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CADERNO

DE
RESUMOS
Sobre o evento

O Seminário de Alunos da Pós-Graduação em Letras da Universidade do


Estado do Rio de Janeiro é um evento anual organizado por e para
estudantes com o objetivo de divulgar e compartilhar a produção discente
da Pós-Graduação em Letras da UERJ (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro). Em 2017, o evento chega a sua 8ª edição e será realizado entre os
dias 23 e 26 de outubro, no Instituto de Letras da universidade, no Campus
do Maracanã.

Comissão Organizadora 2017

Assuntos internos
Fernanda Vieira, doutoranda em Literaturas de Língua Inglesa
Gabriel Fernandes de Miranda, mestrando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada
Priscilla da Silva Figueiredo, doutoranda em Literaturas de Língua Inglesa

Eixos temáticos
Daniel Augusto P. Silva, mestrando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada
Thomas Häckel, mestrando em Teoria da Literatura e Literatura Comparada

Logística e financeiro
Ana Luíza Poyaes, mestranda em Literatura Portuguesa
Ariane de Andrade da Silva, mestranda em Literatura Portuguesa
Monique Pereira da Silva, mestranda Literatura Portuguesa
Natalia Affonso, mestranda em Literaturas de Língua Inglesa
Thayane Gaspar, mestranda em Teoria da Literatura e Literatura Comparada

Comunicação
Annelise Estrella Galeazzi, mestranda em Teoria da Literatura e Literatura Comparada
Maria Hermínia Cordeiro Vieira, doutoranda em Linguística
Renata Spolidoro, mestranda em Teoria da Literatura e Literatura Comparada

Rio de Janeiro, 20 de Outubro de 2017


MANUTENÇÃO DO PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE HERANÇA?

Cláudia Spitz
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Pensar em políticas de línguas capazes de garantir os direitos à promoção e manutenção


das línguas de herança significa refletir sobre as práticas atuais e ser capaz de desenhar o futuro
a que se quer chegar. Partindo do conceito de Língua de Herança (LH) como língua minoritária
associada à presença de uma comunidade com background migratório numa “comunidade de
acolhimento” maioritária, cuja aquisição começa geralmente em ambiente familiar e que integra
o repertório plurilingue dos sujeitos, combinando-se, designadamente com a língua do país de
acolhimento(Melo-Pfeifer & Schmidt ,2013),estudos demonstram que o input dos pais por si só
não é suficiente para garantir que essas línguas não se erodam de geração para geração
(Nesteruk,2009). O Brasil tem presenciado um aumento na sua população de emigrantes e a
proliferação de instituições que atuam no ensino, manutenção e promoção da Língua Portuguesa
mundo afora. Diversos são os fatores que contribuem para a manutenção ou erosão de uma LH
e mapear os programas de Português como Língua de Herança (PLH) e dar voz aos diferentes
atores que atuam nesse processo nas diásporas, representa o primeiro passo para gerar
entendimentos sobre as necessidades e desafios de se manter uma Língua e Cultura que transita
na dicotomia orgulho e vergonha. Esse artigo faz uma leitura dessas iniciativas e problematiza
sobre o papel que exercem na manutenção do PLH por meio da exposição linguística e do
propiciamento de exposição linguística aos Falantes de Herança. Trata-se de um trabalho de
natureza exploratória, descritivo e crítico,que se insere dentro da Linguística Aplicada, como
entendida por Moita Lopes (2016), e da abordagem ecológica e sociocultural do ensino-
aprendizagem de línguas (Lantolf, 2007, Kramsh,, 2002 Vygotsky,1978) que concebe a língua
como um artefato cultural através do qual o indivíduo media sua conexão com o mundo, com o
outro e consigo mesmo. Os dados utilizados foram gerados por meio de um questionário online
com perguntas abertas que incluíam desde informações básicas dos programas e seus
responsáveis até questões como “Quais são as habilidades lingüísticas trabalhadas?” ou “Quais
aspectos da cultura brasileira são abordados?” a fim de verificar se havia um

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(des)contínuo entre os objetivos propostos e as práticas pedagógicas relatadas Na análise das
respostas, tomo por base o paradigma qualitativo-interpretativista (Guba e Lincoln,1989;,
Ribeiro e Garcez, 2002 e Denzin e Lincoln, 2006) e trago nuances quantitativas geradas pelas
respostas, principalmente no que tange o perfil dos programas e a demografia dos participantes.
Integro ainda elementos sociais e culturais à minha própria interpretação dos eventos, como
observadora híbrida que sou.. Por fim, analiso criticamente as ações pedagógicas e esforços
para manter o PLH frente a (in) existência de políticas linguísticas brasileiras voltadas para a
área. Dentre as conclusões preliminares, destaco a importância da sistematização e formalização
do ensino do PLH e a implantação de políticas por parte do governo brasileiro que possam
sustentá-lo e fazer valer o papel de protagonista que o Brasil deveria exercer no que tange o
PLH..

Palavras-chave: Língua de Herança, Programas de Português Língua de Herança, Erosão


Linguística

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O DISCURSO DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL NA PEC 171/1993

Jordana Lenhardt
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Os estudos aqui propostos buscam investigar o uso da linguagem e a representação de


atores sociais na materialidade linguística do texto que propõe a redução da maioridade penal
para 16 anos por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/1993. O corpus de
análise é composto pelo texto de inteiro teor da proposta da referida PEC, que data de 27 de
outubro de 1993, bem como seus desdobramentos até o ano de 2015, por meio de dados gerados
em pesquisa sobre a PEC 171 junto ao sistema do site da Câmara dos Deputados do Brasil. As
análises empreendidas neste trabalho baseiam-se em ferramentas teórico-metodológicas como
a Análise Crítica do Discurso de Fairclough (2003), a Linguística Sistêmico-Funcional de
Halliday e Matthiessen (2004) e as representações de atores sociais de van Leeuwen (1997). A
ACD analisa textos de maneira crítica, buscando compreender questões sociais que envolvem
a constituição de identidades, maneiras de interpretar a realidade, assim como relações de poder
presentes no discurso. A redução da maioridade penal é tema de diversas propostas de emenda
constitucional e reverbera em comentários, discursos e diferentes posicionamentos por parte da
mídia, do legislativo federal e da sociedade civil. Percebendo na linguagem e pela linguagem a
possibilidade de (re)significar o mundo, desafiar discursos legitimados e construir realidades
nos leva a repensar algumas questões sociais, em especial aquelas relacionadas ao menor e a
criminalidade. Este trabalho busca empreender reflexões a respeito de dois textos referentes à
PEC 171/1993, que se constituem de propostas de emendas constitucionais junto a câmara dos
deputados do Brasil e seus desdobramentos, já que a proposta do ano de 1993, tem mais 20
propostas de emenda apensadas a ela. À luz de conceitos Foucaultianos buscamos refletir ainda,
como aparelhos políticos buscam nessas proposições junto a câmara dos deputados transmitir
verdades construídas e unilaterais acerca da maioridade penal em tempos de biopoder. Ao
analisarmos tais propostas, visamos contribuir para a conscientização sobre os efeitos sociais
de textos e para mudanças sociais, a fim de superar relações assimétricas de poder, as quais são
parcialmente sustentadas pelo discurso. Dessa forma, acreditamos que reconhecendo o controle,
a seleção, organização e redistribuição da produção de discursos em sociedade podemos
perceber a manipulação da informação usada como ferramenta de controle social, constituindo

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discursos que levam a marginalização daqueles que são indesejáveis pelo poder do estado ou
da ordem. Salientamos ainda, com base nos conceitos abordados, que discursos não devem ser
entendidos como representação simbólica do mundo, como uma realidade exterior e universal,
pois a linguagem se faz elemento constitutivo da realidade.

Palavras-chave: discurso, redução da maioridade penal, PEC 171/1993.

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UMA ANÁLISE DISCURSIVA SOBRE QUAL IDEOLOGIA QUEREM NA
CHAMADA NEUTRALIDADE DO ESCOLA SEM PARTIDO?

Juliana Rettich
UERJ – Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo analisar as diferentes possibilidades de sentido da palavra
ideologia no Projeto de lei Programa Escola sem Partido (PL867-2015) e seus apensados.
Desde o início da pesquisa, a dúvida mais latente era a que ideologia se referia o PL 867.
Que doutrinação ideológica seria essa da qual os professores são acusados, da qual falam
aqueles que defendem o Escola sem Partido? Pela estrutura do projeto, já é possível
descartar que ideologia não é, para o seu relator, a política, a religião e a moral, uma vez
que há frases como o professor “ não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de
suas convicções políticas, ideológicas, morais ou religiosas, ou da falta delas”. Assim, um
desafio se apresentava para formar a rede que pudesse ajudar a compreender as possíveis
produções de sentido da palavra ideologia. Como os discursos se materializam por meio
de textos, as cartas enviadas ao site do movimento Escola Sem Partido e as mensagens
postadas na página do Facebook Mães pelo Escola Sem Partido foram também incluídas
nas análises do corpus, a fim de compor a rede que ajudará a analisar os discursos que
atravessam o movimento e seus apoiadores. Para seguir esse caminho da rede , a pesquisa
se faz a partir do método da cartografia, presente no livro Pistas do Método da
Cartografia (2015), que é fundamentado nas ideias de Gilles Deleuze e Félix Guattari.
Além da palavra ideologia, a outra entrada linguística são os enunciados negativos, que
aparecem de forma recorrente no PL 867, os quais foram analisados a partir dos conceitos
da negação polêmica. Quais pontos de vista estão pressupostos nos enunciados com a
negação polêmica? Perguntas como essas acabam sendo essenciais para compreender por
que o PL 867-2015 ganha espaço hoje com a discussão de ideologização ou doutrinação
ideológica. Outro ponto do trabalho, além da materialidade linguística, já que o Escola
Sem Partido é um dispositivo de cerceamento de alguns discursos em sala de aula, é a
compreensão das interdições do discurso, como propõe Michel Foucault, em A ordem do
discurso (2014). Vale também pensar na importância da lei para endossar o movimento
de censura dos professores em sala de aula. Nesse sentido, é possível pensar nos discursos

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fundantes ou constituintes de outros discursos, como o religioso, o filosófico, o literário,
científico e, mesmo não sendo consensual, o discurso jurídico. Este especificamente é o
que está no foco de uma parte da pesquisa, bem como a sustentação de que, no Brasil, a
partir dos seus contextos sócio-históricos, o discurso jurídico torna-se um discurso
fundante. Desse modo, o percurso teórico tem sido feito a partir da perspectiva de estudos
discursivos de base francesa, com autores como Dominique Maingueneau e Michel
Foucault; para a negação polêmica, estudos de Oswald Ducrot e Marion Carel; já para
pensar ideologia, além de Foucault, conceitos de Karl Marx, Eni Orlandi, e novamente
Gilles Deleuze e Félix Guattari.

Palavras-chave: Ideologia. Doutrinação. Escola

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UNINDO FORÇAS - REFLEXÕES SOBRE A QUESTÃO RACIAL NA
CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DOCENTE

Raquel Ferreira Sampaio dos Santos


PPLIN-Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo discutir a construção identitária de professores


negros de Inglês, através de narrativas compartilhadas nas quais eu também estarei incluída.
Este trabalho teve como impulso inicial o puzzle: Por que me sinto tão desafiada ao dar aulas
de Língua Inglesa? Tal questionamento surgiu em um dos ambientes profissionais em que estive
inserida. Nesse contexto, numa escola particular localizada no Rio de Janeiro, vivenciei um
confronto com os meus alunos. Aparentemente, eles não tinham credibilidade na minha
competência enquanto docente. Na maior parte das aulas percebia olhares diferenciados, um
constante monitoramento da minha pronúncia, chegando a ouvir comentários como: “- Teacher,
o meu Inglês é melhor que o seu”. Além disso, alguns chegaram a formalizar tal insatisfação
para os diretores do colégio em questão. Deste modo, a partir dos constantes sinais de rejeição
dos meus educandos as minhas aulas comecei a problematizar esta circunstância com perguntas
como: “Será que é somente minha competência linguística que está em xeque? É a primeira vez
que me sinto testada pelos meus alunos? Será que isso pode ser racismo? ” Cheguei à suposição
de que esta situação poderia estar associada ao racismo porque aquele local de trabalho era
altamente elitizado, com a presença de pouquíssimos professores negros e não fora a primeira
vez que observei esse comportamento por parte dos meus educandos ao longo da minha jornada
enquanto professora de Inglês, iniciada há cinco anos atrás. Questiono-me às vezes, para que os
alunos olham primeiro para a minha competência Linguística ou para a minha cor de pele?
Alinho-me às palavras de Fernandes (2016, p. 108) quando afirma categorização do negro
significa que este recebe “ a marca” que lhe é impingida faz recair sobre ele um olhar de
descrédito que impede que ele possa ser percebido na totalidade de seus atributos e de forma
individual”. O que pode ser uma das razões que levavam os meus alunos a tecerem elocuções
como, “ Teacher, as suas aulas são totalmente improdutivas” , “Teacher, tem certeza que esta é
a pronúncia?”. Seria o meu sotaque o problema? Seria a minha pronúncia o problema? Ou seria
a minha cor de pele o problema? Com a finalidade de se buscar mais entendimentos sobre tal
temática, um dos construtos teóricos a serem utilizados, será a Prática Exploratória, que por

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meio do seu viés ético- inclusivo e teórico metodológico (Moraes Bezerra; Nunes 2013) “
propicia, assim, a geração de um espaço discursivo de construção de conhecimentos” (Miller,
2012; Moraes Bezerra e Rodrigues, 2012; Nunes, 2012 apud Moraes Bezerra; Nunes 2013 ).
Serão feitas também considerações sobre o tipo de racismo que ocorre no contexto brasileiro;
um racismo oculto (Camino et. al, 2000; Silva, 2011; Fernandes, 2016). Ademais, será discutido
a importância de um ensino que busque um modelo de letramento que leve os alunos pensarem
em sua realidade social ( Freire, 1983, 2011). O presente trabalho terá uma pesquisa de cunho
qualitativo e interpretativista. Denzin et. al (2006) defende a ideia do pesquisador não como
alguém que observa a questão pesquisada a partir de um olhar estrangeiro, mas sim como
alguém que busca entender o outro, ou seja, a “ capacidade de compreensão do observador está
enraizada em seus próprios significados, pois ele (ou ela) não é um relator passivo, mas um
agente ativo” (BORTONI, 2008, p.32).

Palavras- chave: Prática Exploratória, racismo, ensino, modelo de letramento.

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COMPOSIÇÕES POÉTICAS DE CHICO BUARQUE: RETRATO DO PAPEL E DO
ESPAÇO DA MULHER BRASILEIRA NAS DÉCADAS DE 60 E 70

Andreia dos Santos de Oliveira

UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro

RESUMO
Submissão e inferioridade femininas presentes nas letras de música que se referem à mulher
compostas por Chico Buarque? Qual atuação social das mulheres brasileiras à época dessas
composições? Que modernização de gênero já tinha ocorrido até então? De que forma o contexto
histórico – a ditadura civil-militar – pode ter influenciado a ‘escolha’ do nosso poeta quanto ao(s)
papel(is) das mulheres nas composições em que dá voz a elas? Esses são os questionamentos cujo
caminho por respostas conduzem e embasam este trabalho. Até a segunda metade do século XX, muitas
mulheres já haviam se destacado socialmente. No século XIX, tivemos Nísia Floresta (1810-1885), que
foi pioneira na educação pública do país; no século seguinte, outras mulheres corroboraram o desejo e
a necessidade de reposicionamento da figura feminina na sociedade brasileira. São exemplos dessa
empreitada Bertha Lutz (1894-1976), que se empenhou na luta pelo direito de voto, e Patrícia Galvão
(1910-1962), que levantou bandeira pelo direito da mulher à liberdade de comportamento e expressão.
Todavia, a mulher que supostamente recebe voz nas primeiras composições de Chico Buarque
aparentemente não demonstra essa mesma garra, iniciativa e independência de pensamento. Pelo
contrário. Por isso, a proposta deste trabalho é verificar de que forma expectativas, comportamentos e
problemas das mulheres enfocados nas letras de música aqui selecionadas estão em consonância com
as lutas feministas ou com as constatações, no campo teórico e da militância, sobre os modos de
dominação masculina e subalternação da mulher. Nesse intuito, selecionamos duas composições a
serem analisadas sob o enfoque das causas feministas reivindicadas no Brasil daquela época e de estudos
sobre o feminismo. As composições selecionadas são: “Com açúcar, com afeto” (1967) e “Mulheres de
Atenas” (1976). A obra de Luis Felipe Miguel, Feminismo e política: uma introdução (2014) é um dos
alicerces nessa análise. Nela, o autor nos mostra que a busca pela igualdade será entendida como uma
inserção num universo já existente e preenchido pelo masculino, o que, no mínimo, dificultará que haja
igualdade de fato, tendo em vista que as condições, nos mais diversos âmbitos (social, trabalhista,...),
foram pensadas de acordo com as “necessidades” e desejos dos homens. Sendo assim, não haverá
igualdade, e sim a inserção de um ser (a mulher) que, a princípio, terá que se adaptar, além de continuar
a ser tido como inferior àquele universo. Nesse sentido, acreditamos que somente com a remodelação
desse universo, pensando os dois gêneros (assim como os demais grupos tratados como inferiores) como
iguais em direitos – direitos estes que deveriam ser pensados de acordo com o que os distingue
fisiologicamente, o período pré-menstrual e a gestação, por exemplo - seria possível o reconhecimento

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de uma justa aproximação da igualdade. Portanto, não basta usar a marcação de feminino para ser uma
voz realmente feminina, é preciso que o universo feminino seja devidamente representado. Nesse
sentido, o poema-canção de Chico Buarque é importante por relacionar o universo feminino, as formas
de comportamento, a frustração e os valores das mulheres com a manutenção da dominação masculina.
Ou seja, a dominação masculina afeta(va) diretamente a configuração do que se tinha como “destinado”
às mulheres.
Palavras-chave: patriarcalismo. atores sociais. mulheres buarqueanas. representatividade.

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ARNALDO ANTUNES – “N.D.A.” E A GENÉTICA LÍRICA DA LINGUAGEM

Glauber Mizumoto Pimentel


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A palavra na poesia de Arnaldo Antunes assume um caráter tão conciso e material


quanto versátil e dinâmico, e, ao mesmo tempo, tão técnico e conceitual quanto lírico a, assim,
elucidar/questionar a existência humana, as coisas e/ou apenas sinalizar - revitalizando através
das margens da língua - o próprio processo em que ela, a língua, e a palavra se realizam -
potencialmente - como poiesis. Consideremos, pois, o conceito de poiesis, conforme falou
Arnaldo Antunes: o “espaço criativo - como um espaço de potência diante do mundo”. O
presente trabalho objetiva, sob a luz do propósito crítico da metalinguagem poética, considerando a
conjugação essencial entre poesia e filosofia, (re)conhecer, investigar, e, assim, até certo ponto,
esclarecer a dimensão lírica da palavra na poesia de Arnaldo Antunes. Sobre esta dimensão lírica,
pretende-se, assim, desenvolver uma breve reflexão que leve em conta a sua concepção diacrônica -
tendo em vista, a acepção comumente feita ao conceito de que a poesia lírica é aquela na qual o poeta
se expressa, considerando, assim, a sua força de expressão poética sob a égide da emoção e do
subjetivismo. A partir desta perspectiva, devemos aqui (re)considerar a dimensão lírica de que o
subjetivismo está calcado nas exclamações emocionais do ser para daí, então, desenharmos uma reflexão
mais filosófica na qual os dilemas, os dramas existenciais já são, de certa forma, superados, a
configurarem, portanto, uma individualidade que não se expressa por intermédio da língua, mas, já e
diretamente, na e pela lingua(gem). Ao pensar, então, sobre a dimensão lírica da palavra na poesia de
Arnaldo Antunes, temos aí, inicialmente, algumas questões basilares a serem consideradas com seu
devido cuidado para que assim possamos tratar do tema proposto. Dentre outras, destaquemos, então:
como estudar a relação entre lírica e metalinguagem na poesia de Arnaldo? Quais são seus reflexos para
o desdobramento de sua poética? E o que é linguagem? O que é (isso) poesia? A partir de tais questões,
veremos que a palavra não é um veículo, mas, sim, uma unidade potencial transformadora.
Nesse caso, a poesia (ex)trapola tal unidade, ao ponto da palavra ser o reflexo unívoco
(poeta/poema) numa apresentação crítica e singular. Apresentação daquilo que,
fundamentalmente, enuncia o ser humano: a linguagem enquanto poiesis. A linguagem
enquanto real-experiência a configurar, então, o caráter linguístico próprio das obras de arte.
Para o desenvolvimento deste artigo, portanto, o livro “n.d.a.”(2011), do poeta em destaque,
será a referência básica para tratarmos das questões relacionadas à poesia, lírica e linguagem,

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antes citadas. Em “n.d.a.”, título que ao longo do livro fará analogia com DNA e nada, Arnaldo
Antunes traça uma busca - que só se sustenta na e pela palavra - ao que então podemos
considerar como (uma) origem da linguagem. Vemos assim que diferente do DNA – códigos
que definem, segundo o discurso científico, os traços biologicamente humanos – o livro em
questão nos mostra que a palavra é uma célula, que ao alcance dos nossos sentidos –
principalmente sonoros e visuais, está a todo instante a se regenerar só nos deixando rastros
para sua real decodificação – ou, melhor, a sua real deglutição.

Palavras-chave: Linguagem. Poesia. Palavra.

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VINICIUS DE MORAES E O CAMINHO PARA O MODERNO

Hilda dos Santos Silva


UERJ - Especialização em Literatura Brasileira

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo mostrar a mudança da poesia de Vinicius de Moraes,
através da reflexão e observação de sua fase mais espiritualizada até sua adesão definitiva ao
movimento modernista brasileiro. Para tanto, foi feito, de início, um percurso diacrônico através
de sua obra poética, assinalando as diretrizes espiritualistas do poeta em sua fase inicial. A partir
de então, se estabeleceu um comparativo entre seus primeiros livros e sua produção poética na
totalidade, na tentativa de demonstrar como tais questões influenciaram na progressão de sua
escrita, até sua aproximação ao Modernismo Brasileiro canônico. Assim, a análise dos poemas
seguiu essa diretriz, obedecendo a um itinerário cronológico, a fim de identificarmos mais
propriamente as mudanças de perspectivas de sua poesia, ao encontro de uma poética que busca
encarnar os costumes do homem comum, que ama, que sofre com seus amores, que se indigna
com as atrocidades do mundo, que está imerso na prosa cotidiana da vida em caminho de
celebração, crítica e criação no universo da linguagem. Nessa linha de análise, através dos
poemas selecionados, busca-se mostrar o afastamento por completo da poesia de Vinícius de
Moraes de um patamar considerado elevado, já agora, suas produção vão em direção a uma
poesia do cotidiano, do prosaico, uma poesia mais terrena, menos divina. Nesse sentido, a
escolha de “O falso mendigo” foi definida pelo próprio autor: “O primeiro, ao que se lembra o
A., escrito em oposição ao transcendentalismo anterior” (MORAES, 2011, p. 11). “A bomba
atômica” e “Azul e branco” porque foram escritos de maneira muito particular para fazer
memória de fatos importantes, que constitui em si um divisor de águas: o massacre nas cidades
japonesas (Hiroshima e Nagasaki), culminando com o fim da Segunda Guerra Mundial; e a
construção mais importante símbolo do modernismo arquitetônico, o edifício Gustavo
Capanema, estes dois de modo especial pela criação imagética presente neles. Também teremos
em consideração, a “História passional, Hollywood, Califórnia” por constituir um traço crítico
à cultura americana, pelo processo avassalador do consumismo na política da “boa vizinhança”
e do “American way of life”. Assim, o presente estudo será enriquecido à luz de algumas
perspectivas teóricas, tais como José Castello, biógrafo de Vinicius de Moraes, e também
Eucannã Ferraz, que busca, através

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de seus estudos, dar uma maior visibilidade à obra poética de Vinicius de Moraes, afirmando,
nesse ínterim, ser o autor um poeta refinado e sensível desde as dores de amor até uma poesia
mais politizada.

Palavras-chave: Vinicius de Moraes. Modernismo Brasileiro. Poesia. Transição.

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MÁRIO CESARINY AUTORATOR DE POESIA: O ESPETÁCULO DO
PRESTIDIGITADOR

Maria Silva Prado Lessa


UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

Considerado o maior representante do Surrealismo em Portugal, Mário Cesariny foi um


multiartista que percorreu as artes plásticas, a poesia, o teatro, a prosa ficcional, o ensaio, a
performance e o happening, a música, entre outros caminhos. Apesar de ter iniciado sua
trajetória pública nas artes visuais e nas letras quase simultaneamente, o surrealista não
mereceu, em vida, muitos estudos que abordassem a relação interartística de sua obra. Porém,
acreditamos que as leituras que favoreçam a abordagem interartística do/no seu trabalho são
extremamente enriquecedoras e representam uma ampliação dos horizontes de investigação e
de divulgação de uma produção como a sua. Nesse sentido, uma vez que a obra que Cesariny
desenvolveu ao longo de sua vida enveredou por múltiplas linguagens da arte, seria interessante
perceber, também, o quanto sua “obra escrita”, geralmente tomada como um todo uniforme,
representaria mais um campo de investigação transdisciplinar de seu caráter plural. Percebemos,
assim, uma possível “espetáculo-poética” que surge da leitura de diversos escritos de Cesariny.
Sua “espetáculo-poética” consistiria num característico gesto de “encenador” da sua escrita com
o qual o “autoractor” apresenta cenas de escrita da poesia na cidade que fundariam, no limite,
cenas de leitura na e da sua obra. Nesse movimento, pode-se perceber como o poeta, comparado
a um prestidigitador, “organiza um espetáculo”, transformando seus poemas em palcos onde
representa suas cenas de leitura e escrita e sobre os quais dispõe inúmeros elementos cênicos.
Tal abordagem pressupõe três campos de investigação complementares: a leitura de textos
prototipicamente dramáticos que foram escritos por Cesariny e que mereceram, por vezes,
encenações em Portugal, bem como de escritos que estabelecem um diálogo intertextual com o
universo teatral, como é frequente na obra desse artista, além da análise de poemas que
poderíamos classificar como “artes poéticas”. Nesse tipo de composição, a simultaneidade entre
a apresentação de uma teoria poética e a sua prática se assemelha ao gesto espetacular do
encenador e do prestidigitador, algo recorrente em seus poemas. Estes contam com um caráter
performático próprio da linguagem teatral, na qual “dizer é fazer”, demonstrando “sua força
performática, seu poder

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de, simbolicamente, levar a cabo uma ação” (PAVIS, 2011, p. 103). As três perspectivas de
leitura que propomos em nossa pesquisa têm como intuito pensar a relação entre a poesia e o
drama investigando o quê do espetáculo teatral é transposto tanto para a cena de escrita, quanto
para o momento da leitura, refletindo sobre de que maneira o espectador numa sala de teatro
pode ser comparado ao leitor que tem um livro nas mãos. Da relação espectador-leitor, é
interessante avaliar como Cesariny desloca o seu leitor da posição de um “espectador
incólume”, criando estratégias para limitar o contato contemplativo e confortável com a obra,
fazendo transpor, das páginas dos poemas, um “novo real poético”.

Palavras-chave: Literatura Portuguesa. Surrealismo. Poesia. Drama.

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FLU∞ER: POR ENTRE OS RIOS DE ROSA

Eliane Maria Diniz Campos


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A relação de Vilém Flusser (1920-1991) com João Guimarães Rosa (1908-1967) e seus
desdobramentos é o fio condutor desta análise. O contato entre eles começa aparentemente de
maneira tardia, no sentido de que, provavelmente, veio a se sedimentar mais ao final da carreira
de Guimarães Rosa. Isso é perceptível pelas críticas que Flusser fez aos textos do escritor as
quais, em geral, eram sobre os escritos dos livros Estas histórias (1969) e Ave, Palavra (1970),
ambas publicações póstumas. Além disso, o que aproximava esses intelectuais era resultado das
vivências em terras estrangeiras; terem sofrido duramente os impactos da Segunda Guerra
Mundial; da paixão pelas línguas, bem como pela experiência poliglota; além de
compartilharem a ideia da língua como “magia”, a língua no sentido heiddegeriano de que é ela
que fundamenta o SER. Ademais, pode-se afirmar também que ambos tiveram suas resistências,
dificuldades, em participar de um ambiente formalizante e cerceador, seja ele a universidade,
no caso de Flusser, seja ele a Academia de letrados, no caso de Rosa. Através dos escritos de
Flusser, percebe-se que eles tiveram relações, não se sabe se de amizade, mas minimamente de
apreciadores um da obra do outro. Vilém Flusser contribuiu sobremaneira com a divulgação da
obra de Rosa quando, em várias ocasiões, escreveu sobre o escritor e sua produção no
Suplemento Literário do Estado de São Paulo. Textos como Guimarães Rosa . ; O mito em
Guimarães Rosa; Guimarães Rosa e a geografia; O estilo de Guimarães Rosa entre outras
publicações, além de um capítulo inteiramente dedicado ao escritor em Bodenlos (1992) e
comentários também em Língua e Realidade (1963) (uma das principais obras de Flusser)
podem ajudar a elucidar vários aspectos a respeito do pensamento de Rosa. No texto O mito em
Guimarães Rosa, por exemplo, o filósofo tece considerações preciosas sobre o conto “Fita verde
no cabelo”, lançado postumamente junto a Ave, Palavra (1970). Deste modo, Flusser, fluxo,
como um leitor de Guimarães Rosa, é um autor que pode ajudar os intérpretes da obra de Rosa a
navegarem pelas vias desse escritor. Ainda que o filósofo não tenha conseguido observar
cuidadosamente a obra roseana vastíssima, ele pôde sugerir sentidos às palavras imbricadas de
Rosa. E como uma referência dentro de um labirinto, ele pode nos ajudar a buscar atalhos,
atravessar os caminhos, ser o correr da água por entre os rios de Rosa. Nesse sentido, a

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comunicação tratará de discorrer sobre o que aproxima e distancia esses pensadores, buscando
analisar, entre outros aspectos, a percepção de linguagem e tradução para ambos os autores.
Será apresentada, inclusive, um experimento de tradução, da própria pesquisadora, de trechos
de “Fita verde no cabelo” para o francês, a fim de poder compreender as possibilidades e
potencialidades de recriação do texto roseano em outra língua.

Palavras-chave: Vilém Flusser. Guimarães Rosa. Linguagem. Tradução.

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A SINGULARIDADE DO OLHAR INFANTIL EM CONTOS DE PRIMEIRAS
ESTÓRIAS, DE JOÃO GUIMARÃES ROSA.

Mayara Simonassi Farias


UFF- Programa de Pós-graduação em Estudos da Literatura

RESUMO

As Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa, privilegiam personagens que


comumente são colocados à margem ou que não ocupam lugar de destaque nas narrativas: os
loucos, ou aqueles que vivem situações consideradas pelos demais como loucura, e as crianças.
Neste artigo, a atenção se voltará para este segundo grupo, que sempre gerou opiniões diversas
ao longo de toda a história: as crianças, que nos contos de Rosa, de acordo com Benedito Nunes
(2013), são seres de extrema perspicácia e aguda sensibilidade. Nesse sentido, será discutido
como o autor, em meio a sua sensibilidade literária, elege as crianças como criaturas capazes
de produzir cultura, de subverter a ordem e de criar arte e teorizar sobre ela, a partir de um olhar
extremamente singular. Ao suposto não saber da criança e sua constante experimentação das
relações, ela é capaz de modificar e de ressignificar a cultura. Assim, a criança não sabe menos
que os mais velhos, mas possui um saber diferente, aquele que o adulto perdeu ao longo de seu
amadurecimento. Por meio da brincadeira, a criança dá utilidade ao inútil, ela olha, com um
olhar extremamente singular e crítico, não apenas vê o objeto dado. Esse saber é o que
encontramos, por exemplo, na personagem Brejeirinha, protagonista do conto “Partida do audaz
navegante”, de linguagem divinamente poética e inventividade latente, onde uma simples caixa
de fósforos se torna um importante brinquedo, ou, ainda, que consegue fazer arte com esterco.
A personagem cria novas palavras, atribui sentidos diversos e transforma a realidade. Em “A
menina de lá”, o autor acrescenta a personagem Maria, apelidada de Nhinhinha, um
grandiosíssimo senso estético que a faz escolher sempre o melhor primeiro, saboreava o belo,
“o enfeitado do sentido”, o que foge ao nosso juízo, assim como fogem ao nosso juízo os efeitos
e o sabor da literatura e da arte nos leitores. Esta capacidade infantil de recriar os objetos, muitas
vezes censurada pela sociedade, é a capacidade intrínseca a arte. Para que a arte seja arte é
necessário, de acordo com CHKLOVSKI (1970), que o artista lance seu olhar sobre o objeto e
o veja, não apenas o reconheça. Um menino, em “As margens da alegria”, que após viajarmos
juntos e nos

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apaixonarmos por ele, chamar-se-á O menino, em “ Os cimos”, desvia seu olhar da construção
da grande cidade que fascina a todos os adultos e se encanta com os pássaros e aves. É este
olhar “desviado” e desautomatizado que pretende ser assemelhado ao olhar do artista, que
através da arte busca atingir a consciência humana. É importante ressaltar que toda a reflexão
sobre a singularidade do olhar infantil levará em consideração a questão da interdisciplinaridade
que deve ser envolvida nos estudos que se referem a concepção de infância adotada pelo autor
e a criança.

Palavras-chave: Infância, Guimarães Rosa, Metaficcionalidade, Primeiras Estórias

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ATRAVÉS DO LÓGOS NO SERTÃO MITOPOÉTICO DE ROSA

Pedro Cornelio Vieira de Castro


UFRJ – Doutorando em Literatura Brasileira

RESUMO

Ao estudarmos as obras de Guimarães Rosa, nos deparamos com um universo de


significados e significantes muito vasto, talvez infinito. O uso da língua e das imagens faz de
seu sertão um espaço inédito na literatura, embora seja confundido muitas vezes com uma obra
de caráter regionalista. Este trabalho pretende mostrar que o sertão de Grande sertão: veredas
não é um simples cenário geográfico ou histórico, mas é toda uma natureza mitopoética. Com
alto teor imagético, o romance carrega complexas questões envolvendo o ser humano. Essas
questões se inserem a partir da narração de Riobaldo, sempre dirigida a um homem “muito
culto”. Entretanto, esse homem jamais intervém na narrativa, levando a interpretação de que o
diálogo travado não é com ele, mas com um tipo específico de leitor. A partir de reflexões
explícitas tiradas do livro, faz-se necessário entender quem é esse leitor a quem Rosa se dirige
e de que modo acontece esse diálogo. Para desvendar essa questão, utilizamos textos teóricos
de Manoel Antonio de Castro, o que nos levou imediatamente à origem da palavra diálogo e
sua aproximação com a palavra lógos. Essa aproximação nos leva a tempos ainda mais distantes
e aos aforismos de Heráclito de Éfeso, acompanhados de estudo de seu tradutor Alexandre
Costa. Aprofundando os estudos pré-socráticos, desvela-se uma visão antiga da natureza,
escondida no termo physis e que se irmana da palavra lógos – a qual não nos arriscamos a
traduzir literalmente. É essa natureza encontrada em Grande sertão: veredas. A natureza de
brotar incessante e omniparturiente, características fundamentais dessa physis pode ser vista
também em outros contos do autor. Porém, o objeto principal de estudo reside no romance de
Rosa. As demais obras servem de auxílio para mostrar um projeto mitopoético rosiano e já
foram dissecadas, sob esse aspecto, em tese de doutorado de Maria Lúcia Guimarães de Faria,
Aletria e Hermenêutica nas estórias rosianas, e no livro A saga rosiana do sertão, de Ronaldes
de Melo e Souza. O ponto de partida, que nos fez questionar esse caráter mitopoético do sertão
rosiano, foi “O homem dos avessos”, ensaio de Antonio Candido, que atesta para o caráter
mítico e duplo do romance narrado. As cenas protagonizadas por Diadorim, Joca Ramiro e
Riobaldo possuem resquícios de tempos imaginados e também imaginantes. Torna-se
necessário, portanto, recorrer ao mitólogo Eudoroso de Sousa, que desvenda as origens de mito

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e poesia nas civilizações pré-helênicas. A própria entrevista de Guimarães Rosa ao seu
correspondente alemão, Gunther Lorenz, Diálogo com a América Latina: panorama de uma
literatura do futuro, acompanha esse trajeto sertanejo a partir de uma visão divinatória de rio,
que, para Rosa, é a palavra mágica que conjuga eternidade. Esse rio eterno é também narrante,
como podemos observar no nome do narrador Riobaldo. De fato, as palavras correm,
incessantes, sem obstáculo e terminam a travessia das palavras em um sinal de infinito –
terminam?

Palavras-chave: Sertão. Mitopoético. Diálogo. Physis.

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FAZER E PENSAR POESIA: O QUESTIONAMENTO DA REPRESENTAÇÃO
EM EUCLIDES DA CUNHA

Lais Peres Rodrigues


UFJF - Departamento de Letras

RESUMO

Grande parte dos poemas de Euclides da Cunha foram arquitetados no solo da


metalinguagem. Alguns, em especial, destacam esse trabalho de forma mais patente, ora
por comparar o processo de construção lírica aos trabalhadores braçais, ora por questionar
a própria função da poesia no início do século XX. Euclides da Cunha possui a consciência
de um poetizar próprio do brasileiro, fruto de nosso passado, vivências e personalidade.
Com uma espécie de pré-antropofagia de nossa poesia, ao eleger uma estrutura clássica
alexandrina, vestindo-a com um personagem do povo, propõe uma exaltação ao nosso
dom artístico nativo, o qual, apesar de nascer do cotidiano, adquire elementos grandiosos
devido a nossa tendência natural de poetizar, ao criarmos, por exemplo, metáforas e
hipérboles com frequência. As características dissonantes e exageradas do povo brasileiro
despertavam imensa atenção de Euclides da Cunha, como n'Os sertões, a partir da
designação dos termos “misto de tapuia e celta” e “Hércules quasímodo”. Para Euclides
da Cunha, a teoria poderia vir de influências europeias, mas não impediria que o texto
poético fosse essencialmente brasileiro. Era preciso beber os teóricos estrangeiros e
produzir um discurso autenticamente brasileiro. Em nossa apresentação, vamos destacar
também que Euclides, assim que retornou da Campanha de Canudos, ainda sensibilizado
com o que vira no sertão baiano, repassou para um lindo papel de carta o que nem ele
mesmo havia digerido emocionalmente. Estavam ali naquela folha os horrores
desconhecidos pelo litoral. O papel de carta era a representação da capital baiana rica, e
as palavras de Euclides da Cunha relatavam Canudos, o arraial apagado, uma página que
tentaram arrancar do enredo brasileiro: “Página vazia”. Ele fala da impossibilidade de
escrever diante do terror da guerra, mas, ao mesmo tempo, ao declarar essa
impossibilidade, ele mesmo já exerce o trabalho de organizar seu pensamento sobre o
acontecido e realizar o ato de não-escrever, escrevendo. Em outro soneto, intitulado “Se
acaso uma alma se fotografasse”, escrito em Manaus, em 1905, o

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poeta exalta uma linguagem subjetiva abundante, que atinge seu auge na realização de
uma reflexão sobre a configuração da alma do sujeito poético e sua representação, em
meio ao conceito de modernidade tecnológica da arte, tão discutido naquela época. Na
ocasião da escrita, acompanhava o soneto uma fotografia do escritor com um grupo de
pessoas que fizeram parte da comissão de reconhecimento do Alto Purus. Nesse soneto,
a problematização da representação na modernidade ganha destaque. Questiona: como
escrever poesia na era das fotografias? Ele responde a essa questão, a partir da união dessa
objetividade moderna com o subjetivismo-essência do poeta, permanecendo no entrelugar
característico do discurso euclidiano.

Palavras-chave: Euclides da Cunha. Literatura brasileira. Metalinguagem. Poesia.

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O ESCRITOR EM FACE DE SUA ESCRITA: ENTRE A ÉTICA E A ESTÉTICA NA
PRODUÇÃO CRONÍSTICA DE MILTON HATOUM

Aídes José Gremião Neto


UERJ/FFP – Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística (PPLIN)

RESUMO

Entre 2005 e 2007 Milton Hatoum publica sua primeira sequência de crônicas para um
único volume intitulado Entrelivros. Com esse volume de crônicas, que, se visto ao lado de todo
seu projeto literário, situa-se no intermédio de seu projeto, o escritor mostra uma faceta ficcional
pouco explorada até então: o debate acerca da matéria literária por meio de textos que situam-se
na fronteira entre crônicas e ensaios. Nesse sentido, pode-se vislumbrar nessas crônicas algumas
heranças literárias do escritor, bem como aquilo que Dominique Maingueneau cunhou de ‘rithos
de escrita’. Portanto, uma vez que seja possível reconhecer uma verve ensaística, cabe pensar o
projeto de autoria de Hatoum, que surgira em 1979 com a publicação do volume intitulado
Palavras e imagens de um rio entre ruínas, composto em conjunto, com apresentação e poesia
de Milton Hatoum e imagens de outros autores. Nesta apresentação, Hatoum, em forma de
ensaio, de maneira breve, promove um apanhado da história de Manaus, desde o século XVI
até o XX, com o foco recaído na espoliação dos recursos naturais e culturas ao longo do tempo.
Mais tarde, com a publicação de seus romances e de muitas outras crônicas, pôde-se observar
que uma das preocupações do escritor, além da escrita laboriosa, é recobrir ficcionalmente a
história de Manaus por meio de perspectivas distintas e entrecruzamento de vozes. Um projeto
literário iniciado em 1979, cujo foco da crítica recai sobre os romances, tendo seu
desdobramento em diversas modalidades: crônicas, contos e romances, carece de um olhar
atento que opere uma leitura conjunta e dialógica, principalmente para as crônicas, que
amalgamam as diversas facetas deste projeto. Nesse sentido, a presente comunicação
contemplará quatro crônicas do escritor, afim de recobrir os três volumes em que Hatoum
publicou e, no caso do último, publica até os dias atuais, sendo eles respectivamente: Entrelivros
(2005-2007), Terra Magazine (2006-2010) e o jornal Estadão. Nessas crônicas pensaremos os
interstícios de uma poética de autoria e, com isso, traremos à baila assuntos que perpassam
desde a esfera ética até a estética. Se por um lado, na crônica “Em busca da inspiração perdida”,
da Entrelivros, há a presença de um narrador que, sendo escritor, discute questões ligadas ao
ofício da escrita, por outro, as crônicas

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“Celebridades, personagens e bananas” e “Domingo sem cachorro” versam sobre uma
dimensão ética, situada no seio do dia a dia, sem perder de vista a macro política. Por outro
lado, há outras temáticas como religião e Ditadura militar de 1964 presentes, respectivamente
em “Tarde delirante no Pacaembu”, publicada no Estadão em novembro de 2009, e “Um jovem,
o velho e um livro”, a qual não cotejaremos no presente trabalho. É trilhando a leitura dos textos
literários de Hatoum aqui selecionados que refletiremos sobre a importância da produção
cronística para a poética do escritor. Para tanto, pensaremos tanto na relação história e literatura,
por meio de autores como Luiz Costa Lima com História, ficção e literatura (2006) e Linda
Hutcheon com Poética do pós-modernismo (1991), quanto as relações estéticas travadas no
interior de suas produções, deixando entrever passos da constituição de sua poética de autoria.
Neste quesito, utilizaremos as considerações de Dominique Maingueneau acerca do Discurso
literário (2006).

Palavras-chave: Milton Hatoum. Projeto literário. Crônicas.

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DESLOCAMENTOS E HIBRIDEZ NA NOVA MARVEL

Gabriel Braga Ferreira de Melo


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Os heróis das tradicionais histórias em quadrinhos estão alçando novos voos. Cinema e
séries de televisão são apenas dois dos novos lugares em que você pode encontrar muitos de
seus personagens preferidos. Porém, as páginas em que eles são publicados desde 1938
continuam sendo a mídia de maior relevância de sua história, dada a característica mensal de
publicação da maioria das revistas. Com um espaço maior para se aprofundar em certos
questionamentos, as histórias em quadrinhos, além de entreter, nos trazem um retrato da
sociedade que nos cerca e problematizam seus costumes. Concentrado nessa qualidade das
histórias em quadrinhos e utilizando como figura principal de exame os heróis da nova era dos
quadrinhos – heróis que, no geral, foram criados no século 21 –, este trabalho visa analisar como
se dá a discussão e a problematização das questões culturais de identidade nacional e de
pertencimento nessa nova era dos quadrinhos; como os comics representam a sociedade e
retratam uma identidade nacional estadunidense nos dias de hoje; como é possível estabelecer
heróis que falem à nação em um país sem uma identidade nacional homogênea; como retratar
uma sociedade tão diversificada culturalmente quanto a dos Estados Unidos nas últimas
décadas; e, por fim, como a indústria dos quadrinhos se adapta à nova realidade do mundo para
poder manter discussões pertinentes e estabelecer um debate sobre os temas que mobilizam a
nação – uma característica histórica desse meio desde sua origem no século passado. Para
alcançar tais objetivos, utilizo os suportes teóricos de autores como Umberto Eco (2011 [1964])
e Zygmunt Bauman (2013 [2011]) na discussão do papel dos quadrinhos como um veículo de
cultura. As questões do hibridismo em Nestor García Canclini (2008), da tradução em Stuart
Hall (2005) e Gayatri Spivak (2010), e da caracterização do sujeito que vem de fora e o
relacionamento entre este e o que o recebe presentes em Eric Landowski (2002) também serão
abordadas. Resgato ainda, uma vez mais, Bauman (2001 [2000]) e Hall (2009 [2003]), o
primeiro para abordar as questões da modernidade líquida e o segundo para melhor
compreender as diásporas. Ao longo de todo o trabalho, são empregadas reflexões de diversos
teóricos de quadrinhos como Santiago García (2012), Christopher Knowles (2008), Jason

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Dittmer (2013) e Russel W. Dalton (2011) para costurar a relação entre os quadrinhos e as
questões da Literatura e Estudos Culturais. Pretende-se verificar, assim, que, no atual momento,
o multiculturalismo é abraçado pelos comics por meio de um destaque de novas identidades
heroicas surgidas pós-2011 e outras provenientes da fragmentação do herói nacionalista antigo,
estando todas essas identidades em maior consonância com os tempos atuais e que visam
contemplar a diversidade cultural dos Estados Unidos.

Palavras-chave: Deslocamento, nação, tradução cultural, quadrinhos, Nova Marvel.

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DESENHAR E ESCREVER: CONSTRUINDO ILUSTRAÇÕES PARA A HORA DA
ESTRELA (1977), DE CLARICE LISPECTOR

Luciana Freesz
UFJF - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários

RESUMO

A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, foi o último romance que a escritora publicou
em vida, no ano de 1977, envolvido por certo mistério, pois parece assumir a forma de um
testamento literário da autora. A obra convida o leitor a uma rememoração de todas as obras
que a precederam. Compreendemos que a obra possui a capacidade de decodificar a
organização social e cultural da modernidade brasileira. Os percalços vividos pela personagem
central Macabéa, narrados por Rodrigo S. M. fazem parte de um texto cercado pelo excesso de
visão, plenitude de leitura e escrita criados pela autora. Macabéa é a personagem que Rodrigo
S. M. vai desenhar. Como um artista postado de frente a uma folha de papel em branco, a
história vai sendo guiada por traços, esboçando um texto rico em expressões e impressões do
narrador que pensa estar oferecendo “um relato frio”. A narrativa de Lispector está sempre em
busca de algo, a preocupação com o ato da escrita é constante: “Será mesmo que a ação
ultrapassa a palavra?”. Da preocupação com o ato da escrita, com a ação, caminhamos para a
preocupação com o ato de criação de imagens.
Este é o resumo de um projeto de tese que parte, em princípio, da possibilidade de todo texto
literário gerar imagens gráficas, concretizadas pela utilização de qualquer técnica artística que
o idealizador de tal empreitada possa propor. O texto de um autor pode converter-se em forma
visual pelas suas próprias mãos ou pelas de outro autor. É a máxima conexão entre textos, pois
estamos falando primeiramente de um texto verbal que permite ser traduzido para um texto não-
verbal, num fluxo de diálogo constante entre dois tipos de linguagens e ideias diversas.
Pretendemos nesta tese, discorrer sobre o processo criativo gerador de imagens. Para isso,
pensamos em desenhar, ilustrando trechos marcantes da obra A Hora da Estrela, estabelecendo
os registros das etapas do processo correspondente. Este romance, assim como cada uma das
obras de Clarice, exige sempre um novo tipo de leitor e também novas leituras. Buscando
caminhos não antes experimentados e novos olhares sobre a obra, nos aproximamos de uma
leitura de criação, na qual procuramos construir uma interpretação

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visual por meio de imagens. Estas imagens, a que denominaremos previamente de “ilustrações”,
serão produzidas utilizando técnicas artísticas de desenho ou pintura, que retratem fragmentos
expressivos do texto. Até o presente momento não há estudo sistemático, tese de Doutorado,
que tenha como tema central o texto de A Hora da Estrela sob a perspectiva artística-visual.
Consideramos necessária a feitura de um trabalho de pesquisa que explore plasticamente o texto
e o próprio processo de construção das obras artísticas. Visamos a abertura de um novo campo,
unindo as áreas de Literatura e Artes Visuais, aprimorando conhecimentos sobre os processos
de criação. Ainda, buscamos um equilíbrio entre teoria e empirismo, utilizando como
metodologia a análise literária, a criação de imagens e a reflexão, pretendendo alcançar um
novo texto.

Palavras-chave: A Hora da Estrela. Literatura brasileira. Tradução intersemiótica. Ilustração.

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O FRACASSO DA LINGUAGEM EM CLARICE LISPECTOR E SAMUEL
BECKETT

Rachel Ventura Rabello


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Esta pesquisa consiste em investigar como o conceito de fracasso da linguagem é


abordado nas escritas de Clarice Lispector e de Samuel Beckett, respectivamente nas obras
Água Viva e O Inominável. Como ponto de partida, assumo fracasso da linguagem como sendo
a incapacidade da linguagem de expressar um pensamento ou um objeto, isto é, sua “falência
expressiva” (MARTINS, 2012, p. 98). Essencialismo linguístico é o posicionamento filosófico
de que a linguagem seria a aparência de algo que está oculto (o mundo, um objeto, um
pensamento). Faz parte dele a ideia de que a linguagem funciona como um sistema de
representação, que expressa algo que está fora dela – por exemplo, o pensamento de um
indivíduo ou a existência de um objeto. A esse posicionamento se opõe o “ceticismo linguístico”
(MARTINS, 2012, p.70), que vê a linguagem como autorreferencial: não havendo nenhuma
razão exterior a ser expressa em seu interior, a linguagem não se referiria a nada além de si
mesma, como afirma Wittgenstein, “nada está oculto” (1999, p.129). O filósofo, em suas
Investigações filosóficas, expõe essa visão cética da linguagem. Em resumo, seu livro busca
descrever a realidade da linguagem, “vista como ferramenta de interação social, que assume
vários modos, chamados ‘jogos de linguagem’, de acordo com a função a ser realizada e com
a cultura da qual ela emerge” (CAVASSANE, 2009, p.79). A obra de Beckett foi bastante
analisada sob o olhar cético dessa vertente filosófica, talvez por conta de seu viés
metalinguístico, em que “as palavras se referem somente a elas mesmas, estando aí o grande
estranho, o grande absurdo que ele logra denunciar: nada a expressar a não ser a própria falência
expressiva da linguagem, sua natureza puramente autorreferencial” (MARTINS, 2012, p.98).
Embora a escrita de Clarice, em Água Viva, pareça, em uma primeira leitura, buscar a expressão
de algo que estaria por trás da palavra - fora dela -, acaba por denunciar a incapacidade
expressiva da linguagem, ou seja, o seu fracasso: “Ouve-me, ouve o silêncio. O que te falo
nunca é o que te falo e sim outra coisa” (LISPECTOR, 1998, p.14). Percebendo os pontos de
intersecção das temáticas de Água Viva e O Inominável e observando o diálogo entre essas
narrativas, pretendo analisar a escrita desses autores como um “pensar

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performativo” (MARTINS, 2012, p. 66). Nesse modo de pensar, o sem fundo da linguagem
não é descrito ou enunciado, mas experimentado, vivenciado no próprio ato da escrita: “Atrás
do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento.
Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és” (LISPECTOR, 1998,
p. 27); “não há nada, nada a descobrir, nada que diminua o que falta dizer, tenho o mar a beber,
então há um mar” (BECKETT, 2009, p. 58). Assim, busco descrever e analisar como esse
pensar performativo se mostra nas escritas de Lispector e Beckett, investigando o uso do
fracasso da linguagem como matéria-prima e tema de escrita. Nas palavras de Galharte, esses
autores, “depois de constatarem a distância entre o que desejavam falar e o que falaram,
transformam esse fracasso no próprio tema e meta a serem perseguidos” (2004, p. 72).

