscara de seriedade deste governo irresponsável e autoritário (...).
Queremos propostas na mesa e o atendimento de nossas
iii) “A Prefeitura de Belo Horizonte informa que: 1. reivindicações” 17/08/2001(Anexo8)
Recorreu à justiça para desocupar sua sede, invadida na
última quarta-feira por um grupo radical, ligado ao “(...) Reivindicamos o que nos é de direito. Essa tem sido a grande
comando de greve (...) 2. Repudia com veemência a lição que damos todos os anos aos nossos alunos. (...) Com certeza, no
radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias e tem seio de nossas lutas, estamos contribuindo na formação de sujeitos.
certeza que tais atos não refletem o pensamento dos Sujeitos que, de fato, transformarão essa história”. 22/08/2001
professores (...) a intransigência tem dificultado o (Anexo10)
entendimento e prejudicado o conjunto dos trabalhadores da
educação e, principalmente, os alunos e suas famílias” iii) “Diante de uma política perversa de retirada de direitos imposta
23/09/2001 Jornal EM. (Anexo5) por FHC e implementada pela administração Célio de Castro, nós
Trabalhadores em Educação, estamos em greve” Esclarecimento dos
Trabalhadores em Educação em greve à população de BH (05/08/2001)
(Anexo13)
“(...) governa para perpetuar no poder. Distribui a maior parte do
bolo com aqueles que dão sustentação às atitudes arbitrárias e
autoritárias, com aqueles que reprimem e oprimem os trabalhadores
que garantem a prestação de serviços para a população”. 21/08/01
(Anexo9)
Quadro 3: FDs distintas

A partir do quadro acima, podemos afirmar que PBH e sindicato indexam-se a FDs diferentes,
em:
i. A realidade lexical do discurso da PBH apresenta termos institucionais,
vocabulário próprio da gestão econômica governamental (equilíbrio de contas,
finanças saneadas, racionalização de gastos), recursos linguísticos que fazem
67

falar a voz da economia e da sua estabilização, contribuindo para um projeto


argumentativo que se pretende mais racional, fundado no logos24; enquanto o
discurso sindical apresenta em seu domínio lexical uma forte carga político-
ideológica (exploração, força de trabalho, enfraquecimento da organização
de trabalhadores, administração dita democrática e popular, encantos do
neoliberalismo), termos que se vinculam semanticamente ao universo da luta
entre classes sociais, ao trabalho, abuso de poder e opressão do trabalhador.

ii. Trechos que indicam o gerenciamento da PBH, como: comunica que tomará
todas as medidas legais e sindicância nomeando os professores ausentes
indicam a constituição de deliberações, fundadas no propósito de constituição
de um ethos25 discursivo institucional, definidor de uma identidade de
autoritária; assim a PBH indicia uma identidade própria de um projeto político
específico. O sindicato em: é preciso virar a mesa! Colocar o bloco na rua, a
boca no trombone, mostrar a cara e em Colegas, não se deixe pisar; por sua
vez, busca constituir através do efeito pathêmico um ethos discursivo fundado
no falar popular; em seu projeto afetivo visa desconstruir sentidos que a PBH
cria com a pressão e retaliação, instalando outra ordem de discurso, que busca
a denuncia e desconstrução, propondo outra proposta de sociedade, que aponta
para o que seu adversário, em busca de construção de sentidos contrários.

iii. Atesta-se uma divisão social entre governo e o trabalhador. A PBH em: A
Prefeitura de Belo Horizonte informa que: 1. Recorreu à justiça para
desocupar sua sede; 2. [...] Repudia com veemência a radicalização, busca
mascarar o verdadeiro debate que deve ser feito em situações de confronto
político e se concentra somente sobre as modalidades e a realização de um
programa de governo, sendo essencialmente pragmático, promovendo a
satanização do sindicato, expulsando e negando a sua condição reivindicatória
e a criminalização da greve26 – faz parte do jogo discursivo ideológico, sendo
os professores, expulsos da legalidade – porque faz da greve um mal à
educação e à sociedade. O sindicato, em: Diante de uma política perversa de
retirada de direitos imposta por FHC, Distribui a maior parte do bolo com
aqueles [...] que reprimem e oprimem os trabalhadores que garantem a
prestação de serviços para a população, atualizando sentidos sobre a divisão
do Estado (riqueza) vs. trabalhador (pobreza), apresenta claramente o
confronto e a dificuldade de interlocução com o gestor – que temperam a
divisão de classes. Um confronto aberto, exposto pelos sentidos mobilizados de
indignação e revolta.

24
Como lembra Eggs (2005), o logos se remete ao próprio discurso e aos raciocínios empregados pelo orador
para obter assentimento do auditório.
25
Trata-se da construção de uma integridade discursiva, pela qual o orador busca parecer e ser percebido
competente, razoável, sincero e solidário. (EGGS, 2005).
26
Esse movimento discursivo é afetado pela memória discursiva, que se remete a acontecimentos históricos de
outras greves da década de 1990: metalúrgicos, Petrobrás, caminhoneiros e apontam o mesmo funcionamento
ideológico – o de provocarem malefícios à sociedade – além de recolocarem o conflito como uma grande
performance discursiva nacional (Boito,1999).
68

O discurso do governo associa-se a FD político econômico neoliberal, que busca


regularizar sentidos desvalorizantes sobre a organização dos trabalhadores: indicia o sindicato
como intransigente; desvincula a questão salarial, que seria a obrigação do estado, para outro
debate, outra instância; transfere para o jurídico, o lugar da legalidade, a resolução da greve,
através de práticas jurídicas de retaliação de direitos. O sindicato enuncia do lugar da
denúncia, filia-se a sentidos que invocam desigualdades e exploração e a FDs reivindicatórias
que abrigam ideais sociais, como o dos direitos trabalhistas, buscando incitar ações positivas
construtivas realizadas pelos seus filiados. Trata-se, pois, de FDs conflituosas, determinadas
pela dinâmica e tensa luta de classes, pelos interesses de grupos colocados socialmente em
posição de dominação e subordinação. Neste sentido, vemos claramente a formação de duas
FDs distintas entre si e que compõem a interdiscursividade do período em análise.
Vamos observar, para melhor definição desse quadro, como a FD na qual a prefeitura
se indexa se constitui a partir da heterogeneidade. Para tal, precisamos apresentar um novo
elemento histórico: a ocupação de um espaço que os professores fizeram no prédio da
prefeitura, em 19 de setembro, como uma forma de pressionar a negociação e dar vistas ao
movimento. Neste momento, a PBH solta a nota oficial abaixo, 01 (um) dia após a
desocupação. Esta nos servirá na análise, como exemplo de heterogeneidade discursiva:

1. A Prefeitura de Belo Horizonte informa que: 1. Recorreu à Justiça para desocupar sua sede, invadida na
última quarta-feira por um grupo radical, ligado ao comando de greve. A desocupação deu-se na tarde
de sábado, em cumprimento da decisão de reintegração de posse determinada pela Juíza da Primeira
Vara da Fazenda Municipal. Assim, na segunda-feira, o prédio reabre e retoma seu funcionamento
normal. 2. Repudia com veemência a radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias e tem certeza
que tais atos não refletem o pensamento dos professores municipais. O radicalismo e a intransigência
têm dificultado o entendimento e prejudicado o conjunto dos trabalhadores da educação e,
principalmente, os alunos e suas famílias. 3. Reafirma que o retorno imediato ao trabalho da pequena
parcela dos professores, que ainda está paralisada, é fundamental para que o diálogo possa se
estabelecer em busca de soluções que atendam aos interesses do conjunto da categoria. (Nota publicada
no Jornal Estado de Minas, 23/09/2001). (Anexo5)

Ao atribuir ao grupo de professores o adjetivo radical e intransigente, em sua


estratégia argumentativa, a PBH invoca, de imediato, um interdiscurso que faz referência a
outras greves, na tentativa de associar grevistas e sindicato à confusão, baderna e ou a uma
organização extremista (dizeres que já foram construídos pela historicidade, inclusive em
referência ao Atentado de 11 de setembro às Torres Gêmeas em Nova York nos EUA), como
aqueles que são um empecilho à democracia, encaminhando a leitura a um julgamento final:
condenação à este grupo que não representa os professores. Recorre-se a essa FD oficial que
associa organização sindical ao radicalismo, como sendo aqueles que praticam atos escusos e
ações perigosas e desonestas. E, assim, silencia quaisquer vozes que tentem interferir em seu
69

projeto de criticar o movimento sindical, fazendo alavancar este sentido único: o de


descaracterizar a legitimidade do sindicato frente à população. Um conjunto de
encadeamentos discursivos conduzem para a construção da imagem que se pretende do
sindicato, ao afirmar que:

1.a “tem certeza que tais atos não refletem o pensamento dos professores municipais”

Neste caso, sugere que o movimento não é responsabilidade dos professores e sim de
um grupo pequeno que os lidera. Sugere que há um grupo dentro do sindicato que age contra
os professores e contra a população. Ao mesmo tempo, em que assume um lugar de suposta
neutralidade e isenção ao se fazer valer da voz jurídica, como em:

1.b “A desocupação deu-se na tarde de sábado, em cumprimento da decisão de


reintegração de posse determinada pela Juíza da Primeira Vara da Fazenda
Municipal”

Inscrevendo-se, então, como dissemos, em sentidos que remetem sindicalistas a


desordeiros, aqueles que infringem a lei. Fala-se, monologicamente, em prol da necessidade
da segurança, como em “Assim, na segunda-feira, o prédio reabre e retoma seu
funcionamento normal”, colocando em circulação o discurso dos cidadãos que precisam
utilizar prédios públicos; ou seja, daqueles que precisam e reclamam os serviços do Estado e a
segurança. Apagam-se vozes que poderiam destoar e desafinar o sentido pretendido. Ainda
que o movimento seja reconhecido politicamente, o que a nota faz aparecer é, apenas, o fato
de que o prédio público esteve ocupado por um pequeno grupo de rebeldes subversivos. Pode-
se verificar, a partir desta amostra, a presença de heterogeneidade através das vozes do
cidadão e da voz jurídica, no entanto, há uma única voz (inscrita pela voz da própria
instituição) que centraliza o discurso sem que haja polêmica; podemos entender que há única
voz apresentada.
O sindicato, em resposta à desocupação e alcançados os 56 dias de greve (o que
compreende um grande desgaste do movimento), publica uma carta aos professores, intitulada
“A luta também é sua!” (anexo 11) intencionando responder ao texto da PBH. Esta carta é
moldada pela nota anterior, pelas falas dos responsáveis pela PBH e pelo posicionamento de
professores que não assumiram a greve (por pressuposições ou antecipações daqueles que
previam o fim do movimento). É dessa historicidade que fala Fairclough (2001, p. 134), ao
70

indicar a relevância do conceito de intertextualidade para a análise do discurso; pois, o texto


ao retrabalhar textos passados, ajuda a fazer a história e contribui para processos de mudança
mais amplos. É essa a intenção da organização sindical com essa carta, restringir os possíveis
sentidos que a PBH faz circular a respeito do sindicato, da sua direção e contribuir para
processo de mudanças mais amplos27. Até mesmo no sentido de se construir greves futuras.
Na carta em análise, o título “A luta também é sua!” possui um formato exclamativo,
cuja força ilocucional é diretiva, direcionando-se àqueles que não estão em greve e impondo-
se pelo modo da súplica e do rogo, cujo valor incitativo, funciona ora como uma convocação,
ora como uma espécie de desabafo do comando de greve que assina a carta. Busca provocar
o efeito perlocucional de adesão. A intertextualidade manifesta-se28 através das orações
relatadas, direta e indiretamente, como no exemplo a seguir:

1. Quando Maurício Borges afirma que “se os professores saírem inteiros da greve, no ano
que vem farão outra greve”.

Neste caso, Maurício Borges, então secretário da administração da PBH, faz essa
afirmação em relação aos professores, em uma reportagem do jornal Estado de Minas. Este
trecho do texto está explicitamente marcado na carta do sindicato pelo uso das aspas. Este uso
demarca um limite evidente entre a voz de Maurício Borges e a voz do sindicato.
No exemplo 2, há outra incorporação textual explícita, em que as aspas desaparecem e
o discurso da PBH toma a forma de uma oração gramaticalmente subordinada à oração que
relata, uma relação marcada pela conjunção que:

2. “como dizem as notas oficiais da PBH, em que atribuem a alguns a responsabilidade


pelo nosso movimento”.

27
Daí a necessidade de juntar as duas teorias, conforme Fairclough (2001), o conceito de intertextualidade
aponta apara a produtividade dos textos, mas essa produtividade não está disponível para as pessoas, ela é
socialmente limitada e restringida conforme as relações de poder. Isso significa que com a teoria das
hegemonias é possível mapear as possibilidades e as limitações para os processos intertextuais dentro de
hegemonias particulares (justifica-se aqui a Teoria de Mudança Social).
28
Por intertextualidade manifesta, entende-se intertextualidade sequencial (em que diferentes textos ou tipos de
discurso se alternam em um texto); intertextualidade encaixada (em que um texto ou tipo de discurso está
claramente contido dentro da matriz de um outro, uma relação entre estilos) e a intertextualidade mista, em que
textos ou tipos de discurso estão fundidos de forma mais complexa e menos facilmente separável.
(FAIRCLOUGH, 2001).
71

Primeiramente, chamamos a atenção para o fato de que ao relatar as falas, o sindicato


usa o verbo ‘dizer’ para a PBH, em contraposição ao ‘afirmar’ para Maurício Borges. Uma
escolha que merece nossa atenção, pois, conforme Fairclough (2001, p. 155) “a escolha do
verbo representador ou verbo do ato da fala, é sempre significativa”, ela, frequentemente,
marca a força ilocucionária do discurso representado (a natureza da ação realizada na
enunciação de uma forma particular); essa escolha torna-se uma forma de impor certa
interpretação para o discurso representado. A escolha do verbo afirmar (asserção) e de seu
tom grave, ressalta o peso e a importância que o sindicato dá à fala de Maurício Borges.
Fairclough (2001, p. 137), nos apresenta outra questão, a de que a “intertextualidade é uma
fonte de muita ambivalência nos textos". Isto quer dizer que: se o texto é composto por vários
outros discursos, isto significa que diferentes sentidos podem coexistir.
Fairclough (2001), então, atenta para a função do discurso representado no discurso
representador; e, explica que uma variável principal a respeito de como o discurso é
representado é se a representação vai além do ideacional ou conteúdo da mensagem. O grau
de manutenção do limite (no caso da representação direta e indireta) é parcialmente uma
questão de escolha e no nosso caso em análise: de escolha política. Podemos nos perguntar,
então, por que o comando de greve demarca a fala de Maurício Borges com aspas e não
delimita, da mesma forma, a fala da PBH de que exista um grupo radical? Quando
representada a fala da PBH por meio do discurso indireto, sugere-nos uma ambivalência sobre
o fato de as palavras reais serem atribuíveis à PBH ou ao sindicato, autor do texto. Podemos
nos perguntar sobre a sua autoria. De quem é essa voz, da PBH ou do grupo que a PBH
sugere como subversivos? E mais, podemos pressupor que o sindicato afirma que há, sim, de
fato, aqueles que são responsáveis pelo movimento. Vejamos o exemplo novamente, no
parágrafo como um todo.

3. “Aqueles que, apesar da assembleia, decidem não aderir a greve, comprometem com a sua
omissão a vida dos que estão na luta, como estamos presenciando agora. E ainda, fornecem
argumentos ao governo para dividir a nossa categoria para melhor atacá-la , como dizem as notas
oficiais da PBH, em que atribuem a alguns a responsabilidade pelo nosso movimento”.

