Você está na página 1de 8

ARTROTOMIA “VERSUS” ARTROSCOPIA: AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA DA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

ARTIGO ORIGINAL

Artrotomia “versus” artroscopia: avaliação


pós-operatória da reconstrução do
ligamento cruzado anterior*
LEONARDO CARBONERA BOSCHIN1, GERALDO DE FREITAS SCHUCK2,
GUSTAVO KAEMPF DE OLIVEIRA2, IVO SCHMIEDT3, CARLOS ROBERTO SCHWARTSMANN4

RESUMO muscular. A avaliação funcional de Lysholm foi realiza-


da 180 dias após a cirurgia. Os resultados obtidos per-
O propósito deste trabalho foi determinar de forma mitem afirmar que a reconstrução artroscópica é ca-
prospectiva, randomizada e duplo-cega se a reconstru- paz de reproduzir os resultados da reconstrução por
ção do ligamento cruzado anterior (LCA) com osso-ten- artrotomia, oferecendo reabilitação pós-operatória com
dão patelar-osso por via artroscópica oferece vantagem menos dor e melhora da amplitude de movimento e do
significativa a curto prazo sobre a reconstrução aberta trofismo muscular mais acelerada. Contudo, isso ocor-
tradicional através de artrotomia. Foram randomica- re inicialmente, uma vez que a partir do terceiro mês as
mente designados 20 pacientes com diagnóstico clínico diferenças entre a maioria dos dados analisados não
de ruptura de LCA para um dos dois grupos de trata- foram significantes.
mento: reconstrução aberta e reconstrução artroscó-
pica, sendo cada grupo formado por 10 pacientes. No Unitermos – Ligamento cruzado anterior; reconstrução artroscó-
pós-operatório, todos os pacientes foram orientados, pica
conduzidos e tratados seguindo o mesmo protocolo, tan-
to no que tange à parte cirúrgica quanto à parte fisiote-
rápica. Observações pré e intra-operatórias incluíram ABSTRACT
idade, sexo, tempo decorrido do trauma à cirurgia, lado Arthrotomy versus arthroscopy: post-operative assessment
operado, tempo de isquemia e de cirurgia e perda san- of the anterior cruciate ligament reconstruction
guínea. Avaliação pós-operatória foi realizada em um,
15, 30, 60, 90, 120 e 180 dias para avaliar dor, atrofia The purpose of this study was to determine in a prospec-
muscular, amplitude de movimento e grau de força tive, randomized, and double-blind study whether arthro-
scopically-assisted anterior cruciate ligament reconstruc-
tion using bone-patellar and tendon-bone autograft offered
* Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Comple-
xo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre/RS (SOT – CHSCPA/RS). any significant short-term advantages over traditional open
1. Membro Titular da SBOT. reconstruction through arthrotomy. Twenty patients with
2. Assistente do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Complexo Hos- clinical diagnosis of anterior cruciate ligament deficiency
pitalar Santa Casa de Porto Alegre, RS (SOT – CHSCPA/RS). were randomly assigned to one of two treatment groups:
3. Chefe do Grupo do Joelho do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do open reconstruction and reconstruction by arthroscopy,
Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, RS (SOT – CHSCPA/
RS).
each group with 10 patients. After surgery, all patients were
4. Professor Titular de Ortopedia da Fundação Faculdade Federal de Ciên- treated identically. Pre- and intra-operative observations
cias Médicas de Porto Alegre, RS; Chefe do Serviço de Ortopedia e Trau- included age, sex, side, length of surgery, length of ischemia,
matologia do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, RS (SOT blood loss, and time elapsed between lesion and surgery.
– CHSCPA/RS).
Postoperative evaluation was performed at one, 15, 30, 60,
Endereço para correspondência: SOT – CHSCPA/RS, Rua Annes Dias, s/no
– Porto Alegre, RS. 90, 120, and 180 days after the surgery, with the purpose
Recebido em 9/4/01. Aprovado para publicação em 4/12/01. of recording pain, muscular power, thigh atrophy, and range
Copyright RBO2002 of motion. Lysholm score was obtained in the 180th-day
Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002 23
L.C. BOSCHIN, G.F. SCHUCK, G.K. OLIVEIRA, I. SCHMIEDT & C.R. SCHWARTSMANN