Palavras-chave: fracasso da linguagem, ceticismo linguístico, pensar performativo

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IDENTIDADE ENSOPADA DE SANGUE: UM ESTUDO SOBRE A DESCOBERTA
NÃO VIOLENTA DE SI MESMO NO ROMANCE DE DANIEL GALERA

Daiane Crivelaro de Azevedo


UFF – Programa de Pós-Graduação em Literaturas e Linuagens

RESUMO

Discutir identidade, em um tempo contemporâneo e em um romance contemporâneo,


significa o já clicherizado estudo sobre o humano, na perspectiva investigativa a respeito de
origem e destino de determinadas culturas. O romance Barba ensopada de sangue, publicado
em 2012 pela Companhia das Letras, insere Daniel Galera, escritor portoalegrense, como
reconhecido escritor no cenário literário, utilizando-se exatamente dessa temática. Na narrativa,
o narrador, em terceira pessoa, refaz o percurso de um inominado personagem ao encontro de
si mesmo. Em Garopaba, cidade litorânea de Santa Catarina, o protagonista busca reconstruir
uma suposta verdade sobre a morte – e a vida – de seu avô, Gaudério. Vítima de uma condição
neurológica peculiar que lhe impede de memorizar e, consequentemente, reconhecer rostos,
inclusive das pessoas mais próximas, chamada prosopagnosia, a questão identitária ganha, para
além das construções culturais e históricas, um apelo biológico. Nesse prisma, o encontro com
o avô significa, para personagem de Barba ensopada de sangue, encontrar o próprio rosto –
aquele mesmo que é incapaz de reconhecer, por ser, também, incapaz de relembrar.
Inevitavelmente, o tradicional percurso do bildungsroman, tão recorrente no século XIX,
reaparece no século XXI, assumindo nossos recortes. Um deles é a construção de uma
identidade não mais como unidade, mas como multiplicidade. Nesse sentido, o personagem do
romance de Galera questiona, na busca pela origem familiar, a própria família unívoca,
desdobrando as diversas narrativas sobre seu avô – em uma descoberta derridariana sobre a
inexistência da verdade. Essa narrativa, portanto, interessa a este estudo à medida que nos
permite reflexões a respeito da identidade e alteridade, construções humanas que colocam em
xeque as implicações da diferença. Para realizar essa discussão, utilizaremos, além do objeto de
análise supracitado e de breves comparações a outros romances do mesmo autor – tais como
Cordilheira (2008) e Mãos de cavalo (2006) –, percepções sobre literatura brasileira
contemporânea, a partir de Beatriz Resende e Karl Eric Schøllhammer, e conceitos a respeito
da identidade, propostos por Zygmunt Bauman, Vilém Flusser e Jacques Derrida. A
contribuição desses autores para este estudo refere-se, sobretudo, à busca de uma leitura que

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coloque em questionamento os conceitos já clicherizados a respeito de identidade e alteridade,
de modo que nos possibilite novas leituras. Nossa intenção não é limitar o romance Barba
ensopada de sangue, à única cena de leitura como bildungsroman. Mais do que isso, o objetivo
é entender um pouco mais o autor, que a cada dia ganha mais espaço na literatura brasileira
contemporânea, e de seu projeto literário, que, conforme defendemos, inicia-se com Até o dia
em que o cão morreu e se mantém até o mais recente romance publicado, Mais noite e vinte.

Palavras-chave: Identidade. Barba ensopada de sangue. Daniel Galera. Literatura brasileira.

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INSTINTO DE MORALIDADE, UMA METÁFORA SEM BASE?

Vagner Leite Rangel


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A revista Niterói (1836) é o prefácio de Cromwell da literatura nacional, pois foi o


veículo responsável pela oficialização do Romantismo, que significou a modernização
oitocentista da literatura brasileira, dando sentido histórico ao fazer literário, mas sentido bem
determinado: “O poeta sem religião, e sem moral, é como o veneno derramado na fonte, morrem
quantos aí procuram aplacar a sede” (MAGALHÃES, 1836, p.5). Desde então, o Romantismo
ofereceu um conteúdo programático aos futuros autores. De 1836 a 1858, ano que marca a
estreia crítica de Machado de Assis, até 1873, ano que marca a estreia romanesca do autor, com
Ressurreição (1872), o programa romântico está em curso, e a tal ponto que uma das
contribuições de Machado ao sistema literário da época, depois de “O ideal do crítico” (1865),
é a metáfora “instinto de nacionalidade”, que questiona o paradigma da cor local. Outro
paradigma, porém, é aceito pelo autor: a religião como dado indispensável à reforma literária.
Do 1º romance até Iaiá Garcia (1878), não se opõe ao programa romântico, exceto naquele
ponto. E duas polêmicas são reveladoras de sua filiação ao programa de 36: a 1ª polêmica é
com O primo Basílio, 1878; a 2ª, com “A nova geração”, 1879. Defende a prosa e a poesia
contra novas influências. O rumo machadiano após tais polêmicas nós já sabemos qual é; o que
nos resta sistematizar – eis a hipótese do projeto – é a contribuição machadiana à história
nacional da obra arte como obra de edificação moral, conforme defende em 78 e 79. Pelo avesso,
tais polêmicas nos revelaria o colapso do figurino romântico (forma recatada e decoro literário),
com seu instinto de moralidade (conteúdo edificante e desfecho moralizante), cujo propósito
(segundo a doutrina estética do santo, justo, belo e útil) seria contribuir para regeneração moral
do público – princípio em curso desde 36. Com a motivação de confirmar tal tese – instinto de
moralidade e colapso do figurino romântico –, a pesquisa tem como objetivo sistematizar a
metáfora cordata, instinto de moralidade e figurino romântico, a fim de compreender a defesa
machadiana da obra de arte como obra de edificação moral, proclamada em 1836 e em curso
até 1879. Em 1936, Pereira formula a pergunta capital: por que teria sido tardio o desabrochar
da boa ficção machadiana? “Machado de Assis, que, nos folhetins, tão cedo se firmara como
escritor, tateou muitos anos para

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conseguir encontrar nos romances romance o estilo próprio” (PEREIRA, 1936, p.123). Por que
insosso na ficção, se destemido na crônica; por que bisonho no livro, se agressivo no jornal, até
o final de 1870? Para ela, a demora teria sido responsável por um ficcionista “tão insosso ainda,
coitado, tão bisonho” (PEREIRA, 1949, p.104). No meio do caminho – eis nossa hipótese – não
tinha apenas a tradição da moderna literatura brasileira, o que não seria pouco, tinha, também,
exortação, por parte duma autoridade literária da época, Quintino Bocaiúva, para que ele desse
cabo “das formulações românticas sobre o país e o papel da literatura na construção da nação”
(GUIMARÃES, 2016, p.236). A metáfora, portanto, tinha base, e a tal ponto e de tal modo que
foi preciso pôr um ponto final em sua história para então principiar a 2ª fase.

Palavras-chave: Brasil. Romantismo. Literatura. Machado de Assis.

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A IMAGEM DO RETRATO
A ARTE NA META FICÇÃO HISTÓRICA DE O RETRATO DO REI

Cristina Reis Maia


UERJ/FFP - Estudos Literários

RESUMO

A compreensão e fruição de uma narrativa dependerá das relações estabelecidas entre


leitor e autor, da maneira como este a apresenta e de como aquele a recebe e interpreta. Seu
desenvolvimento incorre em variados níveis de subjetividade e percepção da realidade: muitas
vezes implica na interação de diferentes disciplinas, outras tantas na introdução de questões e
propostas reflexivas ao contexto apresentado – mesmo que sutil ou subliminarmente.
Considerando tais perspectivas, o presente trabalho tem como proposta refletir de que forma
Arte, Literatura e História dialogam no livro O retrato do rei (MIRANDA, 2001),
compartilhando um outro modo de repensar a realidade e suas representações sociais. Assim, o
enredo desenvolve-se sob os auspícios da meta ficção ou meta história, tendo como referência
uma pintura real, alvo de disputa das personagens em sua busca pelo poder e domínio das
riquezas em uma terra a ser desbravada. A utilização de uma pintura (o retrato do rei) como fio
condutor do enredo, propicia a discussão as possibilidades interpretativas acerca da imagem e
de suas significações, constituídas a partir da ekphrasis. Por meio dessa arte (a representação
de uma figura de poder) articulam-se história do Brasil e literatura. Este exercício transformador
do pensamento problematiza, atualiza e superpõe temas e temporalidades de um passado
histórico, fomentando as múltiplas possibilidades de interpretações sem que o leitor perca o
prazer pela leitura. As intertextualidades surgidas proporcionam interseções entre construção
literária e fatos históricos, arte e percepção, representação e cultura, enquanto dialogismos e
polifonias são evidenciados na (re)construção das personagens – a partir de um patchwork de
lendas e fatos documentais, sob um movimento de desconstrução e um processo de
suplementaridade e interpolações. Por sua vez, imagem e escrita instituem importantes diálogos
nos quais são construídos jogos entre signos e de representações. Neste contexto, a pintura
reportada evoca não apenas indicadores de similitude – ou “emanações” do referente –, mas
também interpretações subjetivas – focando para além de si, o olhar (as percepções) do outro,
das demais personagens. A imagem gera, assim, um novo texto, repleto de códigos e
subcódigos, que interage com a palavra escrita.

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1

38
Nele, põem-se em jogo diferentes associações mentais e campos associativos, permeados por
fatores contextuais, extralinguísticos, extratextuais, que comporão a narrativa subjetiva.
Ademais, ao estabelecer versões sobre os fatos vividos, tal narrativa revisita o passado, trazendo
à tona importantes temas sociais, mostrando a sua recorrência nos dias atuais. Constitui, assim,
um novo olhar, aberto a reflexão e à subversão das convenções estabelecidas.

Palavras-chaves: Meta história. Literatura. História. Arte. Diálogos interdisciplinares.

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2

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O BRASIL É... UM RETRATO IRÔNICO DO PAÍS A PARTIR DAS VOZES DOS
BRASILEIROS

Yuri Nikolai de Souza Teixeira


UERJ - Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

A publicação de "O Brasil é bom" (a obra reúne 23 contos, alguns publicados


anteriormente em jornais, outros inéditos), de André Sant’Anna, em 2014, cerca de um ano após
as manifestações de junho de 2013, mantém uma relação próxima com esses eventos não apenas
no que tange à temporalidade. À semelhança dos gritos que irradiavam das ruas, a obra também
emite sua voz crítica e irônica contra a estrutura social e política, e o faz igualmente da forma
coral – aqui por dissonância de vozes que, recolhidas da boca dos próprios brasileiros e
expostas, são capazes de gerar uma autorrevelação crítica do país. Nesse contexto discursivo
presente em "O Brasil é bom", este artigo analisa a construção da imagem do país que se revela
à medida que os brasileiros falam e têm suas falas ironizadas. A ironia é colocada no texto pela
direção autoral que Sant’Anna dá a essa compilação de clichês, de frases do senso comum, de
discursos políticos e institucionais, que geralmente apresentam uma visão positiva do país (o
Brasil é bom) e são facilmente encontrados (ou melhor, eram, principalmente até a eclosão das
manifestações de 2013) nos discursos do nosso cotidiano. E mais do que a reprodução do
otimismo patriótico ilusório que muitas vezes domina o imaginário da nossa sociedade, as vozes
trazidas por Sant’Anna desnudam o conservadorismo de uma parcela majoritária da população
no que esse conservadorismo pode ter de mais desumano ou de resignado com injustiças sociais
travestidas de benefícios. Dessa forma, temos uma obra que, em seus 23 contos, por meio da
ironia, cria um discurso crítico implícito, que se sobrepõe aos que ali estão explicitados para
demonstrar seu absurdo. Para melhor elucidar o processo pelo qual é possível construir-se essa
imagem de um Brasil que não é bom, este estudo se apoiou no método de observação da
imagologia, de Daniel-Henri Pageaux, que contribui para o entendimento de como, na
construção de uma imagem feita através do discurso de um indivíduo pode-se perceber
simultaneamente traços da identidade do próprio enunciador – e aqui expandimos a ideia para
a percepção do próprio enunciador autoral, que organiza as falas dentro de uma concepção
política, filosófica e teológica revelada pelo seu próprio trabalho discursivo feito em cima dos
tantos outros discursos

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incorporados aos seus contos. Vale ressalvar que é essa voz autoral que faz com que a identidade
dos enunciadores trazidos para o plano do conto (ou do enunciador, se tomarmos essa
confluência de vozes como uma representação da sociedade brasileira) seja posta em destaque
e lançada em um ambiente de crítica pelo recurso da ironia, que, na obra, tem a dupla função
de contribuir para sua natureza intensamente polifônica e reduzir ao ridículo os discursos
massificados ali presentes. Levando em conta o predomínio do recurso expressivo da ironia,
trouxemos as contribuições da obra "Ironia em perspectiva polifônica", de Beth Brait, que aclara
as potencialidades do uso da ironia, desde sua perspectiva retórica até às noções discursivas, em
que podemos enxergar a ironia como um ato argumentativo dotado de certa agressividade como
elucidado aqui pela obra. Observa-se, dessa maneira, em "O Brasil é bom", um conflito
discursivo na definição de um referente sobre o Brasil, ao qual observamos, em diálogo com o
conceito de referenciação, como proposto por Lorenza Mondada e Danièle Dubois.

Palavras-chave: Literatura brasileira. Imagem. Referenciação. Ironia.

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A REPRESENTAÇÃO (VISUAL) DOS ATORES SOCIAIS
NA MÚSICA “SONDA-ME, USA-ME” (2004) DE ALINE BARROS

Camila dos Santos Fernandes


Claudia Neves dos Reis
Dandara Rosa
Joana Guedes
UERJ – Programa da Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O presente trabalho a ser submetido à apreciação da oitava edição do SAPUERJ Letras


baseia-se nos pressupostos teóricos da Rede de Sistemas da Representação (Visual) dos Atores
Sociais - RAS (Van Leeuwen: 1996; 2008) apresentados pela professora Gisele Carvalho
(UERJ) no curso Tópicos Especiais em Análise do Discurso no primeiro semestre do ano de
2017. Em posse deste arcabouço teórico ao final do curso propusemo-nos a investigar se tais
categorias seriam aplicáveis à música Sonda-me, Usa-me composta por Aline Barros em
parceria com Ana Feitosa e Edson Feitosa. Lançada em 2004, esta música é a faixa número
dois do álbum Som de Adoradores da cantora Aline Barros, o qual foi gravado na igreja
Comunidade Internacional Zona Sul, e indicado ao Grammy Latino de 2005. É o álbum mais
vendido da cantora, sendo certificado com disco de diamante em 2007 pela ABPD (Associação
Brasileira de Produtores de Discos). Cientes de que este sistema não foi criado necessariamente
para dar conta de seres ficcionais e muito menos interpretar a representação de um ser tão
abstrato, subjetivo e controverso quanto Deus, buscamos ver que contribuições esta teoria traria
para a compreensão dos múltiplos significados possíveis do texto e imagens em questão. Um
outro fator que muito nos motivou a fazer esta escolha além do desafio mencionado acima é a
crescente influência do mundo religioso, principalmente o evangélico, no Brasil contemporâneo
tanto na cultura popular, na economia quanto na política. Segundo dados de 2010 do IBGE, em
10 anos o número de evangélicos aumentou em 61,45% no Brasil. Isto corresponde a mais de
42,3 milhões de brasileiros. Na economia, de acordo com o site Gospel Prime, esta massa de
evangélicos constitui um enorme mercado consumidor movimentando aproximadamente 21,5
bilhões de reais anualmente, comprando os mais diversos produtos religiosos de bíblias, livros,
CDS, DVDS, camisetas, acessórios,

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viagens, adesivos, aplicativos a sex shops. Já na política, de acordo com João Campos – pastor,
deputado federal e líder da FPE (Frente Parlamentar Evangélica) - há aproximadamente 90
parlamentares, podendo este número aumentar ou diminuir devido aos suplentes. Parlamentares
estes que tentam impor suas agendas conservadoras ao estado laico de duas maneiras:
impedindo que determinadas leis sejam aprovadas ou votadas ou criando projetos de leis
polêmicas como o dia do heterossexual ou a criminalização do funk. Por esses motivos, parece-
nos relevante nos debruçarmos sobre textos e imagens desta natureza a fim de examinarmos de
que maneira a academia poderia contribuir para a compreensão deste fenômeno de cultura de
massa. Sendo assim utilizando as categorias e subcategorias mais relevantes da RAS neste
trabalho, procuramos examinar, classificar e interpretar como atores sociais Deus e a cantora
são representados no seu discurso (a letra da música) e como os atores sociais presentes no clipe
(cantora, músicos e igreja) são representados visualmente através de imagens retiradas do
videoclipe oficial da música “Sonda-me, Usa-me”.

Palavras-chave: Representação. Discurso. Representação visual. Atores sociais. Análise.


Interpretação.

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AFORIZAÇÃO E INTERTEXTUALIDADE:
A PRESENÇA DO OUTRO EM POSTS MOTIVACIONAIS

Tatiana Jardim Gonçalves


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A comunicação apresentará, em linhas gerais, a pesquisa que estamos desenvolvendo,


para posterior elaboração de tese, e sua atual fase de reflexão. Experienciamos um momento em
que o corpo é a vitrine do indivíduo. Enquanto superfície histórica, o corpo recebe muitas
inscrições, sobre o corpo são produzidos e sustentados discursos que evocam muitos sentidos.
Estes sentidos estão atrelados a outros discursos e a diferentes esferas sociais que conferem
centralidade ao corpo e instituem processos de subjetivação. Nossa pesquisa se debruça sobre
um dos muitos discursos relativos à corporalidade, nela analisamos o denominado discurso
motivacional que circula na comunidade discursiva dos bodybuilders (fisiculturistas e
musculadores). Tal discurso é atravessado por noções de força e de superação para obtenção de
corpos hipertrofiados, tal discurso evoca um modo de existência e de relação consigo mesmo
que mostram não só o corpo obtido, mas também a moral daquele que o obtém. Nosso corpus
é composto, preliminarmente, por posts de páginas dedicadas à motivação dos adeptos da
prática. Esses textos, que são multimodais, são constituídos, em sua face verbal, a partir de
textos de outras fontes, oriundos de diferentes formações discursivas. A face verbal dos textos
assume a forma de mensagens de autoajuda, de aconselhamento para obtenção de uma
conquista, pois se apresenta, em termos teóricos, no Maingueneau denomina como aforização,
regime enunciativo em que trechos destacados de textos circulam com relativa autonomia. Em
nosso estudo, intentamos compreender e mostrar a engrenagem que compõe esse discurso e
depreender as redes que possibilitam sua circulação. Questionamos, ainda, a denominação de
tal discurso, já que na conjuntura atual o neoliberalismo convida o sujeito a ser empresário de
si mesmo, a gerir sua vida de modo que seja o único responsável por seu sucesso ou seu fracasso.
Isso, como já verificamos em análises preliminares, confere ao discurso em questão uma
dimensão imperativa. No que se refere à contribuição teórica de nosso trabalho, objetivamos
ampliar o conceito de intertextualidade, já que a materialidade linguística do discurso se dá pela
alteridade. Intentamos discutir e mostrar, a partir das análises, que a intertextualidade é um
fenômeno amplo, ligado a uma correlação de forças que ultrapassa as

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malhas textuais. Para realizar os intentos mencionados, nos respaldamos em Foucault (2009,
2012, 2013, 2016) no que concerne às noções de corpo, de verdade, de discurso e de sujeito, e
a Maingueneau (2008, 2010, 2014) no que tange ao conceito de aforização e seus
desdobramentos. Nas análises, pretendemos explicitar as relações intertextuais presentes nesses
textos, as correlações de forças entre os textos e os aspectos enunciativos da comunidade
discursiva em questão. Pretendemos, em última colocação, refletir sobre o corpo como uma das
grandes verdades do nosso tempo, pretendemos oferecer uma contribuição que permita ver
nesse discurso uma forma de vida que movimenta outras formas de vida.

Palavras-chave: Corpo. Motivação. Aforização. Intertextualidade

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CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS DE VACINAÇÃO CONTRA HPV: UMA ANÁLISE
DA REPRESENTAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS.

Maíra Meyberg
Débora Ferreira
Bruna Cardoso

UERJ - PPG Lato Senso em Letras - Práticas de Linguagem e Discursividade

RESUMO

A questão da imunização no Brasil é um tema bastante complexo e por essa razão pode
ser também um campo de debate bastante produtivo. Ao mesmo tempo em que o país é apontado
como referência mundial por suas políticas públicas de imunização, há também o registro
histórico de forte opinião pública e resistência a esses programas, como no popular episódio da
revolta da vacina. Essas políticas públicas apresentam sempre características impositivas que
podem despertar mobilizações de relutância por parte da população, seja por inspiração
religiosa ou por ceticismo em relação aos seus benefícios. Não seria surpresa, portanto, se as
recentes campanhas de vacinação contra o vírus do HPV (Human Papillomavirus, ou Papiloma
Vírus Humano) seguissem o mesmo padrão no que diz respeito à sua receptividade e impacto,
e assim despertassem reações similares. Nesse contexto, cabe averiguar o papel das peças
publicitárias utilizadas nas campanhas de vacinação contra o HPV. Nesse sentido, a
contribuição teórica de Theo Van Leeuwen para análise do discurso nos permite fazer análises
e interpretações tanto em relação ao conteúdo gráfico quanto textual. Para este teórico, como
fica claro em seus trabalhos de 1996 e 2008, os atores sociais podem estar representados tanto
linguisticamente quanto em imagens, e que, enquanto as palavras ocupam-se de explicar, as
imagens tratam de sugerir, e através da análise é possível compreender as imagens de forma
mais explícita em relação àquilo que elas aludem. O objetivo deste trabalho foi, portanto,
analisar os pôsteres publicitários utilizados nas campanhas de vacinação contra HPV nos anos
de 2014, 2015 e 2016, a partir das teorias de representação de atores sociais de Van Leeuwen,
visando sugerir a adequação de seu apelo em relação ao público alvo, além da sua pertinência
como ferramenta educativa e informativa. Para isso, foram escolhidas as categorias de
enquadramento, olhar e ângulo do observado no que diz respeito à análise das imagens. Quanto
à análise linguística, as categorias mais

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relevantes do sistema de Van Leeuwen foram os pares inclusão e exclusão, ativação e
apassivação, pessoalização e impessoalização e generalização e especificação no processo de
representação dos atores sociais. Os resultados das análises indicaram que, por se tratarem de
peças publicitárias, os apelos parecem estar adequados aos públicos e propósitos estabelecidos
pelos criadores das campanhas, embora haja espaço para discussões acerca de representações
de gênero e diversidade. Já no que diz respeito ao conteúdo linguístico, o material deixa um
pouco a desejar, pois não traz informações mais completas acerca da vacina e dos
desdobramentos da contaminação por HPV. As ferramentas providas pelo arcabouço teórico de
Van Leeuwen, portanto, nos proporcionam fazer análises críticas bem embasadas que
ultrapassam a mera interpretação baseada em sensações subjetivas ou conotações implícitas. O
sistema de Van Leeuwen serve de apoio teórico para uma crítica mais contundente apoiada em
evidências. Desta forma, fica clara a contribuição deste teórico não só para a Análise do
Discurso no campo da Linguística Aplicada, mas também para a percepção de seus impactos
na sociedade e sua cultura.

Palavras-chave: Representação de atores sociais, Van Leeuwen, Análise do Discurso,


Vacinação contra HPV.

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A METÁFORA DA VIAGEM EM JANGADA DE PEDRA, DE JOSÉ SARAMAGO

Caio Henrique da Silva Reis


UERJ- Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O romance A jangada de Pedra, de José Saramago, publicado em 1986, apresenta


como enredo a separação físico-geográfica da Península Ibérica da Europa, causada pelas ações
dos personagens-protagonistas, tais como o risco no chão feito por uma mulher, Joana Carda,
que utilizou uma vara de negrilho e o arremesso de uma pedra pesada ao mar, realizado por um
homem que não era forte, Joaquim Sassa. Essas ações representam o universo insólito presente
na obra, em que mostra o desprendimento da Península do continente europeu. A partir desse
contexto, fazemos esta pergunta, presente no trabalho: Portugal está à deriva? Analisaremos o
que chamamos de “primeira viagem” no romance: a viagem da Península Ibérica, ou da
“jangada” em busca de uma identidade. Além disso, também há a “segunda viagem” que é a
dos personagens em busca de um determinado lugar (Lisboa). Durante a narrativa, o leitor está
também em uma viagem, já que passa por diferentes lugares da Península com suas histórias.
Será que esses personagens estão à deriva também, junto com a Península? O objetivo é
justamente responder a esse questionamento, a partir de reflexão sobre o rumo em que Portugal
irá tomar, ou melhor, discutiremos o destino desse país, com base na questão da identidade
histórico-cultural da terra de Camões. O título dessa comunicação é baseada no ensaio de
Octavio Ianni intitulado “A metáfora da viagem”, que discute tanto a viagem como forma de
encontrar o seu “eu”, a sua identidade, quanto uma possibilidade de conhecer a cultura de povos
estrangeiros. Para ajudar na discussão e reflexão sobre a questão do destino de Portugal,
escolhemos de forma criteriosa o historiador Joaquim Barradas de Carvalho e o filósofo
Eduardo Lourenço, ambos portugueses, como os teóricos principais para a pesquisa, por
estudarem de forma aprofundada a formação identitária de Portugal, partindo da Expansão
Marítima até os dias atuais. Ou seja, discutem se Portugal pertence ou não à Europa, não na
visão geográfica, mas sim histórico-cultural. Sobre a questão dos personagens supostamente à
deriva, esses textos teóricos contribuirão para responder tal indagação.

Palavras-chave: Ficção. Viagens. Identidade. Iberismo. Portugal. Europa.

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OS CRAVOS D’A NOITE: TEATRO, POLÍTICA E IDEOLOGIA EM JOSÉ
SARAMAGO

Carolina Lopes Batista


UFRJ - Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

Em 1974, uma revolução militar e civil estourou em Portugal, fazendo chegar ao fim
uma ditadura que durou quase 50 anos. Uma ditadura que começou e terminou sem Salazar,
mas que ficou conhecida como Salazarista. A festa e a alegria se alastraram pelo país e além-
mar, mas durou somente um ano, pois, em 1975, os cravos começaram a murchar: a revolução
deu uma guinada à direita, os militares começaram a tomar cada vez mais o poder e o cenário
nacional para o povo trabalhador continuou o mesmo. Eduardo Lourenço, em seu artigo “Dez
anos de literatura portuguesa (1974-1984): literatura e revolução” (1984) explica: “A Revolução
acelerara apenas a vertiginosa (embora sonâmbula) metamorfose de um povo saindo do casulo
provincial e rústico para o écran de uma civilização consumista sem fronteiras” (p. 14). Cinco
anos após a revolução de abril e quatro anos depois do início de sua derrocada, José Saramago
escreve sua primeira peça de teatro, A Noite, que trata, justamente, da virada do dia 24 para o
dia 25 de abril de 1974. O cenário é uma tipografia de um jornal e os personagens são os seus
trabalhadores. A equipe se divide entre esquerda, direita, centro e um único personagem que
fica a meio caminho da direita e do centro, em dúvida de qual seguir. Enquanto a revolução não
ocorre, as discussões giram em torno da função do jornal e do jornalista e a censura – sobre as
quais nos debruçaremos. Além disso, a partir de dois livros de Raymond Williams (Keywords:
a vocabulary of culture and society, de 1983, e Marxismo e literatura, de 1979), procuraremos
desenvolver uma discussão do que seria cultura e ideologia para os personagens nas discussões
levantadas – uma delas em um artigo real, lida por um personagem fictício, em resposta a um
artigo escrito anonimamente por Saramago em sua época de jornalista do Diário de Lisboa. Para
finalizar, buscaremos responder uma questão levantada assim que nos deparamos com o tempo
do enunciado e o tempo da enunciação, separados por 5 anos: por que Saramago escreveu essa
peça, cujo tema é a Revolução dos Cravos da forma mais otimista e utópica possível, após o
sentimento de decepção que o resultado de tal movimento deixou em seus compatriotas? Para
responder a essa questão, nos apoiaremos de outros escritos de Saramago (tais como Levantado
do chão,

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Memorial do convento, O ano da morte de Ricardo Reis e suas outras peças) e de autores que
sobre ele escreveram. Ademais, para os outros pontos aqui levantados, utilizaremos, além dos
já citados Raymond Williams e Eduardo Lourenço, artigos de Teresa Cristina Cerdeira
(contidos em sua dissertação José Saramago – entre a história e a ficção: uma saga de
portugueses), Luiz Francisco Rebello (“Dez anos de literatura portuguesa (1974-1984): a
literatura teatral”), Theodor Adorno (“Engagement”) e Walter Benjamin (“O autor como
produtor”). Para as informações históricas, o livro Portugal: 50 anos de ditadura, de António
de Figueiredo, será de suma importância.

Palavras-chave: Saramago. Revolução dos Cravos. Teatro. A Noite. Ideologia. Cultura.

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UMA LEITURA DA PAISAGEM EM LEVANTADO DO CHÃO,
DE JOSÉ SARAMAGO

Mariana Motta Campinho Cardoso


UFF- Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários

RESUMO

Há alguns séculos, Camões escreveu a grande epopeia portuguesa. Uma das mais
conhecidas obras de expressão dessa língua, Os Lusíadas narra a expansão marítima dos
portugueses, no século XV. Muitos anos depois, durante a ditadura Salazarista, essa glória foi
exaltada incansavelmente pelo Estado para que o povo português sentisse orgulho de si.
Aspecto este muito típico das ditaduras: recuperar um nacionalismo pautado em uma suposta
“glória” da nação. O fato é que Portugal tem, desde sempre, uma relação íntima com o mar. Tal
intimidade é retratada das mais diversas formas na literatura, ao longo dos tempos. O escritor
José Saramago também conquistou o seu espaço na história literária e é conhecido hoje como
um dos maiores. Ele também é conhecido por imprimir em sua obra traços ideológicos que
marcam, de forma bastante contundente, o seu posicionamento político. A partir do resgate da
História Oficial e dos mitos bíblicos, por exemplo, o autor constrói o seu tecido ficcional de
modo a levar o leitor a se perguntar a respeito da veracidade dos discursos oficiais. Saramago
escreveu, então – não à semelhança de Camões –, a sua epopeia portuguesa. Dessa vez, não há
Vasco da Gama, Ilha dos amores ou ninfas. Dessa vez, o protagonista é o povo português, mais
precisamente o trabalhador do latifúndio alentejano, sujeito muitíssimo explorado em todos os
tempos e, ainda mais, nos anos em que Portugal esteve sob ditadura. Em Levantado do Chão
(1980), Saramago narra a saga de quatro gerações da família Mau-Tempo, que representa a
duradoura história da opressão sofrida pelos trabalhadores do latifúndio. Narra, aliás, o processo
de aquisição de uma consciência ideológica protagonizado por esses trabalhadores que culmina
no 25 de abril de 1974, a conhecida Revolução dos Cravos. Em vez de conquistar o mar, os
portugueses conquistam as terras ao “levantarem-se” do chão. Levantado do Chão se enquadra
no grupo de obras pós- revolucionárias que retratam o período Salazarista. E Saramago o faz
de um modo todo próprio, em um romance polifônico, através de vários discursos articulados.
Ademais, dessa vez o foco narrativo é quem antes esteve à margem da História. O romance em
questão traz à tona discursos totalizantes que contribuíram para a manutenção de estruturas de
poder e de

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opressão. O autor remonta ao passado histórico recente e expõe situações que fazem parte de
uma memória compartilhada: isto é, quem é que, na sociedade portuguesa, não se recorda dos
longos anos de opressão sob a ditadura salazarista? O romance discute então os danos causados
a mais fraca esfera da população, esta da periferia: os trabalhadores e os pobres, em geral. Nesse
sentido, o presente trabalho propõe a reflexão acerca do caráter crítico da obra Levantado do
Chão, de José Saramago, que compõe o grupo de obras pós-revolucionárias que contribuem
para o resgate da memória dos anos de exceção em Portugal. Essa análise partirá da leitura da
paisagem que é retratada no texto de modo a contribuir para a composição de uma atmosfera
opressora e desigual. O horizonte do narrador, analisado à luz da teoria de Michel Collot e de
Paul Ricoeur, é fundamental para a compreensão de aspectos do tecido ficcional.

Palavras-chave: José Saramago. História. Neorrealismo. Paisagem.

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A PRESENÇA DA LINGUAGEM EM JOSÉ SARAMAGO

Naiara Martins Barrozo


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Meu objetivo nesta comunicação é trazer à tona a existência de um pensamento sobre a


linguagem na obra de José Saramago. Para empreender do melhor modo possível esta tarefa
dentro dos limites temporais de uma comunicação, minha proposta é observar especificamente
“As intermitências da morte”, romance publicado em 2005. O pressuposto teórico de que parto
é o conceito de crítica de arte imanente apresentado por Walter Benjamin em seus textos de
juventude, para quem a crítica deve ter como ponto de partida elementos oferecidos pelo próprio
objeto para empreender sua análise, em geral, elementos extremos que chamam a atenção do
leitor e que se relacionam entre si constelativamente, delineando um sentido. Esses elementos
devem ser acolhidos como guias para o leitor que quiser percorrer os caminhos da obra. A
escolha pelo romance de 2005 respeita este pressuposto teórico. Desde seu início, o texto
oferece um elemento bastante peculiar que não deve ser ignorado a quem busca ouvir a obra.
Trata-se da epígrafe: “Pensa por ex. mais na morte, - & seria estranho em verdade que não
tivesse de conhecer por esse facto novas representações, novos âmbitos da linguagem”.
Inicialmente, ela mostra a existência de uma relação necessária entre a morte (protagonista do
enredo ) e a linguagem. Esta relação se aprofunda quando percebemos que ele inscreve um
personagem real da história do pensamento na malha ficcional de seu romance, e não é um
personagem qualquer – trata-se de um filósofo importante especialmente no que diz respeito ao
pensamento ocidental sobre a linguagem, Wittgenstein. Em seu trabalho de 1953, Investigações
filosóficas, ele se ocupa sobretudo da linguagem da vida cotidiana. Na apresentação da tradução
brasileira, Emmanuel Carneiro Leão se refere à linguagem exposta por Wittgenstein de um
modo que permite intuir algo do motivo de sua referência no romance. Ele afirma que “A
linguagem real da vida não considera apenas as estruturas lógicas que se podem ordenar com
perfeição e transparência. A linguagem real da vida se mantém sempre em aberto e abrindo-se
para usos sempre novos e jogos em contínua reformulação. A fonte da vida histórica dos homens
é o caos, no sentido originário da palavra grega. (...) A palavra ‘caos’ tem o mesmo radical do
verbo chasko, que nos remete para a experiência de manter-se continuamente abrindo-se, de
estar, portanto, sempre em aberto. A linguagem real da vida cotidiana é este

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poder inaugural do caos, o poder em si indeterminado e indeterminável de toda determinação e
indeterminação. (...) Nas Investigações, a linguagem se torna mais elástica e compreensiva e o
pensamento se transforma cada vez mais em atividade de diferenciar padrões de comportamento
sem propósito lógico ou teórico de combinação. Trata-se de aprendizagem, a aprendizagem de
ver novos modos de ver”. Ao que parece, Saramago assimila esta característica da linguagem
real da vida cotidiana em sua narrativa como linguagem de construção poética quando cria o
universo particular de As intermitências, cujo fundamento é exatamente a (re) criação do
necessário e do contingente. Ele faz isso ao subverter a ordem do mundo humano naquele que
é um de seus aspectos essenciais: a morte se torna contingente, e a vida, necessária.

Palavras-chave: Morte. Linguagem. José Saramago.

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A CONFIGURAÇÃO DA PERSPECTIVAÇÃO CONCEPTUAL
(OBJETIVIDADE/SUBJETIVIDADE) EM CONSTRUÇÕES MODAIS DEÔNTICAS

Dayane Alves Wiedemer


UFF – Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem

RESUMO

Neste resumo, apresentamos parte de nossa pesquisa de mestrado, ainda em fase inicial,
acerca da construção subjetiva composta por [verboser + predicativopreciso [oração completiva
subjetiva]], que é uma estrutura linguística relacionada à modalidade deôntica, que se encontra
no eixo da conduta e expressa os valores de obrigação, podendo ser moral, interna e ditada pela
consciência ou obrigação material, externa, social e ditada pelas circunstâncias (ALMEIDA,
1980; NEVES, 1996), além do valor de necessidade (ALVES WIEDEMER, 2015).
Considerando os pressupostos da Linguística Cognitiva, principalmente, sobre os estudos de
perspectivação que envolve a construção do significado linguístico, o objetivo de nosso trabalho
é a descrição e análise da subjetividade e objetividade presentes ou não no preenchimento do
sujeito da oração completiva; e, na análise da configuração da perspectivação conceptual
presente nas construções deônticas, a partir do modelo cognitivista, principalmente, Langacker
(1990). Silva (1997) afirma que a Linguística Cognitiva é uma abordagem da linguagem
perspectivada como meio de conhecimento e em conexão com a experiência humana do mundo
e que ela rejeita os pressupostos da autonomia da linguagem, como a separação entre o
conhecimento semântico e o conhecimento extralinguístico. Silva e Batoréo (2010) afirmam
que um dos princípios essenciais da Linguística Cognitiva é a conceptualização, que consiste
numa determinada perspectivação do conceptualizador relativamente a uma entidade ou
situação, ou seja, qualquer conceptualização envolvida no significado de uma expressão lexical
ou gramatical não pode ser caracterizada somente em termos das propriedades do objeto, mas
tem que obrigatoriamente levar em consideração o sujeito dessa conceptualização. A
perspectivação da modalidade é assentada a partir da definição de uma intenção ou atitude do
sujeito em relação à proposição ou ao enunciado. O que se tem é o conteúdo proposicional de
um lado, a atitude ou intenção do sujeito de outro, e um interlocutor subfocalizado ou fora de
cena (SALIM MIRANDA, 2005). Para compor o corpus de análise, foram coletados dados de
discursos e debates feitos por deputados na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro) durante o ano de 2017. Em relação aos resultados, de forma geral, na construção

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analisada, o uso do infinitivo, na oração completiva subjetiva, marca maior subjetividade em
relação aos outros usos, já que o falante opta por se manter “fora de cena” sem especificar um
trajetor. Com o contraste feito na construção do seu discurso, a perspectivação passa de objetiva
para subjetiva, tendo assim o processo denominado de subjetificação. Já o uso do infinitivo
flexionado confere maior perspectivação objetiva, pois o conceptualizador se inclui no trajetor,
sendo foco da construção. A construção com forma verbal finita e sujeito preenchido marca que
o conceptualizador não possui domínio sobre o marco, pois, nesse momento, o conceptualizador
observa a cena atribuindo a obrigação, oriunda da modalidade deôntica, à outra pessoa. Então
nota-se maior objetividade em relação ao evento, mas também se nota subjetividade por parte
do conceptualizador. Por outro lado, a forma verbal finita sem preenchimento do sujeito nos
mostra que não há foco no trajetor e sim no marco.

Palavras-chave: Perspectivação. Modalidade deôntica. Subjetivação. Orações encaixadas.

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VÍCIO OU LINGUAGEM EM USO?
UMA QUESTÃO SOCIOCOGNITIVA

Jéssica Julliana Bezerra Gondim


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O estudo das “figuras de linguagem” tem sido privilegiado pela língua portuguesa dentro
da literatura e pela linguística que as insere em modelos de “uso” nos estudos da metáfora e da
metonímia com viés polissêmico. No entanto, as gramáticas não apresentam um consenso
quanto às classificações, nem ao denominar o fenômeno: figura ou estilo? O próprio conteúdo
encontra-se no capítulo de estilística de algumas gramáticas mais tradicionais, o que minimiza
a complexidade dessas práticas de linguagem. Há ainda fenômenos linguísticos que terão
aceitação ou não dependendo do gênero utilizado, tratados ora como figura (“literário”) ora
como vício (“desvio”), sendo essa uma palavra que atribui juízo de valor e desqualifica o uso
dessas expressões. Como há estudos linguísticos envolvendo a metáfora e a metonímia
(LAKOFF e JOHNSON, 1980), mas pouca discussão sobre tais usos, o artigo discute, com base
na Linguística Cognitiva, dois “vícios de linguagem” usuais e geralmente depreciados: o
pleonasmo e a cacofonia. Tais fenômenos linguístico-discursivos exigem do indivíduo
processos sociocognitivos como projeção e mesclagem, que advêm da Teoria dos Espaços
Mentais (FAUCONNIER, 1994, 1997), por isso, não são um recorte da língua, mas linguagem.
Este trabalho visa analisá-los a partir da Teoria da Integração Conceptual (Fauconnier e Turner,
2002) e da Semântica de Frames (FILLMORE, 1977), tomando um olhar diferenciado dos
existentes nas gramáticas citadas. Para tal gerou um corpus literário (duas músicas) e um não
literário (uma piada e uma charge). Toma como ponto de partida os capítulos de estilística de
dois gramáticos da Língua Portuguesa: Cegalla (2008) e Azeredo (2012). Dentre os achados,
emergiram semelhanças e diferenças entre os discursos desses gramáticos, por exemplo,
segundo Azeredo (2012), o pleonasmo é um fenômeno da linguagem ou recurso da fala e a
cacofonia um desvio; já Cegalla (2008) considera o pleonasmo uma figura ou vício de
linguagem e a cacofonia um vício de linguagem. Sob o olhar da Semântica dos Frames, a leitura
da piada ativa frames de RELIGIÃO e RELAÇÃO SEXUAL e os Modelos Cognitivos
Idealizados (MCI) de “pecado” e “comungar”. Sob o olhar da TIC, a mescla resulta das
projeções entre os domínios “comunguei” (na religião) e “gay”, na moldura comunicativa piada,

58
e suas relações com o espaço genérico “similaridade fonética” (cacofonia). Na moldura
comunicativa charge são ativados frames de: ANEDOTA, POLÍTICA, ROUBO, BRINCAR
EM SERVIÇO e PLEONASMO e o MCI de “político”. Para o personagem a anedota é um
pleonasmo, pois na categoria de políticos (honestos e trabalhadores), o brasileiro está numa
radial mais distante do MCI (ladrões e brincam em serviço). A estrutura emergente da piada:
COMUNGAR É UMA PRÁTICA RELIGIOSA E SEXO ENTRE GAYS É PECADO e da
charge é: POLÍTICO BRASILEIRO NÃO É HONESTO E NÃO TRABALHA EM PROL DO
POVO. À luz da presente análise, a cacofonia e o pleonasmo vicioso são processos mentais
complexos que envolvem a experiência corpórea do indivíduo e relevantes para a comunicação
e produção de conhecimento. Como tal, pertencem à linguagem em uso e sua aceitação confirma
a ideia de Lakoff e Johnson (1980) de que o sistema conceptual humano é basicamente de
natureza metafórica. Dentre as implicações emergentes do estudo, destaco as pedagógicas. Um
ensino que fale da linguagem em uso e relacione conhecimento e experiência.

Palavras-chave: Vício de linguagem. Linguagem em uso. Pleonasmo. Cacofonia. Mesclagem


Conceptual.

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MEMES E LINGUÍSTICA COGNITIVA: TEORIA DOS ESPAÇOS MENTAIS E A
CONCEPTUALIZAÇÃO DE COISAS COM SENTIMENTOS

João Pedro Abraham Tosta


UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

“Se eu for, eu vou”, “Meça suas palavras, parça”, “Não estou disposta”, “Não sei
opinar”, “Já acabou, Jéssica?”. “Quem nunca” leu ou ouviu um meme certamente não está
familiarizado com a Internet. “Berro”. Esses textos, que se estendem por linhas do tempo ou
por mensagens instantâneas, têm sido interesse de estudos em Comunicação Social (Araújo &
Inocêncio, 2016; Santaella, 2003; Inocência, 2015) e até mesmo considerados relevantes para
exames vestibulares. Para além dessas áreas, os memes também configuram um profícuo objeto
de estudo para Linguística Cognitiva – “um corpo é um corpo”. A palavra meme, porém, tem
sua origem na Biologia, mais propriamente na genética. Richard Dawkins define meme numa
comparação com gene: assim como o gene é um elemento que leva informações de um
indivíduo adiante, o meme seria também uma espécie de transmissor, mas de informações
culturais. Portanto, para Dawkins, meme é “uma unidade de transmissão cultural” (DAWKINS,
2006, p.192), que, como os genes, contribui para a replicação de informações entre os seres
humanos. Embora não seja estudioso da Linguística Cognitiva, o raciocínio que levou o biólogo
a pensar meme a partir de gene exemplifica uma das bases dessa teoria: a hipótese da
corporificação. Segundo ela, a linguagem não é uma “etiqueta” com qual rotulamos as coisas
do mundo, mas um produto da experiência do nosso corpo – nos mais diversos níveis – com
esse mundo. Nesse sentido, desde a origem da palavra meme, percebemos que Linguística
Cognitiva oferece um produtivo aporte teórico para o estudo dos memes. A produtividade dessa
teoria torna-se ainda mais evidente quando nos deparamos com uma página do Facebook
intitulada Coisas com Sentimentos, na medida em que atribuir sentimentos a coisas confirma
que nosso corpo é, de fato, relevante para a elaboração do significado. Entretanto, a hipótese da
corporificação é apenas um dos pontos de partida para nosso trabalho. Acreditamos que, a partir
da Teoria de Espaços Mentais (Fauconnier 1985; Fauconneir & Turner, 2002), seremos capazes
de cumprir nosso objetivo: descrever a construção de significados dos memes selecionados.
Assim, investigamos como o significado é produzido a partir das referências dadas nesse
gênero textual. Para tanto, formamos um

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corpus de 82 memes da referida página do Facebook Coisas com sentimentos coletados de 3 de
abril de 2017 até 15 de agosto de 2017. A partir de uma análise qualitativa, buscaremos, no
estudo dessa amostra, descrever os processos cognitivos que embasam a elaboração do
significado. Resultados preliminares indicam que, em memes como A furadeira, o significado
se dá a partir de uma projeção metonímica (Fauconnier, 1984; Lakoff, 1987); já em memes
como A fruta madura, o significado é compreendido por uma mescla de escopo único
(Fauconnier &Turner, 2002). Desse modo, contribuiremos para os estudos não só sobre memes,
mas também em Linguística Cognitiva.

Palavras-chave: Linguística Cognitiva. Memes. Teoria dos Espaços mentais.

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AUTOBIOGRAFIA E HISTÓRIA EM ANNIE ERNAUX

Andrea de Castro Martins Bahiense


UFF – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Para Annie Ernaux, escritora francesa nascida em 1940, as palavras devem ser como
coisas, como pedras que se encaixam numa construção. Sua atividade de escrita seria como
“mover pedras no fundo de um rio”, para trazê-las à tona, para salvá-las da obscuridade, do
esquecimento, da incompreensão. Seus textos transitam entre a literatura, a sociologia e a
história. Sua obra literária, baseada principalmente em suas experiências de vida, apresenta-se
em uma variedade de formas, como autobiografias, romances autobiográficos, diários íntimos,
diários externos (anotações como observadora do cotidiano de sua cidade), entrevistas e
ensaios. Vinda de uma família de origem camponesa e operária, em que as crianças eram
obrigadas a abandonar a escola para trabalhar aos doze anos de idade, Ernaux afasta-se do meio
social de seus pais ao progredir nos estudos e tornar-se professora e escritora. É principalmente
a partir deste lugar de “trânsfuga social” (no sentido usado por Pierre Bourdieu), e também de
mulher, que viveu sua juventude antes do aparecimento da pílula anticoncepcional e da
legalização do aborto na França, que Ernaux “fala”. Poder “dizer as coisas” que estavam
enterradas significa compreender melhor a realidade e contribuir para transformá-la; significa
“salvar”. Em sua aula inaugural, pronunciada em 07 de janeiro de 1977 no Colégio de França,
Barthes dizia: “Desde os tempos antigos até as tentativas da vanguarda, a literatura se afaina na
representação de alguma coisa. O quê? Direi brutalmente: o real. O real não é representável, e
é porque os homens querem constantemente representá-lo por palavras que há uma história da
literatura.” Escrever o real, consciente da irrealidade desta tarefa, faz parte do projeto literário
de Annie Ernaux. E escrever significa rememorar, pois “é preciso se contentar com a memória,
é aí que estão realmente as coisas, em nenhum outro lugar”. Sem negar o caráter falho e seletivo
da memória, a autora busca revelar uma verdade da ordem do subjetivo, do sensível, que não
estaria necessariamente ligada à escrita de si, mas também do outro e do mundo. Para melhor
dar uma ideia do trabalho de Annie Ernaux, pretendo analisar neste trabalho o livro Les années,
cujo desafio para a autora foi “não o de apresentar um eu dentro da História, mas a História
dentro do eu”. Trata-se de uma narrativa autobiográfica em que Ernaux faz um voo pela sua
história de mulher, misturada à história das mulheres e dos homens da sua geração, em que o

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individual e o coletivo estão mesclados de maneira muitas vezes vertiginosa. Apontando as
transformações que sofreram seu corpo e sua mente ao longo dos anos, distanciando-se
progressivamente para abarcar também as mudanças nas conversas e histórias familiares que
ouvia, além das mudanças de hábito da sociedade francesa de sua época, emendando em seguida
nos grandes acontecimentos que ocorriam no mesmo momento na França e no mundo, Ernaux
faz com que sua história pessoal vá aos poucos perdendo a forma, assim como vão apagando-
se na memória os rostos daqueles que se foram, “até desaparecerem na massa anônima de uma
longínqua geração”. Enfim, como a autora explica em uma das passagens auto-reflexivas do
livro, Les années busca “captar o reflexo projetado pela história coletiva sobre a tela da memória
individual”.

Palavras-chave: Autobiografia. História. Memória. Literatura francesa.

