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UFRJ
Rio de Janeiro
Maio de 2017
Faculdade de Letras
UFRJ
Rio de Janeiro
Maio de 2017
Patemização e representações de gêneros na publicidade
Giselle Maria Sarti Leal
Orientadora: Professora Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Lúcia Helena Martins Gouvêa
_________________________________________________
Profa. Doutora Luciana Paiva de Vilhena Leite - Unirio
_________________________________________________
Profa. Doutora Rosane Santos Mauro Monnerat – UFF
_________________________________________________
Profa Doutora Célia Regina de Barros Mattos - UFRJ
_________________________________________________
Profa Doutora Maria Aparecida Lino Pauliukonis – UFRJ
_________________________________________________
Profa Doutora Michelle Gomes Alonso Dominguez – UERJ (suplente)
_________________________________________________
Profa Doutora Mônica Tavares Orisini – UFRJ (suplente)
Rio de Janeiro
Maio de 2017
Leal, Giselle Maria Sarti.
Agradecimentos
À Professora Lúcia Helena, por confiar em mim e não desistir de mim. Muito mais do
que uma orientadora, uma amiga.
Aos meus familiares, pai, mãe, irmã, pela força, pela âncora, pelo colo, pelo apoio de
toda ordem.
Aos meus amigos, antigos e novos, que me ouviram nos meus dias mais nebulosos e
comemoraram cada etapa junto comigo.
Aos meus chefes, Magna, Felipe, Renata, Ana Cristina, Neuza, Márcia, Eliane e
Janaína, que me compreenderam e me deram o apoio necessário para continuar, sem
nunca perder a humanidade.
Ao meu ex-esposo, Jonas Muniz Alves, que acompanhou quase todo o processo de
“gestação” desta pesquisa, sendo um bom amigo e companheiro. Vivemos uma boa
parceria!
A mim mesma, pela garra que foi obrigada a aparecer e fazer acontecer.
6
SINOPSE
RESUMO
Esta pesquisa tem como proposta analisar textos publicitários de duas revistas
impressas, voltadas para os públicos masculino e feminino – Men’s Health e
Women’s Health, respectivamente. Pretende-se examinar o fenômeno
linguístico-discursivo da patemização – processo por meio do qual a emoção
pode ser estabelecida. A análise que se propõe está fundamentada, sobretudo,
na Teoria Semiolinguística do Discurso, preconizada por Patrick Charaudeau,
coadunada aos estudos em Argumentação, de Christian Plantin. Além desses
dois teóricos, buscam-se referências nos campos da Psicologia das emoções,
nos estudos sobre a Linguagem Publicitária e nos estudos acerca das
identidades de gênero. No caso do gênero de discurso publicitário, observa-se
que a dimensão patêmica do discurso se constitui como estratégia basilar da
construção da sua estrutura argumentativa. Optou-se por observar como se dá
o fenômeno discursivo da patemização em função do público-alvo dos anúncios
publicitários, mais especificamente, os públicos masculino e feminino. Buscou-
se, portanto, verificar as ocorrências de índices patêmicos diretos, em uma
análise quantitativa, bem como descrever o processo de patemização como um
todo, em uma análise qualitativa, tendo em vista a sua relação com a
representação das identidades masculina e feminina.
ABSTRACT
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 11
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 15
PUBLICIDADE
4. METODOLOGIA 112
GÊNEROS: A ANÁLISE
7. REFERÊNCIAS 167
ANEXO 172
11
1. INTRODUÇÃO
captando, assim, sua atenção. Essas estratégias podem ser de diversas ordens,
e seu emprego depende da situação de comunicação na qual o evento
enunciativo se inscreve. A escolha do fenômeno da patemização, enquanto uma
dessas estratégias, justifica-se, então, em função da necessidade de seu
detalhamento na construção de diferentes cenas enunciativas, dentre as quais
se insere o discurso propagandístico.
A escolha do gênero de discurso publicitário, por seu turno, deve-se ao
fato de ele configurar-se num dispositivo comunicativo bastante propício ao
emprego de estratégias patemizantes. Por se tratar de um gênero discursivo
imerso num circuito mercadológico, não tendo um compromisso com a verdade,
a argumentação puramente lógica pode não ter força persuasiva suficiente para
levar o interlocutor ao consumo do objeto de anúncio. Dessa forma, faz-se
necessário fundamentar o discurso a partir de uma argumentação das emoções,
recorrendo-se, então, a recursos patêmicos.
