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GREVE DE PROFESSORES:
uma análise de práticas discursivas de poder,
manipulação e resistência
Belo Horizonte
2010
Rosilene Maria Nascimento
GREVE DE PROFESSORES:
uma análise de práticas discursivas de poder,
manipulação e resistência
Belo Horizonte
2010
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
CDU: 800.855
Rosilene Maria Nascimento
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Hugo Mari – PUC Minas
_______________________________________________________________
Prof. Dr. Cláudio Humberto Lessa – PBH
“Lembrá-lo não significa contar e recontar sua história (...). Significa fazê-lo participar da obra
contínua que se constrói em mim”
(Henri J.M.Nouwen)
AGRADECIMENTOS
A minha mãe; que com toda doçura acolheu-me tantas vezes nesta árdua
empreitada.
Ao meu irmão, Rogério Luiz Nascimento; por não me deixar desistir das
corridas de rua; e, por ser o maior amigo do mundo!
Ao Sandoval Antônio dos Reis, meu companheiro, pela confiança, incentivo e
pelo respeito dedicado a mim e, sobretudo, a este trabalho.
Ao SindRede, que disponibilizou o material necessário a esta pesquisa,
sempre com total atenção e cuidado à mim dispensados.
Ao meu orientador, Professor Dr. Paulo Henrique Mendes Aguiar, meus
sinceros agradecimentos, por aceitar orientar este projeto de pesquisa, solidarizar-se
com a questão proposta, além de uma postura fraterna e tão respeitosa, em relação
a esta escrita.
Aos professores (as) do Curso de Mestrado em Letras; em especial, ao
Professor Dr. Hugo Mari, pela disponibilidade e abertura em acolher as nossas
questões.
Ao Professor Dr. Cláudio Humberto Lessa, que conjuga tão bem competência
e solidariedade e que aceitou, gentilmente, compor esta banca.
Às minhas irmãs Renata Nascimento Marques e Liliane Braga Nascimento
pelo amor, compreensão, amizade e confiança a mim dedicados.
Aos grandes amigos (as) de uma vida inteira; Adriana Resende, Adriane,
Daniela Scarpa e Luiz Adriano que acompanharam, pacientemente, todo esse
processo; e, certamente, me ajudaram a sustentar o meu propósito. Em especial,
aqueles que contribuíram com questões extremamente pertinentes a esta pesquisa:
Charles Moreira Cunha,Joaquim Ramos e Nilmara Braga.
A todos (as) colegas do Curso de Mestrado em Letras. Um agradecimento
especial à amiga Lígia Ribeiro, pela parceria de escrita e pela amizade construída.
RESUMO
Esta dissertação apresenta uma análise dos discursos entrevistos nas práticas discursivas entre o Sindicato
Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG) e Prefeitura Municipal de
Belo Horizonte (PBH), midiatizados pela imprensa escrita -, o jornal Estado de Minas (EM).
Foram analisados índices discursivos que pressupõem relações de confronto ideológico, poder
hegemônico, dominância e resistência. Estes índices permitiram-nos observar que o projeto
ideológico neoliberal é operacionalizado através dos discursos da PBH e do EM, que constituem
uma base hegemônica, naturalizando tal ideologia e fazendo-a progredir em muito dos seus
aspectos. Em relação ao jogo político e à orientação argumentativa, percebemos que os discursos dos
atores sociais assumem diferentes configurações semânticas que são limitadas pelo momento
histórico da enunciação; pelo lugar político-institucional que ocupam; pela posição identitária
(constituída por seus modelos pessoais e sociais) e pelo discurso do outro que atravessa o seu dizer - lugar
onde se instaura a polêmica; onde 'outros' sentidos são construídos. Tal procedimento se baseou na
abordagem dialógica bakhtiniana, por ocasião da apreensão da heterogeneidade discursiva; e do
referencial teórico-metodológico proposto pela Análise Crítica do Discurso (ACD), desenvolvida por
Fairclough (2001), que compreende o caso discursivo em três dimensões interligadas, mas
analiticamente separáveis: o texto; o discurso (que envolve práticas de produção e interpretação) e a
prática social. Além destes, utilizamos Dijk (2008) ao analisar práticas de dominação e
manipulação; e Thompson (2007) ao oferecer categorias analíticas de operacionalização ideológica.
Trata-se, pois, de uma pesquisa que pretende, através da análise, como propõe a ACD, desvelar
relações políticas de dominância e construções ideológicas, que se tornam, intencionalmente, opacas
nos discursos produzidos em situação de greve, fazendo circular imaginários que atendem a interesses
específicos.
Palavras-Chave: Análise Crítica do Discurso, discurso político, greve, mídia, ideologia, dominação
RÉSUMÉ
Ce mémoire présente une analyse des discours dans les pratiques discursives entrevu entre le
Syndicat Unique des Travailleurs de L'éducation de Minas Gerais (SindUTE-MG) et la Mairie
de Belo Horizonte (PBH), médiatisés par la presse écrite - le journal Estado de Minas (EM).
Les indices discursifs ont été analysés et ils supposent relations de la confrontation
idéologique, de la puissance hégémonique, de la domination et de la résistance. Ces indices
nous ont permis d’observer que le projet néolibéral idéologique est mis en œuvre par les
discours de PBH et EM, qui constituent une base hégémonique et qui font la naturalisation de
telle idéologie et son progrès dans de nombreux aspects. En ce qui concerne le jeu politique et
l'orientation argumentative, nous avons remarqué que le discours des acteurs sociaux
assument différentes configurations sémantiques qui sont limitées par le moment historique
de l'énonciation; par la place politique et institutionnelle qu'ils occupent; par la position de
l'identité (composée de leurs modèles personnelle et sociale) et par le discours d’autre qui
traverse votre mot à dire - où la controverse est établi et où «d'autres» significations sont
construites. Cette procédure a été basée sur une approche dialogique bakhtinienne, lors de la
saisie de l'hétérogénéité discursive, et le cadre théorique et méthodologique proposée par
Analyse Critique du Discours (ACD), développé par Fairclough (2001), qui comprend le cas
discursif dans les trois dimensions interdépendantes, mais analytiquement séparables: le texte,
le discours (ce qui implique des pratiques de production et d'interprétation) et la pratique
sociale. En plus ceux-ci, nous utilisons Dijk (2008) pour examiner les pratiques de domination
et de manipulation, et Thompson (2007) pour fournir des catégories analytiques du
fonctionnement idéologique. Il s’agit, par conséquent, d’une recherche qui vise, par l'analyse,
tel que proposé par l'ADC, révéler de relations politiques de domination et de constructions
idéologiques, qui deviennent, volontairement, opaques dans le discours produit en situation de
grève, en faisant circuler imaginaires qui répondent intérêts spécifiques.
abr. abril
ago. agosto
coord. coordenador
dez. dezembro
ed. edição
f. folhas
fev. fevereiro
jan. janeiro
jul. julho
jun. junho
mar. março
n. número
nov. novembro
org. organizador
out. outubro
p. página
set. setembro
v. volume
vs. versus
LISTA DE SIGLAS
FD - Formação Discursiva
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 11
1.1 Justificativa da pesquisa ............................................................................................................... 13
1.2 Objetivos ........................................................................................................................................ 15
1.2.1 Objetivo geral............................................................................................................................... 15
1.2.2 Objetivos específicos.................................................................................................................... 15
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA........................................................................................ 16
2.1 Corpus e o objeto de estudo .......................................................................................................... 16
2.2 Panorama geral ............................................................................................................................. 18
2.2.1 A crise sindical e o projeto neoliberal......................................................................................... 18
4 A ANÁLISE ...................................................................................................................................... 59
4.1. Procedimentos metodológicos ..................................................................................................... 59
4.2 O discurso político: um tipo discursivo ....................................................................................... 61
4.2.1 Análise da prática discursiva: relação PBH x sindicato............................................................ 64
4.2.2 Modos de operacionalização ideológicos.................................................................................... 76
4.2.3 Práticas sociodiscursivas de manipulação e poder entre PBH x sindicato............................... 91
4.3 Discurso midiático sobre a especificidade da greve ................................................................. 103
4.3.1 Análise da prática discursiva no discurso do jornal EM ......................................................... 104
4.3.2 Modos de operacionalização ideológicos.................................................................................. 111
4.3.3 Considerações parciais.............................................................................................................. 115
1 INTRODUÇÃO
Esta dissertação apresenta como objeto de estudo o discurso entrevisto nas práticas
discursivas entre o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
(SindUTE-MG) e a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) intermediados pela mídia
escrita, representada pelo jornal Estado de Minas. Trata-se de discursos que materializam
relações explícitas de um confronto ideológico e busca pelo poder, em que se inter-
relacionam, interdiscursivamente, PBH vs. SindUTE-MG, construindo e negociando sentidos,
que visam à captação e a aceitação da opinião pública. A mídia escrita, por sua vez,
mediando esse conflito congrega um conjunto de valores que podem desempenhar um papel
essencial ao dar ou não, sustentação ao aparato ideológico que permite o exercício e a
manutenção do poder, através do processo escolhido de representação dos acontecimentos em
análise.
Contextualizando o panorama histórico brasileiro no ano de 2001, cenário destas
práticas, pode-se indicar um período em que movimentos grevistas vivenciavam uma grande
crise, fruto de uma política econômica neoliberal, datada do início da década de 1990, que
inviabilizara a organização de trabalhadores. Os sindicatos, então, passam a ser vistos como
uma instituição enfraquecida e com baixa capacidade de resposta frente aos conflitos do
mundo do trabalho. Por outro lado, em Belo Horizonte, na tentativa de superar esta
incapacidade de ação e incitar uma reação dos outros movimentos sindicais, o SindUTE-MG
trava uma das maiores greves dos últimos 20 anos na educação brasileira. No entanto,
constata-se, através de registros e dados oficiais, que a partir desta greve o sindicato dos
professores não mais ousou nova empreitada, e, assim, seguiram-se reduções das taxas de
filiações, baixas de mobilizações e redução da militância sindical1.
Reconhecendo que as práticas sociais de deteriorização de movimentos democráticos
constitui-se não apenas na desqualificação do trabalho, como também na desqualificação do
próprio trabalhador, inibindo, em muito, a sua liberdade social e sua subjetividade, é que
fizemos a opção por este objeto; já que, para a Análise Crítica do Discurso (ACD), referencial
1
Não se trata de uma análise apocalíptica do sindicalismo, dados precisos são encontrados nos sites do
SindUTE/MG e do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatistica e Estudos Socioeconômicos), atestando o
desgaste sofrido pelo movimento sindical de professores nos últimos anos e sua incapacidade coletiva de
organização.
12
foi a última grande greve dos professores, seguida por longos anos de apatia geral dos
trabalhadores em educação do município de Belo Horizonte. Diz-se no movimento sindical,
usando seu jargão próprio, que esta greve ‘quebrou a espinha dorsal do trabalhador’. Assim,
esta greve específica torna-se o interesse desta pesquisa, na medida em que se pretende
compreender, através de uma análise descritivo-interpretativa, como práticas sociais
interferem na estrutura discursiva e a possibilidade que práticas discursivas possuem de
alterarem um quadro social.
Podemos afirmar que a greve é uma luta entre classes, por interesses que não são
correspondentes entre si; uma busca por poder social, que se constituindo por alianças,
agrupam-se em grupos hegemônicos de forma a captar a adesão da opinião pública; este é um
exercício geralmente indireto em que se age por meio da mente das pessoas, controlando as
necessárias informações ou opiniões de que precisam. (DIJK, 2008). A Prefeitura Municipal
de Belo Horizonte (PBH) e a mídia escrita compõem este quadro hegemônico da
circunstância em análise e assim discursivizam, de certo modo, a greve dos professores. São
discursos que investem fortemente em maneiras de culpabilizar e silenciar a voz do outro. O
sindicato, por sua vez, utiliza-se das estratégias de desconstrução do adversário, para atingir
seus objetivos. Todos articulam seus discursos na tentativa de controlar opiniões, apostando
na falta de conhecimento dos receptores do seu discurso.
Ao compreender o imaginário constituinte e condicionante da discursividade de uma
greve e sendo esta capaz de alterar significados sociais; esta pesquisa adquire a possibilidade
de contribuir para o entendimento mais amplo da discursividade que compõe os movimentos
político-reivindicatórios, ou seja, entender o como vem sendo dito, o porquê , para quem e
quem constrói estes ditos, possibilitando a criação de perspectivas para a organização futura
de movimentos sociais. O conhecimento de como imaginários de greve de professores e dos
professores, especificamente, vem se constituindo; auxilia, propriamente, a capacidade de
articulação dos projetos políticos de reivindicação e luta sindical, indicando alternativas de
posicionamentos discursivos para a construção de contradiscursos.
No geral, esta pesquisa se justifica pela possibilidade de indicar maneiras de
resistência à manipulação discursiva, na medida em que busca reconhecer como os grupos
hegemônicos se utilizam de práticas sócio-discursivas para tais fins. E se configura também,
como “uma condição para análise dos desafios e das mudanças sociais e históricas.” (DIJK,
15
2008, p. 43). Isto quer dizer que ao desautomatizar2 os discursos, detectamos e resistimos às
tentativas de manipulação: conhecemos os verdadeiros interesses, já que é intenção dos
grupos dominantes é a de assegurar que conhecimentos potencialmente críticos não sejam
adquiridos, ou que somente seja permitida a distribuição de conhecimentos parciais, que
atendam aos seus objetivos. (DIJK, 2008). Portanto, justifica-se a análise destes, a fim de
podermos, de algum modo, intervir nesses sentidos, que vêm sendo constituídos e reafirmados
ao longo dos anos, sobre greve e sobre os professores públicos de maneira geral.
1.2 Objetivos
2
Termo utilizado por Steinberger (2005, p. 67) em que sugere que: “numa análise dos discursos geopolíticos na
mídia, o alvo principal é a desautomatização das leituras que fazemos dos acontecimentos e a própria
compreensão sobre as práticas sociais, onde e como tais leituras são produzidas em sociedade [...]”.
16
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
possui os recursos sociais: poder de negociar, o maior acesso à mídia e o de aplicar sanções e
retaliações aos grevistas (o corte de ponto, o corte de salários e as mais diversas punições). O
sindicato representa os professores, a força de trabalho, a parte dominada da relação que opta
pela greve quando as decisões da classe dominante fundam-se na exploração da sua força e
em práticas ilegítimas ou desiguais. É este o cenário onde o poder se instala, cuja análise
pretende desvelar. E, assim orientando-nos pela concepção teórica da Análise Crítica do
Discurso, buscamos compreender em que medida práticas discursivas reproduzem e mantêm
o exercício do poder. (WODAK, 1997a).
A conquista da instância cidadã3 significa para ambos, PBH e sindicato, a
consagração da instituição por eles representada. Esta composta pelos cidadãos que
participam, criticam e votam é um alvo de dominação; são estes que irão conferir à PBH ou
ao sindicato a legitimidade que tanto necessitam, filiando-se a um ou a outro discurso. A
mídia, aparentemente, também se encontra fora do poder dominante; e, igualmente, interessa-
se, sobremaneira, pela instância cidadã. Os atores da instância midiática têm, como denomina
Charaudeau (2006, p. 62), “o papel de informar, mas também buscam credibilidade, que lhe é
conferida pelos cidadãos”. Mais uma vez, é a instância cidadã que está em jogo. É ela o
centro dos interesses dos atores, nesta pesquisa analisados. E é por ela que eles farão todos os
esforços para captar e seduzir o seu assentimento e até mesmo manipular sua opinião (e
muitas podem ser as práticas discursivas para este fim).
Finalizando, podemos dizer que são objetivos desta pesquisa conhecer como,
discursivamente, a PBH estrutura-se para se manter em relação de poder, diante dos
professores e do sindicato que os representa; e, principalmente, como esta se articula para
manter a instância cidadã sob seu círculo de dominação. Em relação ao sindicato, intentamos
compreender a construção do seu discurso ideológico e suas estratégias persuasivas ante a sua
coletividade e à população que assiste ao movimento. E, mais precisamente, como organiza
seu contradiscurso de interposição, enfretamento e resistência em relação à PBH. E quanto à
Mídia e seu poder de fazer circular conhecimentos e opiniões, nosso papel de análise é o de
desvelar o formato que este jornal persegue na construção das imagens do professor de escola
pública, do seu sindicato e da greve de professores, com um movimento social específico.
Interessa-nos, propriamente, a análise desse jornal, dada a sua responsabilidade na construção
diária de modelos e estereótipos de quase cem mil pessoas na cidade de Belo Horizonte.
3
Termo utilizado por Charaudeau (2006, p. 59), que conforme o autor define-se diante da instancia política
“como o lugar em que a opinião se constrói fora do governo”: é o discurso da instância cidadã que interpela o
poder do governo.
18
na economia brasileira, etc. (CARDOSO, p. 2003). Nascida via imposto sindical, a CUT
torna-se a central que mais se beneficia do ambiente favorável à organização da classe
trabalhadora na década de 1980, encarnando um tipo específico de sindicalismo adversário
tanto do governo como do capital, consolida-se como amiga do trabalhador e inimiga dos
governos (BOITO, 1999). O ambiente daquela década apresenta baixos salários, altas taxas de
rotatividade e extensão da jornada que provocaram o fortalecimento dos sindicatos pelas
demandas de justiça e dignidade no trabalho, taxas crescentes de inflação forçaram greves
para indexação de salários; são estratégias do tudo ou nada que consolidam o poder sindical e
sua aceitação na sociedade, conforme Cardoso (2003), na constituição de 1988, os brasileiros,
em sua maioria, manifestaram-se favoráveis ao direito de greve, inclusive de bancos, dos
transportes, dos hospitais e educação. Apontando os sindicatos como as instituições mais
confiáveis do país.