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JUAN GOYTISOLO E O MODO DE SER CERVANTINO – A FORMA-DE-VIDA
LITERÁRIA

Felipe Lima
UFRJ – Programa de Pós-graduação em Ciência da Literatura

RESUMO

No dia 23 de abril de 2015, em Madrid, Juan Goytisolo (1931 – 2017) foi homenageado
com o Prêmio Cervantes, láurea máxima da literatura hispânica. Ao subir no púlpito do Colegio
Mayor de San Ildefonso, na Universidad de Alcalá de Henares, o escritor inaugurou o seu
discurso com a definição de um estatuto literário, cifrado na palavra cervantear, equivalente a
uma visão de mundo, um modo de ser e estar orientado pela busca e pelo questionamento
potencializados na escrita, nas palavras do autor, “Cervantear é aventurar-se no território
incerto do desconhecido com a cabeça coberta com um frágil elmo bacia. Duvidar dos dogmas
e supostas verdades como algemas, nos ajuda a evitar o dilema que nos espreita: entre a
uniformidade imposta pelo fundamentalismo da tecnociência no mundo globalizado de hoje e
a previsível reação violenta das identidades religiosas ou ideológicas que sentem ameaçados
seus credos e essências”. Pode-se afirmar que a obra do escritor foi arquitetada, com a
publicação de Juegos de Manos (1954) até Ardores, Cenizas, Desmemoria (2012), tendo como
centro uma postura ética contundente e como norte os longos caminhos em direção à alteridade,
visando àquelas paisagens de aproximação e diálogo com o outro, expresso pela parte mais
desejada: o Islã, na sua dimensão política e, principalmente, poética. Goytisolo possui uma vasta
produção que reúne novelas, relatos de viagem e artigos jornalísticos. Seus escritos
autobiográficos foram inaugurados com Coto Vedado (1985) e concluídos com En los reinos
de taifa (1986). Em seus numerosos livros de ensaio, inscreve-se uma visão particular da cultura
espanhola, da história e da literatura que, se tomados em conjunto, compõe um modo contínuo
de releitura do passado e crítica do presente. Na década de 1990, a produção literária e
intelectual de Goytisolo sofre uma guinada frontal. A adesão aos temas e às culturas que
figuravam em suas narrativas atinge uma dimensão radical: a ida à Guerra da Bósnia como
correspondente do jornal espanhol El País, atitude que se repetiu em outros conflitos (Argélia,
Palestina e Chechênia). A respeito de sua poética, Goytisolo diz: “ao largo de minha vida me
esforcei em combinar leituras e experiências, assentar estas naquelas e avançar tateando por um
caminho desconhecido: o que conduz do testemunho cru, e sempre parcial da realidade exterior,

64
para a verdade literária da ficção”. Dessa observação surpreendente, que imprime uma
vitalidade fascinante à literatura, investigamos um movimento que se realiza internamente na
obra de Goytisolo, um percurso em direção a uma concepção autopoética ou, como define Jean-
Luc Nancy, autobibliográfica, ou seja, “a reduplicação do livro em seu próprio seio, a
representação de si da literatura, o relato em toda obra de seu próprio nascimento – de seu
próprio parto”. Nesse momento, nosso objetivo é discutir as bases teóricas que sustentam essa
hipótese de uma existência indissociável da escrita, apresentando uma revisão teórica da forma-
de-vida como problema filosófico. Em detalhe, discutimos pontualmente o conceito de
antropotécnica, formulado por Peter Sloterdijk em You must change your life (2013) e a
ontologia modal, na perspectiva de Giorgio Agamben em O uso dos corpos (2017).

Palavras-chave: Juan Goytisolo; Literatura Hispânica; Teoria Literária; Poética; Forma-de-


vida.

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O PACTO DO FANTASMA OU O FANTASMA DO PACTO

Thomas Alves Häckel


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Inicio a fala pela definição que Lejeune dá ao pacto fantasmático: "o leitor é assim
convidado a ler os romances não apenas como ficções remetendo a uma verdade da 'natureza
humana', mas também como fantasmas reveladores de um indivíduo" (LEJEUNE, 2014, p.50).
Tal autor sustenta uma teoria que compreende a relação entre obra, autor e leitor a partir da
ênfase na recepção dos textos lidos e dados extratextuais e paratextuais. Sua argumentação se
constrói num âmbito fiduciário, estabelecido nas composições de pactos e contratos, o que, a
seu ver, permite compreender o fenômeno da autobiografia ao fundamentar o pensamento pela
ideia de sujeito/indivíduo a partir das relações que o "eu" (como pronome pessoal e enunciador
específico) estabelece com a capa de um livro, com a autoria: "(...) única marca no texto de uma
realidade extratextual indubitável, remetendo a uma pessoa real, que solicita, dessa forma, que
lhe seja, em última instância, atribuída a responsabilidade da enunciação de todo o texto escrito"
(ibid., pp.26). Porém, acredito eu que a forma fiduciária deva ser contraposta à filosofia. Por
isso, trago como testemunhas desse tribunal J. Derrida e W. Benjamin, e me será interessante
pensar uma singularidade da posição de um lugar de fala, de experiência e de filiação, lugares
e laços a partir do qual se pode falar com o espírito, um caminho différance (DERRIDA, 1994,
p.50): “a precipitação de uma singularidade absoluta, singularidade porque diferente,
justamente, e, sempre outra, ligando-se necessariamente à forma do instante”. O livro de
Derrida, "Espectros de Marx", permite-me construir uma crítica que acessa a fantasmalidade do
espírito, isto é, "o espírito do espírito" (ibid., p.169). Espírito é corpo e linguagem, corpo ao
pensamento, a materialidade de um material abstrato. Nesse ponto, começa a se construir uma
crítica ao "pacto fantasmático" de Lejeune, já que não seria possível pensar uma voz única,
como a de um autor, mas um campo construído por forças expressivas e plásticas, que “não
pode ser una a não ser dividindo-se, rasgando-se, diferindo de si mesma, falando a cada vez
diversas vezes – e com diversas vozes” (DERRIDA, 1994, p.33). A minha escolha é, portanto,
pelo abandono do processo em prol da crítica de linguagem: “toda manifestação da vida
espiritual humana pode ser concebida como uma espécie de linguagem” (BENJAMIN, 2011,
p.49). Se a forma da vida humana é a linguagem, poderia ser ela, também, a manifestação ou

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visibilidade do fantasma? A compreensão do método aqui permite questionar o uso da técnica
como elemento fundamental para pensar um a priori da linguagem, construído por si mesmo,
que julga a essência linguística como uma expressão de toda manifestação imediata do espírito
pelo que se comunica dentro dela, e não através dela. Levanto, então, a hipótese de que a
identidade é ainda assim da ordem da linguagem. O pacto fantasmático, portanto, pode elencar
uma dúvida ao refletir se não é possível que os fantasmas habitem o ato de nomeação, fazendo
com que tal capacidade da essência linguística das coisas construa o tempo dos espíritos. Por
esse caminho, o pacto fantasmático é um pacto assombrado pelo fantasma, fantasma esse que
está nele como uma heterodidática entre a vida e a morte, entre o real e o ficcional.

Palavras-chave: Pacto fantasmático. Crítica da linguagem. Espectros. Différance.

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“COME AND CATCH ME IF YOU CAN”: MRS. WOOLF E A ARTE DA BIOGRAFIA

Victor Santiago Sousa


UERJ – Programa de Pós-graduação em Letras

RESUMO

Este trabalho objetiva pensar aspectos biográficos da vida e da obra de Virginia Woolf de
modo não estereotipado, pois as imagens referentes à escritora que normalmente não construídas
levam invariavelmente em consideração aspectos concernentes à depressão, à melancolia e ao
suicídio. No entanto, como a própria escritora problematiza no ensaio Mr. Bennet e Mrs. Brown
(1924), a vida de um indivíduo não pode ser capturada de forma preconcebida e unívoca. O trabalho
do biógrafo consistiria num trabalho de artista, posto que as imagens que são pintadas, escritas e
inscritas em diversas expressões artísticas, principalmente no tocante à vida de alguém, seriam
impossíveis de ser capturadas. Ao criticar o romancista britânico Arnold Bennet, cujo ideário
ficcional consistiria em criar personagens reais, Woolf diz que criar um personagem teria a ver com
o ato da observação, como alguém que estivesse em um trem qualquer observando as pessoas ao
redor, pois “o mundo inteiro é uma obra de arte”, como diz Woolf em seu texto autobiográfico
Moments of being (1974). Deste modo, o processo de escrita começa através dos olhos do artista-
biógrafo de forma íntima e intransponível, e a realidade também seria uma construção. Logo,
levando em consideração biografias escritas sobre a escritora – dentre as quais se destacam as que
foram escritas por Hermione Lee (1999) e Quentin Bell (1996) – assim como suas
correspondências, diários, ensaios e contos, colocam-se as questões: como escrever uma vida?;
quem foi Virginia Woolf?, visto que a imagem do biografado morto é normalmente “mumificada”,
e tudo que é dito a seu respeito seria única e exclusivamente de responsabilidade do biógrafo, e
qualquer “letra impressa” que fuja da imagem canonizada e conhecida deveria ser tirada a limpo.
À vista destas colocações, há dois pontos que precisam ser frisados: (a) a escrita do biógrafo como
artista e (b) a recepção de imagens pelo “leitor comum” (WOOLF, 1925). Estes dois pontos são os
parênteses nos quais se pretende pintar e escrever a nossa Virginia Woolf. Seguindo seus passos
como ensaísta e romancista, objetiva-se fazer um recorte acerca de suas “grafias de vida”
(SANTIAGO, 2015) através de suas obras com os olhos de um “leitor

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comum” e respeitando a forma como ela pintou a si mesma, não apenas em seus escritos
autobiográficos, mas também em suas obras ficcionais, pois “qualquer método é correto, todo
método é correto, quando expressa o que nós desejamos expressar, se nós somos escritores; o que
nos coloca mais perto da intenção do escritor, se nós somos leitores” (WOOLF, 1921). Como
leitores, então, tentemos capturar Virginia Woolf.

Palavras-chave: Biografia. Grafias de vida. Leitor comum. Virginia Woolf.

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AUTOGINOGRAFIAS PORNOGRÁFICAS, METAMOIRS E O LUGAR DE FALA
DE PROFISSIONAIS DO SEXO NA LITERATURA AUTOFICCIONAL
CONTEMPORÂNEA

Barbara Lima Madsen


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O que envolve a narrativa autobiográfica de performers pornográficos? Que elementos


são escolhidos por um escritor quando se propõe a registrar sua autobiografia ou memoir quando
o registro é o de um performer pornográfico? A exposição do corpo físico às lentes e olhares
públicos preconizaria um máximo desvelar de identidade? Até que ponto o desvendar de uma
história pessoal é mais íntimo que a exposição do próprio corpo? O corpo apresentado será o
corpo narrado, e vice-versa? De acordo com Hélène Cixous, o corpo está presente e o corpo é
a fonte de escrita, mas essa escrita vem de um outro reino do corpo onde o autor não está no
controle. (CIXOUS e CALLE-GRUBER, 1997: 88). A prática autobiográfica, então, é uma
dessas ocasiões culturais quando a história do corpo cruza com a implantação da subjetividade
feminina. (SMITH, 2010: 271) O corpo autonarrado por performers pornográficos é
exclusivamente o corpo pornográfico? O quanto de controle sobre a identidade pornográfica,
conscientemente criada e trabalhada através do discurso – seja ele linguístico ou físico – está
realmente nas mãos do performer, e o quanto deste controle é resultado de expectativas político-
sociais que vêm de sua posição enquanto performer pornográfico? O referencial autoral
consegue escapar do escopo da pornografia, ou restringe- se a ela? Uma constelação de
ideologias indubitavelmente implica na construção social do sujeito: eu sou o que eu posso
pensar, e o que eu posso pensar é relativamente determinado pelas ideologias sob as quais eu
opero. Mas o quanto as ideologias discursivas que rodeiam o produto pornográfico influenciam
a criação de sujeito/corpo pornográfico, e a que ponto tais elementos ideológicos irão
determinar as faces narradas em processos autobiográficos? O pânico moral que envolve a
definição tradicional de pornografia, diretamente ligando-a a devassidão, à imoralidade e à
indecência, impede não somente que a voz de mulheres que se encontram dentro desta indústria
seja ouvida, mas as embute de um específico padrão de comportamento que, certamente, deixa
de fora a auto expressão. É contra tais elementos formadores que as performers escrevem, uma
vez que vocalizam uma realidade interna que

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nem sempre corresponde ao que delas é esperado, desta forma criando um espaço de resistência
no qual “o corpo funciona como uma poderosa fonte de metáforas para o social” (SMITH: 2010:
269) Mesmo ao incorporar os padrões esperados pelo discurso normativo ao próprio corpo, há
uma resistência consciente à incorporação de comportamentos esperados. O que encontramos
nos textos escritos por performers pornográficos é exatamente o oposto: a simplificação das
relações entre o sujeito mulher e o produto pornográfico justamente através do questionamento
dos elementos que poderiam engessar identidades femininas se encarados exclusivamente como
impostos e não voluntariamente escolhidos. É através da inclusão de corpos diversos ao
universo pornográfico, incluindo corpos formados pelo discurso regulador, bem como a
inclusão de narrativas femininas/feministas, que se desconstrói o mito de que a mulher é um ser
objetificado pelo desejo pornográfico. Ela, agora, é dona do mesmo desejo pornográfico no qual
se inscreve, e sobre o qual escreve em narrativas em primeira pessoa, deslocando sua voz da
margem invisível para o centro da cena.

Palavras-chave: Autoficção. Pornografia. Trabalhadores do sexo.

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LIVRO DE UMA SOGRA DE ALUÍSIO AZEVEDO: SUBVERSÃO À ORDEM
PATRIARCALISTA

Cleyciara dos Santos Garcia Camello


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A presente proposta de trabalho busca analisar, a partir da leitura do romance Livro de


uma sogra (1895), de Aluísio Azevedo (1857-1913), em que medida a representação do papel
da mulher dentro do casamento burguês contribui para problematizar a condição imposta a ela
pela sociedade patriarcal, do final do século XIX. Essa questão será analisada tomando por
diretrizes os centros organizadores conferidos à identidade das mulheres: o casamento, a
família e a maternidade, fundamentados pelos discursos científicos e pela medicina social do
séc. XIX, que davam, na verdade, continuidade aos discursos filosóficos sobre a mulher do séc.
XVIII. O Livro de uma sogra é um romance tese, cujo aspecto mais importante não é
propriamente o da realização literária, já que a narrativa em si serve apenas como fundo para
uma discussão teórica mais ampla, neste caso: as convenções sociais do casamento burguês. A
argumentação, de caráter filosófico, critica a união conjugal conservadora, pautada nos
costumes moralmente aceitáveis à época. Os novos preceitos sugeridos pela sogra referida no
título do livro, sobre como deveria ser o casamento ideal, contrariam a expectativa de
supremacia do poder dos homens sobre as mulheres, já que ela ataca de maneira mordaz os
costumes sociais que privilegiavam os homens, convenientemente forjados pela burguesia em
ascensão. Sabe-se que Aluísio Azevedo foi um agitador de ideias, a sua atuação nos grandes
debates do fim o Império e início da República eram frequentes e de amplo conhecimento, bem
como seu gosto de polemizar e influenciar seu público. O lançamento do Livro de uma sogra
aconteceu, não por acaso, em meio a discussões acaloradas em que partidários e adversários
do casamento civil e do divórcio se enfrentavam nos jornais e no Parlamento, no fim do século
XIX, no Brasil. Ainda que tais informações sejam interessantes para contextualizar o
surgimento do romance, a presente pesquisa busca investigar o romance se afastando da
abordagem focada na “intenção do autor”, já que o mesmo acabaria se tornando escritor e
crítico de sua própria obra, o que limitaria outras possibilidades de análise. Ademais, pesquisas
nesse sentido já existem aos montes na ampla fortuna crítica de Aluísio Azevedo, e costumam
direcionar as reflexões para o caráter pedagógico das obras

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naturalistas. Portanto, será considerada para este estudo a recepção crítica à época de
publicação do romance, que revela como os seus coetâneos o compreenderam. Não será
possível trazer à luz tudo o que circulou a respeito do livro em fins do Oitocentos, por isso
serão apresentados neste trabalho três artigos publicados nos periódicos O Paiz e A Noticia,
em 1895, que mesmo mostrando visões divergentes acerca do romance, entenderam-no como
obra antipatriarcalista, que é a minha perspectiva de análise. É importante destacar que esse
romance causou bastante polêmica nos círculos literários e opiniões controvérsias nos jornais,
por conta da forma como o assunto foi abordado. Para iluminar as reflexões apresentadas e
melhor compreensão do romance serão utilizadas leituras críticas que atentem para aspectos
interdisciplinares quanto aos temas abordados.

Palavras-chave: Aluísio Azevedo; Livro de uma sogra; obra antipatriarcalista.

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KING KONG GIRL: VIRGINIE DESPENTES E A (RE)ESCRITA DO GÊNERO

Isadora de Araújo Pontes


UFF – Programa de Pós Graduação em Estudos de Literatura

RESUMO

A obra referencial da escritora francesa Virginie Despentes, Teoria King Kong (2006),
recentemente traduzida no Brasil, parte de um olhar retrospectivo da autora sobre sua vida,
narrando o abuso sexual sofrido na adolescência, sua vivência da prostituição e sua relação com
o cinema pornográfico, aproximando também do gênero ensaístico. A obra destaca
problemáticas atuais, como a violência da dominação masculina, mas, também, os limites de
alguns feminismos, ao seguirem a doxa estabelecida pelo pensamento ensencialistas dos corpos.
Para autora, “[c]ompreender os mecanismos da nossa inferiorização e as maneiras através das
quais nós temos nos convertido em nossos maiores vigias é compreender os mecanismos de
controle de toda a população” (DESPENTES, 2016, p. 18), de modo que mais do que pensar a
mulher, ela se propõe a pensar nossas relações sociais. As questões ligadas ao feminino
aparecem de modo deslocado ou ressignificado no texto e em outras obras de Despentes, que
busca não fazer um elogio do masculino, mas mostrar como a feminilidade e a própria noção
de mulher são construídas dentro da matriz heterossexual em associação com a degradação, a
inferioridade, a fragilidade e a incapacidade de ação, características que se opõem à virilidade
do homem. Despentes alude a King Kong nesse seu ensaio autobiográfico como a possibilidade
de pensar o mundo com novas configurações que fogem ao paradigma heterossexual e
masculino, onde a “garota King Kong” poderia existir mesmo sem as marcas historicamente
atribuídas ao gênero. Sendo assim, considero possível pensar sua narrativa como uma escrita
oriunda de “outro lugar”. A noção de “outro lugar” aqui mobilizada parte do ensaio
“Tecnologias do gênero” de Teresa de Lauretis, publicado originalmente em 1987, que convida
as produções culturais feministas a definirem diferentemente os termos da construção social do
gênero, partindo do “ponto cego” do discurso dominante, um espaço implícito das margens do
sistema de gênero no qual o sujeito do feminismo pode emergir, numa posição de constante
tensão, permitindo a redefinição dos termos da construção social. Sendo assim, este trabalho
tem como objetivo analisar a produção literária da mulher enquanto a escrita de um outro espaço
que desafia as noções estáticas, agindo como um contra-discurso. Minha reflexão se dará em

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duas etapas, a primeira voltada para como podemos articular a passagem de um pensamento
centrado no feminino para o feminista – qualitativo aqui empregado com o intuito de designar
uma produção que não pode ser dissociada plenamente do político, no momento em que coloca
em cena corpos e corporalidades marginalizados – a partir de teorias que ultrapassam a noção
da diferença sexual, a exemplo das obras de Judith Butler, determinando o que considero como
sistema de gênero e sujeito do feminismo; e, após essa delimitação teórica, uma segunda que
abordará o diálogo dessas noções com a obra de Despentes e como ela mobiliza novas formas
de pensar as relações, colocando em cena o poder de agir do indivíduo e operando um
movimento de reinscrição e (re)contrução do que é atribuído ao feminino.

Palavras-chave: Virginie Despentes. Gênero. Feminismo. Autobiografia. Ensaio.

75
A PROSTITUIÇÃO EM NANA (1840): VIDA REAL E LITERATURA

Luiza Araujo Vicentini


UERJ- Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Nos dias de hoje (século XXI) compreendemos finalmente que as mulheres foram e
ainda são vítimas de injustiças e de concepções que as subalternizam, inferiorizam e diminuem
na sociedade. Tais concepções foram embasadas por gerações e criaram e reproduziram a figura
simbólica de um corpo feminino estigmatizado, onde mora o pecado. O pecado pode ser
compreendido como um conceito religioso, como uma proibição moral, um crime social ou uma
semente do mal em si. Em sociedades de origens patriarcais nas quais o poder se estabelece por
processos violentos, me parece compreensível (não correto) estabelecer relações de desdém
pelo corpo ou sujeito de menor poder. Desta forma, a mulher é tida como uma inconveniência
ou um personagem de importância inferior, e os desejos que ela possa vir a despertar podem ser
naturalizados como imorais, obscenos, ou menores. Neste sentido, a figura da mulher prostituta
aparenta ser ainda menor, mais imoral, mais criminosa perante a sociedade. Socialmente a
concepção da prostituta, isto é, este título apresenta-se como algo extremamente negativo, tal
função, para muitos, diminui o valor social das mulheres. A palavra “prostituta” não exerce
simplesmente a função de substantivo referente a uma profissão e ofício, o vocábulo é também
utilizado como um adjetivo que carrega conotação sempre negativa, de estigma e depreciação
social. Para uma sociedade moralista como a da personagem Nana no século XIX, e até mesmo
no século XXI, a prostituta é a figura que as chamadas meninas de família são ensinadas a não
ser. Para os homens, é por vezes a mulher que irá acalmar os ânimos ou elevar sua autoestima,
é ela que irá realizar perversões e fantasias que as mulheres de boa virtude não podem ou devem
sequer imaginar. Entre ficção e realidade, assim como na ficção inspirada na realidade é
importante lembrarmo-nos das diferentes formas de se compreender e se representar as relações:
o objetivo deste trabalho é identificar e investigar os temas presentes no contexto da
prostituição, e as questões concernentes à vida real e a literatura. Esta pesquisa, de caráter
bibliográfico, aproximará textos de diferentes localidades e momentos históricos naquilo que
houver em comum entre eles, não obstante suas diferenças de contexto. Ao examinar a pesquisa
intitulada Vila Mimosa (2010), que trata sobre área de prostituição do Rio de Janeiro,

76
e Nana, romance de Émile Zola (1840) que sabemos ter sido baseado na experiência do autor
no contexto teatral e boêmio de Paris no século XIX, observaremos os problemas que se
repetem e tentaremos precisar algumas das questões sociais que se fazem fundamentais a esta
controversa temática. Em Nana, Émile Zola alegou ter oferecido um retrato real da mulher
prostituta de seu tempo. Zola nos apresenta, no romance, a personagens verossímeis e de
diversas posições sociais, todos ligados por sua memorável protagonista, que dá nome à obra.

Palavras-chave: Corpo. Estigma. Prostituição. Prostitutas.

77
NEOLOGIA E COGNIÇÃO

Antonio Marcos Vieira de Oliveira


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Este estudo tem como objetivo verificar os procedimentos de formação de neologismos


semânticos que ocorrem em capas de revistas Veja. Pretendemos observar os processos e
operações subjacentes à produção de significados realizados pela mente humana a partir da
teoria de integração conceptual (Fauconnier e Turner, 2002) à luz da linguística cognitiva.
Qualquer usuário da língua pode se valer da criação de novas palavras, entretanto o maior
difusor da criação lexical é a mídia. Os meios de comunicação em massa apresentam e difundem
novas palavras que passam a ser conhecidas pela comunidade linguística. Assim sendo,
entendemos que as capas de revistas utilizam novos itens lexicais a seu favor ao utilizar recursos
morfológicos da língua, com o intuito de persuadir, encantar e conquistar o público alvo.
Segundo o dicionário Houaiss (2001), o termo neologismo equivale ao “emprego de palavras
novas, derivadas ou formadas de outras já existentes, na mesma língua ou não; atribuição de
novos sentidos a palavras já existentes na língua”. Não obstante, cabe ressaltar que há
neologismos que são esquecidos com o passar do tempo, porém alguns se tornam conhecidos
por uma grande parte da população, podendo ser dicionarizados, logo após serem
institucionalizados. Com relação à neologia semântica (Guilbert, 1975), admitimos que a
criação de novos itens lexicais seja um reflexo da atividade do usuário da língua que, ao dar a
uma palavra um novo significado, altera sua estrutura semântica, enriquecendo, dessa forma,
o universo lexical. Trata-se da escolha que se pode fazer entre vários lexemas ou entre maneiras
diferentes de construir o enunciado. Um autor de uma nova lexia em uma capa de revista pode
redistribuir os elementos do sistema linguístico e também reformulá-los. Assim, uma palavra
que pertença a um universo específico pode ser utilizada na língua geral e vice- versa. Podemos
aqui recorrer à metáfora do iceberg para afirmar que a palavra por si só não é portadora de
sentido, mas apresenta-se apenas como a ponta dos inúmeros sentidos que pode apresentar. Em
outros termos, temos o item lexical presente na capa de uma revista funcionando como uma
superfície exposta que apresenta uma grande área imersa subjacente. Para Fauconnier e Turner
(2002), as formas linguísticas por si só, não são portadoras de sentido, são apenas gatilhos que
guiam a construção de sentido em itens lexicais. Nessa

78
perspectiva, entendemos que a construção do sentido ocorre através de mecanismos mentais e
não somente pelo acionamento de bases de conhecimento, ou seja, manipulamos
inconscientemente estruturas de conhecimento via mecanismos de cognição que podemos
denominar de processos de conceptualização. Entre esses processos, um será fundamental para
o desenvolvimento deste estudo: a teoria da Integração Conceptual (Fauconnier e Turner, 2002)
cunhada no âmbito do escopo teórico da linguística cognitiva. À luz da linguística cognitiva,
não há distinção entre os planos do léxico, da morfologia e da semântica; todos cooperam num
continuum para a construção do significado. O significado pode ser conceptualizado a partir do
acesso a domínios cognitivos diferentes. Assim, entendemos que as palavras apontam para além
do que vem expresso na forma linguística, ou seja, as palavras indicam o aspecto mais
proeminente em uma base conceptual mais ampla.

Palavras-chave: léxico; neologia semântica; integração conceptual; construção de sentidos.

79
HABILIDADES LINGUÍSTICAS EM SÍNDROME DE WILLIAMS: AVALIANDO O
DOMÍNIO COGNITIVO VISUO-ESPACIAL

Renata Martins de Oliveira


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A Síndrome de Williams Beuren (SW) se trata de uma condição rara (1:7500)


geneticamente determinada a partir da deleção de múltiplos genes do cromossomo 7. Além de
aspectos faciais marcantes, como lábios grossos, estatura baixa e íris estrelada, indivíduos com
a síndrome também possuem importante atraso de desenvolvimento com quociente de
inteligência (QI) próximo a 70. Pesquisadores da área, no entanto, destacam a apresentação
paradoxal de algumas características da síndrome. Enquanto uma parte dos estudiosos afirmam
que o domínio linguístico na patologia em questão estaria prejudicado (CAPIRCI,
SABBADINI, & VOLTERRA, 1996; KARMILOFF-SMITH et al., 1997a, b; THAL et al.,
1989; THOMAS et al., 2001; VOLTERRA, CAPIRCI, PEZZINI, SABBADINI, & VICARI,
1996); outra parte acredita na preservação linguística na síndrome (BELLUGI et al, 1988, 1990,
1992, 1994; REILLY, KLIMA, & BELLUGI, 1990). Isso porque, apesar da grande facilidade
em estabelecer contatos interpessoais, com grandes diálogos e construções de sentenças
complexas, como relatam autores como Bellugi (2000b), esses indivíduos podem apresentar
grande dificuldades em tarefas que incluem componentes visuo-espaciais, como preposições
(PHILLIPS et al. 2004). Um dos genes envolvidos na microdeleção, o LIMK1, relacionado a
déficits cognitivos visuo-espaciais, parece estar relacionado com o perfil apresentado por esses
indivíduos. Oliveira (2016) relata resultados de uma investigação acerca das possíveis relações
entre o domínio visuo-espacial e linguístico a partir da elaboração de avaliações da
compreensão e produção de termos visuo-espaciais junto a uma avaliação ampla da
compreensão linguística. Os resultados obtidos pela autora descrevem grande dificuldade do
grupo com SW nas tarefas que incluem preposições visuo-espaciais, reforçando, assim, a
hipótese de preservação linguística na síndrome. Sendo assim, a partir do estudo realizado por
Oliveira (2016), a pesquisa em questão procura a expansão do estudo a partir da adição de novos
componentes visuo-espaciais, com a elaboração de um novo teste que analisa a compreensão
dos denominados verbos de movimento, bem como o fortalecimento da metodologia, com a
ampliação do número de participantes e adição de um novo grupo controle ao experimento, um

80
grupo com indivíduos com Síndrome de Down. Com o uso da metodologia experimental a partir
de um Teste de Julgamento de Valor de Verdade, os participantes deverão avaliar o uso correto
ou incorreto dos verbos em relação a pequenos vídeos também apresentados a esse indivíduo.
A previsão é de que encontremos, mais uma vez, grande dificuldade por parte dos indivíduos
com SW em tarefas que envolvam a compreensão de elementos visuo-espaciais ao mesmo
tempo em que sua performance em atividades linguísticas sem adição destes componentes
permaneça preservada.

Palavras-chave: Síndrome de Williams. Preservação. Avaliações. Verbos.

81
DELÍRIOS DO VERBO PEGAR: UM ESTUDO DA POLISSEMIA SOB A ÓTICA DA
LINGUÍSTICA COGNITIVA

Tatiana Goulart de Macedo Secundino


UERJ – Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

A pesquisa analisa as construções com verbo pegar e observa os sentidos que lhes são
atribuídos de acordo com a situação comunicacional. O intuito é identificar os sentidos mais
recorrentes e verificar se forma uma categoria radial. Tendo em vista que o verbo pegar tem um
caráter multissignificativo que ultrapassa o sentido prototípico (=segurar) e vai além dos
sentidos já dicionarizados, a descrição assume um papel crucial, pois propiciará uma dimensão
real da sua utilização na língua. Para tal o estudo debruça-se sobre o corpus do D & G (Discurso
e Gramática) da década de 90 que contempla cinco cidades: Niterói, Rio de Janeiro, Rio Grande,
Natal e Juiz de Fora tanto na modalidade escrita quanto na modalidade oral, de modo que se
possam observar qual é a forma mais utilizada do verbo pegar, possíveis alterações ou
regularidades, enfim seu papel diante de diferentes construções da língua. Além da
multissignificação desse verbo, o estudo também focalizará a construção “pegar + (e) + v2” que
é muito recorrente na linguagem falada, mas que já mostra sinais de gramaticalização. O corpus
D & G (Discurso e Gramática) encontra-se disponível online pelo site
http://www.discursoegramatica.letras.ufrj.br/. A pesquisa tem como aporte teórico os princípios
norteadores da Linguística Cognitiva tais como: categoria radial (LAKOFF, 1987) frame
(Charles Fillmore, 1975, 1977, 1982, 1985), esquemas imagéticos (JOHNSON, 1987;
LAKOFF, 1987, 1990, LAKOFF & TURNER, 1989), metáfora conceptual (LAKOFF &
JONHSON, 1980) e mesclagem conceptual (FAUCONNIER, 1984, 1997; TURNER, 1996).
Possui caráter qualiquantitativo, visto que a intenção é levantar e descrever pontualmente os
diferentes usos do verbo pegar no corpus do D & G (Discurso e Gramática) e depois fazer o
levantamento da frequência. O intuito é identificar os sentidos mais usuais e entender as
extensões de sentidos existentes e se há relação motivada. Ou seja, a análise intenciona verificar
se o verbo pegar é de fato polissêmico e o que motiva a polissemia desse verbo. Busca, após
essa comprovação, agrupar os sentidos encontrados. A construção “pegar + (e) + v2” será
analisada sob a ótica de GOLDBERG, 1995. Adele Goldberg propõe que as construções tem
significado independentemente dos significados lexicais das palavras que

82
compõem a sentença. Dessa forma, “pegar + (e) + v2” será encarado como uma construção. Na
Gramática de Construções, o termo construção é definido como um pareamento de forma e
sentido que apresenta significado próprio, esquemático, parcialmente independente das
palavras que a compõem, servindo, pois, como um esquema ou modelo que reúne o que é
comum a um conjunto de elementos da mesma natureza (GOLDBERG, 1995). A pesquisa
pretende verificar a multissignificação do verbo pegar, entendendo a motivação cognitiva que
rege os diferentes sentidos, além de analisar as construções formadas por “pegar + (e) + v2” na
língua.

Palavras-chave: Verbo pegar. Multissignificação. Prototipicidade.

83
A CORRELAÇÃO ADITIVA: UM ESTUDO DE BASE COGNITIVA

Tharlles Lopes Gervasio


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Nos estudos gramaticais, podemos contemplar que, dentre muitas outras, a questão da
dependência e independência de cláusulas constitui, ainda, algo bastante instável. Alguns
gramáticos apoiam suas análises sobre os mais diversos critérios: dicotomicamente,
classificam-nos como sintáticos ou semânticos, como discursivo-pragmáticos ou optam, ainda,
por mesclar tais parâmetros. Constatação contundente reside na maneira como a correlação é
abordada pelos estudos gramaticais atuais. Grande parte dos gramáticos tradicionais –
possivelmente influenciados pela Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) – sequer a
incluiu em seus compêndios de gramática. Desse modo, em determinado momento, ao
consultarmos algumas dessas obras como ferramentas de estudo, observamos que a
nomenclatura e a classificação do tema em pauta se alteravam de gramática para gramática. O
presente trabalho tem, então, como objetivo a investigação das características da construção
correlata com o padrão “não só... mas também”, aplicado ao discurso como articulador sintático
em forma de par, com sentido aditivo, contudo com certa nuance de quebra de expectativa. A
construção correlata aditiva em questão parece ter seu emprego bastante frequente em porções
textuais de caráter expositivo-argumentativo. Com base nos conceitos teóricos apresentados
pela Linguística Cognitiva – sobretudo a Estrutura Informacional (LAMBRECHT, 1994) e a
Pressuposição (MARMARIDOU, 2000) –, intenta-se, também, examinar o contexto e a
situação comunicativa em que se insere ou determina o uso da expressão. Busca-se, ainda, no
desenvolvimento desta pesquisa de caráter quali-quantitativo, observar os impactos sintático-
semânticos, bem como os discursivo-pragmáticos evidenciados pelo emprego da construção em
pauta e as mudanças de postura em relação a seus interlocutores mediante esse uso. O trabalho,
o qual constitui uma apresentação piloto da pesquisa em desenvolvimento no curso de
Doutorado em Estudos de Língua, especialidade Linguística, será desenvolvido a partir de
registros escritos do Português do Brasil em uso, retirados dos editoriais da página virtual da
Revista Veja. Nos editoriais, argumentos que fundamentam a ideia principal do texto são
dispostos de modo a convencer o interlocutor acerca do posicionamento defendido por seu
autor. Pretende-se confirmar, com essa pesquisa,

84
a hipótese de que a construção correlata aditiva seria um processo e/ou mecanismo que, além
de diferir dos processos canônicos de coordenação e subordinação, refletiria, na prática
discursiva, um modo especial de processamento, em termos cognitivos, do entrecruzamento de
informações distribuídas entre as partes dessa construção. Da mesma maneira, tem-se por
intenção verificar uma possível ancoragem dos enunciados introduzidos pelos pares correlatos
aditivos em pressuposições. Isso favoreceria a força argumentativa do usuário da língua no
discurso em relação a seus interlocutores para adesão de teses.

Palavras-chave: Correlação. Combinação de Cláusulas. Conectores.

85
ESCRAVIZADO, MAS NÃO SILENCIADO – UMA ANÁLISE DAS
REPRESENTAÇÕES DIVERGENTES EM BIOGRAFIA E NARRATIVA DO EX-
ESCRAVO AFRO-BRASILEIRO, DE MAHOMMAH GARDO BAQUAQUA

Ana Clara Vargas Frederic


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Os séculos XVIII e XIX são permeados por discursos divergentes acerca da manutenção da
escravidão racializada nas Américas. Se, por um lado, ideias racistas, atestadas por discursos
científicos ocidentais, inventavam e representavam o “outro”, por outro, a produção de escritas
de si por africanos e seus descendentes resgatava e trazia à cena as vozes daqueles e daquelas
que experienciavam o cativeiro no período colonial. Conhecidas como slave narratives, estas
narrativas, como nos explica Gates (1985, p. 11-12) “quebrava[m] o silêncio discursivo
ensurdecedor que serviu para a Europa iluminista alegar a ausência da humanidade africana”
(tradução livre), além de revelarem outras versões epistemológicas e literárias. Por meio do
relato de suas memórias individual e coletiva, seus autores e autoras tornavam-se sujeitos
discursivos e representativos, cujo papel social também era o de costurar e historicizar as
experiências fragmentadas oriundas da diáspora africana. Frutos, em sua maioria, entretanto, de
projetos abolicionistas, estas escritas apresentam uma tessitura ricamente heterogênea, cujas
vozes narrativas fazem emergir diferentes posicionamentos ideológicos. Mais numerosas em
cenário estadunidense, há apenas duas delas que desvelam a escravidão em solo latino-
americano – Juan Francisco Manzano - Autobiografía de un esclavo (1835), autodidata e poeta
cubano, e Biography of Mahommah G. Baquaqua: a native of Zoogoo in the interior of Africa
(1854), do próprio, a qual será analisada neste artigo. Sua narrativa apresenta uma trajetória
singular percorrida por um africano escravizado que se liberta e percorre as Américas. Filho de
comerciantes bem-sucedidos, Baquaqua é sequestrado em África e escravizado no Brasil
durante dois anos. Após sua libertação e formação escolar, busca a publicação de sua
autobiografia nos Estados Unidos. Trata-se de uma escrita híbrida, construída em parceria com
um editor abolicionista irlandês, que, no papel de biógrafo, recorre a imagens estereotipadas
para representar o biografado e seu povo, assim como sua terra; já Baquaqua, enquanto narrador
em primeira pessoa, negocia sentidos e desconstrói representações impostas, conferindo à
narrativa uma nova perspectiva discursiva. Dessa forma, o estudo deste artigo busca investigar

86
o papel das slave narratives no combate à escravidão e as representações divergentes
construídas pelos discursos coloniais e de resistência, desveladas pelas vozes narrativas da obra
em questão. Para tanto, esta análise busca sustentação nas teorizações de Henry Louis Gates
Jr., Frantz Fanon, Homi K. Bhabha, Gayatri C. Spivak, Mikhail Bakhtin, dentre outros.

Palavras-chave: Slave narratives. Representações. Discurso de resistência. Mahommah Gardo


Baquaqua.

87
MEMÓRIAS DO COLONIALISMO PORTUGUÊS, EM CADERNO DE MEMÓRIAS
COLONIAIS (2009), DE ISABELA FIGUEIREDO

Ariane de Andrade da Silva


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Para não esquecer. Para lembrar. Demarcada pelo período posterior ao 25 de abril de
1974, a literatura portuguesa envereda por um novo processo de escrita, em que as relações
entre construção literária e percurso histórico se estreitam e se conectam intimamente. Por sua
vez, nesse cenário, novas vozes, partindo das margens da nação, emergem e, ao se distanciarem
de certa maneira do discurso historiográfico, é à memória que se fiam, por ser essa capaz de
abarcar as percepções do sujeito, revelar fragmentos do passado e expor mazelas de um tempo
pretérito. Nesse sentido, este artigo pretende uma leitura do livro Caderno de Memórias
Coloniais (2009), da autora Isabela Figueiredo, sob a ótica da rememoração do período colonial
atravessada por um discurso pessoal, que funde-se a uma esfera de coletividade, por discutir
questões relativas a um dos marcos da nação portuguesa. Ao escrever sobre episódios que viveu
e testemunhou em sua infância, a autora reúne textos independentes, resultado de um conjunto
de fragmentos de memórias, oriundos de primeiras publicações em seu blog "O Mundo
Perfeito". A narrativa, em tom autobiográfico, revela pequenos testemunhos e atravessa a
infância de Isabela em Lourenço Marques, atual Maputo, em Moçambique, concomitantemente
a vários momentos da história portuguesa, configurando-se, assim, como um registro, que se
submete às recordações fragmentadas da personagem-protagonista e revela traços de um Eu em
processo de construção, que, sobretudo, conta a partir da experiência. Assim, no Caderno,
retoma-se a vivência de Isabela num território ainda sob o domínio colonial, e seu solitário
retorno a Portugal, país de seus pais, aos quase 13 anos de idade, após a Revolução de 25 de
Abril. Nesse sentido, ao escrever sobre o que viveu e testemunhou quando criança, a autora
volta-se a eventos cruciais da história recente de Portugal e de Moçambique, e revela com suas
memórias a situação colonial, a Guerra Colonial / de Libertação, o 25 de abril de 1974 e a
situação dos militares/retornados, desse modo, entrecruzando, na narrativa, as esferas pessoal e
coletiva. Num diálogo póstumo com a figura do pai, Isabela é a memória da segunda geração,
filha de uma primeira geração que viveu, presenciou e experimentou o colonialismo, e que fora

88
marcada pelo silêncio. Aqui, numa narração em primeira pessoa, a autora ativa suas memórias
e as incorpora ao discurso da personagem-protagonista que, ainda criança, está a descobrir o
mundo ao passo que se encontra envolta nas amarras do colonialismo, para denunciar e livrar-
se (d)os fantasmas do passado. Como resultado, a narrativa constrói-se como um desabafo, pois,
ao relatar os males colonialistas, Isabela está também a relatar os males causados pelo próprio
pai. Assim, percebe-se que, na narrativa, história e ficção são discursos que, no presente, tentam
resgatar o passado, desse modo, espera-se discutir de que formas o desenvolvimento da
personagem-protagonista se encontra atrelado ao contexto colonialista português e, como, nesse
processo, a memória contribui na reconstituição do que foi.

Palavras-chave: Colonialismo. Memória. História. Identidade. Ficção Portuguesa.

89
MOÇAMBIQUE: UM ESTUDO SOBRE MEMÓRIA E ESQUECIMENTO EM
O HOMEM QUE NÃO PODIA OLHAR PARA TRÁS

Edyanna de Oliveira Barreto


UFF - Programa de Pós-Graduação em Estudos da Literatura

RESUMO

O presente trabalho é uma análise da obra O homem que não podia olhar para trás de
Nelson Saúte (2006). Trata-se da escrita e retomada de um conto tradicional oral do norte de
Moçambique. O texto escrito por Saúte (2006) é direcionado ao público infantojuvenil e possui
ilustrações que em realidade são obras plásticas do pintor Roberto Chichorro. Quando as
histórias não são mais contadas elas se perdem, são apagadas da memória de um povo, portanto
recontar é também reviver. Sendo assim, esse trabalho é um convite para que possamos adentrar
o universo literário, conhecer um pouco sobre os fios da memória moçambicana e mantê-la
viva. Moçambique conquistou a independência através de uma guerra armada e logo depois a
população acreditou que viveria em paz, mas pelo contrário, uma nova guerra se estabeleceu.
A guerra civil em Moçambique começa em 1977, dois anos depois do fim da guerra da
independência, foi um conflito entre dois partidos – Frelimo e Renamo – que conduziram o país
a uma crise sem precedentes, o que prolongou o sofrimento da população vivenciado desde a
era colonial portuguesa. E foi nesse período de desencantos que surgiu a literatura de Nelson
Saúte, tanto escrevendo suas próprias impressões, como documentando importantes nomes que
compõem a literatura moçambicana. Junto a Nelson Saúte, Roberto Chichorro se dedica à
empreitada de recontar o conto tradicional com suas belíssimas ilustrações. O estudo da obra
supracitada leva em conta sua hibridez de linguagens e tenta recuperar aspectos como: a cultura
e tradição moçambicana, o texto oral que se diferencia do texto escrito e as ilustrações que
possibilitam uma leitura mais ampla e apurada. Estabelecemos um diálogo entre essa
multiplicidade de linguagens da obra junto a autores estudiosos dos conceitos de memória e
esquecimento para apresentarmos a crítica de Nelson Saúte da atual crise de construção
identitária de Moçambique, pós-guerra civil. E para tal, nos amparamos em João Paulo Borges
Coelho (2016) e Ana Mafalda Leite (2012), que nos levam a entender com mais profundidade
o contexto contemporâneo moçambicano; e, Seligmann-Silva (2003), Paul Zumthor (1997) e
Jerusa Pires Ferreira, que nos amparam na discursão sobre memória e esquecimento. Na
primeira parte desse trabalho, discutiremos sobre a intertextualidade entre o texto da obra em

90
análise – O homem que não podia olhar para trás – e o texto da tradição oral – O homem
chamado Namarashota. Acreditamos que evidenciar o diálogo existente e contrapor
semelhanças e diferenças leva-nos a entender a nova nuance feita pelo autor Nelson Saúte, ao
inserir o contexto da guerra em seu reconto, e as possíveis críticas que passam a aparecer no
novo texto. E na segunda parte do trabalho discutiremos brevemente as possibilidades de leitura
das ilustrações unidas ao exercício de repensar as (im) possibilidades da memória do passado
de Moçambique.

Palavras-chave: Memória e esquecimento. Oralidade e escrita. Construções identitárias em


Moçambique.

91
MEMÓRIA, TRAUMA E RE(A)PRESENTAÇÕES DA GUERRA COLONIAL EM A
GERAÇÃO DA UTOPIA, DE PEPETELA

Mariana Sousa Dias


UFF – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A partir da consciência de que a ficção é locus privilegiado no tocante à inscrição


sujeitos, ideologias e reconfigurações culturais produtoras de sentido, as Literaturas Africanas
em Língua Portuguesa cada vez mais investigam as trajetórias de suas nações, trabalho que
transcende a autorreferencialidade para viabilizar, sobretudo, o agenciamento de novas
diretrizes. Ao pensarmos as intricadas dinâmicas nacionais que vêm sendo forjadas a partir da
transição para a autonomia política, devemos considerar que os sujeitos africanos, além de
referenciados pelas opressões imperialistas, passarão a ser marcados também por uma série de
demandas conjunturais intrínsecas ao pós-independência; se a literatura é resistência e
intervenção no tempo histórico, o mote das produções africanas encontra-se fundamentalmente,
portanto, na demanda por formulações identitárias que se adequem aos países recém-formados.
Com intensa produção romanesca, iniciada na década de 1970, Pepetela representa para Angola
um dos mais proeminentes nomes quando se considera o projeto de reescrita do país e de suas
gentes, seja devido à quantidade de títulos publicados, seja devido ao notável acolhimento da
crítica especializada. Ao trabalhar a relação história- ficção como profícua fronteira enunciativa,
a obra pepeteliana é reveladora do comprometimento com um projeto de angolanidade nos
contextos pré e pós independência, considerando a factualidade histórica para proporcionar uma
reinterpretação fundadora a partir de espaços, personagens e vivências que transitam desde a
organização do Império Lunda ao desencanto pós-revolução. Permeados pelo compromisso de
apresentar versões que não a do colonizador sobre a história angolana, os textos de Pepetela
imprimem na ficção fatos dos quais ele próprio é testemunha. Dessa forma, o escritor expressa
o trauma a partir de recursos estéticos que o tornam palpável àqueles que não a presenciaram,
além de desvelar- nos que as guerras colonial e pós-colonial vivenciadas em Angola excedem
seus limites e contextualizam-se na constituição do país independente. Passados dezesseis anos
da conquista da Independência, em 1992, Pepetela realiza em A geração da utopia, um balanço
sobre os eventos ocorridos em Angola durante cerca de três décadas (1961-1992),
ficcionalizando

92
episódios cujos pontos cruciais são identificáveis na história do país. Em linhas gerais, A
geração da utopia, publicada em 1992, traça um panorama da geração que presenciou ou
participou da luta de libertação de Angola e do conseguinte governo que se instaura no país. O
desgaste da utopia que motivara o processo revolucionário orienta toda a narrativa, sendo
apresentada desde seu fortalecimento junto às juventudes revolucionárias ao seu esvaziamento
em um contexto em que o vencido permanece sendo o povo.

Palavras-chave: Literatura Angolana. História. Memória. Guerra Colonial. Pepetela.

93
A NATUREZA ARGUMENTATIVA DO GÊNERO CRÔNICA HUMORÍSTICA E
SEU USO NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Danielle Ferreira Martins Bastos


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O presente trabalho visa contribuir com a prática escolar no ensino de Língua


Portuguesa, no que tange especificamente à leitura, promovendo a evolução do aluno no
processo de letramento. Para isso, apresenta recursos para uma efetiva aprendizagem através do
humor a partir das Teorias do Humor Verbal presentes nos trabalhos de Raskin (1985), Bergson
(2007), Freud (1905) e Possenti (2008; 2013). Pretende-se, além disso, apresentar uma proposta
de utilização da crônica humorística nas aulas de língua materna como suporte para apreensão
do discurso argumentativo a partir da crítica social que textos cômicos apresentam, em geral.
Na busca de estratégias diferentes para atrair e manter a atenção dos estudantes, principalmente
nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio nas aulas de Língua Portuguesa,
percebe-se como os textos que apresentam com regularidade a linguagem do humor (charges,
crônicas, piadas, tirinhas) surpreendem os alunos, despertando- lhes o interesse para a leitura e
para o conteúdo a ser estudado na aula, o que não ocorre ao tratarmos de textos não
humorísticos, na maioria das vezes. O gênero textual crônica humorística torna-se, portanto,
relevante no processo de desenvolver a capacidade leitora, bem como no processo de tentar
conseguir o consequente envolvimento do estudante do Ensino Médio, em função do interesse
que normalmente desperta nos alunos, não só por tratar-se de um gênero marcado pelo uso da
língua literária, mas também por trazer temas cotidianos para a discussão em sala de aula,
fazendo com que o aluno usufrua do prazer da leitura como também partilhe sentimentos e
conhecimentos a partir dela, muitas vezes se reconhecendo no texto, construindo-se enquanto
leitor. O presente artigo pretende colaborar para o ensino de língua materna ao seguir com os
estudos sobre os processos mentais de construção e entendimento do humor, seus mecanismos
de significação e sua relação com o ensino, além de trabalhar a argumentação como enfoque
subjacente nas crônicas. As teorias sobre argumentação têm sido formalizadas desde a retórica
clássica aristotélica – simplificada como a arte do bem falar, com o objetivo da adesão de uma
plateia a uma tese com base na construção lógica dos argumentos – e vêm sendo retomadas com
os tratados da nova

94
retórica, ampliando o campo de análise sobre textos impressos, acrescentando a característica
dialogal na argumentação. A linguística textual nos dá indícios da necessidade de se trabalhar
com as noções de mundo partilhado, conhecimento de mundo, contexto de produção e de
circulação do texto. Podemos dizer que tais noções são essenciais na argumentação, pois delas
dependerá o poder de persuasão do locutor, ou seja, o convencimento do interlocutor. Com isso,
o orador/autor deve adaptar sua fala a seu público, considerando aspectos como interação,
escolha vocabular, colocação dos argumentos, diferentes recursos da linguagem, além de primar
pela coerência e coesão de seu texto. Não se deve dissociar, portanto, língua e contexto. A
argumentação no discurso humorístico e sua relação com a crônica têm como escopo teórico
alguns autores, a saber: Valente (2011), Marques (2011), Conforte (2012), Sá (2001) e Oliveira
(2006).

Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa. Discurso humorístico. Argumentação. Crônica.

95
O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO E O ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA

Isadora de Vasconcelos Picanço


UERJ – Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

O texto, conforme Maia (2007), sempre foi objeto de estudo nas aulas de Língua
Portuguesa, mas como pretexto para o ensino de gramática e como ponto de partida para
questões de interpretação. Antunes (2003) afirma que a escola desperdiça tempo de aula com
questões de mera nomenclatura e de classificação, enquanto o estudo das regras dos usos da
língua em textos perde seu espaço. Essa prática engana quem acredita que a gramática sozinha
é suficiente para a ampliação e aperfeiçoamento do desempenho comunicativo. Nesse cenário,
o professor de Língua Portuguesa, assim como os demais, não pode trabalhar sozinho. Diante
das práticas pedagógicas irrelevantes para completa compreensão de um texto e para o incentivo
de uma leitura crítica, indispensável para os cidadãos, é de extrema importância que o
coordenador pedagógico acompanhe o trabalho dos professores de maneira que estimule,
passando segurança e dando a liberdade para práticas eficientes e interligadas em todos os
segmentos. Dessa maneira, busca-se apresentar o papel do coordenador pedagógico para que se
possa compreender o que compete a ele antes de interferir no ensino da disciplina. Inicialmente,
como articulador, ver-se-á que seu papel principal é oferecer condições para que os professores
trabalhem coletivamente as propostas curriculares, em função de sua realidade, o que não é
fácil, mas possível, além de oferecer condições para que o professor se aprofunde em sua área
específica e trabalhe bem com ela para que ele passe a ser reflexivo e crítico em sua prática.
Além disso, objetiva-se também tratar do ensino de Língua Portuguesa no Brasil, mostrando
que há muito tempo se mantém o ensino tradicional como método, apesar dos esforços das
universidades em propagar, difundir novos métodos e discussões e estar à disposição da
comunidade escolar com vários cursos de atualização. Apresentando tanto o ensino da leitura
quanto da escrita, ver-se-á um distanciamento entre a teoria e a prática, visto que as estratégias
propostas para o trabalho em sala de aula nem sempre são condizentes com a realidade
enfrentada pelos professores por diversos motivos como falta de confiança ou excesso de carga
horária. Por fim, busca também tratar dos desafios e possibilidades do supervisor em prol das
práticas de ensino de Língua Portuguesa. Nesse sentido, as sugestões

96
de melhoria são apresentadas de maneira que se consiga fazer um trabalho em conjunto,
englobando não só os professores da disciplina, mas principalmente o coordenador pedagógico,
que precisa estar ciente das práticas para que possa sempre dar suporte ao professor em
situações variadas. Ressaltando que o coordenador deve ser um aliado do professor, avalia-se
como o supervisor educador pode contribuir para a melhoria do ensino da língua do Brasil.