follow-up. Results show that the arthroscopic reconstruc- ção(11), somente 11 trabalhos comparando a técnica artros-
tion can reproduce the results of the open reconstruction, cópica com a aberta foram realizados(9,12,13,14,15,16,17,18,19,20,21).
with less pain and faster rehabilitation, but only initially; O presente estudo tem como objetivo comparar os resul-
after a three-month follow-up, few differences were noted. tados do pós-operatório imediato da reconstrução do LCA
por artrotomia e o realizado por artroscopia do ponto de
Key words – Anterior cruciate ligament; arthroscopic reconstruc- vista subjetivo, analisando a dor, amplitude de movimento
tion
e grau de força e atrofia musculares e objetivo-funcional
através da escala de Lysholm(22).
INTRODUÇÃO
O joelho é uma das articulações mais comumente lesio- CASUÍSTICA E MÉTODOS
nadas em decorrência de sua estrutura anatômica, de sua
exposição a forças externas e das demandas funcionais a De um total inicial de 22 pacientes, atendidos e opera-
que está sujeito(1). O ligamento cruzado anterior (LCA) é o dos pelo grupo do Joelho do SOT-CHSCPA/RS, foram avalia-
ligamento do joelho que apresenta ruptura completa com dos, neste estudo, 20 pacientes portadores de lesão do LCA.
maior freqüência. É responsável por 50% de todas as le- Foram excluídos dois pacientes: um por complicação in-
sões ligamentares do joelho(2). tra-operatória e outro por perda de seguimento.
A ocorrência das lesões do LCA vem-se tornando mais Os critérios de inclusão foram: 1) pacientes com ruptura
freqüente devido tanto a acidentes automobilísticos como completa do LCA, confirmada pelo exame clínico através
à prática desportiva competitiva ou recreacional, esta res- dos testes de Lachman, pivot-shift e da gaveta anterior; 2)
ponsável pela maioria das lesões, principalmente quando idade entre 18 e 45 anos; 3) autorização por consentimen-
envolve movimentos de desaceleração, estresse em valgo to informado; 4) seguimento pós-operatório mínimo de seis
e rotação(3). A meta do tratamento das lesões traumáticas meses.
dos ligamentos é a restauração da anatomia e estabilidade Foram excluídos do trabalho os pacientes que apresen-
até uma condição o mais próximo possível da anterior à tavam: 1) lesão associada do ligamento cruzado posterior;
lesão(1). 2) cirurgia prévia no joelho lesionado; 3) patologia asso-
Diversos tipos de enxerto já foram utilizados para re- ciada no quadril, tornozelo ou pé; 4) qualquer lesão do joe-
construção do LCA, desde trato iliotibial, semitendinoso, lho contralateral; 5) doença osteometabólica concomitan-
gracilis, tendão quadricipital até tendão patelar(4). O en- te; 6) perda de seguimento ou seguimento incompleto; 7)
xerto autólogo osso-tendão patelar-osso tem sido, na últi- complicações intra-operatórias que alterassem a evolução
ma década, o substituto mais comumente empregado na pós-operatória;
reconstrução do LCA(5,6). Dessa forma, o tratamento da le- Os 20 pacientes foram randomicamente alocados em dois
são crônica do LCA, com uso de tendão patelar, tem-se im- grupos: grupo I – reconstrução aberta (10 pacientes), gru-
posto como técnica que oferece bons resultados. Entretan- po II – reconstrução artroscópica (10 pacientes). A fim de
to, a restauração da correta cinemática da articulação do minimizar o viés do estudo, as técnicas operatórias foram
joelho não é atingida pela complexidade do próprio liga- realizadas alternadamente. As cirurgias foram efetuadas
mento, bem como pela síndrome da instabilidade anterior entre 15 de janeiro e 10 de março de 2000. O estudo foi
com seus afrouxamentos periféricos, lesões meniscais e conduzido de maneira que tanto o paciente quanto o exa-
outros comemorativos(7,8). Em vista disso, várias modifica- minador (fisioterapeuta) desconheciam o tipo de cirurgia
ções e associações têm sido propostas para melhorar os que havia sido realizado. Os pacientes foram avaliados em
resultados da ligamentoplastia com tendão patelar(9) e, com um, 15, 30, 60, 90, 120 e 180 dias de pós-operatório, sen-
o intento de diminuir a agressão cirúrgica, desenvolveu-se do analisados dor, amplitude de movimento e grau de for-
a reconstrução do LCA sob visualização artroscópica, utili- ça e atrofia musculares. A avaliação funcional subjetiva
zada em alguns serviços, desde 1982(10). foi realizada com 180 dias de pós-operatório, utilizando-
Nos últimos 30 anos, aproximadamente 2.500 trabalhos se a escala de Lysholm(21). A medida do sangramento pós-
envolvendo a reconstrução do LCA foram realizados e, a operatório foi obtida pela quantificação do volume elimi-
despeito de na última década a sua reconstrução cirúrgica nado através do dreno de aspiração, que permaneceu nos
ter sido o procedimento ortopédico que recebeu maior aten- pacientes por 48 horas. Para fazer a análise da dor referida
24 Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002
ARTROTOMIA “VERSUS” ARTROSCOPIA: AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA DA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