Já a década de 1990 é considerada um período pouco favorável às greves e demais
movimentos sociais reivindicatórios. Na época da greve analisada, o então prefeito, Célio de
Castro, do antigo Partido Socialista Brasileiro (PSB), filia-se, neste mesmo ano, ao Partido
dos Trabalhadores (PT), o maior partido de esquerda do país na época. Apesar de ser um
governo considerado de esquerda, constatamos uma das maiores e mais difíceis greves
enfrentadas pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais
(SindUTE-MG) em toda a sua história, contrariando todas as expectativas. Pressupomos que
nesta greve ambas as esquerdas, tanto a protagonizada pelo patrão quanto a sindical,
enfrentaram um grande marco político e econômico, que foi a implementação do projeto
neoliberal que atravancou toda a organização de trabalhadores daquele período. Esta
argumentação encontra conformidade em analistas sociais4 que admitem que o ciclo
excepcional das greves ocorridas neste período no Brasil vincula-se “às características da
transição democrática brasileira, à superação do modelo desenvolvimentista e a um ambiente
macroeconômico excepcionalmente instável.” (NORONHA, 2009, p. 120).
Nesta mesma década, a CGT, sob a liderança de Luís Antônio Medeiros, invoca o que
passa a ser chamado de sindicalismo de resultados, contando com o apoio do governo Collor e
financiamento de empresários vários (BOITO, 1999). Nesse momento, podemos começar a
verificar a instauração de um novo movimento na esquerda sindical que gira em torno de uma
provável conciliação com o neoliberalismo.
4
Podemos encontrar essa análise em Antunes (2005), Boito (1996), Ferraz (2006), Noronha (2009).
20
corrente da esquerda que ocupa a gestão da PBH, rompem com a mesma, dando início a uma
crise que estoura alguns anos depois com a criação de um novo sindicato que representa os
professores municipais: o atual SindREDE5 .
Noronha (2009) ao analisar ciclos de greve no Brasil, atenta para o fato de corrermos o
risco de tratar das variáveis políticas, que giram em torno de uma greve, de forma
excessivamente genérica, destacando as greves, unicamente, como expressão de conflitos de
classe, no caso sindicato vs. Prefeitura de BH ou como uma expressão de conflitos político-
partidários (PSTU, PT, PCdoB, PSB-sindicato vs. PT-gestor). Embora essas explicações
possam ter validade, consideramos que é preciso analisar no quadro político-econômico e,
sobretudo, nas práticas discursivas da greve em análise, o comportamento discursivo dos
atores sociais que nos ofereçam um referencial em que possamos apreender quais outros
elementos influenciavam e ditavam as leis daquele movimento específico da greve.
Esclarecendo: a implementação de um projeto neoliberal, em nível federal, trouxe para aquele
momento, um sobredestinatário6, uma memória que exigia um diálogo, um enfrentamento,
uma voz onipresente que dialoga com os atores sociais desta pesquisa.
Podemos conceber que o projeto neoliberal alterou toda a agenda sindical, como já
apresentado acima, em um diálogo com autores que refletem sobre os ciclos de greve no
Brasil, e que esta política neoliberal alterou, sobretudo, a opinião pública, sendo este um fato
que pretendemos reconhecer e revelar. Se antes a população tinha apreço pelos movimentos
sindicais, aceitação e total confiança em suas lideranças; podemos dizer que tais "marcos"
mudaram, também, a tendência dessa opinião? Esclarecemos que não fizemos pesquisa de
opinião, verificamos essa tendência, através da análise das reportagens do jornal Estado de
Minas (capítulo 4) que, de certa forma, com o objetivo de ser aceito (pelos leitores),
apresenta-se de maneira a atender a opinião popular. Se os sindicatos advogam pela não
aceitação do desemprego, pela garantia de condições de trabalho, além da constante luta pelas
questões salariais. O que faz com que a população, não mais confie em movimentos sindicais
e tendencie ao formato político-ideológico que, justamente, exclui estas possibilidades? O que
faz a população optar por uma política que não lhe atende? Sabemos que o neoliberalismo é
contraditório com as necessidades do trabalhador. Então, como, mesmo contrariando
interesses sociais dos trabalhadores, consegue esta ideologia, difundir-se no meio operário e
5
Ver reportagem do jornal EM, em anexo, intitulada “Greve desencadeia crise interna no PT- 23 set. 2001” e
“Guerra de estratégias- 21 set.2001”. Sobre o histórico, ver site oficial do Sindrede (www.redebh.com.br).
6
Como explica Charaudeau, sobredestinatário seria um “conceito introduzido por Bakhtin para designar uma
terceira pessoa virtualmente presente na interação verbal”. (CHARAUDEAU, 2006b, p. 454).
23
popular? (BOITO, 1996). Postas estas questões podemos dimensionar a força com que as
ideias neoliberais foram sendo difundidas, cabendo, pois, a esta análise desvendá-las.
Em relação às posições identitárias, que são constituídas em função das relações
sociais e políticas que organizam a vida em sociedade; podemos dizer, a princípio, que nesta
greve lidamos com relações complexas e paradoxais. Relações que se estabelecem pelo fato
de termos um enfrentamento entre duas classes sociais distintas (patrão vs. empregado) que
posiciona o PT, uma esquerda, que representa o empregador por um lado; e, por outro, temos
um sindicato que representa a classe trabalhadora, sendo esta uma outra esquerda (constituída
entre outros grupos, por partidos de esquerdistas: o próprio PT, PSTU, PCdoB, PSB). E,
ainda, como pano de fundo, assistimos à implantação do projeto neoliberal de política
econômica, que irá reposicionar essas duas esquerdas.
A análise desta greve nos convida a pensar sobre o que define ser ou não de esquerda,
considerando a instância enunciativa específica de uma greve; o que implica refletir sobre a
construção identitária dos sujeitos sociais implicados neste dispositivo. Tarefa que
pretendemos desvelar através da análise do corpus e dos procedimentos teóricos e
metodológicos que envolvem este trabalho, como apresentaremos a seguir.
24
Somente uma teoria cognitiva é capaz de mostrar essa interface entre o social e o
pessoal, a saber: através das relações entre modelos mentais episódicos e outras
representações pessoais, por um lado, e as representações políticas socialmente
compartilhadas de grupos, por outro lado [...]. (DIJK, 2008, p. 231).
7
Termo abreviado como sugerido pelos trabalhos de Emília Pedro (1997).
25
ver, a capacidade de mapear a relação entre os recursos linguísticos usados pelos atores
sociais e os aspectos da prática social nos quais a interação discursiva se insere. Melhor
dizendo, a teoria da ACD procura estabelecer uma ligação entre a formação cognitiva e a
relação entre o social e o pessoal através de um estudo sobre os modelos mentais e
representações sociais. Procuramos analisar criticamente os boletins, cartas abertas, notas
oficiais e reportagens de greve, conforme o dispositivo da ACD que nos permite a
compreensão de como tais discursos se comportam e quais ideias veiculam; como
representam conflitos, que interesses são apresentados, quais práticas de persuasão e/ou
manipulação são usadas, etc., compondo uma circunstância enunciativa que nos obriga
aproximar prática textual, práticas discursivas e, sobretudo, a prática social.
A fim de situar a escolha da proposta teórico-metodológica, este capítulo se subdivide
em itens que destacam a contribuição bakhtiniana a este trabalho, um perfil histórico da ACD
apresentando o dispositivo analítico tridimensional desenvolvido por Fairclough (2001),
aliado aos conceitos caros à ACD, tais como cognição discursiva, ideologia, hegemonia,
abuso de poder e dominância, tratados em Dijk (2008). É a partir destes indicadores e dos,
também, propostos por Thompson (2007) que possui um diálogo produtivo com a ACD, que
serão analisadas, em capítulo particular, os discursos de greve. Dados os objetivos desta
pesquisa, nela não será possível utilizar, todas as categorias que compõem o dispositivo criado
por Mikhail Bakhtin, Fairclough (2001), Dijk (2008) e Thompson (2007); embora, algumas
destas estejam postas aqui, serão usadas somente aquelas que deem conta das necessidades
deste estudo.
Em uma greve de professores da rede pública, além de uma pauta em que há predomínio
de demandas econômicas, há, sobretudo, uma luta política que vincula as ações coletivas dos
trabalhadores a convicções ideológicas da liderança sindical, em contraposição a convicções
ideológicas que sustentem o poder do governo. É através do discurso que estes atores
perseguem o convencimento, buscam agregar e incitar outros sujeitos a tomarem atitudes e a
se mobilizarem. Nesse sentido que a análise deste embate social e discursivo, como já
26
dissemos, exige uma fundamentação que nos possibilite a compreensão das vozes que
compõem esse real. E, para tal, partimos da abordagem dialógica de Mikhail Bakhtin8, uma
teoria que nos apresenta noções operatórias para esta análise, em que ao entendermos o
funcionamento do discurso, buscamos captar como se constroem a polêmica aberta e velada, o
dialogismo velado e a pluriacentuação, como explicitaremos a seguir.
8
Cunha (2009, p. 27) citando Beth Brait (2006) justifica o uso desta expressão dizendo que “o conceito de
dialogismo, como se sabe, desempenha um papel fundamental no pensamento bakhtiniano, de modo que se pode
falar de uma teoria dialógica do discurso”.
27
9
Sobre o sujeito coletivo, é possível pensar, sob a ótica bakhtiniana, que “o que o signo reflete/refrata não é
somente o sentido, mas o próprio sujeito em seus modos de inscrição na ordem histórica, já que um corpo,
enquanto matéria simbólica, não possui existência própria fora de uma relação de interdependência com um
corpo social.” (ZANDWAIS, 2005, p. 92).
28
É muito comum nos discursos políticos gerados em uma greve a seguinte questão:
mas, o que ele está dizendo?; ou melhor, ao lermos um boletim do sindicato, uma nota aberta
feita pelo governo ou uma carta à comunidade, podemos nos perguntar sobre a autoria
daquele discurso, já que, às vezes, percebemos características do discurso sindical e de
militância em um texto do patrão; e o contrário, um texto sindical apresentando análises que
seriam próprias do discurso do governo. A que atribuímos tal apropriação? Em Bakhtin
(1981), encontramos o conceito de polêmica aberta e velada. A primeira diz respeito ao
discurso refutável do outro, que é o seu objeto, trata-se do afrontamento de duas vozes que
polemizam abertamente entre si, cada uma delas defendendo uma ideia contrária à outra. Na
polêmica velada percebem-se, na construção discursiva, duas vozes em oposição, mas a
polêmica não se expressa abertamente, está orientada para um objeto habitual, nomeando-o,
representando-o, enunciando-o, e só, indiretamente, acatando o discurso do outro. (FIORIN,
2006a). Ou melhor, o discurso do autor é orientado para o objeto, mas é construído de modo
que suas afirmações não só assegurem seu sentido objetivo, mas também ataquem o discurso
alheio que trate do mesmo objeto. Esta polêmica se materializa por meio de evasivas,
ressalvas, concessões, numa tentativa de pressentir a palavra do outro e responder-lhe.
(BAKNTIN, 1981). A esse respeito, Maingueneau (1993)10 desenvolveu o conceito de
polêmica bakhtiniano associado ao de formação discursiva. Nesta pesquisa, utilizamos tal
formulação que será mais bem definida no capítulo destinado à análise, quando explicamos os
10
Maingueneau (1993) faz a partir de Bakhtin, uma inserção pela noção de polêmica, incorporando a ela o
conceito de formações discursivas. E define a representação polêmica como uma tomada no sentido de oposição
entre duas ou mais formações discursivas. Ou seja, trata-se de controvérsias explícitas entre formações
discursivas que expressam seus antagonismos, podendo ser apreendidas em dois níveis, através do dialogismo
constitutivo(define a possibilidade de uma formação discursiva no interior de um espaço discursivo, do qual o
diálogo polêmico seria uma das modalidades e o dialogismo mostrado, que diz respeito à interdiscursividade.
29
procedimentos metodológicos adotados neste estudo; não deixando de ressaltar que fazemos a
opção pelo uso do conceito em relação harmônica com a teoria bakhtiniana.
Por dialogismo velado, é possível compreendê-lo em Bakhtin (1981, p. 171) como um
diálogo entre pessoas no qual as réplicas do segundo interlocutor tenham sido suprimidas.
Apesar do segundo interlocutor não ser visível e de suas palavras estarem ausentes, estas
deixariam vestígios, determinando todas as palavras presentes do primeiro interlocutor, o
diálogo é tenso, pois cada uma de suas palavras reage ao interlocutor invisível, sugerindo a
palavra que não foi dita.
Assim, podemos nos utilizar dos termos polêmica aberta, velada e dialogismo velado
para identificarmos o atravessamento dos discursos de greve e como esses discursos
respondem entre si, e daí analisar os impactos dessa interrelação; ou melhor, analisar a
constituição dos sentidos e como os sujeitos desse discurso vão sendo constituídos e
constituintes, a partir de uma situação de greve.
Bakhtin, ao longo do desenvolvimento do conceito de dialogismo, nos conduz à
formulação de noções importantes para uma abordagem nesse nível de interpretação, sendo
elas:
a) a noção de compreensão responsiva, como tudo aquilo que fazemos através da
linguagem que não pode ser atribuída a um sujeito individual, isolado. Dahlet (1997)
explica o termo compreensão em Bakhtin como uma forma de diálogo,
exemplificando com o próprio autor: "compreender é opor à palavra do locutor uma
contra-palavra" (Bakhtin,1988, p. 132. Apud Dahlet, 1997); ou seja, o sujeito
compreende uma enunciação quando se orienta em relação a ela, quando a situa no
contexto, concorda com ela ou completa-a. (PEREIRA, 2000);
b) a noção de avaliação social (acento apreciativo), que diz respeito a uma condição
subjetiva, ocupa um papel central na transformação da significação em tema no
interior dos enunciados, o tema seria a enunciação em seu sentido completo, realizado,
único não reiterável, diferente a cada vez que realiza a enunciação, que inclui a
situação extraverbal que a produz. (PEREIRA, 2000). Assim, todas as palavras e
enunciados contemplam uma dimensão apreciativa, isto quer dizer que sem acento
apreciativo não há palavra. A apreciação resulta, pois, de um processo social, estando
relacionada a comunidades sociais e não apenas a indivíduos no âmbito da
enunciação; ou seja, o sujeito semantiza a língua no evento enunciativo. E, enfim, a
noção de significação objetiva (esse termo é fluido e empregado por outros adjetivos-
30
A teoria bakhtiniana leva em conta a questão de um discurso poder ser tanto o lugar de
encontro de pontos de vista de locutores imediatos, como de visões de mundo, de orientações
teóricas, de tendências filosóficas, etc. (FIORIN, 2006a). E nossos enunciados emergem como
respostas ativas, da multidão de vozes interiorizadas, são as palavras que perderam as aspas. É
nesse aspecto, especificamente, que a abordagem bakhtiniana contribui para a reflexão sobre a
memória discursiva na constituição do discurso, na medida em que está intimamente ligada ao
já-dito no qual os falantes retomam as palavras. Nesse sentido, podemos dizer que estas vozes
estão em nossa memória discursiva como palavras de outrem e como tais são bivocalizadas
em nossos enunciados, “nossos enunciados expressam a um só tempo a palavra do outro e a
perspectiva com que a tomamos.” (FARACO, 2003, p. 82). O enunciado assim se apresenta
31
complexo e muito mais do que quando é entendido como um objeto que articula as intenções
de quem produz.
Na memória discursiva há um “agitado balaio de vozes sociais” que, nos termos de
Faraco (2003, p. 81), se configura em suas múltiplas relações de consonâncias e dissonâncias,
na constituição socioideológica dos discursos; assim, algumas vozes são mais autoritárias,
outras mais persuasivas; as primeiras interpelam e resistem à bivocalidade; a segunda transita,
é permeável. São inter-relações dialógicas que nos permitem, nesta pesquisa, analisar os
discursos que compõem a memória discursiva sobre uma greve de professores, quais vozes
são mais autoritárias ou persuasivas e que efeitos possuem nas práticas sociointerativas. A
teoria bakhtiniana admite que todo enunciado se dirija não somente a um destinatário
imediato, do qual espera uma compreensão responsiva, cuja presença é percebida, mais ou
menos conscientemente, e “o que espera é uma resposta, uma concordância, uma adesão,
uma objeção", (BAKHTIN, 1997, p. 291), mas o autor pressupõe um sobredestinatário. A
identidade deste varia: “ora é a igreja, ora o partido, ora a ciência, ora a correção política.”
(FIORIN, 2006a, p. 27). Este sobredestinatário, este terceiro acima de todos os outros
participantes, também se aloja e compõe a memória discursiva.
Vale dizer que essa discussão coloca em pauta a possibilidade de se pensar em sujeitos
determinados pelo social, pois, a teoria de Bakhtin, ao advogar sobre a heterogeneidade dos
enunciados (vozes sociais interiorizadas), estando em nossa memória discursiva como
palavras de outrem, e como tais bivocalizadas, pode sugerir que estas vozes sejam
incondicionalmente aceitas. No entanto, não é esta a proposta bakhtiniana e Faraco (2003)
afirma que o círculo de Bakhtin mantém um espaço teórico significativo para singularidade,
recusando qualquer forma de determinismo absoluto e,
11
Termo utilizado por Authier-Revuz, J. Heterogeneidade(s) enunciativas(s). In: Cadernos de Estudos
Linguísticos. Campinas, (19), p. 25-42. jul./dez.1990.
12
Aqui traduzido pela expressão Análise Crítica do Discurso, a exemplo do livro organizado por Emília Pedro
(1997), com o mesmo título.
33
Devido aos diferentes enfoques seguidos por analistas críticos do discurso, aceita-se a
Análise Crítica do Discurso como um conjunto de procedimentos de pesquisa. Sendo assim,
trabalhar com a ACD implica considerá-la como uma perspectiva teórica que versa sobre a
linguagem.
A ACD é uma forma de ciência crítica que foi concebida como ciência social
destinada a identificar os problemas que as pessoas enfrentam em decorrência de
formas particulares da vida social e destinada, igualmente, a desenvolver recursos de
que as pessoas podem se valer a fim de abordar e superar esses problemas.
(FAIRCLOUGH, 2003, p. 185).
Este caráter social da Análise Crítica do Discurso é confirmado por Wodak (2003) ao
afirmar que, ao se desenvolverem projetos com base nessa teoria, é de suma importância a
aplicação dos resultados a que se chega, seja em seminários para pessoas da mesma área ou
profissionais de outras áreas que se beneficiem com os resultados, seja em textos escritos em
que se exponham as constatações, posições e experiência ou como critérios para a elaboração
de livros didáticos. No caso desta pesquisa, seus resultados podem confirmar os propósitos
citados por Wodak(2003), o de permitir a reflexão/alteração dos discursos
produzidos/reproduzidos durante uma greve, pela mídia e pelos demais atores, embora este
não seja um objetivo explícito do presente trabalho; todavia, há de se considerar importante à
contribuição que ele possa dar a organização de trabalhadores em educação na cidade de Belo
Horizonte.