Palavras-chave: Língua portuguesa. Coordenador pedagógico. Ensino.

97
O ENSINO DE LEITURA E ESCRITA A PARTIR DE NARRATIVAS ORAIS
NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

Natércia Almeida Lacerda


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Este trabalho apresenta uma pesquisa a respeito do ensino de leitura e de escrita com
alunos do Ensino Fundamental II, utilizando-se de narrativas orais nas aulas de língua
portuguesa. A produção de histórias em sua forma oral ou escrita, em todas as sociedades, todas
as culturas, em todos os tempos e lugares, mostra o quanto as narrativas fazem parte da nossa
vida. A contação de histórias tem sua importância no âmbito escolar e fora dele, porque é um
fenômeno de criatividade, aprendizagem e prazer, que representa o mundo e a vida através das
palavras. Assim, é interessante o trabalho com narrativas, pois, ao ouvir, contar, ler e escrever
histórias, compreende-se o mundo e a si mesmo. Esse estudo vincula-se à linha de pesquisa
Ensino de Língua Portuguesa, pois se pretende trabalhar o ensino da língua no seu contexto
social e busca-se uma proposta de ensino de leitura e de escrita. Justifica-se a relevância da
execução dessa pesquisa pela contribuição que ela pode trazer para a prática de ensino de língua
portuguesa. Aulas de língua portuguesa que tenham como objeto de ensino os textos orais
produzidos por pessoas comuns, que foram depois retextualizados para a escrita pelos próprios
estudantes, têm o intuito de desenvolver, aprimorar e potencializar a prática da leitura e da
escrita. No cotidiano de ensino de língua, observa-se que os livros didáticos de língua
portuguesa praticamente não trabalham com oralidade. Muitos deles, quando tentam apresentar
questões relacionadas à oralidade, o fazem de maneira errônea, ou inadequada, porque, em
muitos casos, confundem oralidade com leitura em voz alta, por exemplo. Diante disso
questiona-se: como trabalhar a leitura e a escrita a partir de textos orais? Como desenvolver
atividades reais de prática de oralidade na escola? Como despertar nos alunos o interesse pelas
características dos textos orais? Como ampliar a competência comunicativa dos alunos nas
habilidades para ler, escrever, falar e ouvir? A partir dessas indagações vê-se o potencial dessa
pesquisa. Percebe-se por meio de documentos das instituições governamentais que muito se
tem pensado a favor da leitura e da escrita. Fundamentou-se a pesquisa com autores como Freire
(2003), Perissé (2004), Lerner (2002), Geraldi (2000, 2014), Machado e Wachowicz (2013),
Jouve (2002), Magalhães e Machado

98
(2012), Koch e Elias (2008, 2015), Ramos (2002), Marcuschi (2003, 2008), Antunes (2003),
PCNLP, PNLDLP, dentre outros. Esses autores trouxeram conceitos relacionados ao tema
proposto, tais como: a teoria e a prática de ensino da leitura e da escrita, a oralidade, o
letramento, a recepção da leitura, retextualização, presença da oralidade no livro didático de
português, características da fala e da escrita, a importância dos contadores de história, o papel
da escola no ensino da leitura, concepção de ensino de língua portuguesa e formação de leitores.
Conclui-se, assim, que o trabalho com a leitura e a escrita através da coleta de histórias mais
próximas à vivência do aluno e da retextualização do texto oral para o escrito, de modo a
perceber as diferenças inerentes a cada tipo de modalidade e/ou situação discursiva, propiciará
um corpus para a reflexão sobre o ensino da leitura e da escrita nas aulas de língua portuguesa
e trará como benefício o crescimento educacional, cultural, social dos participantes do trabalho.

Palavras-chave: leitura, escrita, narrativa oral

99
A INTERAÇÃO ENTRE TEXTOS MULTIMODAIS E ALUNOS COM DEFICIÊNCIA
VISUAL E OS CAMINHOS PERCORRIDOS PARA A CONSTRUÇÃO DO
SIGINFICADO

Paolla Cabral Silva Brasil


UERJ – Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

Vivemos em uma sociedade carregada de cultura visual, plena de sentidos históricos,


estéticos e socioculturais, que precisam fazer parte do processo de ensino-aprendizagem de
língua portuguesa. Nas diversas esferas da vida social, observa-se um aumento do uso de textos
multimodais, ou seja, textos constituídos pelo signo verbal e pelo signo visual. Ao pensarmos
o processo educacional de alunos com deficiência visual, não podemos ignorar as condições de
percepção desse público. Porém, entende-se, e defende-se, que quando é oferecido um ambiente
favorável, de aprendizagem significativa, estudantes com deficiência visual não se diferenciam
de alunos videntes no aspecto intelectual. A deficiência visual, em geral, não acarreta atrasos
no desenvolvimento cognitivo, portanto, é na interação social que os significados são
construídos para que haja desenvolvimento e aprendizagem. A presente comunicação tem como
objetivo apresentar os primeiros desdobramentos de um estudo cujo objetivo geral é analisar os
processos de construção de significado de alunos com deficiência visual, a partir da leitura de
textos multimodais. A referida investigação, em andamento, enquadra-se na abordagem
qualitativa (DENZIN; LINCOLN, 2006; BORTONI-RICARDO, 2008), uma vez que busca
compreender e interpretar fenômenos sociais inseridos em um determinado contexto, e
configura-se como uma pesquisa-ação (THIOLLENT, 2005), voltada para o aprimoramento das
práticas pedagógicas de maneira continuada, sistemática e empiricamente fundamentada. Em
contextos de ensino-aprendizagem, tal metodologia possibilita a participação ativa de
professores e de alunos, instigando a transformação da cena escolar em objeto de estudo. A
fundamentação teórica contempla os seguintes temas: os processos de aprendizagem da pessoa
cega ou com baixa visão (VIGOTSKI, 1997); NUERNBERG, 2008; RANGEL; VICTOR,
2017), a educação inclusiva (MASINI, 2013;
CAIADO, 2014), as contribuições dos estudos semióticos para os processos de leitura e de
escrita (KLEIMAN, 1989; BORDEVANE, 1991; SIMÕES, 2009) e os estudos sobre os gêneros
textuais multimodais (VAN LEEUWEN, 2004, DIONÍSIO, 2005; RIBEIRO, 2016).

100
O contexto da pesquisa é uma instituição federal, situada na cidade do Rio de Janeiro, voltada
para o atendimento de pessoas com deficiência visual. Os participantes da pesquisa são alunos
do Ensino Fundamental, inscritos nas oficinas de leitura e de produção textual, ofertadas pela
professora-pesquisadora. A partir do trabalho com a multimodalidade textual presente em livros
infantojuvenis, espera-se contribuir de maneira efetiva para a ampliação e a para a continuidade
de discussões acerca do processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa voltado para
alunos com deficiência visual, ressaltando a importância de se considerar as necessidades
específicas de aprendizagem desses estudantes, sempre valorizando o potencial e respeitando
os limites de cada aluno.

Palavras-chave: Ensino de língua portuguesa. Multimodalidade textual. Deficiência visual.

101
REPERTÓRIO NEGRO-AFRICANO E IDENTIDADE CRIOULA, EM TEXACO
(1992), DE PATRICK CHAMOISEAU

Denise de Souza Silva


UFF – Programa de Pós-Graduação em Estudos da Literatura

RESUMO

A colonização da Martinica iniciou-se em 1635, com a implantação da cultura da cana-


de-açúcar pelo mercantilismo francês, cuja mão de obra dos índios Caraíbas, utilizada
inicialmente, foi substituída pela dos negros trazidos de várias regiões da África, por meio do
Tráfico Negreiro. Após a abolição da escravatura (1848), esses povos encontraram-se, segundo
Édouard Glissant, prisioneiros de uma dupla opressão: a impossibilidade de produzir para e por
eles mesmos e a impotência para afirmar sua própria natureza. As identidades culturais nas
Antilhas carregam, pois, marcas violentas de rupturas e desumanização do ser, uma vez que os
povos antilhanos viveram uma non-histoire imposée, cujo fator negativo foi o apagamento da
memória coletiva (GLISSANT, 1997). Assim, a produção literária da Martinica, bem como o
pensamento teórico, encontram-se marcados pelo desejo de etnografar a memória do negro-
africano, apagada pela imposição do processo de assimilação à cultura eurocêntrica,
reconstruindo sua história. Este trabalho de reconstituição etnográfica vem sendo feito por
Patrick Chamoiseau em seus romances, onde ele recolhe as memórias reescrevendo-as através
do processo da Oralitura, que consiste em escrever a oralidade crioula na língua francesa para
que elas não mais se percam. Nesse contexto é que estudamos em Texaco (1992) o resgate
histórico-cultural que Patrick Chamoiseau faz utilizando sua literatura como um processo de
recuperação da memória coletiva através da reinvenção identitária, destacando o repertório
negro-africano constituinte da identidade crioula. É Marie- Sophie Laborieux, protagonista da
narrativa, que terá como meta proteger Texaco (nome da antiga petrolífera) do processo de
demolição pela prefeitura de Fort-de-France. Utilizando a Palavra como a única arma de
persuasão é que Marie-Sophie tenta convencer o urbanista Christo com a herança deixada pelo
pai Esternome: a memória. Portanto, é através da oralidade que Marie-Sophie tenta sensibilizar
o urbanista contando-lhe as histórias das pessoas que vivem no bairro, reconstruindo, assim, a
memória individual e coletiva de seu povo. Mais de cento e cinquenta anos de história do
território da Martinica, desde a época da

102
escravidão até a chegada dos negros às cidades de Saint-Pierre e Fort-de-France, são retratadas
no romance. Esta comunicação constitui, portanto, uma análise parcial do corpus da Dissertação
de mestrado sobre a diáspora negro-africana e o processo de escravidão nas Américas,
analisando a semântica do termo negritude, que ganhou com Aimé Césaire, nos anos 30, um
significado de retorno às raízes africanas e valorização do negro. Abordaremos os movimentos
da Crioulização de Édouard Glissant e da Crioulidade de Patrick Chamoiseau, Jean Bernabé e
Raphaël Confiant, que desempenharam papéis relevantes no processo de construção da
identidade crioula das Antilhas. O conceito de Caos-Mundo e o de Relação também será
apresentado. Como aporte teórico destacamos textos de Diva Barbaro Damato, Édouard
Glissant, Kabengele Munanga, Zilá Bernd, entre outros.

Palavras-chave: Caos-Mundo. Crioulização. Crioulidade. Memória. Negritude.

103
A PAISAGEM EM DESMEDIDA – LUANDA – SÃO PAULO – SÃO FRANCISCO E
VOLTA – CRÔNICAS DO BRASIL, DE RUY DUARTE DE CARVALHO

Juliana Campos Alvernaz


UFF – Programa de Pós-graduação em Estudos de Literatura

RESUMO

Desmedida – Luanda – São Paulo – São Francisco e volta – crônicas do Brasil (2007),
do escritor angolano Ruy Duarte de Carvalho, trata-se de um relato de viagem, o qual apresenta
uma narrativa em deslocamento, em que o autor captura as paisagens dos espaços percorridos.
Considerando que a paisagem e sua descrição, segundo Michel Collot (2010), consiste num
recorte subjetivo, ou seja, está relacionado com quem vê, pensaremos as descrições de paisagem
da obra escolhida, bem como seus efeitos literários. Para Collot, não há paisagem neutra, pois
esta depende de um dos elementos essenciais para entendê-la: o ponto de vista, visto que parte
de um olhar, de uma perspectiva. Ela engloba o espaço vivido, mas também a visão do sujeito,
inclusive até o que não está no espaço porque o que não dizemos evidenciamos que existe. A
percepção da paisagem está ligada a uma experiência, não tendo, portanto, uma neutralidade.
Dessa maneira, a paisagem retratada em Desmedida está “contaminada” pelo o que o narrador
vê e, principalmente, lê. O olhar narrativo é atravessado pela bagagem de leitura que constrói e
desconstrói aspectos do Brasil, os quais o autor já teve contato bem antes da viagem.
Considerando esses aspectos em diálogo com o espaço geográfico, vemos que Desmedida trava
um diálogo entre dois “suis” – Brasil e Angola – e remonta os aspectos similares de um passado
colonial, por meio de um discurso atravessado por leituras de autores brasileiros, como
Guimarães Rosa, Euclides de Cunha e Graciliano Ramos, bem como muitos autores europeus.
A dinâmica do relato parte do que o autor leu e do que ele está vendo e, o que ele vê, está
permeado pelo o que leu. O viajante, assim, consegue enxergar a partir de sua bagagem literária
e sociológica, visto que o imaginário local, neste caso o trajeto pelo Rio São Francisco, é
definido pelas representações de suas leituras. Os textos sobrepostos na narrativa participam da
existência dos espaços, para ele, não-europeus em uma região não-europeia. Ruy Duarte de
Carvalho, portanto, reinterpreta uma geografia localizada no sul, refletindo sobre o lugar de
Angola e Brasil no mundo contemporâneo. Além disso, a experiência com a escrita etnográfica
permite suas interpretações culturais e reflexões que consideram o sujeito-objeto da etnografia
juntamente com o espaço por ele habitado. Do espaço percorrido e das paisagens vistas e

104
registradas pelo autor, podemos pensar no próprio título do livro, o qual se refere ao espaço de
uma “desmedida brasileira”. O espaço, portanto, constitui-se como um mobilizador do discurso
narrativo e digressivo, estabelecido a partir dos deslocamentos do autor-narrador por territórios
brasileiros e angolanos. Em suma, Desmedida é um livro que capta as percepções das paisagens
da trajetória do narrador, remetendo-se aos domínios para os quais o autor se move. A paisagem,
sendo um espaço habitado, apreende o que o indivíduo vê e se reconhece nela. Dessa maneira,
a interpretação de mundo do sujeito narrador, afetada por leituras e vivências, está relacionada
com a paisagem percebida. O autor capta a paisagem brasileira, confundível com a angolana,
por meio de sua formação intelectual e do contato e vivência com os pastores Kuvale,
desencadeando em uma representação destes ligada ao espaço e aos processos coloniais.

Palavras-chave: Paisagem. Espaço. Desmedida. Sul.

105
RUY DUARTE DE CARVALHO E A FUNÇÃO HUMANIZADORA DA
LITERATURA: UMA LEITURA DO CONTO “JOÃO CARLOS, NATURAL DO
CHINGUAR, NO BIÉ”

Luciene Rocha dos Santos Cruz


UFF – Programa de Pós-graduação em Estudos de Literatura

RESUMO

No ensaio “O Direito à Literatura”, publicado no livro Vários Escritos (2011), Antonio


Candido aborda o tema dos Direitos Humanos, traçando um paralelo entre essa questão e a
Literatura. Assim, desenvolve sua tese alegando que a literatura deve ser considerada um bem
indispensável para o ser humano e por isso, se faz necessário que todas as pessoas tenham
acesso a ela. Ele justifica essa premissa argumentando que o ser humano não consegue viver
sem estar em contato com qualquer tipo de fabulação, como também defende que a literatura é
um fator indispensável de humanização, posto que, além de ter o poder de coordenar as palavras
e comunicar-se com o nosso espírito, levando-o a se organizar e por sequência, organizar o
mundo, ela também nos torna mais compreensivos com a sociedade e nos dá acesso a realidades
que, muitas vezes, não temos contato. Já no ensaio intitulado A literatura e a formação do
homem (1999), Candido também aborda a questão da literatura, analisando a sua função
humanizadora. Nesse texto, o autor destaca três aspectos que remetem à tal função: a função
psicológica, a função formadora e a função de auxiliar no conhecimento do mundo e do ser. No
que se refere especificamente a este último tópico, a literatura acaba por retratar uma dada
realidade social e humana, permitindo uma maior compreensão com relação a esta realidade.
Dessa forma, ela proporciona meios de tomarmos ciência de realidades que estão, muitas vezes,
distantes da nossa, e assim, o leitor adquire novos conhecimentos, ampliando seu conhecimento
de mundo. Os escritores que se dedicaram a esse tipo de tema, ao escreverem seus textos,
proporcionaram aos seus leitores acesso a um universo talvez desconhecido, ou pelo menos
distante, tanto ao que tange ao espaço geográfico descrito, quanto aos assuntos propostos, como
também à linguagem apresentada. Assim, com base nessa terceira função humanizadora da
literatura, analisaremos o conto João Carlos, natural do Chinguar, no Bié, de Ruy Duarte de
Carvalho, e discutiremos como o fato do autor revelar em sua narrativa um outro lado da
geografia e da cultura angolana, optando por retratar a região sul de Angola e seu âmbito rural
(assunto muito pouco mencionado pela maioria dos autores do país), desmitifica a ideia de que

106
o povo angolano possui as mesmas características culturais e geográficas, independente da
região do país, como também desfaz clichês que generalizam o africano colonizado. Para Ruy
Duarte de Carvalho, a representação e a discutição sobre outros espaços e características
culturais de Angola se faz necessário, posto que, só assim, não se terá uma visão redutora sobre
como é o país, que na maioria dos casos, só é representada pela sua capital Luanda. O conto
João Carlos, natural do Chinguar, no Bié, é o segundo dos três contos que compõem o livro
Como se o mundo não tivesse leste (2003), publicado originalmente em 1977. A narrativas
explora os aspectos geográficos e culturais da região sul de Angola, assim como a aborda a
estrutura colonial vigente na diegese, ressaltando como os colonizadores lidavam com o povo
autóctone.

Palavras-chave: Ruy Duarte de Carvalho. Função Humanizadora da Literatura. Cultura


angolana.

107
PELOS MAPAS IMAGINÁRIOS DE TÃO LONGO AMOR, TÃO CURTA A VIDA

Mariana de Mendonça Braga


UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

Nascido na África do Sul em 1935, Helder Macedo passou a infância em Moçambique,


mudou-se aos doze para Lisboa e, aos vinte e cinco anos, já na década de 1960, durante o regime
salazarista, seguiu para a Inglaterra, onde é, hoje, radicado. Iniciou sua carreira literária em
1957, publicando um pequeno volume de poemas intitulado Vesperal. Somente nos anos 1990,
Helder Macedo deixa vir à luz a sua vertente de ficcionista, com o romance Partes de África
(1991) e, sucessivamente, Pedro e Paula (1998), Vícios e virtudes (2000), Sem nome (2005),
Natália (2009) e Tão longo amor, Tão curta a vida (2013). A temática dos mapas imaginários
cujas fronteiras são modificadas aparece na sua obra ficcional desde o seu primeiro romance,
Partes de África, merecendo, portanto, atenção especial. Se então as fronteiras eram ou
pareciam literais porque tratavam de uma geografia africana modificada por contingências da
História, fácil será perceber que essa referência aos mapas se torna uma espécie de forma lúdica
de negociar com o espaço, e sobretudo com o espaço interior do sujeito, com potencialidades
mais claramente metafóricas no romance Tão longo amor, Tão curta a vida, na construção do
protagonista Victor Marques da Costa. E é sobretudo do fascínio provocado pela imagem desses
mapas imaginários que nascem as reflexões que serão conduzidas na comunicação que será
apresentada, na qual serão analisadas algumas possibilidades de leitura desses mapas imaginários no
projeto discursivo de Helder Macedo e, sobretudo, dos mapas desenhados e redesenhados pelo
personagem Victor. Este, desde menino, tem o curioso hábito de inventar mapas onde modificava
divisões naturais e políticas, alterava posições – norte, sul, leste, oeste – num exercício que
continua a praticar ao longo da vida. Exercício absolutamente alegórico e de base
metalinguística, em que desmontar os mapas em peças equivaleria a decompor o mosaico em
que os pedacinhos poderiam compor outros tantos desenhos para o narrador autobiográfico de
Partes de África. Este será um elemento capaz de desencadear no leitor crítico do conjunto da
obra de Helder Macedo a possibilidade de vislumbrar uma imagem em espelho que se
estabelece entre o autor-narrador-personagem de Tão longo amor, tão curta a vida e seu
protagonista Victor Marques da Costa. Esses mapas – rearranjados, reordenados, reorganizados
na desordem

108
imaginada pelo protagonista – serão a sua metáfora para retomar a questão muito macediana da
fragmentação, da autorreferencialidade e da metaficção. Por acreditar que a imagem dos mapas
não corresponde a um sentido único, mas a muitas possibilidades de leituras por meio das quais
narrador e personagens convocam os leitores a participarem da construção de sentidos
inesgotáveis, levando em conta a subjetividade como princípio fundamental, tomarei como base
teórica a noção de alegoria desenvolvida por Walter Benjamin primeiramente no ensaio Origem
do drama barroco alemão (1928).

Palavras-chave: Mapas imaginários. Alegoria. Helder Macedo.

109
O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA COMO PRÁTICA DE
LETRAMENTO: O MANUAL DO PROFESSOR EM QUESTÃO

Alan Rodrigo de Paiva Gonçalves


UERJ/FFP – Programa de Pós-graduação em Letras e Linguística

RESUMO

Os estudos sobre o papel do Livro Didático (LD) em Língua Estrangeira (LE), de uma
forma geral, apontam que ele está ativamente presente e tem papel fundamental no processo de
ensino-aprendizagem (TILIO, 2006; VILAÇA, 2009; DIAS, 2009; RAMOS, 2009;
TOMLINSOM, 2011). Não obstante, há pouquíssimos estudos e análises sobre um componente
do LD: o manual do professor. Esses manuais, por vezes chamados de guias, fazem parte de
todos os LD de LE integrantes do PNLD 2017, incluindo a coleção Time to Share, que compõe
o objeto de análise neste trabalho. Parto de algumas questões iniciais: qual o papel desses
manuais na prática do professor, caso ele opte trabalhar com os LD? Eles oferecem instrumento
de apoio ou ditam o que aconteceria na sala de aula? Qual é o perfil de professores que parecem
ser aqueles considerados pelos autores e que marcas discursivas indicam esse “professor-alvo”?
Que letramentos se projetam no manual do professor? Nessa perspectiva, caracterizo o trabalho
com os LD como uma prática de letramento (STREET, 1984; BARTON; HAMILTON, 2000),
no que tange os comportamentos e conceitualizações relacionados ao uso da leitura e/ou da
escrita (STREET, 2014), já que o uso desse material constitui uma prática social, inserida em
contexto político e ideológico. Ao refletir sobre a relação do professor com um manual didático,
trago à luz questões que estão atualmente sendo debatidas no bojo do que se tem chamado de
letramento crítico (JANKS, 2013; MENEZES DE SOUZA, 2011; MORGAN, 1997). Essa
perspectiva permite ir além do senso comum (MENEZES DE SOUZA, 2011) e ler “tanto a
palavra quanto o mundo” (JANKS, 2013) com a perspectiva de transformação social. Em
consonância com a proposta do letramento crítico, utilizo como base para análise dos dados a
Análise de Discurso Crítica (ADC) (MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017), em que
pode ser definida como um “programa de estudos que toma o texto como unidade de análise
centrada nos conceitos de discurso, poder e ideologia” (MAGALHÃES; RAJAGOPALAN,
2005; WODAK, 2004 apud MAGALHÃES; MARTINS; RESENDE, 2017), tendo, dessa
forma, total relevância nas

110
reflexões feitas em relação ao objeto de pesquisa apontado. O presente trabalho insere-se no
campo da Linguística Aplicada (MOITA LOPES, 2006) e é construído de acordo com o
paradigma qualitativo/interpretativista. Considerando que esse tipo de pesquisa envolve
perspectivas de estudo como a ADC, em grande consonância com as propostas do letramento
crítico, desenvolvo um trabalho de caráter qualitativo em que se procura entender e interpretar
fenômenos sociais inseridos em um determinado contexto, analisando os manuais do professor
da coleção Time to Share, 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II de língua inglesa, aprovado
no PNLD 2017. Segundo Rubem Alves, “todo ato de pesquisa é um ato político” (1984 apud
LÜDKE; ANDRÉ, 2012). Logo, o recorte do objeto de análise foi pensado a partir da minha
prática profissional, alinhada ao interesse acadêmico de estudos sobre o LD.

Palavras-chave: Manual do professor. Livro didático. Letramento crítico. Análise do discurso


crítica.

111
ANÁLISE DO LIVRO DIDÁTICO DE INGLÊS PARA NEGÓCIOS DO CURSO
LEANI

Alessandra Cristina Bittencourt Alcântara


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras
CEFET/RJ

RESUMO

O ensino de inglês em um curso de graduação é voltado para atender às necessidades


dos alunos e do curso. A partir do conceito de análise de materiais proposto por Hutchinson e
Waters (1987) este trabalho discute alguns critérios de seleção do material didático de inglês do
curso LEANI, Línguas Estrangeiras Aplicadas às Negociações Internacionais. Seu objetivo é
fazer uma análise do livro recentemente adotado considerando os itens abordados por Ramos
(2003). O curso LEANI visa desenvolver o conhecimento de três línguas estrangeiras: inglês,
espanhol e francês e de diferentes áreas: Administração, Direito e Relações Internacionais. Por
ter uma formação multidisciplinar, o curso demanda uma abordagem que não valorize apenas
negócios mas também flexibilize tópicos abordados nos núcleos de Turismo, Ciências Sociais,
Administração, Economia e Direito. Na verdade, não há registro em livros ou apostilas em
inglês disponibilizadas a respeito de uma área tão diversificada. O material em inglês mais
próximo para atender as necessidades do curso LEANI está relacionado à área de Negócios.
Segundo Basturkmen (2008), para selecionar um determinado material, cabe ao professor ter
bons critérios onde suas decisões irão se basear, além de fazer um levantamento das
necessidades. Vale ressaltar que para avaliar o material didático, é importante que se estabeleça
critérios que direcionem os professores. Dessa forma, Hutchinson e Waters (1987) dividem este
processo em quatro passos: definição de critérios, análise subjetiva, análise objetiva e matching.
Partindo da proposta de Hutchinson e Waters (1987), Ramos (2003) elabora uma lista de itens
que devem ser considerados para a avaliação de materiais didáticos: público-alvo; objetivos da
unidade / do curso / do livro; visões de linguagem; visões de ensino-aprendizagem; o conteúdo
dos materiais; como o material é explorado; diagnóstico final. Para tanto, neste trabalho, os
dados foram obtidos através do próprio material selecionado, livro do aluno e do professor, e
uma entrevista aplicada aos professores de língua inglesa do curso. Embora o trabalho se
proponha a discutir a questão do material didático de inglês no curso LEANI, é fundamental
esclarecer a importância do

112
professor nesse processo. Ramos (2006, p. 7) afirma que “o desenvolvimento do professor e a
produção de materiais andaram juntos”. Segundo Hutchinson e Waters (1987), o papel do
professor de língua para fins específicos é de muitas faces, pois ele atua também nas áreas de
análise de necessidades, planejamento do curso, produção ou adaptação de material e avaliação.
Com base na pesquisa apresentada, até o momento, a análise de material de inglês do curso de
graduação LEANI aponta em duas direções: a necessidade de balancear a quantidade de
atividades de compreensão auditiva com atividades de produção escrita e fomentar as demais
competências, além da necessidade de complementação/adaptação do mesmo por não
contemplar as diversas áreas do curso.

Palavras-chave: Inglês. Livro didático para negócios. LEANI.

113
SEGURANÇA EM VÍDEO: UMA PROPOSTA DE MATERIAL DIDÁTICO DE
LÍNGUA INGLESA

Ricardo Benevides Silva de Oliveira


UERJ – Programa de Pós-graduação em Letras
CEFET-RJ

RESUMO

Este trabalho se configura como um relato de experiência e objetiva apresentar uma Unidade
didática para o ensino de língua inglesa desenvolvida e aplicada em um curso de Ensino Médio
integrado em uma escola técnica federal no Rio de Janeiro. Esta proposta parte do princípio de
elaboração de materiais didáticos com foco em gêneros discursivos (RAMOS, 2004) e busca
desenvolver um trabalho que considere diferentes capacidades de linguagem nos estudantes
(DOLZ, 2011) além de atentar para questões multimodais (HEMAIS, 2015) tanto em seu design
quanto na atividade implementada pelos alunos. A abordagem adotada segue os princípios do
trabalho com línguas para fins específicos (HUTCHINSON & WATERS, 1987) buscando
desenvolvimento de material didático pautado na análise de necessidades dos aprendizes
(BASTURKMEN, 2006). O Gênero discursivo escolhido foi notícias incialmente da área de
segurança do trabalho e o trabalho se desenvolveu pautado em atividades previamente
organizadas segundo Guimarães (2012) explorando desde imagens, movimentos retóricos e
vocabulário até os valores presentes em notícias permitindo o amadurecimento discente acerca
de aspectos variados e estratégias enunciativas do gênero em questão e visando a apropriação
deste pelos estudantes. Desse modo ao longo das aulas foi solicitado que os alunos lessem outras
notícias, considerassem algumas relações e marcas discursivas além de apresentar e debater
com os colegas. A atividade final resultou na transposição de gênero ao passo que foi produzido
um vídeo onde questões relacionadas ao locus discente pudessem ser abordadas identificando
questões relevantes para estes e apresentadas a turma. O material didático (TOMLINSON,
2012) se constrói orientado a dialogar com as concepções de comunicação presentes na
atualidade além de procurar explorar interatividade e diferentes autorias na aula de língua
estrangeira (SILVA, 2011) ainda este presente promover aprendizagem não somente via
docente mas também co-construida coletivamente e interativamente com o grupo. Esta
demanda por interação e integração entre áreas diversas do saber fomentam o dialogo e a
reflexão mais aprofundada além de um ensino que propõe autoria compartilhada e dialógica. A

114
área de segurança do trabalho por ser multidisciplinar constitui-se em espaço profícuo para o
engajamento em temas e gêneros discursivos desafiadores tanto a docentes quanto discentes. A
unidade didática bem como as atividades desenvolvidas pelos alunos será apresentada ao final
da apresentação trazendo encaminhamentos, reflexões e debate sobre diversos aspectos
mencionados previamente. Nesse sentido faz se relevante destacar a elaboração das análises
advindas dos alunos sobre as notícias bem como os vídeos instrucionais elaborados por estes
durante o processo com o trabalho deste gênero em questão.

Palavras-chave: Material didático. Língua inglesa. Fins específicos. Gêneros discursivos.


Multimodalidade

115
APRENDIZADO INCIDENTAL DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA
ATRAVÉS DA LEITURA MULTIMODAL EM JOGOS DE VÍDEO GAME

Luciana Braga Carneiro Leão Junqueira


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A tese em desenvolvimento aqui apresentada objetiva descrever e analisar o


processamento de vocabulário em inglês como língua estrangeira presentes em jogos de vídeo
game de RPG por falantes de português brasileiro como língua materna. Para tal, observaremos
como se dá o processamento cognitivo deste vocabulário e como os modelos cognitivos
idealizados desses aprendizes são criados, expandidos ou especificados nesse processo. Por
diversas vezes ao longo de minha carreira no magistério de inglês como língua estrangeira
(doravante ILE), deparei-me com um quadro no qual alunos demonstravam proficiência no que
tange a vocabulário ainda não ensinado a eles. A razão relatada por eles era a de que eles haviam
adquirido aquele vocabulário através de jogos de vídeo games. A frequência com que esse relato
se repetia despertou minha atenção e interesse. Após alguns trabalhos apresentados e
publicados, cada vez mais relatos similares me eram feitos. Aparentemente temos uma geração
inteira que cresceu fazendo uso desses jogos e que desenvolveu aprendizado de língua
estrangeira através dos mesmos. Esta nova tecnologia de informação e comunicação (NTIC)
parece contribuir diretamente para a expansão do vocabulário em língua estrangeira do
aprendiz, de maneira efetiva, incidental e motivante. E, como tal, necessita investigação mais
profunda de forma a servir como contribuição ao aprendizado de ILE, em conjunto com a
instrução formal. Os jogos de videogame do gênero role-playing game (RPG) são
especialmente interessantes no que tange ao aprendizado incidental de léxico. Por um lado, esse
gênero apresenta leitura extensiva (LEFFA, 2000; KRASHEN, 2004) e imersa em um ambiente
multimodal (KRESS, 2003; HEMAIS, 2010); e, por outro, por ser um jogo, proporciona um
filtro afetivo baixo e uma alta motivação para extrair sentido (ADAMS, 2010; PRENSKY,
2007; GEE, 2008), mesmo que em uma língua que o jogador não domine. A atividade de jogar
vídeo games, além de prazerosa, parece ativar diversos processos cognitivos na mente daquele
que o joga (PRENSKY, 2007). São diversos os relatos de indivíduos que tem por hábito jogar
vídeo game em que são apontados o desenvolvimento de múltiplas habilidades cognitivas, o
experienciamento que depois é

116
utilizado fora do mundo virtual e o aumento de percepção lógica e memória. Ainda assim,
poucas são as pesquisas que buscam compreender o que compõe um jogo de vídeo game para
acarretar em tantos benefícios e como melhor aproveitar essas características e elementos.
Pesquisas na área dos games, elaboradas pelos mais diversos campos de estudo, poderiam
melhor compreender e tirar proveito desses benefícios, levando-os a um público muito maior
do que o que, atualmente, os utiliza. Neste sentido, a Linguística Cognitiva (LAKOFF, 1987;
LANGACKER, 1987; FILLMORE, 1977, 1982; FAUCONNIER, 1994, 1997; GEERAERTS,
1995, 2006), enquanto área de estudos que se associa a outras áreas de estudos para
compreender os processamentos cognitivos que envolvem a linguagem numa visão não-
modular da mente, parece ser o campo dentre aqueles da Linguística que melhor daria conta
desta tarefa. Em especial, a teoria dos espaços mentais (FAUCONNIER, 1994) e o processo de
mesclagem (FAUCONNIER, 1997) parecem melhor explicar os processos cognitivos
desencadeado pelos jogos de vídeo game de RPG para a compreensão do vocabulário em língua
inglesa pelo jogador e consequente aprendizagem.

Palavras-chave: Linguística cognitiva, aprendizagem de vocabulário, inglês como língua


estrangeira, vídeo games de RPG, mesclagem conceptual.

117
REFERENCIAÇÃO EM REDAÇÕES DO ENEM: UMA PROPOSTA DE REFLEXÃO

Everaldo Lima de Araújo


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A presente proposta de pesquisa, inserida nos estudos sócio-cognitivistas da Linguística,


tem por objetivo investigar as formas de referenciação em redações do ENEM, revelando suas
estratégias, funções e particularidades. Diante desse propósito, estabelecemos como problema
a seguinte questão, que norteará a proposta: como se dão as formas de referenciação utilizadas
em redações do ENEM? Para se alcançar o objetivo, visando à busca por elucidação de resposta
à pergunta-problema, utilizaremos como corpus da pesquisa 100 (cem) redações do ENEM,
produzidas entre os anos de 2016 a 2018, que tenham obtido nota de excelência (entre 900 e
1000). Para balizar nossas reflexões teórico-metodológicas, que jogarão luzes na análise a ser
realizada, apoiar-nos-emos na teoria da referenciação (MONDADA; DUBOIS, 2003) e na do
contexto (VAN DIJK, 2012). Esta proposta de pesquisa se pauta numa abordagem qualitativa,
pois, dado o objeto a ser investigado e o objetivo proposto, acreditamos que os postulados dessa
abordagem possam revelar reflexões pertinentes. Além disso, uma análise descritivo-
interpretativa será necessária para alcançarmos os objetivos propostos. A partir do proposto por
Chizzotti (1991), a pesquisa qualitativa proposta se organizará em três etapas. Primeiramente,
apresentaremos a determinação da pesquisa, quando cuidaremos de questões primárias para a
realização da análise em si. Nesse momento, delinearemos os objetivos do estudo, realizaremos
reflexão teórica que dará suporte à pesquisa (por meio de leituras e escrita), constituiremos o
corpus e indicaremos os problemas e necessidades prioritárias para execução da proposta.
Numa segunda fase, apoiar-nos-emos na definição da pesquisa. Nessa etapa, realizaremos a
coleta de dados, quando analisaremos as redações. Esses dados serão organizados em três
categorias de análise que nos permitirão refletir o fenômeno da referenciação, a saber: a)
estratégias anafóricas recorrentes na construção da tessitura da redação, quando observaremos
os tipos e contextos de realização das mesmas; b) funções discursivas que a referenciação
desempenha nessas redações; c) particularidades que podem ser observadas no tocante à
referenciação nas redações, reveladoras de traços que colaboram para a qualidade delas. Esses
dados poderão ser organizados em planilhas que quantifiquem os fenômenos ocorridos a fim de
vislumbrar as recorrências. Sabemos que não se trata de uma

118
pesquisa quantitativa, mas acreditamos que essa opção servirá como mero meio de apoio para
atentar a fenômenos que podem se destacar e, portanto, merecedores de uma análise mais
detalhada. Os dados também serão dispostos em um banco de dados que dará suporte durante a
escrita da análise propriamente dita. Por fim, a terceira fase, que enfoca a estratégia de ação,
pois dedica espaço para as ações de análise. Nesse momento, operaremos estratégias de ação
com o intuito de responder os problemas propostos inicialmente. Para tanto, utilizaremos
dispositivos e técnicas de discussão, calcados no modelo descritivo-interpretativo a partir dos
dados coletados na etapa anterior.

Palavras-chave: Redação. Referenciação. ENEM.

119
PARTICULARIDADES DO PORTUGUÊS DO BRASIL: NOTÍCIAS DA
CONCORDÂNCIA VERBAL

Felipe de Andrade Constancio


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Em linhas gerais, o posicionamento de que o verbo deve concordar com o núcleo do SN


– sujeito está, geralmente, nas gramáticas de vertente tradicional ou normativa, o que,
obviamente, não impede a existência de obras que defendam as duas concordâncias, como no
caso de Bechara (2009). Já o posicionamento de que, no Português Brasileiro, doravante PB,
há um processo de concordância por atratividade está representado em gramáticas e obras mais
recentes, que tentam dar conta de um corpus variado (cujo material de análise provém tanto da
língua escrita quanto da língua falada), como no caso de Castilho (2012), Duarte (2012) e Vieira
(2012). Posicionamento recente, mas distinto, é o de Azeredo (2011), para quem a concordância
ainda manifesta-se, prototipicamente, com o núcleo do SN, mesmo em sujeito de expressão
partitiva representado em corpus escrito contemporâneo. Para a elaboração deste trabalho,
percorremos a seguinte trajetória: a) revisitamos a tradição gramatical para observar este tipo
de concordância; b) cotejamos os dados da tradição com as gramáticas do PB falado; c)
analisamos nos artigos de opinião a manifestação linguística em pauta. Para além das
divergências ou embates de posicionamentos das diferentes teorias gramaticais, a sugestão de
um trabalho desta natureza contribui para os seguintes propósitos:
i) o estudo da concordância verbal torna-se atemporal, na medida em que serve de matéria
descritiva às muitas gerações de gramáticos e de linguistas preocupados com a descrição deste
tópico gramatical; ii) a contribuição descritiva de um trabalho que busca mapear a concordância
verbal em textos opinativos escritos e contemporâneos motiva a ideia de que o exercício de
análise da estrutura da língua pode ser feito nos usos linguísticos atuais. O mapeamento de
orações organizadas a partir da estruturação SN com expressão de valor partitivo + verbo sugere
este encaminhamento: na grande maioria das ocorrências, o que se verificou foi a concordância
por atratividade, o que confirma, portanto, a noção de que, até mesmo em textos com alto índice
de monitoramento, a concordância canônica (com o núcleo do SN) perde-se. A contribuição
deste trabalho confirma o interesse de muitos linguistas pela descrição de um português do
Brasil, cujas especificidades têm demonstrado a emergência de

120
uma norma culta, evidente na fala e na escrita de usuários da língua que estão nos centros
urbanos, têm formação superior e, cada vez mais, convergem esforços para que haja um
continuum entre fala e escrita. Nesta direção metodológica, caminham várias obras de cunho
gramatical que têm investido, pelo menos nos último 20 anos, em uma descrição cujo resultado
não é mais a língua recortada e sem dinamicidade. As gramáticas recentes têm explorado a
descrição do PB por via dos usos, sejam eles falados ou escritos, e essa normalidade no trato
dos registros ganha, por conseguinte, o espaço nas gramáticas mais recentes dessa língua, com
particularidades, falada/escrita no Brasil.

Palavras-chave: concordância, gramática, escrita.

121
O USO EXPRESSIVO DA PONTUAÇÃO NO LIVRO MUITO MAIS QUE 5INCO
MINUTOS

Leda Marina Borgese d’Aguila


UERJ – Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

O que torna um livro interessante para os jovens? Seria mesmo verdade o que se cansam
de afirmar os pessimistas: que esta é uma geração que não lê? Uma atividade em sala de aula
foi o impulso necessário para buscar, finalmente, uma resposta a tais questionamentos. Cada
aluno deveria escolher para ler o livro que quisesse e seria responsável por, ao final, apresentá-
lo para a turma e indicar ou não aquela leitura para os colegas. Duas alunas leram “Muito mais
que 5inco minutos”, da youtuber Kéfera Buchmann, e o indicaram para a leitura de outros
colegas. Os livros circularam e, em menos de um mês, foram lidos por outras sete pessoas que
se divertiram com as histórias da autora. Cabe aqui uma ressalva: este foi o livro mais vendido
na Bienal do Livro de 2015, que aconteceu no Rio de Janeiro. Outro dado curioso é que os livros
infanto-juvenis que circulam na lista dos mais vendidos nos últimos tempos são de youtubers –
jovens que, como a autora já citada, fazem sucesso desenvolvendo vídeos sobre variados temas
e divulgando-os na internet. Percebendo tal tendência, propusemo-nos a tarefa de “mapear” as
características que pudessem ser consideradas o atrativo deste texto especificamente e, ao
analisar a linguagem utilizada, deparamo-nos com um uso bastante pessoal da pontuação. É
aqui que nos deteremos. Segundo CUNHA E CINTRA (2007) a importância da pontuação é
“reconstruir aproximadamente o movimento vivo da elocução oral” (p. 657), em outras
palavras, é transpor para a escrita aquilo que na fala é natural. Nesse sentido, o estudo do texto
de Kéfera Buchmann é extremamente produtivo, pois, muito além da linguagem coloquial –
cujo uso foi, por instinto, nosso primeiro objeto de estudo –, a utilização pouco convencional
dos sinais de pontuação dá ao livro um ar de diálogo constante com o leitor. Uma atividade
simples, pensada para desenvolver as capacidades leitora e argumentativa de alunos do 8º ano
do ensino fundamental, demonstrou algo que já sabíamos, mas para o qual nem sempre
atentamos: no estudo/ensino da língua, todos os detalhes devem ser vistos como importantes.
Este trabalho pretende, à luz de teóricos da estilística, como Nilce Sant’anna e Joaquim Mattoso
Câmara Jr
– com sua Contribuição à Estilística Portuguesa –, e da produção textual (em especial os

122
professores Evanildo Bechara, Othon Moacyr Garcia e Celso Cunha), analisar estilisticamente
o uso que se faz da pontuação no livro “Muito mais que 5inco minutos” para, talvez, entender
o porquê de tamanho sucesso entre os jovens. É importante esclarecer que, em momento algum
pretendemos valorar o texto, muito menos questionar sua adequação ou não como obra literária;
temos um livro que, independente do gosto particular de cada um de nós, foi inegavelmente um
dos mais lidos nos dois últimos anos por jovens de todo Brasil – dando à autora não apenas
notoriedade entre esse público, como também fôlego para escrever outros dois livros. Esse fato
é o que pretendemos explorar e, na medida do possível, explicar.

Palavras-chave: Estilística. Pontuação. Leitura. Literatura Infanto-juvenil. Ensino.

123
A CONSTRUÇÃO “ACONTECE QUE” E A MUDANÇA LINGUÍSTICA

Karina da Silva Corrêa


UFF – Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem

RESUMO

O presente trabalho tem o objetivo de investigar o fenômeno da mudança linguística na


construção “acontece que”. Com base na linguística funcionalista, utilizamos os pressupostos
teóricos da mudança linguística (MARTELOTTA, 2011; BYBEE, 2015), da gramaticalização
(MARTELOTTA, 1996; BYBEE, 2003, 2015; HEINE, 2003) e dos contextos de mudança
(HEINE, 2002). O funcionalismo é uma teoria linguística que, além de estudar aspectos
estruturais e formais da linguagem, tem como objetivo principal observar o funcionamento da
linguagem através de uma situação real de comunicação e leva em consideração fatores
linguísticos, ou seja, inerentes à língua, e os fatores extralinguísticas, as quais fazem parte o
contexto de comunicação de cada situação de interação, os papéis dos interlocutores, as
estratégias de comunicação e a intenção do usuário da língua ao se comunicar. Pesquisas
relacionadas à mudança linguística estão aumentando dentro da linguística funcionalista, teoria
a qual estuda a língua a partir de seu uso concreto, observa aspectos linguístico, extralinguísticos
e analisa os contextos em que os itens linguísticos são utilizados em situações reais de
comunicação. A mudança é inerente à língua uma vez que a língua não é rígida, mas está em
constante evolução e sofre mudanças gradualmente, com o passar do tempo. Martelotta (2011)
aponta que as línguas são mutáveis, essencialmente dinâmicas por natureza e que as mesmas
funcionam através e pela mudança. Segundo Bybee (2015), a língua é uma ferramenta social e
mutável e através dela é possível entender sua estrutura e sua forma. Mais que isso, a mudança
criou a língua do passado e cria a língua do presente. Assim, estudar as mudanças linguísticas
nos ajuda a identificar os fatores que a criam e a compreender como se dá o processo de sua
evolução. Buscamos identificar o processo de gramaticalização sofrido por tal construção, de
oração matriz à operador argumentativo, e analisar suas micromudanças de uso através dos
contextos de mudança propostos por Heine (2002): contexto inicial, contexto ponte, contexto
de mudança e convencionalização. A pesquisa se dá numa perspectiva pancrônica, com o
objetivo de verificar dados históricos do século XIV ao século XX para observar os micropassos
da mudança linguística, e verificar o uso da construção em análise na contemporaneidade
como

124
operador argumentativo. Utilizamos o método misto a fim de avaliar qualitativa e
quantitativamente os dados coletados, visto que observamos e analisamos os contextos de uso
do objeto desta pesquisa e buscamos atestar seu uso a partir de dados estatísticos, além de
verificar sua frequência. O corpus do trabalho é composto por textos da modalidade escrita,
formal e informal, coletados dos bancos de dados históricos CIPM, PHPB, Domínio Público e
Corpus do Português e do banco de dados contemporâneo do Corpus do Português. Com esta
pesquisa, pretendemos contribuir com os estudos de mudança linguística, reforçar os princípios
de que a mudança é inerente à língua e de que a mudança ocorre no uso, e evidenciar a
importância dos contextos nos estudos funcionalistas. O presente trabalho está em andamento,
em fase inicial de desenvolvimento e, por isso, não apresenta resultados de pesquisa.

Palavras-chave: construção; mudança linguística; funcionalismo.

125
INTERNACIONALIZAÇÃO E ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: O PULE
COMO AÇÃO DE POLÍTICA LINGUÍSTICA

Camila Souza de Andrade


UFF/CAPES
RESUMO

Os efeitos da globalização iniciada no último terço do século XX exerceram grande impacto


nas relações econômicas e sociais, na difusão do conhecimento e no aumento do contato entre
línguas e culturas envolvendo sujeitos de diferentes partes do mundo. Nesse processo, no qual
a comunicação passou a ser um dos pontos centrais tornando-se assim, uma necessidade ainda
mais evidente, a fim de se estabelecer uma interação, virtual ou presencial, além das fronteiras.
O domínio de pelo menos uma língua estrangeira, além de sua língua materna, tornou-se uma
necessidade para profissionais de diversas áreas, bem como para estudantes em formação. No
Brasil, as políticas linguísticas reconhecem a importância do aprendizado de língua estrangeira
e asseguram que durante a educação básica os estudantes tenham acesso ao ensino de línguas.
Entretanto, apesar das políticas linguísticas garantirem o ensino de línguas na educação básica
o mesmo nem sempre ocorre de maneira eficaz em razão de uma combinação de fatores, entre
eles: carga horária reduzida, pouca exposição à língua estrangeira e ausência de infraestrutura
adequada para o ensino de línguas (PEREIRA, 2006). Diante do déficit do ensino de línguas
estrangeiras na educação básica, o estudante, por muitas vezes, ingressa na universidade sem
ter competência comunicativa em língua estrangeira. Esse fato, associado aos desafios da
internacionalização da universidade, demandam a elaboração de ações de políticas linguísticas
universitárias que atendam as diferentes necessidades de uso linguístico da instituição. Ciente
dessa necessidade, a Universidade Federal Fluminense (UFF) implementou uma ação de
política linguística para a promoção do ensino de línguas estrangeiras como forma de favorecer
a inserção internacional da universidade, através do ensino de diferentes línguas. O Programa
de Universalização de Línguas Estrangeiras (PULE) foi criado em 2012 com o propósito de
proporcionar o ensino de línguas aos alunos da UFF. O PULE oferta aula de alemão, espanhol,
francês, inglês, italiano, rumo e chinês (em parceria com o Instituto Confúcio), na sede UFF
Niterói, e nos campi do interior (Rio das Ostras, Volta Redonda, Campos dos Goytacazes e
Macaé) é ofertado o curso de língua inglesa. O objetivo desse trabalho é apresentar o PULE
como uma

126
ação de política linguística universitária no âmbito do processo de internacionalização do ensino
superior. Para isso, nos amparamos nos conceitos de política linguística (CALVET, 2007;
COOPER, 1997; GRIN, 2002), internacionalização (KNIGHT, 2002) e competência
comunicativa (HYMES, 1972). Cabe aqui destacar que, o presente estudo insere-se na Linha 3:
História, política e contato linguístico, do Programa de Pós-Graduação em Estudos de
Linguagem da Universidade Federal Fluminense, tendo em vista que a presente pesquisa
considera os estudos sobre políticas linguísticas e ensino de línguas.

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, internacionalização, políticas


linguísticas.