A PBH em sua nota indica que há um grupo de radicais ligados ao comando de greve.
Quando o sindicato relata indiretamente a fala da PBH, abre espaço para a ambivalência de
sentidos e podemos interpretar que o sindicato admite que existam alguns responsáveis pelo
movimento, que são aqueles que comprometem com a sua omissão a vida dos que estão na
72

luta, pois estes, segundo o texto, fornecem argumentos ao governo para dividir a categoria.
Esta análise nos indica que o sindicato deixa entrever um dizer sobre o fracasso do
movimento. Indicia sentidos de que a greve é fraudada por aqueles que não participam. Há
uma cava, uma fissura no dizer sindical que indicia uma memória sobre a desconstrução da
greve, e que ao mesmo tempo instala um efeito de não greve: como se um outro disser se
instalasse no dizer do sindicato. Segundo Fairclough (2001), os elementos do texto podem ser
planejados para ser interpretados de diferentes modos, a representação discursiva sugere
ambigüidade sobre as vozes (uma possível fusão); é o que implica o discurso analisado. Nele,
o sindicato representa as recomendações da PBH como se elas fossem as suas próprias
recomendações, ao mesmo tempo em que traduz tal texto para sua própria linguagem.
Na análise da nota percebemos que, discursivamente, o texto da PBH é coeso, fechado
e formal, ela é incisiva ao definir um grupo radical, ligado ao comando de greve. Já o
sindicato ao fazer este relato, como num processo de tradução, faz mudanças que afastam da
terminologia legítima, aproximando-se da fala popular, própria do gênero boletim (panfleto-
folheto), nos termos do seu julgamento (não resta dúvida de que este é um trabalho ideológico
para se adotar os sentidos que sindicato quer fazer circular). Traduzir a linguagem de
documentos oficiais escritos em uma versão de fala popular é uma instância de uma tradução
mais geral da linguagem pública na linguagem privada; para Fairclough (2001, p. 144) é esta
um tipo de “mudança linguística que é ela própria parte da rearticulação da relação entre o
domínio publico dos eventos políticos e agentes sociais, e o domínio privado, o domínio do
mundo da vida cotidiana, da experiência comum”. Há, na carta em análise, pistas formais de
proposições tomadas como já dadas e, aqui nesta pesquisa, assumimos que as proposições
pressupostas29 são uma forma de incorporar os textos dos outros, textos que muitas vezes são
contestados. A partir desta concepção, pretendemos mostrar como este outro atravessa a voz
que enuncia na carta em uma relação tensa e de oposição30. Buscaremos compreender quais
outras vozes podemos ouvir no discurso apresentado pelo comando de greve, através da
captação das FDs; de outro modo, buscaremos nas frases negativas, quais são os pressupostos

29
As pressuposições são também categorias de análise, pois ao serem tomadas pelo (a) produtor (a) do texto
como já estabelecidas ou dadas, definem-se como uma forma de incorporar textos de outros; ou seja, um alheio,
que é contestado, que corresponde à uma opinião geral (o que as pessoas tendem a dizer, experiência textual
acumulada). Fairclough (2001) aqui, incorpora Pêcheux, ao relacionar pressuposição a uma expressão 'pré-
construída' que circula em uma forma já pronta. Podendo possuir caráter manipulador.
73

implícitos, os textos que povoam influenciando intertextualmente a construção do sujeito que


fala nesse discurso.
Nesse sentido, mostraremos como duas posições de sujeito se interrelacionam no
mesmo discurso. Fairclough (2001) ao falar dos sujeitos do discurso cita Gramsci para quem
os sujeitos são estruturados por diversas ideologias implícitas em sua prática que lhes atribui
um caráter estranhamente composto. Concebendo, aqui, os sujeitos como constituídos por
uma discursividade e como constituidores31, também, concordamos com Cazarin (2000, 177),
pois para pensarmos o que o sujeito diz: “o discurso não é fechado em si mesmo e nem é do
domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significa em relação ao que não se diz, ao
lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos”. Assim, quando
vozes confrontam-se entre si, opondo-se em uma situação de luta, podemos falar em polifonia
e, com isso, observaremos como o sujeito se constitui polifonicamente através do que vamos
chamar de FD¹ (FD do sujeito sindical) e FD² (FD externa ao sujeito, politicamente
antagônica), e então poderemos observar quais os efeitos dessa contraditória constituição.
Dadas às circunstâncias político-ideológicas de uma greve, variadas conceitualizações,
concepções pré-construídas circulam sobre o tema. O que faremos, a partir da categoria de
análise proposta por Courtine (1981), é a apreensão de dois enunciados distintos, antagônicos
entre si; são discursos em confronto que convivem no mesmo enunciado. Fairclough (2001, p.
96) se soma a essa ideia ao sugerir que “contrariamente às abordagens baseadas em teorias
da adequação, onde se supõe uma relação única e constante de complementaridade entre os
elementos” (a que chamamos FDs), supõe que a relação entre diferentes elementos pode ser
ou tornar-se contraditória. Para ele, os limites entre os elementos podem ser linhas de tensão e
usa como exemplo as diversas posições de sujeito de um indivíduo nos diferentes ambientes e
atividades de uma instituição, em termos da dispersão do sujeito na formação de modalidades
enunciativas, citando Foucault. Afirma que os limites entre os ambientes e as práticas sejam

30
Apresentamos um funcionamento discursivo, já analisado por Cazarin (2000), são enunciados que se formam
na tensão que liga os processos discursivos inerentes a duas FDs antagônicas, materializando linguisticamente
essas contradições interdiscursivas, bem como as fronteiras entre esses domínios de saber.
31
Fairclough (2001) afirma que os sujeitos, mesmo sendo posicionados ideologicamente, têm capacidade de agir
criativamente, no sentido de executar suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a que são
expostos e, também, de reestruturar tanto as práticas quanto as estruturas posicionadoras. O equilíbrio entre o
sujeito ‘efeito’ ideológico e o sujeito agente ativo é uma variável que depende das condições sociais, tal como a
estabilidade relativa das relações de dominação. O autor considera que nem todo discurso é irremediavelmente
ideológico. As ideologias caracterizam as sociedades que são estabelecidas numa relação de poder, de
dominação. Assim, à medida que os seres humanos transcendem esse tipo de sociedade, transcendem também a
ideologia.
74

tão naturalizados que essas posições de sujeito sejam vividas como complementares (é o caso
da PBH). Em diferentes circunstâncias sociais, os mesmos limites poderiam tornar-se foco de
contestação e luta, e as posições de sujeito e práticas discursivas associadas a eles poderiam
ser consideradas contraditórias.
No exame da relação em análise, lembrando que a carta “A luta também é sua”, de
26/09/2001, é destinada àqueles que não fazem a greve ou que estão pensando em voltar à
sala de aula, a posição do sujeito do discurso estabelece uma relação de confronto com o outro
discurso oriundo de uma outra forma-sujeito, de outra FD², a que chamamos de FD externa. É
uma relação que se marca pela tensão e pelo antagonismo; nela tem-se um sujeito (comando
de greve do sindicato) fiel à ideologia sindical, a sua FD¹, a que chamamos FD interna; mas
que se representa de forma distinta, nas diferentes formas de funcionamento discursivo,
evidenciando, assim a sua descontinuidade. Como categorias de análise, analisaremos quatro
frases negativas (que evidenciam o referido confronto), em três sentenças discursivas (sds)32
em que se fazem presente uma operação de negação do discurso do outro (FD externa), são
elas:

1. “A greve é um instrumento de luta legítimo dos trabalhadores. Não fazemos greve


porque queremos, mas porque é preciso. Uma greve é decidida democraticamente pela
categoria e todas as consequências, boas ou ruins, recaem inevitavelmente sobre todos nós.
Ninguém está fora disto”.
2. Aqueles que, apesar da assembleia, decidem não aderir a greve, comprometem com
a sua omissão a vida dos que estão na luta, como estamos presenciando agora.
3. Não aderir a greve é uma atitude individualista que compromete o destino de toda a
categoria, o salário futuro, a previdência, as condições de trabalho e de vida , de hoje e de
amanhã. Deixar que alguns lutem e se acomodar na posição individualista de resolver seus
problemas, expõe os companheiros lutadores, joga-os a mercê do corte de pagamento, da
reposição injusta, da repressão e de outras punições. Aqueles que não fazem a greve ou que
retornam antes do seu fim, não contribuem para a vitória ou contribuem pouco.

A operação de negação possibilita o aparecimento de certo enunciado próprio da FD¹


introduzido pelo Mas ou por uma Frase Afirmativa, este enunciado apresenta-se como uma
nova afirmação que busca desqualificar o discurso-outro. Este é o funcionamento do

32
Termo utilizado por Courtine (1981), também utilizado por Cazarin (2000).
75

‘enunciado dividido’ marcado, termo utilizado por Cazarin (2000) que assim o denomina pela
expressão: Não é X (Mas) ou é Y (onde X representa o discurso da FD externa e Y o discurso
da FD interna); sendo assim, temos:

a) Afirmações oriundas de FDs externas, introduzida pelo elemento de negação; em: 1.


Professores fazem greve porque querem (porque estão cansados, precisam relaxar, em
vão); 2. Professores não devem aderir a greve (há aqueles que vão à assembleia,
votam pela greve e não aderem a greve); 3. Professores devem retornar à sala de aula.
b) Afirmações oriundas da FD interna, introduzida por um mas ou por uma frase
afirmativa; em: 1. Professores fazem greve porque é preciso (a conjuntura econômica
exploradora exige um movimento da classe trabalhadora); 2. A omissão compromete
a vida de professores; 3. Professores devem permanecer até a vitória.

A proposição presente na frase afirmativa que vem após a negação apresenta-se como
um dado novo que busca desqualificar o discurso outro. Aqui está presente a heterogeneidade
discursiva mostrada marcada. O NÃO é uma marca de que no interdiscurso existe um
enunciado afirmativo próprio da FD², possível de ser recuperado através da categoria da
memória discursiva. O sujeito recupera no discurso, o discurso do outro, insere-o no seu de
forma negativa e apresenta o seu próprio, de sua FD; apresentando um jogo tenso entre
distintas posições de sujeito que colocam em confronto o discurso nas duas FDs. Pode-se
observar que a interlocução, neste caso, realiza-se em duas direções. De um lado, com
trabalhadores sindicalistas, de outro com a FD², mais precisamente com o adversário do
sujeito o discurso-outro, na negação-afirmação.
No item 2 e 3, quando o sujeito do discurso nega a FD², atestando a insuficiência dos
mesmos, a medida que julga também o contrapõe, apresentando o ponto de vista próprio da
FD¹ que o outro FD² busca desqualificar. Observe que em todas as ‘sds’ o efeito de sentido
produzido é o de crítica ao caráter restritivo do discurso-outro. Isto possibilita dizer que
embora o enunciado como um todo não seja rejeitado, ocorre a busca da desqualificação desse
discurso, dada a refutação da insuficiência do mesmo. Reveste-se, assim, o discurso do
sindicato, nesse funcionamento discursivo de características estritamente polêmicas que
marcam a tensão e o confronto entre FDs antagônicas.
Concluindo a análise interdiscursiva, percebemos como nossos atores negociam (de
diferentes modos) com a interdiscursividade, a partir de conceitos próprios ao dialogismo
bakhtiniano. Ou seja, podemos perceber que ao analisar as condições da prática discursiva de
76

greve: práticas sociais de desqualificação da greve, de desarticulação do trabalhador, etc., são


ligadas ao tipo de discurso que a amostra representa (isto é interdiscursividade); e a
constituição desse texto se mostra intertextualmente. Produto de interdiscursos, percebemos
que a PBH centraliza seu discurso sem que haja polêmicas, apagando-se vozes que poderiam
destoar do sentido desejado. Já o discurso sindical caracteriza-se ora pela polêmica ora pelo
dialogismo velado. O discurso sindical invoca FDs, que no lugar de uma ilusão de unidade
apontam para confronto e movimentação de brechas. Além de trazer, em seu texto, a incitação
à greve, o chamado a sair às ruas; também, instala a heterogeneidade, ao indiciar, o discurso
do outro, do fracasso da greve, da volta à sala de aula, da desobrigação com o movimento. Ao
deixar essa lacuna, o discurso sindical, abre-se para os diversos trabalhos interpretativos,
condiciona leitura divergente da intencional.

4.2.2 Modos de operacionalização ideológicos

O conceito de ideologia fundamentado em Dijk (2008), precisa ideologia como uma


estrutura cognitiva complexa que controla a formação, transformação e aplicação de outros
tipos de cognição social, tais como o conhecimento, as opiniões, posturas, e de representações
sociais. É dessa forma que introjetamos, cotidianamente, as normas, valores, conceitos,
conhecimentos e muitos dos preconceitos que circulam socialmente. Esta estrutura favorece a
percepção, interpretação e ação nas práticas sociais, que, de uma forma geral, beneficiam os
interesses do grupo tomado como um todo. Somando-se a esta definição mais específica,
Wodak (2003) vê na ideologia um importante aspecto da criação e manutenção de relações
desiguais de poder. Nessa mesma linha, Thompson (2007) possui uma visão de ideologia que
se harmoniza à de Fairclough (2001), ambos relacionam ideologia a investimentos em práticas
discursivas que contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder. Thompson
(2007) assume que fenômenos ideológicos são fenômenos simbólicos significativos; são
ideológicos desde que eles sirvam em circunstâncias sócio-históricas específicas para
estabelecer e sustentar relações de poder sistematicamente assimétricas, as relações de
dominação33. Sob essa orientação definimos a posição sobre ideologia deste trabalho: como

33
Thompson (2007, p. 79), conceitualiza ideologia “em termos das maneiras como o sentido mobilizado pelas
formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar relações de dominação”. Essa descrição de Thompson
77

uma estrutura sociocognitiva, responsável por mobilizar sentidos que reforçam pessoas e
grupos que ocupam posições de poder, e, como Thompson (2007), concebendo ideologia
como sentido a serviço do poder.
Entendemos que a prefeitura, em seu projeto hegemônico (próprio da circunstânca
instaurada), utiliza-se do que Fairclough (2001) chama de uma simulação estratégica para atingir
os efeitos pretendidos; isso quer dizer que a PBH investe-se ideologicamente na construção de
suas notas oficiais, elaborando a construção de significações que a sustentam na posição que
ocupa. No entanto, observar o funcionamento das ideologias exige que, muito antes da busca
por traços e pistas de um trabalho ideológico na materialidade da língua, reconheçamos que a
operação ideológica faz parte de uma análise mais ampla: a análise da prática social; e, esta
consiste em especificar as estruturas sociais (efetivamente interiorizadas: a relação capital x
trabalho, patrão x sindicato) e as relações hegemônicas34 que constituem a matriz de uma
instância particular. (FAIRCLOUGH, 2001). Nesse sentido, orientamos esta análise para que,
primeiramente, busquemos a compreensão da constituição do discurso da prefeitura em um
nível interdiscursivo, previsto nas notas oficiais publicadas. Posteriormente, nos dedicaremos
a análise de como o trabalho ideológico se vincula à materialidade linguística e às ordens
discursivas.
Como vimos ao analisarmos a monofonia e a polifonia, percebemos que discursos de
greve tendem a uma orientação acumulada e naturalizada. O discurso da PBH, por exemplo,
silencia outras vozes e encaminha sentidos de unidade e coesão. Naquela análise, a PBH se
utiliza das vozes que faz aparecer em seu texto, sem que haja polêmica, na construção do seu
projeto hegemônico de influência e persuasão; faz falar, predominantemente, uma única voz e
todas as outras contribuem para a orientação da argumentação, que se indexa a determinada

(2007) apóia-se na concepção latente de Marx. Não é essencial que as formas simbólicas sejam ideológicas. Elas
podem ser errôneas e ilusórias: a ideologia pode operar através de ocultamento e do mascaramento de relações
sociais, obscurecimento e da falsa interpretação. Mas essas são possibilidades contingentes e não características
necessárias da ideologia como tal. Para Marx, segundo o autor, o critério para se sustentar relações de dominação
é a relação de classes, são as relações de dominação e de subordinação de classe que constituem os eixos
principais da desigualdade e exploração nas sociedades humanas em geral e nas capitalistas em particular.
34
Como conceito procedente dos estudos de Gramsci (Apud FAIRCLOUGH, 2001), hegemonia é liderança ou
exercício do poder (mais alianças e integração através de concessões do que a dominação de classes subalternas)
em vários domínios de uma sociedade (econômico, político, cultural e ideológico). Mas, também, a
manifestação do poder de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras
forças sociais sobre a sociedade como um todo, porém nunca alcançando, senão parcial e temporariamente, um
‘equilíbrio instável’, contraditório de elementos, mais ou menos instáveis, que estão em articulação,
desarticulação e rearticulação. E, finalmente, um foco de luta constante sobre aspectos de maior volubilidade
entre classes (e blocos), a fim de construir, manter ou, mesmo, a fim de romper alianças e relações de dominação
e subordinação que assumem configurações econômicas, políticas e ideológicas. Fairclough (2001, p. 122)
adverte que a luta hegemônica se instala sob pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para manter ou
romper alianças e relações de dominação e subordinação.
78

ideologia, que pretende desconstruir a organização sindical; e, por fim, provocar o término da
greve e o retorno às aulas com o reconhecimento pela população de um ethos político-
administrativo coerente, democrático e confiável (mais adiante falaremos dessa relação
informação vs. persuasão). A respeito dessa organização discursiva da PBH, Fairclough
(2001, p. 96), indica que, em alguns casos, “os limites entre os ambientes e as práticas são
tão naturalizados que essas posições de sujeito são vividas como complementares”;
exatamente, o que nos mostrou a análise anterior.
O que apresentaremos no quadro abaixo seria um processo de desnaturalização; ou
seja, localizaremos nos textos da PBH, por meio de uma análise da interdiscursividade, que é
constituída de forma heterogênea, nos termos de Fairclough (2001), e por meio de elementos
de ordens do discurso, relações hegemônicas; ou melhor, as outras correntes, as formações
conflitantes, presentificadas no discurso. É justamente nesse quadro que há o investimento
ideológico: “quando são encontradas práticas discursivas contrastantes em um domínio
particular ou instituição, há probabilidade de que parte desse contraste seja ideológica.”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 117). Um exemplo disso são as presenças de ordens de discurso
democrática e autoritária que não se relacionam entre si, e, desse modo, ficam abertas; ou
seja, abrem o canal para os investimentos políticos e ideológicos. Esses investimentos seriam
as “construções ou significações da realidade - mundo físico, relações sociais, identidades
sociais -, que se fundamentam em diferentes dimensões das formas e dos sentidos das
práticas discursivas, colaborando para a produção, a reprodução ou a transformação das
relações de poder”. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117). Essa hipótese pode ser também
explicada quando, por outro lado, considerando o processo de consumo textual,
compreendemos que a instância da interpretação é, também, outro lugar de investimento
ideológico. Nesse sentido, a compreensão de sentidos das notas requer intérpretes que sejam
capazes de estabelecer conexões coerentes entre seus elementos heterogêneos, pois, parte do
projeto hegemônico da PBH é, sem dúvida, a constituição de sujeitos intérpretes para quem
tais conexões são naturais e automáticas. Isto é, os textos estabelecem posições para os
sujeitos intérpretes que são ‘capazes’ de compreendê-los e ‘capazes’ de interpretá-los
(retornaremos a esta questão ao concluir parcialmente este item).
O quadro nos indica as formações que se cruzam nos discursos da PBH que é, nos
termos de Fairclough (2001), uma composição de elementos da ordem do discurso societária,
a que chamamos à atenção: o discurso populista, neoliberal, autoritário e democrático; que
contribuem para o investimento ideológico entre eles e para o assujeitamento das
interpretações pretendidas.
79