A ACD destaca a necessidade do trabalho interdisciplinar, objetivando-se uma
compreensão adequada do modo como a linguagem opera. Assim se poderá compreender a
manifestação da linguagem na organização das instituições sociais e no exercício do poder.
Esse tipo de análise busca uma teoria da linguagem que incorpore a dimensão do poder como
condição capital da vida social. Daí se justifica o esforço de estudiosos da ACD para
desenvolver uma teoria da linguagem que apresente essa dimensão como uma de suas
premissas fundamentais. “A ACD se interessa pelos modos em que se utilizam as formas
linguísticas em diversas expressões e manipulações do poder.” (WODAK, 2003, p. 31).
36
O foco analítico de Fairclough (2001) é o do discurso como prática social. Para tal,
apresenta a Análise Tridimensional do Discurso, Pagano e Magalhães (2005) entendem que
nesse modelo a análise textual está de acordo com a proposta de análise crítica do discurso,
Nesse sentido que o discurso é conceitualizado tanto como um modo de ação (como as
pessoas agem sobre o mundo e sobre as outras) e como um modo de representação, há uma
dialética entre ele e a estrutura social, que pode moldá-lo e restringi-lo, como também ser um
constitutivo dela. É uma prática de representação e de significação do mundo, constituindo e
construindo esse mundo em significados. Sua análise deve, portanto, envolver todo o processo
de produção, distribuição e consumo; esses processos são sociais, por isso exigem referência
aos ambientes políticos e institucionais particulares, nos quais o discurso é gerado. Trata-se,
pois, de uma prática de análise sociocognitiva, uma vez que se fundamenta em estruturas e
nas convenções sociais interiorizadas. Explicitaremos este modelo de análise a seguir.
Em relação à pesquisa, podemos explicitar aqui, como a análise textual proposta por
Fairclough (2001), pode nos contemplar. Por exemplo, em relação ao vocabulário, podemos
buscar no corpus: lexicalizações alternativas e sua significação tanto política quanto
ideológica nos discursos. “Os significados das palavras e a lexicalização de significados são
questões que são variáveis socialmente e socialmente contestadas, e facetas de processos
sociais e culturais mais amplos.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 230). Perceber o uso de
metáforas, já que estas possuem implicações políticas e ideológicas em conflito com
metáforas alternativas, pois, conforme Fairclough (2001), a metáfora é escolhida para
significar coisas, então, constrói-se uma realidade de uma maneira específica, e não de outra.
E, esta, de tão naturalizada, pode causar difícil identificação.
Em gramática, podemos observar as escolhas das orações em termos de modelo e
estrutura, bem como o significado e a construção de identidades sociais, de relações sociais,
de crenças e conhecimentos. Um exemplo seriam as orações declarativas que podem ser tidas
como autoritárias. Ou a identificação do tema e do tópico, as relações entre as construções
ativas e passivas e a omissão do agente nas construções passivas. Quanto à transitividade,
podemos estabelecer que fatores sociais, culturais, ideológicos, políticos ou teóricos decidem
como um processo é significado num tipo de discurso particular (ou mesmo em diferentes
discursos) ou em um dado texto. Por exemplo, se há motivação para escolher a voz passiva, se
seu uso permite a omissão do agente por ser irrelevante, por ser evidente por si mesmo ou por
ser desconhecido, mas, também, a omissão pode ter razões políticas ou ideológicas, a fim de
ofuscar o agente, a causalidade e a responsabilidade.
40
Práticas sociais do mundo do trabalho se efetivam a partir das relações que ali são
estabelecidas: atividade produtiva, meios de produção, identidades sociais, valores, etc. Um
exemplo é a relação patrão vs. empregado, que deve ser estabelecida através de negociações;
no entanto, quando estas não são possíveis a greve se apresenta como uma estratégia para se
13
Usamos o termo ‘tipo de discurso’ conforme Maingueneau (2008, p. 16), que distingue grandes tipos de
unidades, a primeira delas chamada unidade tópica territorial; que seriam espaços já pré-delineados pelas
práticas verbais, tipos de discurso relacionados a certos setores de atividades da sociedade: discurso
administrativo, publicitário, político, etc. Estes tipos englobariam gêneros de discurso, entendidos como
dispositivos sócio-históricos de comunicação.
42
forçar um diálogo. A greve possui uma estrutura composicional particular socialmente aceita;
nela práticas discursivas se interrelacionam pertinentemente: passeatas, piquetes,
manifestações, panfletos, boletins, cartas, atas, propostas, planilhas, etc. Tratamos, nesta
pesquisa, de quatro gêneros textuais, cujo processo de produção, distribuição e consumo são
diferentes entre si: notas, boletins, cartas abertas e reportagens são gêneros particulares que
designam não só a área relevante de conhecimento, mas também o modo particular de como
ela é constituída - por exemplo, o discurso sindical/classista sobre a greve, o discurso do
patrão/PBH sobre a greve e o discurso jornalístico sobre a greve. Entretanto, embora possuam
o mundo das relações políticas de trabalho como uma área de conhecimento construída, os
pontos de vista são divergentes constituídos em seus discursos, a partir da sua posição, das
ordens discursivas as quais se recorrem, e do contexto situacional.
De outro modo, também, o discurso político de greve é só um modo particular de
construir o assunto política, ou seja, os gêneros analisados designam a política como uma área
de conhecimento, construída de uma perspectiva (de um modo particular) de sujeitos (atores
sociais) em estado de greve. Assim, as circunstâncias históricas da greve, em conjunto com
seus atores, vão produzir discursos sobre política, através das práticas sóciodiscursivas, do
modo como o a mídia, o sindicato em confronto com a prefeitura e vice-versa, representam e
ao mesmo tempo constituem e são constituídos por essa circunstância social.
Ao se posicionarem e representarem o mundo, os discursos são atravessados por
discursos anteriores, pontos de vistas, que o fazem um todo heterogêneo; a apreensão desse
outro se faz, através de dois conceitos funcionais de análise, considerados por Fairclough
(2001) como essenciais: a intertextualidade14, subdividida em categorias de análise, como: a
representação no discurso, a ironia, a negação, a pressuposição, o metadiscurso e a
interdiscursividade.
A primeira categoria seria a de representação no discurso, no lugar do termo discurso
relatado, também problematizado por Bakhtin; porque o que está representado não é apenas a
fala, mas também a escrita, e não somente aspectos gramaticais, mas sua organização
discursiva. Fairclough (2001, p.153) cita Bakhtin (1988, p. 119), para quem há uma relação
dinâmica entre as vozes do discurso representado e representador; considerando que há
diferenças naquilo que é citado, quando é citado, como e por que tal citação é feita assim;
14
Por intertextualidade manifesta, entende-se intertextualidade sequencial (em que diferentes textos ou tipos de
discurso se alternam em um texto); intertextualidade encaixada (em que um texto ou tipo de discurso está
claramente contido dentro da matriz de um outro, uma relação entre estilos) e a intertextualidade mista, em que
textos ou tipos de discurso estão fundidos de forma mais complexa e menos facilmente separável.
(FAIRCLOUGH, 2001).
43
pode-se pensar se a representação vai além do ideacional (conteúdo) para incluir aspectos do
estilo e contexto do representador. Na análise poderemos perceber como os discursos são
representados e quais efeitos essas representações possuem.
As pressuposições são também categorias de análise, pois ao serem tomadas pelo (a)
produtor (a) do texto como já estabelecidas ou dadas, se definem como uma forma de
incorporar textos de outros; ou seja, um alheio, que é contestado, que corresponde a uma
opinião geral (o que as pessoas tendem a dizer, experiência textual acumulada). Fairclough,
aqui, incorpora os trabalhos de Pêcheux, ao relacionar pressuposição a uma expressão pré-
construída que circula em uma forma já pronta. Podendo, também, ser ela interpretada em
termos de relações intertextuais com textos prévios do (a) produtor (a) do texto ou em textos
de outros. As pressuposições podem, também, possuir um caráter manipulador, sendo
extremamente importantes à nossa análise. Nesse viés, as frases negativas são frequentemente
usadas com finalidades polêmicas e carregam tipos especiais de pressuposição que também
funcionam intertextualmente, incorporando outros textos somente para contestá-los ou rejeitá-
los. E, ainda, nesse trabalho interdiscursivo, Fairclough (2001) cita a natureza intertextual da
ironia. Dizendo-nos que um enunciado irônico ecoa o enunciado de outro, também
pressupondo que o outro reconheça esse enunciado.
A intertextualidade se manifesta metadiscursivamente quando o (a) produtor (a) do
texto distingue níveis diferentes dentro de seu próprio texto e distancia a si próprio (a) de
alguns níveis do texto, tratando o nível distanciado como se fosse um outro texto, externo,
através de expressões evasivas, uma outra possibilidade é parafrasear ou reformular uma
expressão. O metadiscurso, estratégia que gera esse efeito, implica que o (a) falante esteja
situado acima ou fora de seu próprio discurso e esteja em uma posição de controlá-lo e
manipulá-lo. Uso próprio do discurso midiático, Romão e Tfouni (2004), atestam que o
discurso jornalístico adota estratégias retóricas com o objetivo de apresentar fatos como sendo
verdades objetivas, pela utilização de marcas formais bastante definidas, tais como
indeterminação do sujeito e apagamento do nome do autor. Assim, o discurso jornalístico
organiza direções de leitura, o distanciar-se é uma forma de fazer parecer uma informação
segura e confiável, tão proclamada pela imprensa. Segundo as autoras, tal distanciamento
cristaliza o dizer, instaurando uma ilusão de verdade absoluta. E o trabalho ideológico vai
sendo feito. Quando da análise apresentaremos, mais detidamente, essa discussão.
Quanto à interdiscursividade, podemos pensar que textos são produzidos através de
outros tipos de textos que relacionados uns aos outros, transformam-se por um processo de
cadeias intertextuais sequenciais ou sintagmáticas, como por exemplo: uma nota da PBH pode
44
E podemos, também, nos perguntar sobre quanto de trabalho inferencial nosso corpus
requer. Ou seja, observar se os discursos apresentam resistências uns aos outros. Nessa
orientação, podemos observar que tanto a PBH quanto sindicato e mídia, interpelam os
sujeitos intérpretes de seus discursos. O sindicato tem por função resistir à interpelação
proposta pela prefeitura e apresentar, o que para o sindicato, seriam as suas incoerências,
desarticulando esse discurso para apresentá-lo aos professores e à opinião pública. À
prefeitura, cabe desarticular o discurso sindical, acrescentando mais uma dimensão da
intertextualidade ao texto para sustentar sua interpretação (análise econômica, críticas
políticas ao sindicalismo partidário, etc.). E em relação à mídia, nesse sentido, podemos nos
perguntar sobre como ela interpela seu público intérprete, em função de uma ou outra
ideologia.
Em relação ao consumo textual, entendemos que os textos de greve são consumidos
diferentemente, e os sujeitos leitores, também, podem ocupar um conjunto de posições, e cada
uma dessas posições pode também ser ocupada de forma múltipla: receptores (aqueles para
45
quem os textos se dirigem), ouvintes ou leitores (aqueles para quem o texto não está dirigido
diretamente, mas são incluídos) e destinatários (aqueles que não são considerados leitores ou
ouvintes legítimos, contudo são reconhecidos como consumidores de fato). Nos textos em
análise, podemos pensar em quem são os destinatários? Quem são os sujeitos dos discursos,
que vozes são ouvidas nos textos representando os sujeitos? Casarim (2000) citando Bakhtin
aponta para a noção de enunciado dividido (nesta pesquisa, no capítulo de análise
explicaremos melhor este conceito), em que percebemos como um discurso pode estabelecer
confronto entre posições de sujeito diferentes. O enunciado dividido tem como principal
característica a não-comutabilidade de elementos, são discursos em confronto que vivem no
mesmo enunciado.
Já, em se tratando da força dos enunciados, podemos considerar este um aspecto
essencial à pesquisa, uma vez que muitas das vezes os discursos gerados em situação de
greve, tanto aqueles do patrão como os do sindicato, objetivam indiretamente mandar fazer.
Neste sentido, a escolha por certos atos de fala, pode facilitar tal intenção de efeito, ainda que
sejam instrumentos de efeitos garantidos pós-discurso, por várias razões, entre elas políticas e
ou ideológicas, tal intenção é geralmente omitida em texto. Tal intenção é construída
discursivamente de maneira que não seja explicitada tal intenção.
Ao proceder à análise social, que não será feita em item específico, mas durante todo o
processo de análise, já que, como Fairclough (2001, p. 100), ao tentarmos compreender como
os atores produzem seus mundos, veremos que suas práticas são moldadas por estruturas e
relações de poder. Assim, seus discursos são sempre investidos política e ideologicamente e
sua produção, consequentemente heterogênea e contraditória. No decorrer da investigação,
concomitante à análise textual e discursiva, faremos à análise social, nos termos de Fairclough
(2001). Para tal, desenvolvemos nos itens que se seguem a definição dos conceitos
necessários à ACD que dizem respeito à dimensão social de análise.
podemos dizer que modelos são subjetivos. São eles que formam a base cognitiva de todo
discurso e interação individual. Isto é, tanto na produção quanto na compreensão, pessoas
constroem um modelo de um evento e definem a sua coerência local e global.
Para Dijk(2008) é importante ressaltar que modelos formam em princípio uma base
cognitiva. Entretanto, ao integrarem novas informações corporificam tanto informações
pessoais como sociais e, dessa forma, servem como o centro da interface entre o social e o
individual. Isto é, as representações sociais gerais e abstratas da memória social são em
primeiro lugar derivadas de nossas experiências pessoais e representadas em nossos modelos
episódicos; quando modelos são compartilhados, generalizados e socialmente normalizados,
eles constituem, então, a base da aprendizagem social e política experimentada. O ciclo
abaixo demonstra esse processo:
discursivas. (DIJK, 2008). Isto significa que crenças factuais compartilhadas de um grupo ou
cultura, verificadas pelos critérios de verdade (historicamente variável) daquele grupo ou
cultura, é que definem o conhecimento, que é uma estrutura mental organizada de crenças
factuais.
No caso das ideologias, Dijk (2008) explica que estas são, por definição, gerais e
abstratas, porque precisam se ajustar a muitas atitudes diferentes em domínios sociais
diferentes. Isto significa que fazer parte de uma ideologia exige do sujeito alguns critérios
como: pertencimento, atividades, propósitos, valores, posição e recursos. Há uma
identificação. Ninguém é pego por uma ideologia, sem se identificar e reconhecer-se como
tal. Os discursos ideológicos trazem em si conhecimentos e crenças, além de controles de
atitudes, que sugestionam alguma identificação do sujeito; espera-se que o sujeito ative seus
modelos mentais e assujeite-se, construindo a coerência global do texto. Em relação a esse
controle mental, vejamos no próximo item o que pode configurar-se como uma persuasão ou
manipulação discursiva, considerando sempre a perspectiva sociocognitva.
Antes de desenvolvermos este item sobre a ideologia, podemos explicar por que
relacionamos ideologia a ordens do discurso e, posteriormente, o porquê da relação ideologia,
poder e dominância. A ACD define ideologia como sistemas sociocognitivos das
representações mentais socialmente partilhadas que controlam outras representações mentais e
os modelos mentais, (DIJK, 1996, p. 27, apud CHARAUDEAU, 2006b); e, Fairclough
(2001), ressalva que práticas são ideológicas à medida que incorporam significações que
contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder. Já dissemos, no item 3.2, que
ordens do discurso têm primazia sobre as convenções discursivas particulares; então, localizar
ideologias nos eventos discursivos corresponde a uma análise simultânea entre ideologia e
ordens do discurso; pois, a ideologia, conforme Fairclough (2001), está nas estruturas e se
materializam em formas simbólicas; e estruturas nada mais são que ordens do discurso que
constituem resultados de eventos passados. Assim, ao estudarmos a ordens discursivas,
estamos também estudando como as ideologias, em rede, vão se configurando.
50
Gramsci, citado por Fairclough (2001), concebe o campo das ideologias em termos de
correntes ou formações conflitantes sobrepostas ou cruzadas – são complexos ideológicos que
são estruturados, reestruturados, articulados e rearticulados – esta concepção se harmoniza
com Fairclough (2001) em sua concepção de discurso: uma concepção dialética da relação
entre estruturas e eventos discursivos, considerando-se as estruturas (estruturas são ordens do
discurso que constituem o resultado de eventos passados) concebidas como configurações de
elementos mais ou menos instáveis e adotando uma concepção de textos que se centra sobre a
intertextualidade e sobre a maneira como articulam textos e convenções prévias. Fairclough
considera ordens do discurso como faceta discursiva do equilíbrio contraditório e instável que
constitui uma hegemonia; e a articulação e rearticulação de ordens do discurso, são
consequentemente um marco delimitador na luta hegemônica.
Sendo objetivo desta pesquisa investigar relações de poder que se estabelecem
discursivamente, precisamos compreender de que modo relações de poder se sustentam e se
reproduzem. Processos ideológicos são sistemas mentais complexos, que envolvem um
procedimento cognitivo de aquisição de modelos. Podemos pensar que são estes que
constituídos por formas simbólicas absorvem ideologias, mantendo ou reproduzindo relações
de poder. Mas, detalhadamente, como se dá este processo? A ideologia é sentido a serviço do
poder, conforme Thompson (2007), e isto significa que ao constituir sentidos através de certos
modos e estratégias de construção simbólica, em condições sócio-históricas específicas, as
ideologias operacionalizam-se e contribuem para manter relações de dominação. Podemos
entender, então, que além de um processo cognitivo social a ideologia se organiza a partir de
formas simbólicas. Na nossa análise se organiza, especificamente, através de notas, boletins e
reportagens sobre a greve.