127
AVALIAÇÃO EXPERIMENTAL DE APRENDIZAGEM LEXICAL E
COMPREENSÃO SINTÁTICA NA AQUISIÇÃO DE SEGUNDA LÍNGUA

Cláudio Ricardo Corrêa


UERJ – Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Letras

RESUMO

Esta comunicação tem como objetivo divulgar os resultados de um experimento que


avaliou, parcialmente, os aspectos lexicais e sintáticos na aquisição de segunda língua referente
a uma pesquisa que investiga se é possível aprender uma segunda língua por meio da educação
online aberta, tendo como apoio o uso das tecnologias facilitadores de acesso à internet. O
referido experimento mensurou esses aspectos na competência linguística dos participantes da
pesquisa com a utilização de um software (Paradigm) apropriado para a devida aferição.
Aproveitou-se a oportunidade de estudo de aquisição de linguagem também para a criação de
um piloto, que serviu de avaliação parcial da dissertação de Mestrado cujo título é:
Aprendizagem de segunda língua por meio da educação online aberta. O objetivo do
experimento foi mensurar se houve avanço na aprendizagem da língua-alvo, levando-se em
conta, é claro, o intervalo de tempo disponível para esta pesquisa. A partir dessa aferição
avaliou-se, por exemplo, o tempo de reação em relação ao reconhecimento do léxico da língua-
alvo (pois o software utilizado pode alcançar alto grau de precisão) e se os participantes
conseguiram perceber as diferenças sintáticas entre a língua materna e a língua- alvo. A
tabulação dos dados parciais permitiu avaliar os tipos de “acertos” e “erros”, indicando um
caminho na aprendizagem. Uma análise mais cuidadosa permitiu ainda a avaliação de outras
características como o que foi feito além do Duolingo; exposição à língua- alvo; dispositivos
utilizados; a pressão do tempo limite; léxico; sintaxe; estratégias de aprendizagem; autonomia
etc. PESQUISA: Na pesquisa que deu origem a essa comunicação, os participantes foram
submetidos ao mesmo curso/aplicativo/site. O curso-base escolhido foi o Duolingo, por atender
ao critério de ser gratuito em todas as fases e ser um dos mais utilizados no mundo, com milhões
de usuários; acessível em várias plataformas/dispositivos; tempo de existência; ampla oferta de
idiomas; interface acessível; popularidade; facilidade de uso; abordagem das quatro habilidades
básicas (ler, escrever, ouvir e falar) e estrutura similar a jogos (games). O Duolingo ao utilizar
uma estratégia de abordagem de games, traz vários aspectos motivadores comuns aos jogos,
provocando com isso uma competição sadia por

128
meio da interação entre os grupos. Os participantes sabem do desempenho dos outros e são
instigados a acompanharem ou tentarem ultrapassar os colegas e, para isso, recebem mensagens
motivacionais que os estimulam a melhorar o próprio desempenho em comparação com os
demais companheiros de aprendizagem. Estão sendo investigadas as vantagens/desvantagens
que as atuais tecnologias de acesso a internet propiciam (notebooks, tablets, desktops,
smartphones, smart TVs, e-readers, etc.) como facilitadores da educação online aberta. Visto
que estas tecnologias permitem uma maior interatividade e autonomia – o aluno pode carregar
com ele a sala de aula e o professor para todo lugar. Essas tecnologias podem levar a educação
até o aprendiz, na medida em que não se restringem aos limites de espaço e tempo comuns ao
ambiente escolar tradicional.

Palavras-chave: Competência lexical. Educação online aberta. Aquisição de segunda língua.


Gamificação do ensino. Tecnologia de acesso à internet. Experimento

129
2

130
O TRATAMENTO DE ERROS ORAIS EM AULAS DE INGLÊS COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA

Flávia Elisa Cardoso de Souza


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O tratamento de erros tem sido um tema amplamente discutido e analisado nos últimos
anos e sua eficácia tem sido testada em diferentes contextos de ensino e aprendizagem de inglês
como segunda língua (L2). A decisão de ‘quando’, ‘como’ e ‘quem’ deve fazer a correção tem
sido estudada por um número crescente de linguistas (Allwright & Balley, 1991; Chaudron,
1977, 1988; Long, 2000; DeKeyser, 1993). Esses estudos têm mostrado que os professores não
lidam com todos os tipos de erros que seus alunos cometem e que, embora esses professores
tenham uma grande variedade de técnicas de correção, eles simplesmente não usam todas elas,
ou tendem a focar em somente uma alternativa para corrigir seus alunos. De acordo com
Littlewood (1981), um fator importante para determinar o foco do aprendiz na forma linguística
e no significado seria a natureza do feedback recebido. Desta forma, o feedback corretivo ajuda
o aprendiz a perceber a lacuna existente entre sua própria produção e uma produção
gramaticalmente correta (feedback em relação à forma) ou pode servir como uma maneira de
mostrar ao aprendiz que sua mensagem não foi entendida (feedback em relação ao significado).
É, portanto, função do professor fornecer dados e exemplos e, quando necessário, corrigir a
produção do aluno. A correção de erros é um elemento necessário em uma aula de L2, pois,
caso não haja correção, os erros cometidos pelo aprendiz podem ser fossilizados, o que
impediria o desenvolvimento da L2. Ainda assim, por diversas vezes, ao longo de minha
carreira no magistério de inglês como língua estrangeira (ILE), pude perceber que nem sempre
os alunos se beneficiavam com a forma de correção que recebiam em diferentes contextos de
sala de aula. Por isso, após algumas leituras teóricas sobre o assunto (Bargiela, 2003; Carroll &
Swain, 1993; Cunha & Lima, 2002; Lyster & Ranta, 1997), acabei me interessando em
pesquisar o tratamento dos erros orais em salas de aula de ILE. Com isso, a pesquisa que se
pretende apresentar aqui tem como objetivo principal analisar como se dá o processo de
correção no momento do erro produzido pelo aluno em um contexto de sala de aula ILE. Para
isso, serão gravadas 4 aulas de ILE que utilizem a abordagem comunicativa com dois
professores diferentes – sendo 2 aulas de cada professor. Para que se possa fazer

131
uma melhor comparação dos resultados, as aulas a serem gravadas devem ser de níveis similares
e com alunos na mesma faixa etária - adultos. Em seguida será aplicado um questionário após
as aulas aos professores envolvidos. O objetivo do questionário será investigar se os professores
tem consciência da escolha que fazem ao corrigir seus alunos, isto é, se utilizam as estratégias
que dizem que utilizam. Após todo o levantamento dos dados, as interações contendo erros
serão identificadas e analisadas de acordo com o modelo de Lyster & Ranta (1997). Além disso,
será também analisada a percepção e consequente correção ou não por parte do aluno através
de suas reações obtidas nas gravações das aulas. Ou seja, será analisada a relação entre o tipo
de feedback utilizado pelo professor e a correção por parte do aluno, isto é, tentará se mostrar
qual tipo de feedback utilizado pelo professor gerou uma maior percepção e consequente
correção do erro por parte do aluno. Tal pesquisa encontra-se em fase de levantamento da
fundamentação teórica.

Palavras-chave: Tratamento de Erros. Aquisição de L2. Instrução Focada na Forma.

132
REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA DOCENTE NO DESENVOLVIMENTO DA
PRODUÇÃO ORAL EM FRANCÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Priscila Rodrigues Cardoso Fonseca


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

Este trabalho tem a finalidade de discutir o desenvolvimento da aquisição da Produção


Oral (PO) com foco no processo de formação de professores e na prática de docentes de
Francês como Língua Estrangeira (FLE) de instituições privadas de ensino de idiomas do
Estado do Rio de Janeiro. O estudo nasceu da necessidade de olhar e focalizar o professor de
língua estrangeira (LE) como aprendiz (FREIRE; VYGOSTSKY) em constante formação.
Sabe-se, consequentemente, que todo docente já foi, e continuam sendo, aluno, e que também
já experienciou o processo de aquisição de uma L.E.; todavia, percebe-se que, além dos
fatores didáticos – como a escolha da metodologia, dos objetivos do curso, entre outros – há
uma forte presença de fatores psicológicos e de formação acadêmica enquanto elementos
dificultadores do ensino da produção oral. Ao tratar da competência de PO no ensino-
aprendizagem da Língua Francesa, muito se discutia sobre o foco no aluno. Entretanto, ao
professor, parte fundamental deste processo não era dada muita atenção, por considerar que
este já possui “consolidada” tal competência, esquecendo que o docente, tem de se formar
continuamente, sendo ele também um aluno. O professor é aquele que já ocupou – e o bom
docente continua ocupando sempre – a cadeira de aluno; é aquele que se interessa em
melhorar sua performance a partir de suas experiências como tal e, principalmente como
aluno; poucas são as profissões que permitem essa dupla função/ reflexão. Para tal intento,
utiliza-se a metodologia da pesquisa-ação, na medida em que esta tem como objetivo oferecer
dispositivos aos professores que os faça repensar sua prática docente, para assim aprimorá-la.
Ademais, há o intuito de identificar e estruturar as estratégias de aprendizagem que dificultam
ou facilitam o percurso de formação, aquisição e trabalho da interação verbal dos professores
de FLE, tendo como fontes teóricas a Linguística Aplicada, o Sociointeracionismo e a análise
da competência de produção oral no ensino de LE. Pretende-se, ainda, abordar as seguintes
questões: a formação de professores de língua estrangeira focalizando o docente de língua
francesa, bem como o papel da pesquisa e da interação na formação destes professores. A
etapa de coleta de dados deu-se, primeiramente, mediante questionários de múltipla escolha,
na forma de projeto piloto. Posteriormente, como instrumento de pesquisa de maior
relevância, foi feita a aplicação de entrevistas semiestruturadas. A investigação de cunho

133
qualitativo tem como norte responder a seguinte questão lançar um olhar sobre os principais
pontos ligados à formação do professor de FLE. Para tanto, pretende-se responder às questões:
quais são os principais fatores ligados à aquisição da P.O. por parte dos educadores? E seus
desdobramentos: Qual é o papel da Universidade na sua formação? Como é processada a
aprendizagem da L.E. no professor? Como esse processo influencia na sua prática? Logo,
pesquisar com foco nos docentes, abre caminhos para entender a qualidade e os problemas que
envolvem o ensino de FLE nas salas de aula, possibilitando retornar à raiz do processo, a
formação docente.

Palavras-chave: aquisição; formação docente; FLE; produção oral.

1
ESTATUTO DO ENUNCIADOR E DO COENUNCIADOR NUM LIVRO DIDÁTICO
DE ESPANHOL PARA CRIANÇAS

Rodrigo da Silva Campos


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Nossa comunicação tem como objetivo apresentar uma análise da coleção didática de
espanhol para crianças Nuevo Recreo, da editora Santillana. Tal análise foi uma das atividades
desenvolvidas no projeto de Iniciação à Docência que coordenamos, intitulado “O espanhol
como língua estrangeira (E/LE) nas séries iniciais do Ensino Fundamental: uma nova
perspectiva na formação docente”, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), cuja
proposta consiste na implantação de uma oficina de espanhol para crianças no CAp-UERJ.
Além disso, também consiste num recorte de nossa pesquisa de doutorado. O livro didático
(LD) em questão foi analisado com o objetivo de se verificar de que maneira se dão as relações
entre os diversos enunciadores e coenunciadores que se apresentam ao longo do material e
como, de certa forma, tal constituição de determinados pares interlocutivos contribuem para a
construção de imagens de aluno e de criança no processo de ensino-aprendizagem de língua
espanhola. Ao pensar a produção de sentidos por meio de enunciados no contexto da Análise
do Discurso, partimos do pressuposto de que todo ato enunciativo pressupõe a presença de um
coenunciador, isto é, de um par interlocutivo. Maingueneau (2004; 2008) salienta que a
enunciação, mesmo aquela produzida sem a presença de uma entidade empírica, mesmo aquela
supostamente monológica, já inscreve um outro, o que caracterizaria uma interatividade
constitutiva do plano enunciativo. Partindo-se dessa ideia, enfocamos um dos tópicos elencados
por Maingueneau como constitutivo da Semântica Global: o estatuto do enunciador e do
coenunciador. Interessa-nos esse tópico para pensar, no que tange ao LD de língua espanhola
para crianças em questão, as relações que se estabelecem ao longo da coleção didática entre as
diferentes instâncias enunciativas. Para efetuarmos tal análise, também propusemos um diálogo
com a noção de “quarta parede”, advinda dos estudos relacionados às Artes Cênicas. Foram
observados quatro estatutos de relação entre os coenunciadores ao longo da análise: a. um
supraenunciador que enuncia para o coenunciador-aluno; b. um enunciador-personagem que
enuncia para outro enunciador-personagem, o que chamamos aqui de manutenção da “quarta
parede”; c. um enunciador-personagem que enuncia para o coenunciador-aluno, o que

2
denominamos aqui de quebra da “quarta parede” e d. um enunciador inanimado que enuncia
para o coenunciador-aluno, por meio do gênero adivinha. Concluimos que nos estatutos “a” e
“b”, a imagem discursiva de aluno é construída a partir de uma posição passiva, como se esse
fosse um mero executor de tarefas, numa lógica mecanicista, ou como um observador, que não
interage com o material em questão. Nos estatutos “c” e “d”, essa imagem discursiva de aluno
se desloca, pois o aluno é convocado a interagir, a tomar a palavra e também a (co)enunciar.

Palavras-chave: Ensino de espanhol para crianças. Livro didático. Semântica global.


Enunciador.

3
A DAMSEL IN DISTRESS NO GÓTICO FEMININO DE ANN RADCLIFFE E ANA
LÚISA DE AZEVEDO CASTRO

Ana Paula Araujo dos Santos


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Desde a origem do Gótico literário, na Inglaterra do século XVIII, é possível notar uma
vertente particular dessa ficção: o Gótico feminino, desenvolvido por escritoras como Clara
Reeve, Funny Burney, Charlotte Smith, Ann Radcliffe, Regina Maria Roche e Eliza Parsons –
romancistas ajudaram a consolidar e a popularizar as convenções góticas no mercado literário
da época. Recentemente, essa vertente vem ganhando cada vez mais atenção dos estudos
literários, que principiaram a analisar as obras góticas de autoria feminina de forma separada às
de autoria masculina. Como resultado desses estudos, foi possível compreender mais
profundamente as mudanças operadas pela escrita feminina no Gótico literário. Seu maior
diferencial é a adoção de uma perspectiva aliada aos interesses da mulher, que tornou possível
às narrativas explorarem horrores específicos do universo feminino, tais como a opressão e o
confinamento da mulher no âmbito doméstico e os abusos físicos e/ou psicológicos sofridos por
elas em uma sociedade dominada por figuras patriarcais opressoras. Na esteira desses trabalhos,
procuro compreender mais profundamente a vertente feminina do Gótico por meio de suas
características formais e conteudísticas. Para tal feito, proponho o estudo de uma das principais
temáticas exploradas pelas escritoras góticas: os sofrimentos da damsel in distress – isto é, da
“donzela em perigo”. Afinal, as obras integrantes dessa vertente possuem enredos que retratam
a perseguição empreendida por vilões cruéis, abusivos e transgressores às jovens e inocentes
heroínas góticas. Como demonstração desse tópos no Gótico feminino, proponho um estudo
comparativo entre duas obras: A Sicilian Romance (1790), da escritora inglesa Ann Radcliffe,
e D. Narcisa de Villar (1859), da brasileira Ana Luísa de Azevedo Castro. Apesar de afastados
histórica e geograficamente, ambos os romances possuem inegáveis semelhanças: suas
respectivas protagonistas serão obrigadas a enfrentar a autoridade de seus familiares para fugir
do casamento imposto por eles. Julia Mazzini, a heroína do romance radcliffeano, foge da casa
paterna para evitar o casamento com o infame Duque de Luovo. Da mesma forma, a heroína
de Castro, Narcisa de Villar, recusa-se a tornar-se esposa do cruel Coronel Pedro Paulo, um
noivo arranjado pelos seus

4
tirânicos irmãos, D. Martim, D. José e D. Luís de Villar. A fuga das personagens de Radcliffe
e de Castro levam-nas a enfrentar inúmeras adversidades e perigos ao longo do enredo. Minha
hipótese é a de que a análise comparativa entre essas duas obras integrantes da tradição do
Gótico feminino permita analisar o modo como suas autoras utilizaram a poética gótica para
arquitetar narrativas que uniram a produção de medo como efeito de recepção à denúncia dos
horrores aos quais as mulheres estão sujeitas em sociedade.

Palavras-chave: Narrativa. Ficção. Gótico. Ann Radcliffe. Ana Luísa de Azevedo Castro.

5
RELAÇÕES ENTRE HORROR E CIÊNCIA EM “OS MIOLOS DO AMIGO”, DE
CARLOS DE VASCONCELOS

Marina Sena
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O diálogo entre a ciência e a tradição gótica tem sido estudado por diversos
pesquisadores como Fred Botting, David Punter e Jason Colavito. Tais estudiosos costumam
partir das evidências de que diversas obras, desde Frankenstein (1818), de Mary Shelley,
abordaram as consequências negativas dos avanços científicos e tecnológicos sobre o homem.
O século XIX foi especialmente profícuo nesta literatura, gerando grandes obras da literatura
gótica, como O médico e monstro (1886), de Robert Louis Stevenson; A ilha do Dr. Moreau
(1896), de H. G. Wells, e Drácula (1897), de Bram Stoker. No Brasil, este tipo de ficção também
tem início no século XIX e se estende, pelo menos, até meados do século XX, como a presente
pesquisa vem observando. Ela se concretiza, principalmente, na forma de conto, em obras como
“Palestra a horas mortas” (1900), de Medeiros e Albuquerque, que narra a história de um jovem
médico que se apaixona por uma moça tuberculosa e, depois de analisar microscopicamente os
bacilos da doença, bebe o sangue da amada; “G.C.P.A.” (1920), de Gastão Cruls, em que um
enfermeiro doente é internado no próprio hospital onde trabalha e, quando descobre que possui
uma doença incurável, decide fugir do hospital para evitar a autópsia de seu corpo; e “Morfina”
(1932), de Humberto de Campos, em que uma mulher, esposa de um médico, vicia-se na droga
que dá nome ao conto, trai o marido com outro médico, e mata o filho em um acesso de loucura.
Essa literatura concretiza-se, no plano diegético, na relação da ciência com atos transgressivos
e na figuração de personagens médicos, estudantes e cientistas que possuem uma visão bastante
sombria da Biologia e da Medicina. Além disso, é possível notar a peculiaridade da escolha
vocabular, que combina termos tétricos e termos próprios do discurso científico da época.
Nessas narrativas, a fronteira entre o científico e o pseudocientífico não é clara: a frenologia, o
mesmerismo e até mesmo o espiritismo, o ocultismo e a alquimia podem coexistir nas tramas.
Observa-se também a exploração de teorias do campo das ciências naturais nas ciências sociais
– como, por exemplo, o darwinismo social de Herbert Spencer. Para os fins deste trabalho,
proponho demonstrar de que forma o conhecimento e o pseudoconhecimento relacionado ao
campo da medicina são utilizados, no

6
conto “Os miolos do amigo” (1922), de Carlos de Vasconcelos, para narrar atos transgressivos
e descrever cenas de horror. O conto narra a história de dois amigos médicos, que se conhecem
desde a infância. Por uma fatalidade, um deles morre e o outro guarda em um pote os miolos
do cérebro de seu companheiro morto. Por um engano da criada, os miolos são cozidos e,
depois, comidos pelo médico que sobreviveu e por sua família. Para tal análise, serão utilizados
teóricos do Gótico e do Horror, já mencionados anteriormente.

Palavras-chave: Literatura gótica. Ciência. Literatura brasileira.

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O SADISMO DO LEITOR EM OS 120 DIAS DE SODOMA

Nicole Ayres Luz


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Em 1785, o polêmico Marquês de Sade publicou Os 120 dias de Sodoma, considerada


sua obra mais emblemática. O romance, perdido por Sade e reencontrado apenas em 1904, foi
publicado integralmente nos anos 1930, mas ficou sob censura até os anos 1970 na França. Em
seu enredo, quatro libertinos aristocratas – o Duque de Blangis, o Bispo de..., o Presidente de
Curval e Durcet – arquitetam o projeto de manter, durante quatro meses, oito meninos e oito
meninas confinados no castelo de Silling, em uma região isolada na Suíça, para a realização das
mais diversas práticas luxuriosas e cruéis. Para tal, contam com o auxílio de quatro narradoras,
ex-prostitutas experientes na libertinagem, quatro “fodedores”, rapazes jovens e vigorosos,
sempre prontos para o exercício da libidinagem, e quatro criadas, mulheres velhas, sujas e
criminosas, responsáveis por vigiar as vítimas. Os libertinos estabelecem regras de conduta e
horários para as rotinas, que devem ser respeitado sob risco de punição. A cada noite, todos se
reúnem no salão para ouvir os relatos das narradoras, que citam os diferentes tipos de “paixão”
– práticas que excitam os libertinos, que vão da masturbação ao assassinato, passando pela
necrofilia, zoofilia, adultério, incesto e tortura. Cada uma é responsável pela modalidade do
mês; assim, começa-se pelas paixões simples, ou de primeira classe, na qual são expostas
relações entre um homem e uma mulher, passa-se às paixões duplas, que envolvem práticas
entre um homem e várias mulheres, seguidas das paixões criminosas, que incluem ações não
apenas condenáveis do ponto de vista moral, mas também sob o viés legal, e, finalmente, as
paixões assassinas, onde o resultado final é sempre a morte das vítimas. O sadismo exercido
pelos libertinos de Os 120 dias de Sodoma pode ser considerado como um tipo de
monstruosidade. Por tratar-se de monstros humanos, sua letalidade situa-se sobretudo no plano
moral. A figura do monstro na literatura permite representar o conceito abstrato de mal. O
monstro se insere em determinadas época e cultura, revelando os medos, anseios e fantasias de
uma sociedade. Eles servem de alerta para os riscos da ultrapassagem de fronteiras, delimitadas
pelas regras de convenção social. Os libertinos sadianos expõem a tirania exercida pela antiga
aristocracia, ao mesmo tempo em que apontam para a crueldade intrínseca à natureza humana
– liberto dos limites morais, o ser

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humano seria capaz de cometer as mais criativas atrocidades. A figura do monstro sádico pode
ser associada ao efeito de medo artístico, próprio das obras de terror e de horror. Por se tratar
de uma experiência que se realiza no plano estético, onde não se correm riscos reais, o leitor
também é capaz de obter prazer enquanto acompanha a narrativa. No caso de Os 120 dias, ele
é levado a um processo de insensibilização: exposto a uma série gradativa de práticas sádicas,
ele deve se manter num estado de indiferença perante o sofrimento das vítimas para conseguir
suportar a leitura até o fim. O leitor acabaria, dessa maneira, colaborando com a construção do
sadismo na obra: ele compactua com os atos cruéis dos libertinos, na medida em que se interessa
pelo desenrolar sangrento e detalhista do enredo, expurgando, assim, o seu próprio sadismo por
meio da literatura.

Palavras-chave: Sadismo. Monstruosidade. Medo artístico.

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GÓTICO INFANTO-JUVENIL EM SÉRIES ROMANESCAS DE J. K.
ROWLING E PEDRO BANDEIRA

Márcio Alessandro de Oliveira


UERJ/FFP/PPLIN – Programa de Pós-Graduação em Letras.

RESUMO

Adotando alguns pressupostos teóricos a partir dos quais deverão ser atingidos os seus
objetivos, esta investigação tenta confirmar algumas hipóteses concernentes ao gótico. Com
base na pós-modernidade e na perspectiva comparatista (literatura comparada), este trabalho
analisa aspectos comuns a Harry Potter (1997-2007), a famosa série da britânica Joanne K.
Rowling (1962), e à série Os Karas, (1984-2014), inaugurada pelo livro A Droga da Obediência
(1984), do brasileiro Pedro Bandeira (1942). A pesquisa estuda as representações da morte.
Esta, apesar de não ser exclusiva do gótico, nele comparece. Uma das propostas é demonstrar
os modos de representação da morte em duas obras pertencentes a dois sistemas literários com
forte apelo de público, o qual, no conceito de sistema simbólico, de Antonio Cândido, é o
comunicando. Uma vez que os leitores são um público de massa, encontra-se nas duas obras
uma característica que as aproxima da estética gótica, já que, segundo Jerrold E. Hogle, a
literatura gótica sempre contou com forte apelo de público de massa. Um dos objetivos do
Cambridge Companion to Gothic Fiction é o de “explicar os motivos pelos quais a persistência
do Gótico atravessa a história moderna e como e por que houve tantas mudanças e variações de
modo curioso por mais de 250 anos” (p. XV). Esse período engloba a modernidade e a pós-
modernidade (esta que é considerada a hipermodernidade por certos teóricos), períodos durante
os quais, de acordo com a hipótese aqui levantada, a literatura infanto-juvenil sofreu certa
quebra de paradigma ou de fórmula por ter consolidado alguns traços góticos. Cogita-se de que
dessa quebra sejam uma prova os romances de Rowling e Bandeira, que quebraram o tabu da
morte. Segundo José Luiz de Sousa Maranhão (1986, p. 10), “a morte [...] é agora o tabu que
violamos”. Diante desse tabu, é necessário propor uma investigação cujo objeto sejam
encenações pós-modernas, nas quais é possível observar a descrença no culto da personalidade
e a figura do herói. Alguns desses pressupostos são encontrados em Voldemort, vilão de Harry
Potter, e no Doutor Q. I., o principal personagem malfeitor de A Droga da Obediência. Além
disso, Rowling, assim como Pedro Bandeira, insere na estrutura de sua prosa um locus horribilis
e temas macabros, como o uso de substâncias medicamentosas nocivas, atentados, casos de

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crimes por solucionar (como os de romances policiais), cadáveres e desobediência, o que, em
resumo, indica que ambas as séries romanescas encenam formas que, para o senso comum, são
de transgressão. Justifica-se a atenção a tais elementos pelo fato de, nas palavras de Marisa
Lajolo, a literatura infantil ter “vocação pedagógica e inevitavelmente conservadora” (Do
mundo da leitura para a leitura do mundo, 2002, p. 69), ao passo que, no dizer de Isabelle Cani,
na literatura para adolescentes de modo geral dá-se a lição moral na forma “dos bons
sentimentos e dos discursos moralizantes que por tanto tempo dominaram a literatura juvenil”
(Harry Potter ou o anti-Peter Pan, 2008, p. 70).

Palavras-chave: Gótico. Harry Potter. Os Karas. Morte. Literatura infanto-juvenil.

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DO DESEJO AO DESPREZO: AS POSSIBILIDADES DO OLHAR DE CARLOS DA
MAIA, EM OS MAIAS

Fernanda de Aquino Araújo Monteiro


UFRJ - Programa de Letras Vernáculas

RESUMO

A trajetória literária de Eça de Queirós é marcada, muitas vezes, pelo seu excesso de
erotismo, que até o leitor mais descompromissado é capaz de observar e se chocar nos dias de
hoje. Em seu primeiro grande romance, O Crime do Padre Amaro (1875), que foi publicado
como parte integrante do seu projeto das “Cenas da Vida Portuguesa”, cuja motivação poética
era traçar uma crítica sobre o clero e o celibato, pretendia discutir a própria condição humana
forçada a ceder pelos poderosos, de uma cidade beata, provinciana e nada pacata de um Portugal
vitoriano, que foi palco para as relações amorosas e sexuais de Amaro e Amélia. Já em O Primo
Basílio, o adultério de Luísa, a “burguesinha da Baixa”, com seu primo no recanto do Paraíso,
foi alvo de inúmeras críticas, como a de Machado de Assis (1878), que defendeu a ideia de
Luísa ser “antes um títere do que uma pessoa moral.” (ASSIS, 1963, p.131). Outro autor, só que
agora português, que criticou as obras de Eça de Queirós foi Camilo Castelo Branco, que ao ver
o furor que os livros realistas causavam aos leitores da época e observando a venda de seus
livros despencarem em Portugal, citou-os em seu prefácio da 5ª edição de Amor de Perdição,
declarando que seus romances poderiam ser lidos pelas senhoras “nas salas, em presença de
suas filhas ou de suas mães, e não precisam de esconder-se com o livro no seu quarto de banho”
(CASTELO BRANCO, 1992, p.21). As obras de Eça de Queirós sofreram severas críticas por
conterem cenas altamente eróticas, mas, como bem defende Eduardo Lourenço, “o erotismo
queirosiano não é a mera mimesis da realidade ou dos ecos da sensualidade”, “seu erotismo é
estrutura, visão de mundo, que conscientemente orienta, determina e embebeda toda a sua
escrita” (LOURENÇO, 1993, p.245). À vista disso, é possível observar em toda narrativa d’Os
Maias que determinados encontros amorosos são predominantemente embebidos pelo poder do
olhar dos apaixonados, principalmente dos homens da família Maia, Pedro e Carlos. O olhar é
poderoso, é capaz de despir, devorar, matar. Como defende Bosi “o olhar não é apenas agudo,
ele é intenso e ardente. O olhar não é só clarividente, é também desejoso, apaixonado” (1993,
p.77). E é pelo poder do olhar que o presente trabalho pretende elucidar os encontros amorosos
de Carlos Eduardo e Maria Eduarda

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da Maia, como esse olhar pode intensificar, idealizar, erotizar, mas também é capaz de se alterar
no decorrer da obra, porque acreditamos que “o olhar conhece sentindo (desejando ou temendo)
e sente conhecendo. Está implantado na sensibilidade, na sexualidade” (NOVAES, 1993, p.78).
Sendo assim, para a análise, nos apoiaremos nos textos teóricos de Octavio Paz, Bataille,
Adauto Novaes (organizador), com o auxílio dos críticos Monica Figueiredo, Isabel Pires de
Lima e Eduardo Lourenço.

Palavras-chave: erotismo; olhar; Os Maias; Carlos Eduardo da Maia; Eça de Queirós.

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TRANSGRESSÃO E INTERDITO: O EROTISMO NA POESIA DE FLORBELA
ESPANCA E GILKA MACHADO

Iasmin Rocha da Luz Araruna de Oliveira


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Florbela Espanca, em Portugal, e Gilka Machado, no Brasil, criaram versos que deram
voz à sensualidade feminina. Isto, para o início do século XX, em sociedades engendradas nos
moldes patriarcais, que concebiam a mulher enquanto um sujeito sem autonomia sobre o próprio
corpo, foi extremamente transgressor. Nascidas em fins do século XIX, Gilka e Florbela são
marcantes na literatura de língua portuguesa por serem pioneiras numa escrita que dá voz ao
pensar e sentir das mulheres, colocando-as enquanto sujeitos do discurso amoroso. Numa época
em que era reservado à mulher o espaço da passividade e em que as mulheres eram definidas
em relação ao homem, as autoras trazem uma poesia inovadora que rompe com o discurso
poético “bem-comportado”. Aquilo que era socialmente esperado das mulheres muitas vezes as
desanimavam de romper com o passado, incitando-as a compreender o espaço público enquanto
um local intimidador e a assumir uma postura de retraimento, a qual era corroborada pelos
padrões vigentes. Desse modo, é comum que as poesias das escritoras do início do século XX
recaíssem nos estereótipos e que as próprias escritoras não mudassem a sua postura no plano
simbólico, social e cultural. De fato, há uma incidência das temáticas domésticas e de uma
perspectiva intimista e psicologizante, todavia, isso corresponde a um momento em que a área
de atuação das mulheres praticamente se restringia ao lar. Muitas mulheres, apesar disso,
produziram poesia no início do século XX, dentre ela, Florbela Espanca e Gilka Machado. Aos
vinte e dois anos, Gilka iniciou sua carreira, publicando, em 1915, o livro Cristais Partidos.
Sua produção poética foi marcada pela contestação e pelas aspirações de libertação da mulher,
o que teve fortes reflexos no modo como a crítica encarou a sua poesia e também reflexos na
sua vida pessoal. Assim como Gilka, Florbela Espanca escreveu em Portugal obras permeadas
por um Eros sentimentalista, o que, até então, era proibido às escritoras. Sua poesia, perpassada
por versos de caráter erótico, chocou os mais conservadores e fez com que muitos mitos fossem
criados em torno de sua produção literária e em torno de sua própria pessoa, como o estereótipo
da femme fatale, no qual as mulheres encarnam o papel de sedutora e possuem discursos e
comportamentos considerados imorais. Na vida e na poesia, as mulheres deveriam seguir os

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preceitos impostos pela moral conservadora, a qual pregava um modelo de feminilidade
recatado, gracioso e submisso. Num momento em que há uma forte interdição à expressão da
sexualidade feminina, as vozes carregadas de erotismo de Florbela Espanca e Gilka Machado
surgem como elementos de transgressão, os quais abriram as portas para que as mulheres
conseguissem conquistar cada vez mais autonomia na vida e na literatura. Mesmo sob forte
repressão, as autoras conseguiram romper com o padrão de poesia feminina e com o papel
passivo da mulher. Diante disso, este trabalho tem como objetivo analisar o erotismo enquanto
um elemento de transgressão nos livros Charneca em Flor (1931) de Florbela Espanca e Meu
Glorioso Pecado (1928) de Gilka Machado. Além disso, procurarei promover o diálogo entre
estas obras, refletindo sobre suas aproximações e seus distanciamentos.

Palavras-chave: Erotismo. Gilka Machado. Florbela Espanca.

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SUDÁRIO - ESCRITA E CORPO EM HILDA HILST

Diego Pereira Ferreira


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A partir do capítulo Lázaro, do romance Fluxo-Floema, de Hilda Hilst, escavo


incessantemente essa matéria literária, esse resíduo gerado pela escrita de Hilst, com a
preocupação de entender o que se “ejeta” nessa escrita, quais as possíveis relações entre obra e
autor, mas além, entender a literatura como aparição, no âmbito do corpo – com todos os seus
percalços, com suas notas de estranheza. Um corpo-fora de qualquer acentuação da intimidade
do autor, corpo-fora do divã, do lugar delimitado de existência. O texto Lázaro, mote deste
trabalho, percorre uma narrativa bíblica para pensar o corpo da perspectiva da encarnação e
ressurreição, relacionando a experiência-limite da morte à escrita, criando uma imagem da
escrita como processo de corporação. Este trabalho surge a partir do encontro entre a
experiência de ressurreição de Lázaro, sugerida por Hilst, e a noção de informe, de Georges
Didi-Huberman. Encontro esse que surge a partir de um atrito, criado pelo gesto de Lázaro, que,
após ressuscitar, tenta relatar ao leitor a experiência da morte e se confronta com os limites da
própria palavra, confronta-se com o impronunciável. É a partir de então que o personagem de
Hilda cria inúmeras imagens para descrever essa experiência, imagens que laceram, abrem o
sentido, criando camadas de estranhezas. No momento em que o personagem nos descreve a
sensação de ter consciência de sua morte, isto é, a possibilidade de viver a morte como uma
experiência da vida, testemunhá-la, entendemos que esse jogo de duplicidade e estranhamento
não se localiza exclusivamente na figura de um cadáver, mas uma possibilidade real de
experiência onde a forma do corpo encontra necessariamente um Outro, esse “estranho que nos
habita”. Hilda demonstra sistematicamente que essa consciência, ou seja, essa experiência do
informe, é a força motriz de seus textos, é algo que atravessa sua obra. Em diálogo com a escrita
de Hilst, me aproximo também da noção de semelhança de Georges Didi-Huberman
apresentada em seu artigo “De semelhança a semelhança”, onde pensa a noção de
dessemelhança através das imagens de diferentes esculturas de bustos e rostos, bem como
máscaras mortuárias. A semelhança que poderia ser pensada como relação, pressuposta por uma
duplicidade (um primeiro que se assemelhe a um segundo), mas para Didi-Huberman ela nunca
se apazigua. A semelhança é como uma espécie de digladiação de formas, onde não há um

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original ao qual a cópia se assemelhará, mas constante embate, atrito, que impede que qualquer
forma se feche. Segundo Didi-Huberman, “é preciso entender a semelhança como o que
desconjunta o rosto da vida”. Assim se pensa a “semelhança dessemelhante”, como Lázaro e
seu duplo, seu corpo ressuscitado, um toca o outro, um deforma o outro, se desconjuntam. Hilda
provoca, portanto, o pensamento da estranheza, isso que excede o reconhecimento, o momento
no qual um dado objeto se dissolve no olhar. Deste lugar silencioso do qual parte o olhar - nas
palavras da escritora, desse “silêncio profundo bem dentro dos olhos” - tudo o que se pode
tatear, o que ainda se alcança com a ponta dos dedos, se aproxima mais e mais da abjeção,
encontra no sudário a imagem dessa sobra.

Palavras-chave: Corpo. Escrita. Semelhança. Abjeção. Sudário.

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CORPO, DESEJO E NATUREZA NA POESIA HOMOERÓTICA BOTTIANA

Ricardo Freitas
UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A sociedade portuguesa vivenciou, no início dos anos 1920, um dos mais expressivos e
controversos episódios da literatura e da crítica literária nacionais: as polêmicas acerca da
produção poética de António Tomás Botto (1897-1959). Sobretudo em virtude do discurso
abertamente homoerótico, suas Canções foram apreendidas e queimadas por ordem do Governo
Civil de Lisboa em 1923, assim como as obras Decadência, de Judith Teixeira, e Sodoma
divinizada, de Raul Leal. Botto atreveu-se a cantar o desejo e corpo masculino em suas poesias
sem ambiguidades ou estratégias para velar o que queria dizer, e, por isso, podemos considerar
sua obra uma complexa tentativa de contraposição à moral burguesa e católica oitocentista.
Inserido em um momento de crise e desagregação de valores patriarcais marcadamente
presentes na sociedade portuguesa, Botto pertenceu a uma geração de homens que se via em um
país ainda vivendo calmamente nos Oitocentos – apesar da virada da Monarquia para a
República em 1910, cercada por questões mais amplas, como, além da crise na família
patriarcal, a conquista de novos espaços pelas mulheres e pelos mais jovens, os diversos
movimentos artísticos (os ismos) que surgiram na Europa, a vida moderna e a velocidade, a
relação do homem com a técnica e as máquinas, a descoberta do inconsciente e a investigação
das diversas formas de expressão da sexualidade. Talvez a ousadia maior de Botto tenha sido a
reiterada tentativa de se colocar à margem da moral, cujos princípios normativos procurou
submeter a uma indiferença hedonista. Como desdobramento dessa percepção estética, Botto
promoveu um discurso de resistência frente aos discursos hegemônicos vigentes em Portugal,
por meio de novas articulações da subjetividade masculina diversas daquelas preconizadas pelo
código de conduta moral vigente, dito natural. Ainda que tenha protagonizado uma das mais
agitadas celeumas da literatura e da crítica literária portuguesas, apesar da qualidade, do vigor
e da originalidade de seus poemas, muito do que o poeta produziu e publicou, inclusive no
Brasil, e também do que escreveram sobre ele, permanece no esquecimento. Por isso, há ainda
hoje a necessidade de fazermos uma leitura mais abrangente e contextualizada e de ampliarmos
o entendimento acerca da produção lírica de Botto e de sua fortuna crítica. Existe também a
necessidade de avançarmos

18
nos estudos sobre diversidade sexual e de gênero na literatura e na sociedade portuguesas,
ampliando esse campo de conhecimento. A significativa produção artística de escritores como
Botto não pode mais ser ignorada por preconceito e desconhecimento, para que possamos ouvir
as vozes dessas “minorias sexuais” e tomar conhecimento de questões literárias e culturais
extremamente relevantes, ainda silenciadas.

Palavras-chave: António Botto. Homotextualidade. Corpo. Modernismo. Poesia portuguesa.

19
RUMO À DECADÊNCIA: AS MODIFICAÇÕES DO GROTESCO LITERÁRIO

Daniel Augusto P. Silva


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A pesquisa atualmente desenvolvida tem como objetivo principal investigar como o


grotesco se realiza na prosa de ficção decadente brasileira e francesa, no período que
compreende as últimas décadas do século XIX e meados do XX. Busca-se, em especial, analisar
as transformações do grotesco literário, a fim de entender a progressiva atenuação de seu caráter
cômico e o consequente incremento do horror como efeito de recepção preponderante,
sobretudo no que diz respeito ao contexto artístico fin-de-siècle. Esse trabalho empreende
também a identificação, a análise e a recuperação de narrativas decadentes brasileiras e
francesas que, em sua maioria, são bastante desconhecidas do público leitor e de grande parte
da crítica especializada. Para alcançar tais objetivos e responder às questões propostas, partimos
de duas hipóteses centrais. Na primeira, acreditamos que a prosa de ficção decadente, tanto na
França quanto no Brasil, foi mais recorrente, produtiva e diversificada que o apontado pela
crítica e pela historiografia literária. Na segunda, defendemos que o grotesco assumiu nessa
literatura características específicas, tanto no plano temático quanto no formal, diferenciando-
se de outras de suas manifestações artísticas, como o grotesco renascentista ou o romântico, e
dando forma ao que chamamos de grotesco decadente. Para definir as características que
estruturam tal realização do grotesco, é importante compará-la com as outras manifestações da
categoria estética. Os estudos teóricos sobre o grotesco literário se dedicaram, em geral, a dois
momentos históricos, dos quais tiraram duas abordagens principais: i) a ênfase no aspecto
cômico dessa poética, que teria o riso como efeito de recepção central, aproximando-a ao
burlesco e à sátira, como defendeu Mikhail Bakhtin em A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento (1965); ii) o destaque ao lado horrível e repulsivo das figuras grotescas, que
dariam forma a uma concepção de mundo negativa, como postulou Wolfgang Kayser em O
Grotesco (1957). Enquanto o primeiro modo de tratamento tem como foco de análise obras mais
ligadas ao imaginário popular medieval, como as de Rabelais, o segundo destaca sobretudo as
narrativas modernas, a partir do século XIX e, mais especificamente, do Romantismo. Ao
defenderem ora o aspecto cômico do grotesco ora o seu lado horrível, essas duas vertentes
críticas parecem quase inconciliáveis. As proposições

20
convergem, no entanto, quando observamos a defesa de Bakhtin de que o grotesco teria perdido
ao longo do tempo o seu caráter cômico positivo, sobretudo a partir da literatura romântica. O
crítico comenta que as formas grotescas não expressariam mais um caráter jocoso e se tornariam
mais sarcásticas, irônicas e voltadas para a sátira. Nesse ponto da argumentação, percebemos
que o lado mais horrível da categoria estética é progressivamente destacado, tal qual fora
observado por Kayser. É o que ocorre sistematicamente na ficção decadente, quando o grotesco
tem seu lado cômico praticamente anulado. Para verificar as modificações do grotesco na
literatura e destacar as peculiaridades que assume na ficção decadente, a presente proposta de
comunicação oral visa analisar pontualmente três romances, correspondentes a diferentes
momentos do grotesco: Gargantua (1534/1535), de François Rabelais, Notre-Dame de Paris
(1831), de Victor Hugo, e Là-bas (1891), de J.-K. Huysmans.

Palavras-chave: Literatura francesa; Ficção decadente; Grotesco; Horror; Gótico.

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AMOR TECNOTÓPICO: RELAÇÕES DE ATRAÇÃO E DEPENDÊNCIA ENTRE
HUMANOS E CONSTRUTOS ARTIFICIAIS EM OBRAS DE FICÇÃO
ESPECULATIVA

Francisco Magno Soares da Silva


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Transcender barreiras parece ser uma condição inerente ao ser humano. Os obstáculos
impostos por sua natureza biológica e a angústia proveniente da consciência de sua mortalidade
serviram como motor propulsor do progresso da humanidade. A fim de saciar o desejo de
transpor limites, o ser humano encontrou na tecnologia um modo de tomar as rédeas de sua
existência, distanciando-se cada vez mais da figura metafisica de um criador. Através da
técnica, o humano passa a ocupar o lugar do seu Criador. Com o progresso tecnológico, além
de conseguirmos erradicar doenças outrora fatais e prolongar a expectativa de vida, tornou-se
possível alterar e moldar o corpo humano a nosso bel prazer visando atender os desejos negados
pela Natureza. Os avanços na medicina moderna permitem que doenças sejam detectadas e
tratadas antes mesmo do nascimento. Tal progresso no campo da engenharia genética dá
margem a possibilidade de pais escolherem para seus futuros bebês as características físicas de
sua preferência, customizando sua criança ideal, como fazemos com automóveis ou
computadores por exemplo. O fascínio pela tecnologia viabilizou a construção de máquinas
maravilhosas que tornam nossas vidas muito mais práticas. Pessoas com olhar fixo em direção
a um dispositivo móvel, desempenhando várias tarefas simultaneamente, interagindo em
ambientes virtuais com um número incontável de outros indivíduos ao redor do mundo ao
mesmo tempo é uma cena corriqueira atualmente. Esses dispositivos tecnológicos conseguem
organizar nossas agendas e oferecer listas optimizadas de sugestões que melhor se adequam a
nossos gostos pessoais dando a impressão de serem capazes de ler nossas mentes. Essas
máquinas também nos fornecem os meios artificiais para que possamos recriar nossas
identidades, dando vazão àquilo que constitui nosso ser, mas que muitas vezes deve ser
reprimido no mundo real. De certa forma, esses construtos artificiais são o meio que
encontramos para suprir a necessidade de transgredir nossas limitações, sejam elas físicas,
mentais ou sociais. A tecnologia torna-se então um refúgio, o meio pelo qual nos sentimos
completos. A relação cada vez mais íntima do humano e suas criações tecnológicas serve de

22
mote para as representações artísticas especularem sobre os efeitos dessa união entre natural e
artificial. Particularmente, as obras de ficção científica têm usufruído de tal situação para
discutir as consequências da vontade humana de modificar e alterar o ambiente ao seu redor, e
principalmente o próprio ser humano. Desde o monstro de Frankenstein de Mary Shelley,
passando pelos androides de Philip K. Dick até o sistema operacional Samantha no filme Her
de Spike Jonze, os seres artificialmente criados pela técnica humana têm servido de
receptáculos dos desejos de seu criador, e por isso tendem a despertar paixões humanas por
evidenciarem em seus corpos moldado à perfeição tudo que o ser humano almeja. A proposta
deste trabalho é discutir como obras de ficção especulativa como O homem de areia de E,T.A.
Hoffman, A Eva Futura de Villeirs de L’isle Adam, Androides sonham com ovelhas elétricas?
de Philip K. Dick e o filme Ela abordam a atração do humano por seres artificialmente
construídos, e o que essas relações nos dizem sobre a humanidade.

Palavras-chave: Transumano. Pós-humano. Tecnologia. Ficção científica.

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O ÊXTASE DE SAINT GENET: UMA POÉTICA DO ABJETO E UMA
(EST) ÉTICA DO MARGINAL

Rafael Ramos Pereira


UFJF - Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos literários

RESUMO

O estudo sobre os processos de alegorização e afirmação do eu a partir de uma poética


do abjeto e de uma estética/ética do marginal na escrita do romancista, poeta e dramaturgo
francês Jean Genet (1910 – 1986) é o foco principal deste trabalho. Para o desenvolvimento
dessa pesquisa, tomamos como corpus analítico principal a obra Journal du voleur [Diário de
um ladrão], publicada em 1949, em que o autor narra alguns anos de sua vida, suas misérias,
glórias e amores através de uma perspectiva que molda suas memórias de forma a criar uma
espécie de Via crucis. Lançaremos mão, também, de um corpus secundário como contraponto,
constituído por Notre-Dame-des-Fleurs [Nossa Senhora das Flores] (1943), Miracle de la rose
[Milagre da Rosa] (1946) e Pompes funèbres [Pompas Fúnebres] (1947). Com o objetivo de
contribuir para a compreensão da idiossincrática ordem moral e da criação da persona do
escritor, propomos uma reflexão sobre o narrador genetiano e os aspectos de sua narrativa.
Confrontamos o pensamento de alguns teóricos sobre a inscrição incerta de seus textos na
categoria das escritas de si, para compreendermos melhor o seu empreendimento literário e de
que modo sua obra pode ser lida. Para analisarmos as alegorias, os símbolos e a produção de
sentido que decorre dos mecanismos narrativos de Genet, nos debruçaremos sobre as reflexões
de Walter Benjamin, importantes para delimitar o complexo conceito de alegoria e para
entender como se dá o processo de alegorização. A partir desse entendimento, propomos uma
reflexão e um modo de leitura sobre algumas passagens e determinadas imagens na narrativa
de Jean Genet, como a construção alegórica sobre o tubo de vaselina do narrador de Journal du
voleur e a constante figura das flores na obra genetiana. Para tratarmos dos valores do abjeto,
nosso estudo se embasa nas concepções de Julia Kristeva, presentes em sua obra Pouvoirs de
l’horreur: essai sur l’abjection [Poderes do horror: Ensaio sobre a abjeção] (1980). Propomos
uma análise do trabalho de linguagem empreendido por Genet, que sublima as figuras abjetas e
profana aquelas que usualmente são compreendidas como sagradas, construindo alegorias e
comparações paradoxais ao unir símbolos opostos, mas que se unem e criam um novo
significado dentro de suas narrativas. Buscaremos observar como os valores do abjeto se

24
constroem e se perpetuam pela escrita, contribuindo para a construção tanto de uma
estética/ética marginal quanto da própria imagem do escritor. Para compreendermos o uso
incongruente das figuras que o autor mobiliza em suas narrativas, nos ampararemos no
pensamento de Giorgio Agamben sobre as Profanações (2007). Por último, veremos como
Genet articula seu êxtase sob a perspectiva de mártir e ator de sua trajetória marginal, fazendo
uso de uma linguagem com pendor barroquista e de que modo essa linguagem funciona para
erigir essa figura pretensamente santificada do autor. A ambição desse trabalho é compreender
as camadas da escrita de Jean Genet, de que forma seus recursos estéticos e sua linguagem são
capazes de produzirem outras camadas de sentido em seus textos, consolidando seu discurso
literário e afirmando a sua imagem de escritor ladrão, poeta da abjeção.

Palavras-chave: Jean Genet. Alegoria. Abjeção. Escritas de si. Estética marginal.

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CONSTRUÇÃO DE IMAGENS DE SUCESSO NO MATERIAL DIDÁTICO DE
PORTUGUÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA

Ana Patrícia Rosinek


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Nossa pesquisa nasce a partir da reflexão sobre o material didático usado quando
trabalhei em um curso de Português como língua estrangeira, curso esse que foi elaborado para
a modalidade negócios, já que era ministrado dentro de empresas em Santiago do Chile. Nesse
tipo de curso chamado Português para negócios, um dos pontos muito recorrentes encontrados
no material didático elaborado para ele, é que em diversos textos e atividades propostas no
material, aparece sempre um perfil específico de empresário bem-sucedido. Muda-se o nome
do empresário, porém as características e o estilo de vida são sempre parecidos. Assim,
formamos nosso corpus com textos presentes no material didático que trazem a figura do
empresário/executivo, esses textos pertencem a diferentes gêneros discursivos como entrevista,
artigo jornalístico, e alguns textos artificiais produzidos exclusivamente para o material
didático, com o fim de abordar algum conteúdo de gramática normativa. Em todos esses textos
encontramos um enunciador que marca no texto quais as palavras ou expressões que devem ser
observadas pelos alunos. A partir daí buscamos na Análise do Discurso francesa conceitos que
nos pudessem orientar a possíveis leituras desse material. Nossa análise se desenvolve a partir
das ideias de Cenografia (MAINGUENEAU 2001) e produção de subjetividade (ROLNIK
2007, MIRANDA, SOARES, 2014). Maingueneau nos fala sobre as três cenas enunciativas:
Cenografia, cena genérica e cena englobante. Nesse material propomos que o gênero aula de
português, nesse caso seria Cenografia, o gênero que é construído pelo texto através de
dispositivos como material didático e um enunciador que marca nos textos conteúdos
relacionado com a gramática normativa, e expressões usadas na Língua Portuguesa. E a cena
englobante, referente ao tipo de discurso, corresponderia ao tipo injuntivo, que prescreve as
características do empresário de sucesso. Já a cena genérica, que se relaciona ao gênero do
discurso, consistiria um “guia para o sucesso”, onde observando aqueles personagens os alunos
seriam levados a avaliar seu estilo de vida e também encontrar características pessoais que os
levassem a ocupar também o lugar de homem de sucesso. Observamos também a produção de
Subjetividade, e que

26
subjetivações podemos observar que são construídas na leitura desses textos. A partir das
formas de trabalhar demonstradas no material, em que o trabalho consome praticamente todas
as horas do dia do funcionário, e ainda é possível manter-se conectado a ele através da internet
e do celular, quais são as subjetivações, os modos de trabalhar que aí se podem configurar. Essas
maneiras de trabalhar aí representadas corroboram com a ideia de “gestor de si mesmo”
(GAULEJAC, 2007), que emerge a partir das ideias neoliberais, onde o trabalhador passa a ser
ele mesmo quem precisa se responsabilizar pelo seu trabalho e por conseguir se manter
trabalhando, já que nesse novo modelo já não há lugar para todos.

Palavras-chave: Cenografia. Produção de subjetividade. Português Língua Estrangeira.