Como é notório que a publicidade se vale de discursos socialmente
difundidos, dentre os quais estão os lugares comuns e os estereótipos, optou-se
por observar como se dá o fenômeno discursivo da patemização em função do
público-alvo dos anúncios publicitários, mais especificamente, os públicos
masculino e feminino. Buscou-se, portanto, verificar as ocorrências de marcas
linguístico-discursivas de patemização, analisando-se em que medida sua maior
ou menor recorrência se relaciona com as representações identitárias de
gêneros.
Quanto às contribuições desta pesquisa para o estudo da linguagem,
espera-se colaborar para: 1) o estudo do fenômeno da patemização, uma vez
que se elucida o seu funcionamento e os efeitos de sentido que podem suscitar
nos enunciados, o que se mostra adequado ao campo da Análise do Discurso e
da Argumentação; 2) o estudo do discurso publicitário, pertencente a um gênero
que acompanha as demandas e mudanças das relações sociais; 3) o estudo das
identidades de gêneros, temática que tem estado em voga nas mais diversas
esferas sociodiscursivas; e 4) o processo de ensino-aprendizagem, uma vez que
a Teoria Semiolinguística do Discurso, tendo como objeto de análise, as marcas
linguísticas da enunciação, está sempre, ainda que indiretamente, a serviço da
prática docente. Ademais, espera-se estimular a realização de novas pesquisas
na área.
13
2. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
1Charaudeau, na esteira da retórica de Aristóteles, opta por empregar em sua teoria o termo
pathos, e seus derivados, em vez de emoção, visando a ratificar que o foco de sua análise não
é o sentimento desencadeado, mas a possibilidade de desencadeamento por meio do discurso
– o efeito patêmico.
16
2Charaudeau, associa alguns conceitos de sua teoria semiolinguística do discurso a essas três
provas persuasivas, que serão apresentados adiante.
17
3 Foi utilizada a tradução de Marcelo Silvano Madeira, publicada pela editora Rideel, em 2007 (a
partir da versão inglesa da obra, por John Veitch, LL. D.) p. 82.
4 Entende-se, aqui, a persuasão num sentido que difere dos sentidos de argumentação, de
sedução e de retórica. Persuadir envolve o uso de técnicas para levar a crer, induzir e convencer
um indivíduo de determinada ideia, afetando seu julgamento; argumentar envolve o
encadeamento lógico de justificativas para uma determinada tese que se pretende provar como
verdadeira; seduzir relaciona-se com a supressão do raciocínio lógico e com a adesão de uma
proposta por impulso; e a Retórica relaciona-se com o uso de técnicas para o bem falar.
5 A relação entre emoção e razão será contemplada na seção 3.3.
18
Raiva Calma
Amizade Inimizade
Medo Confiança
Vergonha Cinismo
Bondade Crueldade
Compaixão Indignação
Inveja Emulação
6Sabe-se que o conteúdo imagético do anúncio muito corrobora o apelo emocional pretendido
pela instância enunciadora, mas isso será tratado adiante.
21
7Este pesquisador publicou, em 1978, seu trabalho acerca das expressões faciais – the Facial
Action Coding System (FACS) – juntamente com W. Friesen. Em 2003, a obra foi revisada, para
a qual J. Hager contribuiu como terceiro autor. Informações extraídas do site
<http://www.paulekman.com/paul-ekman/> Acesso em 05/06/2015, às 11h48.
22
Famílias de emoções
Emoções Matizes
básicas
Ira Fúria Indignação Irritabilidade
Revolta Vexame Hostilidade
Ressentimento Acrimônia Ódio
Raiva Animosidade Violência
Exasperação Aborrecimento
Tristeza Sofrimento Melancolia Desamparo
Mágoa Autopiedade Desespero
Desânimo Solidão Depressão
Desalento
Medo Ansiedade Cautela Susto
Apreensão Escrúpulo Terror
Nervosismo Inquietação Fobia
Preocupação Pavor Pânico
Consternação
23
emoção básica “amor”. Essa “paixão” é “inspirada” no texto, por meio da imagem
e descrição dos itens anunciados:
8 Disponível em http://www.sinonimos.com.br/
26
9 Embora se reconheça que as cores também têm valor informativo, a escolha destas, que
identificam as nuances emocionais, foi motivada apenas pelo intuito de estabelecer semelhança
e contraste entre os termos.