Econômico35 Populista Autoritário Democrático


05/08 Para isso, tem Essa postura da PBH traz Fará o que for necessário reafirma que continua
Anexo1 racionalizado gastos e não benefícios para toda a para garantir os direitos da aberta à negociação
abre mão do rigor no trato população população e os serviços de
com dinheiro público (...) que a cidade precisa.
A Prefeitura apela para o
bom senso dos servidores.
26/08 Estes ganhos foram Reafirma a necessidade de A Prefeitura, que tem
Anexo2 garantidos apesar da crise imediato retorno ao trabalho negociado
econômica e das limitações e comunica que tomará todas permanentemente
impostas pela Lei de as medidas legais para
Responsabilidade Fiscal. garantir os serviços de saúde
e o retorno ás aulas
31/08 O Município de Belo Notifica os professores
Anexo3 Horizonte, por intermédio municipais em greve para
de sua Procuradoria Geral, que retornem de imediato ao
notifica os professores trabalho em sala de
municipais em greve. aula.(...) que lhe enviem a
relação nominal dos
professores
17/09 A Prefeitura de Belo Horizonte Diante do exposto, não restou
Anexo4 vem negociando com os ao poder público outra
professores, desde o início do alternativa que não encerrar as
ano, índices de reposição negociações, até que os
salarial, na busca de evitar professores retornem à salas
prejuízos para o semestre letivo. de aula
Com o objetivo de valorizar o
profissional, a PBH apresentou,
em julho, propostas de reajuste
real que elevaria o piso salarial da
categoria, atingindo R$1 mil em
janeiro de 2004.(...) o comando
de greve levou a categoria a
deflagrar um movimento que
prejudica os alunos da rede
municipal de ensino.
23/09 à Justiça para desocupar sua Reafirma que o retorno
Anexo5 sede, invadida na última quarta- imediato ao trabalho da
feira por um grupo radical, pequena parcela dos
ligado ao comando de greve(...) professores, que ainda está
O radicalismo e a paralisada, é fundamental
intransigência têm dificultado o para que o diálogo possa se
entendimento e prejudicado o estabelecer em busca de
conjunto dos trabalhadores da soluções que atendam aos
educação e, principalmente, os interesses do conjunto da
alunos e suas famílias(...) e tem categoria
certeza que tais atos não
refletem o pensamento dos
professores municipais.
26/09 A Prefeitura promoveu, Este ano, a Prefeitura realizou reitera a necessidade da volta A prefeitura continua
Anexo6 nos últimos oito anos, uma desde maio, dezenas de imediata ao trabalho da confiando no
política educacional que se reuniões com o Sind-Ute e parcela de professores que estabelecimento de um
expressa entre outras ações apresentou propostas que ainda não retornou efetivo dialogo com os
na construção e procuravam contemplar as professores
manutenção de escolas. reivindicações dos educadores.
(...)A intransigência da direção
política do movimento,
manifestada
Quadro 4: Cronologia da Greve

35
Conforme nota anterior, o termo está entendido como o discurso que traduz a política econômica restritiva
neoliberal, que se propõe reduzir a margem de manobra política e social do governo (Boito,2006). Ao dar
prosseguimento à leitura, veremos que todos os elementos acima compõem a proposta ideológica do discurso.
80

Como vemos ao indicarmos a luta hegemônica projetada no discurso e as formações


ideológicas36 neoliberal, populista, democrática e autoritária, que compõem o quadro das
notas oficiais da PBH; percebemos que o investimento ideológico da PBH se inscreve
justamente em não deixar aparecer às outras vozes que ali gritam. A investida da PBH está em
desqualificar o movimento e seus representantes, incitando o refluxo de professores (a volta
para a escola), um projeto hegemônico claro de influência e persuasão, confirmado pelo
secretário da administração Maurício Borges da PBH:

“Se os professores saírem inteiros da greve, no ano que vem farão outra greve.”
(Boletim do SindUTE, 26/09/2001).

Para consecução do seu projeto, a PBH precisa silenciar a voz autoritária (já que não
pode obrigar os professores a voltar a dar aulas), no entanto, é preciso fazê-lo. São os
mecanismos operacionais (que veremos, localizadamente, adiante) que farão este trabalho de
construção e significação da realidade pretendida. Um trabalho tão bem articulado traz à tona
como as ideologias são construídas de tal modo nas convenções, que fica quase imperceptível
aos sujeitos interpretantes, compreender que tais práticas possuem investimentos ideológicos
específicos. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 120). Para esta desconstrução e tornar perceptíveis
estes mecanismos, faremos uma breve descrição da estrutura argumentativa. Dividimos as
notas publicadas pela PBH, apenas para facilitar nossa análise, em três segmentos discursivos:
introdução, o desenvolvimento ou justificativa e a conclusão, em que a prefeitura declara a
sua intenção.
Ao introduzir a Nota a partir do enunciado “A PBH informa que:” seguem-se um ou
dois parágrafos em que a PBH constrói sua auto-imagem por um processo de auto-
valorização. Thompson (2007) caracteriza a legitimação como um modo de operacionalização
ideológico em que relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas pelo fato de
serem representadas como legítimas, uma estratégia típica da legitimação é a racionalização,
através da qual o produtor constrói uma cadeia de raciocínio que procura defender ou

36
Entendemos formações ideológicas, conforme Brandão (1995, p. 47), como um elemento capaz de intervir
como uma força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica de uma formação social, em um
determinado momento: “cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e de
representações que não são nem ‘ individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou menos diretamente
a posições de classe em conflito umas em relação às outras.”. Nesse sentido, a formação ideológica tem como
um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas.
81

justificar suas ações; na circunstância da greve, estas servem para sustentar o domínio da
prefeitura como se vê nesse trecho:

“conseguiu ser uma das raras capitais brasileiras a ver suas finanças saneadas. Para
isso, tem racionalizado gastos e não abre mão do rigor no trato com dinheiro público.
Essa postura da PBH traz benefícios para toda a população (...), o atendimento das
reivindicações apresentadas por alguns setores inviabilizaria o orçamento da
Prefeitura para atividades essenciais”. (Jornal Estado de Minas, 05/08/2001-Anexo 1).

Em um segundo momento, elege como adversário o sindicado e o encarrega da origem


do mal: a greve; atribuindo a uma pequena liderança o adjetivo radical, qualificando-os como
intransigentes e extremistas, na tentativa de associar greve e sindicato à confusão, à desordem:
um empecilho à democracia e ao diálogo, conduzindo a construção interpretativa a um
julgamento final: condenar este grupo que não representa os professores. Desse modo,
organiza um conjunto de encadeamentos discursivos que conduzem para construção da
imagem do sindicato que age contra a população, processo por Dijk (2008), denominado
polarização ideológica. Como em:

“(...) A paralisação dos serviços públicos prejudica a cidade e a população”. (Nota


publicada no jornal EM, 05/08/2001-anexo1).

“(...) o comando de greve levou a categoria a deflagrar um movimento que prejudica os


alunos da rede municipal de ensino.Estado de Minas, (...) o comando de greve não
aceitou a determinação da Secretaria Municipal”. (Jornal EM, 17/09/2001-anexo4).

“(...) a radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias e tem certeza que tais atos
não refletem o pensamento dos professores”. (Jornal EM, 23/09/2001-anexo 5).

Através dessas construções a PBH, impõe-se e mantém-se em sua posição de poder,


articulando a estratégia que Thompson (2007) chama de fragmentação, onde as relações de
poder são mantidas pela PBH ao segmentar aqueles indivíduos e grupos que possam ser
capazes de se transformar num desafio real. Na verdade, o discurso sindical não é radical, a
estratégia de demonização do comando de greve, de expurgo ao sindicato, retratando-o como
artífice da desordem social, funciona simplesmente como uma maneira de desarticular a
organização coletiva dos professores, por um processo de enfatização das distinções e das
diferenças.
Ao concluir, convoca o leitor a reconhecer sua legitimidade, promovendo-se a si
mesmo, discursivamente, através de um ethos político-administrativo coerente, democrático e
82

confiável, se organizando retoricamente de maneira a persuadir a população a dar-lhe o


crédito que supõe merecer; para tal, retoma argumentos ora racionais ora pathêmicos, como
em:

“comunica que tomará todas as medidas legais para garantir os serviços de saúde e
o retorno ás aulas”. (Jornal EM, 05/08/2001- anexo 1)

“A Prefeitura apela para o bom senso dos servidores”. (Jornal EM, 05/08/2001-
anexo 1)

E ao convocar o retorno dos professores à sala de aula, dissimuladamente, já que


oculta; ou melhor, obscurece atos de fala mais diretivos (mais adiante falaremos de uma
tendência discursiva a que Fairclough chama de democratização); a PBH utiliza-se de outro
processo de construção ideológica denominado reificação (THOMPSON, 2007), em que
relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas pela retratação de uma situação
transitória e histórica, como se estas fossem permanentes, natural e atemporal. Assim, tal
reificação pode ser vista nos seguintes exemplos:
Exemplos Estratégias
A paralisação dos serviços públicos prejudica a Naturalização: a divisão socialmente instituída do trabalho
cidade e a população A Prefeitura apela para o classe dominante vs. classe trabalhadora é retratada como
bom senso dos servidores, reafirma que continua uma resultante da falta de racionalidade por parte dos
aberta à negociação (05/08/2001- anexo1). professores.
A Prefeitura, que tem negociado Passivização: apagam os atores e a ação e tendem a
permanentemente, reafirma a necessidade de representar processos como coisas ou acontecimentos
imediato retorno ao trabalho (26/08/2001-
anexo2).

(...) Repudia com veemência a radicalização que Nominalização:acontece quando sentenças ou parte delas
vem ocorrendo(...) o radicalismo e a intransigência descrições da ação ou dos participantes nela envolvidos
tem dificultado(23/09/2001-anexo 5) são transformados em nomes, apagam-se os atores e a ação
e tendem a representar processos como coisas ou
acontecimentos. sujeito que produza essas coisas

Mesmo com o esforço da Prefeitura, Eternalização: fenômenos sócio-historicos são esvaziados


surpreendentemente, todas as propostas foram de seu caráter histórico ao serem representados como
rejeitadas pela direção do sindicato.Diante desde permanentes imutáveis e recorrentes. Eles se cristalizam na
quadro, a Prefeitura reitera a necessidade da volta vida social e seu caráter aparentemente a-histórico é
imediata ao trabalho (...) A prefeitura continua reafirmado através de formas simbólicas que na sua
confiando no estabelecimento de um efetivo construção e repetição eternalizam o contigente.
dialogo com os professores (26/09/2001-anexo 6)

Quadro 5: Modo de operacionalização ideológico: a reificação


Fonte: Thompson (2007)

A questão que nos chama atenção na análise desse quadro é o fato de que as ideologias
implícitas nas práticas discursivas tornam-se eficazes porque as estratégias permitem que um
83

processo histórico, rico de sentidos e constituídos de sujeitos fique imperceptível à


interpretação. A greve é apresentada sim, mas como aquela que prejudica a população,
indicando professores e sindicato como sendo os causadores desse mal. Esse processo remete-
se a uma memória social sobre as greves em geral, capturando e reforçando status de senso
comum, repositório dos diversos efeitos de estratégias ideológicas (destacadas a seguir), como
as apresentadas nas notas oficiais.
Vamos entender melhor esse processo estratégico: a naturalização, como estratégia
operacional da ideologia, uma vez que se configura em um processo lento e contínuo,
conforme Thompson (2007). Ao observarmos os dizeres sobre a relação professor e trabalho
nas notas da PBH, percebemos que as notas movimentam sentidos que buscam desqualificar a
divisão socialmente instituída do trabalho: a relação PBH x professores (classe trabalhadora x
classe dominante), ao tratar a inserção do professor em um movimento reivindicatório como
uma ‘falta de bom senso’. Ao fazer um apelo ao bom senso (abordaremos esse aspecto ao
falarmos de manipulação discursiva), apaga-se o caráter político do exercício do direito
trabalhista (não reconhecendo o professor como uma categoria socioprofissional), sugerindo
que a greve, deva ser discutida e definida no âmbito da conduta ética. O apelo é feito à
capacidade virtuosa do professor, esvaziando, definitivamente, o caráter político de uma
greve, representativa dos direitos do trabalhador, que ao ser representada como uma atitude
radical e intransigente (buscando interdiscursivamente a memória social de outras greves, um
recurso em que se apela para imagens recorrentes, força um caráter aparentemente a-histórico
reafirmado através desse resgate pela memória que acaba por eternalizar seu contingente).
Elege-se e nominaliza um grupo, no lugar dos professores, como responsáveis pela greve e
isenta professores, não se referindo a estes como atores, não reconhecendo seu lugar,
apagando seus sentidos e sua voz, através de recursos gramaticais como a passivização; dando
evidência ao acontecimento greve, paralisação, ocupação e não aos sujeitos-atores sociais e
históricos.
São essas propriedades, aparentemente estáveis das ideologias, que em circunstâncias
particulares, como a greve, um fenômeno sócio-histórico, no nosso caso de análise, servem
para estabelecer e sustentar relações de dominação (THOMPSON, 2007); são estratégias que
de tão naturalizadas passam a serem vistas como uma dimensão da prática discursiva.
Retomando sentidos que são difundidos no mundo social: de que a ‘paralisação prejudica a
população’, ‘o sindicato é intransigente e radical’, ‘atendimento das reivindicações
inviabiliza o orçamento’, conseguem, assim, a partir dos anos, remodelar práticas discursivas
e cristalizar tais ideologias no imaginário social. Nas palavras de Fairclough (2001, p. 119) “é
84

uma orientação acumulada e naturalizada que é construída nas normas e nas convenções,
como também um trabalho atual de naturalização [...] de tais orientações nos eventos
discursivos”.
Essa proposta da PBH de se apresentar sob essa organização constituiu (criou) um
discurso de poder político sem igual. Prova disto é o fato de que, seguidos quase 10 anos não
se fez outra greve de tamanho porte na rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Os
efeitos37 obtidos desse discurso, somados a outros fatores político-históricos, provocaram uma
apatia geral na organização de trabalhadores em educação nos anos posteriores. Se a ação
objetivada era fazer calar a voz do movimento sindical o objetivo foi conseguido. Esta
rearticulação discursiva materializou o projeto hegemônico da PBH, constituindo uma forma
válida de discurso político, assegurando ao governo certa segurança de seu comportamento
político.
Vamos investigar mais um pouco, no quadro abaixo, centralizando nossa atenção em
um dos discursos que compõem a ordem discursiva a que a PBH se indexa: o discurso
democrático. Buscaremos mostrar como se dá o trabalho do investimento ideológico, o de
apresentar-se aparentemente democrático, diante de formações internamente conflitantes,
sobrepostas ou apagadas. O fato de encontrarmos de uma maneira contraditória nas mesmas
notas, elementos de ordens de discurso democráticas e autoritárias (conforme explicitamos no
quadro 1), possibilita-nos afirmar que o discurso da PBH é um discurso que tende a
estratégias democratizantes; ou seja, democrático é o efeito ideológico idealizado, investido
na constituição do discurso. Observemos no quadro sobre o trabalho ideológico, as
características dessa construção que, na maioria das vezes, é apresentada (considerando a
organização discursiva) na conclusão das notas oficiais; quando elementos assimétricos de
demarcação de poder são apagados ou substituídos por mecanismos encobertos de controle.
Em especial, chamamos a atenção para os atos de fala, aqui concebidos, conforme
Mari (1997), em função das condições estabelecidas em determinada interação verbal, que
regulam a ação dos agentes, dizendo respeito à convenção da situação de comunicação, ao
conteúdo informacional e à intenção que esses agentes têm de transformarem ou não um ato
em realidade. Apresentaremos os atos grifados, para uma análise posterior:

37
Efeitos ideológicos e hegemônicos particulares (sistemas de conhecimento e crença, relações sociais,
identidades sociais). (Fairclough, 2001, p. 289-290).
85

Eliminação de marcadores explícitos de poder Detentores de poder-sentinelas,


mecanismos encobertos de controle
05/08 A prefeitura apela para o bom senso dos Substituição de um diretivo direto
servidores, reafirma que continua aberta à (imperativos), por forma mais indireta sensível
negociação. (anexo1) à face.

26/08 A Prefeitura, que tem negociado Simetria no direito de fazer certo tipo de
permanentemente, reafirma a necessidade de exigência; substituída pela indireção.
imediato retorno ao trabalho (anexo2)
31/08 Em razão da liminar judicial prolatada pelo “Em razão da liminar”, “por intermédio de”
MM. Juiz da Vara da Infância e da Juventude, o são mecanismos encobertos de controle. Onde
Município de Belo Horizonte, por intermédio de se busca uma isenção de responsabilidade, não
sua Procuradoria-Geral, notifica os professores tomando para si a autoria dos atos.
municipais em greve para que retornem de
imediato ao trabalho em sala de aula. (anexo3)

17/09 (...)todas as propostas da PBH foram rejeitadas, o Pressuposição38: a PBH tenta estabelecer como
comando de greve não aceitou a dada uma proposição estabelecida por ela
determinação(...)Diante do exposto, não restou ao mesma durante o próprio texto.
poder público outra alternativa que não encerrar
as negociações. (anexo4)
23/09 (...)Reafirma que o retorno imediato ao Substituição de atos diretos como: ordena-se e
trabalho da pequena parcela dos professores, exige-se; por um ato cuja força se aproxima de
que ainda está paralisada, é fundamental para um relato real sobre um estado de coisas, quase
que o diálogo possa se estabelecer em busca de uma descrição, predição; em que o efeito
soluções que atendam aos interesses do conjunto intencionado é uma ordem.
da categoria.(anexo5)
26/09 i. Prezado(a) professor(a), i. Forma simétrica de tratamento: formato
ii.(...)Diante desde quadro, a Prefeitura reitera polido com que a PBH trata os professores;
a necessidade da volta imediata ao trabalho da ii.Estabelece como dada uma pressuposição
parcela de professores que ainda não retornou. estabelecida por ela mesma;
Iii.(...)A prefeitura continua confiando no iii.Elege um causador do mal, isentando os
estabelecimento de um efetivo diálogo com os professores; encobrindo a ordem de retorno às
professores, este momento dificultado pelo aulas.
radicalismo e intransigência da direção sindical.
(anexo6)

Quadro 6: democratização discursiva.