pelo paciente, utilizou-se uma escala subjetiva visual de central do tendão patelar com osso da patela e da tuberosi-
dor, marcada com escalas de zero a 10, sendo zero ausên- dade tibial como enxerto livre. Uma incisão central, para-
cia de dor e 10 a pior dor imaginada pelo paciente. Assim, lela ao tendão patelar, estendendo-se do pólo inferior da
foi solicitado ao paciente que referisse a dor sentida, em patela à tuberosidade tibial, foi igualmente realizada nos
cada uma das etapas da avaliação. dois grupos. Os portais para acesso do material artroscópi-
A medida para determinação dos perímetros da coxa foi co foram realizados através da incisão cutânea utilizada
realizada em dois níveis: 10 e 20cm acima do pólo supe- para retirada de enxerto. Dessa forma, não havia, externa-
rior da patela, com joelho e quadril em extensão e quadrí- mente, diferença entre as duas técnicas.
ceps relaxado; utilizou-se para tal uma fita métrica flexível No grupo de reconstrução aberta, uma artrotomia limi-
com escala de 1cm. Os dados resultantes dessa medida re- tada foi realizada, medialmente ao tendão patelar, sem rom-
ferem-se à atrofia muscular, ou seja, foram obtidos através pimento do mecanismo extensor. A técnica cirúrgica foi
da medida do perímetro da coxa em 10 e 20cm no membro idêntica nos grupos, exceto pela utilização do artroscópio.
não operado subtraída do perímetro em 10 e 20cm da coxa O enxerto foi retirado do terço central do tendão patelar
operada. As medidas normais do perímetro da coxa encon- ipsilateral, com aproximadamente 10mm de diâmetro e os
tradas variaram de 37,5cm a 53cm a 10cm e de 46cm a fragmentos ósseos da patela e tíbia com aproximadamente
64,5cm a 20cm. 25mm de comprimento cada. O túnel femoral foi realizado
A amplitude de movimento foi obtida através da mensu- na parede póstero-lateral do intercôndilo adjacente à corti-
ração do arco de movimento, realizado com goniômetro, cal posterior do fêmur, através de guia apropriado. O túnel
nas posições de extensão e flexão máximas ativas obtidas tibial foi realizado de maneira que fique excentricamente
pelo paciente. Por conseguinte, os dados referentes à am- localizado na iminência tibial, a cerca de 0,8cm anterior
plitude de movimento foram divididos em déficit de ex- ao ligamento cruzado posterior. Os fragmentos ósseos fo-
tensão e déficit de flexão. Os valores encontrados foram ram fixados, tanto no túnel femoral quanto no tibial, com
sempre referentes ao membro contralateral do mesmo pa- parafusos de interferência. Os pacientes foram conduzidos
ciente, ou seja, utilizou-se a subtração do valor normal en- de maneira idêntica no pós-operatório e desenvolveram o
contrado no membro não operado daquele paciente do va- mesmo protocolo de reabilitação fisioterápica.
lor obtido através da extensão e flexão máxima ativa do
membro operado conseguidos pelo paciente nas diversas Análise estatística
fases da avaliação. Os valores normais de extensão varia- Utilizou-se o programa SPSS 6.0 para Windows para
ram de 0º a –2º (hiperextensão) e os de flexão, de 135º a análise estatística dos dados. Para análise de variância fez-
140º. se uso do teste de Levene e para análise de variáveis inde-
A graduação da força muscular do paciente foi realizada pendentes utilizou-se o teste t de Student. Utilizou-se sig-
baseada na tabela de eficiência muscular(1): 0 – ausência nificância de 95% (p < 0,05). Também foi considerada a
de ação muscular palpável; 1 – contração muscular palpá- análise do percentil cumulativo.
vel, mas sem produção de movimento do membro; 2 – move
o membro, mas com amplitude de movimento incompleta RESULTADOS
contra a gravidade; 3 – move o membro com amplitude
completa de movimentação contra a gravidade; 4 – ampli- Dos 20 pacientes estudados, todos eram homens (100%),
tude completa e força muscular contra alguma resistência; sendo a média de idade de 28,95 anos [30,0 no grupo I (DP
5 – amplitude completa e força muscular contra resistên- = 8,45) e 27,9 no grupo II (DP = 6,77)]. O tempo médio
cia total. transcorrido entre o trauma e a data da cirurgia foi de 16,1
A escala funcional de Lysholm gradua seus achados com meses [17,1 no grupo I (DP = 13,76) e 15,1 no grupo II (DP
base nos seguintes critérios: excelente (91-100); bom (77- = 13,99)]. Em 11 pacientes (cinco no grupo I e seis no
90); regular (68-76) e ruim (< 68). grupo II), o lado acometido foi o direito e em nove, o es-
querdo (cinco no grupo I e quatro no grupo II). Lesões
Técnica cirúrgica meniscais foram encontradas em 11 pacientes (55%), sen-
Realizou-se a plastia do LCA através da técnica de Ken- do seis no grupo I (quatro no menisco medial e dois no
neth Jones modificada, consistindo na retirada do terço menisco lateral) e cinco no grupo II (três no menisco me-
Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002 25
L.C. BOSCHIN, G.F. SCHUCK, G.K. OLIVEIRA, I. SCHMIEDT & C.R. SCHWARTSMANN