Podemos pensar no poder societal entre classes (dos grupos ou das instituições) e este
processo ou exercício em relação ao discurso. Dijk (2008) para fazer esta ponte teórica entre o
nível macro e micro de análise retoma princípios fundamentais à ACD e formula a relação
ideológica nos termos da cognição social e considera a sociocognição “uma noção complexa
que necessita de uma teoria madura e interdisciplinar para capturar as implicações e
aplicações mais importantes desse conceito.” (DIJK, 2008).
Fairclough (2001) associa relações de poder ao conceito de hegemonia, peça central da
análise que Gramsci (apud Fairclough, 2001:122) faz do capitalismo ocidental . Para
Fairclough, a produção, a distribuição e o consumo de textos são, na realidade, um dos
enfoques da luta hegemônica que contribui, em diferentes graus, para a reprodução ou a
51
Ideologia, a partir dessa visão é “uma concepção do mundo que está implicitamente
manifesta na arte, no direito, na atividade econômica e nas manifestações da vida individual
e coletiva.” (GRAMSCI apud FAIRCLOUGH, 2001, p. 123). Embora a hegemonia pareça ser
a forma organizacional de poder predominante na sociedade contemporânea, não é a única.
Há também os resíduos de uma forma anteriormente mais evidente em que se atinge a
dominação pela imposição de regras, normas e convenções.
A ACD busca nos limites da sociologia e das Ciências políticas as principais
características do poder social e tenta sua reconstrução utilizando também de características
presentes em seu próprio sistema teórico. É Dijk (2008) quem desenvolve uma teoria própria
do poder e que se apresenta extremamente útil para a nossa pesquisa. Em resumo, esta teoria
caracteriza poder como uma propriedade das relações entre grupos, instituições ou
organizações sociais, resultando em diferentes centros de poder e grupos da elite que
controlam tais centros; o poder social é definido em termos do controle exercido por um
grupo ou organização ou seus integrantes, sobre as ações e ou as mentes de (membros de)
52
outro grupo, limitando dessa forma a liberdade de ação dos outros ou influenciando seus
conhecimentos, atitudes ou ideologias.
Entende-se que o poder quando usado como um exercício moral e legalmente
ilegítimo de controle sobre outros em benefício ou interesse próprio, caracteriza uma forma de
dominância. Este processo de poder se constitui pelo uso de estratégias cognitivas precisas
que afetam as cognições sociais de grupos. De um modo geral o que está envolvido aqui é a
manipulação de modelos mentais de eventos sociais15 através do uso de estruturas discursivas
específicas, como estruturas temáticas, manchetes, estilo, figuras retóricas, estratégias
semânticas, etc. (DIJK, 2008).
A manipulação é uma prática comunicativa e interacional na qual um manipulador
exerce controle sobre outras pessoas, normalmente contra a vontade e interesses delas. A
manipulação envolve não apenas poder, mas abuso de poder, dominação. Manipulação não é
persuasão, na persuasão os interlocutores são livres para acreditar ou agir como desejarem,
dependendo se eles aceitam ou não os argumentos do persuasor; já na manipulação aos
receptores é dado, tipicamente, um papel mais passivo: eles são vítimas da manipulação.
(WODAK, 1997a). Já que manipular pessoas envolve manipular crenças das pessoas,
conhecimentos e opiniões. Interessa-nos como o discurso se efetiva nesse papel manipulador.
Dijk (2008) desenvolve esta ideia quando afirma que o discurso, em geral, envolve o
processamento da informação na memória de curto prazo (MCP), resultando basicamente na
"compreensão" (de palavras, orações, sentenças, enunciados, e sinais não verbais). Esse
processo é estratégico no sentido de ser on-line, ser propositalmente direcionado, operar em
vários níveis da estrutura do discurso e ser hipotético: suposições e atalhos rápidos e
eficientes são feitos em vez de análises completas. Em nossa análise, como exemplo, a
observação das manchetes e dos títulos dos discursos de greve, pode sugerir atenção a uma
informação em vez de outra, o que pode conduzir o leitor a certa tendência ideológica.
No entanto, a maior parte de manipulação é direcionada para resultados mais estáveis
e, portanto, focada na memória de longo prazo (MLP)16, isto é, nos conhecimentos, atitudes e
ideologias; compreensões que são representadas em modelos mentais e estes formados,
15
“São relevantes para a discussão: (a) as relações entre as crenças partilhadas (representações políticas), por
um lado, e as crenças pessoais (modelos), por outro, e (b) as relações dessas representações sociais e pessoais
com as estruturas discursivas.” (DIJK, 2008, 88).
16
Também fazendo parte da MLP, no entanto, são as memórias pessoais que definem nossa história de vida e
experiências, as representações que são tradicionalmente associadas à memória episódica, com modelos mentais
específicos com suas próprias estruturas esquemáticas. (DIJK, 2008)
53
dominados apresentam, para Fairclough (2001), uma condição para a análise dos desafios e
das mudanças sociais e históricas. Nesse sentido, portanto, uma questão se impõe para esta
pesquisa: O discurso de manutenção e legitimação de poder oferece brechas para a
resistência? Se isto for verdade, e se for possível esta percepção, podemos através da análise
contribuir para esclarecer e evitar práticas de dominação e exploração.
Resumindo, podemos pensar a ideologia como sistemas sociocognitivos que controlam
outros (uma luta hegemônica pelo poder), entrecruzadas por estruturas discursivas. Nossa
análise deve ater-se às maneiras como o sentido17 serve para estabelecer e sustentar relações
de poder. Fairclough (2001) ressalva que os sentidos das palavras (conteúdo e não a forma)
são ideológicos. Não só eles, pois também o são a pressuposição, metáforas, coerência na
constituição ideológica dos sujeitos, convenções de polidez que implicam pressupostos
ideológicos sobre as identidades sociais e o estilo do texto que pode ser investido
ideologicamente. A ideologia, assim, através de certos modos e várias estratégias de
construção simbólica se operacionaliza através de estratégias típicas, tais como: legitimação,
dissimulação, unificação, fragmentação e reificação.
Enfim, poder social pode ser definido como o controle exercido por um grupo ou
organização ou seus integrantes, sobre as ações e ou as mentes de (membros de) outro grupo,
limitando dessa forma a liberdade de ação dos outros ou influenciando seus conhecimentos,
atitudes ou ideologias; e ainda, quando esse poder é exercido de maneira ilegítima, configura-
se uma forma de manipulação. Dijk (2008) adverte que, embora a manipulação seja
normalmente ideológica e discursos manipuladores frequentemente apresentem os padrões de
polarização ideológica em todos os níveis de análise, as estruturas discursivas e as estratégias
de manipulação não podem ser simplesmente reduzidas a qualquer outro discurso ideológico.
No entanto, há que se considerar que é preciso, dada à análise do contexto, observar que a
manipulação só acontece quando se confere alguma forma de desigualdade social.
18
Thompson(2007) sugere a análise destas estratégias e indica que este exame alertar-nos
para algumas maneiras de como o sentido pode ser mobilizado no mundo social e como pode
17
O sentido é o das formas simbólicas. Por formas simbólicas se entende um amplo espectro de ações e falas,
imagens e textos que são produzidos e estão inseridos em contextos sociais e circulando no mundo social.
(Thompson, 2007).
18
Thompson (2007, p. 33), propõe um referencial metodológico que coloca em evidência o discurso; chamado
Hermenêutica da Profundidade, seu objeto de análise é a construção simbólica significativa que exige uma
interpretação. Considera os trabalhos dos filósofos hermeneutas do século XIX e XX – Dilthey, Heidegger,
Gadamer e Ricoeur, de importância particular para seus objetivos teóricos. Esses pensadores lembram que o
estudo das Formas Simbólicas é fundamentalmente e inevitavelmente um problema de compreensão e
interpretação. Baseia-se na elucidação das maneiras como as formas simbólicas são interpretadas e
compreendidas pelas pessoas que as produzem e as recebem no discurso de suas vidas cotidianas.
55
3.3.1 Fairclough
natureza dos processos discursivos em instâncias particulares e a natureza das práticas sócias
de que fazem parte.
Para tal, focalizaremos a interdiscursividade, os tipos de discurso, ou seja, se os
discursos são convencionais nas suas propriedades interdiscursivas ou relativamente
inovadores, (FAIRCLOUGH, 2001, p. 283); a intertextualidade manifesta, sobre quais outros
textos estão delineando a constituição dos discursos; a distribuição dos textos em cadeias
intertextuais, sobre a descrição das séries de textos nas quais ou das quais são transformadas.
E, posteriormente, faremos a análise textual e lingüística detalhada na linguística em conjunto
com análise da prática discursiva.
3.3.2 Thompson
19
Por formas simbólicas se entende um amplo espectro de ações e falas, imagens e textos que são produzidos PR
sujeitos e reconhecidos por ele e outros como construtos significativos. Mas, podem também ser não-linguísticos
(ex: uma imagem) – pode-se analisar o caráter significativo das formas simbólicas em 4 aspectos típicos:
intencional, convencional, estrutural, referencial e um contextual, o qual indica que as FS estão sempre inseridas
em contextos e processos socialmente estruturados. (THOMPSON, 2007).
57
3.3.3 Dijk
manipulação não podem ser simplesmente reduzidas a qualquer outro discurso ideológico.
Assim há que se observar,
4 A ANÁLISE
No capítulo anterior apresentamos o referencial teórico que sustenta essa pesquisa, são
princípios teóricos que nos permitem abordar o movimento dos atores sociais que
pesquisamos. Mas o que buscamos compreender? Queremos saber como, através das práticas
discursivas, em situação de greve, esses atores se posicionam e de quais recursos discursivos
se utilizam para concretizar seus planos de ação.
O fato de estarem em interação faz com que, estes sujeitos e suas pretensões, sejam
atravessados uns pelos outros, porque é este o princípio dialógico discursivo que
compreendemos. Muito dos seus discursos deixam de representar a sua única intenção; ou
seja, o seu discurso não é somente seu. Portanto, nesses discursos há conflitos e contradições
e vários outros ditos, que os demarcam e os definem. Nessa perspectiva, explicitaremos a
seguir os dispositivos metodológicos com os quais trabalharemos a fim de apreender esse
movimento discursivo.
A análise que propomos segue os critérios de análise propostos pela ACD, como já
explicitados no capítulo anterior, em especial, a análise tridimensional do discurso, proposta
por Fairclough (2001); o movimento de análise da operacionalização ideológica no discurso,
proposto por Thompson (2007); somadas às análises de práticas sociodiscursivas
manipuladoras, propostas por Dijk (2008).
Conforme Fairclough (2001), em termos de análise, fica difícil definir o que fazer
primeiro, se a análise textual, a discursiva ou a social; pois essas três dimensões vão sempre
estar superpostas na prática. Entretanto, o autor sugere que adotar uma sequência é sempre
útil para coordenar o resultado. Desse modo, explicitaremos abaixo, por que optamos por
subdividir as três dimensões textuais da análise da prática discursiva (produção, distribuição e
consumo), não descartando a análise linguística, nem a análise social; ou seja, procedendo,
concomitantemente, às outras dimensões analíticas.
60
O estudo da cognição política em grande parte trata das representações mentais que
as pessoas compartilham enquanto atores políticos. Nosso conhecimento e opiniões
sobre políticos, partidos ou presidentes são adquiridos, mudados ou confirmados
pelas várias formas de fala e escrita durante nossa socialização, pela educação
formal, pelo uso midiático e pela conversação. (MERELMAN, 1986, apud DIJK,
2008, p. 197).
Daí nossa convicção de que a formação de concepções sobre o evento greve, parte da
interrelação entre as representações sociocognitivas e socialmente partilhadas. Confirmando
este pressuposto, Dijk (2008) entende que a pesquisa sobre as representações do discurso
político deve focar sua análise, sobretudo, nas relações postas entre atores sociais, modelos
20
Estruturas mentais, modelos de eventos e modelos de contextos, conforme explicados no Capítulo 3.
62
Nesse sentido que, quando constituímos o corpus com o qual trabalhamos nesta
pesquisa, ao definir alguns critérios que norteariam a organização daquele conjunto de textos,
preferimos, também, trabalhar com a hipótese não-tópica da organização textual proposta por
Maingueneau (2008); e introduzimos a noção de formação discursiva. Mesmo entendendo
que os gêneros estão agrupados em função de determinados posicionamentos, o que
Maingueneau (2002, p. 17) chama de ‘unidades territoriais’, pudemos verificar que, em
função da análise, deveríamos através de um projeto interpretativo, definir as fronteiras
discursivas que compunham tais gêneros. Daí, apreendermos, dentro dos textos em análise,
unidades como as econômico-neoliberais21, democráticas, autoritárias e populistas, que
atravessam os gêneros que compõem os discursos políticos de greve, são a essas unidades que
Maingueneau (2002, p. 19) atribui o conceito de ‘formações discursivas’. Sustentando essa
categoria operacional, Maingueneau (2008) esclarece que estas unidades não podem ser
delimitadas por outras fronteiras, a não ser aquelas que são estabelecidas pelo pesquisador,
sendo que devem ser, sobretudo, historicamente especificadas.
Explicitamos, enfim, que o nosso corpus de análise é constituído por gêneros
diferentes (cartas, boletins e notas oficiais) que demarcam posicionamentos também
diferentes (que cabem ao campo discursivo ao qual pertencem) sendo atravessados por outros
discursos (unidades), que governam o seu dizer. São estas, as formações discursivas que
demarcam sua onipresença no discurso do outro. Maingueneau (2008, p. 20) faz ainda uma
distinção entre formações discursivas unifocais e plurifocais, fazendo uma referência a
Bakhtin, quando da distinção entre discurso monológicos, estruturados por um ponto de vista
dominante, e polifônicos, em que confrontam-se pontos de vista divergentes.
Sendo assim, podemos indicar que a orientação que damos à nossa análise pauta-se
pela noção de formação discursiva. Isto significa que, na análise, apresentamos as duas
formações discursivas que se distinguem e os gêneros que se constituem em função de
posicionamentos divergentes, quando apresentamos o quadro 2. O fazemos mostrando que de
fato os dois discursos (o do sindicato e o da PBH) são regidos por um mesmo sistema de
regras, sendo nosso objetivo mostrar que, além da evidente diferença entre estes discursos,
estes se constituem e convergem para um mesmo sistema de construção. Já, quando
apresentamos o quadro 3, fazemos uma elaboração do que Maingueneau (2008) chama de
uma formação discursiva unifocal, tendendo ao discurso monológico e a formação discursiva
21
Entendido, nesse caso, como o discurso que traduz a política econômica restritiva neoliberal, que se propõe
reduzir a margem de manobra política e social do governo. (Boito, 2006).
64
plurifocal, tendendo à polifonia, em que analisamos os discursos, sob o viés das divergentes
vozes que os constituem, ao buscarmos a sua heterogeneidade constitutiva.
Como sabemos discursos são heterogêneos, formados por uma composição de várias
vozes e não somente a que define a sua posição. No entanto, tanto nas notas, quanto nos
boletins, em função das vozes que neles circulam, não podemos afirmar sem uma acurada
análise, se estes discursos são monofônicos ou polifônicos. Por que a necessidade dessa
distinção, nesta pesquisa? Porque reconhecer o funcionamento das vozes em um discurso nos
permite compreender como prefeitura e sindicato se articulam e fazem uso da sua
competência linguístico-discursiva para a finalidade que perseguem, no caso, captar e garantir
a adesão da população. Por isso, a seguir, realizaremos tal análise.
A polifonia se caracteriza por vozes polêmicas em um discurso, aquelas que corroem
continuamente tendências centralizadoras. (FARACO, 2003, p. 67). Mas o mais importante
nisso é saber que na polifonia não há síntese, não há superação dialética dos conflitos. A
polifonia é, também, dialógica, mas nem todo discurso, que é por si dialógico, pode ser
considerado polifônico. Há discursos dialógicos monofônicos em que os jogos de poder entre
vozes, que o constituem, buscam impor uma centralização, ou seja, possuem uma voz
autoritária que domina as outras. Com base em estudos feitos por Rechdan (2003):
22
E assim explicitar o relacionamento da instância da prática social e discursiva com as ordens de discurso que
ela descreve e os efeitos de reprodução e transformação das ordens de discurso para as quais colaborou.
23
O interdiscurso consiste em um processo de reconfiguração incessante no qual uma formação discursiva é
levada a incorporar elementos pré-construídos produzidos fora dela com eles provocando sua redefinição e
redirecionamento, suscitando, igualmente, o chamamento de seus próprios elementos para organizar sua
repetição, mas também, provocando, eventualmente, o apagamento, o esquecimento ou mesmo a denegação de
determinados elementos. (Maingueneau, 1993, p. 113).
66
Assim, como o trabalho apresentado por Mayaffre (2007), que distingue FDs em
função de certa regularidade; através do quadro abaixo, queremos demonstrar que no domínio
dos discursos de greve dois tipos discursivos se distinguem para se afrontar: o discurso
sindical vs. o discurso da PBH. Trata-se de duas FDs bem estabelecidas por três razões: i) em
função do material linguístico utilizado, vocabulário, estruturas retóricas; ii) em função dos
traços típicos dos falares: governo vs. sindicato e as ocorrências discursivas que definem as
identidades sindicais vs. as identidades da PBH; iii) por que trazem um afrontamento de
classes e, consequentemente, uma clivagem ideológica forte, uma divisão social atestada entre
um sistema neoliberal e outro, que deseja extingui-lo (ou elite vs. proletariado).
PBH SINDICATO
i) “A prefeitura, no esforço para equilibrar suas contas i) “Companheir@s, (...) mesmo que isso signifique a exploração cada
conseguiu ser uma das raras capitais brasileiras a ver suas vez mais intensa da nossa força de trabalho (...) bem como medidas
finanças saneadas. Para isso, tem racionalizado gastos e que levam ao enfraquecimento da organização de trabalhadores (...),
não abre mão do rigor no trato com dinheiro público (...)”. se essa administração dita democrática e popular não foi capaz de
Informe publicitário, 05/08/01. Jornal EM. (Anexo1) resiste aos encantos do neoliberalismo” 21/08/2001(Anexo9)
“A política implementada por FHC tem tirado do povo o direito ao
ii) “A PBH, que tem negociado permanentemente, reafirma a trabalho, à moradia, à terra, á saúde, à educação, para beneficiar o
necessidade de imediato retorno ao trabalho e comunica que capitalismo financeiro, as multinacionais, os bancos, o FMI. Uma
tomará todas as medidas legais (...)”26/08/2002. (Anexo2) prática perversa que no município de BH encontra um agente à
“determino ao município de Belo Horizonte, no caso de altura”, 22/08/2001(Anexo10)
inadimplemento da obrigação que junte aos autos no prazo .
de sessenta dias, sindicância nomeando os professores ii) “é preciso virar a mesa! Colocar o bloco na rua, a boca no
ausentes de sala de aula desde o primeiro dia de greve (...)” trombone, mostrar a cara do movimento grevista da cidade (...) tirar a
DOM, 30/08/2001. (Anexo3) máscara de seriedade deste governo irresponsável e autoritário (...).