27
MEDO SURPRESA
amedrontamento Abalo
ansiedade admiração
apavoramento assombro
apreensão Choque
aterramento Comoção
cautela Confusão
consternação Emoção
covardia Espanto
dúvida estranheza
escrúpulo maravilha
fobia Pasmo
29
fraqueza sobressalto
frouxidão Susto
horror
incerteza
inquietação
nervosismo
pânico
pavor
preocupação
receio
susto
temor
terror
QUADRO 6 - EMOÇÕES BÁSICAS E MATIZES 4 (ARISTÓTELES X GOLEMAN)
orgulho
prazer sensual
regalo
regozijo
satisfação
QUADRO 7 - EMOÇÕES BÁSICAS E MATIZES 5 (ARISTÓTELES X GOLEMAN)
“Sabonetes ressecam. Dove não. Dove não resseca a sua pele como os
sabonetes comuns. Contém ¼ de creme hidratante e limpa a sua pele
delicadamente, para que ela mantenha a hidratação por mais tempo.”
(Women’s Health, setembro/2012)
saber: (a) a identidade dos parceiros que interagem; (b) a finalidade do ato de
linguagem; (c) o domínio do saber, ou o propósito, veiculado pelo objeto de troca;
(d) o dispositivo, ou as circunstâncias materiais em que se enquadra a troca
(CHARAUDEAU, 1996, p. 35). Neste item serão contempladas as duas primeiras
condições.
No que se refere à condição de identidade dos participantes da troca
linguageira, os circuitos interno e externo ao ato de linguagem são
protagonizados por dois sujeitos possuidores de uma identidade psicossocial, o
que lhes permite desempenhar papéis nos diferentes grupos sociais que
integram. Ao se engajarem na troca linguageira, essa identidade torna-se fator
determinante para que a relação entre eles e com o propósito comunicativo seja
estabelecida e mantida, pois, a partir dela, é garantido o seu direito à fala, ou sua
condição de legitimidade. Ocorre, entretanto, na construção da cena enunciativa,
um desdobramento desses sujeitos agentes, uma projeção de suas imagens
enunciativas para o interior do circuito da fala configurada, donde surgem os
sujeitos de fala. Esse procedimento é o que caracteriza o ato de linguagem como
uma encenação, uma vez que as identidades dos sujeitos enunciativos não
necessariamente correspondem às suas identidades psicossociais
(CHARAUDEAU, 2008a).
O sujeito comunicante – um ser social – pretende exercer certa influência
sobre outro sujeito – também socialmente marcado – que interpretará sua fala.
Para alcançar sua intenção comunicativa, esse sujeito comunicante (EUc)
constrói, mediante a enunciação, uma imagem de si mesmo – um sujeito
enunciador10 (EUe) –, bem como de seu interlocutor – um sujeito destinatário
ideal (TUd). Cabe, então, ao interlocutor – o sujeito interpretante (TUi) – captar
essas imagens projetadas, aceitando a proposta do EUe e identificando-se com
a imagem do TUd, de modo que os propósitos linguageiros convirjam e a
comunicação seja bem sucedida. Para que isso ocorra, então, o EUc transita, na
construção e organização dos enunciados, entre o espaço de restrições
impostas pelas circunstâncias do evento comunicativo, e o espaço de
estratégias, reveladoras da finalidade do seu ato linguageiro, da sua identidade
e do seu propósito (CHARAUDEAU, 2007a, p.19).
há neutralidade na linguagem, como ele mesmo sugere: “...é consenso que esses saberes de
conhecimento dependem das culturas nas quais nascem...” (CHARAUDEAU 2015, p. 198)
12 Aqui se insere o conceito de estereótipos, que será desenvolvido no capítulo 3.
40
13Esse aspecto material é bastante relevante na análise da publicidade impressa, pois entram
em jogo outros códigos semiológicos – a imagem, as cores, os efeitos gráficos – que se mostram
tão importantes quanto o código linguístico. Em alguns casos, até, observa-se que se sobrepujam
a este.
41
15 Este artigo, intitulado Ce que communiquer veut dire foi publicado na revista Revue des
Sciences humaines, n°51, Juin. No entanto, foi acessado no site oficial do autor, sem paginação.
<http://www.patrick-charaudeau.com/Ce-que-communiquer-veut-dire.html> , em 17/06/2015.