Conforme Fairclough (2001), a democratização é uma tendência discursiva. Vemos


que as notas, conforme exposto no quadro, utilizam-se desta tendência que se configura em
uma mudança discursiva em progresso, já que segundo Fairclough, afeta a ordem societária
do discurso. O discurso que se pretende democrático não instaura hierarquias de poder e

38
Pressuposições são proposições que são tomadas pelo produtor do texto como já estabelecidas ou dadas. Em
uma visão intertextual podemos assumir que as proposições pressupostas são uma forma de incorporar os textos
de outros, uma forma de incorporar algo tomado como tácito pelo produtor do texto. (FAIRCLOUGH, 2001, p.
156).
86

preserva a garantia de tratamento em condições de igualdade. A democratização discursiva


seria uma espécie de “retirada de desigualdades e assimetrias dos direitos, das obrigações, e
do prestígio discursivo e linguístico dos grupos de pessoas.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 248).
A PBH ao eliminar marcadores explícitos de poder e se utilizar de formas assimétricas, mais
indiretas e sensíveis à face, pretende aparentar um discurso democrático; e, em um trabalho
ideológico, na construção da coerência textual, requer intérpretes que sejam capazes de
reconhecer ali esse discurso (caracterizando parte do projeto hegemônico da PBH). No
entanto, conforme Fairclough (2001, p. 251), o que acontece é que marcadores explícitos se
tornam menos evidentes se transformando em marcadores encobertos de assimetria e de
poder. Quer dizer que é pura aparência, pois detentores de poder e sentinelas de vários tipos
estão simplesmente substituindo mecanismos explícitos de controle por mecanismos
encobertos, como nos exemplos explicitados nos quadros. Vejamos, como exemplos, a análise
dos atos:

“(...) reafirma que continua aberta à negociação”. π39: comissivo µ:desejo


i.
ii. “(...) reafirma a necessidade de imediato retorno ao trabalho”. π: assertivo µ: afirmação
iii. “(...) reafirma que o retorno imediato ao trabalho (...) é fundamental”. π: assertivo µ: afirmação
iv. “(...) reitera a necessidade da volta imediata ao trabalho”. π: assertivo µ: afirmação

Retomando a definição anterior, sabemos que o ato de fala é definido em função das
condições estabelecidas em determinada interação verbal e dizem respeito: i). à convenção da
situação de comunicação, que no nosso caso são as notas oficiais como gêneros de discurso
institucionais, que têm por característica restringir economicamente o discurso, são portanto,
breves e diretas; ii) ao conteúdo informacional, nesse sentido os atos de fala são limitados, já
que notas objetivam uma informação, dizer ou declarar algo; iii) e, sobretudo, à intenção que
esses agentes têm de transformarem ou não um ato em realidade. Assim, o ato, compreendido
e executado, dependerá do contrato estabelecido entre os agentes, seus engajamentos na
situação e do desempenho realizado para a transformação do dizer linguístico em ato, isto é,
em ação factual. (MARI, 1997).
No caso dos exemplos de i. a iv, vemos que há uma preferência por determinados atos
de fala a outros em que se poderia obter um controle direto sobre a ação dos professores (por
exemplo: exige-se, obriga-se, determina-se). Opta-se por um uso de atos de fala menos tensos,
por meio de recomendações e conselhos, como é o caso do exemplo (i.), em que o ato possui a

39
O ponto e o modo são componentes da força ilocucional; (π ) símbolo que representa o ponto ilocucional de
um ato de fala.( µ) símbolo que representa o modo de articulação desse ponto.
87

força comissiva e um modo que alterna entre expectativa e desejo. Embora os atos ii. a iv.,
possuam uma força assertiva, funcionando como uma afirmação diante do que está constatado
pela PBH; indiretamente, o efeito pretendido objetiva a ordem ou o pedido. Isto quer dizer
que, mesmo diante de atos assertivos, o contexto nos indica que os mesmos, indiretamente,
possuem uma força diretiva, de ordem ou de pedido. É o interlocutor que fará essa definição a
partir da jogada ideológica na qual ele vai se inserir. Esta estruturação discursiva caracteriza
fortemente o jogo ideológico, cuja pretensão democratizante elimina atos diretos, que
indiretamente estão presentes, já que em função do poder institucional que a PBH possui, uma
recomendação, um desejo ou um conselho atingem a aquiescência dos interlocutores, tanto
quanto se houvesse sanções legais ou de outros tipos de sanção institucional.
Outro elemento das ordens discursivas divergentes, que compõem as notas da PBH,
que chamamos de discurso neoliberal, identifica-se com uma segunda tendência do mundo
moderno apontada por Fairclough, denominada comodificação. Esta se caracteriza no,

processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo propósito não seja
produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vêm não
obstante a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e
consumo de mercadorias. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 253).

Em termos de ordens do discurso, podemos entender a comodificação como a


colonização de ordens de discurso institucionais e mais largamente da ordem de discurso
societária por tipos de discurso associados à produção de mercadoria. A comodificação sugere
um aspecto discursivos de colonização pela economia: o discurso neoliberal (liberalizante de
mercados) é uma espécie de discurso comodificado, porque ajusta-se a uma visão
individualista, em que se supervaloriza o indivíduo em detrimento do grupo, da coletividade e
do estado social. Como em:

1. “O Município de Belo Horizonte, por intermédio de sua Procuradoria-Geral,


notifica os professores municipais em greve para que retornem de imediato ao
trabalho em sala de aula (...) no caso do inadimplemento da obrigação, que junte aos
autos, no prazo de sessenta dias, sindicância nomeando os professores ausentes”.
(Diário Oficial, 31/08/2001- anexo 3).

2. “Repudia com veemência a radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias
e tem certeza que tais atos não refletem o pensamento dos professores municipais. O
radicalismo e a intransigência têm dificultado o entendimento e prejudicado o
conjunto dos trabalhadores da educação e, principalmente, os alunos e suas
famílias”. (Jornal Estado de Minas, 23/09/2001- anexo 5).
88

Os dois exemplos demonstram tendências à individualização. No primeiro, a PBH


convoca professores em greve, independentemente, do uso legal do direito de greve de todo
trabalhador e ainda de organização sindical. Este ato marca uma visão individualista, não
considerando a construção de uma organização democrática de coletividade. No segundo,
promove essa mesma posição não-coletiva ao incitar o desacordo, a desunião do grupo,
jogando a categoria contra o comando de greve, sugerindo uma manipulação sobre os
professores pelo sindicato; e, no uso dos termos: ‘notifica’, ‘inadimplemento da obrigação’ e
‘sindicâncias’, faz destes usos lexicais a comodificação do conteúdo discursivo da PBH, no
sentido de que isso facilita a divisão e subjuga professores (em unidades descontínuas) que
são tratados como mercadorias disponíveis no mercado educacional.
Discursos comodificados são regidos pela influência da publicidade. Todas as notas da
PBH, sob esta influência, orientam-se sob a mescla de duas visées40: a da informação e a da
persuasão, ao mesmo tempo em que propõem informar algo à população, exercem certa
capacidade de captação do voto do eleitor, através da construção de sua auto-imagem,
conforme mostra o quadro abaixo. O importante é ressaltar, que em tendências comodificadas
a informação “pode ser expressamente estratégica e persuasiva sem que seja considerada
como um assunto importante.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 263). Esta combinação torna-se
naturalizada; e, daí, investida ideologicamente, conforme podemos ver no quadro abaixo:

A informação e a persuasão
05/08 A Prefeitura, no esforço para equilibrar suas contas, conseguiu ser uma das raras capitais
brasileiras a ver suas finanças saneadas. Para isso, tem racionalizado gastos e não abre mão do
rigor no trato com dinheiro público. (anexo1)
26/08 (...) os professores municipais tiveram expressivos ganhos reais nos salários. (...) 74% dos
médicos municipais ganham acima de 1.940 reais mais os adicionais precisos em lei.(...) Todos
estes ganhos foram garantidos apesar da crise econômica e das limitações impostas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. (anexo2)
17/09 A Prefeitura de Belo Horizonte vem negociando com os professores, desde o início do ano, índices
de reposição salarial, na busca de evitar prejuízos para o semestre letivo. Com o objetivo de
valorizar o profissional, a PBH apresentou, em julho, propostas de reajuste real que elevaria o piso
salarial (...).(anexo4)
23/09 Recorreu à Justiça para desocupar sua sede. (...). Assim, na segunda-feira, o prédio reabre e
retoma seu funcionamento normal. (anexo5)
26/09 A Prefeitura promoveu, nos últimos oito anos, uma política educacional que se expressa entre
outras ações na construção e manutenção de escolas na implantação a partir do estatuto dos
servidores, do plano de Carreira da educação, na aprovação do Conselho municipal de educação,
na aprovação de licença com vencimento como apoio para a maior qualificação dos professores,
nas reposições de perdas salariais e no amplo debate pedagógico com os professores, alunos e
comunidade escolar. (anexo6)
Quadro 7. Comodificação nas notas oficiais

40
Refere-se aos objetivos comunicativos a que se visa no ato de linguagem. (Charaudeau, 2006a).
89

O que está em jogo, neste caso é a construção de imagens, como em Fairclough (2001,
p. 259). O discurso comodificado preocupa-se com os modos de se apresentar publicamente
as pessoas, as organizações, as mercadorias e a construção de identidades ou personalidades
para elas. A PBH, ao organizar as notas explicita sua imagem (o produto a ser vendido)
discursivamente de maneira a harmonizar com as imagens do produto e de seus consumidores
potenciais. Vende a sua imagem política e seu objetivo é eleger-se, captar o voto dos cidadãos
(como se fossem consumidores). A PBH, o voto e o eleitor são reunidos como co-
participantes em um estilo de vida; produtor, produto e consumidor em uma comunidade de
consumo que a publicidade constrói e simula. Aos destinatários do discurso (população e
professores) cabem as posições: a população, posicionada como eleitores poderosos (em
analogia ao consumidor do discurso publicitário); e os professores, posicionados ora como
população com o direito de voto, e, outrora, como trabalhadores sem poder (peça de
engrenagem da máquina pública).
Pragmaticamente, a combinação de informação e persuasão é evidente, ao inicializar
suas notas com o enunciado: “A Prefeitura de Belo Horizonte informa que [...]” o uso do
performativo capitaliza o significado. O componente proposicional que é parte do significado
ideacional, predica à PBH: a proposição poderia ser representada esquematicamente como ‘x
informa y a z’. As condições pragmáticas do uso deste verbo remete-nos ao contexto da
enunciação: a força que esse enunciado (seu componente acional) desempenha é de uma
asserção em que a PBH irá constatar sobre um estado de coisas; cujo modo informação,
representado diretamente pelo verbo performativo ‘informar’ somados às condições
preparatórias desse ato, ao papel social que a PBH ocupa, seu status e poder; pode garantir a
esse ato uma outra força indireta de declaração e alterar, a partir daí, um estado de coisas. De
outra forma, ao produzir uma notificação: a prefeitura pode estar apenas informando sobre
dados institucionais à população ou notificando, convocando e obrigando professores ao
retorno (e assim com uma força declarativa); mas ainda, pode provocar outro efeito
perlocucional, o de garantia do seu ethos político, quando intenciona auto-promover-se. Ou
seja, a posição sequencial (primeira oração) ao performativo, introduzida pela conjunção
‘que’ nos apresenta, aparentemente, um conteúdo informativo claro que indica os bons feitos
da PBH; além de acrescentar elementos que comprovam a eficiência da PBH no trato com a
gestão pública e solicita (bem intencionada) diante dos interesses da população. Informações
sobre gastos, salários, racionalização e crise, são alianças que fazem a conexão com sua auto-
valorização, cujo efeito é captar e seduzir o eleitor. Segundo Fairclough (2001, p. 263), essa
90

mescla torna-se naturalizada, as distinções entre elas em ordens de discurso estão


desaparecendo e, como consequência, a natureza da informação está mudando radicalmente,
no mundo contemporâneo.
Para concluir, é impotante ressaltar neste momento que embora apresentemos
comodificação e democratização distintamente. Sabemos que uma implica a outra41, e a análise
das notas mostra essas relações. O formato polido com que a PBH trata os professores faz parte
do seu projeto hegemônico, mas também dá-se em favor dos 'consumidores' do seu discurso (a
população eleitoreira): por isso o poder da PBH não está expresso explicitamente, facilitado
através de substituições, ocultamento ou indireções; exemplos são as tensões mostradas na
análise. No entanto, podemos observar, que além do discurso da PBH apresentar uma
tendência à democratização e à comodificação, há uma fragmentação de ordens dos discurso.
Fairclough (2001, p. 271) entende por fragmentação uma espécie de colapso, uma perda de
eficácia, de ordens de discurso mais locais que as fazem permeáveis às tendências gerais:
como parte de um relaxamento genuíno nos apresenta elementos próprios dos discursos
autoritário e popular, ao mesmo tempo. Isto nos mostra que mesmo no caso de a PBH poder
buscar uma simulação de significados com base em um cálculo estratégico de efeitos
(personalização sintética)42, o uso de tecnologias é um risco. Pois, as diversas formações
travam um campo de lutas, em que tais simulações podem, também, serem traídas por outros
elementos que as desfaçam. O que não acontece com o discurso da PBH, já que os elementos são
investidos ao ponto de naturalizar-se e garantir-se uma prática discursiva em que os elementos
somam-se na sustentação dos efeitos pretendidos. A tendência interpretativa que assumimos
nesta pesquisa nos leva a entender que a PBH em seu projeto hegemônico, na construção de suas
notas, se utiliza de uma simulação estratégica para atingir os efeitos pretendidos. Ao analisarmos
a produção, a distribuição e o consumo dos textos de greve, o que fazemos na realidade, é
uma análise de como a luta hegemônica contribui para a reprodução da ordem de discurso e
das relações sociais e assimétricas existentes. A materialidade discursiva das notas apresentam
traços que funcionam como pistas para o nosso modelo de interpretação43, a partir desta

41
Os efeitos de sentido das tendências discursivas são produzidos à medida que elas interagem e se atravessam.
Retoma-se aqui o conceito de ordens de discurso, caracterizadas como complexas, heterogêneas e contraditórias; da
mesma forma, as tendências podem ter valores contrastantes e muito diferentes, dependendo das articulações a que
se associam e estão abertas a diferentes investimentos políticos e ideológicos. (Fairclough, 2001).
42
A simulação de significados interpessoais provém da subordinação de todos os outros aspectos da prática e do
sentido discursivos para alcançar objetivos estratégicos e instrumentais. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 265).
91

interpretação, o que buscamos, agora, é captar as formas simbólicas (à medida que


incorporam significações- efeitos)44, que funcionam como uma espécie de veículo dos
sentidos político-ideológicos.

4.2.3 Práticas sociodiscursivas de manipulação e poder entre PBH x sindicato

Ao entender e analisar a greve podemos dizer que se trata de um ambiente social, onde
práticas de poder e dominação são desenvolvidas. Assim, tanto sindicato como prefeitura
precisam satisfazer critérios pessoais e sociais que os permitam influenciar a opinião pública.
Os discursos veiculados em uma circunstância de greve são decisivos nas orientações tomadas
pelas instâncias envolvidas, visto que a opinião pública exerce o poder de pressão ao aderir
um ou outro discurso.
Nesse sentido, é natural aos discursos políticos de greve processos de persuasão. Os
atores sociais se utilizam de vários mecanismos discursivos para atingir seus objetivos, estes
mecanismos tanto fomentam o espírito crítico e a autonomia do outro, como também podem
evitar a reflexão e a criticidade da população, sendo esta usada como instrumento a serviço da
manipulação. Com isso, objetivos são escondidos ou apresentam-se de forma confusa para
não suscitar reflexão, desviando as atenções do próprio tema que se deveria debater, anulando
ao máximo a autonomia dos ouvintes e a sua capacidade de avaliação da situação.
Como já vimos no início deste capítulo, tanto PBH quanto o sindicato são instâncias
do discurso político que possuem, em função da instituição que representam poder social com
alta carga de influência política, no entanto é a PBH que possui mais acesso ao discurso
público, já que suas notas oficiais são publicadas em um jornal de grande circulação no
estado.
A hipótese desta pesquisa é a de que tanto as notas oficiais como as cartas abertas à
população empreendidas pelo sindicato oferecem estratégias discursivas que auxiliam a
formação e a concorrência da opinião pública. Nosso objeto de reflexão indaga sobre como os

43
Segundo Fairclough (2001, p. 273), cada interpretação implica um modelo particular de prática discursiva, em
termos da luta hegemônica, implica-se uma visão da prática discursiva como articulação: a desarticulação de
configurações existentes de tipos e elementos de discurso e a rearticulação de novas configurações, dando
proeminência a interdiscursividade e intertextualidade.
44
Para Thompson (2007), o estudo da ideologia é o estudo de como o significado é construído e transmitido
através de formas simbólicas de vários tipos.
92

discursos do patrão e do trabalhador utilizam dessas estratégias, tendendo à persuasão ou à


manipulação. Os pressupostos conceituais para a análise estão baseados nos trabalhos de
Dijk(2008); e, como metodologia utilizaremos procedimentos que auxiliam a interpretação
dos elementos retóricos de cada discurso para a apreensão de tais estratégias.
Dijk (2008) observa que as estruturas do discurso não são em si manipuladoras. Antes,
podemos definir por manipulação todas as formas de interação, comunicação ou outras
práticas sociais que servem apenas aos interesses de uma parte e são contra os interesses dos
receptores. São consideradas formas ilegítimas porque violam os direitos humanos ou sociais
dos que são manipulados e porque (re)produzem ou podem (re)reproduzir desigualdades. E
elas somente possuem tais funções ou efeitos em situações comunicativas específicas e na
maneira pelas quais estas são interpretadas pelos participantes em seus modelos de contexto.
Discursos sociopolíticos podem ser apenas persuasivos e não manipuladores. Para que haja a
manipulação algumas características contextuais devem ser observadas, tais como a posição
dominante do manipulador (por exemplo), a falta de conhecimento relevante dos receptores e
a condição de que as consequências prováveis dos atos de manipulação sejam do interesse do
grupo dominante e contra os interesses do grupo dominado, contribuindo assim para a
(ilegítima) desigualdade social. (DIJK, 2008).
O quadro enunciativo de uma greve se sustenta em três instâncias45: a prefeitura (a
instância política), em função da maior amplitude de recursos domina o sindicato (instância
adversária), sendo a adesão da população o epicentro da luta hegemônica travada entre eles,
tendo em vista que a pressão pública (instância cidadã) pode desconstruir qualquer
movimento grevista. Conforme Dijk (2008), para que o discurso manipulativo tenha sucesso,
três condições precisam ser atendidas. Assim vejamos estas relacionadas à trechos das notas:

1. É preciso que a população tenha ausência total ou parcial de conhecimentos


relevantes — de forma que nenhum contra-argumento possa ser formulado contra
afirmações falsas, incompletas ou tendenciosas. Vejamos os exemplos:

45
Charaudeau (2005, p. 55) afirma que “dadas a complexidade da estruturação do campo político, decorrente
dos múltiplos entrecruzamentos que se produzem entre os diferentes setores de atividade da prática social, e as
diferentes situações de comunicação, convém distinguir três lugares de fabricação do discurso político: um
lugar de governança, um lugar de opinião e um lugar de mediação. No primeiro desses lugares se encontra a
instancia política e seu duplo antagonista a instância adversária; no segundo, encontra-se a instancia cidadã e,
no terceiro, a instancia midiática”.
93

a) “Célio de Castro (prefeito) disse que a Prefeitura fez levantamentos criteriosos


e constatou que, do final de 1995 até agora os professores tiveram 180% de aumento,
enquanto a inflação, no mesmo período, foi de 65%.” (Reportagem do EM, 05/08/01- anexo 1).
b) “Essa postura da PBH traz benefícios para toda a população. Foi o que
permitiu a administração conceder reajustes acima da inflação desde 1995, para o
funcionalismo. Os professores municipais tiveram, de 1995 a 2001, reajuste salarial
de 207%, enquanto a inflação acumulada no mesmo período foi de 65%.” (Nota
Oficial publicada no EM, 05/08/2001). (anexo1)
2. E que posições sociais, profissões, status etc., induzam as pessoas a aceitar os
discursos, argumentos etc., das pessoas, grupos ou organizações da elite.
a) “e comunica que tomará todas as medidas legais para garantir os serviços de
saúde e o retorno ás aulas, assegurando o pagamento dos salários aos profissionais
em atividade.” (EM, 05/08/2001). (anexo1).