27
O PAPEL DE EVENTOS PONTUAIS NA FORMAÇÃO CONTINUADA PARA
PROFESSORES DE LÍNGUAS PARA FINS ESPECÍFICOS

Elza Maria Duarte Alvarenga de Mello Ribeiro


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A Educação no Brasil passa por uma crise. Inúmeras são as razões para tal. No entanto, o
foco deste trabalho não está na enumeração de causas e justificativas do status quo, porém
naquilo que pode ser feito para que a situação seja alterada. A melhora na Educação passa,
necessariamente, pela melhora da formação de docentes bem preparados para lidar com
autonomia e independências dos inúmeros desafios que a profissão os impõe. A
contemporaneidade com nova conjuntura e possibilidades coloca o professor diante de situações
para as quais a universidade não deu conta de qualificá-lo. A presente comunicação tem por
objetivo apresentar como eventos pontuais, tais como oficinais, mini cursos, workshops,
comunicações, palestras, mesas redondas, dentre outros, oferecidos em âmbito nacional
repercutem no contexto micro e na desestabilização de professores de línguas. Os docentes são
estimulados a saírem de sua zona de conforto, num movimento crítico reflexivo que os convida
à uma atitude positiva e pró ativa a mudanças. Quando se contagia um pequeno grupo (a priori)
no sentido de rever e refletir suas práticas pedagógicas de sala de aula, a partir de um novo
ponto de vista com bases teóricas outras das quais estão acostumados, há um empoderamento
de si e uma vontade de contagiar os que os rodeiam, como consequência. Os participantes de
alguns dos eventos recortados para esta comunicação são professores de línguas, em sua maioria
de inglês, oriundos de diferentes contextos: cursos privados, escolas públicas e particulares,
professores que atendem empresas e/ou autônomos, desde aqueles recém formados até os com
anos de experiência. Todos possuem vozes equânimes nas trocas e colaboram para a
coconstrução de conhecimento que lhes são mais pertinentes e relevantes, uma vez que são
ativos no processo que as edições propiciam. A pesquisa se caracteriza como qualitativo-
interpretativista de cunho etnográfico e natureza colaborativa Os resultados, até então, sugerem
que, em não havendo a formação apropriada para atuar no contexto de fins específicos, a oferta
de cursos de curta duração por instituições que são referência nesta prática, no caso o IFRJ, é
considerada bastante significativa para a complementação da formação em questão. Conclui-
se, assim, que professores têm se

28
mostrado abertos em relação à formação continuada quando se trata de questões relacionadas a
aspectos da (não)formação dos mesmos. No entanto, registram que há pouca oferta da educação
continuada e, quando acontece, a demanda é extensa e as vagas limitadas. Em sua maioria
sentem-se muito satisfeitos ao final quando fazem a avaliação da experiência. O interesse é
tamanho que as relações construídas extrapolam o momento de realização do evento através da
criação de redes de colaboração locais com características afins. O referencial teórico inclui a
formação de professores no geral, bem como a formação de professores de línguas para fins
específicos. (RAMOS, 2004; VIAN JR, 2015; FREIRE, 1985; HUTCHINSON & WATERS,
1987; CELANI, 2005; LEFFA, 2008; ALMEIDA FILHO,
1999, dentre outros).

Palavras-chave: Formação de professores. Formação continuada. Professores para fins


específicos.

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CONSTRUÇÃO DE IMAGENS DISCURSIVAS DA SEGUNDA GRANDE
GUERRA EM LIVROS DE ALEMÃO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA (ALE)

Laís von Atzingen dos Reis


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

No presente trabalho, temos como objetivo analisar as representações da Segunda


Guerra Mundial em livros didáticos de ALE (Alemão como Língua Estrangeira). Justificamos
nossa escolha por se tratar de um tema muitas vezes silenciado nesses meios, mas de grande
interesse dos alunos. A partir da decisão de Segunda Guerra Mundial como tema de pesquisa.
Um tema polêmico e sempre tratado como tabu, mesmo havendo um questionamento constante
por parte dos alunos que gostariam de entender mais a história e a cultura da língua alemã,
sendo que nós como brasileiros aprendemos no ensino fundamental e médio sobre história
mundial e temos conhecimento dos acontecimentos, como também temos contato pelas mídias
e principalmente pela internet, conseguimos buscar todo o tipo de informação. Com isso
acreditamos que nós professores de língua alemã possuímos a possibilidade de tratar sobre esse
assunto em sala de aula, como tratamos outros momentos históricos importantes, por exemplo
a queda do muro de Berlim que é abertamente tratada na maioria dos livros, usando textos e
atividades sem perder o foco da aula de língua estrangeira, e sem transformar em uma aula fatos
históricos, mas sim de cultura alemã e um espaço para discussão de opinião. Primeiramente, foi
definido que o recorte de análise de livros didáticos seriam aqueles que chegam ao Brasil ou
são produzidos aqui e são usados para ensinar língua alemã como língua estrangeira. O público
alvo que será analisado são jovens e adultos por ser o maior público de aprendizes de alemão
no país. Esses mesmos livros que são voltados tanto para cursos públicos e privados, pois
também corresponderá ao maior público. Segundo, foi necessário definir um ano de publicação
dos livros para que a pesquisa não se estendesse tanto que não fosse possível ser realizada
durante o mestrado e também pelo difícil acesso ao material de anos mais antigos. Foram
definidos que seriam pesquisados os livros a partir de 1989 (o ano que começa o primeiro
volume da coleção mais antiga que foi possível encontrar na biblioteca) até 2016 (pois foi o ano
de início do mestrado).Para tanto, fizemos um levantamento de sessenta e três livros até o
momento e somente em oito livros didáticos que tratavam do tema. Gostaria de definir os
teóricos principais a serem usados, como já foi citado

30
acima, usaremos do livro Em defesa da Sociedade (2002) de Foucault para a definição de guerra
como analisador de poder. Usaremos também para análise dos livros didáticos: Bakhtin (2016)
Os gêneros do discurso para polifonia e dialogismo; Maingueneau (2008) Gênese dos discursos
para interincompreensão e discussão sobre as comunidades discursivas; Authier- Revuz (1990)
Heterogeneidades enunciativas; Ducrot (1987) O dizer e o dito para implícitos, pressuposto e
subentendido.

Palavras-chave: Análise do discurso. Segunda Guerra Mundial. Livro didático.

31
REVISTA NOVA ESCOLA: AS FORMAÇÕES DISCURSIVAS SOBRE A
QUALIDADE NA EDUCAÇÃO

Sthéfani Marinho de Carvalho


UFF - Estudos de Linguagem

RESUMO

A presente pesquisa, em andamento, tem por objetivo propor uma análise de como vem
sendo construído discursivamente o conceito de qualidade aplicado a educação. O corpus desse
estudo é constituído por um conjunto de matérias jornalística que tem como tema
educação/qualidade publicadas na revista Nova escola (Fundação Victor Civita / Editora Abril).
Os primeiros recortes do corpus selecionado foram as reportagens publicadas em março de
2013; agosto, setembro e novembro 2008, maio de 2009; março e abril de 2010, janeiro e
fevereiro de 2011 e maio de 2012 cujo tema já foi citado. Por conta do tempo e o objetivo geral
da pesquisa pretendemos fazer um recorte maior, isto é, um recorte em que o corpus seja mais
sucinto, respeitando portanto o tempo previsto para finalização do curso e da pesquisa. Por se
tratar do primeiro ano de pesquisa nessa apresentação serão expostos apenas os resultados
parciais e será apresentado parte do recorte já feito e também a análise de um dos textos usando
a proposta de Maingueneau (2003, 2005). Sabe-se que o material bibliográfico exposto é um
referencial inicial e que se necessário haverá alterações e acréscimo para melhor organização e
auxilio na pesquisa, portanto, esta pesquisa se trata também de uma pesquisa bibliográfica.
Logo, as principais etapas de investigação serão: Escolha, recorte e análise do corpus, leitura e
pesquisa bibliográfica.

Palavras-chaves: Formações Discursivas. Nova escola. Análise do discurso.

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A POESIA A PARTIR DO LUGAR DE NÃO

Beatriz de Matos Ferreira


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Morte e vida. Experiência e sentir. Entre o terreno árido percorrido pelo retirante
Severino -do poema Morte e vida Severina (2011), de João Cabral de Melo Neto- e o solo
úmido da experiência do sol, da flor e da árvore em sua forma mais intensa- proposta pelo poema
O guardador de rebanhos (2012), de Alberto Caeiro-, a poesia se manifesta e se mostra como
um objeto de resistência. Nesses terrenos de impossibilidades- de fome, sede e privação- o
objeto artístico questiona-se durante o caminho desse rosário seguido pelo retirante e o pastor
de rebanhos, numa exploração da palavra em seu estado selvagem e bruto. É nessa zona de
contato entre os poemas mencionados que este artigo se desenvolve. Ele é um desdobramento
da dissertação de mestrado intitulada Alberto Caeiro e João Cabral de Melo Neto: a poesia
como acesso e tem como leituras-base desse pensamento crítico os textos O que é escrever, do
filósofo e crítico francês Jean-Paul Sartre, Políticas da escrita, do filósofo francês Jacques
Rancière e Che cos’ è la poesia, do filósofo francês Jacques Derrida. Este artigo se divide em
duas partes: a primeira se dá a partir da questão do processo de escrita poética como um risco
constante e como ele se desenvolve nesses lugares- como a fome- cuja ausência é tão presente
e significativa; a segunda, discorre acerca desse objeto que não se manifesta a partir de um
pensamento, de uma filosofia acerca do que é natureza, por exemplo, mas de uma vivência.
Nesse caminho percorrido pelas palavras, algumas questões foram lançadas, entretanto, não
foram respondidas, haja vista que tentar respondê-las seria uma tentativa de amarrar o
pensamento poético, encontrando um lugar fixo para eles. Este artigo pretende apresentar a
poesia, assim como o falar sobre ela, apenas como um acesso, uma sugestão de experiência, que
deve sempre ser questionada. Dessa forma, a leitura dos poemas foi desmembrada como quem
lança um olhar fixo sobre um ouriço que se encontra no meio da estrada, a fim de observar cada
movimento e exposição ao risco desse ser. Esse olhar que observa, inclusive, também está
vulnerável a qualquer gesto realizado pelo animal e traça, nessa zona de desconforto, um lugar
outro, entrelaçando esses poemas a partir das suas disparidades. O que virá após o último
movimento do ouriço? Ao chegar ao último verso da estrofe, para onde nós seremos lançados?
O que é o “lugar de não”? Que tipo de poesia brota

33
nesse solo seco? Há morte ou vida nessa travessia poética? Se pensar é estar doente dos olhos,
que olhar é esse que temos de ter durante a leitura? É nesse percurso movediço que o retirante
e o guardador de rebanhos se cruzam, logo, o olhar do leitor atravessa e por aí permanece, num
abismo constante.

Palavras-chave: Poesia. Experiência. Crítica poética. Escrita. Literatura Portuguesa.

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MUNDOS POSSÍVEIS EM COLISÃO: FICÇÃO E REALIDADE NO GÊNERO
NARRATIVO ROMAN À CLEF

José Victor Neto


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O presente trabalho visa analisar as tênues fronteiras entre ficção e realidade inerentes à
natureza do gênero narrativo conhecido como roman à clef, explorando suas nuances à luz da
obra Teoría de los mundos possíbles y macroestrutura narrativa: análisis de novelas cortas de
Clarín (1998), de Tomás Albaladejo Mayordomo. O termo roman à clef, segundo Massaud
Moisés, constitui uma “expressão francesa para designar romance ou novela com uma chave,
ou seja, em que personagens e acontecimentos reais aparecem sob nomes fictícios” (2004,
p.399). Esse gênero romanesco surgiu na França do século XVII, sendo largamente utilizado
para expor fatos e situações íntimas e vexatórias de pessoas reais, de forma velada, sob o
pretexto de se tratar de uma obra exclusivamente ficcional. Tais obras dessa “arte da
difamação”, conhecidas também como libelos, teriam constituído um dos gêneros mais
apreciados na França pré-revolucionária, e em suas críticas mordazes e enxovalho, nem mesmo
o rei Luiz XV era poupado, o que fez com que as mesmas fossem proibidas, apreendidas e
destruídas; seus autores perseguidos e presos; originando toda uma indústria clandestina de
produção, edição e distribuição de livros proibidos. O roman à clef sobreviveu através dos
tempos, de modo que há ocorrências de obras que se enquadram nesse gênero sendo produzidas
até nossos dias. Embora não faça menção ao roman à clef enquanto gênero narrativo, tendo sua
obra um caráter mais geral e abrangente, o teórico Thomás Albaladejo Mayordomo, em seu
livro Teoría de los mundos possíbles y macroestrutura narrativa: análisis de novelas cortas de
Clarín (1998), busca, entre outras coisas, elucidar a constituição do referente da narração, e sua
transformação em estrutura textual, o que por sua vez permite analisar os mundos e submundos
do texto narrativo e explicar “el conocimiento del funcionamento y la progressión del relato,
em la imprescindible elucidación del mundo del texto y del mundo referencial que se proyecta
en el texto” (1998, p.4). Essa relação entre texto ficcional e o seu referente, presente no mundo
real concreto, é bastante cara à ficção realista, sobretudo ao roman à clef enquanto gênero
limítrofe entre ficção e realidade. Portanto, o percurso metodológico aqui proposto procederá a
exploração do gênero

35
romanesco conhecido como roman à clef, segundo as conceituações de Robert Darnton
(2012/2015), entre outros; a exposição da Teoria dos Mundos Possíveis a partir das
conceituações de Tomás Albaladejo Mayordomo (1998); e a aplicação de tais conceituações ao
gênero romanesco em estudo, de modo a permitir uma reflexão acerca das principais
caraterísticas do mesmo, enfocando com maior destaque os conflitos referentes a sua natureza
limítrofe entre realidade e ficção. Pretende-se ainda, de forma acessória, lançar mão de outros
referenciais teóricos, como Hans Robert Jauss (1994), no sentido de abordar questões referentes
à recepção do roman à clef enquanto gênero romanesco.

Palavras-chave: Roman à clef. Mundos possíveis. Romance. Ficção realista. Recepção.

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O PARADOXO DA COMUNICAÇÃO: AS CONDIÇÕES PARA A TRANSMISSÃO
DE UMA EXPERIÊNCIA PSICODÉLICA (E O QUE FAZER COM ELA)

Sebastián Torterola Antelo


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O que significa ter uma experiência? O antropólogo Daniel Vidart viaja para a Mongólia
e, acidentalmente, torna-se amigo de um xamã. Para superar o abismo cultural e linguístico
entre os dois, o xamã embarca ambos numa viajem propulsada pela força extática de um
cogumelo. Ao voltar, o uruguaio se enfrenta a um desafio: como comunicar uma experiência
única em sua vida? Naturalmente, a linguagem, escrita e oral, é a forma usual de transmitir
experiências para compartilhá-las com a comunidade. Isso funciona relativamente bem quando
se trata de acontecimentos cuja existência e decurso se ajusta às expectativas de um número
relevante de pessoas. Mas, e quando os fenômenos relatados não preenchem tais expectativas?
Vidart atravessa uma experiência que lhe dá acesso a um conhecimento direto, o qual, seguindo
o desenvolvimento teórico de Peter Sloterdijk e as pesquisas históricas de Antonio Escohotado,
podemos considerar um conhecimento extático. O uso de substâncias alteradoras da consciência
faz parte de uma tradição milenar: diversas civilizações antepassadas utilizaram fungos, cactos,
sementes e plantas em geral como forma de adquirir conhecimento e de se relacionar com as
diversas facetas da realidade. Hoje, as sociedades urbanas experimentam uma redescoberta
desses recursos, conhecidos no âmbito intelectual como enteógenos. Assim, o autor se encontra
numa encruzilhada que o tem como protagonista, porque coloca em jogo o seu status de
autoridade como escritor e especialista. Por sua vez, a experiência é mais forte, e impõe a ele a
necessidade do relato. O artigo resgata a posição de Sloterdijk, que afirma que a filosofia tem
sua origem na embriaguez, e analisa as possibilidades de comunicação para além da
legitimidade da linguagem científica. Neste ponto, analisa-se também a capacidade da
linguagem artística de captar porções de movimento vital, essas formas divergentes e nebulosas
de consciência, derivando numa maior potência para criar ou recriar experiências. Por último,
à luz da teoria da memória de Bergson, reflete-se sobre o diálogo "de espírito a espírito" mantido
pelos personagens, abordando aspectos do tempo e da linguagem em uma situação de realidade
alterada. Para Bergson, quando tentamos recuperar uma lembrança, realizamos um salto na

37
memória: instalamo-nos na virtualidade. É o mesmo processo que experimentamos quando
utilizamos a linguagem, ou seja, um salto no ser, ontologia da linguagem, terreno do espírito.
Posteriormente, as lembranças e os conceitos são atualizados com imagens, que usamos com
fins práticos para lidar com o presente. Mas voltamos carregando o paradoxo da comunicação:
atingir as condições de existência da linguagem, da memória, da "primeira filosofia", e não ter
os meios para comunicá-la. Ou melhor, perceber que será preciso comunicar tal experiência
criando uma nova linguagem. Caso contrário, deveremos nos submeter à linguagem que impera
na comunicação atual: segunda linguagem, sóbria e desembriagada, orientada à explicação
civilizada do mundo. O problema é que o êxtase ontológico não cabe na segunda linguagem.

Palavras-chave: Enteógeno. Psicodélico. Experiência. Êxtase. Xamanismo.

38
LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO SENSACIONALISTA:
UM JORNAL ISENTO DE VERDADES?

Simone Lopes Benevides


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

É comum ouvirmos, no meio acadêmico ou não, afirmativas categóricas de que o


brasileiro não lê. Sempre nos chamou atenção, entretanto, a concentração maciça de pessoas ao
redor das bancas de jornal, lendo avidamente as manchetes. Outra situação bastante peculiar foi
o surgimento de jornais populares como o Expresso e Meia Hora, evidenciam que os brasileiros,
além de cultivar tal hábito, rompem com uma concepção bastante redutora de leitura, segundo
a qual ler estaria relacionado à literatura e, especificamente, aos clássicos. Silva (1999)
considera esse posicionamento simplista e redutor em termos do desenvolvimento de
habilidades de leitura uma vez que negligencia as demais tipologias e gêneros textuais que
circulam em nossa sociedade. Além disso, se o leitor maduro e crítico é aquele que escolhe o
que vai ler de acordo com seus objetivos, restringir à leitura a um único nicho é atitude
extremamente incompatível com a proposta dos PCN´s (1998), segundo os quais a escola deve
assumir uma política de formação de leitores. Com o advento da Internet, emergem novos
gêneros textuais (como os memes) e outros se reconfiguram (o e-mail seria uma atualização das
cartas), exigindo cada vez mais dos leitores em termos de processamento de informações e
produção de sentidos. Apesar dos documentos oficiais promoverem avanços no ensino de
leitura, a realidade é que boa parte dos estudantes brasileiros da educação básica ainda estão
bastante aquém do esperado em se tratando das habilidades de leitura. Temos, então, um
paradoxo: brasileiro lê, mas não é leitor. Isso se explica se levarmos em conta os aspectos
qualitativos, e não apenas os quantitativos, envolvidos na leitura: nossa educação básica não
prioriza o domínio das habilidades de leitura necessárias para negociar significados e construir
sentidos nos diversos gêneros textuais que circulam em nossa sociedade, sobretudo se levarmos
em conta a profusão de novos gêneros na era da informação. A leitura é uma atividade
complexa, social e cultural (KOCH, 2005; NUNES, 2005, que deve ser ensinada na escola,
permanentemente, uma vez que o ato de ler é inerente à vida humana, perpassando todas as
áreas de conhecimento. Acreditamos que a mudança de postura frente ao ensino de leitura
requer alterações no modelo teórico que embasa a prática, e isso envolve novas concepções de

39
texto e leitura. Pretendemos, então, analisar o processo de construção de sentidos em
“pseudonotícias” (MORETT, 2015) políticas do site Sensacionalista, jornal isento de verdade,
segundo os próprios editores, cuja circulação é restrita à internet e cujos textos têm no humor
seu elemento central. Sob perspectiva teórica sociocognitiva, o objetivo desse artigo é contribuir
para o ensino de leitura a partir da análise da construção da coerência dos textos do corpus, o
que implica considerarmos o humor e a argumentatividade (KOCH, 2006) inerente a esses
textos.

Palavras-chave: Leitura. Produção se sentidos. Coerência. Pseudonotícias. Sociocognição.

40
A PRODUÇÃO E A CIRCULAÇÃO DE CONHECIMENTOS SOBRE A LÍNGUA
POPULAR NOS VERBETES DO JORNAL MEIA HORA

Marilene Jorge Luiz


UERJ – Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

O presente resumo faz uma apresentação de uma pesquisa em curso, que tem como
objetivo analisar discursivamente verbetes de um dicionário. O dicionário a ser analisado é
editado pelo jornal popular carioca Meia Hora de Notícias. Esse instrumento linguístico é
composto da publicação diária de 3 verbetes apresentados num pequeno box na editoria Voz do
Povo e após a definição dos verbetes, a página em que o termo fora utilizado. Antes de
apontarem para páginas, apontam para gostos de leitura, pois a escolha dos verbetes,
aparentemente aleatória, indica certos efeitos de sentido, pois de algumas editorias são retirados
até 49 verbetes, enquanto de outras, apenas 6. Esses verbetes são apresentados sem marcação
gramatical ou informações etimológicas. Apresentam apenas uma definição, e quando se tratam
de verbos ou substantivos, os verbetes vêm flexionados. O corpus da pesquisa é constituído de
um total de 227 verbetes, coletados de jornais de julho a dezembro de 2015. Este trabalho
procurará questionar a necessidade de um jornal popular imprimir em suas páginas um
dicionário e como esse instrumento linguístico reflete o jogo de imagens entre o jornal e seus
leitores. Pensando o político na produção e circulação do conhecimento sobre a língua, essa
materialidade linguística se insere nas políticas de língua porque é utilizada como um
instrumento de poder, do qual o Estado, através da escola, e instituições como a jornalística a
utilizam para propagar determinados saberes sobre a língua e seus falantes. Ao registrar um uso
e não outro, os dicionários apagam possibilidades outras de usos linguísticos e ao fazerem isso
silenciam e marginalizam falantes baseados num imaginário de língua. No caso do corpus, a
língua imaginária é a língua popular e os falantes dessa língua. Ao selecionar um uso ideal de
língua, seleciona também falantes ideais. O dicionário tem em sua constituição a ilusão da
completude: de que o sentido de um verbete só pode ser aquele e não outro, de que a língua é
transparente, de que os sentidos estão pregados às palavras, de que o sujeito lexicógrafo disse
tudo o que deveria ser dito... Mas a Análise do Discurso de linha francesa pecheutiana tenta
desconstruir as evidências de que o sujeito é o centro do seu dizer, de que os sentidos são fixos
e de que a estrutura utilizada só poderia ser aquela e não

41
outra. A fim de tentar desconstruir essas evidências, é necessário trabalhar o dicionário como
um objeto discursivo e, relacionando os verbetes às suas condições de produção, determinar
quais as posições-sujeito assumidas pelos construtores do sentido, como se dá a relação de
forças entre eles, as imagens sustentadas e constitutivas do sentido, como os verbetes são
enunciados, a qual formação discursiva os falantes estão filiados, como as questões de políticas
linguísticas são materializadas. Para responder esses questionamentos, será necessário conciliar
conceitos da Análise de Discurso de linha francesa a conceitos da História das Ideias
Linguísticas.

Palavras-chave: Dicionário. Meia Hora. Língua popular.

42
A COMPREENSÃO LEITORA DE ATORES EM DUBLAGEM: REVISÃO
BIBLIOGRÁFICA E CONFECÇÃO DE INSTRUMENTO DE SONDAGEM

Nívea Guimarães Doria


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Nos últimos dez anos, tanto na programação da TV paga quanto nas salas de cinema de
grandes centros urbanos, observa-se que a dublagem ocupa cada vez mais espaço. Apesar de
isso ocorrer, os estudos acadêmicos sobre esse ramo das Artes Cênicas permanecem em número
bastante reduzido. Tanto em sua própria área, quanto nas de Estudos de Tradução, Linguística e
Comunicação Social, poucos pesquisadores “entram em estúdio” para descrever esse processo.
Nosso projeto propõe suprir parte dessas demandas de pesquisa, objetivando discutir a inserção
da compreensão leitora durante o processo de dublagem. Assumimos a postura de que o
letramento e a leitura são processos tanto cognitivos como sociais e apoiamo-nos nos estudos
de Vergnano-Junger (2010, 2015), Chiavegatto (2009) e Koch e Cunha-Lima (2007).
Assumimos a classificação de Franco e Araújo (2011) de que dublagem é uma modalidade de
tradução audiovisual. Nela, a linguagem verbal original é substituída pela linguagem verbal na
língua alvo pelo dublador a partir de um roteiro de falas na língua alvo. Pretendemos analisar a
articulação das diferentes linguagens sonoras e visuais à luz da Semiótica Sincrética proposta
por Médola (2009), como apoio à compreensão leitora do roteiro, uma vez que o visto e o ouvido
(ruídos, trilha sonora e sons ambientes) devem ser levados em consideração para a construção
do texto oral produzido. Propomos um estudo de caso de caráter qualitativo e exploratório, no
qual analisaremos respostas de dubladores profissionais a um questionário de sondagem,
interações verbais de seções gravadas e transcritas de dublagem, além de uma entrevista de
confrontação desses dados à luz das teorias supracitadas. Até o momento, empreendemos um
mapeamento dos estudos acadêmicos sobre dublagem brasileira e iniciamos a confecção de
nosso instrumento de sondagem. Em nossa revisão bibliográfica, ainda em andamento,
considerando os últimos dez anos de produção acadêmico-científica nessas áreas de
conhecimento, encontramos apenas 8 teses e dissertações no Banco de Teses & Dissertações da
Capes que abordassem a dublagem brasileira como modalidade de tradução audiovisual.
Também considerando o mesmo período, pesquisamos no Portal de Periódicos da Capes artigos
acadêmicos com a mesma temática e

43
encontramos apenas 3 ocorrências de trabalhos com tal abordagem. Dentre esses estudos, 1
dissertação não está disponibilizada na íntegra, o que impede de fazermos um estudo mais
pormenorizado. 8 dos demais trabalhos usam metodologia documental, com o produto final
dublado como base para tratar de questões linguísticas, tradutórias e comunicacionais e apenas
1 dissertação de mestrado (MENDES, 2007) faz pesquisa de campo, verificando as estratégias
tradutórias adotadas por diretores e dubladores na adaptação do texto traduzido. Estamos
desenvolvendo um instrumento de sondagem sobre a compreensão leitora de dubladores
profissionais brasileiros em forma de questionário a ser veiculado através do Google Forms e
divulgado entre esses profissionais. Atualmente, estamos afinando o instrumento com
observações de sessões de gravação para posterior revisão por especialistas, visando a divulgá-
lo ainda em 2017 para que possamos prosseguir com as demais etapas previstas em nosso
projeto de pesquisa.

Palavras-chave: Dublagem. Compreensão leitora. Revisão bibliográfica. Instrumento de


sondagem. Tradução audiovisual.

44
O USO DO SUJEITO NO LIVRO DIDÁTICO: UMA REFLEXÃO

Michele Cristine Silva de Sousa


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Hodiernamente, é necessário reconhecer o relevante papel desempenhado pela escola na


busca pela ascensão social e cultural do aluno, que passa sem dúvida nenhuma, pelo ensino da
Língua Portuguesa padrão. Tal aprendizagem deve ser amparada pelo ensino da leitura, escrita
e da gramática, não como disciplinas estanques, mas como complementares, melhor seria, sem
dúvida, que o professor de português se preocupasse em ensinar o uso da língua, com todas as
suas nuances e regras. Para ensinar gramática, esse professor precisa estar amparado por um
relevante aparato teórico e, sobretudo, compreender as contribuições da Linguística na própria
gramática. Muitos professores adotam os livros didáticos de acordo com o currículo escolar,
sem fazer, na maioria das vezes, uma análise mais atenta entre o que o autor almeja e o que
realmente é feito na prática. Por esse motivo, os livros aprovados pelo PNLD (2018) serão o
nosso objeto de estudo, com foco na abordagem teórica do sujeito e os preceitos autorais ditos
no início do livro. Para tanto, a análise far-se-á sob os preceitos teóricos da Linguística
Sistêmico-Funcional (LSF) de Halliday e Mathiessen (2004), através da perspectiva de que a
língua é um instrumento de interação social, cujo correlato psicológico é a competência
comunicativa, ou seja, a capacidade de manter a interação por meio da linguagem, com vista a
analisar as suas funções, os seus usos em um determinado contexto, dentro da perspectiva da
LSF. O Funcionalismo analisa a língua em uso, pois compreende que a linguagem é um
instrumento de interação social e como tal não pode ser analisada de forma descontextualizada.
“A estrutura gramatical depende do uso que se faz da língua, ou seja, a estrutura é motivada
pela situação comunicativa” (CUNHA et al, 2015, p.21), por isso, não faz sentido para o
funcionalismo analisar a língua fora do texto, sem perceber a sua funcionalidade. Assim, para
compreender a sintaxe, é necessário compreender os contextos de uso efetivo da língua, por
esse motivo, a aprendizagem dos sujeitos não pode ocorrer de forma desvinculada, porque em
nada acrescentaria para a aprendizagem. Por esse motivo, a oficina de sujeitos primará pela
funcionalidade, pelo caráter semântico de tal dispositivo coesivo, possibilitando aos alunos
refletirem sobre o sentido das conjunções e sua relevância para a concatenação das orações.
“Para a Linguística Sistêmico-Funcional a

45
linguagem se materializa em textos”, “em essência o texto é uma entidade semântica, isto é, um
constructo de significados” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 22), por esse motivo, o objeto de
análise precisa partir de textos reais, para que se percebam os sentidos utilizados pelos autores
do texto. A LSF prevê dentro dessa temática que a língua é sistêmica, isto é, uma fonte
sistemática de informações, com três metafunções: ideacional, interpessoal e textual. Dentre
tais possibilidades, a metafunção textual concebe a língua como comunicação, por isso, sua
análise precisa partir da mensagem. (FUZER; CABRAL, 2014, p.34). Assim, devemos
reconhecer que a comunicação da língua humana deve ser analisada de forma reflexiva, pois
ela é reconhecida como a identidade dos falantes, dos usos gerados pela interlocução. Segundo
Moura Neves (1994, p.113): “a gramática funcional tem sempre em consideração o uso das
expressões linguísticas na interação verbal, o que pressupõe certa pragmatização do
componente sintático-semântico do modelo linguístico”.

Palavras-chave: Linguística sistêmico-funcional. Sujeito. Livro didático

46
FORMAÇÃO LEITORA DOS FUTUROS DOCENTES NO CONTEXTO
UNIVERSITÁRIO

Patricia Ana Wechsler


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Tendo em vista o Brasil ser um país com baixo índice de leitores, um dos
questionamentos mais em evidência no contexto educacional brasileiro é a crise na leitura,
considerando-se que cabe ao professor o papel fundamental de agente formador e multiplicador
de novos leitores. Para compreendermos melhor o conceito de leitura, é necessário entender de
que maneira se desenvolve a formação leitora dos futuros professores. Acrescenta-se a isso
investigar, na universidade, considerada como instituição formadora, como são levadas em
conta as “novas” possibilidades de leitura proporcionadas pela era digital. Isso posto, temos
como questões que guiam o nosso trabalho: Que concepções de leitura norteiam a formação de
futuros professores na universidade? Sendo a universidade considerada como instituição
formadora de futuros multiplicadores de leitores, a prática leitora ensinada contribui para o
letramento digital dos futuros docentes inseridos na era da informação? Para respondermos
estes questionamentos, utilizamos como base teórica uma perspectiva interacional de leitura
fundamentando-nos em Leffa (1999). A construção de sentidos da leitura ocorre à medida que
o receptor, para compreender o texto, estabelece relações entre seus conhecimentos prévios e
os conhecimentos construídos a partir da leitura Além disso, a conceptualização de gênero é
imprescindível para este trabalho, uma vez que eles fazem parte do nosso cotidiano e o leitor,
ao estar familiarizado com o gênero, terá mais facilidade para fazer previsões sobre a leitura.
Adotamos a definição de gênero pautando-nos em Marcushi (2002), desta forma, defendemos
a ideia de que a materialidade do gênero é sócio-historicamente definida e seus fatores
determinantes são sua forma, função e suporte. No que diz respeito à metodologia, propomos
um estudo de caso de caráter qualitativo. Realizaremos um levantamento bibliográfico acerca
do tema estudado. Em sequência ao estudo, será feita uma avaliação diagnóstica de leitura dos
alunos de prática de ensino de língua francesa de uma universidade pública do estado do Rio
de janeiro. Para cada participante submetido a uma avaliação diagnóstica de leitura,
apresentaremos um termo de consentimento livre e esclarecido. Asseguraremos a preservação
da identidade de cada aluno,

47
conforme demanda a ética de uma pesquisa com sujeitos. Para esses mesmos discípulos de
prática de ensino, será proposta uma oficina de leitura virtual em língua francesa.
Organizaremos estes alunos em dois grupos: o primeiro corresponderá aos discípulos que
tiveram um trabalho de preparação prévia para saber como utilizar um ambiente virtual,
enquanto que, no segundo, não será concedido nenhum preparo prévio antes de participarem da
oficina de leitura virtual. Por fim, verificaremos as diferenças de desempenho entre ambos os
grupos e as dificuldades encontradas. Objetivamos com este estudo abrir caminhos para que
outros estudiosos reflitam sobre a relevância do desenvolvimento da compreensão leitora na
formação docente.

Palavras-chave: Leitura. Avaliação diagnóstica. Letramento.

48
DIVULG(AÇÃO) SOCIOLINGUÍSTICA: PRODUÇÃO DE MATERIAIS VIRTUAIS
E LITERÁRIOS PARA CIRCULAÇÃO DO CONHECIMENTO

Thayane Santos Antunes


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Saussure (1916) já mencionava como tarefa do linguista dissipar preconceitos e ideias


errôneas sobre a língua. A ideia do linguista como agente de mudança social proposta por
Charity (2008), e os princípios de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
(BRASIL, 1988) e de gratuidade linguística (WOLFRAM, 1998) indicam um caminho similar,
enfatizando a importância da popularização da ciência. Ainda assim, a divulgação científica
permanece um nicho pouco explorado nos cursos de pós-graduação das universidades
brasileiras. No âmbito da Sociolinguística, esse movimento de diálogo com a sociedade vem
sendo desenvolvido através de trabalhos como os de Bagno (1997, 1999), mas isso não parece
ser o suficiente, como nos provou uma polêmica em torno de um livro didático ocorrida em
2011, que demonstrou a falta de conhecimento de parte da população a respeito de temas e
conceitos sociolinguísticos. Esta falha na comunicação parece ocorrer devido à tradição
acadêmica que releva uma tendência à valorização do âmbito da pesquisa, em detrimento do
ensino e, principalmente, da extensão (ROCHA & DEUSDARÁ, 2011). É necessário, portanto,
refletir a respeito da real finalidade de um curso de pós-graduação e de seus trabalhos de
conclusão, que em sua maioria não contribuem para a popularização da ciência devido a
linguagem e formato específicos somente acessíveis àqueles que se encontram inseridos no
ambiente acadêmico. Levando em consideração todo este panorama, questionamos a ideia de
um trabalho de conclusão com fim em si mesmo, e buscamos através de nosso trabalho estreitar
a relação entre academia e sociedade e promover uma divulgação científica ampla e eficiente.
Nossos primeiros passos, realizados em curso de Mestrado, se materializaram na construção de
um site (Antunes, 2015) em que materiais diversos foram compilados, todos voltados para o
combate ao preconceito linguístico, de fácil compreensão e acesso para o público em geral.
Continuando nossos passos, agora no âmbito do curso de Doutorado, objetivamos produzir um
livro ficcional como produto final do curso, com conceitos sociolinguísticos embasados
perpassando a história. Diferentemente das obras já realizadas sobre o tema, ao criar uma
história literária cujo foco será o roteiro em si e não os

49
conhecimentos sociolinguísticos, objetivamos atingir um público mais amplo. Com uma
história ficcional sendo o ponto principal do livro, os conhecimentos sociolinguísticos serão
passados de modo leve e integrado ao roteiro, o que permitirá que o livro possa ser identificado
como pertencente a categorias como ficcional, juvenil e romance, e não limitado às prateleiras
de livros voltados para a Língua Portuguesa e a Linguística, visitadas tão somente por aqueles
que já se encontram inseridos nessas áreas de estudo. Nosso trabalho, portanto, tem por objetivo
romper barreiras que impedem que a divulgação de determinados temas acadêmicos possa
ocorrer de modo mais aberto e menos segregacional. Ao propormos a criação de um livro
ficcional como trabalho final de conclusão de um curso de Doutorado, buscamos deixar um
legado para que, cada vez mais, sociedade e academia possam ser companheiras em um mesmo
caminho, e para que o conhecimento seja continuamente utilizado em suas funções principais:
informar, unir e proporcionar novas opiniões e ideias.

Palavras-chave: Divulgação científica. Circulação do conhecimento. Internet. Website.


Ficção. Livro. Preconceito linguístico.

50
DIVULG(AÇÃO) SOCIOLINGUÍSTICA: A PRODUÇÃO DE MATERIAIS
PARADIDÁTICOS EM BUSCA DA CONSCIENTIZAÇÃO LINGUÍSTICA NO
AMBIENTE ESCOLAR

Mônica de Azevedo Rodrigues Paulo


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

O presente trabalho está contextualizado no âmbito da Sociolinguística Educacional


cujos estudos buscam propor caminhos para o preenchimento da lacuna na educação no que diz
respeito à abordagem eficaz do tema variação linguística. A preocupação educacional dos
sociolinguistas se enquadra num campo mais amplo dedicado ao ensino de Língua Portuguesa
como um todo: Educação linguística, dois de seus representantes são Bagno e Rangel (2005).
A preocupação em realizar uma educação linguística eficaz tem motivado alguns linguistas,
como Cyranka e Oliveira (2013), a desenvolverem propostas práticas de melhorias no ensino
da disciplina língua portuguesa. Para que este ensino seja eficaz, é necessário reconhecer, no
ambiente escolar, as diferentes manifestações linguísticas – variedades linguísticas – que
compõe o português brasileiro tendo em vista que “não existe língua para além ou acima do
conjunto das suas variedades constitutivas” (FARACO, 2008, p.31). Diante da pluralidade de
realidades linguísticas na qual os alunos estão inseridos, não é produtivo que persistamos na
tentativa de privilegiar a norma padrão, ignorando as demais normas que fazem parte do
convívio escolar diariamente. A partir desta perspectiva, iniciamos um projeto, com duração
prevista para um ano, em uma escola municipal da zona oeste do Rio de Janeiro, cujo objetivo
principal é produzir um material paradidático com a colaboração dos alunos que gere efeito
positivo na forma de olhar para a diversidade linguística presente na escola. Como objetivo
secundário, temos desenvolvido materiais de divulgação contra o preconceito linguístico, tais
como memes e esquete teatral. O trabalho começou no inicio do ano letivo com a participação
de alunos voluntários do 8º ano, contando com reuniões semanais. Os discentes não são
simplesmente um público-alvo deste trabalho, mas parceiros no processo de discussão e
divulgação de questões sociolinguísticas. Para que esta parceria se sustentasse ao longo de um
ano, cultivamos o pertencimento emocional no sentido expresso em Barcelos (2016), isto é,
criamos um ambiente na sala de leitura da escola em que os alunos se sentissem seguros para
proporem ideias, questionarem conceitos e criarem materiais sem medos de críticas e

51
julgamentos. Essa liberdade estimula os participantes a se comprometerem com o trabalho e a
se sentirem motivados a continuarem frequentando as reuniões. Ao longo deste processo, os
alunos se tornaram agentes da disseminação da mensagem pela paz ao propor a valorização da
identidade linguística de cada falante, buscando a minimização de atos de preconceito
linguístico. Ao dar voz aos alunos no desenvolvimento deste projeto, foi possível criar materiais
com eles e para eles, isto é, materiais que utilizam a linguagem e o conteúdo que fazem parte
da realidade linguística e social de adolescentes daquela região.

Palavras-chave: Educação Linguística. Divulgação Sociolinguística. Preconceito linguístico.


Materiais paradidáticos.

52
DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA À EXPERIÊNCIA DO REAL: O BELO NA
LITERATURA E NO CINEMA LATINO-AMERICANOS CONTEMPORÂNEOS

Alessandra Maia de Lemos


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Que as manifestações artísticas, em grande parte, consistem na leitura que um artista faz
sobre determinada cultura, sociedade e sobre o ser humano, não é novidade. Que essas
manifestações estão, geralmente, contextualizadas em determinado momento histórico e
político também não. O que sempre questionei é como, por que e para que essa leitura é feita e
que visão revela. A pesquisa atual é continuação e ampliação dos temas já estudados em
trabalhos anteriores: violência, crítica à realidade social, representações da pobreza, da miséria
e das discrepâncias socioeconômicas em espaços periféricos. Nesse sentido, busco entender
algumas produções cinematográficas e literárias latino-americanas contemporâneas como um
movimento artístico que procurou, assim como o Cinema Novo e a literatura marginal de 70,
não só apresentar a realidade social, econômica e cultural das periferias e capitais latino-
americanas, mas levar à crítica desta realidade, suscitar reflexões e despertar para a necessidade
de mudança e de intervenção. Veremos, portanto, que embora os temas abordados sejam
recorrentes – violência, miséria, pobreza, preconceito, marginalização, racismo, opressão,
barbárie, erotismo etc – a abordagem deles marcará diferença tanto no que diz respeito ao
alcance do público como no que se refere à fuga ao sensacionalismo para instigar uma postura
crítica. “La primera condición para cambiar la realidad consiste en conocerla”, disse Eduardo
Galeano. Conhecer o espaço sócio-histórico das metrópoles e periferias da América Latina é
imprescindível para intervir nele. Entender como e por que há uma disparidade econômica e
social; entender as causas e todo o processo que leva a um ato de violência física ou moral;
entender como se manifesta o racismo e a misoginia e quais suas consequências... Entender para
desconstruir e desfazer estereótipos e falácias historicamente estruturadas e determinadas, e
para, pelo menos, minimizar ocorrências que envolvam essas situações e a violência gerada por
elas. Para isso, não basta apenas mostrar o problema, mas apresentá-lo de forma que não seja
apenas mais um, como ocorre comumente nos noticiários sensacionalistas ou em programas de
televisão voltados para ajuda social, ou em algumas produções humorísticas. É preciso uma
chamada intensa, “o choque do real”, como diz

53
Beatriz Jaguaribe (2007), para que a postura blasé do indivíduo moderno, da qual nos fala
Simmel (2005), não permaneça na sociedade. Para fazer diferença a ponto de trazer uma
informação nova que desperte e incomode o espectador, uma obra artística não pode ser
agradável, mas sim bela (FLUSSER, 2011). Esse é o ponto a que quero chegar com a pesquisa:
o cinema e a literatura latino-americanos produzidos entre os anos 1990 e 2015 está no campo
do Belo e não do Agradável. Para este seminário, tomo um dos filmes que compõem o corpus
da tese, o filme argentino El patrón, radiografia de un crimen, de Sebastian Schindel
(Argentina, 2015). Pretendo comprovar que ditas obras não só apresentam uma realidade social
latino-americana como levantam críticas e suscitam reflexões à medida que se utilizam da
estética do choque do real e proporcionam uma experiência estética que oferece informações
novas, sendo, portanto, obras que se relacionam ao que Vilém Flusser (2011) categorizou como
Belo.

Palavras-chave: Cinema latino-americano. Literatura Contemporânea. Experiência Estética.


Choque do real. Belo. Flusser.

54
CAPITÃES DA AREIA: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE DA TRADUÇÃO
INTERSEMIÓTICA

Clara Sampaio
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A presente proposta de trabalho inclina-se a trilhar três etapas até distintas, mas
complementares. Todas pautadas na obra fílmica Capitães da Areia, de Cecília Amado e Guy
Gonçalves em consonância com a obra literária de mesmo nome, de Jorge Amado. Tal
organização foi pensada à luz de leituras de Bakhtin, que afirma, em A Estética da Criação
verbal (1997), que o receptor não é passivo e que o criado pelo locutor (autor-criador- produtor)
é uma resultante de uma memória discursiva, pois seria fruto de diversas interações anteriores.
Assim, entramos num movimento cíclico. A primeira etapa pretende observar diferentes mídias
(como música, imagens visuais, figurino, olhar da câmera...) utilizadas, objetivando analisar
sua intersemiose, seus múltiplos sentidos produzidos por cada mídia bem como pela interação
delas. Para tal, serão escolhidas cerca de duas a três cenas (livro e filme). A segunda etapa busca
verificar também as múltiplas produções de sentido, mas agora do ponto de vista do leitor-
espectador, resultantes também do cruzamento de fronteiras. A própria expressão “leitor-
espectador” já nos permite refletir sobre a questão do mesmo sê-lo por carregar em sua bagagem
empírica outras leituras sobre o texto em cima do qual o filme foi inspirado ou ainda por
encararmos as mídias enquanto textos. Já na terceira e última etapa, pretende-se investigar o
pensamento da autora-diretora no que tange à produção e montagem da película, buscando
compreender o que a teria feito produzir sua obra com linguagem distinta (mais romanesca, por
exemplo) da linguagem da obra fonte (mais realista e política), podendo isso ter acontecido por
efeitos gerados pelo texto base, as necessidades do meio técnico em que estava concebendo sua
arte, como as variadas necessidades e/ou exigências do meio de produção (cinema) e seu tipo
de público-alvo. Vale mencionar que tal análise será feita em conformidade com o texto escrito,
de autoria de Amado (2009), sempre que tal correlação se fizer necessária. É provável que, ao
longo da observação, deparemo-nos com aspectos congruentes ou divergentes entre as obras,
no entanto, cabe ressaltar que não será feita uma comparação objetivando realizar juízo de valor,
pois são obras produzidas em meios

55
distintos, em momentos históricos distintos e por autores com “bagagens” bem distintas. Disso
decorre a compreensão, presente desde o início de nossas leituras, de que são, portanto, obras
diferentes, sendo apenas uma partida da outra, mas com outro discurso e abordagem, sendo,
então, uma nova obra. Assim,, para estudo com afinco de todo o exposto, a pesquisa pautar-se-
á em obras bibliográficas e análise de mídia fílmica. Algumas obras teóricas que
fundamentarão: Tradução intersemiótica, de Julio Plaza; Inter textos, inter artes, inter mídias e
Intermidialidade, ambos de Claus Cluver e Literatura e(m) cinema: breve passeio teórico pelos
bosques da adaptação, de Maria Cristina Ribas.

Palavras-chave: Mídias, Fronteira, Intersemiótica, Tradução.

56
A REPRESENTAÇÃO DO CORPO FEMININO EM ALEJANDRO JODOROWSKY:
ALEGORIAS DE UMA AMÉRICA LATINA

Érica Ignácio da Costa


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

O artista chileno Alejandro Jodorowsky (1929), radicado artisticamente no México e


posteriormente em Paris, é um cineasta, poeta, escritor de ficções e de histórias em quadrinhos,
tarólogo e “psicomago”, como se autodenomina. Jodorowsky certamente circula por territórios
da América Latina em seu cinema e sua literatura, mas não podemos ler/ver Jodorowsky
buscando um mero “realismo” ou relações de verossimilhança, mas de alguma forma sua obra
reflete relações referenciais com o sujeito inserido e em trânsito na América Latina, com os
territórios latino-americanos. Em Jodorowsky, o território retratado não é o de uma
verossimilhança cotidiana, mas referencia a realidade histórica, política e social do Chile e da
América Latina, de maneira bastante alegórica e carregada de um tom místico particular. Suas
obras são vistas como surrealistas e fantásticas, e seu surrealismo passa por um tom bastante
místico e espiritual. Josefina Ludmer, em Aquí América Latina: una especulación (2010),
define a realidade nas “escrituras pós-autônomas” como “um tecido de palavras e imagens de
diferentes velocidades, graus e densidades, interiores-exteriores a um sujeito, que inclui o
acontecimento mas também o virtual, o potencial, o mágico e o fantásmatico.” (LUDMER,
2010: 151). Vejamos, então, a “realidade” de Jodorowsky como pura representação mística,
“realidade que não precisa ser representada, pois já é pura representação”, segundo Ludmer.
Cenário semelhante encontra-se, por exemplo, no romance Pedro Páramo, de Juan Rulfo, em
que a cidade mística e misteriosa de Comala se apresenta quase como um útero do inferno.
Tratarei sobre uma novela de Alejandro Jodorowsky intitulada Albina y los hombres-perro
(2000), na qual Jodorowsky apresenta características que se repetem em sua produção fílmica
e enquanto escritor, sendo elas: 1) os territórios como universos místicos, que chamo aqui de
“comunidades imaginadas”, 2) a grande presença da corporeidade das mulheres tomada por seu
lado mais baixo, negativo, visceral, genital e à margem, que chamo aqui de “corpos disformes”,
3) personagens femininas que não encontram facilmente espaço em uma sociedade que as deixa
à margem, configurando-se como as personagens centrais de Jodorowsky. O sujeito e o espaço
são barbarizados nas obras

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1

58
de Jodorowsky com a presença marcante de corpos disformes, e a circulação entre territórios
explora uma visão bastante crítica da América Latina, como uma região saqueada, ferida por
sua história, de sujeitos deixados à margem. Em Albina y los hombres-perro parece ocorrer
exatamente esta constituição de territórios das ficções latino-americanas quando se rompe a
homogeneidade social e se produz uma contaminação de significações como um dos
instrumentos conceituais para se pensar a própria América Latina. Em Jodorowsky, a
experiência existencial das personagens é sem dúvida de matéria espiritual e mística, mas
também de pluralidades e resignificações culturais. Nas obras de Jodorowsky existem muitas
personagens apresentadas com os corpos disformes, mas destes corpos é extraída certa parcela
de humanidade, visto que são relegados à margem da sociedade e funcionam em Jodorowsky
como um impulso ético-moral para finalmente olharmos sobre estas mulheres-sujeitos, como
uma forma de crítica aos violentos processos de colonização, de ditadura, de trabalho ou de
modernização pelos quais estes corpos passaram.

Palavras-chave: Alejandro Jodorowsky. Corpo. Alegoria. América Latina.

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2

60
A TRANSPOSIÇÃO MIDIAL: SÃO BERNARDO E A LINGUAGEM CONCISA DE
GRACILIANO RAMOS E LEON HIRSZMAN

Renata da Cruz Paula


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Em função da anterioridade cronológica da literatura em relação ao cinema, pensar a


adaptação da narrativa literária para a fílmica remete-nos à discussão acerca do suposto valor
hierárquico da primeira em relação a segunda (RIBAS, 2014). Além disso, essa ideia estaria
associada também ao processo de desmistificação (BENJAMIN, 1987) propiciado pela
transposição de uma narrativa para a outra. A fim de desconstruir esse pensamento, é necessário
perceber que adaptação não precisa ser reprodução conforme salienta Stam (2008), uma vez
que, se há mudança do meio e do suporte de comunicação, a adaptação deve ser considerada
em sua diferença. Esse contexto remete, também, à concepção de intertextualidade
(KRISTEVA, 1969), pois a adaptação, quando vista da perspectiva da recepção, é experienciada
como uma adaptação, como palimpsestos por meio da lembrança de outras obras que ressoam
através da repetição com variação (HUTCHEON, 2013). Desse modo, ela é considerada uma
ampliação do texto fonte, conferindo a possibilidade de que se lance um novo olhar sobre ele,
uma leitura em diferença (STAM, 2008). Tendo em vista, portanto, essa aproximação entre
mídias – entendendo literatura e cinema como mídias, no sentido de meio e suporte (MÜLLER,
2007) – tomamos o conceito de Intermidialidade (CLÜVER, 2006), que diz respeito não só
àquilo que nós designamos ainda amplamente como “artes”, mas também às “mídias” e seus
textos. Assim, entendemos que a comparação com base em fidedignidade entre as narrativas
em jogo não deve ser considerada como critério absoluto de valoração sobre adaptação da
literatura pelo cinema, por se tratar mais de ajuizamento e estigma do que categoria de análise.
Alguns gêneros e mídias são utilizados para contar histórias, como a literatura; outros, para
mostrá-las, como no caso do cinema. Assim, contar uma história em palavras, seja oralmente
ou no papel, não pode ser o mesmo que mostrá-la visual ou auditivamente em quaisquer das
várias mídias performativas disponíveis (HUTCHEON, 2013). Ao dialogar, portanto, a obra S.
Bernardo (2005), de Graciliano Ramos, com a adaptação fílmica, S. Bernardo (1972), dirigida
por Leon Hirszman, observamos que a narrativa cinematográfica adota uma linguagem concisa
conforme a

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observada na narrativa literária, porém, como organiza didaticamente Hutcheon (2013), utiliza
os recursos inerentes a esse modo de narrar. Além disso, este estudo prioriza a análise do
contexto de produção da adaptação a fim de que se compreenda os efeitos de sentido que
envolvem a transposição de uma obra de uma mídia para outra porque nem o produto nem o
processo de adaptação existem num vácuo: eles pertencem a um contexto – um tempo e um
lugar, uma sociedade e uma cultura - e, por isso, quando um texto adaptado migra do seu
contexto de criação para o contexto de recepção da adaptação, o significado e impacto das
histórias, bem como a sua configuração estrutural podem mudar radicalmente (HUTCHEON,
2013). Desse modo, entender o tratamento dado ao filme contribui para subverter ou mesmo
ampliar a obra de partida, reescrevendo certos discursos, não apenas como promoção de uma
ideia, mas também como análise e crítica. Interessa-nos, portanto, um estudo que possa oferecer
condições para transformar o modo de olhar a adaptação fílmica de obras literárias – aqui, com
os olhos voltados para o romance e o filme São Bernardo.