16 Il s’agit de l’attitude qui consiste à toucher l’affect de son interlocuteur (son auditoire), à
provoquer chez lui un certain état émotionnel qui soit favorable à la visée d’influence du sujet
parlant, bref à le séduire, à le rendre captif.
45
17
Este conceito será explorado com maiores detalhes adiante, ao se tratar dos estereótipos
masculinos e femininos.
51
18Considera-se, aqui, este pronome de tratamento como integrante do paradigma das pessoas
do discurso, funcionando como segunda pessoa do singular, no lugar de “tu”, ainda que a flexão
verbal se faça em concordância com a terceira pessoa do singular “ele(a)”.
55
orientam suas ações. Os processos, por sua vez, são integrados aos actantes
por meio das sequências, constituindo, assim, a finalidade narrativa.
Na publicidade, pode-se verificar a narrativa a serviço da persuasão, no
sentido de que se procura construir um universo narrado que reflita, de algum
modo, a realidade vivida pelo público-alvo, de maneira que este se identifique e
se envolva emocionalmente com os actantes e com a narrativa. Segue-se um
exemplo (7) extraído do corpus, para que se observe esse tipo de construção
discursiva.
61
Nesta peça publicitária, que anuncia o protetor íntimo diário Intimus Days,
pode-se perceber, mediante o enunciado principal, a construção de um universo
narrado, na forma de um depoimento, com todos os seus elementos
constituintes: actante, processo e sequência: “Para mim, viver em equilíbrio é
62
19
Como a pesquisa toma por base os dois autores, não se fará opção pelo uso de um só termo
– pathos ou emoção.
67
uso da primeira pessoa do plural – “nós” –, ao tratar dos homens que não usam
o perfume Malbec, em: “Os outros, [nós] não sabemos, porque [nós] não
prestamos atenção”. Em outras palavras, tanto enunciador quanto destinatário
só observariam os homens que usam Malbec, pois estes seriam homens mais
atrativos. Ainda que, nos enunciados, possam ser identificados os
comportamentos alocutivo (1), delocutivo (2) e elocutivo (3), este último parece
prevalecer como base para a argumentação, como se verá a seguir.
A prova persuasiva do logos, ou o conteúdo proposicional do anúncio, é
o desenvolvimento de um raciocínio lógico que contrapõe homens marcantes e
homens não marcantes, associando-os com o uso ou não uso do perfume
anunciado, respectivamente. Eis os enunciados que constroem esse raciocínio:
Se a top model afirma que usa o creme dental e brilha, então, se eu usá-
lo, também irei brilhar.
homem livre”. O enunciado central da peça seria justamente uma dessas “leis”
que teria sido enviada e aprovada, o artigo 8º: Gostamos de decote. Até da
mulher do nosso melhor amigo.
Não se pode deixar de notar o cunho machista desta campanha,
ressaltando-se, no entanto, que o anúncio está voltado para o público masculino
heterossexual, que seria o público consumidor da revista Playboy, evocando-se,
assim, o estereótipo do “macho-alfa”. Observa-se, na imagem, que ocupa toda
a página, uma mulher aparentemente distraída, com os olhos voltados para algo
que não vemos, debruçada em uma mesa ou bancada, vestida com uma regata
simples. Como está debruçada, seu decote deixa mostrar parte de seu colo,
complementando o enunciado intitulado como “artigo 8º da Constituição do
homem livre”, que trata a respeito do decote.
Com relação ao conceito de enunciação da expressão patêmica, fica
claro, no comportamento elocutivo do EUe, que ele se coloca numa posição de
experienciador da emoção sugerida – o gostar do decote – que remete à
excitação, ao prazer sexual. Esse comportamento pode ser evidenciado pelo uso
da primeira pessoa do plural, presente na flexão verbal “gostamos” e pelo uso
do pronome possessivo “nosso”. Ao mesmo tempo, esse EUe implica o seu TUd,
ao inclui-lo no processo de expressão patêmica, pois não está só nesse “gostar
do decote”: ele se inclui, mas é numa relação de parceria com o seu interlocutor,
como se quisesse afirmar que compartilha do seu desejo pelo corpo feminino.
Outra forma pela qual a patemização se revela é pela enunciação da
descrição patêmica, que ocorre em função da instância de recepção da troca
linguageira, no sentido de que abrange a construção, por parte do EUe, de uma
cena dramatizante que tenha um potencial patemizante – num comportamento
delocutivo – para a qual o TUi deve se projetar, identificando nela a referência
aos seus imaginários sociodiscursivos. Veja-se o exemplo (12) seguinte.