Pedro Demo (2000), afirma que as relações de poder são ambíguas e podemos
encontrar o poder que enobrece, mas é bem mais comum o poder dissimulado que se
aproveita da sombra para prosperar, e cita Foucault ao dizer que o poder se esgueira pelas
beiradas, busca não ser percebido para influir tanto mais, procura a obediência do outro sem
que este a perceba, inventa privilégio que a vítima pensa ser mérito e usa o melhor
conhecimento para imbecilizar. Podemos definir a manipulação, conforme examina Dijk
(2008), dentro de uma estrutura de triangulação, como uma abordagem que liga discurso,
cognição e sociedade. Isto significa que manipular pessoas envolve manipular suas mentes, ou
seja, as crenças das pessoas, tais como seus conhecimentos, suas opiniões e suas ideologias,
os quais, por sua vez, controlam suas ações. Há três formas de manipulação cognitiva, a
primeira delas seria através do processamento de informação a curto prazo. Todo discurso,

e o manipulador, em particular, envolve o processamento da informação na memória


de curto prazo (MCP), resultando basicamente na "compreensão" (de palavras,
orações, sentenças, enunciados, e sinais não verbais), por exemplo, em termos de
"significados" ou "ações" preposicionais. Esse processo é estratégico no sentido de
ser on-line, ser propositalmente direcionado, operar em vários níveis da estrutura do
discurso e ser hipotético: suposições e atalhos rápidos e eficientes são feitos em vez
de análises completas. (Dijk, 2008, p. 241).

Dessa forma, ao controlar algumas dessas estratégias parcialmente automatizadas de


compreensão do discurso, pode-se manipular compreensões, contribuindo para um
94

processamento mais detalhado e para uma melhor representação e lembrança, fazendo com
que os leitores prestem mais atenção em algumas partes da informação do que em outras.

Observe o título de uma das cartas veiculadas pelo sindicato:

1. “SANGUE A GENTE DOA. TRABALHO, NÃO! DOAÇÃO TEM LIMITE!”


(anexo15)

O título está impresso em negrito e em posição saliente, em fontes grandes. Esses


dispositivos, segundo Dijk (2008), atrairão mais atenção e, consequentemente, serão
processados como recursos extras de tempo ou memória, contribuindo para um
processamento mais detalhado e para uma melhor representação e lembrança. Podendo afetar
especificamente o gerenciamento da compreensão estratégica na MCP. Este não é um
processo apenas manipulativo, ocorre, como já vimos, com todo processamento discursivo. Já
a manipulação reside no fato de que, ao chamar a atenção para a determinada informação, a
intenção seja tendenciosa. Vejamos o segundo exemplo:

2. “A Prefeitura de Belo Horizonte, diante da paralisação de parte dos professores


e médicos da rede municipal, informa à população que:” (anexo1).

O subtítulo é expresso em negrito e em posição saliente; o que chama a atenção é a


expressão ‘parte dos’. Nesse caso a PBH intenciona facilitar a informação que é compatível
com seu interesse e impede a compreensão da informação na qual não têm interesse. No
exemplo, a PBH deseja descaracterizar o movimento de greve como forte e unificado, fazendo
circular a ideia de que o movimento não teve adesão total de professores, sendo este pouco
significativo e de pouca importância. Há nesse caso um apelo manipulativo.
Outro formato de manipulação são aquelas direcionadas para resultados mais estáveis
focados na memória de longo prazo (MLP), nos conhecimentos, nas atitudes e nas ideologias,
fazendo parte dessa memória, estão as memórias pessoais, que definem nossa história,
associadas à memória episódica; a nossa memória para eventos comunicativos. Dijk (2008),
chama a atenção para o fato de que a compreensão não é meramente a associação de
significados com palavras, sentenças ou discursos,
95

mas a construção de modelos mentais na memória episódica, incluindo nossas


próprias opiniões pessoais e emoções, associadas a um evento sobre o qual nós
ouvimos ou lemos. E esse modelo mental que é a base para nossas memórias futuras,
assim como a base de conhecimentos adicionais, tais como a aquisição do
conhecimento, das atitudes e das ideologias baseada na experiência. (DIJK, 2008, p.
244)

Os discursos manipuladores agem no sentido de influenciar o receptor a compreender


um discurso como eles o veem. E algumas estratégias discursivas são direcionadas para
formar ou ativar tais modelos. Vejamos os exemplos 3 e 4:

3. “A paralisação dos serviços públicos prejudica a cidade e a população” (EM,


05/08/2001). (anexo1).

4. “Se ainda hoje permanecemos em greve, a responsabilidade é do Prefeito Célio


de Castro que insiste em não negociar seriamente conosco”. (Carta aberta do SindUTE
à população). (anexo12).

Em ambos os casos a estratégia é a culpabilização de acordo com interesses de quem


enuncia. De acordo com Dijk (2008), esta é uma das formas de manipulação por meio das
quais se influencia os modelos mentais individuais dos receptores. Tanto PBH quanto
sindicato atribuem ao outro a responsabilidade da greve. E, ainda, este tipo de discurso não
permite alternativa de interpretação, indica e condiciona o leitor à conclusão imposta pelo
enunciador. Essas são estratégias discursivas que tendem a influenciar a formação de modelos
mentais de contexto. Aqui entra a investida ideológica em modelos políticos individuais. Esta
ativação (de modelos) tende a ser automatizada e o controle sutil desses modelos nem são
notados pelos interlocutores (DIJK, 2008, p. 245).
Outra forma de manipulação são aquelas investidas nas crenças mais gerais e
abstratas, como conhecimento, atitudes e ideologias, conforme já vimos na análise de
operações ideológicas, são consideradas por Dijk (2008, p. 245) mais influentes “porque uma
atitude geral socialmente compartilhada é mais estável que os modelos mentais (e opiniões)
específicos de usuários individuais da língua. Influenciar atitudes implica influenciar grupos
inteiros e em muitas ocasiões”. Um exemplo é o de associar a ocupação que os professores
fizeram como ato político à violência e à delinquência. Interpretamos que ao se utilizar de
termos como ‘radicais’ e ‘intransigentes’ há uma jogada semântica no sentido de conduzir a
uma associação com os extremistas iraquianos, em razão da proximidade da data dos dois
eventos.
96

Se a manipulação pode concretamente afetar a formação ou mudança de modelos


mentais singulares, o objetivo geral da manipulação discursiva é o controle das
representações sociais compartilhadas por grupos de pessoas, tendo em vista que
essas crenças sociais, por sua vez, controlam o que as pessoas fazem e dizem em
muitas situações e durante um período relativamente longo. (DIJK, 2008, p. 247).

Podemos dizer que tanto PBH quanto Sindicato utilizam-se de estratégias discursivas
de persuasão, no entanto, manipulação pode não ser característica de ambos. Lembremos que
Thompson (2007) e Fairclough (2001) relacionam ideologia a investimentos em práticas
discursivas que contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder. As ideologias
controlam as cognições sociais: o conhecimento, as opiniões, posturas e representações
sociais. Já manipulação são todas as formas de interação, inclusive as ideológicas, que servem
apenas aos interesses de uma parte e são contra os interesses dos receptores. Ou seja, podemos
nos vincular a esta ou aquela ideologia, o sujeito admite, mais ou menos conscientemente, a
aceitação através da formação de modelos. O processo manipulativo não. São consideradas
formas ilegítimas, porque violam os direitos humanos ou sociais dos que são manipulados e
porque (re)produzem ou podem (re)reproduzir desigualdades. Nesse sentido é que podemos
afirmar que toda prática manipulativa é, sobretudo, ideológica, mas, nem toda prática
ideológica é manipulativa.
Em relação às estratégias e operações, Dijk (2008) indica que a forte polarização entre
Nós (bons, inocentes) e Eles (malvados, culpados) é característica de uma estratégia de
manipulação designada generalização, na qual um exemplo concreto específico que tenha
gerado impacto nos modelos mentais das pessoas é generalizado para conhecimentos e
atitudes mais gerais, ou mesmo para ideologias fundamentais. Assim, a ocupação dos
professores à sede da PBH, é considerada pela Prefeitura como uma atitude radical, termo
usado em associação ao atentado de 11 de setembro nos EUA, em que esse termo foi muito
utilizado em consonância ao terrorismo, um evento muito emotivo com um forte impacto
sobre os modelos mentais das pessoas, sendo usado com o propósito de influenciar esses
modelos mentais. O importante nesse caso é que os interesses e benefícios da prefeitura que
detêm o controle do processo de manipulação, são ocultados, obscurecidos ou negados,
enquanto os benefícios alegados para a população são enfatizados, por exemplo, o prédio
público retoma o funcionamento que atende à população. Veja o exemplo:
97

5. “A Prefeitura de Belo Horizonte informa que: 1. Recorreu à Justiça para


desocupar sua sede, invadida na última quarta-feira por um grupo radical, ligado ao
comando de greve. A desocupação deu-se na tarde de sábado, em cumprimento da
decisão de reintegração de posse determinada pela Juíza da Primeira Vara da
Fazenda Municipal. Assim, na segunda-feira, o prédio reabre e retoma seu
funcionamento normal”. (EM, 23/09/2001). (anexo5)

Esta é a condição cognitiva da manipulação, conforme Dijk (2008), as pessoas a serem


manipuladas são persuadidas a pensar que as ações políticas são produzidas para seu interesse
próprio, quando servem aos interesses dos manipuladores. Isto significa que o objetivo da
prefeitura não é, exclusivamente, o funcionamento do prédio para melhor atender a
população. O seu objetivo é, também, o de minar o movimento grevista, fazer circular
percepções sociais contrárias à greve, o de que a greve prejudica a população, com o objetivo
de ganhar o apoio da opinião pública e se auto- promover politicamente.
O sindicato, também, se apropria da polarização Nós vs. Eles como forma de
intervenção. Esta apropriação é uma espécie de investimento ideológico em práticas
discursivas, já que constitui em fazer circular outra imagem da prefeitura; este jogo contribui
para reestruturar as relações de poder. No entanto, há que se perceber que esta é antes de tudo
uma estratégia de intervenção. Fairclough (2001, p. 254) define as intervenções discursivas
como formas de tornar práticas linguísticas menos autoritárias ou discriminatórias, e uma
forma importante de intervenção é engajar-se em lutas de natureza mais hegemônica, como
faz o sindicato ao buscar desfazer o processo manipulativo. Dijk (2008) sugere que uma das
melhores formas de detectar e resistir às tentativas de manipulação é o conhecimento
específico sobre os verdadeiros interesses dos manipuladores. Assim, o sindicato responde:

6. “Neste momento, ao invés de dialogar conosco, dada a importância dos


serviços que prestamos à cidade, a PBH usa da mentira para confundir a população e
gerar dúvidas quanto à necessidade da nossa greve.” (Carta Aberta à população, carta
n. 2). (anexo15).

Podemos atestar aqui que o discurso manipulativo não existe por si em função apenas
da sua estrutura argumentativa e estratégias específicas. O contexto determina a manipulação,
características sociais são imprescindíveis à análise desse discurso, como do discurso em
geral. Embora se utilizem da mesma estratégia discursiva, vemos que os discursos provocam
efeitos de sentido antagônicos, pois se filiam a diferentes formações e a interdiscursos
particulares.
98

Assim, vimos que a dimensão cognitiva da manipulação envolve processos


estratégicos de compreensão que afetam o processamento na MCP, a formação de modelos
mentais preferenciais na memória episódica e, mais fundamentalmente, a formação ou
mudança de representações sociais, tais como conhecimento, atitudes, ideologias, normas e
valores. Vimos também, que as estruturas do discurso não são em si manipuladoras; elas
somente possuem tais funções ou efeitos em situações comunicativas específicas e na maneira
pela qual estas são interpretadas pelos participantes em seus modelos de contexto. Em outras
palavras, o discurso é definido para ser, antes de tudo, manipulador, em termos de modelos de
contexto dos participantes. Analisa-se o discurso como manipulador em termos de suas
categorias de contexto antes que em termos de suas estruturas textuais.

Isto é, dada nossa análise dos contextos sociais e cognitivos do discurso


manipulador, precisamos examinar as restrições específicas formuladas
anteriormente, tais como a posição dominante do manipulador (por exemplo), a falta
de conhecimento relevante dos receptores e a condição de que as consequências
prováveis dos atos de manipulação sejam do interesse do grupo dominante e contra
os interesses do grupo dominado, contribuindo assim para a (ilegítima) desigualdade
social. (Dijk, 2008, p. 245).

Vimos também que, embora a manipulação sociopolítica seja normalmente ideológica


e discursos manipuladores frequentemente apresentem os padrões de polarização ideológica
em todos os níveis de análise, as estruturas discursivas e as estratégias de manipulação não
podem ser simplesmente reduzidas a qualquer outro discurso ideológico. De fato, talvez
tenhamos discursos sociopolíticos com investimentos ideológicos e não manipuladores.
Podemos avaliar que tanto o discurso manipulador como o discurso resistente (de
intervenção) oferecem caminhos argumentativos muito parecidos. Como podemos ver no
quadro abaixo, enquanto um discurso tenta, através de suas estratégias, manipular a opinião
pública a partir de um jogo discursivo; o outro tenta desconstruir essa manipulação.
Podemos ver isso no quadro abaixo em que apresentamos a estratégia global de auto-
apresentação positiva e outra-apresentação negativa, que é bastante comum nos relatos
tendenciosos dos fatos, em favor de interesse próprio do falante. Esta estratégia, conforme
Dijk (2008, p. 252) é usada nas estruturas de vários níveis do discurso estabelecem o quadro
ideológico da polarização, encontrada em todos os discursos ideológicos. Observemos como
as estruturas não são em si manipuladoras, e sim a situação comunicativa e os modelos
interpretativos que as denunciarão:
99

PBH SINDICATO ESTRATÉGIAS


“A Prefeitura, no esforço Esclarecimento dos Auto-apresentação
para equilibrar suas contas, conseguiu Trabalhadores em Educação, em greve, positiva; enquanto a PBH, se auto-
ser uma das raras capitais brasileiras a à população de BH (...) Esperamos que apresenta supervalorizando sua
ver suas finanças saneadas. (...) as negociações sejam sérias, com administração; e, ainda, como uma
reafirma que continua aberta à apresentações de propostas que atendam instituição democrática. O sindicado
negociação” (05/08) (anexo1) as nossas reivindicações. Esperamos auto-apresenta um ethos de
“A Prefeitura, que tem responsabilidade do Prefeito Célio de seriedade e compromisso,
negociado permanentemente” (05/08) Castro com a população de BH(Carta enfatizando a posição de poder e
A Prefeitura vem negociando 01-anexo 13) superioridade da PBH nas
com os professores, desde o início do negociações.
ano,(17/09) (anexo4)
A prefeitura continua
confiando no estabelecimento de um
efetivo dialogo com os
professores(26/09) (anexo 6)
A PBH vem negociando com Durante este período fizemos Macroato de fala
os professores, desde o início do ano, varias tentativas junto à PBH para evitar indicando Nossos "bons" atos e os
índices de reposição salarial, na busca de a paralisação das atividades nas "maus" atos dos Outros; A PBH
evitar prejuízos para o semestre letivo(...) escolas(.) ao invés de dialogar conosco, aponta a polarização (Nós/abertos e
desconsiderando as propostas(...), o usa de mentiras para confundir a generosos; Eles/mesquinhos e
comando de greve levou a categoria a população. (carta 02- anexo 15) intransigentes). O sindicato aposta
deflagrar um movimento que na descrença dos argumentos feitos
prejudica os alunos da rede municipal pela PBH.
de ensino.(17/09) (anexo 4)

A paralisação dos serviços Um governo marcado pela Macroestruturas


públicos prejudica a cidade e a truculência e desrespeito ao povo(...) semânticas: seleção de tópicos
população. O radicalismo e a arrebenta com os direitos conquistados enfatizando pontos negativos sobre
intransigência têm dificultado o em cima de muita luta da classe Eles; A PBH reforça uma ideologia
entendimento e prejudicado (...) os trabalhadora(...), que deixa a cidade sem fundamental: sindicatos são
alunos e suas famílias. (23/09-anexo 5) educação e sem atendimento intransigentes. O sindicato tenta
O estabelecimento de um médico.(carta 07a -anexo 20) desconstruir o ethos democrático da
efetivo diálogo (...) dificultado pelo PBH.
radicalismo e intransigência da
direção sindical (26/09) (anexo 6)
Professores municipais A PBH usa a mentira para Atos de fala locais de
tiveram, de 1995 a 2001, reajuste confundir a população e gerar dúvidas discurso estabelecendo e
salarial de 207%, enquanto a inflação quanto à necessidade da nossa greve (...) sustentando atos de fala globais. A
acumulada no mesmo período foi de temos perdas que atinge 19% desde PBH se sustenta em declarações
65%. (...) É preciso ressaltar que outros 1995.Observe a versão da PBH e leia no improcedentes que podem
trabalhadores, tanto do setor público verso nossos argumentos(Carta2 -anexo convencer a população. O sindicato
como da iniciativa privada, não tiveram 15) concentra em comprovar a falsidade
igual tratamento.( 05/08) (anexo 1) das afirmações da PBH.