dial e dois no menisco lateral). As lesões meniscais foram DISCUSSÃO


tratadas através de meniscectomia parcial ou total, depen-
dendo do tipo de lesão encontrada. Em nove (81,8%) A reconstrução do LCA por via artroscópica tem sido
pacientes foi realizada meniscectomia parcial e em dois proposta como um método que reduz a dor, promove rea-
(18,2%), meniscectomia total. Quanto ao tempo de dura- bilitação mais precoce e permite acurácia maior no posi-
ção da cirurgia, foi encontrada média de 107 minutos (DP cionamento do enxerto(12,13,23,24). A meta deste estudo foi
= 9,19) no grupo aberto e de 138,5 minutos (DP = 15,10) determinar se existe vantagem significativa a curto prazo
no grupo artroscópico. Quanto ao tempo de isquemia, foi da reconstrução artroscópica do LCA sobre a reconstrução
encontrada média de 85,5 minutos (DP = 8,96) no grupo aberta tradicional. Este estudo examina especificamente o
aberto e de 116,5 minutos (DP = 13,55) no grupo artroscó- tempo de isquemia e de cirurgia, sangramento pós-opera-
pico. O sangramento pós-operatório variou de 240 a 330ml tório, redução da dor e o progresso da reabilitação, que
no grupo aberto (média de 274ml) e de 210 a 300ml (mé- considera a melhora da amplitude de movimento, do grau
dia de 247,5ml) no grupo artroscópico (tabela 1). de força e atrofia musculares.
Nas tabelas 2, 3, 4 (4A e 4B), 5 e 6 foram reunidos os Os dois métodos obtiveram resultados reprodutíveis e
dados referentes à análise pós-operatória da dor, força, satisfatórios; entretanto, em algumas das variáveis anali-
amplitude de movimento (déficit de extensão e déficit de sadas foram encontradas diferenças estatisticamente sig-
flexão), atrofia muscular e análise subjetivo-funcional pela nificativas. A reconstrução artroscópica é tecnicamente mais
escala de Lysholm. exigente e sofisticada e é o procedimento de eleição para

TABELA 1
Dados descritivos
Descriptive data

Nome Idade Lado Técnica Lesões Tempo do Tempo de Tempo de Sangramento


(anos) trauma à cirurgia isquemia pós-op.
cirurgia (minutos) (minutos) (mililitros)
(meses)

JH 18 D Aberto SL 18 110 090 330


EB 29 D Artroscópico MM 06 135 115 210
MMC 39 E Aberto SL 02 110 090 250
AMM 27 E Artroscópico SL 07 155 130 300
NS 28 D Aberto ML 48 110 090 275
JFC 20 E Artroscópico SL 06 120 100 230
CSM 29 D Aberto MM 06 115 090 265
ACM 28 E Artroscópico SL 12 130 110 245
GMS 22 E Aberto SL 09 090 070 240
LCS 20 D Artroscópico MM 04 160 140 250
MSL 44 E Aberto MM 30 120 090 295
MWT 30 E Artroscópico SL 14 120 100 240
NGC 24 D Aberto SL 24 100 075 300
FAT 35 D Artroscópico MM 30 135 115 265
NDQ 38 E Aberto ML 12 100 080 255
ODP 23 D Artroscópico ML 06 180 160 265
MARL 34 E Aberto SL 14 115 100 260
AAS 25 D Artroscópico MM 18 140 120 225
WS 24 D Aberto MM 08 100 080 270
JGOC 42 D Artroscópico ML 48 130 105 245