78
ES Colection – uma marca estrangeira, que teria acabado de inaugurar uma loja
no Brasil. O texto superlativiza a importância dessa chegada, afirmando que o
estilista – em pessoa – esteve em nossa terra para inaugurar a loja, bem como
afirmando que se trata de uma marca espanhola, “reconhecida em toda a Europa
por sua qualidade e estilo” e que “tem todas as suas peças desenhadas e
fabricadas em Barcelona”.
Além das estratégias de supervalorização da marca, comuns ao discurso
publicitário, pode-se observar o componente imagético, que traz um forte apelo
à emoção: dois homens considerados belos, segundo os padrões de beleza
vigentes, posando na praia, em posições potencialmente sensualizadas, usando
somente as peças da marca.
Ainda que não se tenham empregado termos explicitamente
patemizantes, pode-se perceber uma descrição de toda uma situação que leva
o leitor ao sentimento de desejo pela marca: uma marca estrangeira, de
qualidade, com modelos exclusivos, que conta com somente uma loja no país,
que veste bem, como se vê nos modelos. Toda a descrição leva a uma ideia de
conforto, status e de poder, culminando na tópica da felicidade.
Em suma, conforme Charaudeau (2007c; 2010), o fenômeno da
patemização pode ser entendido como o emprego de estratégias argumentativas
pelo EUc para influenciar o TUi, inserindo em seu projeto de fala um conteúdo
emocional, a partir do qual pretende causar um determinado estado qualitativo
no interlocutor. Tais estratégias não estão fundamentadas na identidade social
ou discursiva do sujeito comunicante (no seu ethos), tampouco no
desenvolvimento de um raciocínio lógico mediante a manipulação da linguagem
(no logos); elas se estruturam a partir de dados – conhecidos ou presumidos pelo
EUc – a respeito dos imaginários sociodiscursivos do TUi, passíveis de tocar em
sua afetividade e movê-lo em direção ao objetivo persuasivo do evento
enunciativo – o pathos.
Parte-se, nesta análise, da hipótese de que a mensagem publicitária é
construída fundamentalmente sobre a visada patêmica, no sentido de que esta
preenche uma lacuna do contrato publicitário, que diz respeito à sua não
obrigatoriedade de veracidade. Em outras palavras, um anúncio publicitário não
precisa ser verdadeiro, desde que seja verossímil. Se, por um lado, isso permite
ao publicista explorar o universo do faz-de-conta, da sedução, onde tudo é
80
possível, por outro, pode constituir-se num obstáculo à persuasão. Desse modo,
uma vez que a conexão com a realidade palpável do público-alvo possa parecer
lassa, devido à ausência de argumentos lógicos que o levem ao consumo, faz-
se necessário sustentar a argumentação por meio da patemização, atribuindo-
lhe determinados estados emocionais.
Quanto aos “efeitos patêmicos do discurso”, Charaudeau, para melhor
defini-los, reflete acerca de três aspectos: (1) a natureza intencional das
emoções; (2) a relação entre emoções e saberes de crença; e (3) a
representação psicossocial das emoções.
Quanto à natureza intencional das emoções, o estudioso reconhece que
não se pode limitá-las ao universo do irracional, tratando-as somente como
pulsões ou sensações, como se não houvesse nenhuma relação entre
processos emocionais e racionais. Admite, portanto, que há uma base cognitiva
na emoção: sua representação no discurso implica um processo de
semiotização, o que, por sua vez, envolve um duplo processo cognitivo de
transformação e de transação (CHARAUDEAU, 2007c). Além disso, para o
autor, racionalizar implica agir para atingir um objetivo, ou seja, constitui-se em
uma visada acional que, por seu turno, é desencadeada por um desejo, uma
busca, do sujeito que racionaliza. Trata-se, assim, de uma racionalidade
subjetiva, uma vez que sua motivação seja da ordem do universo afetivo.
Em outras palavras, as ações dos sujeitos no mundo são praticadas em
função de uma intenção; esta é constituída por um movimento que abrange: (a)
o desejo de alcançar um objetivo e (b) a escolha (racional) do meio mais
adequado para atingi-lo, dentre uma gama de opções. O “desejo” pode ser
considerado, por si, uma emoção, como também um desencadeador de
emoções; “e é pelo fato de as emoções se manifestarem nos sujeitos ‘a
propósito’ de algo que ele representa para si que elas podem ser nomeadas de
intencionais” (CHARAUDEAU, 2010, p. 28).