A intransigência da direção Célio de Castro tem muitas Léxico: selecionar


política chegou ao extremo ( 26/09) caras. Quando mente à população sobre palavras negativas para Eles; ambos
(anexo 6) os salários dos professores é Pinocélio apelam para o discurso
Recorreu à Justiça para ou Celinóquio. Quando propõe uma massivamente ideológico. A PBH
desocupar sua sede, invadida.Um política de reajuste salarial para 2004 e indexa ao interdiscurso que se
grupo radical (26/09) (anexo 6) destrói a nossa previdência, fica remete ao terrorismo; enquanto
parecido com um Tucano: o Celicano sindicato se remete à
ou Tucanélio. (carta 07b -anexo 21) intertextualidade, associando o
Prefeito ao Pinóquio- o maior
mentiroso dos clássicos infantis.

A paralisação dos serviços Os trabalhadores em Argumentação com


públicos prejudica a cidade e a Educação repudiam a atitude arbitrária e emoção
população. A Prefeitura apela autoritária (...) quando, no abuso do
poder, tenta intimidar o nosso
para o bom senso dos servidores
movimento. (carta 5- anexo 17)
(05/08) (anexo 1)
Quadro 8: Práticas manipulativas
100

Diante do quadro ideológico (Nós x Eles), podemos perceber que a PBH ao enfatizar a
natureza maléfica da organização sindical (não dos professores), e enfatizar a sua natureza
democrática (através de uma auto-apresentação positiva), recorre à anuência da opinião
pública aliada ao espírito de cidadania e amor à cidade de BH. O objetivo é o de manipular a
população contra os professores, a greve e principalmente contra o sindicato. Quer dizer, faz
isso ao enfatizar a preocupação ‘Nossa’ com a família e com o aluno sem escola, contrastando
com os valores ‘radicais, extremistas’ atribuídos ao sindicato e aos professores (como se a
cidade de BH fosse sofrer um ataque e a ocupação do prédio seria o primeiro passo). A PBH,
em sua posição dominante diante da greve dos professores (é o patrão, detém o pagamento,
recorre ao poder judiciário), se concentra na desinformação da população, aproveitando da
sua autoridade para informar dados econômicos como salário dos servidores e níveis
orçamentários. E isso faz da população uma vítima crédula para aceitar tais crenças, quando
sua intenção política é a de manipular votos para futuras eleições. Essas características
presentes nas Notas Oficiais colocam a PBH em uma posição ilegítima (manipuladora), sair
desse lugar requer um exercício, realmente, legítimo e democrático.
É importante perceber que em todos os níveis de análise, a manipulação sociopolítica é
ideológica ao se utilizar da polarização (Nós/Eles), mas estas estruturas discursivas e as
estratégias de manipulação não podem ser reduzidas a qualquer discurso ideológico. Como
não existem estratégias discursivas só usadas para a manipulação, Dijk (2008, p. 255) explica
que em dada situação social, pode haver estratégias preferidas de manipulação, que ele chama
de protótipos manipuladores, sendo aquelas que persuadem as pessoas (enganadas) a fazer
algo: a falácia da autoridade, como em:

7. “Este ano, a Prefeitura realizou desde maio, dezenas de reuniões com o Sind-
Ute”(Carta publicada pela PBH, 26/09/2001- anexo 6).

8. “reajuste salarial de 207%, enquanto a inflação acumulada no mesmo período


foi de 65%”. (nota oficial, publicada em 05/08/2001- anexo 1).

9. “72% dos professores recebem acima de 1.130 reais por mês”. (Nota oficial
publicada em 05/08/2001-anexo 1)

O discurso sindical, por sua vez, é um discurso sociopolítico persuasivo, portanto


ideológico, com a mesma intenção manipuladora. Mas, em função de ocupar o lugar
enunciativo reivindicatório, as mesmas estruturas deste discurso podem ser usadas na
informação, na educação e em outras formas legítimas de comunicação. (DIJK, 2008, p. 255).
101

No quadro acima, verificamos que o discurso sindical funciona como uma contraposição ao
discurso da prefeitura, um contradiscurso, no sentido de conscientizar àqueles que são o alvo
do discurso manipulador. Utiliza-se, para tal, da polarização (Nós/ Eles), em cartas dirigidas à
população com o objetivo de desacreditar as crenças que a prefeitura faz veicular. É possível
observar que o sindicato serve-se, timidamente, da estratégia da auto-apresentação positiva,
faz muito pouco uso da construção de macroatos de fala selecionando seus bons atos, não
fazendo seleção de tópicos enfatizando pontos positivos, usa apenas uma das cartas para fazer
declarações que comprovam acusações. E utilizam-se com muita frequência das estratégias de
outro-apresentação negativa da PBH, com escolhas lexicais que demonstram explicitamente
sua filiação ao campo da oposição política.
Por fim, falta-nos observar como o recurso emotivo é investido ideologicamente nos dois
discursos. Os dois gêneros apresentam um eixo racional (uma ideologia particular), intencionando
a construção da própria legitimidade discursiva, e Thompson (2007) distingue o fundamento do
carisma, como uma das afirmações sob a qual o ato de legitimar-se, diante do outro, pode
estar baseado. O apelo às características de uma pessoa, o apelo às emoções, a busca pelo eixo
discursivo afetivo e passional, tornam-se uma forte estratégia manipulativa no discurso
ideológico persuasivo. A PBH após apresentar-se absolutamente disponível e solícita, justificando
a impossibilidade de oferecer aos professores o aumento salarial, faz um apelo ao ‘bom senso’
do professor. O bom senso é uma expressão que indexa-se a concepções e regras socialmente
partilhadas, é uma espécie de chamado à adequação. Mas adequação a qual realidade, a qual
modelo específico? A prefeitura faz, ao fazer o apelo, ouvir a voz da ideologia neoliberal, que
ela constrói em atos discursivos (seleção de proposições negativas sobre a greve, sobre a
racionalização de gastos, etc.), que se revela no macroato semântico de que movimentos
sociais impedem o desenvolvimento econômico (o modelo corrente no contexto analisado); e,
por isso o professor deve usar sua capacidade virtuosa e fazer a escolha correta. O apelo é
uma espécie de exigência, estratégia retórica, diante dos argumentos apresentados. Este apelo
é manipulativo, em relação ao interlocutor (o professor), porque escamoteia a real intenção da
PBH de fragmentar o movimento, minar a organização da greve, e convida à ideologia
liberalizante do cada um por si (atribui o desempenho a uma pessoa em particular –
desvencilhando-a da coletividade e do contexto político).
O sindicato também fazendo uso do recurso emotivo, busca emoções relevantes da
população (um chamado aos trabalhadores- arquivos da memória social) ao se valer do uso do
‘Nós’, que entendido como inclusivo (“nós, Trabalhadores em educação”; “todos os
trabalhadores seremos”; “queremos a liberdade do nosso povo”), evoca uma coletividade,
102

uma representação impessoal que alude à união, ao conjunto, identificando diferenças em


torno do mesmo discurso. O efeito de sentido do uso do pronome advém da polifonia: o
locutor pode ser tanto os professores membros do sindicato quanto um coletivo poderoso.
Zoppi (1997) investigou que,

o nós é inclusivo quando definido dialogicamente a partir de relação estabelecida


entre o locutor e o grupo de alocutários, um nós sujeito universal de direitos que
funciona discursivamente como categoria conceptual homogênea, que não permite
operações de divisão interna (...)e estabelece uma imaginária relação de simetria
[...]. Dessa maneira, instaura-se como referente discursivo da forma do NÓS
inclusivo a representação de um todo coletivo, uniforme e totalizante. (ZOPPI, 1997,
p. 102).

O uso inclusivo de um indeterminador (nós) pretende ora ser representado por todos os
que escrevem e ora por todos os que leem. O sindicato busca a capacidade de juntar gente, de
coletividade, de dividir a mesma ideologia. Ora através de um chamado caloroso ora através
do chamado à consciência trabalhadora, a estrutura do texto sindical, do ponto de vista
pathêmico, tenta uma similaridade aos carros de som e ao ardor do trabalhador inflamado. Daí
os textos hiperbólicos, as escolhas lexicais metafóricas, e etc. No entanto, através da análise
percebemos que o discurso sindical, enuncia do lugar da desarticulação do movimento
ideológico intencionado pela prefeitura, a sua escolha é a do contradiscurso, manifesta o
repúdio e denuncia a força manipulatória dos argumentos utilizados, classificando-os como
abuso de poder.
Concluindo, podemos afirmar que a prefeitura faz uso de estratégias sócio-políticas que
apelam para o uso da sua autoridade frente à instância cidadã, que não possui controle sobre as
informações veiculadas, em função do acesso a recursos midiáticos e do próprio jogo discursivo
de auto-valorização e associações a modelos sociais invertidos; o discurso sindical, também, se
concentrando nas características cognitivas e sociais da população, opta-se por um discurso
político ideológico persuasivo, em que se critica a posição de poder, superioridade e de acesso
à mídia que a PBH possui, indicando-o como falacioso. No entanto, em relação a essa
tentativa de contrapoder sindical, concluímos com Dijk (2008, p. 256) que “enquanto essas
pessoas não dominam o cenário principal dos meios de comunicação, ou as instituições e
organizações de elite, o problema dos contradiscursos é menos grave para os
manipuladores”.
103

4.3 Discurso midiático sobre a especificidade da greve

Sabemos que a mídia escrita divulga amplamente conhecimentos disseminados através


das matérias jornalísticas. Sob a égide de informar, esclarecer e explicar, sem qualquer forma
de parcimônia, acaba por categorizar, ordenar e hierarquizar o mundo relatado da maneira
como melhor lhe convém. (FLAUSINO, 2001, p. 105). Conforme Dijk (2008, p. 73), é
através dessa maneira de representar os acontecimentos que grupos poderosos se legitimam a
cada dia e com o passar do tempo de uma maneira ainda mais abrangente, a mídia jornalística
decide quais atores serão representados, o que será dito e como será dito algo a seu respeito.
Ouvimos sempre dizer que a mídia atende aos interesses de um grupo hegemônico e
que a mídia não é mesmo imparcial. O que podemos constatar através de pesquisas já
elaboradas nesse sentido, que em relação aos movimentos populares, a mídia escrita se abstém
de cobrir as atividades sociais e políticas desses movimentos. Arbex (2000) define o que seria
uma tendência no jornalismo em tempos de globalização:

a mídia brasileira é extremamente hostil aos movimentos populares em geral, [...] as


megacorporações, capacitadas tecnologicamente a unificar a imagem do mundo por
meio de satélites e canais de fibra óptica, passaram a apresentar o próprio mundo
[...] como se fosse um grande show [...]. Essas midiáticas se tornaram essenciais ao
funcionamento do capitalismo contemporâneo. Através de suas narrativas e
explicações sobre os fatos do mundo, elas criam lógica e coerência onde não existem
lógica e coerência alguma. (ARBEX, 2000, p. 45).

Em estudo sobre o discurso jornalístico, privatizações e protestos de rua, apresentado


por Leal (2005), percebeu-se que os efeitos de sentido apontados junto à opinião pública é a
de uma identidade negativa em relação a movimentos sociais organizados, apresentados, pela
mídia, como pessoas violentas e desordeiras. Além disso, este estudo destaca a falsidade dos
argumentos apresentados pelos textos jornalísticos e atesta que a imprensa se alia a interesses
hegemônicos que são assegurados na medida em que as manifestações sociais são silenciadas.
Em uma série de estudos de análise do discurso de notícias na imprensa, Dijk (2008, p.
75) examina como os grupos sociais subordinados (as minorias, os refugiados, os sem-teto e
os países do Terceiro Mundo) são representados nos textos noticiosos. Neste se percebeu que
esses grupos tendem a ter menos acesso aos meios de comunicação de massa dominantes, são
menos usados como fontes de notícia usuais e confiáveis; e, por fim, são descritos de forma
estereotipada e tidos como atrasados. Quando se refere ao discurso da mídia, Dijk (2008)
explica que ao contrário da crença popular e do senso comum entre os estudiosos, as notícias
104

da imprensa são as mais bem lembradas do que as de televisão. É nesse sentido que o estudo
sobre como são veiculadas representações sobre os professores em greve, interessa-nos
prontamente, dado o poder de influência persuasiva que o texto jornalístico possui na
constituição de modelos sociais e consequentemente de poder.
Vimos nos itens analisados anteriormente, nesta pesquisa, que na circunstância de
greve, a PBH tem mais acesso à mídia jornalística que o sindicato, em função da publicação
de suas notas no jornal, conseguindo assim atingir, sem dúvida, um maior número de pessoas.
O que propomos, neste item de análise, é perceber como o jornal Estado de Minas se
referencia à greve de professores: quem tem voz, como são tratadas as manifestações, como
escolhem o tópico das reportagens, as expressões em relação aos professores, o estilo de
descrever professores em greve e as implicações semânticas especiais relacionadas ao uso de
certas palavras.

4.3.1 Análise da prática discursiva no discurso do jornal EM

Analisaremos neste item o corpus composto por 28 (vinte e oito) reportagens do jornal
Estado de Minas, publicadas no período de 01 de agosto a 02 de Outubro de 2001. O jornal
Estado de Minas é editado pelos Diários Associados, desde 07/03/1928. Em site oficial
(www.em.com.br), afirmam ter estampado os fatos mais importantes que marcam a vida do
povo mineiro, ao longo dos anos de existência; dizem ser referência para a opinião pública de
Minas Gerais e caracterizam como sendo o seu diferencial: a credibilidade do seu conteúdo.
É importante dizer que este jornal apresenta uma tiragem de 119 mil exemplares aos
domingos e 73 mil em dias úteis. Possui cerca de vinte e nove cadernos que circulam em dias
alternados; e, embora, o caderno Política circule todos os dias, todas as reportagens sobre a
greve dos trabalhadores foram publicadas no Caderno Gerais que contempla, conforme site,
assuntos como educação, saúde, segurança pública, meio ambiente, lazer, carnaval, datas
religiosas, cultura popular, patrimônio artístico e religioso, administração pública, trânsito e
estradas, além de grandes reportagens e coberturas especiais. As colunas pautam temas do
cotidiano e abrem espaço para a participação da comunidade, sendo que uma delas lança olhar
cronista sobre a realidade. Podemos nos perguntar, de antemão, por que publicar reportagens
que tratam de relações político-sociais do mundo do trabalho ao lado de temas como carnaval,
trânsito ou lazer. Postar as reportagens sobre greve neste caderno sugere-nos uma tendência
105

do jornal a apagar ditos sobre o trabalho, organização de trabalhadores, garantias trabalhistas;


e, talvez, podemos interpretar como um silenciamento, como sugere Orlandi (1992), na
maioria das vezes, da voz dos sujeitos-trabalhadores, reféns do mundo do trabalho, nesse
caso, reféns da casualidade a que impõe este caderno Minas, do jornal EM. A princípio,
podemos dizer que esse movimento não é neutro e reclama uma interpretação, já que,
reportagens sobre greves deveriam ser publicadas em um caderno onde se discutem temas
políticos. Pois, o fato é que uma greve está diretamente orientada para a agenda político-
econômica; e seus dizeres são merecedores da atenção de todos.
Ao analisar como as práticas discursivas são construídas neste jornal, buscamos
compreender a partir de quais pontos de vista sua discursividade é constituída; ou melhor,
quais posicionamentos, em função da interdiscursividade na qual se inscreve, o jornal Estado
de Minas indicia ao se reportar à greve de professores. O discurso da mídia escrita, sem
precisarmos nos ater ao debate feito no capítulo anterior, pode revelar-se monofônico ou
polifônico. Vale lembrar, que este discurso é constituído, em grande parte, pela representação
de discursos de pessoas ou instituições: declarações de autoridades da PBH, de sindicalistas
ou de pais de alunos são utilizados como fontes de discurso. Mas, a imprensa também pode
exercer um controle sobre as vozes utilizadas em seus textos (ao tecer esses diversos
discursos), e, esse controle não é neutro; pelo contrário, favorece os pontos de vista e
formações presentes na interdiscursividade; são estas formações que pretendemos resgatar.
Sabemos que a interdiscursividade é constatada pela recorrência de temas que
circulam nos textos que nos permitem interpretar outros discursos, segundo Fairclough
(2001); no entanto, como já explicamos, em relação à sociocognição, o interdiscurso só é
significado a partir de um processo interpretativo, que se configura na construção de modelos
mentais e sociais, que compartilhamos e que possuem uma inscrição histórica. Assim sendo,
a interpretação de textos jornalísticos pela população, faz circular imaginários que
coletivamente são construídos ao longo dos tempos, indexados a posições ideológicas várias;
inclusive àquelas que estruturam as instituições noticiosas, que estão posicionadas política e
economicamente nas sociedades, conforme Arbex (2001). Com base nessas considerações,
analisaremos a heterogeneidade que engendra as reportagens do jornal Estado de Minas. Para
tal, pretendemos pensar um pouco sobre as questões: Como o discurso jornalístico apresenta
professores em greve? Qual relação entre o discurso jornalístico e a FD dominante? Existe
apenas uma FD disponível para o discurso jornalístico ou há mais de uma?
Em relação à greve, no início deste capítulo, sobre os boletins do sindicato e notas
oficiais da PBH, apresentamos no Quadro 2 que duas formações poderiam ser claramente
106