D: direito; E: esquerdo; SL: sem lesão; MM: menisco medial; ML: menisco lateral
Fonte: SOT – CHSCPA/RS

26 Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002


ARTROTOMIA “VERSUS” ARTROSCOPIA: AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA DA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

TABELA 2 TABELA 3
Dor Força
Pain Strength

Grupo Média Desvio Significância Grupo Média Desvio Significância


padrão (p) padrão (p)

Dor – 1º dia Aberto 4,1 1,37 0,010 Força – 1º dia Aberto 3,8 0,42 0,1510
Artroscópico 1,9 1,97 Artroscópico 4 0
Dor – 15º dia Aberto 3,7 1,34 0,104 Força – 15º dia Aberto 4 0 nc
Artroscópico 2,3 2,21 Artroscópico 4 0

Dor – 30º dia Aberto 1,9 1,37 0,520 Força – 30º dia Aberto 4 0 nc
Artroscópico 1,5 1,35 Artroscópico 4 0
Força – 60º dia Aberto 4 0 0,0001
Dor – 60º dia Aberto 2,1 1,29 0,008
Artroscópico 4,8 0,42
Artroscópico 0,4 1,26
Força – 90º dia Aberto 4,8 0,42 0,1510
Dor – 90º dia Aberto 1,8 1,55 0,003
Artroscópico 5 0
Artroscópico 0,1 0,32
Força – 120º dia Aberto 5 0 nc
Dor – 120º dia Aberto 0,7 0,95 0,074 Artroscópico 5 0
Artroscópico 0,1 0,32
Força – 180º dia Aberto 5 0 nc
Dor – 180º dia Aberto 0,2 0,42 0,151 Artroscópico 5 0
Artroscópico 0,0 0,00
nc: não calculado (o teste t não foi calculado porque os desvios padrões para ambos
os grupos foram zero)
Fonte: SOT – CHSCPA/RS Fonte: SOT – CHSCPA/RS

TABELA 4A TABELA 4B
Déficit de extensão Déficit de flexão
Lack of extension Lack of flexion

Grupo Média Desvio Significância Grupo Média Desvio Significância


padrão (p) padrão (p)

Déficit de extensão Aberto 06,3 04,24 0,050 Déficit de flexão Aberto 50,1 19,45 0,0900
– 1º dia Artroscópico 02,8 03,22 – 1º dia Artroscópico 36,7 13,46

Déficit de extensão Aberto 10,7 10,41 0,029 Déficit de flexão Aberto 42,5 08,58 0,0001
– 15º dia Artroscópico 02,6 02,84 – 15º dia Artroscópico 20,7 10,77

Déficit de extensão Aberto 05,8 04,89 0,005 Déficit de flexão Aberto 30,5 10,17 0,0001
– 30º dia Artroscópico 00,7 00,95 – 30º dia Artroscópico 10,6 05,48

Déficit de extensão Aberto 02,5 01,65 0,003 Déficit de flexão Aberto 19,5 09,13 0,0001
– 60º dia Artroscópico 00,5 00,85 – 60º dia Artroscópico 04,7 03,77

Déficit de extensão Aberto 01,4 01,51 0,117 Déficit de flexão Aberto 09,7 07,33 0,0040
– 90º dia Artroscópico 00,5 00,85 – 90º dia Artroscópico 01,6 02,17
Déficit de extensão Aberto 01,3 01,42 0,143 Déficit de flexão Aberto 03,4 03,53 0,0230
– 120º dia Artroscópico 00,5 00,85 – 120º dia Artroscópico 00,5 01,08
Déficit de extensão Aberto 01,1 01,29 0,234 Déficit de flexão Aberto 01,2 01,93 0,3310
– 180º dia Artroscópico 00,5 00,85 – 180º dia Artroscópico 00,5 01,08