Palavras-chave: Literatura. Cinema. Adaptação. Transposição. Intermidialidade.

62
O ÁLCOOL COMO REMÉDIO E VENENO NA FICÇÃO DE CARSON
MCCULLERS: REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA

Júlia Reyes
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Minha pesquisa de doutorado investiga a ficção da escritora estadunidense Carson


McCullers (1917-1967) estabelecendo um diálogo entre a análise literária e a teoria mimética
desenvolvida pelo pensador francês René Girard (1923-2015). Em linhas gerais, trata-se de
efetuar uma análise literária de obras escolhidas de Carson McCullers dialogando com as
reflexões girardianas e abordando temas como a violência e suas dinâmicas e; em um polo
oposto, destacando valores como a amizade, a fraternidade e a compaixão, sentimentos que
seriam contrários ao rancor, ao ressentimento, aos ciúmes, à inveja e à vingança, ou seja, aos
sentimentos baixos inscritos em situações de conflito violento segundo Girard. Verifico se
Carson McCullers aborda situações de violência que ocorrem em torno de seus personagens
outsiders, tais como surdo-mudos, anões, adolescentes tomboys, homossexuais, negros, judeus,
mulheres, alcoolistas e resolve tais conflitos de formas violentas e especialmente não- violentas.
Tanto McCullers quanto Girard se preocuparam com a questão das vítimas de violência em suas
obras. Girard investiga como os conflitos humanos ocorrem em diferentes contextos,
dialogando com a literatura em Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961), com a
antropologia em A Violência e o Sagrado (1972) e com os Evangelhos e textos bíblicos em
Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo (1978). Já McCullers, em suas histórias, descreve
situações de violência que ora são resolvidas através de desenlaces violentos ora através de
desenlaces fraternos e inusitados. Ambos os casos podem firmar diálogos com as reflexões de
Girard. O álcool aparece no conto “A Domestic Dilemma”, presente em The Ballad of the Sad
Café: the novels and stories of Carson McCullers (1951), na novela “The Ballad of the Sad
Café”, no conto “Instant of the Hour After” e no conto “Who Has Seen the Wind?”. Na novela
“The Ballad of the Sad Café”, destaco a descrição do efeito que o uísque fabricado pela srta.
Amelia Evans causava em quem o consumia. Além de “The Ballad of the Sad café” ser uma de
suas obras mais importantes, a descrição do efeito do uísque de srta. Amelia Evans nos
trabalhadores têxtis de uma pequena cidade no Sul do Estados Unidos configura-se como um
ponto significativo de sua obra. Com a personagem srta. Amelia

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Evans, Carson McCullers apresenta uma mulher que fabrica uísque e também fabrica remédios
caseiros para as pessoas doentes na cidade. O álcool, portanto, na ficção – e também na vida
pessoal da autora – tem uma presença significativa. O álcool pode ser usado para a cura, como
na fabricação de remédios caseiros para os moradores da cidade e para o estímulo à
contemplação através do consumo de seu uísque. Ao mesmo tempo, investigo como o álcool
pode ter um efeito nocivo em outros contos. Destacando a presença do álcool na ficção de
McCullers, abordo o tema da violência, observando como o álcool pode estar relacionado, na
obra de McCullers, tanto a episódios de profunda violência e destruição quanto a episódios de
fraternidade e contemplação. Busco assim lançar possibilidades de interpretação de sua obra
relacionando crítica literária e as concepções propostas por René Girard sobre a violência,
inaugurando novas perspectivas de leitura para a ficção de Carson McCullers e buscando assim
divulgar essa escritora ainda pouco conhecida no Brasil.

Palavras-chave: Carson McCullers. René Girard. Álcool. Violência.

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O PARADIGMA MARY ROGERS: FEMINICÍDIO E DESAPARECIMENTO DE
MULHERES NAS OBRAS DE EDGAR ALLAN POE E ROBERTO BOLAÑO

Guilherme Mattos de Carvalho Nunes


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Edgar Allan Poe afirmou, em The Philosophy of Composition (1846), que “a morte de
uma bela mulher é, inquestionavelmente, o assunto mais poético do mundo”, demonstrando
consciência manifesta de uma das principais obsessões em seus trabalhos. Mary Rogers,
conhecida pela imprensa americana como "the Beautiful Cigar Girl", apareceu morta no rio
Hudson em 1841 e o crime nunca foi solucionado. Imediatamente, a imprensa sensacionalista
urbana, recém-nascida, percebeu o potencial comercial das investigações e dissecou o cadáver
em suas páginas. Em The Mysterious Death of Mary Rogers: Sex and Culture in 19th-Century
New York (1995), a pesquisadora Amy Gilman Srebnick defende a tese de que a morte de Mary
Rogers deu forma e substância aos medos de desprotegidas mulheres em uma cidade cheia de
gangues e homens solitários perambulando pelos bares, hotéis e parques públicos. Para a
historiadora americana, o mistério da “morte da cigarreira”, como também é chamado, marca
“o ponto no qual a saga da morte feminina violenta tornou-se um crítico, talvez definitivo,
aspecto da cultura urbana moderna”. Poe se inspirou no caso e escreveu O mistério da morte
de Marie Rogêt (1842), um dos três livros que fundam o gênero no ocidente. Ao tomarmos
como premissa que Edgar Allan Poe lançou, na década de 1840, as bases do que hoje se entende
como literatura policial, é preciso analisar as condições de nascimento ー uma arqueologia ー
desse gênero, e por que os temas da mulher morta e da mulher desaparecida se tornaram centrais
em sua obra. Este trabalho visa a compreender, portanto, como o momento em que emerge a
literatura de Poe faz com que sua obra seja impulsionada a ponto de se transformar em um
paradigma de entretenimento para consumo, isto é, como as narrativas do feminicídio
cooperaram para a fundação da modernidade. A motivação dessa análise se deu, sobretudo, a
partir da percepção de que há, sem dúvida, a proliferação de narrativas sobre o feminicídio e o
desaparecimento de mulheres no cenário narrativo contemporâneo. Não se trata apenas de uma
literatura acadêmica ou de elite, mas de uma produção (inclusive audiovisual) comercial de
grande alcance, com um público consumidor bastante fiel e previsível. Além disso, em uma
perspectiva comparativa, a dissertação em construção analisa o romance 2666 (2004), do autor

65
chileno Roberto Bolaño. Um dos principais alicerces do romance é a sucessão de estupros,
feminicídios e desaparecimento de mulheres na cidade de Santa Teresa (nome fictício de Ciudad
Juárez, na fronteira entre os Estados Unidos e o México), desenvolvidos no capítulo intitulado
“A parte dos crimes”. Se a obra de Poe se inscreve no período que se convencionou chamar
Segunda Revolução Industrial, com a emergência das máquinas a vapor, da eletricidade, da
imprensa popular urbana e da vida citadina como a conhecemos hoje, por outro lado é
necessário circunscrever a obra de Bolaño em um problema territorial latinoamericano,
globalizado, fronteiriço. Enfim, como se produz o homo sacer das margens (fronteiras)
latinoamericanas? Por que são mulheres? Por que Roberto Bolaño deixou tantas pistas que
apontavam para o problema do feminicídio em Santa Teresa como uma chave para a
compreensão do contemporâneo, particularmente a questão do capitalismo de fronteira e do
capitalismo de entretenimento?

Palavras-chave: Literatura Policial. Feminicídio. Desaparecimento. Mulheres.

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“PÍNCHE, CABRONA, VOU TE MOSTRAR QUEM MANDAAQUI”: CENAS DE
VIOLÊNCIA EM WHAT NIGHT BRINGS, DE CARLA TRUJILLO

Nathália Araújo Duarte de Gouvêa


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Apesar de atos de agressão física ou verbal encontrarem-se presentes em qualquer


sociedade e cotidianamente aparecerem na mídia, a representação de violência na literature pode
causar um impacto duradouro nos leitores. O machismo, a repressão e o preconceito geram
explosões de violência contra mulheres em várias partes do mundo. Sistemas opressores
frequentemente instituem uma grande quantidade de fatores geradores de agressão em grupos
dominados: padrões de abuso para manter a dominação, justificativas sociais, sigilo ou falta de
representatividade são alguns. Nas sociedades ocidentais, as mulheres tendem a ser vistas como
submissas, ou até, como as guardiãs das regras mas nunca as autoras delas. Na comunidade
chicana, um sistema patriarchal, há uma tendência forte de mulheres serem ostracizadas das
decisões públicas relevantes. As práticas do machismo inebriam e influenciam a estrutura de
poder. O romance What Night Brings de Carla Trujillo apresenta o processo de amadurecimento
de uma menina chicana em seus anos iniciais da puberdade passados em San Lorenzo,
Califórnia. Lá ela reside com sua irmã Corin, com seu pai extremamente controlador e violento
e com a sua mãe submissa. Essa criança, Marci Cruz, gradualmente descobre questionamentos
internos cruciais ao seu desenvolvimento identitário. Carla Trujillo dramatiza os conflitos
íntimos que Marci enfrenta ao perceber que seu desejo por outras meninas entra em choque com
as normas sociais e culturais. Sua resistência às normas socio-culturais cria um espaço de
confrontamento ao iniciar uma jornada de auto-descoberta e vagarosamente desconstruir os
binarismos hegemônicos que encontra diariamente. Seu desenvolvimento identitário e
sentimento de pertencimento são afetados pela dinâmica familiar e pelo ambiente religioso ao
seu entorno, fato que lhe permite realmente analisar a estrutura de sua comunidade e o que lhe
é exigido enquanto mulher e filha. No romance em questão, o efeito da violência doméstica
praticada contra crianças é narrado em detalhes gráficos por Marci, uma das vítimas. A
especialista em saúde mental de chicanas/os, Yvette Flores-Ortiz, traz que a violência a crianças
inserida na dinâmica doméstica é comum. Se uma criança transgride a hierarquia ou as regras
da casa, pais estão culturalmente autorizados a puní-las fisicamente como forma de educá-las

67
ou discipliná-as. Homens inseridos em sistemas de poder que endossam o machismo tendem a
ser chauvinistas, emocionalmente indisponíveis e controladores de sua família. Serão usadas as
noções sobre socialização chicana e violência de Carla Trujillo, Glória Anzaldúa, Yvette Flores-
Ortiz, entre outras. Também a noção de fato social de Èmile Drukheim para entender questões
de socialização como formas de agir, pensar e sentir externas ao indivíduo por estarem
entrelaçadas a um poder coercitivo.

Palavras-chave: Literatura chicana. Violência doméstica. Heterossexualidade compulsória.

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VIOLÊNCIAS E EXCLUSÃO: UMA LEITURA DO CONTO MADRUGADA, DE
ONDJAKI

Renata Cristine Gomes de Souza


UFF - Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura

RESUMO

A literatura contemporânea procura trazer à tona a história dos vencidos, daqueles que
se encontram em um lugar de subalternidade. Sujeitos que antes não passavam de personagens
secundários passam a figurar os papéis centrais nas tramas. Essa visibilidade mostra como as
trajetórias dessas personagens são cercadas de violências, dentre elas o apagamento, pois
mesmo com o papel central nas narrativas, vemos que há a representação de seu não lugar social.
O passado de seus semelhantes – seja seu povo, pessoas com a mesma raça, gênero ou classe –
e o não lugar a eles relegados exemplificam como suas trajetórias são marcadas pela crueldade
e exclusão. Segundo a estudiosa Maria da Glória Bordini, vivemos em um tempo em que os
atos de violência estão muitos presentes. Tais atos determinam a divisão social e criam espaços
de exclusão. O presente artigo pretende tratar do conto Madrugada, de Ondjaki, que tem como
tema essas violências às quais o indivíduo subalternizado está exposto. Dessa forma veremos
como a condição e a identidade da protagonista faz com que ela esteja exposta a vários tipos de
violência, que são descritas ao longo das quatro páginas que formam o texto. Apesar de curto,
o conto tem uma força brutal, mostrando que a classe e o gênero são determinantes para o
desenvolver da história. O nome do livro, E se amanhã o medo, diz muito sobre os contos que
estão nele, histórias de um passado que se reflete no presente e que se estendem para o amanhã.
Há o medo de que as ficções que lemos ao longo do livro ainda sejam possíveis no amanhã (e,
infelizmente são, visto que o livro foi publicado há cerca de 12 anos). Parte das histórias trata
dessa relação entre o medo e a violência, medo de não conseguir resistir, medo de ser que se é,
medo de uma felicidade momentânea, até mesmo o medo do outro, “do mais forte”.
“Madrugada”, conto composto por longos parágrafos, não tem diálogos, repletos de descrições,
o que ressalta o apelo visual das cenas narradas. O texto não foge dessa esfera do medo que
permeia o livro ao qual pertence. Ele tem como uma das temáticas o medo que é viver na cidade,
exposta a qualquer tipo de violência, e, mais do que isso, trata do horror que é ser uma mulher
nas ruas sem os direitos básicos de higiene e de proteção ao próprio corpo. Do medo de ser

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uma minoria pertencente ao gênero feminino. No texto vemos uma série de violências pelos
quais passa uma moradora de rua que, menstruada, lida com a animalização, a exclusão, e a
violência. O conto se diferencia da grande maioria dos textos angolanos da contemporaneidade,
por não trazer uma relação com a história e nem com o espaço angolano. Como não há indícios
de localização na há história, o seu cenário pode se tratar de qualquer cidade, em qualquer país.
Luanda, Rio de Janeiro ou Maputo, não temos uma descrição que nos dá indícios através das
imagens criadas pelo narrador. Dessa forma o texto se distancia de uma criação de imagem
nacional que costumamos ver nos textos angolanos e que vemos em outros contos que compõem
o livro. Em nossa análise traremos teóricos como Linda Huctheon, Maria da Gloria Bordini,
Gayatri Spivak e Paul Ricoeur.

Palavras-chave: Violência. Subalternidade. Mulher. Exclusão.

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CANTANDO A ESCÓCIA: A MEMÓRIA PRESERVADA EM CANÇÕES E
POEMAS EM A SCOTS QUAIR, DE LEWIS GRASSIC GIBBON

Carolina de Pinho Santoro Lopes


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

Canções e poemas são parte fundamental da herança cultural de uma comunidade,


constituindo um elemento importante da memória coletiva. Segundo Maurice Halbwachs (2015,
p. 102), a memória coletiva se distingue por “uma continuidade que nada tem de artificial, pois
não retém do passado senão o que ainda está vivo ou é capaz de viver na consciência do grupo
que a mantém”. Assim, a memória está ligada à permanência e faz parte da vida dos membros
de uma comunidade. O objetivo deste trabalho é analisar como a presença de canções e poemas
em A Scots Quair (1932-4), de Lewis Grassic Gibbon, reflete uma mudança de atitude em
relação à tradição escocesa ao longo do tempo. Lewis Grassic Gibbon é o pseudônimo adotado
por James Leslie Mitchell (1901-1935) em suas obras mais relacionadas com a Escócia. O
interesse do autor por história e sua preocupação com a desigualdade social têm forte influência
em seus textos. Simpatizante de correntes de esquerda, Gibbon se considerava “um escritor
revolucionário”, chegando a declarar que odiava o capitalismo e que todos os seus livros seriam
“propaganda explícita ou implícita” (GIBBON, 2001, p. 738-9). Ele produziu sua obra no
período que ficou conhecido como a Renascença Literária Escocesa moderna, caracterizado
pela preocupação de, por meio de uma reavaliação da história e da literatura nacionais, buscar
entender o que formaria a identidade escocesa e apontar o melhor caminho para o futuro da
nação. Assim, é relevante se levar em consideração o posicionamento político do autor na
análise de seus textos. A trilogia A Scots Quair tem como fio condutor a história de Chris
Guthrie entre 1911 e os anos 1930, acompanhando desde a adolescência até a vida adulta da
personagem e mostrando também as transformações na sociedade escocesa nesse período. Os
três romances – Sunset Song, Cloud Howe e Grey Granite – se passam em lugares ficcionais,
mas localizados pela descrição do autor no nordeste da Escócia, onde ele nasceu. A mudança
de cenário a cada obra da trilogia espelha a transição de uma sociedade rural para um ambiente
urbano e industrializado. A abordagem dos poemas e canções presentes na trilogia sofre
mudanças ao longo dos três romances. Como o título de Sunset Song sugere, as cantigas têm
papel de destaque nessa obra,

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fazendo parte do cotidiano da comunidade rural retratada. A título de ilustração, podemos citar
a canção The Flowers of the Forest, um lamento aos mortos em uma batalha do século XVI,
que é retomada em referência à Primeira Guerra Mundial. A saída de Chris do ambiente rural
marca uma mudança no tratamento dispensado pela comunidade à tradição folclórica e literária.
Em Cloud Howe, segundo romance do Quair, as referências a Robert Burns, poeta nacional da
Escócia, passam a ser mais irreverentes, a exemplo de: “lá nasceu o poeta Robert, o que dormiu
com quase tantas mulheres quanto Salomão, só que nem todas de uma vez” (GIBBON, 2006,
p. 271). Além disso, uma cantiga de Burns, Up in the Morning Early, que é entoada de forma
séria no casamento de Chris em Sunset Song, é parodiada em um protesto no último romance,
Grey Granite. Assim, a abordagem dos poemas e canções vai modificando-se, com a subversão
do enfoque mais sério usado antes, mas sem que eles deixem de fazer parte da memória da
comunidade.

Palavras-chave: Memória. Ficção escocesa. Canções.

72
A LITERATURA CONTEMPORÂNEA E SEUS PRECURSORES: A TERCEIRA
GERAÇÃO DE ESCRITORES JUDEUS, SAMUEL RAWET E ELISA LISPECTOR

Débora Magalhães Cunha Rodrigues


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A literatura contemporânea tem apresentado especial preocupação com questões que


dizem respeito à memória, à identidade e à mobilidade. Segundo as organizadoras do volume
O futuro pelo retrovisor – inquietudes da literatura brasileira contemporânea, “a atual literatura
brasileira está caminhando neste momento para uma releitura das tradições da modernidade,
saqueando ou revisitando o passado” (CHIARELLI; DEALTRY; VIDAL, 2013). A produção
literária contemporânea, portanto, notabiliza-se por aprofundar, questionar e (re)inventar as
tradições, as origens e seus percursos pelo mundo. Entretanto, para compreender a literatura
brasileira contemporânea será necessário esclarecer o que é o contemporâneo. Karl Erik
Schollhammer afirma que o contemporâneo “não é aquele que se identifica com seu tempo, ou
que com ele se sintoniza plenamente. O contemporâneo é aquele que, graças a uma diferença,
uma defasagem ou um anacronismo, é capaz de captar seu tempo e enxergá-lo”
(SCHOLLHAMMER, 2009, p.9). O que define o contemporâneo é, sobretudo, a capacidade de
distinguir as contradições e as nuances de seu tempo. Schollhammer continua sua elucidação
afirmando que a literatura contemporânea não é obrigatoriamente aquela que representa a
atualidade “a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica que a faz perceber as zonas
marginais e obscuras do presente” (2009, p.10). A capacidade de enxergar as sombras e aquilo
que não se vê com clareza, porque é sempre ocultado pelas ilusões cotidianas, são marcas do
contemporâneo. Deste modo, o escritor “parece estar motivado por uma grande urgência em se
relacionar com a realidade histórica”, mesmo que reconheça a impossibilidade de capturá-la
(2009, p. 10). O escritor é, portanto, o sujeito que, atento às sombras e às nuances da realidade,
intenta expressá-las de forma a dar a ver o que o cotidiano tenta esconder. Sendo assim, dentre
os escritores brasileiros contemporâneos, um grupo tem se destacado pelo desenvolvimento de
uma literatura atenta às sombras provocadas pelas narrativas canônicas, assim como às questões
referentes à memória, à identidade e à mobilidade. São os escritores da “terceira geração” –
brasileiros descendentes de imigrantes judeus, nascidos entre as décadas de 1960 e 1970, cuja
literatura ecoa as origens familiares – como denominou Eurídice de Figueiredo (2016, p. 81).

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Este grupo é composto por escritores destacados como Noemi Jaffe, Michel Laub e Tatiana
Salem Levy, entre outros. Para Eurídice Figueiredo, estes escritores produziram ao menos uma
“narrativa de filiação” na qual tentam “refazer o percurso de chegada dos imigrantes e a
construção de uma família brasileira, sem abandonar as raízes judaicas” (2016, p. 81). Este
grupo relaciona-se com a realidade histórica, assinalando a urgência de se (re)pensar o passado,
a tradição e o estrangeiro, visto que estamos vivendo a “era do refugiado”, como assinalou Said
(2003, p. 47). Deste modo, pretendemos analisar em que medida a produção literária destes
autores contemporâneos colabora para a releitura de escritores como Samuel Rawet e Elisa
Lispector que, embora tenham recebido crítica favorável, foram esquecidos e somente agora
retornam à cena literária. Podemos considerar estes autores os precursores de nossos
contemporâneos, em especial da “terceira geração”? De que forma Rawet e Lispector
distinguiram as contradições e nuances de seu tempo, para que voltem a ser lidos pela atualidade
de seus textos?

Palavras-chave: Literatura brasileira contemporânea. Narrativa de filiação. Terceira geração.


Samuel Rawet. Elisa Lispector.

74
UMA CONSCIÊNCIA DA IMORTALIDADE EM ACROSS THE RIVER AND INTO
THE TREES, DE ERNEST HEMINGWAY, E DU CÔTE DE CHEZ SWANN, DE
MARCEL PROUST

Manoela Caroline Navas


UNESP/Ibilce – Programa de Pós Graduação em Letras

RESUMO

A presente comunicação tem como objetivo estudar as similaridades e divergências da


construção de mecanismos de confronto ao tempo e à morte nos romances Du côte de chez
Swann (1913), de Marcel Proust, e Across the river and into the trees (1950), de Ernest
Hemingway, com o objetivo de compreender como se dá a busca por uma consciência da
imortalidade frente ao obstáculo do dado finito da morte, e como isso pode estar associado ao
trabalho árduo de elaboração do lembrar e do escrever. A proposta deste trabalho começa com
a transcrição de um trecho de uma carta de Hemingway para seu amigo Arthur Mizener, em 22
de abril de 1950, sobre uma das suas obras recém-editada para publicação: “I am happy if you
like what you have seen of the book. I would like it [to] be better than Proust if Proust had been
to the wars and liked to fuck and was in love” (HEMINGWAY, apud BAKER, 1985, p. 691).
A obra citada por Hemingway é seu romance Across the River and into the Trees, publicado no
mesmo ano. O conteúdo do relato revela uma comparação pouco explorada ainda pelos
estudiosos de Hemingway: uma relação com o autor francês Marcel Proust. Qual seria então a
conexão entre o romance e a obra-prima proustiana Em busca do tempo perdido? Além disso,
haveria alguma relação com o dado histórico da guerra e em que medida isso diferencia as duas
obras? Na tentativa de elaborar uma resposta, propomos, primeiramente, estabelecer a chave do
gênero dos dois romances, dado o caráter autobiográfico encontrado nas obras (SAVIETTO,
2002), bem como será feita uma análise das suas estruturas considerando suas complexas trocas
temporais e suas reverberações no trato com o tempo presente e com o tempo passado. Vale
aqui uma colocação dada por Gagnebin (2009) sobre a escrita proustiana ser “um trabalho de
travessia, de prova, de escuta, de exploração tateante de um imenso território desconhecido”
(p.159). Essa citação tem como intuito demonstrar as dimensões que assumem os relatos do
narrador em Du côte de chez Swann, que vão para além das enumerações das lembranças felizes,
à qual muitas vezes a obra é reduzida. Para se alcançar essas dimensões, a construção da
narrativa assume um

75
mecanismo de trocas temporais disparadas pelo narrador em primeira pessoa, Marcel, que
acabam por evidenciar o imediatismo do tempo presente. E o mesmo pode ser dito sobre o
romance de Hemingway, contudo uma diferença evidente é o tratamento dado às conexões
estabelecidas nos narrativas. O narrador de Proust, Marcel, auxilia o leitor a se enveredar por
suas conclusões, enquanto que o Coronel de Hemingway deixa o trabalho de conexões a cargo
do leitor. Após, será apresentada uma análise no que concerne a identificação dos usos e
elaborações das memórias voluntárias e involuntárias (BAKER, 1974); (RICOEUR, 1995),
bem como as construções textuais que disparam essas memórias (STOLTZFUS, 2003).
Estabelecidas essas primeiras noções, poderão, por fim, serem abordados como ambos os
romances lidam com essas memórias para a construção de mecanismos de reconhecimento da
morte e do tempo (GAGNEBIN, 2009) que serão a chave para o entendimento desses
obstáculos, para que seja por fim possível desenvolver uma consciência de sobrevivência e,
consequentemente, o aspecto simbólico da imortalidade.

Palavras-chave: Hemingway. Memória. Proust. Sobrevivência.

76
O CONFLITO DE GÊNERO EM NA NOITE ESTRELECIDA: TORNANDO A
GALÍCIA UMA TERRA DE HOMENS

Thayane Gaspar Jorge


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O discurso da herança celta serviu de fomento para a articulação e projeção dos


discursos nacionalistas do século XX tanto em um país como a Irlanda quanto em lugares onde
sua aceitação ainda é controversa e polêmica, como é o caso da Galícia. A raça celta e o passado
comum destas duas regiões, conforme a revisão histórica feita no livro Lebhar Gabhála
Éireann, tornaram a ideia do celtismo um recurso basilar para que Irlanda e Galícia
legitimassem seus anseios pela independência dos domínios britânico e espanhol,
respectivamente. Contudo, o tropo do celtismo sofreu uma deterioração a partir do discurso do
estereótipo colonial que feminizava as colônias e masculinizava as metrópoles. A feminização
das terras irlandesa e galega servia de argumento para endossar o exacerbado sentimentalismo
melancólico em detrimento da razão, do que resultava uma incapacidade de se autogovernar por
conta da sua inferioridade face às terras ditas masculinas que as subjugavam. William B. Yeats
e Ramón Cabanillas, autores expoentes do movimento nacionalista que buscavam uma
(re)valorização da cultura, idioma e literatura de seus países, e abordaram essas questões de
conflito de gênero nos poemas “The wanderings of Oisin” e “Na noite estrelecida”. Ambos se
desfizeram das figuras femininas, já amaldiçoadas pelo discurso imperialista, e buscaram a
virilidade de heróis celtas, como Oisin e Rei Arthur, como uma nova estratégia para subverter
esse estereótipo pejorativo. Através dessas obras, eles fizeram da Irlanda e da Galícia uma terra
de homens fortes capazes de lutar contra Grã Bretanha e a Espanha. O celtismo se torna o
sustentáculo do discurso nacionalista e fica no cerne da construção identitária e da resistência
cultural contra a hegemonia das metrópoles representadas pela Grã Bretanha e a Espanha. Esse
discurso e a utilização do mito celta protohistórico como a reivindicação de uma raça que diferia
do restante da Europa era algo perigoso que a qualquer momento poderia conceder ao
movimento nacionalista um caráter racista que poderia criar obstáculos na aceitação dessa
teoria. Contudo a virada utilizada para inviabilizar o movimento não passou pelo
questionamento do conceito de raça, mas pela associação entre o celtismo e o gênero feminino.
Por trás desse questionamento, encontramos também uma moralização em cima das

77
expectativas que recaíam sobre as mulheres dessa época em contraposição com a realidade das
mulheres galegas do começo do século. A origem céltica passou a representar
subdesenvolvimento, pensamento acrítico e imoralidade das mulheres galegas. No século XX,
proliferam-se narrativas que buscam fixar imagens de mulheres galegas que expressavam sua
sexualidade mais livremente. Há de se mencionar a situação atípica das mulheres galegas neste
contexto. De fato, as mulheres galegas gozavam de uma maior autonomia neste momento, em
contraste com outras localidades. E os fatores para essa situação eram as tradições e
principalmente a forte emigração masculina que incumbia as mulheres a serem chefes do lar, a
trabalharem e a criarem os filhos. Recaía sobre as mulheres responsabilidades que costumavam
serem exclusivas do gênero masculino.

Palavras-chave: literatura galega; celtismo; gênero.

78
O DISCURSO PEDAGÓGICO MATRIMONIAL N’A DEMANDA DO SANTO GRAAL:
A RAINHA GENEVRA COMO MODELO DE FEMINILIDADE MEDIEVAL

Ana Luiza Magalhães Poyaes


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A necessidade de controlar e vigiar as mulheres não são exclusivos da Idade Média,


porém é nesse período que a custódia se dá através da religião, onde o caráter moralizante das
Reformas Gregorianas perpassa toda a sociedade ocidental, desde o século XI. A consagração
do casamento aparece como um estatuto inquebrável, um código do comportamento coletivo
que deve ser seguido por toda a sociedade para garantir uma normatização das relações de
poder, instituindo dentro do matrimônio as definições de domínios e funções que seriam
relegadas a cada um dos sexos. O modelo conjugal cristão que está em voga na Idade Média
caracteriza-se pela valorização da virgindade das mulheres, pelo controle territorial e pela
obediência feminina à figura masculina, reforçando o caráter hierárquico da relação entre o
casal (DUBY, 1989, p. 18). A Demanda do Santo Graal é uma novela de cavalaria do século
XIII, tem origens na cultura celta, em textos franceses medievais e na Matéria de Bretanha. Seu
conteúdo foi, entretanto, cristianizado. É através da presença de princípios cristãos na obra que
podemos observar como o discurso eclesiástico visava moldar as feminilidades medievais por
intermédio do casamento – sendo a castidade, a devoção e a obediência as principais
características exigidas para uma “boa esposa”, modelo amplamente propagado por intelectuais
e eclesiásticos. A personagem Genevra é representada como um modelo desse ideal que se
estabelecia no seio da sociedade medieval, onde as rainhas e damas da alta nobreza deveriam
servir de exemplo para as demais mulheres. A infidelidade conjugal é outra característica
importante a ser observada na personagem, Genevra representa a mulher católica que subverte
princípios moralizantes da Igreja, como o matrimônio, mantendo uma relação extraconjugal. A
infidelidade de Genevra, desse modo, pode ser compreendida como uma desobediência às
normas de controle tão exaltadas e sacramentadas pela pedagogia clerical. A traição da rainha
estava ligada à insubordinação ao seu papel de mulher casada, em que a fidelidade e submissão
eram critérios fundamentais da lógica matrimonial imposta pela pastoral do bom casamento,
“onde a boa esposa é, por isso mesmo, boa cristã, irrepreensível aos olhos de Deus”
(VECCHIO. 1990, p.171). Ao escolher o texto A Demanda do Santo

79
Graal, tenho em vista a afirmação da historiadora Lênia Mongelli, segundo a qual se trata de
“um texto considerado o maior monumento literário da Idade Média portuguesa” (1995, p. 12),
para a partir de então entrar em contato com os princípios do pensamento cristão medieval
português. A metodologia utilizada é analise do discurso, visando investigar a retórica presente
d’A Demanda do Santo Graal. O presente artigo busca analisar indícios de como se davam as
relações conflituosas entre dogmas católicos e a formação do arquétipo de mulher casada
através da literatura.

Palavras-chave: Matrimônio. Mulheres. Literatura Portuguesa. Idade Média.

80
OS SERMÕES DE SANTO ANTÔNIO DE LISBOA/ DE PÁDUA: ELEMENTOS
RETÓRICOS, TEOLÓGICOS E CONTEXTUAIS

Émili Feitosa Olenchuk


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Santo Antônio de Lisboa / de Pádua viveu entre 1191 e 1231, período conhecido como
Baixa Idade Média (século XIII ao XV), estudou nos centros de ensino mais proeminentes de
Portugal em sua época, Mosteiro de São Vicente e Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, o que
lhe possibilitou assimilar vasto conhecimento que seria usado posteriormente na pregação e no
combate aos hereges, sobretudo os cátaros. Em uma época de efervescência religiosa, em que
os fiéis exigiam maior participação na vida eclesiástica, e de crescentes críticas, os movimentos
mendicantes foram o sustentáculo de Roma: os dominicanos com os estudos e com a pregação,
e os franciscanos com a pregação por meio sobretudo da vida exemplar. É também nesse
período que tem início o estabelecimento de uma arte de pregar medieval, que possuía como
referência a própria prédica dos primórdios do Cristianismo, baseando-se em Jesus Cristo e no
apóstolo Paulo. Além de tais referências, Antônio baseou-se nos Padres da Igreja,
principalmente Santo Agostinho e Gregório Magno; em autores pagãos como Aristóteles, cuja
filosofia e retórica se expandiram no ambiente religioso cristão; e em diversos preceptores do
século XIII, dentre eles Guiberto de Nogent, propulsor da interpretação polissêmica das
Escrituras, e Alan de Lille com o mais poderoso tratado retórico produzido após Doutrina
Cristã. O frade minorita compôs cinquenta e três Sermões Dominicais e vinte Sermões Festivos,
além de quatro sermões destinados às festas de Nossa Senhora entre os anos 1227 e 1231. A
obra obedece ao plano da liturgia do ano. Valeu-se de todo o conhecimento adquirido nos
mosteiros pelos quais passou e da ars praedicandi do período, mostrando-se bastante
familiarizado com as questões de seu tempo. Criticou severamente aos sacerdotes iníquos,
organizou de forma sistemática a teologia da Trindade e se pôs como eco estrondoso do IV
Concílio de Latrão. A importância de Antônio residia justamente no fato de reunir em torno de
si conhecimento substancial e conversão total ao franciscanismo, evitando, assim, uma
clericalização que tiraria o atrativo da ordem franciscana. Em seus sermões, destinados aos
pregadores, é possível verificar a presença de vários elementos persuasivos que possuem como
objetivo alcançar a benevolência do ouvinte

81
e, assim, atingir o propósito máximo, no dizer de Santo Agostinho: instruir para convencer e
comover. Para alcançar tal propósito, fez amplo uso das cláusulas, das Ciências Naturais, dos
Pais da Igreja, de escritores pagãos e dos bestiários medievais. Este último foi de vital
importância principalmente na pregação contra os hereges cátaros, que negligenciavam a
natureza como algo puro e de onde se poderia retirar preceitos espirituais ocultos. São esses os
objetos retóricos, textuais e contextuais, a serem observados na comunicação.

Palavras-chave: Retórica. Sermões. Santo Antônio. Idade Média.

82
TRÁGICO DESTINO DOS TRIÂNGULOS AMOROSOS NA NOVELA CAMILIANA
– UMA ANÁLISE DAS PERSONAGENS DE AMOR DE PERDIÇÃO E A SEREIA

Guilherme Nogueira Milner


UFF – Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários

RESUMO

Escrita por Camilo Castelo Branco em 1862, a novela Amor de Perdição é, sem dúvidas,
um dos grandes clássicos da literatura portuguesa oitocentista. Livro muito lido, muito
conhecido e que, por um bom tempo foi bastante estudado, vai contar a história dos apaixonados
Simão Botelho e Teresa de Albuquerque, jovens ligados por uma grande e sincera paixão que
não poderia ser consumada visto o ódio entre a família Botelho e a Albuquerque. Assim sendo,
o primeiro triângulo amoroso da obra vai ser entre Simão, Teresa e seu primo, Baltasar
Coutinho, a quem ela foi prometida. Esse, que acaba assassinado por Simão, dando lugar ao
segundo triângulo amoroso da novela, entre Simão, Teresa e Mariana. O pundonor de Tadeu de
Albuquerque e Domingos Botelho, faz com que seus filhos ladrilhem o caminho para a morte.
Deixam-se morrer, primeiro, Teresa no convento, depois, Simão no caminho para o degredo nas
Índias. Mariana, que também não teve seu amor correspondido por Simão, comete suicídio se
jogando ao mar para abraçar o cadáver do amado. Todas as personagens principais, assim,
marcadas por um destino trágico: o suicídio. Este que, aqui, estudamos de acordo com o trabalho
teórico sobre a morte-voluntária conforme proposto por Durkheim, Solomon e Stengel. Em A
sereia, 1865, com um enredo parecido ao de Amor de Perdição, os jovens também se
apaixonam, só que, da mesma forma, encontram na família, contra o relacionamento dos dois,
o empecilho para consumir esse amor. Gaspar de Vasconcelos, apaixonando por Joaquina
Eduarda, era, contudo, prometido em casamento para sua prima. Vemos que, se Teresa foi para
o convento e Simão para a prisão pelo assassinato de Baltasar, Gaspar acaba por roubar dinheiro
de seu pai, Pedro de Vasconcelos, e seu tio, e foge do país com Joaquina Eduarda. As
dificuldades, todavia, forçam o casal a se separar, começando, enfim, o rumo para desfecho
trágico da narrativa e do triângulo amoroso. Afastado de Joaquina e lidando com a
intransigência de Pedro de Vasconcelos que ainda exige o casamento com sua prima – que,
também, acaba por morrer –, Gaspar tenta, sem sucesso, cometer suicídio. Por sua vez, Joaquina
Eduarda, longe do seu amado e se sentindo abandonada, enlouquece. O reencontro dos
apaixonados acontece tempos depois, com Gaspar

83
já usando o hábito eclesiástico, em um momento em que ele é chamado para dar os últimos
sacramentos para Joaquina Eduarda. O saldo dessa aproximação é a morte de Gaspar e o suicídio
por afogamento de Joaquina. Assim sendo, tanto em Amor de Perdição quanto em A sereia,
podemos perceber que o triângulo amoroso entre casais que não podem ter seu amor
consumado, geralmente pela intransigência ou o pundonor dos pais dos apaixonados, resulta
sempre na morte dos amantes que deixam-se morrer, quando não eliminam antes o rival. Afinal,
segundo Menninger, o suicídio uniria o “desejo de matar, o desejo de ser morto e o desejo de
morrer”. Afinal, o que seria a vida terrena perto da promessa de felicidade eterna na outra vida?
Neste trabalho, então, me preocupo em apresentar essa relação do Eros e Thanatos, como
proposta de acordo com Freud na novela camiliana, analisando a passagem das personagens até
seu derradeiro fim, sem esquecer, também, um outro famoso triângulo amoroso do período
romântico, de um livro supostamente responsável por uma grande onda de suicídios na Europa,
Os sofrimentos do Jovem Werther, que narra o amor da personagem que dá nome ao livro pela
bela Charlotte, prometida de Albert.

Palavras-chave: triângulo amoroso; suicídio; romantismo; Camilo Castelo Branco.

84
IDENTIDADE EM TRÂNSITO: “CADERNOS DE MEMÓRIAS COLÔNIAS”, DE
ISABELA FIGUEIREDO

Elisangela Silva Heringer


UFF/CEDERJ

RESUMO

O presente trabalho, que tem como objeto literário a obra Cadernos de memórias
coloniais, de Isabela Figueiredo, pretende analisar como a memória evocada no livro e a teoria
pós-colonial permitem ou provocam uma outra leitura da presença colonial em Moçambique
através da problematização das identidades e dos discursos colonialistas. O pós-colonialismo e
a sua intenção de revisitação e de revisão do período imperial e colonial a partir das vozes
marginais, dos borramentos das fronteiras e do uso da ironia como estratégia política e textual
procura subverter, questionar e problematizar a presença do colonialismo em terras africanas
bem como a consequências vivenciadas por colonos e colonizados com a independência das
colônias. Desta forma, as tensões discursivas e identitárias se verificam em trânsito entre o
vivido pela narradora e o defendido no discurso colonial, visto que diferentes papéis
“identitários” são assumidos pela personagem: de colonizadora a regressada. Considerando que
a obra se origina do blog mantido pela própria autora, questões como memória pessoal e
memória coletiva perpassam o texto que se faz em uma espécie de diário, verificando como o
processo mneumônico resgata fragmentos e vestígios da história pessoal que parece ser
moldada pela história do processo de colonização e independência da nação africana. Além
disso, tensiona-se problematizar como estratégias textuais reforçam o posicionamento político
e ideológico da autora-personagem na obra posta em análise. Para tais reflexões, valemo-nos
de teóricos da memória como Todorov, Paul Ricoeur, Maurice Halbswachs, Beatriz Sarlo e
Myrian Sepúlveda dos Santos e, para nos auxiliar nas análises sobre identidade e discurso
colonial, convocaremos Stuart Hall, Boaventura Santos e outros. E, pensando nas estratégias
textuais da ironia, os postulados de Linda Hutcheon e de Lélia Parreira Duarte. Destarte, unindo
teoria e análise textual, história oficial e memória pessoal, e trânsito espacial, uma tentativa de
problematizar um “eu” inscrito em textos autoficcional se esboça.

Palavras-chave: pós-colonial. Identidade. Memória. Ironia.

85
SUBJETIVIDADES E CORPOS EM TRÂNSITO: CONCEPÇÕES DE “LAR” EM MY
BROTHER DE JAMAICA KINCAID E AT THE LISBON PLATE DE DIONNE
BRAND

Fernanda Vieira de Sant’Anna


UERJ/PPGL-FAPERJ
Jânderson Albino Coswosk
UERJ/PPGL-Ifes
RESUMO

Compreende-se que não há um entendimento fixo ou definitivo para “lar”,


especialmente quando lidando com subjetividades diaspóricas. Isto posto, pode-se desdobrar
múltiplas configurações de “lar” e sua relação com espaço, lugar e corpo, junto de
pertencimento/não-pertencimento e o entre-lugar. Para sujeitos diaspóricos, aqui fisicamente
e/ou socialmente deslocados, como povos originários que foram “estrangeirizados” em suas
terras nativas (MINH-HA, 1991, p. 261), como dito por Avtar Brah (1998), ‘lar’ é um lugar
mítico de desejo no imaginário diaspórico, é um lugar de não retorno, mesmo que seja possível
visitar o território geográfico que é visto como local de ‘origem’ (BRAH, 1998, p. 192). Este
trabalho pretende desdobrar a des(re)construção de “lar” imbuído em subjetividades no entre-
lugar através da escrita autobiográfica de My brother (2012 [1997]), de Jamaica Kincaid, bem
como do conto At the Lisbon Plate, de Dionne Brand, extraído de seu livro de contos Sans Souci
and Other Stories (1989). O remapear de Kincaid de lar e sua terra natal, Antigua, se coloca
como consideravelmente ambivalente enquanto descreve a paisagem e retrata o que confere
especificidade a um dado local, que é uma constelação de relações sociais particulares
(MASSEY, 1994, p. 154). Brand situa a inserção do corpo negro feminino nas mobilidades
globais – o corpo enquanto local primeiro de movimento, lar e espaço, representando esse corpo
diaspórico enquanto um “devir-corpo” – “corpo-mulher”, “corpo-lésbico”, “corpo-espaço-lar”.
O conto de Brand desafia regimes de corpos sexualizados e racializados, vítimas do patriarcado
e das heranças coloniais que os expõem como modelos únicos das diásporas pretéritas e
contemporâneas, dos afetos e da vida. Assim, tais deslocamentos permitem-nos notar a
heterogeneidade desses movimentos, os processos de subjetivação que neles ocorrem, além da
impossibilidade de capturar a complexidade dessas massas de corpos dispersas pelo mundo.
Levando em consideração que o feminino em trânsito também ocupa um território liminar que

86
é múltiplo, diverso e ambivalente (ALMEIDA, 2015, p. 59-60), um “lugar” como “lar” pode

87
ser entendido como um processo, ao invés de um ponto geográfico fixo. Contudo, é importante
ressaltar que “lar” como metáfora não pode ser considerado uma mera abstração, mas “a
materialidade discursiva de relações de poder” (BRAH, 1998, p. 198, tradução nossa). Em
síntese, como supramencionado, este trabalho se propõe a ampliar os conceitos de “lar” em
subjetividades diaspóricas, através da obra de Kincaid e Brand, At the Lisbon Plate (1989) e My
brother (2012 [1997]), debruçando-se sobre questões como outramento, pertencimento em
sujeitos confrontados pelo des-locamento e de que modo o corpo feminino negro se
instrumentaliza como um mapa, ao codificar suas relações com lar, espaço, gênero e raça.

Palavras-chave: Des-locamento. Entre-lugar. Lar. Corpo. Subjetividades em trânsito.

88
A IMAGINAÇÃO AFRICANA EM BLACK MAMBA BOY E THE ORCHARD OF
LOST SOULS DE NADIFA MOHAMED

Valeria Silva de Oliveira


UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

A presente comunicação objetiva apresentar reflexões sobre algumas temáticas que


permeiam as obras Black Mamba Boy e The Orchard of Lost Souls, de Nadifa Mohamed. Críticos
têm tentado descrever as especificidades da literatura africana desde seu surgimento nos círculos
acadêmicos na década de 50. Segundo F. Abiola Irele (2001), um proeminente crítico de literatura
africana da época, o alemão Janheinz Janh (1961, 1966), sugeriu o termo “literatura neo-africana”
para se referir a “[...] um corpus específico de escritos produzidos por Negros na Idade Moderna e
em línguas europeias em ambos os lados do Atlântico [...]” (IRELE, 2001 p.3, tradução minha).
Esses escritos seriam caracterizados por conterem uma visão comum compartilhada por africanos
e afrodescendentes. Nos Estados Unidos na década de 60, escritores e críticos associados ao
Movimento das Artes Negras entendiam a experiência do ‘ser negro' como parte integrante da
literatura negra. Segundo Irele (2001), embora o alemão e os críticos do movimento realizassem
os seus estudos literários a partir de perspectivas e contextos específicos, ambos convergiam ao
pensar a escrita criativa produzida por africanos e afrodescendentes como meio de expressão de
uma identidade negra. Dessa forma, a imaginação africana e afrodescendente se manifesta como
um importante marcador e valorizador das diferenças. Outra característica comum da escrita
criativa negra é a convergência temática. No caso da literatura africana especificamente, há uma
tendência ao engajamento com questões locais e históricas devido a uma recente experiência
colonial traumatizante que permeia a consciência coletiva até os dias atuais. Assim, a narrativa
ficcional se realiza como meio de resistência e reflexão dessa experiência, ao mesmo tempo em
que reconstitui memórias e questiona as versões estabelecidas pelo discurso do colonizador. Na
esteira das escritas periféricas surge a somali Nadifa Mohamed, filha da diáspora africana.
Inspirada pela experiência de seus familiares e pelos testemunhos das mulheres somalis, a escritora
resiste ao apagamento da

89
memória de sujeitos africanos através da escrita imaginativa. Black Mamba Boy e The Orchard of
Lost Souls se destacam por se tratarem de obras que narram as experiências de sujeitos deslocados
geograficamente e moralmente. Esses sujeitos ocupam o espaço entre-lugar do imaginário coletivo
ao mesmo tempo em que se encontram em busca da construção e o entendimento de suas
identidades. Segundo Glissant (1999, p. 63), a criatividade seria vital no processo de preencher as
lacunas deixadas por uma versão imposta pelo colonizador. Assim, o imaginário entra em ação
reconstituindo histórias locais, reconstruindo vivências e transformando as tradições através da
literatura. Além de preencher as lacunas deixadas pela história oficial, essas obras também
contribuem para denunciar natureza da origem de traumas que são compartilhados por uma
consciência coletiva por diversas gerações.

Palavras-chave: Imaginação Africana. Memória. Violência. Linguagem.

90
JAMAICA KINCAID E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE SUAS
NARRADORAS EM A SMALL PLACE (1988) E MY BROTHER (1997)

Walter Cruz Caminha


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo a investigação dos principais elementos que constituem
as identidades das narradoras nas obras A Small Place (1988) e My Brother (1997), ambas da
autora antiguana Jamaica Kincaid. Ainda jovem, Kincaid mudou-se para os Estados Unidos,
país historicamente conhecido por suas práticas colonizadoras, e lá tornou-se uma escritora
renomada. Seus romances e textos não-ficcionais trazem representações de sua terra natal e do
Caribe de modo geral, representações estas que são inundadas de nostalgia e duras críticas.
Através do uso de elementos autobiográficos, em especial detalhes de sua infância e
adolescência na ilha de Antígua, Jamaica Kincaid descreve a vida em um país que passou por
processos de colonização e descolonização longos e devastadores. Como sugerido por Susheila
Nasta em seu artigo "‘Beyond the Frame’: Writing a Life and Jamaica Kincaid’s Family Album”
(2009), Kincaid re-imagina seu passado em uma obra de escrevivência ao invés de escrever sua
autobiografia nos moldes tradicionais. Em A Small Place (1988), a autora usa as características
de um guia turístico para denunciar ao visitante inglês contemporâneo - cujos ancestrais foram
responsáveis pela colonização da ilha – a pobreza e exploração presentes em Antígua, além da
negligência dos governantes em relação aos habitantes da ilha. O texto não- ficcional também
faz uma reconstrução da história do país já que apresenta o ponto de vista do colonizado,
confrontando o registro histórico eurocêntrico amplamente divulgado nos livros didáticos. Já
em My Brother (1997), Jamaica Kincaid escreve um memoir baseado na relação com sua família
em Antígua. Após décadas sem retornar, a narradora-personagem faz diversas viagens à ilha em
um curto espaço temporal para visitar seu irmão mais novo, que está morrendo devido a
complicações da AIDS. Estas viagens levam a uma reconstrução de seu passado em Antígua,
onde morou com sua mãe, padrasto e irmãos até os 16 anos, quando migrou para os Estados
Unidos. O resgate deste passado traz referências constantes a sentimentos de pertencimento e
não-pertencimento, já que o deslocamento geográfico e o longo período afastada, além de sua
relação turbulenta com a mãe, tiveram um caráter decisivo em seu amadurecimento pessoal e
profissional. Em ambas as obras, podemos observar características

91
da construção da identidade das narradoras através de três perspectivas principais: o uso da
língua inglesa como ferramenta de colonização e manutenção de poder sobre as colônias e,
posteriormente, seu uso como forma de denunciar e combater práticas coloniais; a importância
da reescrita da História através de um olhar descentralizado e não-europeu, o ponto de vista do
colonizado; e, por fim, o uso de elementos autobiográficos de Jamaica Kincaid na construção
da narrativa e das narradoras de suas obras.

Palavras-chave: Identidade. Pertencimento. Pós-colonialismo.