Quanto à relação entre emoções e saberes de crença, deve-se ressaltar
que, juntamente com o processo cognitivo envolvido na manifestação de uma
emoção, ocorre um processo avaliativo. Para um sujeito vivenciar ou exprimir
determinada emoção, não basta a ele ter acesso a uma informação que retrate
a realidade que o circunda; faz-se necessário que ele avalie essa realidade, que
se posicione perante essa informação, relacionando-se com ela.
81
20Esta citação, embora tenha sido extraída do artigo Pathos e discurso político (2007), remete a
outro texto do autor: Les médias et l’information. L’impossible transparence du discours, De
Boeck-Ina, Bruxelles, 2005.
82
21Por essa razão assumiu-se, na seção (3.1), que o arrolamento apresentado, de termos
denotadores de emoção, não constitui um inventário fechado, podendo ser acrescidos outros
vocábulos sinônimos e derivados.
84
(MH, jun/13)
QUADRO 9
CRUZAMENTO DAS CATEGORIZAÇÕES DE MARCAS PATÊMICAS DE CHARAUDEAU E PLANTIN22
22
Esse quadro foi elaborado pela pesquisadora.
87
• Ele tem como alvo uma instância coletiva, o que explica que ele se
inscreva sempre num dispositivo de difusão; daí o qualificativo de
“propagandista”, no seu sentido etimológico de difusão e circulação
do discurso no espaço público, junto ao maior número possível de
pessoas (propagare).
• Para conseguir o objetivo de fazer crer e colocar a instância de
recepção em posição de dever crer, o discurso propagandista se
organiza de acordo com um duplo esquema cognitivo, narrativo e
argumentativo. (CHARAUDEAU, 2010b, p. 62-63)
2.4.2. Multissemioses
24
That, from the beginning, guarantees the multimodality of our semiotic world.
95
25
What is expressed in language communication through the choice between different word
classes and clause structures, may, in visual communication, be expressed through the choice
between different uses of colour or different compositional structures. And this will affect meaning.
Expressing something verbally or visually makes a difference.
• A representação visual pode, assim como a verbal, ser subjetiva, por meio
da presença do ângulo de visão, bem como pode ser objetiva, na ausência
deste (p. 19; 143).
• As imagens podem representar o mundo narrativamente, ou seja, em
termos de “fazer” e de “acontecer” (p. 73).
• O ângulo da câmera pode ser usado para superlativizar ou inferiorizar o
objeto fotografado. Um ângulo inferior ao objeto, por exemplo, tende a
representar poder, transmitindo a impressão de superioridade (p.140).
• O ângulo frontal expressa o máximo de envolvimento entre o ente
fotografado e o observador (p.136; 139).
• O ângulo de visão de cima para baixo é o que demonstra maior poder,
domínio sobre a cena, conhecimento mais objetivo, onisciência (p.143-
144).
Tendo-se tecido essas considerações, tratar-se-á das representações das
identidades de gênero na publicidade.
98
27 Como ocorria com a revista G Magazine, que apresentava nudez masculina e matérias
relacionadas ao estilo de vida homossexual. Ela parou de ser publicada em 2013.
28 Como ocorre com a revista Men’s Health, que traz fotos de mulheres seminuas, ainda que
Pode-se notar que, assim como o homem, na vida pública, espera-se que
o cotidiano da mulher seja, também, “corrido”. Em contrapartida, em vez de um
108
4. METODOLOGIA
Pode-se notar que ambos os anúncios têm a imagem da mulher como elemento
central do texto, ou seja, numa perspectiva de cena enunciativa, a mulher é a
protagonista dos dois textos, vista, contudo, sob prismas bastante distintos.
Já num primeiro olhar, é possível perceber a presença do apelo à emoção,
completamente distinto para os dois públicos, a partir do componente imagético,
o que será ratificado pelo conteúdo proposicional dos enunciados. Dessa forma,
nesses dois enunciados, a hipótese de que o fenômeno da patemização
constituir-se-ia como base para a construção do texto pertencente ao gênero
123
“Abrace a vida com axilas maravilhosas, agora com mais vitamina E. Dove
é o antitranspirante que contém ¼ de creme hidratante e agora com o dobro
de vitamina E. Sua nova fórmula deia as axilas suaves, macias e bonitas.