Queremos propostas na mesa e o atendimento de nossas
iii) “A Prefeitura de Belo Horizonte informa que: 1. reivindicações” 17/08/2001(Anexo8)
Recorreu à justiça para desocupar sua sede, invadida na
última quarta-feira por um grupo radical, ligado ao “(...) Reivindicamos o que nos é de direito. Essa tem sido a grande
comando de greve (...) 2. Repudia com veemência a lição que damos todos os anos aos nossos alunos. (...) Com certeza, no
radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias e tem seio de nossas lutas, estamos contribuindo na formação de sujeitos.
certeza que tais atos não refletem o pensamento dos Sujeitos que, de fato, transformarão essa história”. 22/08/2001
professores (...) a intransigência tem dificultado o (Anexo10)
entendimento e prejudicado o conjunto dos trabalhadores da
educação e, principalmente, os alunos e suas famílias” iii) “Diante de uma política perversa de retirada de direitos imposta
23/09/2001 Jornal EM. (Anexo5) por FHC e implementada pela administração Célio de Castro, nós
Trabalhadores em Educação, estamos em greve” Esclarecimento dos
Trabalhadores em Educação em greve à população de BH (05/08/2001)
(Anexo13)
“(...) governa para perpetuar no poder. Distribui a maior parte do
bolo com aqueles que dão sustentação às atitudes arbitrárias e
autoritárias, com aqueles que reprimem e oprimem os trabalhadores
que garantem a prestação de serviços para a população”. 21/08/01
(Anexo9)
Quadro 3: FDs distintas
A partir do quadro acima, podemos afirmar que PBH e sindicato indexam-se a FDs diferentes,
em:
i. A realidade lexical do discurso da PBH apresenta termos institucionais,
vocabulário próprio da gestão econômica governamental (equilíbrio de contas,
finanças saneadas, racionalização de gastos), recursos linguísticos que fazem
67
ii. Trechos que indicam o gerenciamento da PBH, como: comunica que tomará
todas as medidas legais e sindicância nomeando os professores ausentes
indicam a constituição de deliberações, fundadas no propósito de constituição
de um ethos25 discursivo institucional, definidor de uma identidade de
autoritária; assim a PBH indicia uma identidade própria de um projeto político
específico. O sindicato em: é preciso virar a mesa! Colocar o bloco na rua, a
boca no trombone, mostrar a cara e em Colegas, não se deixe pisar; por sua
vez, busca constituir através do efeito pathêmico um ethos discursivo fundado
no falar popular; em seu projeto afetivo visa desconstruir sentidos que a PBH
cria com a pressão e retaliação, instalando outra ordem de discurso, que busca
a denuncia e desconstrução, propondo outra proposta de sociedade, que aponta
para o que seu adversário, em busca de construção de sentidos contrários.
iii. Atesta-se uma divisão social entre governo e o trabalhador. A PBH em: A
Prefeitura de Belo Horizonte informa que: 1. Recorreu à justiça para
desocupar sua sede; 2. [...] Repudia com veemência a radicalização, busca
mascarar o verdadeiro debate que deve ser feito em situações de confronto
político e se concentra somente sobre as modalidades e a realização de um
programa de governo, sendo essencialmente pragmático, promovendo a
satanização do sindicato, expulsando e negando a sua condição reivindicatória
e a criminalização da greve26 – faz parte do jogo discursivo ideológico, sendo
os professores, expulsos da legalidade – porque faz da greve um mal à
educação e à sociedade. O sindicato, em: Diante de uma política perversa de
retirada de direitos imposta por FHC, Distribui a maior parte do bolo com
aqueles [...] que reprimem e oprimem os trabalhadores que garantem a
prestação de serviços para a população, atualizando sentidos sobre a divisão
do Estado (riqueza) vs. trabalhador (pobreza), apresenta claramente o
confronto e a dificuldade de interlocução com o gestor – que temperam a
divisão de classes. Um confronto aberto, exposto pelos sentidos mobilizados de
indignação e revolta.
24
Como lembra Eggs (2005), o logos se remete ao próprio discurso e aos raciocínios empregados pelo orador
para obter assentimento do auditório.
25
Trata-se da construção de uma integridade discursiva, pela qual o orador busca parecer e ser percebido
competente, razoável, sincero e solidário. (EGGS, 2005).
26
Esse movimento discursivo é afetado pela memória discursiva, que se remete a acontecimentos históricos de
outras greves da década de 1990: metalúrgicos, Petrobrás, caminhoneiros e apontam o mesmo funcionamento
ideológico – o de provocarem malefícios à sociedade – além de recolocarem o conflito como uma grande
performance discursiva nacional (Boito,1999).
68
1. A Prefeitura de Belo Horizonte informa que: 1. Recorreu à Justiça para desocupar sua sede, invadida na
última quarta-feira por um grupo radical, ligado ao comando de greve. A desocupação deu-se na tarde
de sábado, em cumprimento da decisão de reintegração de posse determinada pela Juíza da Primeira
Vara da Fazenda Municipal. Assim, na segunda-feira, o prédio reabre e retoma seu funcionamento
normal. 2. Repudia com veemência a radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias e tem certeza
que tais atos não refletem o pensamento dos professores municipais. O radicalismo e a intransigência
têm dificultado o entendimento e prejudicado o conjunto dos trabalhadores da educação e,
principalmente, os alunos e suas famílias. 3. Reafirma que o retorno imediato ao trabalho da pequena
parcela dos professores, que ainda está paralisada, é fundamental para que o diálogo possa se
estabelecer em busca de soluções que atendam aos interesses do conjunto da categoria. (Nota publicada
no Jornal Estado de Minas, 23/09/2001). (Anexo5)
1.a “tem certeza que tais atos não refletem o pensamento dos professores municipais”
Neste caso, sugere que o movimento não é responsabilidade dos professores e sim de
um grupo pequeno que os lidera. Sugere que há um grupo dentro do sindicato que age contra
os professores e contra a população. Ao mesmo tempo, em que assume um lugar de suposta
neutralidade e isenção ao se fazer valer da voz jurídica, como em:
1. Quando Maurício Borges afirma que “se os professores saírem inteiros da greve, no ano
que vem farão outra greve”.
Neste caso, Maurício Borges, então secretário da administração da PBH, faz essa
afirmação em relação aos professores, em uma reportagem do jornal Estado de Minas. Este
trecho do texto está explicitamente marcado na carta do sindicato pelo uso das aspas. Este uso
demarca um limite evidente entre a voz de Maurício Borges e a voz do sindicato.
No exemplo 2, há outra incorporação textual explícita, em que as aspas desaparecem e
o discurso da PBH toma a forma de uma oração gramaticalmente subordinada à oração que
relata, uma relação marcada pela conjunção que:
27
Daí a necessidade de juntar as duas teorias, conforme Fairclough (2001), o conceito de intertextualidade
aponta apara a produtividade dos textos, mas essa produtividade não está disponível para as pessoas, ela é
socialmente limitada e restringida conforme as relações de poder. Isso significa que com a teoria das
hegemonias é possível mapear as possibilidades e as limitações para os processos intertextuais dentro de
hegemonias particulares (justifica-se aqui a Teoria de Mudança Social).
28
Por intertextualidade manifesta, entende-se intertextualidade sequencial (em que diferentes textos ou tipos de
discurso se alternam em um texto); intertextualidade encaixada (em que um texto ou tipo de discurso está
claramente contido dentro da matriz de um outro, uma relação entre estilos) e a intertextualidade mista, em que
textos ou tipos de discurso estão fundidos de forma mais complexa e menos facilmente separável.
(FAIRCLOUGH, 2001).
71
3. “Aqueles que, apesar da assembleia, decidem não aderir a greve, comprometem com a sua
omissão a vida dos que estão na luta, como estamos presenciando agora. E ainda, fornecem
argumentos ao governo para dividir a nossa categoria para melhor atacá-la , como dizem as notas
oficiais da PBH, em que atribuem a alguns a responsabilidade pelo nosso movimento”.
A PBH em sua nota indica que há um grupo de radicais ligados ao comando de greve.
Quando o sindicato relata indiretamente a fala da PBH, abre espaço para a ambivalência de
sentidos e podemos interpretar que o sindicato admite que existam alguns responsáveis pelo
movimento, que são aqueles que comprometem com a sua omissão a vida dos que estão na
72
luta, pois estes, segundo o texto, fornecem argumentos ao governo para dividir a categoria.
Esta análise nos indica que o sindicato deixa entrever um dizer sobre o fracasso do
movimento. Indicia sentidos de que a greve é fraudada por aqueles que não participam. Há
uma cava, uma fissura no dizer sindical que indicia uma memória sobre a desconstrução da
greve, e que ao mesmo tempo instala um efeito de não greve: como se um outro disser se
instalasse no dizer do sindicato. Segundo Fairclough (2001), os elementos do texto podem ser
planejados para ser interpretados de diferentes modos, a representação discursiva sugere
ambigüidade sobre as vozes (uma possível fusão); é o que implica o discurso analisado. Nele,
o sindicato representa as recomendações da PBH como se elas fossem as suas próprias
recomendações, ao mesmo tempo em que traduz tal texto para sua própria linguagem.
Na análise da nota percebemos que, discursivamente, o texto da PBH é coeso, fechado
e formal, ela é incisiva ao definir um grupo radical, ligado ao comando de greve. Já o
sindicato ao fazer este relato, como num processo de tradução, faz mudanças que afastam da
terminologia legítima, aproximando-se da fala popular, própria do gênero boletim (panfleto-
folheto), nos termos do seu julgamento (não resta dúvida de que este é um trabalho ideológico
para se adotar os sentidos que sindicato quer fazer circular). Traduzir a linguagem de
documentos oficiais escritos em uma versão de fala popular é uma instância de uma tradução
mais geral da linguagem pública na linguagem privada; para Fairclough (2001, p. 144) é esta
um tipo de “mudança linguística que é ela própria parte da rearticulação da relação entre o
domínio publico dos eventos políticos e agentes sociais, e o domínio privado, o domínio do
mundo da vida cotidiana, da experiência comum”. Há, na carta em análise, pistas formais de
proposições tomadas como já dadas e, aqui nesta pesquisa, assumimos que as proposições
pressupostas29 são uma forma de incorporar os textos dos outros, textos que muitas vezes são
contestados. A partir desta concepção, pretendemos mostrar como este outro atravessa a voz
que enuncia na carta em uma relação tensa e de oposição30. Buscaremos compreender quais
outras vozes podemos ouvir no discurso apresentado pelo comando de greve, através da
captação das FDs; de outro modo, buscaremos nas frases negativas, quais são os pressupostos
29
As pressuposições são também categorias de análise, pois ao serem tomadas pelo (a) produtor (a) do texto
como já estabelecidas ou dadas, definem-se como uma forma de incorporar textos de outros; ou seja, um alheio,
que é contestado, que corresponde à uma opinião geral (o que as pessoas tendem a dizer, experiência textual
acumulada). Fairclough (2001) aqui, incorpora Pêcheux, ao relacionar pressuposição a uma expressão 'pré-
construída' que circula em uma forma já pronta. Podendo possuir caráter manipulador.
73
30
Apresentamos um funcionamento discursivo, já analisado por Cazarin (2000), são enunciados que se formam
na tensão que liga os processos discursivos inerentes a duas FDs antagônicas, materializando linguisticamente
essas contradições interdiscursivas, bem como as fronteiras entre esses domínios de saber.
31
Fairclough (2001) afirma que os sujeitos, mesmo sendo posicionados ideologicamente, têm capacidade de agir
criativamente, no sentido de executar suas próprias conexões entre as diversas práticas e ideologias a que são
expostos e, também, de reestruturar tanto as práticas quanto as estruturas posicionadoras. O equilíbrio entre o
sujeito ‘efeito’ ideológico e o sujeito agente ativo é uma variável que depende das condições sociais, tal como a
estabilidade relativa das relações de dominação. O autor considera que nem todo discurso é irremediavelmente
ideológico. As ideologias caracterizam as sociedades que são estabelecidas numa relação de poder, de
dominação. Assim, à medida que os seres humanos transcendem esse tipo de sociedade, transcendem também a
ideologia.
74
tão naturalizados que essas posições de sujeito sejam vividas como complementares (é o caso
da PBH). Em diferentes circunstâncias sociais, os mesmos limites poderiam tornar-se foco de
contestação e luta, e as posições de sujeito e práticas discursivas associadas a eles poderiam
ser consideradas contraditórias.
No exame da relação em análise, lembrando que a carta “A luta também é sua”, de
26/09/2001, é destinada àqueles que não fazem a greve ou que estão pensando em voltar à
sala de aula, a posição do sujeito do discurso estabelece uma relação de confronto com o outro
discurso oriundo de uma outra forma-sujeito, de outra FD², a que chamamos de FD externa. É
uma relação que se marca pela tensão e pelo antagonismo; nela tem-se um sujeito (comando
de greve do sindicato) fiel à ideologia sindical, a sua FD¹, a que chamamos FD interna; mas
que se representa de forma distinta, nas diferentes formas de funcionamento discursivo,
evidenciando, assim a sua descontinuidade. Como categorias de análise, analisaremos quatro
frases negativas (que evidenciam o referido confronto), em três sentenças discursivas (sds)32
em que se fazem presente uma operação de negação do discurso do outro (FD externa), são
elas:
32
Termo utilizado por Courtine (1981), também utilizado por Cazarin (2000).
75
‘enunciado dividido’ marcado, termo utilizado por Cazarin (2000) que assim o denomina pela
expressão: Não é X (Mas) ou é Y (onde X representa o discurso da FD externa e Y o discurso
da FD interna); sendo assim, temos:
A proposição presente na frase afirmativa que vem após a negação apresenta-se como
um dado novo que busca desqualificar o discurso outro. Aqui está presente a heterogeneidade
discursiva mostrada marcada. O NÃO é uma marca de que no interdiscurso existe um
enunciado afirmativo próprio da FD², possível de ser recuperado através da categoria da
memória discursiva. O sujeito recupera no discurso, o discurso do outro, insere-o no seu de
forma negativa e apresenta o seu próprio, de sua FD; apresentando um jogo tenso entre
distintas posições de sujeito que colocam em confronto o discurso nas duas FDs. Pode-se
observar que a interlocução, neste caso, realiza-se em duas direções. De um lado, com
trabalhadores sindicalistas, de outro com a FD², mais precisamente com o adversário do
sujeito o discurso-outro, na negação-afirmação.
No item 2 e 3, quando o sujeito do discurso nega a FD², atestando a insuficiência dos
mesmos, a medida que julga também o contrapõe, apresentando o ponto de vista próprio da
FD¹ que o outro FD² busca desqualificar. Observe que em todas as ‘sds’ o efeito de sentido
produzido é o de crítica ao caráter restritivo do discurso-outro. Isto possibilita dizer que
embora o enunciado como um todo não seja rejeitado, ocorre a busca da desqualificação desse
discurso, dada a refutação da insuficiência do mesmo. Reveste-se, assim, o discurso do
sindicato, nesse funcionamento discursivo de características estritamente polêmicas que
marcam a tensão e o confronto entre FDs antagônicas.
Concluindo a análise interdiscursiva, percebemos como nossos atores negociam (de
diferentes modos) com a interdiscursividade, a partir de conceitos próprios ao dialogismo
bakhtiniano. Ou seja, podemos perceber que ao analisar as condições da prática discursiva de
76
33
Thompson (2007, p. 79), conceitualiza ideologia “em termos das maneiras como o sentido mobilizado pelas
formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar relações de dominação”. Essa descrição de Thompson
77
uma estrutura sociocognitiva, responsável por mobilizar sentidos que reforçam pessoas e
grupos que ocupam posições de poder, e, como Thompson (2007), concebendo ideologia
como sentido a serviço do poder.
Entendemos que a prefeitura, em seu projeto hegemônico (próprio da circunstânca
instaurada), utiliza-se do que Fairclough (2001) chama de uma simulação estratégica para atingir
os efeitos pretendidos; isso quer dizer que a PBH investe-se ideologicamente na construção de
suas notas oficiais, elaborando a construção de significações que a sustentam na posição que
ocupa. No entanto, observar o funcionamento das ideologias exige que, muito antes da busca
por traços e pistas de um trabalho ideológico na materialidade da língua, reconheçamos que a
operação ideológica faz parte de uma análise mais ampla: a análise da prática social; e, esta
consiste em especificar as estruturas sociais (efetivamente interiorizadas: a relação capital x
trabalho, patrão x sindicato) e as relações hegemônicas34 que constituem a matriz de uma
instância particular. (FAIRCLOUGH, 2001). Nesse sentido, orientamos esta análise para que,
primeiramente, busquemos a compreensão da constituição do discurso da prefeitura em um
nível interdiscursivo, previsto nas notas oficiais publicadas. Posteriormente, nos dedicaremos
a análise de como o trabalho ideológico se vincula à materialidade linguística e às ordens
discursivas.
Como vimos ao analisarmos a monofonia e a polifonia, percebemos que discursos de
greve tendem a uma orientação acumulada e naturalizada. O discurso da PBH, por exemplo,
silencia outras vozes e encaminha sentidos de unidade e coesão. Naquela análise, a PBH se
utiliza das vozes que faz aparecer em seu texto, sem que haja polêmica, na construção do seu
projeto hegemônico de influência e persuasão; faz falar, predominantemente, uma única voz e
todas as outras contribuem para a orientação da argumentação, que se indexa a determinada
(2007) apóia-se na concepção latente de Marx. Não é essencial que as formas simbólicas sejam ideológicas. Elas
podem ser errôneas e ilusórias: a ideologia pode operar através de ocultamento e do mascaramento de relações
sociais, obscurecimento e da falsa interpretação. Mas essas são possibilidades contingentes e não características
necessárias da ideologia como tal. Para Marx, segundo o autor, o critério para se sustentar relações de dominação
é a relação de classes, são as relações de dominação e de subordinação de classe que constituem os eixos
principais da desigualdade e exploração nas sociedades humanas em geral e nas capitalistas em particular.