92
AS MÚLTIPLAS VOZES POÉTICAS E ELEMENTOS PROTOFEMINISTAS NA
POESIA DE ANNE BRADSTREET

Aline Fernandes Thosi


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Anne Bradstreet (1612-1672), nascida Anne Dudley em Northampton na Inglaterra, foi


a primeira pessoa nos Estados Unidos da América colonial a ser publicada como poeta. Seu
primeiro trabalho, The Tenth Muse Latetly Sprung Up in America, havia sido publicado em
Londres pelo seu cunhado sem seu consentimento ou conhecimento em 1650. Apesar de não
ter estudado em uma escola por ser mulher, Bradstreet teve acesso a uma boa educação. O pai
da poeta, Thomas Dudley, educado dentro do contexto da tradição elisabetana, dedicou-se a
compartilhar os mesmos estudos e leituras com a filha. Enquanto ainda residia na Inglaterra, a
poeta passava boa parte de seu tempo na biblioteca do Conde de Lincoln, onde seu pai
trabalhava. Por ter lido diversos autores clássicos e contemporâneos, tais como Virgílio,
Plutarco, Tito Lívio, Plínio, Suetônio, Homero, Hesíodo, Ovídio, Sêneca, e Tucídides, assim
como Spencer, Sidney Milton, Raleigh, Hobbes e Du Bartas, podemos presumir que Bradstreet
incorporou em sua escrita padrões da cultura retórica elisabetana, o que levou seus
contemporâneos a acusarem-na de copiar poetas masculinos. Apesar de ser Puritana, Bradstreet
não escrevia apenas sobre religião e família. A poeta dedicou-se a escrever também sobre
assuntos públicos tais como política e história. A sua voz poética pública sustentava o direito
das mulheres de escrever e debater sobre assuntos que, no século XVII, eram de domínio
exclusivamente masculino. Ann Stanford (1975, p.1) afirma que “seus escritos desafiavam a
política inglesa, engajavam-se em embates teológicos e dissecavam a história da civilização.”
Seus trabalhos mostram sua determinação em escrever em defesa da capacidade intelectual das
mulheres, opondo-se aos mais conservadores e dogmáticos de seus contemporâneos. Ainda de
acordo com Ann Stanford (1996, p.376), “[...] para Anne Bradstreet, este dogma não significa
que as mulheres não deveriam usar nunca a sua inteligência. [...] Em outras palavras, ela não
aceitaria mulheres confinadas apenas a assuntos

93
domésticos como era esperado por John Winthrop.”1 Além de sua voz poética pública voltada
para temas gerais, há outras vozes a escutar em seus poemas. A sua voz poética privada também
não se mostra conformada com os dogmas impostos por sua religião. Heidi L. Nichols (2006,
p.118) comenta que apesar dos puritanos serem considerados pessoas severas e não
expressarem seus sentimentos abertamente, o trabalho de Bradstreet veio acabar com mais este
estereótipo. A poesia de Bradstreet dialoga não somente com o momento em que viveu, mas
representa também uma reação, um desconforto com esse momento. Sua voz poética foi
construída dentro de um contexto histórico opressor que se mostra em seus poemas engajada
com a quebra da tradição patriarcal do século XVII. Este trabalho dedica-se à análise das
múltiplas vozes poéticas de Bradstreet, afim de explorar elementos protofeministas em seus
poemas.

Palavras-chave: Anne Bradstreet. Vozes Poéticas. Protofeminsmo.

1
“Yet for Anne Bradstreet this dogma did not mean that women were not to use their wits at all. […] In other
words, she would not have women confined to household affairs to the extent expected by John Winthrop.”
(Tradução minha)

94
DA VIVACIDADE DE LADICE À PASSIVIDADE DE MACABÉA:
ESTUDO COMPARATIVO DE EXALTAÇÃO, DE ALBERTINA BERTHA E A HORA
DA ESTRELA, DE CLARICE LISPECTOR.

Danielle da Silva Leal


UERJ - Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Letras

RESUMO

Os romances Exaltação e A Hora da Estrela são obras singulares da literatura brasileira,


ambas do século XX, mas separadas por mais de 60 anos. Na obra de Clarice Lispector, aspectos
como ingenuidade, anonimato e sua não presença no mundo, sua vida miserável e seus sonhos
ínfimos, chamam a atenção não só por sua construção, mas também por sua essência, oca e
fascinante. Em contraposição a toda essa passividade e silenciamento diante da vida, está a
protagonista do romance de Albertina Bertha, Ladice, personagem romântica por excelência,
que pulsa vida e ambições dignas de uma sonhadora. Exaltação, livro de estreia da escritora
carioca, apresenta tons de inovação e introspecção, este último traço tendo sido muito caro a
Lispector. Bertha, inserida na produção literária feminina do início do século XX, romancista e
ensaísta, teve participação ativa na imprensa periódica do dado período. Lispector, autora que
possui obras fundamentais para o cenário literário brasileiro, cujo reconhecimento é
inquestionável. A hora da estrela conta com vasta fortuna crítica, que engloba as mais diversas
temáticas apresentadas no livro. Por meio de estudos realizados na área, o presente trabalho
busca explorar a temática comparatista, levando em consideração o período ao qual foram
escritos os romances, bem como os entrecruzamentos e divergências das personagens. O
silêncio de Macabéa e o grito pela liberdade de Ladice compõem as disparidades entre elas. Ao
passo que, o de Clarice, se esconde à sombra de todos, vivendo uma vida digna de pena, sem
paixão pela mesma, muito menos ambições e desejos vivaces e fervorosos. Ao contrário, a
personagem o grito de Albertina Bertha mostra- se para o mundo, sem medo de expor seus
sentimentos, que não são levados a sério devido à sua idade precoce e ao fato de ser mulher;
Ladice vive em prol de um amor fantasioso, pujante, que lhe dá sentido à existência. Tendo
como base o processo de construção das personagens, o presente trabalho pretende analisar duas
obras de autoria feminina importantes para o romance moderno brasileiro. Além de resgatar e
ressaltar a importância de Albertina Bertha nesse cenário, uma vez que a autora foi
negligenciada pela historiografia e pela crítica

95
literárias. O viés comparatista do trabalho possibilita estudar Macabéa e Ladice: seus aspectos
em comum, envolvendo o caráter introspectivo, e suas divergências, principalmente no tocante
à construção de ambas e como se configuram nas narrativas romanescas em questão. As duas
protagonistas se aproximam no que tange à opressão. Entretanto, são opressões sentidas de
formas completamente diferentes. Macabéa, retirante, ignorante e mulher, é fortemente
oprimida, mesmo sem se dar conta, pela sua condição [mínima] social. Já Ladice, muito esperta
e atenta aos mecanismos de opressão, luta contra todas as imposições de uma sociedade
machista e hipócrita através de seu comportamento transgressor. Além disso, vincular a essa
pesquisa a temática muito recorrente em Clarice e explorada em Albertina, em Exaltação: a
interiorização dos personagens principais. A subjetividade, “o olhar para dentro”, aproxima
Ladice e Macabéa em um eixo temático e formal. E a construção dessas mulheres as conecta e,
ao mesmo, repulsa, considerando o olhar da época e a motivação para tais caracterizações.

Palavras-chave: Escrita feminina. Viés comparatista. Passividade. Vivacidade. Clarice


Lispector. Albertina Bertha.

96
AS MULHERES DE MARIA BENEDICTA BORMANN/DÉLIA E CAROLINE VON
WOLZOGEN: REFLEXOS DO FEMININO NOS PRIMÓRDIOS DA SOCIEDADE
BURGUESA ALEMÃ E BRASILEIRA

Juliana Oliveira do Couto


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A Europa do século XVIII foi palco de uma drástica reconfiguração social provocada
pela ascensão e consolidação da burguesia, o que ocasionou uma alteração dos valores vigentes
e, consequentemente, uma nova visão do papel feminino na sociedade. Esta nova forma de vida
nos centros urbanos contou, porém, com um imenso abismo entre os gêneros: enquanto os
homens viam-se ante o progresso dos self made men, as mulheres ainda se encontravam sob o
jugo de uma sociedade criada por homens e para os homens. Os valores em voga, desse modo,
pautavam-se em uma rígida vigilância dos passos femininos, restringindo as mulheres e
meninas ao espaço doméstico, além da oferta de uma educação substancialmente inferior à
concedida aos meninos, a fim de prepará-las desde a mais tenra idade para a única função social
possível: o papel de mãe e esposa. As terras brasileiras abrigaram estes acontecimentos e suas
implicações somente no século seguinte. Vale salientar que esta reviravolta histórica não se
restringiu ao âmbito social, transpondo-se ao terreno literário seja ratificando, seja exprobando
os novos valores em voga. É justamente neste contexto que surge o romance moderno, grande
responsável por apresentar via literatura a nova estrutura social. Através da literatura do
período, apresenta-se ainda o ideal do amor romântico, calcado na idealização e na separação
dos corpos, o que reflete o modelo de virtude vigente. É nesta conjuntura que surgem os
romances alvo do presente trabalho: Agnes von Lilien, obra de Caroline von Wolzogen, surgida
na Alemanha em fins do século XVIII, e Lésbia, criação de Maria Benedicta Bormann (ou
Délia), vinda a lume no Brasil do fim do século XIX. O afastamento cronológico se justifica
pelo fato de as condições sociais dos países se tornarem análogas apenas através do
distanciamento temporal, afinal o Brasil presenciou as rupturas ocorridas em solo europeu
somente um século mais tarde. No que se refere ao conteúdo das obras, Lésbia se apresenta
como uma crítica feroz à posição feminina em uma sociedade que somente promove o seu
engessamento. A autora retrata uma protagonista consciente da gama de limitações à qual está
submetida e que encontra um meio de elevar sua voz em pleno domínio do patriarcado no

97
campo literário. Agnes von Lilien, por sua vez, não exibe o mesmo tom ácido, ao contrário: sua
protagonista adequa-se ao ideal de virtude imposto às mulheres de sua época, mas, ao longo da
obra, toma plena consciência dos encargos advindos deste ideal de conduta. A análise das obras
em questão configura-se, portanto, como o estudo de um importante marco no trajeto da história
das mulheres na forma como este comparece no discurso literário via pena feminina, isto é, as
protagonistas de Délia e Caroline von Wolzogen são mulheres criadas por mulheres em um
período de império da escrita masculina. Observar o peso das vozes destas mulheres se
apresenta, por conseguinte, como um retorno aos primórdios de uma problemática que, em
pleno século XXI, encontra-se longe de estar esgotada.

Palavras-chave: Papel da mulher. Délia. Caroline von Wolzogen.

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CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA NA LITERATURA DE
ENTRETENIMENTO BRASILEIRA – O PAPEL DAS LEITORAS-ESCRITORAS

Luciana Bastos Figueiredo


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Os dados divulgados pela quarta edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do


Instituto Pró-livro, divulgada em 2016, mantém a afirmativa de que mulheres leem mais que
homens, principalmente entre os jovens de 14 a 25 anos, e aponta que a produção editorial
brasileira deste segmento cresce com vigor. Surgem, então, algumas hipóteses para justificar
esse crescimento: a) as mulheres avançam mais nos estudos e, consequentemente, atingem
níveis de escolaridade mais altos que as colocam em contato mais frequente com a literatura;
b) existem mais títulos principalmente indicados para elas do que para eles; c) a figura feminina
presente nesses livros é um fator de sedução no momento da escolha da próxima leitura. Além
disso, a meu ver, esse fenômeno pode ser reflexo de um cenário social recente em que a mulher
vem recebendo maior atenção e suas questões, ganhando maior visibilidade. Há um novo tipo
de movimento de mulheres, um novo tipo de feminismo, que pode estar influenciando as novas
vozes literárias femininas que estão transformando o mercado editorial brasileiro. Destaco a
literatura de entretenimento produzida, a partir dos anos 2010, pelo que estou chamando de
leitoras-escritoras: leitoras ávidas de romances femininos – inicialmente, em sua maior parte,
estrangeiros – que se tornaram escritoras expoentes utilizando-se majoritariamente de
plataformas digitais de autopublicação, para publicar livros que abordassem o comportamento
e a vida das adolescentes e jovens mulheres dos dias de hoje, e de suas redes sociais, para manter
estreito relacionamento com as leitoras conquistadas. Diante dessa complexificidade de fatores,
um constitui meu problema principal: a figura feminina na literatura, presente nos livros que
tanto atraem a atenção das leitoras, como agente para a construção de marcos identitários
contemporâneos. Então, interessa a mim conhecer e estudar os conceitos de feminino e
feminilidade que estão sendo apresentados nessas obras. Parto do pressuposto de que tanto o
fazer literário das leitoras-escritoras quanto a experiência de leitura dessas jovens mulheres
contemporâneas são instrumentos de transformação e libertação através da linguagem, e cujos
sentidos e possibilidades serão internalizados pelo grande grupo de leitoras, para onde
convergem, na essência, os dois

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grupos citados – leitoras-escritoras e jovens mulheres contemporâneas. É a leitora, a partir de
sua experiência com a literatura, com a leitura e com o prazer experimentado, quem vai definir
essa literatura de entretenimento, e, como uma consequência lógica, o mercado editorial e
novamente as leitoras-escritoras, criando um círculo que se retroalimenta. Importante
questionar aqui, então, se esse círculo tão profícuo vai estagnar-se e apenas reproduzir discursos
pré-fabricados ou se continuará produzindo novos significados no tocante à identidade feminina
e ao lugar da mulher na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Literatura contemporânea brasileira. Literatura de entretenimento. Identidade


feminina. Leitura. Leitoras-escritoras.

100
PERCEPÇÃO, TÉCNICA E LITERATURA NA BELLE ÉPOQUE

Eliane Waller
UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Nesta comunicação serão apresentados os elementos a serem estudados em minha tese


“Percepção, choque e técnica na Belle Époque”, como doutoranda em Teoria da Literatura e
Literatura Comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O trabalho de pesquisa se
concretizará a partir da análise da relação entre literatura e a técnica, no contexto da
modernização da percepção e da experiência urbana, nas primeiras décadas do século XX.
Buscará, também, perscrutar as mutações por que passa a subjetividade moderna, sobretudo no
que diz respeito às diferenças de percepção do indivíduo, suas novas relações espaço-temporais,
vinculadas e relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação,
informação e deslocamento. A pesquisa partirá da análise da concepção de modernidade
neurológica, com base nas reflexões de Walter Benjamin, Siegfried Kracauer e Georg Simmel.
Esses pensadores fixaram-se na ideia de que tal concepção provocou um novo registro de
experiência subjetiva, caracterizado por choques físicos e perceptivos. Segundo Georg Simmel
(1950): “A modernidade envolveu a ‘intensificação da estimulação nervosa’, que resulta da
mudança rápida e ininterrupta de impressões interiores e exteriores”. Apesar da excelente
contribuição da Profa. Flora Sussekind, em Cinematógrafo das letras (1987), no qual ela sugere
uma história da literatura brasileira que leve em conta suas “relações com uma história dos
meios e formas de comunicação”, esse estudo pretende discutir a maneira como a literatura
assimilou essas inovações. O que Sussekind procurou fazer foi examinar de que forma a
aproximação da literatura com o horizonte técnico passa a “enformar” a produção cultural: “Não
se trata mais de investigar apenas como a literatura representa a técnica, mas como,
apropriando-se de procedimentos concernentes à fotografia, ao cinema, ao cartaz, transforma-
se a própria técnica literária”. (SUSSEKIND, F.: 1987, p. 23-4). Esse estudo pretende
aprofundar os estudos nos teóricos que discorrem sobre a concepção neurológica da
modernidade e identificar, em textos de Lima Barreto (1881-1922) e João do Rio (1881 – 1921),
como ocorreram modificações nos modos de percepção do sujeito, não só em relação a toda a

101
mudança de cenário ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, num momento de grandes alterações
físicas, geradas pelo famoso “Bota -Abaixo”, mas também como os intelectuais da época
lidaram, em seus textos, com a tecnologia que transformava o cotidiano dos cidadãos. A
pesquisa apresenta a proposta de analisar os romances Recordações do escrivão Isaías Caminha
e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá e contos escolhidos de Lima Barreto; as crônicas de
João do Rio (Vida Vertiginosa, Cinematógrafo), de Benjamim Costallat (Mistérios do Rio),
crônicas escolhidas de Olavo Bilac, publicadas na Gazeta de Notícias e reunidas por Antonio
Dimas; romances de Coelho Neto (Turbilhão, Esphinge) e de João do Rio (A profissão de
Jacques Pedreira), à luz da concepção teórica de modernidade neurológica, ou seja, a questão
das mutações por que passa a subjetividade moderna no que tange à percepção, no período da
Belle Époque.

Palavras-chave: Lima Barreto e João do Rio. Literatura e imprensa. Percepção. Sujeito.


Modernidade.

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ESTÁTUA EM ROCHA VIVA: PERCEPÇÕES DE LUGAR, TEMPO E PESSOA EM
OS SERTÕES

José Maurício M. Bahri


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

No contexto das transformações que ocorreram ao longo do século XIX, o Liberalismo


tornou-se a principal corrente política e ideológica de um grupo que se firmava como
hegemônico no poder: a burguesia. Naquele momento, o Capitalismo estava se consolidando
como sistema. Após as revoluções que ocorreram ao longo do século, somadas aos debates
acerca dos direitos civis e da democracia, o Liberalismo teve um forte apelo entre a classe
burguesa, que adquiriu hegemonia política ao controlar os principais postos de comando na
estrutura burocrática que passou a constituir os Estados modernos. No seio deste processo, a
ciência concorreu para justificar a preponderância das classes mais abastadas sobre as mais
pobres, e dos povos “civilizados” sobre o que se considerava primitivo à época. No Brasil, com
a chegada do “bando de ideias novas”, e o fortalecimento de um corpo de intelectuais até então
alijados de participação política, os conceitos e teorias vindos da Europa e dos Estados Unidos
comporão a complexidade do movimento que ficou conhecido por geração de 1870. Tais
intelectuais não só reivindicaram uma presença mais efetiva na vida nacional como se
propuseram a pensar o país. No mesmo período, São Paulo começou a despontar com o
deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Sudeste, e foi particularmente atuante no
regime instaurado com a proclamação da República em 1889. Destarte, a elite paulista criou
recursos que visavam o melhor aproveitamento do solo nas plantações de café, tais como as
escolas agrícolas e a escola politécnica, bem como os institutos que cumpriam resgatar a
memória do estado na intenção de justificar a preponderância de São Paulo sobre o Brasil.
Portanto, aliando as ideologias de classe muito bem assimiladas por essa elite, que cresceu
política e economicamente na virada do século e a atividade dos intelectuais, chegamos ao papel
que Euclides da Cunha exerceu como escritor neste cenário. Não é demasiado reiterar que o
escritor foi um intelectual que se aproximou das elites paulistas no decorrer de sua vida, e que
manifestou parte dos conceitos científicos difundidos entre elas. Tais conceitos e a crença firme
do autor na ciência foram determinantes para sua escrita que é, ao mesmo tempo,

103
abrangente e labiríntica. E com isso queremos mencionar não somente a tentativa de abarcar
vários ramos de estudo – Antropologia, Sociologia, Botânica, Geologia etc. -, mas também o
emprego propositado de termos que confeririam à obra o caráter de um verdadeiro tratado.
Considerando sua colaboração para o jornal O Estado de São Paulo e a atuação como
correspondente durante a Guerra de Canudos, o presente trabalho pretende fazer uma leitura
que se utiliza da metáfora de uma estátua que vai se construindo ao longo das páginas de Os
Sertões, para o que contribui a compreensão de uma união entre as concepções de lugar, tempo
e pessoa. Iniciaremos com uma abordagem da pessoa que é o próprio Euclides da Cunha,
partindo de um pequeno estudo sobre o Liberalismo e suas concepções de classe, para então
verificar como esse observador se comporta ao narrar a Guerra de Canudos e pormenorizar a
região sertaneja, seu clima, seus habitantes e sua cultura.

Palavras-chave: Intelectuais. Elites paulistas. Século XIX. Ciência. Liberalismo. Euclides da


Cunha. Canudos.

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UM ESTILO DE VIDA POR TRÁS DOS BASTIDORES DA BELLE ÉPOQUE:
UMA LEITURA DO CONTO “UM E OUTRO” (1913), DE LIMA BARRETO.

Márcio Revorêdo Rodrigues


UERJ – Programa de Pós-graduação em Letras

RESUMO

O conto Um e Outro, escrito por Lima Barreto em 1913, revela, sob o ponto de vista
narrativo, imagens de uma Belle Époque e uma breve representação da alma de sujeitos que
figuram o cenário do Rio em transformação; e, nos desperta para como os hábitos, os costumes,
as experiências urbanas e humanas foram atravessadas pelas mudanças progressistas da época.
As novidades científicas, tecnológicas, capitalistas invadem, simultaneamente e com
velocidade, corpo e alma desses sujeitos, que parecem despreparados, naquele tempo/espaço, a
lidar com as provocações surgidas pela transformação da cidade, pela alteração de pensamentos
e comportamentos, pelo superestímulo injetado às sensações humanas. Através da leitura do
conto, buscaremos compreender essas alterações, mudanças e transformações – do tempo, do
espaço, do sujeito – ao observarmos a representação das personagens que figuram a narrativa.
Podemos aproximar a narrativa Um e outro da linguagem cinematógrafa – um dos símbolos da
época – não só pela linguagem empregada, mas pelas sensações que chegaremos a tomar
enquanto observadores das ações da protagonista, e, também, pela sugestão de ângulos e
movimentos escolhidos pelo “cinegrafista”. Através do discurso indireto-livre – e a exibição do
fluxo de consciência –, percebe-se a fusão entre o narrador-observador crítico barretiano e sua
personagem- protagonista. Ajustado à linguagem cinematógrafa, o narrador funde suas
observações, dotadas da experimentação do contexto da sociedade capitalista da fase de
remodelamento do Rio de Janeiro, com a consciência de Lola (a protagonista), a qual representa
uma estirpe de sujeitos modernos. Por se tratar de um conto, o nosso olhar para a narrativa será
como o de assistir a um curta-metragem, cujo cenário é enriquecido pelo contexto da Belle
Époque carioca, e o de assumir o papel de observadores das ações das personagens, do pano de
fundo e dos signos da época, sem deixarmos de apontar, no campo da linguagem, aspectos do
roteiro: a narrativa garante esse espaço para a representação de sujeitos do contexto da
modernidade em formação. É preciso, no entanto, inicialmente, compreender essa cidade que
serve de “pano de fundo” para a narrativa, porque os nossos olhares precisarão estar sensíveis

105
às experiências tanto urbanas quanto íntimas: a cidade pode inteferir na vida dos indivíduos
tanto quanto a vida dos indivíduos pode interferir na cidade. A ideia de uma análise próxima da
vivência (ou da experiência de vida) permitirá que enxerguemos os dois lados da moeda: o
físico e o emocional de uma cidade e de seus indivíduos, de uma Lola (a protagonista) por fora
e por dentro. Em Um e outro, ganha relevo a denúncia do materialismo vazio e estúpido
superestimulado pelos valores capitalistas que interpenetravam à cidade, alastrando-se por
meios tão sedutores quanto estratégicos, pelos quais se oportunizava consumir desde artefatos
mecânicos e tecnológicos a estilos de vida veiculado e ilustrado em revistas e filmes. Lola
“morde a isca” desse “mercado” e deixa-se levar por inteira, não percebendo que quanto mais
consumisse e quanto maior fosse a sensação de grandeza e liberdade, mais acorrentava-se à
“escravidão” do capitalismo.

Palavras-chave: Narrativa brasileira. Lima Barreto. Belle Époque carioca.

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CALIBAN: A LITERATURA FESCENINA DE COELHO NETO NO GRANDE
SÉCULO XIX

Renata Ferreira Vieira


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Caliban era um dos pseudônimos mais conhecido na carreira profissional do escritor


maranhense Henrique Maximiano Coelho Neto (1864-1934). Tomado da peça shakespeariana
A Tempestade (1611), Caliban foi o nome buscado pelo Coelho Neto para assinar uma vasta
literatura fescenina do autor, repleta de “contos e poemas brejeiros” inspirados da cultura
popular da Fescênia, cidade da Etrúria onde o antigo povo romano celebrava orgias em
homenagem ao deus Baco, surgindo daí a origem do adjetivo fescenino para designar libertino,
licencioso ou obsceno. Essa literatura foi publicada, anteriormente, na coluna satírica “O
Filhote”, do jornal carioca Gazeta de Notícias, entre 2 de agosto de 1896 e 28 de maio de 1897.
Tendo fortes marcas do humanismo renascentista de Boccaccio e Rabelais, esses textos foram
reunidos em 6 volumes e publicados pela prestigiosa editora Laemmert em 1897 e 1898, com o
título Álbum de Caliban. O sucesso de vendas dos seis volumes de Álbum de Caliban, na última
década do século XIX, trouxe de volta as “brejeirices de Caliban”, em 1905, na revista carioca
O Malho, em formato de novelas ilustradas para agradar ao “público de calças e causar invejar
ao outro” (O Malho/RJ, 14/01/1905, p.4). Com textos semelhantes à edição de estreia, Álbum
de Caliban conquistou o gosto popular e rendeu ao O Malho um aumento considerável de sua
tiragem. O livro tornou-se na “sensação do momento”. Segundo a imprensa, os “textos picantes”
de Caliban, ao lado das “caprichosas ilustrações” de mulheres seminuas, eram um regalo para
todos que buscavam um “alegre passatempo” em meio à “árdua labuta diária do ganha-pão” (O
Malho/RJ, 21/01/1905, p.4). Após a repercussão em O Malho, uma nova série do Álbum de
Caliban foi reeditada em brochura (com fotos de mulheres nuas) e colocada à venda nos pontos
de jornais de Braz Lauria, na Rua do Ouvidor, no centro da cidade do Rio de Janeiro. A partir
desse contexto, a comunicação apresentará como o escritor Coelho Neto construiu sua imagem de
autor de literatura fescenina, nas décadas de 1890 e 1910, por meio do pseudônimo de Caliban
para atender o mercado da “leitura alegre”, que surgia nas práticas do comércio livreiro carioca para
publicação de livros de conteúdos licenciosos e pornográficos. Com o objetivo de compreender
a construção do “obsceno e

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brincalhão” Caliban pela escrita fescenina de Coelho Neto (A Notícia/RJ, 18/02/1898, p. 2),
este trabalho terá dois focos de interesse. O primeiro foco é a compreensão dos processos de
criação desse pseudônimo, que permitia Coelho Neto a expor sua “persona” mais atrevida e
desafiadora nos textos destinados para o mercado da “leitura alegre”. O segundo foco de
interesse é a investigação sobre a trajetória (de êxitos) de Caliban pelos jornais e pela livraria-
editora Laemmert na última década do século XIX, como também pelos circuitos alternativos
para a produção e venda de “livros perigosos”, das revistas cariocas O Malho e O Rio Nu na
primeira década do XX. Para cumprir o objetivo do trabalho, a pesquisa levantará informações
sobre a atuação de Coelho Neto no mercado da “leitura alegre” e a primeira circulação do livro
Álbum de Caliban durante o grande século XIX no Acervo da Hemeroteca Digital Brasileira da
Biblioteca Nacional, por meio dos pressupostos teóricos da história do livro e da leitura
(CHARTIER, 1990).

Palavras-chave: Coelho Neto. Caliban. Literatura fescenina.

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PONTO DE VISTA NARRATIVO E SUBJETIVIDADE EM VIDAS SECAS, DE
GRACILIANO RAMOS.

Andréia Queila Santos Gomury


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

A partir do esquema historiográfico teleológico realista apresentado por SODRÉ (1964)


e por BOSI (2006), observamos uma progressão evolutiva nos modos de representação do real
no sertanismo: sertanismo romântico como “pequeno realismo da minúcia” (1964, p. 324);
sertanismo naturalista como “concepção mimética da prosa” (2006, p. 207); sertanismo
modernista um realismo de “visão crítica” (2006, p. 389). Esse esquema historiográfico pode
ser compreendido, em termos barthesianos, como um progressivo aumento do efeito de real
produzido pela nossa literatura, do romantismo ao modernismo, em direção àquilo que
BARTHES (1988) chama de “ilusão referencial”. Para Bosi e Sodré, Graciliano Ramos atinge
seu ponto alto com Vidas Secas, visto como “obra prima da sobriedade formal” na qual “o
esforço de objetivação foi bem logrado” (BOSI, p. 403). A leitura temática das obras de
Graciliano, em especial Vidas Secas, é questionada por CANDIDO (1989). Tal questionamento
vai ao encontro da análise de CRISTÓVÃO (1986) em relação ao ponto de vista em 3ª pessoa
em Vidas Secas. Por meio dessa análise, podemos entender a construção deste ponto de vista
na obra de Graciliano. O escritor não apreciava o tipo de narrador onisciente, pois ultrapassava
a experiência individual por saber demais, e incorreria na inverossimilhança, violando o critério
estipulado por ele do que seria a verdade na escrita. Mesmo com a alegação de Cristóvão de
uma “onisciência verdadeira da 3ª pessoa nas descrições exteriores”, esta pode ser contestada
quando lembramos, com RABATEL (2008), que a ideia de uma “focalização zero” não resiste
à análise, tampouco a de focalização externa”, pois não há outra instância enunciativa e
narrativa, além do narrador e personagem. Segundo PAGEAUX (2011), “a imagem é uma
espécie de língua, de língua segunda para dizer o Outro e, consequentemente, para dizer um
pouco de si, de sua cultura” (p.111). Pageaux ainda explica que “num dado momento histórico,
numa sociedade determinada e num quadro cultural estabelecido, não se pode dizer tudo e
qualquer coisa sobre o Outro” (p. 113). Essas afirmações podem ser suplementadas pela teoria
da referenciação de MONDADA & DUBOIS (2003). Para elas, a referenciação não está
ancorada em um “valor de verdade”,

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mas em verdade enquanto construção. A construções dos objetos de discurso é marcada pela
instabilidade das categorias, ou seja, “o problema não é mais, então, de se perguntar como a
informação é transmitida ou como os estados do mundo são representados de modo adequado,
mas de se buscar como as atividades humanas, cognitivas e linguísticas, estruturam e dão
sentido ao mundo” (2003, p.20). Segundo Rabatel “o sujeito, responsável pela referenciação do
objeto, exprime seu PDV, tanto diretamente, por comentários explícitos, como indiretamente,
pela referenciação, isto é, pelas escolhas de seleção, de combinação, de atualização do material
linguístico”. Percebemos em Vidas Secas, por meio, também, da análise dos vocábulos, as
marcas de subjetividade do narrador, a posição assumida que deixa marcas de si em seu
processo criador; as marcas de um Eu (o narrador) que constrói a imagem do Outro, do
sertanejo, no caso. Portanto, mesmo sendo considerado um romance regionalista, marca não
uma adesão pura e simples às tendências literárias dominantes da época, mas as contemporiza
e ultrapassa.

Palavras-chave: Historiografia. Imagem. Ponto de vista. Vidas Secas.

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O TRÁGICO E OS DIFERENTES MODOS DE PERCEPÇÃO DA LITERATURA DE
LÚCIO CARDOSO

Erica Ingrid Florentino Gaião


UFRJ – Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas

RESUMO

Lúcio Cardoso (1912-1968) é um autor importante para a historiografia da Literatura


Brasileira, pelo conjunto de sua obra que inclui romances, novelas, contos, poesias, peças
teatrais, roteiros para o cinema e autobiografia, pela sua intensidade narrativa, pela forma
poética com a qual desenvolve os seus temas e pelo movimento literário que participou entre os
anos 30 e 40, um período de grande relevância para a literatura nacional, conhecido como a
“Era do romance brasileiro”. Sua expressão no cenário da literatura decorre do fato de ter
aderido ao projeto intimista, a partir da publicação de seu terceiro livro, A luz no subsolo (1936),
consagrando-se como um autor da vertente psicológica do romance brasileiro, imediatamente
após ter publicado dois romances reconhecidos pela crítica literária como obras de cunho
regionalista, tendência da Literatura Brasileira predominante no período. Do universo criado
por Lúcio Cardoso emergem seres dominados por forças antagônicas, e na constituição de suas
personagens a presença do trágico se firma como a representação de um dos aspectos
fundamentais da condição humana. No antagonismo entre as forças – que ocorre no centro da
oposição apolínea e dionisíaca –, articulado pelas paixões, encontra-se a potência que move as
ações de suas personagens angustiadas, aflitas e ávidas por uma verdade existencial e
metafísica. Portanto, a experiência do trágico em Lúcio Cardoso remete o leitor à identificação
das condições existenciais circunscritas na própria realidade na qual o sujeito se insere: a
iminência da morte, a inexorabilidade do tempo, as relações com o Outro, o medo e a angústia
que contornam as experiências humanas, são fatores geradores de conflitos revelados nos
cenários construídos por Cardoso. Tomando como referência o trágico enquanto categoria
estética, a presente pesquisa tem por objetivo confirmar a existência de um fio condutor que
unifica a produção artística de Lúcio Cardoso, tendo como objeto de análise um corpus ficcional
composto por diferentes gêneros narrativos. Supõe-se que o fio condutor que interliga as obras
do ficcionista mineiro estrutura-se a partir da configuração do espaço e da construção de suas
personagens, estas dotadas de características específicas, mormente quanto à questão
relacionada ao dilaceramento interior e à morte, aspectos que permeiam a estética

111
trágica enquanto categoria da condição humana. Para comprovar tal hipótese tomou-se como
referencial ficcional as novelas Mãos vazias (1938) e O enfeitiçado (1954), o conto “A escada”
(1947) e a peça O escravo (1945). Obras escritas e publicadas em momentos distintos da
trajetória de Lúcio Cardoso, mas que apresentam elementos comuns no tocante aos espaços e
às personagens, embora as estruturas dos enredos sejam diferenciadas. Diante de um projeto
estético tão amplo e singular, entende-se que a relevância da pesquisa apoia-se estrategicamente
na intenção de investigar diferentes textos de Lúcio Cardoso, tendo como referencial
perspectivas comuns, para comprovar a hipótese de que a diversificada produção artística
empreendida por Cardoso está alicerçada por um fio condutor que a unifica. Ademais, a presente
proposta, amplia o olhar sobre um autor tão importante para a Literatura Brasileira.

Palavras-chave: Trágico. Lúcio Cardoso. Literatura Brasileira.

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HOMO FABULATOR: O ETERNO JOGO DA FÁBULA E DO MITO

Guilherme de Figueiredo Preger


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

O presente resumo investiga as relações teóricas entre fábula e mito segundo a obra de
vários autores. Inicia debatendo a tese histórica de Yuval Noah Harari da “Revolução Cognitiva”
do Homo Sapiens que postula o mito como uma “ordem imaginada” social, porém inexistente.
O que caracteriza a espécie do Homo Sapiens, segundo o historiador, é sua capacidade de
produzir ficções que funcionam como ordens imaginadas e permitem a colaboração simultânea
de milhões de indivíduos. Depois o estudo enfoca a tese de Italo Calvino de que a fábula precede
o mito, num jogo entre variação e constância. O mito é uma fábula privilegiada ou hegemônica
e funciona como um “atrator de fábulas”, ou um filtro de narrativas, selecionando as histórias
que são do interesse das classes dominantes. A fábula, no entanto, representa uma pulsão
combinatória da fala e funciona como um “pulmão” do mito, variando e oxigenando o repertório
de narrativas sociais. Em seguida, aborda a concepção cibernética de Bruce Clarke da narrativa
como “organização social de traços”. Todo traço é uma distinção entre um espaço marcado por
uma observação e outro não marcado. Porém, aquilo que não é marcado “reentra”
necessariamente no marcado, como contexto não observado ou como inconsciente. A narrativa
é o jogo entre o que se diz e o que se observa e também com aquilo que é silenciado e não visto.
Em seguida, o tema clássico de Roland Barthes da mitologia no mundo contemporâneo é
discutido com sua concepção de que o mito é uma “fala roubada”. A mitologia é um sistema
semiológico secundário no qual um signo material ocupa o lugar de significante. Com isso, um
processo de significação sequestra o lugar do significado anterior, deformando-o. Em seguida,
numa interlocução com as obras clássicas de Platão e Aristóteles, é realizada uma comparação
entre a distinção fábula/mito e diegesis/mímesis. Enquanto Platão reprova o poder ilusório da
mimese, valorizando a diegese, Aristóteles irá privilegiar a primeira em detrimento da segunda.
Toda sua Poética se desdobra numa discussão sobre a tragédia enquanto forma mimética.
Finalmente, é proposta uma comparação última com os conceitos de mutação e metamorfose,
retirados tanto das ciências biológicas, como das teorias semióticas de Julia Kristeva e Roland
Barthes. Em particular, as

113
camadas conceituais de genotexto e de fenotexto são aquelas que produzem os efeitos textuais
da mutação e da metamorfose. Não há entre elas relação de causa e efeito, mas sim uma relação
não linear. Mutações no código linguístico provocam metamorfoses estilísticas. As fábulas são
assim veículos de mutações, enquanto os mitos são submetidos a deslocamentos metamórficos.
Todas essas teorias ajudam a defender a tese de que mais do que Homo Sapiens, a espécie é
antes a do Homo Fabulator. Fabulator é aquele que fala e fabula. Em conclusão, o mito
representa um controle sobre o ato da fala que gera a fábula, restringindo sua proliferação e
diversificação.

Palavras-chave: Fábula. Mito. Narratologia. Diegese. Mimese.

114
O SERTANEJO GRACILIÂNICO EM PERSPECTIVA INFRAGENÉRICA

Thayane Verçosa da Silva


UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro

RESUMO

No período entre março de 1941 e agosto de 1944, Graciliano Ramos colaborou ativamente
com a seção “Quadros e Costumes do Nordeste” de Cultura Política: Revista Mensal de Estudos
Brasileiros, o principal veículo doutrinário do Estado Novo. No artigo “A vida sertaneja entre a
ficção e o testemunho: os ‘Quadros e Costumes do Nordeste’ de Graciliano Ramos” (2015), Thiago
Mio Salla observa que “os textos [...] destacam-se [...] em função dos recursos retórico-estilísticos
mobilizados pelo escritor” e que “costumavam orientar-se pelo efeito de ficção, aproximando-se,
sobretudo, dos protocolos do conto e do retrato, seja de tipos, seja de situações”. Na sequência, ele
também afirma que “por mais que Graciliano se valesse da ênfase em elementos ficcionais [...],
avulta também a construção do efeito de real, em decorrência, sobretudo, do enquadramento
documental”. Para o autor, portanto, o efeito de real está estritamente ligado ao documental, em
oposição ao ficcional, oposição que não se mantém em face da leitura dos célebres ensaios em que
Roland Barthes tratou do assunto. Para Barthes, o efeito de real emerge da “colusão direta” de um
significante e de um referente, em detrimento do significado, algo verificado nas mais diversas
manifestações discursivas, verbais e não verbais: “Há um gosto de toda a nossa civilização pelo
efeito de real, atestado pelo desenvolvimento de gêneros específicos como o romance realista, o
diário íntimo, a literatura de documento, o noticiário policial, o museu histórico, a exposição de
objetos antigos, e principalmente o desenvolvimento maciço da fotografia, cujo único traço
pertinente (comparada ao desenho) é precisamente significar que o evento representado realmente
se deu” (BARTHES, “O discurso da história”, 1967). A objetividade do que “realmente se deu”
aparece como “uma forma particular de imaginário, o produto do que se poderia chamar de ilusão
referencial”, afirma Barthes, concluindo: “Essa ilusão não é exclusiva do discurso histórico:
quantos romancistas [...] imaginam ser ‘objetivos’ porque suprimem nos discurso os signos do eu!”
(Ibidem). Assim, perguntamo-nos qual é a linha que separa, afinal, o documental do ficcional na
obra de Graciliano. Essa questão só pode ser enfrentada a partir de uma leitura “infragenérica”

115
(ARAÚJO, 2015) dos escritos do autor, isto é, de uma leitura que, sem ignorar ou negar a existência
de gêneros discursivos diversos, busca justamente rastrear o processo de constituição dos mesmos.
Ao tratar dos “Quadros” de Graciliano, Salla (2015) também afirma que: (a) “nos textos que têm
como cenário uma pequena cidade sertaneja, de maneira semelhante ao que fizera em Caetés (1933)
[...], a ênfase do cronista recai sobre o registro do cotidiano rasteiro da municipalidade, povoado
de tipos miúdos que se moviam na província ‘insípida’”; (b) “[n]as crônicas que privilegiam o
espaço rural [,] [...] tomam corpo, principalmente, uma galeria de chefes rurais, mandões da mesma
estirpe de Paulo Honório, de S. Bernardo (1934)”. Propomos, então, uma análise da figuração do
sertanejo em Graciliano, em duas partes: (i) comparação entre a construção dos “tipos miúdos” dos
“Quadros” e a dos personagens de Caetés; (ii) comparação entre a construção dos “chefes rurais”
dos “Quadros” e a de Paulo Honório.

Palavras-chave: Sertanejo. Graciliano. Perspectiva Infragenérica. Efeito de Real.

116
OS MUNDOS FICCIONAIS DE CONCEIÇÃO EVARISTO

Angélica Maria Santana Batista


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Maria da Conceição Evaristo de Brito nasceu em Belo Horizonte em 1946. Conciliando


maternidade, docência e estudos (é mestre em literatura brasileira pela PUC e doutora em
literatura comparada pela UFF), conseguiu ser publicada em diversas antologias e foi agraciada
em 2015 com o prêmio Jabitu com seu livro de contos Olhos d’agua. Sua literatura se propõe a
ser uma “contrafala ao discurso oficial, ao discurso de poder” (Evaristo, 2004, p. 3), visto que,
para a escritora, a representação dos negros, em especial da mulher negra, nunca foi bem
estruturada, pois o discurso oficial sempre foi branco, eurocêntrico e elitista. Assim, torna-se
necessário contar histórias, casos, personagens, tempos e espaços ignorados. Os referentes
extratextuais podem ser imitados ou desafiados de acordo com os diferentes modos de sensação
de realidade erigidos pelo texto. Dependendo da “fidelidade” da realidade simulada, podem-se
erigir diferentes gradações de realismo. A configuração da realidade é a configuração de um
dado mundo que respeita as construções ficcionais. Os diferentes mundos possíveis ficcionais
são escolhas e estratégias do autor em consonância com os modos de leitura do receptor. Pode-
se afirmar, por outro lado, que é possível inferir que a narrativa contemporânea é uma criadora
de mundos complexos, tendo em vista a necessidade de perspectivação da contemporaneidade.
Isso se dá pela insurgência de novas forças que questionam e relativizam o próprio surgimento
(e consistência) dos discursos. O sentimento de fragilidade dos discursos nutre a produção de
autores cujos mundos criados tematizam histórias de personagens marginalizadas. Se as
verdades não são eternas, as figurações e representações também não o são. O centro
questionado não é o falso desaparecimento de ideologias, mas sim a multivisão e a inter-relação
de mundos possíveis (redimencionados quando se trata de ficção). Os textos de Conceição
Evaristo constroem um mundo que se insurge contra a representação tradicional da mulher
negra. Isso ocorreu no decorrer da história das ideias no Brasil porque “consideradas primitivas,
as atividades desempenhadas pelos afro-brasileiros eram vistas como uma patologia,
evidenciando o reflexo de um período de plena vigência do determinismo discursivo em que a
hierarquia das

117
raças era pauta principal dos debates”. (SILVA, 2010, p.52). Como resposta a essa hierarquia,
os mundos representados nos textos de Conceição Evaristo são receptáculos de vivências de
mulheres, ou seja, são mundos formados por micromundos que, entrelaçados, são a resistência
contra a história oficial. Para a autora, narrar a diversidade de histórias de diferentes mulheres
negras é perpetuar a memória de um grupo a que ela pertence, é lutar contra a desmemória,
aspecto presente na realidade de culturas marginalizadas.

Palavras-chave: Mundos ficcionais. Conceição Evaristo. Personagem. Memória.


Contemporaneidade.

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QUEER AS FOLK: A RESISTÊNCIA RADICAL DE HARRY/HARRIET COMO
IDENTIDADE HÍBRIDA EM NO TELEPHONE TO HEAVEN (1987) DE MICHELLE
CLIFF

Priscila Reis Catalão


UERJ – Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

É seguro afirmarmos que não cabe mais analisarmos a produção literária


contemporânea de acordo com os padrões eruditos da tradição eurocêntrica e hegemônica que
durante muito tempo nortearam as teorias literárias. Ao debater assuntos como gênero, as
políticas de identidade e sexualidade, raça e classe devemos levar em consideração o mundo
globalizado e extremamente plural em que estamos inseridos. No entanto, uma breve pesquisa
pelos textos teóricos da área nos faz crer que muitos discursos críticos ainda pautam suas
análises das subjetividades representadas nos romances contemporâneos conforme um padrão
“branco, heterossexual, masculino e ocidental”. Se faz mister que novos olhares sejam inseridos
nos debates das políticas de identidade, gênero, raça e classe. É importante notar que métodos
que não consideram a hibridização das identidades no mundo globalizado não dão conta da
análise de obras como o livro No telephone to heaven (1987) da autora jamaicana Michelle
Cliff. Aqui nos propomos a analisar a personagem Harry/Harriet presente no livro de Cliff com
foco na hibridização de sua identidade e na performance de gênero, afinal Harry/Harriet pode
ser descrita como uma personagem que não se enquadra em padrões heteronormativos ou
mesmo que se recusa a se submeter a binarismos impostos pelo patriarcado. Além disso, iremos
levar em consideração a posicionalidade da personagem em relação à sociedade jamaicana
como está retratada no romance ele/ela expressa sua oposição política através do que Angelique
V. Nixon em sua dissertação “‘Relating across Difference’: Caribbean Feminism, bell hooks,
and Michelle Cliff’s Radical Black Subjectivity.’ chama de “Radical Black Subjectivity” . Entre
muitas identidades interessantes presentes no romance, é fácil identificar Harry/Harriet como
uma das mais fascinantes. A representação de sua subjetividade como a personificação da
resistência política é complexa e cheia de camadas. Podemos analisar Harry/Harriet através da
perspectiva da performatividade de gênero, levando em conta a abordagem de Judith Butler em
seu livro Problemas de gênero (1990) que nos diz que a mera existência de subjetividades
incoerentes como Harry/Harriet já põe em

119
cheque a noção que temos do que é uma pessoa per se e os próprios conceitos de sexo, gênero
e sexualidade, assim como também devemos encarar as relações de poder presentes na
sociedade jamaicana apresentados através da vivência de Harry/Harriet. Além disso, também
há espaço para a análise da personagem como uma metáfora para a ambiguidade da identidade
Crioula enquanto subjetividades híbridas e também como a súplica da própria terra natal para
que seus filhos retornem e lutem contra os efeitos nefastos do imperialismo. Vemos então que
No telephone to heaven é um romance que representa como a literatura pode servir de
ferramenta de resistência em um mundo onde países como a Jamaica ainda sofrem os danos
calamitosos causados por processos colonizadores e mais ainda, estão subjugados ao
imperialismo canibalista de nações hegemônicas. Sendo assim, propomos a análise de um de
seus protagonistas para que possamos sempre trazer à luz questões que não devem e nem podem
ser esquecidas.

Palavras-chave: Identidade, Hibridização, Gênero, Decolonização, Ficção Caribenha.

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COMO AS PERSONAGENS DE THE COLOR PURPLE E THE BLUEST EYE
TRADUZEM O DRAMA DA MULHER NEGRA NOS ESTADOS UNIDOS PÓS-
COLONIAL

Patricia Bellas Raiz


UERJ - Programa de Pós-Graduação em Letras

RESUMO

Estamos enfrentando um apavorante retrocesso na luta contra o racismo. Os Estados Unidos


testemunham afro-americanos sendo mortos pela polícia em todo país e, em alguns casos, os
policiais brancos sequer são punidos. No presente artigo, pretende-se analisar através da literatura,
a questão de raça, gênero e trauma de afro-descendentes nos Estados Unidos pós- colonial. Os
romances The color purple da autora Alice Walker e The Bluest eye de Toni Morrison são os
objetos de estudo deste artigo e serão usados de forma comparativa. The Bluest eye se passa em
1940, quando termina The Color purple, fazendo com que o paralelo das histórias de vida das duas
personagens seja em um contexto bastante aproximado. As personagens principais de ambos os
livros serão analisadas tanto sob a ótica do abuso sexual e físico quanto emocional. Esse abuso tem
a forma de figuras patriarcais afro-descendentes que colocam as mulheres em questão em uma
posição de inferioridade, silenciando suas vozes com violência. No pós-colonialismo, elas deixam
de ser propriedade do Estado para se tornarem propriedade dos chefes de família, pais e/ou maridos.
"You better not never tell nobody but God. It´d kill your mammy." (THE COLOR PURPLE, 1982,
p.1). Por serem apenas objetos nas mãos de ambos, as mulheres se sentiam mais à vontade na
companhia de amigas do mesmo gênero, com quem podiam desfrutar de cumplicidade e sensação
de segurança. Celie e Pecola lidam com os traumas sofridos na infância de maneiras bastante
diferentes e os desdobramentos decorrentes disso ditam os destinos das personagens. Ambas são
negras, jovens, pobres e lidam com a solidão emocional. Pecola tem uma família violenta e alienada
em relação à filha, já Celie perde a única pessoa que a ama, sua irmã. Por estar intrinsecamente
ligado aos abusos sofridos, também será ressaltada a questão da beleza negra em relação às duas.
Umberto Eco, em História da feiura, afirma que "muitas vezes, as atribuições de beleza ou de
feiura eram devidas não a critérios

121
estéticos, mas a critérios políticos e sociais." (2014: p.12). As meninas/mulheres têm uma relação
conflituosa com seus corpos, vendo-os não por seus próprios olhos, mas como um reflexo do que a
sociedade vê. Além disso, através da repetição de suas supostas falhas e fraquezas, acabam
aceitando a condição de inferioridade imposta pelo dominador. Suas identidades nesse aspecto são
criadas à partir do olhar do outro e assimiladas como tal, fazendo com que Pecola entre no mundo
da fantasia e Celie no mundo da invisibilidade como tentativa de sobreviver às pressões e ameaças
externas. Através de pontos em comum nas trajetórias divergentes das duas personagens, será
traçado um paralelo de como sujeitos femininos negros e pós-coloniais são retratados pelas suas
respectivas autoras.

Palavras-chave: Abuso, trauma, The color purple, The bluest eye, pós-colonialismo.

122
LITERATURA DA RESILIÊNCIA: A ESCRITA DE CAROLINA MARIA DE
JESUS.

Thiago Cesário Veloso


FEBP/UERJ/NEAB/SEEDUC

RESUMO

Este trabalho empenhou-se em refletir na literatura da resiliência, a literatura


feminina que resiste a dificuldade, porém que se faz. Dentre tantas escritoras da literatura
que designamos de literatura da resiliência, nos debruçamos na obra e vida da escritora
afro-brasileira Carolina Maria de Jesus e como se deu as produções de suas obras
literárias. Toda essa resistência, sobretudo na literatura, gera uma escrita que precisa se
sobressair e dá um outro acréscimo a literatura latino-americana o que gostaríamos de
conceituar de literatura da resiliência que é a habilidade de sobreviver aos infortúnios.
Toda essa luta traz para dentro do texto as marcas dessa resiliência e faz nascer uma
escrita que capta a atenção de leitores/as. Inicialmente o termo resiliência era designado
exclusivamente para a engenharia e ultimamente veio ser ressignificado na área de
humanas e constitui ter a capacidade de voltar ao seu estado normal após sofrer uma forte
pressão ou situação crítica na tentativa de alterar o seu estado natural. Utilizando-se desse
termo com a intenção de trazer esse termo para o campo literário sobretudo analisando a
escrita feminina. A escrita dessas mulheres muitas vezes enfrentou o anonimato para
poder constituir uma literatura que fosse captada pelo público em geral. Essa ação não se
deu somente na escrita, todavia na leitura também ao qual estavam limitadas somente aos
livros de culinária ou aos romances que eram feitos para mulheres. Dentre tantas
escritoras que se empenharam em criar romances, contos e memórias, gostaríamos de
trazer à baila uma escritora brasileira que faz parte do grupo de mulheres que ousaram
escrever e se junta a essa literatura de resiliência: Carolina Maria de Jesus. Mulher, negra
e moradora de uma das primeiras favelas de São Paulo. A criação das suas obras nasce de
ambientes insalubres, mas que a escritora faz uma literatura que se destaca no cânone
brasileiro e alcança notoriedade mundialmente sendo até hoje um livro lido com inúmeras
edições. Nos debruçamos sobre sua biografia e obra por se tratar de uma mulher que
resistiu ao preconceito, machismo e as lutas que travava diariamente com a fome. É
importante ressaltar as obras de Carolina Maria de Jesus que trazemos na discussão do

123
presente artigo. Sua obra resiste ao tempo e até hoje tem sido resiliente mesmo diante de
alguns críticos que afirmam que seus livros não são considerados obras literária pela
forma como foi escrito. Padrões, lugares de escrita, gênero foram alguns de padrões que
estabelecidos procuraram afastar essas mulheres do oficio literário. E as obras
Carolineanas sobrevivem e consegue ser como uma flor em meio ao deserto. Mesmo não
tendo apoio financeiro para o lançamento de outros livros, Carolina se conecta a outras
escritoras que também não tiveram o apoio mas que investem dos poucos recursos
financeiros para que fossem publicados.

Palavras-chave: Literatura; Carolina Maria de Jesus; escrita feminina

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