Vá em frente, abrace a vida”. (WH, jul/12)
Princípio de avaliação:
• “maravilhosas”, “suaves”, “macias”, “bonitas” e “lindas”, atributos que
remetem ao prazer estético, à satisfação, à autoestima elevada. Essas
são emoções que evidenciam uma preocupação da mulher com sua
autoimagem, estratégia muito produtiva na publicidade, relacionada o
conceito de estereótipo, que foi trabalhado nos pressupostos teóricos.
125
Princípio de avaliação:
• “Máximo”, adjetivo superlativizador, que modifica os substantivos
“desempenho” e “resultado”, remetendo a um limite de qualidade que
não se pode ultrapassar, evocando, assim, os sentimentos de
segurança e confiabilidade, já que o produto é colocado no topo dos
suplementos alimentares para atletas; já que a imagem de Gracyanne
Barbosa pressupõe que ela utilize esses produtos e chegue aos
resultados visíveis em seu corpo graças a eles.
segunda pessoa, numa enunciação da descrição patêmica, já que não há, por
parte do EUe, a expressão de um estado emocional explícito, nem há a descrição
de um estado emocional no qual o TUd deva se encontrar. Isso apenas pode ser
concluído a partir de índices que são fornecidos pelo texto, coadunados à
situação de comunicação.
Por fim, vale destacar que, em ambos, não foram empregados termos
explicitamente patemizantes, mas apenas termos de designação indireta, ou
sugestivamente patemizantes. Observe-se, todavia, que, no anúncio para o
público feminino, há enunciados mais extensos e uma quantidade maior de
termos indiretos de emoção (“abrace”, “maravilhosas”, “suaves”, “macias”,
“bonitas” e “lindas”). Já no anúncio para o público masculino, o apelo visual se
sobrepõe ao verbal. Isso vai ao encontro da hipótese de que as estratégias
patêmicas para o público masculino estariam fundamentadas
predominantemente no componente imagético, enquanto para o público feminino
estariam fundamentadas no componente verbal. Essa hipótese se confirma na
análise quantitativa que será vista adiante.
Veja-se, agora, o próximo par de peças publicitárias, publicadas,
respectivamente, nas edições de agosto de 2015, de Women´s Health e de junho
de 2015, de Men´s Health.
129
do EUc que o TUi olhe para essa imagem e se emocione, seja sentindo
compaixão, seja sentindo empatia, seja relembrando de alguma decepção
vivida.
Quanto às marcas patêmicas empregadas pela instância de enunciação,
pode-se mencionar algumas, de acordo com as categorias apresentadas nos
pressupostos teóricos. Veja-se o enunciado da peça publicitária e, em seguida,
a especificação das marcas patêmicas:
Princípio de avaliação:
• “mais avançada”; “inovadora”; “alta”; “tão macia”; “tão boa” – são
expressões axiológicas voltadas para o produto, sendo empregadas
para categorizá-lo e supervalorizá-lo, bem como os resultados que
produz, engendrando o sentimento de confiança e desejo de compra.
132
Expressões modalizadoras:
• “tem que”; “sempre”; “nunca” – trata-se de termos que não deixam
margem para possibilidades, denotam obrigatoriedade, totalidade,
remetendo aos sentimentos de certeza, confiança, segurança.
pés e os seus pés querem Pipper, então, eles devem conquistar o mundo
usando Pipper.
No que tange aos efeitos patêmicos engendrados no anúncio, vê-se que
o componente visual procura transmitir certa sobriedade e objetividade, com
cores neutras, atributos que remetem ao imaginário sociodiscursivo próprio do
universo masculino. É nos enunciados, no entanto, que a carga patemizante se
encontra mais forte, em função do emprego de determinadas estratégias. Veja-
se o enunciado da peça publicitária:
“Os homens querem o mundo aos seus pés. E os seus pés, o que querem?