34
Como conceito procedente dos estudos de Gramsci (Apud FAIRCLOUGH, 2001), hegemonia é liderança ou
exercício do poder (mais alianças e integração através de concessões do que a dominação de classes subalternas)
em vários domínios de uma sociedade (econômico, político, cultural e ideológico). Mas, também, a
manifestação do poder de uma das classes economicamente definidas como fundamentais em aliança com outras
forças sociais sobre a sociedade como um todo, porém nunca alcançando, senão parcial e temporariamente, um
‘equilíbrio instável’, contraditório de elementos, mais ou menos instáveis, que estão em articulação,
desarticulação e rearticulação. E, finalmente, um foco de luta constante sobre aspectos de maior volubilidade
entre classes (e blocos), a fim de construir, manter ou, mesmo, a fim de romper alianças e relações de dominação
e subordinação que assumem configurações econômicas, políticas e ideológicas. Fairclough (2001, p. 122)
adverte que a luta hegemônica se instala sob pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para manter ou
romper alianças e relações de dominação e subordinação.
78
ideologia, que pretende desconstruir a organização sindical; e, por fim, provocar o término da
greve e o retorno às aulas com o reconhecimento pela população de um ethos político-
administrativo coerente, democrático e confiável (mais adiante falaremos dessa relação
informação vs. persuasão). A respeito dessa organização discursiva da PBH, Fairclough
(2001, p. 96), indica que, em alguns casos, “os limites entre os ambientes e as práticas são
tão naturalizados que essas posições de sujeito são vividas como complementares”;
exatamente, o que nos mostrou a análise anterior.
O que apresentaremos no quadro abaixo seria um processo de desnaturalização; ou
seja, localizaremos nos textos da PBH, por meio de uma análise da interdiscursividade, que é
constituída de forma heterogênea, nos termos de Fairclough (2001), e por meio de elementos
de ordens do discurso, relações hegemônicas; ou melhor, as outras correntes, as formações
conflitantes, presentificadas no discurso. É justamente nesse quadro que há o investimento
ideológico: “quando são encontradas práticas discursivas contrastantes em um domínio
particular ou instituição, há probabilidade de que parte desse contraste seja ideológica.”
(FAIRCLOUGH, 2001, p. 117). Um exemplo disso são as presenças de ordens de discurso
democrática e autoritária que não se relacionam entre si, e, desse modo, ficam abertas; ou
seja, abrem o canal para os investimentos políticos e ideológicos. Esses investimentos seriam
as “construções ou significações da realidade - mundo físico, relações sociais, identidades
sociais -, que se fundamentam em diferentes dimensões das formas e dos sentidos das
práticas discursivas, colaborando para a produção, a reprodução ou a transformação das
relações de poder”. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 117). Essa hipótese pode ser também
explicada quando, por outro lado, considerando o processo de consumo textual,
compreendemos que a instância da interpretação é, também, outro lugar de investimento
ideológico. Nesse sentido, a compreensão de sentidos das notas requer intérpretes que sejam
capazes de estabelecer conexões coerentes entre seus elementos heterogêneos, pois, parte do
projeto hegemônico da PBH é, sem dúvida, a constituição de sujeitos intérpretes para quem
tais conexões são naturais e automáticas. Isto é, os textos estabelecem posições para os
sujeitos intérpretes que são ‘capazes’ de compreendê-los e ‘capazes’ de interpretá-los
(retornaremos a esta questão ao concluir parcialmente este item).
O quadro nos indica as formações que se cruzam nos discursos da PBH que é, nos
termos de Fairclough (2001), uma composição de elementos da ordem do discurso societária,
a que chamamos à atenção: o discurso populista, neoliberal, autoritário e democrático; que
contribuem para o investimento ideológico entre eles e para o assujeitamento das
interpretações pretendidas.
79
35
Conforme nota anterior, o termo está entendido como o discurso que traduz a política econômica restritiva
neoliberal, que se propõe reduzir a margem de manobra política e social do governo (Boito,2006). Ao dar
prosseguimento à leitura, veremos que todos os elementos acima compõem a proposta ideológica do discurso.
80
“Se os professores saírem inteiros da greve, no ano que vem farão outra greve.”
(Boletim do SindUTE, 26/09/2001).
Para consecução do seu projeto, a PBH precisa silenciar a voz autoritária (já que não
pode obrigar os professores a voltar a dar aulas), no entanto, é preciso fazê-lo. São os
mecanismos operacionais (que veremos, localizadamente, adiante) que farão este trabalho de
construção e significação da realidade pretendida. Um trabalho tão bem articulado traz à tona
como as ideologias são construídas de tal modo nas convenções, que fica quase imperceptível
aos sujeitos interpretantes, compreender que tais práticas possuem investimentos ideológicos
específicos. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 120). Para esta desconstrução e tornar perceptíveis
estes mecanismos, faremos uma breve descrição da estrutura argumentativa. Dividimos as
notas publicadas pela PBH, apenas para facilitar nossa análise, em três segmentos discursivos:
introdução, o desenvolvimento ou justificativa e a conclusão, em que a prefeitura declara a
sua intenção.
Ao introduzir a Nota a partir do enunciado “A PBH informa que:” seguem-se um ou
dois parágrafos em que a PBH constrói sua auto-imagem por um processo de auto-
valorização. Thompson (2007) caracteriza a legitimação como um modo de operacionalização
ideológico em que relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas pelo fato de
serem representadas como legítimas, uma estratégia típica da legitimação é a racionalização,
através da qual o produtor constrói uma cadeia de raciocínio que procura defender ou
36
Entendemos formações ideológicas, conforme Brandão (1995, p. 47), como um elemento capaz de intervir
como uma força em confronto com outras forças na conjuntura ideológica de uma formação social, em um
determinado momento: “cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e de
representações que não são nem ‘ individuais’ nem ‘universais’, mas se relacionam mais ou menos diretamente
a posições de classe em conflito umas em relação às outras.”. Nesse sentido, a formação ideológica tem como
um de seus componentes uma ou várias formações discursivas interligadas.
81
justificar suas ações; na circunstância da greve, estas servem para sustentar o domínio da
prefeitura como se vê nesse trecho:
“conseguiu ser uma das raras capitais brasileiras a ver suas finanças saneadas. Para
isso, tem racionalizado gastos e não abre mão do rigor no trato com dinheiro público.
Essa postura da PBH traz benefícios para toda a população (...), o atendimento das
reivindicações apresentadas por alguns setores inviabilizaria o orçamento da
Prefeitura para atividades essenciais”. (Jornal Estado de Minas, 05/08/2001-Anexo 1).
“(...) a radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias e tem certeza que tais atos
não refletem o pensamento dos professores”. (Jornal EM, 23/09/2001-anexo 5).
“comunica que tomará todas as medidas legais para garantir os serviços de saúde e
o retorno ás aulas”. (Jornal EM, 05/08/2001- anexo 1)
“A Prefeitura apela para o bom senso dos servidores”. (Jornal EM, 05/08/2001-
anexo 1)
(...) Repudia com veemência a radicalização que Nominalização:acontece quando sentenças ou parte delas
vem ocorrendo(...) o radicalismo e a intransigência descrições da ação ou dos participantes nela envolvidos
tem dificultado(23/09/2001-anexo 5) são transformados em nomes, apagam-se os atores e a ação
e tendem a representar processos como coisas ou
acontecimentos. sujeito que produza essas coisas
A questão que nos chama atenção na análise desse quadro é o fato de que as ideologias
implícitas nas práticas discursivas tornam-se eficazes porque as estratégias permitem que um
83
uma orientação acumulada e naturalizada que é construída nas normas e nas convenções,
como também um trabalho atual de naturalização [...] de tais orientações nos eventos
discursivos”.
Essa proposta da PBH de se apresentar sob essa organização constituiu (criou) um
discurso de poder político sem igual. Prova disto é o fato de que, seguidos quase 10 anos não
se fez outra greve de tamanho porte na rede municipal de ensino de Belo Horizonte. Os
efeitos37 obtidos desse discurso, somados a outros fatores político-históricos, provocaram uma
apatia geral na organização de trabalhadores em educação nos anos posteriores. Se a ação
objetivada era fazer calar a voz do movimento sindical o objetivo foi conseguido. Esta
rearticulação discursiva materializou o projeto hegemônico da PBH, constituindo uma forma
válida de discurso político, assegurando ao governo certa segurança de seu comportamento
político.
Vamos investigar mais um pouco, no quadro abaixo, centralizando nossa atenção em
um dos discursos que compõem a ordem discursiva a que a PBH se indexa: o discurso
democrático. Buscaremos mostrar como se dá o trabalho do investimento ideológico, o de
apresentar-se aparentemente democrático, diante de formações internamente conflitantes,
sobrepostas ou apagadas. O fato de encontrarmos de uma maneira contraditória nas mesmas
notas, elementos de ordens de discurso democráticas e autoritárias (conforme explicitamos no
quadro 1), possibilita-nos afirmar que o discurso da PBH é um discurso que tende a
estratégias democratizantes; ou seja, democrático é o efeito ideológico idealizado, investido
na constituição do discurso. Observemos no quadro sobre o trabalho ideológico, as
características dessa construção que, na maioria das vezes, é apresentada (considerando a
organização discursiva) na conclusão das notas oficiais; quando elementos assimétricos de
demarcação de poder são apagados ou substituídos por mecanismos encobertos de controle.
Em especial, chamamos a atenção para os atos de fala, aqui concebidos, conforme
Mari (1997), em função das condições estabelecidas em determinada interação verbal, que
regulam a ação dos agentes, dizendo respeito à convenção da situação de comunicação, ao
conteúdo informacional e à intenção que esses agentes têm de transformarem ou não um ato
em realidade. Apresentaremos os atos grifados, para uma análise posterior:
37
Efeitos ideológicos e hegemônicos particulares (sistemas de conhecimento e crença, relações sociais,
identidades sociais). (Fairclough, 2001, p. 289-290).
85
26/08 A Prefeitura, que tem negociado Simetria no direito de fazer certo tipo de
permanentemente, reafirma a necessidade de exigência; substituída pela indireção.
imediato retorno ao trabalho (anexo2)
31/08 Em razão da liminar judicial prolatada pelo “Em razão da liminar”, “por intermédio de”
MM. Juiz da Vara da Infância e da Juventude, o são mecanismos encobertos de controle. Onde
Município de Belo Horizonte, por intermédio de se busca uma isenção de responsabilidade, não
sua Procuradoria-Geral, notifica os professores tomando para si a autoria dos atos.
municipais em greve para que retornem de
imediato ao trabalho em sala de aula. (anexo3)
17/09 (...)todas as propostas da PBH foram rejeitadas, o Pressuposição38: a PBH tenta estabelecer como
comando de greve não aceitou a dada uma proposição estabelecida por ela
determinação(...)Diante do exposto, não restou ao mesma durante o próprio texto.
poder público outra alternativa que não encerrar
as negociações. (anexo4)
23/09 (...)Reafirma que o retorno imediato ao Substituição de atos diretos como: ordena-se e
trabalho da pequena parcela dos professores, exige-se; por um ato cuja força se aproxima de
que ainda está paralisada, é fundamental para um relato real sobre um estado de coisas, quase
que o diálogo possa se estabelecer em busca de uma descrição, predição; em que o efeito
soluções que atendam aos interesses do conjunto intencionado é uma ordem.
da categoria.(anexo5)
26/09 i. Prezado(a) professor(a), i. Forma simétrica de tratamento: formato
ii.(...)Diante desde quadro, a Prefeitura reitera polido com que a PBH trata os professores;
a necessidade da volta imediata ao trabalho da ii.Estabelece como dada uma pressuposição
parcela de professores que ainda não retornou. estabelecida por ela mesma;
Iii.(...)A prefeitura continua confiando no iii.Elege um causador do mal, isentando os
estabelecimento de um efetivo diálogo com os professores; encobrindo a ordem de retorno às
professores, este momento dificultado pelo aulas.
radicalismo e intransigência da direção sindical.
(anexo6)
38
Pressuposições são proposições que são tomadas pelo produtor do texto como já estabelecidas ou dadas. Em
uma visão intertextual podemos assumir que as proposições pressupostas são uma forma de incorporar os textos
de outros, uma forma de incorporar algo tomado como tácito pelo produtor do texto. (FAIRCLOUGH, 2001, p.
156).
86
Retomando a definição anterior, sabemos que o ato de fala é definido em função das
condições estabelecidas em determinada interação verbal e dizem respeito: i). à convenção da
situação de comunicação, que no nosso caso são as notas oficiais como gêneros de discurso
institucionais, que têm por característica restringir economicamente o discurso, são portanto,
breves e diretas; ii) ao conteúdo informacional, nesse sentido os atos de fala são limitados, já
que notas objetivam uma informação, dizer ou declarar algo; iii) e, sobretudo, à intenção que
esses agentes têm de transformarem ou não um ato em realidade. Assim, o ato, compreendido
e executado, dependerá do contrato estabelecido entre os agentes, seus engajamentos na
situação e do desempenho realizado para a transformação do dizer linguístico em ato, isto é,
em ação factual. (MARI, 1997).
No caso dos exemplos de i. a iv, vemos que há uma preferência por determinados atos
de fala a outros em que se poderia obter um controle direto sobre a ação dos professores (por
exemplo: exige-se, obriga-se, determina-se). Opta-se por um uso de atos de fala menos tensos,
por meio de recomendações e conselhos, como é o caso do exemplo (i.), em que o ato possui a
39
O ponto e o modo são componentes da força ilocucional; (π ) símbolo que representa o ponto ilocucional de
um ato de fala.( µ) símbolo que representa o modo de articulação desse ponto.
87
força comissiva e um modo que alterna entre expectativa e desejo. Embora os atos ii. a iv.,
possuam uma força assertiva, funcionando como uma afirmação diante do que está constatado
pela PBH; indiretamente, o efeito pretendido objetiva a ordem ou o pedido. Isto quer dizer
que, mesmo diante de atos assertivos, o contexto nos indica que os mesmos, indiretamente,
possuem uma força diretiva, de ordem ou de pedido. É o interlocutor que fará essa definição a
partir da jogada ideológica na qual ele vai se inserir. Esta estruturação discursiva caracteriza
fortemente o jogo ideológico, cuja pretensão democratizante elimina atos diretos, que
indiretamente estão presentes, já que em função do poder institucional que a PBH possui, uma
recomendação, um desejo ou um conselho atingem a aquiescência dos interlocutores, tanto
quanto se houvesse sanções legais ou de outros tipos de sanção institucional.
Outro elemento das ordens discursivas divergentes, que compõem as notas da PBH,
que chamamos de discurso neoliberal, identifica-se com uma segunda tendência do mundo
moderno apontada por Fairclough, denominada comodificação. Esta se caracteriza no,
processo pelo qual os domínios e as instituições sociais, cujo propósito não seja
produzir mercadorias no sentido econômico restrito de artigos para venda, vêm não
obstante a ser organizados e definidos em termos de produção, distribuição e
consumo de mercadorias. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 253).
2. “Repudia com veemência a radicalização que vem ocorrendo nos últimos dias
e tem certeza que tais atos não refletem o pensamento dos professores municipais. O
radicalismo e a intransigência têm dificultado o entendimento e prejudicado o
conjunto dos trabalhadores da educação e, principalmente, os alunos e suas
famílias”. (Jornal Estado de Minas, 23/09/2001- anexo 5).
88
A informação e a persuasão
05/08 A Prefeitura, no esforço para equilibrar suas contas, conseguiu ser uma das raras capitais
brasileiras a ver suas finanças saneadas. Para isso, tem racionalizado gastos e não abre mão do
rigor no trato com dinheiro público. (anexo1)
26/08 (...) os professores municipais tiveram expressivos ganhos reais nos salários. (...) 74% dos
médicos municipais ganham acima de 1.940 reais mais os adicionais precisos em lei.(...) Todos
estes ganhos foram garantidos apesar da crise econômica e das limitações impostas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal. (anexo2)
17/09 A Prefeitura de Belo Horizonte vem negociando com os professores, desde o início do ano, índices
de reposição salarial, na busca de evitar prejuízos para o semestre letivo. Com o objetivo de
valorizar o profissional, a PBH apresentou, em julho, propostas de reajuste real que elevaria o piso
salarial (...).(anexo4)
23/09 Recorreu à Justiça para desocupar sua sede. (...). Assim, na segunda-feira, o prédio reabre e
retoma seu funcionamento normal. (anexo5)
26/09 A Prefeitura promoveu, nos últimos oito anos, uma política educacional que se expressa entre
outras ações na construção e manutenção de escolas na implantação a partir do estatuto dos
servidores, do plano de Carreira da educação, na aprovação do Conselho municipal de educação,
na aprovação de licença com vencimento como apoio para a maior qualificação dos professores,
nas reposições de perdas salariais e no amplo debate pedagógico com os professores, alunos e
comunidade escolar. (anexo6)
Quadro 7. Comodificação nas notas oficiais
40
Refere-se aos objetivos comunicativos a que se visa no ato de linguagem. (Charaudeau, 2006a).
89
O que está em jogo, neste caso é a construção de imagens, como em Fairclough (2001,
p. 259). O discurso comodificado preocupa-se com os modos de se apresentar publicamente
as pessoas, as organizações, as mercadorias e a construção de identidades ou personalidades
para elas. A PBH, ao organizar as notas explicita sua imagem (o produto a ser vendido)
discursivamente de maneira a harmonizar com as imagens do produto e de seus consumidores
potenciais. Vende a sua imagem política e seu objetivo é eleger-se, captar o voto dos cidadãos
(como se fossem consumidores). A PBH, o voto e o eleitor são reunidos como co-
participantes em um estilo de vida; produtor, produto e consumidor em uma comunidade de
consumo que a publicidade constrói e simula. Aos destinatários do discurso (população e
professores) cabem as posições: a população, posicionada como eleitores poderosos (em
analogia ao consumidor do discurso publicitário); e os professores, posicionados ora como
população com o direito de voto, e, outrora, como trabalhadores sem poder (peça de
engrenagem da máquina pública).