Fonte: SOT – CHSCPA/RS Fonte: SOT – CHSCPA/RS

Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002 27


L.C. BOSCHIN, G.F. SCHUCK, G.K. OLIVEIRA, I. SCHMIEDT & C.R. SCHWARTSMANN

intervenções meniscais, o que normalmente demanda maior TABELA 6


tempo cirúrgico. O tempo médio de duração da cirurgia e Escala de Lysholm
de utilização de isquemia apresentou diferença estatistica- Lysholm’s score
mente significante (p = 0,0001), entre o grupo aberto e o
artroscópico, fato comprovado por outros estudos(15,19). O Aberto Artroscópico
sangramento pós-operatório não apresentou diferença es-
Excelente 3 4
tatisticamente significante entre os dois grupos. Witonski
Bom 5 4
e Kozlowski(19), entretanto, em seu estudo, encontraram san- Regular 2 2
Ruim 0 0

Fonte: SOT – CHSCPA/RS


TABELA 5
Atrofia muscular
Muscle atrophy
gramento significativamente menor no grupo artroscópi-
Grupo Média Desvio Significância co. A reconstrução artroscópica é referida como procedi-
padrão (p) mento que resulta em menos dor no pós-operatório(12,13,14,
15,18,23,24), fato que ajudaria a proporcionar reabilitação mais
Atrofia – 10cm Aberto 2,45 1,423 0,736
acelerada. De maneira geral, os dados analisados demons-
– 1º dia Artroscópico 2,65 1,197
traram dor menos intensa no grupo artroscópico em todas
Atrofia – 20cm Aberto 2,80 1,619 0,706 as fases da avaliação, havendo, entretanto, diferenças esta-
– 1º dia Artroscópico 2,55 1,279
tisticamente significativas apenas no primeiro (p = 0,01),
Atrofia – 10cm Aberto 2,36 0,946 0,452 60o (p = 0,008) e 90o (p = 0,03) dias de pós-operatório
–15º dia Artroscópico 2,75 1,296
(gráfico 1). Quanto à amplitude de movimento, considera-
Atrofia – 20cm Aberto 3,90 1,286 0,054 dos como déficit de extensão e de flexão, também houve
– 15º dia Artroscópico 2,75 1,207 melhor evolução no grupo artroscópico. Em relação ao
Atrofia – 10cm Aberto 2,80 1,059 0,697 déficit de extensão, valores estatisticamente significativos
– 30º dia Artroscópico 2,60 1,197 foram encontrados no 1o (p = 0,052), 15o (p = 0,029), 30o
Atrofia – 20cm Aberto 3,60 1,125 0,125 (p = 0,005) e 60o (p = 0,003) dias. Quanto ao déficit de
– 30º dia Artroscópico 2,60 1,612 flexão, as diferenças foram significativas no 15 o (p =
Atrofia – 10cm Aberto 2,70 1,273 0,640 0,0001), 30o (p = 0,0001), 60o (p = 0,0001), 90o (p = 0,004)
– 60º dia Artroscópico 2,45 1,065 e 120o (p = 0,023) dias. Esses resultados indicam que a
reconstrução artroscópica permite reabilitação mais pre-
Atrofia – 20cm Aberto 3,55 0,984 0,029
– 60º dia Artroscópico 2,40 1,173 coce após o procedimento cirúrgico (gráficos 2A e 2B).
Atrofia – 10cm Aberto 2,70 1,813 0,438
– 90º dia Artroscópico 2,20 0,823
4,5

Atrofia – 20cm Aberto 3,30 1,159 0,056 4


– 90º dia Artroscópico 2,20 1,251 3,5

3
Atrofia – 10cm Aberto 2,30 1,251 0,680
– 120º dia Artroscópico 2,10 0,843 2,5 Aberto
2 Artroscópico
Atrofia – 20cm Aberto 30,0 1,354 0,025 1,5
– 120º dia Artroscópico 1,65 1,106
1

Atrofia – 10cm Aberto 1,80 1,085 0,407 0,5


– 180º dia Artroscópico 1,45 0,724 0
1º dia 15º dia 30º dia 60º dia 90º dia 120º dia 180º dia
Atrofia – 20cm Aberto 2,55 1,300 0,029 Fonte: SOT – CHSCPA/RS
– 180º dia Artroscópico 1,40 0,809
Gráfico 1 – Evolução da dor
Fonte: SOT – CHSCPA/RS
Graph 1 – Pain course

28 Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002


ARTROTOMIA “VERSUS” ARTROSCOPIA: AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA DA RECONSTRUÇÃO DO LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR

12 60

10 50

8 40

Aberto Aberto
6 30
Artroscópico Artroscópico

4 20

2 10

0 0
1º dia 15º dia 30º dia 60º dia 90º dia 120º dia 180º dia 1º dia 15º dia 30º dia 60º dia 90º dia 120º dia 180º dia

Fonte: SOT – CHSCPA/RS Fonte: SOT – CHSCPA/RS

Gráfico 2A – Evolução do déficit de extensão Gráfico 2B – Evolução do déficit de flexão


Graph 2A – Extension recovery Graph 2B – Flexion recovery

6 primeiro e no 30o dias. Esses dados tanto podem demons-


trar reabilitação mais acelerada no grupo artroscópico como
5
que a medida realizada a 20cm pode ser mais fidedigna na
4 avaliação do trofismo muscular. As vantagens da artrosco-
3
Aberto pia na recuperação da musculatura raramente são admiti-
Artroscópico
das na literatura médica. Apesar de não ter encontrado di-
2
ferença significante em relação à performance muscular
1 entre o grupo artroscópico e o aberto, Franceschi et al(21)
0
têm opinião favorável em relação à rápida recuperação da
1º dia 15º dia 30º dia 60º dia 90º dia 120º dia 180º dia musculatura nos pacientes operados artroscopicamente,
Fonte: SOT – CHSCPA/RS
mesmo esta sendo baseada em critérios subjetivos. Por outro
Gráfico 3 – Evolução da força lado, Laffargue et al(20) encontraram diferença estatistica-
Graph 3 – Strength improvement mente significante no trofismo muscular até três meses de
pós-operatório. Em relação à avaliação subjetiva funcional
pela escala de Lysholm, nos dois grupos houve desempe-
Esses dados, corroborados por outros estudos(14,19,20), de- nho análogo, uma vez que resultados bons ou excelentes
monstram que a reabilitação é mais acelerada nos pacien- foram encontrados em 80% dos pacientes em ambos. Raab
tes operados por via artroscópica; no entanto, a partir do et al(15) apontaram dados semelhantes ao avaliar seus pa-
terceiro mês, a evolução e a recuperação da amplitude de cientes com 24 semanas de pós-operatório (86% no grupo
movimento do paciente ocorre de maneira equivalente nos aberto e 89% no grupo artroscópico de resultados bons ou
dois grupos. No que se refere à avaliação do grau de força excelentes), apesar de referir que encontraram pacientes
muscular, o desempenho dos dois grupos foi muito seme- mais satisfeitos do que seus exames objetivos indicavam.
lhante, embora tenhamos encontrado diferença significati-
va no 60o dia (p = 0,0001), indicando que o grupo artros-
CONCLUSÃO
cópico readquire força muscular muito próxima do normal
mais precocemente do que o grupo aberto (gráfico 3). A Os resultados do pós-operatório imediato aqui relatados
atrofia muscular foi avaliada em 10cm e 20cm. Com rela- permitem afirmar que a reconstrução artroscópica, apesar
ção à medida realizada a 10cm, os dois grupos se compor- de ser tecnicamente exigente e mais demorada, é capaz de
taram de maneira semelhante, não havendo diferença sig- reproduzir os resultados da reconstrução ligamentar atra-
nificativa em nenhum dos momentos. Contudo, na medida vés de artrotomia oferecendo reabilitação pós-operatória
realizada a 20cm, encontraram-se diferenças estatisticamen- acelerada, com menos dor e melhora da amplitude de mo-
te significativas em praticamente todas as fases, exceto no vimento e do trofismo e força musculares mais acentuada.
Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002 29
L.C. BOSCHIN, G.F. SCHUCK, G.K. OLIVEIRA, I. SCHMIEDT & C.R. SCHWARTSMANN