Pipper. Linha Beckon Pipper Winter 15.” (MH, jun/15)
Men’s Heath
Women´s Health
Vale observar que há, entre essa categoria de palavras, não somente
substantivos que denotam um sentimento, como, por exemplo “coragem”, mas
também há adjetivos considerados como derivados dessas palavras, como
“confortável”, que provém de “conforto”, e verbos, como “aprecie”, relacionado
ao substantivo “apreciação”. Embora esses adjetivos pudessem ser
compreendidos como pertencentes à categoria do princípio de avaliação – afinal,
exprimem um julgamento, atribuem determinada valoração ao objeto ao qual
146
37%
WOMEN´S HEALTH
63% MEN´S HEALTH
PRINCÍPIO DE AVALIAÇÃO
34%
WOMEN´S HEALTH
MEN´S HEALTH
66%
1 Homens Marcantes
2 creme Hidratante
6 nada melhor
7 especialmente selecionadas
8 especialmente produzidas
149
9 barra crocante
10 leve O melhor
12 opinião forte
13 opinião consistente
16 inúmeras vantagens
19 alto nível
21 Proteína de lenta
absorção
23 períodos maiores
24 bicho De pelúcia
25 poucas sessões
26 avaliação grátis
29 método duradouro
30 únicos suplementos
31 líderes De qualidade
32 Insuperáveis No sabor
35 Ato passivo
36 Ato ativo
40 notas melhores
42 A maior variedade
43 O maior acervo
44 conteúdos interativos
46 aminoácidos essenciais
47 nutrientes importantes
48 recuperação muscular
49 viver melhor
51 conteúdo relevante
52 conteúdo útil
53 conteúdo multiplataforma
54 A melhor informação
55 As melhores viagens
56 atrações imperdíveis
1 Poder Nutritivo
3 Benefícios Preciosos
4 Resultados Visíveis
5 Novas Evidências
6 Nova Proteína
10 Tez Uniformizada
11 Pele Radiante
12 Pele Iluminada
14 Ótima Opção
15 Nutricionalmente Completo
17 Vitaminas Antioxidantes
20 Dia corrido
21 Ser saudável
24 Água gelada
25 Ótimas Fontes
26 É Cristalina
29 Fórmula Exclusiva
30 Substâncias Nocivas
31 Tecidos Musculares
152
33 Massa Muscular
34 Sendo Necessária
35 Atividades Musculares
37 Óculos Solares
38 Lentes Solares
39 Maior Nitidez
40 Melhor Percepção
44 Longa Durabilidade
45 Corpo Sarado
46 Curvas Perfeitas
47 Biquíni Novo
49 Pequenas Cicatrizes
50 Maior Número
51 Crescimento Rápido
53 Tratamento Moderno e
renovador
54 Pele Mais
homogênea
58 Aspecto De casca de
laranja
59 Tecido gorduroso
153
60 Tecido Fibroso
62 Genética Familiar
63 Alterações Hormonais
65 Forma Rápida
66 Exercícios Físicos
67 São Fundamentais
69 Difícil Tratamento
70 Grande Insatisfação
71 Um melhor Resultado
72 Massagens Modeladoras
73 Gordura Local
75 Nova Fórmula
76 Proteção Top
77 Proteção Imediata
78 Textura Leve
79 Rápida Absorção
80 Proteção Resistente
81 Hidratação Prolongada
82 Informações Imperdíveis
83 Vida Plena e
saudável
84 Verdadeiro Aliado
85 Um bem Enorme
86 Leitura Essencial
87 Atitude Mais
participativa
88 Alimentação Saudável
154
89 Pior É a qualidade
90 Alimentos Para lá de
calóricos
94 Escolhas Nutritivas
96 Mundo Verde
97 Vida Saudável
98 Mundo Sustentável
5%
Componente imagético
Componente imagético e verbal
95%
0,30%;
Imagem
Verbal e imagem
99,70%
MEN´S HEALTH
37%
WOMEN´S HEALTH
63% WOMEN´S HEALTH
MEN´S HEALTH
17%
NOMES
83%
VERBOS
25%
NOMES
VERBOS
75%
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7. REFERÊNCIAS
_________. Para uma nova análise do discurso. In: CARNEIRO, Agostinho Dias
(Org.) O discurso da mídia. Rio de Janeiro: Oficina do Autor, 1996.
COPE, Bill; KALANTZIS, Mary (ed.). Multiliteracies: Literacy Learning and the
Design of Social Futures, Routledge, London, 2000, 350pp.
KRESS, G.; VAN LEEUWEN, T. Reading images: the grammar of visual design.
New York: Routledge, 2006.
_________. As razões das emoções. In: MACHADO, Ida L.; MENDES, E. (orgs.).
Emoções no Discurso. v.2. Campinas: Mercado das Letras, 2010, p. 57-80.
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