Pragmaticamente, a combinação de informação e persuasão é evidente, ao inicializar
suas notas com o enunciado: “A Prefeitura de Belo Horizonte informa que [...]” o uso do
performativo capitaliza o significado. O componente proposicional que é parte do significado
ideacional, predica à PBH: a proposição poderia ser representada esquematicamente como ‘x
informa y a z’. As condições pragmáticas do uso deste verbo remete-nos ao contexto da
enunciação: a força que esse enunciado (seu componente acional) desempenha é de uma
asserção em que a PBH irá constatar sobre um estado de coisas; cujo modo informação,
representado diretamente pelo verbo performativo ‘informar’ somados às condições
preparatórias desse ato, ao papel social que a PBH ocupa, seu status e poder; pode garantir a
esse ato uma outra força indireta de declaração e alterar, a partir daí, um estado de coisas. De
outra forma, ao produzir uma notificação: a prefeitura pode estar apenas informando sobre
dados institucionais à população ou notificando, convocando e obrigando professores ao
retorno (e assim com uma força declarativa); mas ainda, pode provocar outro efeito
perlocucional, o de garantia do seu ethos político, quando intenciona auto-promover-se. Ou
seja, a posição sequencial (primeira oração) ao performativo, introduzida pela conjunção
‘que’ nos apresenta, aparentemente, um conteúdo informativo claro que indica os bons feitos
da PBH; além de acrescentar elementos que comprovam a eficiência da PBH no trato com a
gestão pública e solicita (bem intencionada) diante dos interesses da população. Informações
sobre gastos, salários, racionalização e crise, são alianças que fazem a conexão com sua auto-
valorização, cujo efeito é captar e seduzir o eleitor. Segundo Fairclough (2001, p. 263), essa
90
41
Os efeitos de sentido das tendências discursivas são produzidos à medida que elas interagem e se atravessam.
Retoma-se aqui o conceito de ordens de discurso, caracterizadas como complexas, heterogêneas e contraditórias; da
mesma forma, as tendências podem ter valores contrastantes e muito diferentes, dependendo das articulações a que
se associam e estão abertas a diferentes investimentos políticos e ideológicos. (Fairclough, 2001).
42
A simulação de significados interpessoais provém da subordinação de todos os outros aspectos da prática e do
sentido discursivos para alcançar objetivos estratégicos e instrumentais. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 265).
91
Ao entender e analisar a greve podemos dizer que se trata de um ambiente social, onde
práticas de poder e dominação são desenvolvidas. Assim, tanto sindicato como prefeitura
precisam satisfazer critérios pessoais e sociais que os permitam influenciar a opinião pública.
Os discursos veiculados em uma circunstância de greve são decisivos nas orientações tomadas
pelas instâncias envolvidas, visto que a opinião pública exerce o poder de pressão ao aderir
um ou outro discurso.
Nesse sentido, é natural aos discursos políticos de greve processos de persuasão. Os
atores sociais se utilizam de vários mecanismos discursivos para atingir seus objetivos, estes
mecanismos tanto fomentam o espírito crítico e a autonomia do outro, como também podem
evitar a reflexão e a criticidade da população, sendo esta usada como instrumento a serviço da
manipulação. Com isso, objetivos são escondidos ou apresentam-se de forma confusa para
não suscitar reflexão, desviando as atenções do próprio tema que se deveria debater, anulando
ao máximo a autonomia dos ouvintes e a sua capacidade de avaliação da situação.
Como já vimos no início deste capítulo, tanto PBH quanto o sindicato são instâncias
do discurso político que possuem, em função da instituição que representam poder social com
alta carga de influência política, no entanto é a PBH que possui mais acesso ao discurso
público, já que suas notas oficiais são publicadas em um jornal de grande circulação no
estado.
A hipótese desta pesquisa é a de que tanto as notas oficiais como as cartas abertas à
população empreendidas pelo sindicato oferecem estratégias discursivas que auxiliam a
formação e a concorrência da opinião pública. Nosso objeto de reflexão indaga sobre como os
43
Segundo Fairclough (2001, p. 273), cada interpretação implica um modelo particular de prática discursiva, em
termos da luta hegemônica, implica-se uma visão da prática discursiva como articulação: a desarticulação de
configurações existentes de tipos e elementos de discurso e a rearticulação de novas configurações, dando
proeminência a interdiscursividade e intertextualidade.
44
Para Thompson (2007), o estudo da ideologia é o estudo de como o significado é construído e transmitido
através de formas simbólicas de vários tipos.
92
45
Charaudeau (2005, p. 55) afirma que “dadas a complexidade da estruturação do campo político, decorrente
dos múltiplos entrecruzamentos que se produzem entre os diferentes setores de atividade da prática social, e as
diferentes situações de comunicação, convém distinguir três lugares de fabricação do discurso político: um
lugar de governança, um lugar de opinião e um lugar de mediação. No primeiro desses lugares se encontra a
instancia política e seu duplo antagonista a instância adversária; no segundo, encontra-se a instancia cidadã e,
no terceiro, a instancia midiática”.
93
Pedro Demo (2000), afirma que as relações de poder são ambíguas e podemos
encontrar o poder que enobrece, mas é bem mais comum o poder dissimulado que se
aproveita da sombra para prosperar, e cita Foucault ao dizer que o poder se esgueira pelas
beiradas, busca não ser percebido para influir tanto mais, procura a obediência do outro sem
que este a perceba, inventa privilégio que a vítima pensa ser mérito e usa o melhor
conhecimento para imbecilizar. Podemos definir a manipulação, conforme examina Dijk
(2008), dentro de uma estrutura de triangulação, como uma abordagem que liga discurso,
cognição e sociedade. Isto significa que manipular pessoas envolve manipular suas mentes, ou
seja, as crenças das pessoas, tais como seus conhecimentos, suas opiniões e suas ideologias,
os quais, por sua vez, controlam suas ações. Há três formas de manipulação cognitiva, a
primeira delas seria através do processamento de informação a curto prazo. Todo discurso,
processamento mais detalhado e para uma melhor representação e lembrança, fazendo com
que os leitores prestem mais atenção em algumas partes da informação do que em outras.
Podemos dizer que tanto PBH quanto Sindicato utilizam-se de estratégias discursivas
de persuasão, no entanto, manipulação pode não ser característica de ambos. Lembremos que
Thompson (2007) e Fairclough (2001) relacionam ideologia a investimentos em práticas
discursivas que contribuem para manter ou reestruturar as relações de poder. As ideologias
controlam as cognições sociais: o conhecimento, as opiniões, posturas e representações
sociais. Já manipulação são todas as formas de interação, inclusive as ideológicas, que servem
apenas aos interesses de uma parte e são contra os interesses dos receptores. Ou seja, podemos
nos vincular a esta ou aquela ideologia, o sujeito admite, mais ou menos conscientemente, a
aceitação através da formação de modelos. O processo manipulativo não. São consideradas
formas ilegítimas, porque violam os direitos humanos ou sociais dos que são manipulados e
porque (re)produzem ou podem (re)reproduzir desigualdades. Nesse sentido é que podemos
afirmar que toda prática manipulativa é, sobretudo, ideológica, mas, nem toda prática
ideológica é manipulativa.
Em relação às estratégias e operações, Dijk (2008) indica que a forte polarização entre
Nós (bons, inocentes) e Eles (malvados, culpados) é característica de uma estratégia de
manipulação designada generalização, na qual um exemplo concreto específico que tenha
gerado impacto nos modelos mentais das pessoas é generalizado para conhecimentos e
atitudes mais gerais, ou mesmo para ideologias fundamentais. Assim, a ocupação dos
professores à sede da PBH, é considerada pela Prefeitura como uma atitude radical, termo
usado em associação ao atentado de 11 de setembro nos EUA, em que esse termo foi muito
utilizado em consonância ao terrorismo, um evento muito emotivo com um forte impacto
sobre os modelos mentais das pessoas, sendo usado com o propósito de influenciar esses
modelos mentais. O importante nesse caso é que os interesses e benefícios da prefeitura que
detêm o controle do processo de manipulação, são ocultados, obscurecidos ou negados,
enquanto os benefícios alegados para a população são enfatizados, por exemplo, o prédio
público retoma o funcionamento que atende à população. Veja o exemplo:
97
Podemos atestar aqui que o discurso manipulativo não existe por si em função apenas
da sua estrutura argumentativa e estratégias específicas. O contexto determina a manipulação,
características sociais são imprescindíveis à análise desse discurso, como do discurso em
geral. Embora se utilizem da mesma estratégia discursiva, vemos que os discursos provocam
efeitos de sentido antagônicos, pois se filiam a diferentes formações e a interdiscursos
particulares.
98
Diante do quadro ideológico (Nós x Eles), podemos perceber que a PBH ao enfatizar a
natureza maléfica da organização sindical (não dos professores), e enfatizar a sua natureza
democrática (através de uma auto-apresentação positiva), recorre à anuência da opinião
pública aliada ao espírito de cidadania e amor à cidade de BH. O objetivo é o de manipular a
população contra os professores, a greve e principalmente contra o sindicato. Quer dizer, faz
isso ao enfatizar a preocupação ‘Nossa’ com a família e com o aluno sem escola, contrastando
com os valores ‘radicais, extremistas’ atribuídos ao sindicato e aos professores (como se a
cidade de BH fosse sofrer um ataque e a ocupação do prédio seria o primeiro passo). A PBH,
em sua posição dominante diante da greve dos professores (é o patrão, detém o pagamento,
recorre ao poder judiciário), se concentra na desinformação da população, aproveitando da
sua autoridade para informar dados econômicos como salário dos servidores e níveis
orçamentários. E isso faz da população uma vítima crédula para aceitar tais crenças, quando
sua intenção política é a de manipular votos para futuras eleições. Essas características
presentes nas Notas Oficiais colocam a PBH em uma posição ilegítima (manipuladora), sair
desse lugar requer um exercício, realmente, legítimo e democrático.
É importante perceber que em todos os níveis de análise, a manipulação sociopolítica é
ideológica ao se utilizar da polarização (Nós/Eles), mas estas estruturas discursivas e as
estratégias de manipulação não podem ser reduzidas a qualquer discurso ideológico. Como
não existem estratégias discursivas só usadas para a manipulação, Dijk (2008, p. 255) explica
que em dada situação social, pode haver estratégias preferidas de manipulação, que ele chama
de protótipos manipuladores, sendo aquelas que persuadem as pessoas (enganadas) a fazer
algo: a falácia da autoridade, como em:
7. “Este ano, a Prefeitura realizou desde maio, dezenas de reuniões com o Sind-
Ute”(Carta publicada pela PBH, 26/09/2001- anexo 6).
9. “72% dos professores recebem acima de 1.130 reais por mês”. (Nota oficial
publicada em 05/08/2001-anexo 1)
No quadro acima, verificamos que o discurso sindical funciona como uma contraposição ao
discurso da prefeitura, um contradiscurso, no sentido de conscientizar àqueles que são o alvo
do discurso manipulador. Utiliza-se, para tal, da polarização (Nós/ Eles), em cartas dirigidas à
população com o objetivo de desacreditar as crenças que a prefeitura faz veicular. É possível
observar que o sindicato serve-se, timidamente, da estratégia da auto-apresentação positiva,
faz muito pouco uso da construção de macroatos de fala selecionando seus bons atos, não
fazendo seleção de tópicos enfatizando pontos positivos, usa apenas uma das cartas para fazer
declarações que comprovam acusações. E utilizam-se com muita frequência das estratégias de
outro-apresentação negativa da PBH, com escolhas lexicais que demonstram explicitamente
sua filiação ao campo da oposição política.
Por fim, falta-nos observar como o recurso emotivo é investido ideologicamente nos dois
discursos. Os dois gêneros apresentam um eixo racional (uma ideologia particular), intencionando
a construção da própria legitimidade discursiva, e Thompson (2007) distingue o fundamento do
carisma, como uma das afirmações sob a qual o ato de legitimar-se, diante do outro, pode
estar baseado. O apelo às características de uma pessoa, o apelo às emoções, a busca pelo eixo
discursivo afetivo e passional, tornam-se uma forte estratégia manipulativa no discurso
ideológico persuasivo. A PBH após apresentar-se absolutamente disponível e solícita, justificando
a impossibilidade de oferecer aos professores o aumento salarial, faz um apelo ao ‘bom senso’
do professor. O bom senso é uma expressão que indexa-se a concepções e regras socialmente
partilhadas, é uma espécie de chamado à adequação. Mas adequação a qual realidade, a qual
modelo específico? A prefeitura faz, ao fazer o apelo, ouvir a voz da ideologia neoliberal, que
ela constrói em atos discursivos (seleção de proposições negativas sobre a greve, sobre a
racionalização de gastos, etc.), que se revela no macroato semântico de que movimentos
sociais impedem o desenvolvimento econômico (o modelo corrente no contexto analisado); e,
por isso o professor deve usar sua capacidade virtuosa e fazer a escolha correta. O apelo é
uma espécie de exigência, estratégia retórica, diante dos argumentos apresentados. Este apelo
é manipulativo, em relação ao interlocutor (o professor), porque escamoteia a real intenção da
PBH de fragmentar o movimento, minar a organização da greve, e convida à ideologia
liberalizante do cada um por si (atribui o desempenho a uma pessoa em particular –
desvencilhando-a da coletividade e do contexto político).
O sindicato também fazendo uso do recurso emotivo, busca emoções relevantes da
população (um chamado aos trabalhadores- arquivos da memória social) ao se valer do uso do
‘Nós’, que entendido como inclusivo (“nós, Trabalhadores em educação”; “todos os
trabalhadores seremos”; “queremos a liberdade do nosso povo”), evoca uma coletividade,
102
O uso inclusivo de um indeterminador (nós) pretende ora ser representado por todos os
que escrevem e ora por todos os que leem. O sindicato busca a capacidade de juntar gente, de
coletividade, de dividir a mesma ideologia. Ora através de um chamado caloroso ora através
do chamado à consciência trabalhadora, a estrutura do texto sindical, do ponto de vista
pathêmico, tenta uma similaridade aos carros de som e ao ardor do trabalhador inflamado. Daí
os textos hiperbólicos, as escolhas lexicais metafóricas, e etc. No entanto, através da análise
percebemos que o discurso sindical, enuncia do lugar da desarticulação do movimento
ideológico intencionado pela prefeitura, a sua escolha é a do contradiscurso, manifesta o
repúdio e denuncia a força manipulatória dos argumentos utilizados, classificando-os como
abuso de poder.
Concluindo, podemos afirmar que a prefeitura faz uso de estratégias sócio-políticas que
apelam para o uso da sua autoridade frente à instância cidadã, que não possui controle sobre as
informações veiculadas, em função do acesso a recursos midiáticos e do próprio jogo discursivo
de auto-valorização e associações a modelos sociais invertidos; o discurso sindical, também, se
concentrando nas características cognitivas e sociais da população, opta-se por um discurso
político ideológico persuasivo, em que se critica a posição de poder, superioridade e de acesso
à mídia que a PBH possui, indicando-o como falacioso. No entanto, em relação a essa
tentativa de contrapoder sindical, concluímos com Dijk (2008, p. 256) que “enquanto essas
pessoas não dominam o cenário principal dos meios de comunicação, ou as instituições e
organizações de elite, o problema dos contradiscursos é menos grave para os
manipuladores”.
103
da imprensa são as mais bem lembradas do que as de televisão. É nesse sentido que o estudo
sobre como são veiculadas representações sobre os professores em greve, interessa-nos
prontamente, dado o poder de influência persuasiva que o texto jornalístico possui na
constituição de modelos sociais e consequentemente de poder.
Vimos nos itens analisados anteriormente, nesta pesquisa, que na circunstância de
greve, a PBH tem mais acesso à mídia jornalística que o sindicato, em função da publicação
de suas notas no jornal, conseguindo assim atingir, sem dúvida, um maior número de pessoas.
O que propomos, neste item de análise, é perceber como o jornal Estado de Minas se
referencia à greve de professores: quem tem voz, como são tratadas as manifestações, como
escolhem o tópico das reportagens, as expressões em relação aos professores, o estilo de
descrever professores em greve e as implicações semânticas especiais relacionadas ao uso de
certas palavras.
Analisaremos neste item o corpus composto por 28 (vinte e oito) reportagens do jornal
Estado de Minas, publicadas no período de 01 de agosto a 02 de Outubro de 2001. O jornal
Estado de Minas é editado pelos Diários Associados, desde 07/03/1928. Em site oficial
(www.em.com.br), afirmam ter estampado os fatos mais importantes que marcam a vida do
povo mineiro, ao longo dos anos de existência; dizem ser referência para a opinião pública de
Minas Gerais e caracterizam como sendo o seu diferencial: a credibilidade do seu conteúdo.
É importante dizer que este jornal apresenta uma tiragem de 119 mil exemplares aos
domingos e 73 mil em dias úteis. Possui cerca de vinte e nove cadernos que circulam em dias
alternados; e, embora, o caderno Política circule todos os dias, todas as reportagens sobre a
greve dos trabalhadores foram publicadas no Caderno Gerais que contempla, conforme site,
assuntos como educação, saúde, segurança pública, meio ambiente, lazer, carnaval, datas
religiosas, cultura popular, patrimônio artístico e religioso, administração pública, trânsito e
estradas, além de grandes reportagens e coberturas especiais. As colunas pautam temas do
cotidiano e abrem espaço para a participação da comunidade, sendo que uma delas lança olhar
cronista sobre a realidade. Podemos nos perguntar, de antemão, por que publicar reportagens
que tratam de relações político-sociais do mundo do trabalho ao lado de temas como carnaval,
trânsito ou lazer. Postar as reportagens sobre greve neste caderno sugere-nos uma tendência
105
demarcadas, ambas com uma forte carga político-ideológica. Aquela na qual a PBH se indexa,
indiciando uma identidade própria ligada ao projeto político neoliberal, que vê nos direitos
trabalhistas empecilho para o crescimento econômico; e, a outra indexada ao sindicato,
vincula-se, semanticamente, ao universo da luta entre classes sociais atualizando sentidos
sobre divisão do trabalho e má distribuição de renda. Trata-se de formações conflituosas,
determinadas pela dinâmica e tensa luta de classes, pelos interesses de grupos colocados
socialmente em posição de dominação e subordinação. Neste momento, torna-se importante
relacionar tais formações, pois são elas que compõem a memória discursiva constitutiva da
circunstância enunciativa em análise e o texto jornalístico apresenta explicitamente essa
intertextualidade; ou seja, demarca claramente através do discurso direto ou indireto os dois
posicionamentos, um jogo de enfrentamento sobre o mesmo objeto. Fairclough (2001) sugere
que a análise da mídia escrita deve ressaltar os elementos e as linhas diversas (frequentemente
contraditórias) que contribuem para compor os textos do jornal, reconhecendo, assim, qual
interdiscursividade é instada a dizer sobre a greve e sobre os professores.