demarcadas, ambas com uma forte carga político-ideológica. Aquela na qual a PBH se indexa,
indiciando uma identidade própria ligada ao projeto político neoliberal, que vê nos direitos
trabalhistas empecilho para o crescimento econômico; e, a outra indexada ao sindicato,
vincula-se, semanticamente, ao universo da luta entre classes sociais atualizando sentidos
sobre divisão do trabalho e má distribuição de renda. Trata-se de formações conflituosas,
determinadas pela dinâmica e tensa luta de classes, pelos interesses de grupos colocados
socialmente em posição de dominação e subordinação. Neste momento, torna-se importante
relacionar tais formações, pois são elas que compõem a memória discursiva constitutiva da
circunstância enunciativa em análise e o texto jornalístico apresenta explicitamente essa
intertextualidade; ou seja, demarca claramente através do discurso direto ou indireto os dois
posicionamentos, um jogo de enfrentamento sobre o mesmo objeto. Fairclough (2001) sugere
que a análise da mídia escrita deve ressaltar os elementos e as linhas diversas (frequentemente
contraditórias) que contribuem para compor os textos do jornal, reconhecendo, assim, qual
interdiscursividade é instada a dizer sobre a greve e sobre os professores.
A mídia escrita aposta na construção de sua credibilidade, a partir da isenção de
opiniões; ou seja, afirmam que as notícias de jornal não explicitam, na maioria das vezes, a
autoria; e, isto garante a ideia de credibilidade, já que para os jornais não se pode relacionar
credibilidade a uma mera opinião pessoal. Assim, não sabemos, talvez, o que defendem os
jornais escritos; ou melhor, a voz do jornal, aparentemente, não sinalizaria dizeres?(ver site
oficial dos Diários Associados). Fairclough (2001, p. 137), contrariando essa ideia, afirma que
os “textos diferem na medida em que seus elementos heterogêneos são integrados, na medida
em que sua heterogeneidade é evidente”, o texto pode estar separado do resto do outro texto
por aspas e estar integrado estrutural e estilisticamente, os textos podem ou não recorrer ao
tom predominante do texto circundante e podem ou não ser fundidos por suposições do
segundo plano. Textos possuem uma “superfície textual desigual e ‘acidentada’, ou
relativamente regular.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 137).
Tendo a convicção de que o interdiscurso sustenta os processos de significação e o
gesto de leitura e interpretação, sendo necessariamente remetido às formações que estão ali
configuradas, é impossível pensarmos que um discurso não sinaliza dizeres. Qualquer dito,
mais especificamente, os dizeres sobre greve se inscrevem em conjunturas sócio-históricas e é
impossível não significá-los. Vejamos o texto produzido pelo jornal, aos 49 (quarenta e nove)
dias da greve, em 18/09/2001(anexo 28).
107

O título da matéria enuncia “Eu quero estudar” o primeiro parágrafo traz a voz de
dois personagens: a filha, apresentada através do discurso indireto (exemplo1); e, em seguida,
o pai, que faz um pedido ao prefeito, através do discurso direto (exemplo 2):

1. A estudante Rachel Lopes Martins implora por aulas. O apelo da


estudante pelo direito à educação pública e gratuita, garantida em lei, é endossado
pelo pai[...].
2. “As crianças não conseguem estudar por causa da greve e estão
perdendo o brilho no olhar. Estou pedindo pelo amor de Deus para que o prefeito
cumpra com o seu dever e honre a confiança nele depositada por meio do voto. Será
que ele vai negociar ou esperar até que estoure uma guerra, como aconteceu com os
perueiros?”.

A partir daí, no segundo e terceiro parágrafos, sem atribuir a fala a ninguém o sujeito
desse discurso privilegia uma sequência sobre a greve de professores, formulando algumas
considerações teóricas sobre a greve no país. Têm-se os seguintes recortes, todos predicando
sobre a greve dos professores:

a. A greve dos professores municipais da capital completa amanhã 50


dias. A situação se repete a cada ano.
b. Os professores lutam [...] a Prefeitura trancafia [...] e os pais de
alunos se descabelam.
c. Porém, desta vez, o movimento registrou um componente inédito em
todo o País: deixou a esfera meramente trabalhista e foi parar na Justiça comum.
d. O juiz [...] saiu em defesa dos 200 mil alunos sem aula.
e. Com a decisão judicial, o foco da greve foi deslocado para os
principais interessados: os estudantes.

Conclui-se a reportagem, dando voz ao procurador de Justiça. Este em discurso direto,


afirma:
3. “O que está em discussão é o acesso das crianças à Educação. Não
interessa se a paralisação é justa, se o sindicato é o responsável pela deflagração da
greve ou se os cofres do Município têm fundos suficientes [...] Mas vai sobrar para
quem? Para os alunos. A reposição das aulas não recupera o conteúdo perdido e
quem passou fome durante a greve não vai comer a merenda duas vezes”, critica o
procurador.

Primeiramente, quanto ao título, analisando-o, pragmaticamente, verificamos que


trata-se de um ato de fala comissivo, cujo modo podemos alternar entre o desejo ou
expectativa. O que nos chama a atenção neste ato, dadas às condições contextuais sob as quais
ele se inscreve; é o fato de que quando a aluna enuncia “Eu quero estudar”, em relação às
condições preparatórias, o seu alocutário, imediatamente, é posicionado. E este não é o leitor
do jornal Estado de Minas: é o professor. A posição hierárquica, no momento da greve, é
108

invertida. A aluna está no controle, a força do enunciado é de uma ordem. Isto significa que
indiretamente, a força deste ato é diretiva, a aluna não pede, ela exige; um dizer condenatório
e humilhante para aquele ao qual se dirige. Em uma perspectiva intertextual, o mesmo ato
sugere uma interpretação baseada no conceito de pressuposição: se ela quer (deseja, anseia ou
pede para) estudar, é porque alguém não deixa. Quem não deixa? Segundo Fairclough (2001,
p. 156) a “proposição pressuposta pode ser tomada como algo tomado como tácito pelo
produtor do texto”. Nesse sentido, considerando as contribuições que a Teoria dos Atos de
Fala traz para a ACD, podemos analisar que o Jornal Estado de Minas, com esse título,
pressupõe, acessando a memória discursiva na qual se indexa, no dizer de Fairclough (2001),
em termos das relações intertextuais com textos prévios, uma formação discursiva específica
de que o professor é o único responsável pela condição na qual se encontra a escola no país,
sendo ele que, em greve, impossibilita a educação escolar aos alunos e possibilita que crianças
percam o brilho no olhar (dizer do pai da aluna). O desenvolvimento do texto indica,
explicitamente, a posição conformada ideologicamente a que tal discurso remete-se,
retomando dizeres sobre greve e professores já construídos, fazendo circular imaginários que
desqualificam o professor em situação de greve. Retomemos os enunciados acima. No
enunciado (a), o sujeito do jornal EM enuncia que a greve dos professores se repete a cada
ano, esvaziando o seu sentido político e não fazendo o debate sobre o real sentido das greves;
ou seja, discutir sobre o que faz a educação pública precisar estar a cada ano em greve. Em (d)
e (e), o jornal EM, invoca a voz da lei, o Ministério Público, traz à tona, a autoridade do juiz,
para atestar que há os únicos prejudicados: os estudantes , que são, também, os principais
interessados . Reafirmando sua posição política, o sujeito enuncia, em (c), que a questão da
greve não deve ser tratada no âmbito político-trabalhista, mas como uma questão de justiça
comum; ou seja, para este sujeito a greve não se relaciona ao mundo do trabalho, usa o
advérbio ‘meramente’, “indicador da modalidade de atitude atitudinal”, conforme Koch
(1987, p. 192), que se constitui como desqualificador do enunciado, destituindo a greve de sua
representação legalizada de direito; e, recolocando-a sob as bases de um direito comum, lugar
onde questões que dizem respeito à civilidade, regras sociais de uma boa convivência em
sociedade são tratados.
Finalizando o 3º parágrafo, o sujeito desse discurso convoca e faz ouvir, mais uma
vez, a voz da autoridade numa perseguição à construção da legitimidade da sua fala, quando o
procurador de Justiça, assentado em uma suposta ordem, retoma, fazendo circular
significações resgatadas da memória social de que a paralisação não é justa, de que o
109

sindicato é o responsável pela deflagração da greve, e, ainda, de que a greve é responsável


pela fome da população.
Entendemos que, o funcionamento discursivo dessa exposição jornalística silencia
qualquer ação positiva construtiva que os professores estejam realizando. Trata-se de uma
negociação com a mesma FD, na qual a PBH se inscreve e que podemos considerar oficial
diante do que estes atores nos demonstram.
Podemos avaliar que, apesar das vozes da aluna, do pai e do procurador de Justiça, o
jornal Estado de Minas faz falar uma única voz que domina e nos remete a uma consciência
social sobre greve e trabalhadores, que desqualifica o movimento sindical e a organização
coletiva dos professores, conduzindo a um percurso interpretativo que culpabiliza professores
e a greve, o que antecipa um julgamento e condena aqueles que em uso de um direito
constitucional, atravancam a construção da sociedade.
Finalizando este item, chamamos a atenção para a natureza intertextual desse discurso,
quando o jornal Estado de Minas, enunciador do texto, incorpora outros textos sem que estes
estejam sugeridos. Em relação ao título, quando a aluna diz “eu quero estudar” (sabemos que
a aluna é a enunciadora, já que há uma foto da aluna ao lado do pai, na cabeça do texto), o
nosso percurso interpretativo explicita outros textos que o jornal Estado de Minas resgata na
historicidade, como por exemplo, outros noticiários que tratam de adolescentes que não se
interessam por escolas ou sobre uma aprendizagem que não lhes é atrativa, etc. Este processo
46
é, então, chamado de intertextualidade constitutiva, citado em Fairclough (2001, p. 136)
como uma configuração de convenções discursivas que entram em sua produção. Diante
disso, podemos ver que os textos possuem níveis de heterogeneidade e sua complexidade
advém das suas relações intertextuais e interdiscursivas, onde os textos buscam significados.
No entanto, gostaríamos de convocar o leitor para uma observação bem mais modesta e que
diz respeito a como o professor é representado em outros exemplos.
É preciso compreender um outro aspecto sobre a greve de 2001. Esta foi uma greve
que teve, a princípio, a companhia de outros setores dos serviços municipais, a saúde inicia,
conjuntamente, um processo de paralisações parciais; mas são os médicos, em especial, que
paralisam as atividades por mais tempo. Mais tarde, com paralisações isoladas, a
administração, cultura e transporte, além das regionais de governo e fiscalização. Isso ao
mesmo tempo em que a PBH proíbe a livre circulação de perueiros. No corpus de

46
Fairclough expõe os conceitos heterogeneidade mostrada e constitutiva, citando os termos utilizados por
Authier-Revuz (1982) e Maingueneau (1987); justificando sua preferência pelo termo ordem do discurso.
110

reportagens analisadas, em muitas delas, não se fazia referência unicamente, aos professores;
como todo o serviço público insurgiu em movimentos reivindicatórios (uma estratégia da
organização sindical, no período), às vezes em uma mesma reportagem tratava-se de todos os
servidores em greve. No entanto, podemos perceber que há uma representação para
professores e outras para as outras categorias, Fairclough (2001) usa o termo representação de
discurso em lugar do termo tradicional discurso relatado, porque capta melhor a ideia de que
quando se relata, escolhe-se representá-lo de um modo ou de outro; e:

o que está representado não é apenas a fala, mas também a escrita, e não somente
seus aspectos gramaticais, mas também sua organização discursiva, assim como
vários outros aspectos do evento discursivo, suas circunstâncias, o tom no qual as
coisas foram ditas, etc. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 153).

Então, observemos os recortes de outras reportagens que cobrem o período; como tal
representação é feita, em referência a professores e aos médicos:

4. “O secretário municipal de Coordenação de Administração de Recursos


Humanos, Reinaldo Melgaço, disse que o processo de negociação foi interrompido
pelos professores quando eles decidiram pela paralisação. Portanto, eles é que têm
que restabelecer as negociações. Quanto aos médicos, eles questionam pendências e
vamos fazer uma reunião para acertar tudo. Se houver débito, a Prefeitura vai pagar,
compromete-se.” (EM, 05/08/2001- anexo 23).

5. “Professores - Querem19% de reposição salarial mais 22% de aumento real,


num total de 41% de reajuste.(...) Médicos e dentistas - Reivindicam 27,78% de
reajuste”. (EM, 18/08/2001-anexo28).

6. “Greve causa o drama da fome”; “Médicos sem negociação”. Títulos de


reportagens, 1ª sobre professores, 2ª sobre os médicos. (EM, 17/08/2001-anexo27).

Vejamos o modo que, como no exemplo 4, Melgaço se refere aos professores,


indiciando uma resistência que não é apresentada em relação aos médicos. Fairclough (2001,
p. 153) sugere que devemos atentar para o fato de a representação ir além do ideacional ou
conteúdo da mensagem para incluir aspectos do estilo e do contexto dos enunciados
representados. A nosso ver, avaliamos que a escolha pelo discurso direto não é neutra; basta
observar as 28 (vinte e oito) reportagens extraídas para análise que a preferência do jornal é
pelo recurso indireto de representação. Há um interesse em apresentar a indisposição da PBH
com a greve de professores e demarcar a disponibilidade da mesma para com os médicos.
O exemplo 5 pode reforçar nossa interpretação, vejamos as escolhas lexicais do jornal
para referir-se às aspirações salariais de ambos: em relação aos professores há uma gradação
111

hiperbólica (querem isso, mais isso, num total disso!), quase um desabafo do jornal,
indiciando sentidos que sugerem o absurdo da exigência do professor. Enquanto, médicos e
dentistas reivindicam; escolhe-se um verbo cujo campo semântico aciona o campo do direito
garantido ao trabalhador, legal e justo.
Por fim, os títulos mais que explícitos das duas reportagens reafirmam o
posicionamento do jornal Estado de Minas sobre a responsabilidade do professor, que não é
com o ensino, mas com a garantia da erradicação da fome no país; discurso poderoso que
alfineta a capacidade de organização e de luta do professor, enganando a opinião pública,
construindo equívocos sobre a real intenção de uma greve, fazendo circular sentidos que
apregoam ideologias que destituem o professor do seu lugar socioprofissional.

4.3.2 Modos de operacionalização ideológicos

Uma questão em relação às greves se revela do seguinte modo: embora tenha


realmente acontecido uma manifestação, uma passeata, uma assembleia, etc., não é todo
evento que a mídia considera importante para figurar como notícia. Para que um
acontecimento venha a ser noticiado, é preciso que ele se adéque aos critérios de seleção de
um determinado jornal. E tal seleção e transformação do evento em notícia dar-se-á de
acordo com uma série de valores que aquela mídia apregoa. Dijk (2008, p. 98-103) explica
que, em relação à visibilidade de movimentos sociais na mídia, dado ao seu limitado poder
social e econômico, os grupos e organizações minoritários carecem de formas mais usuais de
acesso à mídia organizada. E, ainda, enfatiza a relação entre as elites da imprensa de um lado
e as elites políticas do outro.
Como vimos na análise anterior, o jornal Estado de Minas tende à mesma orientação
ideológica que observamos no discurso da PBH; o caminho é o mesmo: silencia vozes e
encaminha sentidos de unidade e coesão. Podemos dizer que, da mesma forma, a mídia
pretende, também, um projeto hegemônico de influência e persuasão; indexando-se a uma
ideologia que definimos por oficial, já que é esta que sabemos constituir os modelos sociais
sobre greve e professores. Se o discurso jornalístico pretende-se convincente, isto quer dizer
que a mídia precisa investir para que suas construções da realidade se fundamentem
discursivamente. Romão (2007) indica que o sujeito do discurso midiático constrói um
pretenso relato fotográfico da realidade, ancorado em uma posição de autoridade de poder
112

dizer. Enuncia o papel de ditar certezas totalidades, exatidão, neutralidade, e, assim,


inscrevem-se efeitos de estabilidade para o que se mostra caótico, contraditório e conflituoso
na realidade, cristalizando apenas um modo de dizer. Desse modo, o discurso jornalístico
assenta uma suposta ordem, organização, certificação, sobre ela fazendo circular relatos e
histórias, que muitas vezes, são tão bem inventados, que até parecem verdade. Essa
naturalização de sentidos conta, como já vimos, com um poderoso investimento ideológico e,
logicamente, com uma instância interpretativa, que ao mobilizar modelos cognitivos, seja
capaz de estabelecer conexões: compreendê-los e interpretá-los. Este é o objeto de trabalho
do jornalismo, a aceitação da significação da realidade; e mais, a não percepção de que esta
realidade é construída. É o que Fairclough (2001, p. 120) sugere ao dizer que o trabalho seja
articulado para que as ideologias fiquem imperceptíveis.
Em Thompson (2007), vemos que as regularidades nos relatos da mídia são
construídas pela instância ideológica dos sentidos que se incumbe de fazer parecer que esse é
o único modo de dizer. No entanto, é possível demarcar essa construção; ou melhor, desnudar
o discurso ideológico. Observaremos alguns exemplos de títulos das reportagens para
perceber melhor essa construção. Antes, cabe-nos explicar o porquê de escolhermos os títulos
para a análise. Primeiro, porque conforme Miquelletti (2007) título, sobretítulo e subtítulo
são uma das primeiras estratégias de atração do público leitor e que é a partir deles que os
jornais trabalham na tentativa de persuadir o leitor, cujo olhar está facilitado pela posição que
ocupam na página. Segundo, a escolha diz respeito ao jogo entre o tempo e a captação da
memória na projeção das reportagens, principalmente nos títulos e subtítulos, já que os
modelos de contexto político são ativados através dessa forma de informação:

Uma categoria de contexto importante que controla essa seleção é a ideologia


política do falante e dos receptores [...] as específicas estruturas semânticas
construídas dessa forma podem influenciar os modelos “preferidos” dos receptores
que não possuem fontes alternativas de conhecimento. (Dijk, 2008, p. 227).