Contudo, isso ocorre inicialmente, uma vez que a partir do 13. Gillquist J., Odensten M.: Arthroscopic reconstruction of the anterior
cruciate ligament. Arthroscopy 4: 5-9, 1988.
terceiro mês de pós-operatório as diferenças entre a maio-
14. Aglietti P., Buzzi R., Andria S., Zaccherotti G.: Arthroscopic anterior
ria dos dados analisados não foram significantes e os re-
cruciate ligament reconstruction with patellar tendon. Arthroscopy 8:
sultados tendem a tornar-se semelhantes dos pontos de 510-516, 1992.
vista subjetivo e objetivo-funcionais. 15. Raab D.J., Fischer D.A., Smith J.P., Markman A.W., Steubs J.A.: Com-
parison of arthroscopic and open reconstruction of the anterior cruciate
REFERÊNCIAS ligament. Early results. Am J Sports Med 21: 680-684, 1993.
16. Garfinkel M.J., Miller L.S., Antich T.J.: Endoscopic versus two-incision
1. Miller R.H.: “Knee injuries” in Campbell’s operative surgery. 9th ed., technique of anterior cruciate ligament reconstruction using patellar ten-
Tennessee, Mosby-Year Book, 1998.
don autograft. Orthop Trans 18: 751-759, 1994.
2. Bollen S.: Ligament injuries of knee – Limping forward? Br J Sports
17. Scaglione N.A., Schwartz R.E.: Comparison of endoscopic and arthro-
Med 32: 82-84, 1998.
scopically assisted anterior cruciate ligament reconstruction. Orthop Trans
3. Marzo J.M., Warren R.F.: “Lesiones agudas del ligamento cruzado ante- 18: 743-750, 1994.
rior y del ligamento colateral medial” in Insall J.N., et al: Cirurgia de la
Rodilla. Argentina, Panamericana, 418-439, 1994. 18. O’Neill D.B: Arthroscopically assisted reconstruction of the anterior
cruciate ligament. A prospective randomized analysis of three techniques.
4. Noyes F.R., Butler D.L., Paulos L.E., Grood E.S.: Intra-articular cruci-
J Bone Joint Surg [Am] 78: 803-813, 1996.
ate reconstruction. Perspectives on graft strength, vascularization and
immediate motion after replacement. Clin Orthop 172: 71-77, 1983. 19. Witonski D., Kozlowski P.: Artroskopia czy artrotomia wodtwarzaniu
5. Gali J.C., Camanho G.L.: Altura patelar após reconstrução do ligamento wi ezadla krzyzonego przedniego zuzyciem autogennego przeszczpu
cruzado anterior com o terço médio de seu tendão. Acta Ortop Bras 2: kostno-wi ezadlowo-kostnego. Chir Narzadow Ruchu Ortop Pol 62: 233-
71-77, 1994. 238, 1997.
6. Fu F., Schulte K.: Anterior cruciate ligament surgery 1996: state of art? 20. Laffargue P., Delalande J.L., Maillet M., Vanhecke C., Decoulx J.: Re-
Clin Orthop 325: 19-24, 1996. construction du ligament croisé anterieur: arthrotomie versus ar-
7. Noyes F.R., et al: Clinical laxity tests and functional stability of the knee: throscopie. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot 85: 367-773, 1999.
biomechanical concepts. Clin Orthop 257: 84-89, 1990. 21. Franceschi J.P., Rochwerger A., Benezet P., Bataille J.F., Viton J.M.,
8. Feagin Jr. J.A.: The Crucial Ligaments. New York, Churchill-Living- Groulier P.: Étude comparative isocinetique au troisieme mois post-ope-
stone, 1988. ratoire après plastie du ligament croisé anterior sous arthroscopie ou
après mini-arthrotomie. Rev Chir Orthop Reparatrice Appar Mot 85: 708-
9. Domit Filho M., Conti C., Rodrigues A.H.: Estudo comparativo das téc-
712, 1999.
nicas aberta e artroscópica nas reconstruções do ligamento cruzado an-
terior com osso-tendão patelar-osso. Rev Bras Ortop 29: 287-294, 1994. 22. Lysholm J., Gillquist J.: Evaluation of the knee ligament surgery results
10. Dandy D.J., Flanagan J.P., Steenmeyer V.: Arthroscopy and the manage- with special emphasis on use of a score scale. Am J Sports Med 10: 150-
ment of the ruptured anterior cruciate ligament. Clin Orthop 167: 43-49, 154, 1982.
1982. 23. Jackson D.W., Jennings L.D.: Arthroscopically assisted reconstruction
11. Harner C.D.: Edital comment. Clin Orthop 325: 2-3, 1996. of the anterior cruciate ligament using a patella tendon bone autograft.
12. Bray R.C., Dandy D.J.: Comparison of arthroscopic and open techniques Clin Sports Med 7: 785-800, 1988.
in carbon fibre reconstruction of the anterior cruciate ligament: long- 24. Wilcox P.G., Jackson D.W.: Arthroscopic anterior cruciate ligament re-
term follow-up after five years. Arthroscopy 3: 106-110, 1987. construction. Clin Sports Med 6: 513-524, 1987.

30 Rev Bras Ortop _ Vol. 37, Nos 1/2 – Jan/Fev, 2002

Você também pode gostar