A mídia escrita aposta na construção de sua credibilidade, a partir da isenção de
opiniões; ou seja, afirmam que as notícias de jornal não explicitam, na maioria das vezes, a
autoria; e, isto garante a ideia de credibilidade, já que para os jornais não se pode relacionar
credibilidade a uma mera opinião pessoal. Assim, não sabemos, talvez, o que defendem os
jornais escritos; ou melhor, a voz do jornal, aparentemente, não sinalizaria dizeres?(ver site
oficial dos Diários Associados). Fairclough (2001, p. 137), contrariando essa ideia, afirma que
os “textos diferem na medida em que seus elementos heterogêneos são integrados, na medida
em que sua heterogeneidade é evidente”, o texto pode estar separado do resto do outro texto
por aspas e estar integrado estrutural e estilisticamente, os textos podem ou não recorrer ao
tom predominante do texto circundante e podem ou não ser fundidos por suposições do
segundo plano. Textos possuem uma “superfície textual desigual e ‘acidentada’, ou
relativamente regular.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 137).
Tendo a convicção de que o interdiscurso sustenta os processos de significação e o
gesto de leitura e interpretação, sendo necessariamente remetido às formações que estão ali
configuradas, é impossível pensarmos que um discurso não sinaliza dizeres. Qualquer dito,
mais especificamente, os dizeres sobre greve se inscrevem em conjunturas sócio-históricas e é
impossível não significá-los. Vejamos o texto produzido pelo jornal, aos 49 (quarenta e nove)
dias da greve, em 18/09/2001(anexo 28).
107
O título da matéria enuncia “Eu quero estudar” o primeiro parágrafo traz a voz de
dois personagens: a filha, apresentada através do discurso indireto (exemplo1); e, em seguida,
o pai, que faz um pedido ao prefeito, através do discurso direto (exemplo 2):
A partir daí, no segundo e terceiro parágrafos, sem atribuir a fala a ninguém o sujeito
desse discurso privilegia uma sequência sobre a greve de professores, formulando algumas
considerações teóricas sobre a greve no país. Têm-se os seguintes recortes, todos predicando
sobre a greve dos professores:
invertida. A aluna está no controle, a força do enunciado é de uma ordem. Isto significa que
indiretamente, a força deste ato é diretiva, a aluna não pede, ela exige; um dizer condenatório
e humilhante para aquele ao qual se dirige. Em uma perspectiva intertextual, o mesmo ato
sugere uma interpretação baseada no conceito de pressuposição: se ela quer (deseja, anseia ou
pede para) estudar, é porque alguém não deixa. Quem não deixa? Segundo Fairclough (2001,
p. 156) a “proposição pressuposta pode ser tomada como algo tomado como tácito pelo
produtor do texto”. Nesse sentido, considerando as contribuições que a Teoria dos Atos de
Fala traz para a ACD, podemos analisar que o Jornal Estado de Minas, com esse título,
pressupõe, acessando a memória discursiva na qual se indexa, no dizer de Fairclough (2001),
em termos das relações intertextuais com textos prévios, uma formação discursiva específica
de que o professor é o único responsável pela condição na qual se encontra a escola no país,
sendo ele que, em greve, impossibilita a educação escolar aos alunos e possibilita que crianças
percam o brilho no olhar (dizer do pai da aluna). O desenvolvimento do texto indica,
explicitamente, a posição conformada ideologicamente a que tal discurso remete-se,
retomando dizeres sobre greve e professores já construídos, fazendo circular imaginários que
desqualificam o professor em situação de greve. Retomemos os enunciados acima. No
enunciado (a), o sujeito do jornal EM enuncia que a greve dos professores se repete a cada
ano, esvaziando o seu sentido político e não fazendo o debate sobre o real sentido das greves;
ou seja, discutir sobre o que faz a educação pública precisar estar a cada ano em greve. Em (d)
e (e), o jornal EM, invoca a voz da lei, o Ministério Público, traz à tona, a autoridade do juiz,
para atestar que há os únicos prejudicados: os estudantes , que são, também, os principais
interessados . Reafirmando sua posição política, o sujeito enuncia, em (c), que a questão da
greve não deve ser tratada no âmbito político-trabalhista, mas como uma questão de justiça
comum; ou seja, para este sujeito a greve não se relaciona ao mundo do trabalho, usa o
advérbio ‘meramente’, “indicador da modalidade de atitude atitudinal”, conforme Koch
(1987, p. 192), que se constitui como desqualificador do enunciado, destituindo a greve de sua
representação legalizada de direito; e, recolocando-a sob as bases de um direito comum, lugar
onde questões que dizem respeito à civilidade, regras sociais de uma boa convivência em
sociedade são tratados.
Finalizando o 3º parágrafo, o sujeito desse discurso convoca e faz ouvir, mais uma
vez, a voz da autoridade numa perseguição à construção da legitimidade da sua fala, quando o
procurador de Justiça, assentado em uma suposta ordem, retoma, fazendo circular
significações resgatadas da memória social de que a paralisação não é justa, de que o
109
46
Fairclough expõe os conceitos heterogeneidade mostrada e constitutiva, citando os termos utilizados por
Authier-Revuz (1982) e Maingueneau (1987); justificando sua preferência pelo termo ordem do discurso.
110
reportagens analisadas, em muitas delas, não se fazia referência unicamente, aos professores;
como todo o serviço público insurgiu em movimentos reivindicatórios (uma estratégia da
organização sindical, no período), às vezes em uma mesma reportagem tratava-se de todos os
servidores em greve. No entanto, podemos perceber que há uma representação para
professores e outras para as outras categorias, Fairclough (2001) usa o termo representação de
discurso em lugar do termo tradicional discurso relatado, porque capta melhor a ideia de que
quando se relata, escolhe-se representá-lo de um modo ou de outro; e:
o que está representado não é apenas a fala, mas também a escrita, e não somente
seus aspectos gramaticais, mas também sua organização discursiva, assim como
vários outros aspectos do evento discursivo, suas circunstâncias, o tom no qual as
coisas foram ditas, etc. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 153).
Então, observemos os recortes de outras reportagens que cobrem o período; como tal
representação é feita, em referência a professores e aos médicos:
hiperbólica (querem isso, mais isso, num total disso!), quase um desabafo do jornal,
indiciando sentidos que sugerem o absurdo da exigência do professor. Enquanto, médicos e
dentistas reivindicam; escolhe-se um verbo cujo campo semântico aciona o campo do direito
garantido ao trabalhador, legal e justo.
Por fim, os títulos mais que explícitos das duas reportagens reafirmam o
posicionamento do jornal Estado de Minas sobre a responsabilidade do professor, que não é
com o ensino, mas com a garantia da erradicação da fome no país; discurso poderoso que
alfineta a capacidade de organização e de luta do professor, enganando a opinião pública,
construindo equívocos sobre a real intenção de uma greve, fazendo circular sentidos que
apregoam ideologias que destituem o professor do seu lugar socioprofissional.
A seleção dos títulos foi feita em função daqueles que nos chamaram mais a atenção,
devido à relação semântica que possuem entre si, no sentido de que invocam uma outro-
apresentação negativa da greve e do professor; nota-se que apresentamos os títulos seguindo a
cronologia da greve, que começa em 01/08/2001 e termina em 29/09/2001. Os significados
estão explícitos, isto significa que foram selecionados e por isso aparecem detalhados.
Sabemos que cognitivamente, conforme Dijk (2008), a respeito dos modelos cognitivos, a
interpretação desses títulos varia, em parte, em função das estruturas e das opiniões dos
modelos de eventos que têm uma base pessoal e outra social. No entanto, entendemos que
uma mídia que se diz imparcial e zelosa pelos modelos que faz circular, deveria estar atenta a
uma lexicalização específica que não fira a imagem de nenhum profissional. Percebemos mais
uma vez que há uma regularidade nos relatos do jornal Estado de Minas a respeito dos
professores, e esta regularidade é construída ideologicamente, fazendo circular sentidos que
promovem as ações nocivas aos trabalhadores em educação e aos movimentos sociais em
geral.
Observamos que os títulos enunciados são investidos ideologicamente por um modo
de operação que Thompson (2007, p. 87) define por reificação: que consiste em relações de
dominação que são sustentadas pela retratação de uma situação transitória como se essa fosse
permanente, natural e atemporal. Um exemplo disso é a publicação da reportagem, em
18/08/2001, cujo título é ‘Escassez de professor é crônica’, esta reportagem inicia-se com o
seguinte enunciado: “Além das greves periódicas, a rede municipal de ensino enfrenta [...]”.
Assim, uma greve que é um momento político-histórico, que funciona, justamente,
como uma espécie de dispositivo que corta a sequência temporalizada do mundo do trabalho e
intervém com uma outra lógica temporal, no sentido de desfazer determinado ritmo
sequencializado (BOITO, 1999). Desse modo, a greve é tratada pelo jornal como um
acontecimento quase natural, rotineiro. Essa orientação ideológica envolve a eliminação do
caráter sócio-histórico dos fenômenos; esta é uma estratégia chamada de naturalização
presente nos exemplos a) e l), ao banalizar o sentido da greve e tratá-la como algo recorrente
ou permanente, o que é, também, semelhante a outra estratégia chamada eternalização.
Uma segunda estratégia ideológica nesse processo de banalização da greve é a
nominalização, que consiste em transformar processos e atividades em estados e objetos; e,
114
8. “A população já está sendo punida ao ficar sem aulas para suas crianças”.
(EM, 18/08/2001- anexo 28).
9. “Eles saíram em passeata até a porta da Prefeitura, num ato que terminou
após as 19h, provocando um engarrafamento no centro”. (EM, 05/09/2001-anexo 29).
Podemos dizer que o jornal Estado de Minas indicia, através de suas práticas
discursivas, ideologias que coadunam com o poder político da PBH em relação à greve de
2001. De outro modo, podemos dizer que o jornal Estado de Minas se filia aos dizeres que
conservam e reproduzem o poder da PBH em relação à organização dos seus professores, à
medida que faz circular imaginários que depõem contra movimentos sociais. Ainda, em
relação aos professores, percebemos que este jornal mantém um total silenciamento a respeito
das condições de trabalho dos professores no atual sistema de educação pública. Enfim, com
base na análise, podemos afirmar que o discurso jornalístico filia-se à formação discursiva
dominante, na qual se diz sobre trabalho, mas não é permitido enunciar sobre desigualdades e
direitos.
Embora concordemos com Charaudeau (2006c), quando este autor afirma que a
própria instância midiática é manipulada por uma pressão interna e outra externa. A primeira
por fatores que dizem respeito à instituição e a segunda por elementos que restringem e
limitam sua ação: “a atualidade, o poder político e a concorrência.” (CHARAUDEAU,
2006c, p. 257). Entendemos que o jornal Estado de Minas, possui um modelo de prática
social que serve apenas aos interesses de um grupo determinado; ou seja, em situação de
greve em que dois grupos se polarizam, vemos, claramente, o interesse do jornal em isentar
uma instância: a do governo. Nesse sentido, podemos considerar seu discurso manipulador,
primeiro, porque viola o direito do cidadão leitor de obter uma informação isenta (pela qual
ele paga) aliando-se aos interesses da prefeitura, contra os interesses do grupo dominado,
contribuindo assim para a (ilegítima) desigualdade social. (DIJK, 2008). Segundo, baseando-
nos em Dijk (2008), porque o jornal se utiliza da posição dominante (pelo fato de ser o maior
jornal do estado), não tendo outra instância midiática que o desestabilize ou aponte
irregularidades no seu modelo de informação. E, por último, porque apostando na falta de
conhecimento dos leitores; faz circular imaginários que depõem contra a imagem do professor
116
e da educação pública, como vimos, utilizando-se do seu texto de reportagem como forma de
automatizar a compreensão dos discursos, manipulando compreensões, influenciando o leitor
a compreender o seu discurso como o jornal o vê, através de estratégias de culpabilização do
professor e da greve, associando-os a imagens negativas, sobre sua profissão e sua
organização política.
117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
são usadas estrategicamente para ter efeitos particulares sobre o público. Percebemos, através
da análise, que há um investimento da PBH em tratar especificamente seus discursos nesta
situação enunciativa, numa tentativa de controle sobre os modelos pessoais e sociais da vida
em sociedade.
A mídia, que também centra-se na opinião pública, aqui representada pelo jornal
Estado de Minas, alia-se à PBH, ao não dar visibilidade ao movimento dos educadores, a
começar pelo caderno do jornal onde publica as reportagens (caderno Cidades, no lugar do
caderno Política). Filia-se a dizeres que reproduzem o poder da PBH em relação à
organização política dos professores, culpabilizando-os pela greve e disponibilizando
imaginários de que greve é a responsável pela precarização da escola pública, apontando a
greve como um privilégio do trabalhador e associando-se a ideia de que direitos sociais são
um direito burguês, em um projeto claro que defende o antiestatismo neoliberal; já que um
dos arranjos desse é o de desobrigar o Estado das suas funções, a fim de favorecer a livre
economia e as privatizações.
O sindicato, ao se instaurar como instância adversária, propõe seu projeto ideológico
de sociedade ideal, focalizando-se, principalmente, em direção ao discurso da PBH, com o
objetivo de desautorizar e deslegitimá-la do lugar que ocupa, utilizando-se das estratégias de
polarização ideológica, uma construção argumentativa, como já dito, semelhante à utilizada
pela instância da governança. No entanto, este discurso indexa-se a uma FD que representa
uma fidelidade irrestrita a um projeto de esquerda antineoliberal, anti-imperialista, em que
não se aceita o sistema político centrado no capital e suas organizações econômicas,
(CÂMARA NETO; VERNENGO, 2005); projeto que faz um movimento contrário às
aspirações de uma sociedade que tende ao consumo, à economia aberta e ao individualismo,
em detrimento da coletividade e solidariedade.
Observamos que as estratégias discursivas, nesse cenário, são usadas com objetivos de
dominação e manutenção de lugares sócio-políticos ocupados. No jogo político as estratégias
de polarização ideológica ‘Nós vs. Eles’ e o projeto racionalizante no qual se indexam, são
recursos utilizados em todos os discursos analisados e que garantem sua força argumentativa.
Isto significa que o discurso político se constitui pela busca de legitimação, através da
construção de imagens de lealdade e ideais de verdade. Quem confere esta legitimidade é a
instância cidadã. Por isso, este passa a ser o grande alvo intencionado pelos atores sociais: são
visadas de sedução e captação dessa opinião. A mídia, travestindo-se de seu papel de
neutralidade e de veículo de informação, rende-se aos apelos neoliberais, fazendo circular
determinados imaginários sobre os professores e a greve. E, em acordo com a PBH, juntas
119
obtêm o recursos necessários para captarem para o seu lado esta opinião. Instância que o
sindicato pouco focaliza e atinge, em função das faltas de recurso material e de coexistência
entre projetos racionais-ideacionais (o projeto sindical é antagônico às aspirações sociais).
Chegamos, pois, ao final deste trabalho, apontando algumas questões; os movimentos
reivindicatórios de trabalhadores bem como as instâncias que o representam, têm, a partir
desta análise, uma questão a ser pensada, dados os desafios da modernidade: a instância
cidadã deve ser o foco; ou seja, o destinatário do seu discurso; pois a opinião pública pode
favorecer as ações coletivas, tornando categorias de trabalhadores mais propensas a promover
e/ou aderirem às greves. Nesse sentido, é preciso que os movimentos reivindicativos atentem
e observem o comportamento e os imaginários que circulam no interior de grupos sociais.
Pois, percebemos que, apesar das atividades propostas de visibilidade do movimento de
greve: passeatas, ocupações, vigília, panfletagem, atos públicos e etc., a PBH apresenta uma
articulação discursiva mais fechada, aliada à mídia escrita, provocando um desvio de
interpretações favoráveis à organização coletiva. Um cuidado que o discurso da governança
possui com a centralidade de vozes e um maior investimento na condensação de seus
discursos.
Enfim, o que fizemos em nossa análise foi uma desnaturalização das práticas
discursivas de greve, em que mostramos a indexação da PBH e do jornal Estado de Minas a
formações discursivas neoliberais. Evidenciamos como o discurso sindical, também, negocia
com esta FD dominante, e que ao deixar marcas em seu discurso abre brechas interpretativas,
o que pode caracterizar uma falta de coesão discursiva e uma possibilidade de não apreensão e
captação do outro à sua leitura. Assim, esta pesquisa, aponta para um modo da prática social
revelada no discurso. Isso posto, implica a relação entre a estrutura social e o discurso, uma
como causa ou efeito da outra. Podendo constatar que, nesse sentido, como entende
Fairclough (2001), o interdiscurso precede ao discurso e dialeticamente, ao desenrolar da
trama, como a própria história. Assim, encerramos esta análise, cujo objetivo proposto pela
ACD, que é o de revelar práticas de dominação e apontar alternativas para práticas
emancipatórias, parece-nos alcançado. Encerramos com um pensamento de VanDijk que
traduz toda a trajetória conferida a essa pesquisa:
Pensamos que a análise do discurso deve ter uma dimensão social. Assim , na
escolha de suas orientações , de seus assuntos, de seus problemas e de suas
publicações, a análise do discurso deve participar ativamente, de forma acadêmica,
que é a sua, dos debates sociais e fazer pesquisas úteis àqueles que mais precisam.
(DIJK, 1996, p. 27, apud CHARAUDEAU, 2006, p. 269).
120
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