Vejamos os exemplos de títulos, aos quais pretendemos compreender os efeitos de


sentido produzidos:
a. Segundo semestre começa sem aulas - EM, 02/08/2001- anexo 22.
b. Prefeitura não vai pagar dias parados- EM, 03/08/2001- anexo 23
c. Professores municipais admitem radicalização- EM, 07/08/2001 - anexo 24
d. Servidores deixam Prefeitura à deriva- EM, 15/08/2001- anexo 26
e. Greve causa o drama da fome- EM, 17/08/2001- anexo 27
f. Ameaça de prejuízo milionário- EM, 29/08/2001- anexo 28
g. Nova batalha para acordo- EM, 11/09/2001- anexo 31
h. Professor ocupa PBH para pressionar Célio- EM, 20/09/2001- anexo32
113

i. Célio arma reação- EM, 21/09/2001- anexo 33


j. Professor resiste à desocupação- EM, 22/09/2001- anexo 34
k. Manifestantes irritados chutam carros oficiais- EM, 23/09/2001- anexo 34
l. Novo tormento para alunos- EM, 02/10/2001- anexo35

A seleção dos títulos foi feita em função daqueles que nos chamaram mais a atenção,
devido à relação semântica que possuem entre si, no sentido de que invocam uma outro-
apresentação negativa da greve e do professor; nota-se que apresentamos os títulos seguindo a
cronologia da greve, que começa em 01/08/2001 e termina em 29/09/2001. Os significados
estão explícitos, isto significa que foram selecionados e por isso aparecem detalhados.
Sabemos que cognitivamente, conforme Dijk (2008), a respeito dos modelos cognitivos, a
interpretação desses títulos varia, em parte, em função das estruturas e das opiniões dos
modelos de eventos que têm uma base pessoal e outra social. No entanto, entendemos que
uma mídia que se diz imparcial e zelosa pelos modelos que faz circular, deveria estar atenta a
uma lexicalização específica que não fira a imagem de nenhum profissional. Percebemos mais
uma vez que há uma regularidade nos relatos do jornal Estado de Minas a respeito dos
professores, e esta regularidade é construída ideologicamente, fazendo circular sentidos que
promovem as ações nocivas aos trabalhadores em educação e aos movimentos sociais em
geral.
Observamos que os títulos enunciados são investidos ideologicamente por um modo
de operação que Thompson (2007, p. 87) define por reificação: que consiste em relações de
dominação que são sustentadas pela retratação de uma situação transitória como se essa fosse
permanente, natural e atemporal. Um exemplo disso é a publicação da reportagem, em
18/08/2001, cujo título é ‘Escassez de professor é crônica’, esta reportagem inicia-se com o
seguinte enunciado: “Além das greves periódicas, a rede municipal de ensino enfrenta [...]”.
Assim, uma greve que é um momento político-histórico, que funciona, justamente,
como uma espécie de dispositivo que corta a sequência temporalizada do mundo do trabalho e
intervém com uma outra lógica temporal, no sentido de desfazer determinado ritmo
sequencializado (BOITO, 1999). Desse modo, a greve é tratada pelo jornal como um
acontecimento quase natural, rotineiro. Essa orientação ideológica envolve a eliminação do
caráter sócio-histórico dos fenômenos; esta é uma estratégia chamada de naturalização
presente nos exemplos a) e l), ao banalizar o sentido da greve e tratá-la como algo recorrente
ou permanente, o que é, também, semelhante a outra estratégia chamada eternalização.
Uma segunda estratégia ideológica nesse processo de banalização da greve é a
nominalização, que consiste em transformar processos e atividades em estados e objetos; e,
114

ações concretas em abstratas. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 227). Através da nominalização


omite-se o agente e abre-se o investimento ideológico por fazê-lo. Por exemplo, em (f) e (g),
transformam uma ação ilegal, que seria a condenação do sindicato ao pagamento de uma
multa, em função da manutenção da greve e uma negociação conseguida aos 50 (cinquenta)
dias de paralisação, em categorias abstratas. Apagam os atores e tendem a representar
acontecimentos como se acontecessem fora da presença de um sujeito.
Um segundo modo, através do qual a ideologia pode operar é a fragmentação, nesse
sentido o Jornal atende muito bem aos interesses da PBH, pois, através de suas reportagens
desconstruindo a credibilidade da greve e da organização sindical, bem como através de
estratégias como o expurgo do outro, isto é, envolve a construção de um inimigo, em que
professores são tratados como malvados (ao disseminarem a fome das crianças), perigosos (ao
chutarem os carros) e ameaçadores (ao ocuparem o prédio público); a greve e os professores
são tratados como um desafio, uma ameaça, em que é preciso se armar para contra-atacar. É
uma guerra, como sugere o exemplo (i). Observemos outros trechos retirados das reportagens
em que estes sentidos, em relação aos professores e à greve são mobilizados:

7. “A disputa entre professores e Prefeitura deixa, diariamente, cerca de 156 mil


alunos sem merenda escolar. [...] O risco de acidentes domésticos aumenta, assim
como a exposição dos menores à violência nas ruas. (...)“Quem depende da merenda
não está comendo, a falta de aulas aumenta a violência doméstica e pode até mesmo
levar à desestruturação familiar, principalmente entre as camadas mais carentes da
população(...)”. (EM, 17/08/2001- anexo 27).

8. “A população já está sendo punida ao ficar sem aulas para suas crianças”.
(EM, 18/08/2001- anexo 28).

9. “Eles saíram em passeata até a porta da Prefeitura, num ato que terminou
após as 19h, provocando um engarrafamento no centro”. (EM, 05/09/2001-anexo 29).

10. “Grevistas radicalizam e invadem o saguão para exigir [...]”. (EM,


20/09/2001- anexo 37).

11. “[...] aumentando o clima de tensão entre o comando de greve e o poder


público. (EM, 21/09/2001- anexo 33).

Estas estratégias estabelecem o quadrado ideológico usual da polarização de um grupo


discursivo, no sentido de desenfatizar as coisas boas e enfatizar as más que tal grupo faz,
encontradas em todo discurso ideológico. (DIJK, 2008, p. 253). Podemos dizer que os textos
jornalísticos produzidos pelo jornal Estado de Minas sobre a greve de professores são
115

fundamentalmente ideológicos. Isto é, fazem isso, como vimos em todos os exemplos, ao


banalizar a greve, descaracterizando-a do seu valor político-histórico e ao construir a imagem
do professor que o desqualifica e o destitui de sua categoria socioprofissional,
responsabilizando-o por questões que não dizem respeito à sua profissionalidade.

4.3.3 Considerações parciais

Podemos dizer que o jornal Estado de Minas indicia, através de suas práticas
discursivas, ideologias que coadunam com o poder político da PBH em relação à greve de
2001. De outro modo, podemos dizer que o jornal Estado de Minas se filia aos dizeres que
conservam e reproduzem o poder da PBH em relação à organização dos seus professores, à
medida que faz circular imaginários que depõem contra movimentos sociais. Ainda, em
relação aos professores, percebemos que este jornal mantém um total silenciamento a respeito
das condições de trabalho dos professores no atual sistema de educação pública. Enfim, com
base na análise, podemos afirmar que o discurso jornalístico filia-se à formação discursiva
dominante, na qual se diz sobre trabalho, mas não é permitido enunciar sobre desigualdades e
direitos.
Embora concordemos com Charaudeau (2006c), quando este autor afirma que a
própria instância midiática é manipulada por uma pressão interna e outra externa. A primeira
por fatores que dizem respeito à instituição e a segunda por elementos que restringem e
limitam sua ação: “a atualidade, o poder político e a concorrência.” (CHARAUDEAU,
2006c, p. 257). Entendemos que o jornal Estado de Minas, possui um modelo de prática
social que serve apenas aos interesses de um grupo determinado; ou seja, em situação de
greve em que dois grupos se polarizam, vemos, claramente, o interesse do jornal em isentar
uma instância: a do governo. Nesse sentido, podemos considerar seu discurso manipulador,
primeiro, porque viola o direito do cidadão leitor de obter uma informação isenta (pela qual
ele paga) aliando-se aos interesses da prefeitura, contra os interesses do grupo dominado,
contribuindo assim para a (ilegítima) desigualdade social. (DIJK, 2008). Segundo, baseando-
nos em Dijk (2008), porque o jornal se utiliza da posição dominante (pelo fato de ser o maior
jornal do estado), não tendo outra instância midiática que o desestabilize ou aponte
irregularidades no seu modelo de informação. E, por último, porque apostando na falta de
conhecimento dos leitores; faz circular imaginários que depõem contra a imagem do professor
116

e da educação pública, como vimos, utilizando-se do seu texto de reportagem como forma de
automatizar a compreensão dos discursos, manipulando compreensões, influenciando o leitor
a compreender o seu discurso como o jornal o vê, através de estratégias de culpabilização do
professor e da greve, associando-os a imagens negativas, sobre sua profissão e sua
organização política.
117

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O quadro histórico da greve já garante, antecipadamente, uma parte da significação, no


dizer de Charaudeau (2006a), trata-se de um contrato organizado e regulado, definindo os
enunciados que poderiam ser produzidos e o tipo de interpretação a ser feita; vemos, em
relação à PBH e ao sindicato, o uso de gêneros textuais que caracterizavam-se,
semelhantemente, por uma apresentação de projetos ideais de sociedade, visando a influência
e a captação da opinião pública, através de estratégias argumentativas que giram em torno da
auto-apresentação positiva em detrimento de uma outro-apresentação negativa. No entanto,
foram as escolhas discursivas feitas pelos atores e a indexação destes a uma determinada
ideologia que, ao longo da greve, nos permitiram algumas conclusões sobre as
intencionalidades ocupadas.
Em primeiro lugar, definimos o pensamento neoliberal, a partir das categorias
analíticas propostas por Thompson (2007), como um projeto ideológico e hegemônico,
operacionalizado durante a greve, através dos discursos da PBH e da mídia escrita,
naturalizando-se e progredindo em muito dos seus aspectos, conseguindo difundir-se entre a
população, o que garantiu a sustentação dos seus efeitos. Este pensamento caracteriza-se
como uma espécie de sobredestinatário, nos termos bakhtinianos, como possuindo uma
identidade concreta variável (BAKHTIN, 1997 p. 356), uma espécie de julgamento da
consciência humana( dizendo à sociedade o que dentro de sua lógica é certo ou errado); e que
perpassa a memória dos três atores sociais, que a partir daí se relacionam.
A PBH, ocupando o lugar da governança, manisfesta-se discursivamente, através de
notas oficiais, já ocupando a sua posição de autoridade. Em todas as notas, se auto-promove e
busca legitimar-se ao justificar suas decisões e ações, compartilhando com a opinião pública
(seu principal foco) o ideário neoliberal ( que garante à PBH a sua força argumentativa); nesse
sentido a PBH, como a mídia escrita, interpela o sujeito leitor conduzindo a sua interpretação.
Para este fim, estratégias variadas são usadas, entre elas a centralização de polemicidade de
seus discursos, apagando as vozes que poderiam destoar do sentido almejado; a eleição do
adversário como a fonte do mal; a tendência discursiva à democratização, à colonização e etc.
Utiliza-se de recursos manipulativos, aproveitando-se da falta de conhecimento relevante dos
receptores, sustentando uma relação de abuso e dominação. Fairclough (2008, p. 264) chama
esse uso de “tecnologização do discurso”, que se configura em um conjunto de técnicas que
118

são usadas estrategicamente para ter efeitos particulares sobre o público. Percebemos, através
da análise, que há um investimento da PBH em tratar especificamente seus discursos nesta
situação enunciativa, numa tentativa de controle sobre os modelos pessoais e sociais da vida
em sociedade.
A mídia, que também centra-se na opinião pública, aqui representada pelo jornal
Estado de Minas, alia-se à PBH, ao não dar visibilidade ao movimento dos educadores, a
começar pelo caderno do jornal onde publica as reportagens (caderno Cidades, no lugar do
caderno Política). Filia-se a dizeres que reproduzem o poder da PBH em relação à
organização política dos professores, culpabilizando-os pela greve e disponibilizando
imaginários de que greve é a responsável pela precarização da escola pública, apontando a
greve como um privilégio do trabalhador e associando-se a ideia de que direitos sociais são
um direito burguês, em um projeto claro que defende o antiestatismo neoliberal; já que um
dos arranjos desse é o de desobrigar o Estado das suas funções, a fim de favorecer a livre
economia e as privatizações.
O sindicato, ao se instaurar como instância adversária, propõe seu projeto ideológico
de sociedade ideal, focalizando-se, principalmente, em direção ao discurso da PBH, com o
objetivo de desautorizar e deslegitimá-la do lugar que ocupa, utilizando-se das estratégias de
polarização ideológica, uma construção argumentativa, como já dito, semelhante à utilizada
pela instância da governança. No entanto, este discurso indexa-se a uma FD que representa
uma fidelidade irrestrita a um projeto de esquerda antineoliberal, anti-imperialista, em que
não se aceita o sistema político centrado no capital e suas organizações econômicas,
(CÂMARA NETO; VERNENGO, 2005); projeto que faz um movimento contrário às
aspirações de uma sociedade que tende ao consumo, à economia aberta e ao individualismo,
em detrimento da coletividade e solidariedade.
Observamos que as estratégias discursivas, nesse cenário, são usadas com objetivos de
dominação e manutenção de lugares sócio-políticos ocupados. No jogo político as estratégias
de polarização ideológica ‘Nós vs. Eles’ e o projeto racionalizante no qual se indexam, são
recursos utilizados em todos os discursos analisados e que garantem sua força argumentativa.
Isto significa que o discurso político se constitui pela busca de legitimação, através da
construção de imagens de lealdade e ideais de verdade. Quem confere esta legitimidade é a
instância cidadã. Por isso, este passa a ser o grande alvo intencionado pelos atores sociais: são
visadas de sedução e captação dessa opinião. A mídia, travestindo-se de seu papel de
neutralidade e de veículo de informação, rende-se aos apelos neoliberais, fazendo circular
determinados imaginários sobre os professores e a greve. E, em acordo com a PBH, juntas
119

obtêm o recursos necessários para captarem para o seu lado esta opinião. Instância que o
sindicato pouco focaliza e atinge, em função das faltas de recurso material e de coexistência
entre projetos racionais-ideacionais (o projeto sindical é antagônico às aspirações sociais).
Chegamos, pois, ao final deste trabalho, apontando algumas questões; os movimentos
reivindicatórios de trabalhadores bem como as instâncias que o representam, têm, a partir
desta análise, uma questão a ser pensada, dados os desafios da modernidade: a instância
cidadã deve ser o foco; ou seja, o destinatário do seu discurso; pois a opinião pública pode
favorecer as ações coletivas, tornando categorias de trabalhadores mais propensas a promover
e/ou aderirem às greves. Nesse sentido, é preciso que os movimentos reivindicativos atentem
e observem o comportamento e os imaginários que circulam no interior de grupos sociais.
Pois, percebemos que, apesar das atividades propostas de visibilidade do movimento de
greve: passeatas, ocupações, vigília, panfletagem, atos públicos e etc., a PBH apresenta uma
articulação discursiva mais fechada, aliada à mídia escrita, provocando um desvio de
interpretações favoráveis à organização coletiva. Um cuidado que o discurso da governança
possui com a centralidade de vozes e um maior investimento na condensação de seus
discursos.
Enfim, o que fizemos em nossa análise foi uma desnaturalização das práticas
discursivas de greve, em que mostramos a indexação da PBH e do jornal Estado de Minas a
formações discursivas neoliberais. Evidenciamos como o discurso sindical, também, negocia
com esta FD dominante, e que ao deixar marcas em seu discurso abre brechas interpretativas,
o que pode caracterizar uma falta de coesão discursiva e uma possibilidade de não apreensão e
captação do outro à sua leitura. Assim, esta pesquisa, aponta para um modo da prática social
revelada no discurso. Isso posto, implica a relação entre a estrutura social e o discurso, uma
como causa ou efeito da outra. Podendo constatar que, nesse sentido, como entende
Fairclough (2001), o interdiscurso precede ao discurso e dialeticamente, ao desenrolar da
trama, como a própria história. Assim, encerramos esta análise, cujo objetivo proposto pela
ACD, que é o de revelar práticas de dominação e apontar alternativas para práticas
emancipatórias, parece-nos alcançado. Encerramos com um pensamento de VanDijk que
traduz toda a trajetória conferida a essa pesquisa:

Pensamos que a análise do discurso deve ter uma dimensão social. Assim , na
escolha de suas orientações , de seus assuntos, de seus problemas e de suas
publicações, a análise do discurso deve participar ativamente, de forma acadêmica,
que é a sua, dos debates sociais e fazer pesquisas úteis àqueles que mais precisam.
(DIJK, 1996, p. 27, apud CHARAUDEAU, 2006, p. 269).
120

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