Você está na página 1de 21

46º Encontro Anual da Anpocs

SPG13: Emoções e afetos em perspectiva socioantropológica: objetos, teorias e debates.

As emoções e a ritualística nos Círculos de Construção de Paz nas escolas públicas

Maria Cristiane Lopes da Silva – Doutoranda em Sociologia (PPGS-UFC)


2

RESUMO
Neste presente artigo, pretendo compreender os Círculos de Construção de Paz (CCP)
mediante as emoções e sua ritualística. Essa ideia nasceu da minha experiência
profissional e acadêmica, a qual foi utilizada como pesquisa de mestrado1. Com os
resultados, fui instigada a considerar os CCPs como proposta de objeto de estudo para
meu doutoramento, agora em observância à questão das emoções que se me
apresentaram como um dos achados preponderantes na pesquisa de campo da
Dissertação. Em vista disto, busquei na proposta de objeto de pesquisa de doutoramento
a ideia de investigar as emoções reverberadas nos CCPs a partir de uma análise de
natureza sociológica. Parto do princípio de que os CCPs são compreendidos como uma
metodologia utilizada para facilitar diálogos coletivos; ou seja, trata-se de uma
estratégia usada como meio de organizar o diálogo grupal sobre o manejo dos conflitos
e como prevenção, dentre outras questões pertinentes, às várias formas de violência.
Desse modo, o objetivo maior é compreender as emoções dos sujeitos no processo de
interação face a face durante o ritual dos Círculos de Construção de Paz, observando
como as emoções influenciam na sociabilidade e no ajustamento da ordem social
escolar. Para tanto, busco entender a categoria de Círculos de Construção de Paz
segundo as idealizadoras Pranis e Boyes-Watson (2010; 2011; 2015); sobre de emoções,
conto com a discussão de Goffman (2010; 2011; 2014), de Elias (1993; 2001; 2011), de
Koury (2015; 2014; 2013; 2009; 2006; 2004; 2003) e, enquanto na visão de ritual, me
baseio no pensamento de Turner (2005; 1974). Com uma metodologia de cunho
qualitativo e sob uma perspectiva compreensiva, a ideia é aplicar entrevista em
profundidade, observação participante e, para robustecer a pesquisa, registros em diário
de campo. Como é uma proposta inicial de pesquisa, acredito que muitas reflexões e
considerações ainda serão agregadas durante a caminhada teórica e metodológica,
principalmente a partir do ingresso no campo da investigação. Deste modo, como não
tenho como falar em resultados ainda, trago algumas interpelações propositivas
definidas. Será que esses círculos são utilizados como ferramenta de enquadramento
social na escola? Em que medida os CCPs são mecanismos de revelação e

1
A pesquisa de campo do mestrado ocorreu de julho a dezembro de 2019, em uma escola da rede pública
estadual, localizada em um bairro periférico na cidade de Fortaleza- CE. Defendida em abril de 2020,
com o título “Círculos de Construção de Paz: Experiência e Olhares na Escola Pública” pelo Programa de
Pós-Graduação da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
3

silenciamento das emoções? Que emoções são reverberadas no momento do ritual dos
CCPs que influenciam o comportamento social no cotidiano escolar?

Palavras-chave: Círculos de Construção de Paz. Emoções. Ritual.

INTRODUÇÃO

Os Círculos de Construção de Paz caracterizam-se como uma metodologia que


favorece o diálogo durante o processo de interação entre os participantes; por sua vez,
vai de encontro ao desenvolvimento das emoções (PRANIS; BOYES-WATSON, 2011),
emoções estas que se manifestam a partir da interação face a face no momento do ritual,
entendendo tal interação a partir da concepção de Goffman (2011), que explica como
um encontro social de conversação, por sua vez, não está livre de constrangimento ou
vexame para um ou mais participantes na ocasião.
Nesta perspectiva, pretendo investigar os CCPs mediante a reflexão das emoções
e de sua ritualística, segundo a narrativa e o imaginário simbólico dos interlocutores,
neste caso, os professores e os estudantes da escola pública. Os citados círculos são
usados nas escolas para organizar o diálogo grupal sobre diversos assuntos,
principalmente no manejo dos conflitos e na prevenção à violência. Como argumenta
Pranis e Boyes-Watson (2011, p. 17), “o seu método busca ajudar os jovens a explorar
seu „eu espiritual e emocional‟ dentro do círculo de construção de paz, já que o
ambiente do círculo é formatado de maneira única para segurança emocional”.
Os CCPs apresentam, então, momentos em que os participantes afetam e são
afetados emocionalmente durante a conversa circular que, de alguma forma, faz emergir
emoções diversas na interação face a face de modo a propiciar uma aproximação mais
significativa com a temática. Valorosamente aproprio-me ao estudo da categoria de
Círculos de Construção de Paz recorrendo a Pranis e Boyes-Watson (2010; 2011; 2015),
a das emoções, baseio-me em Goffman (2007; 2011; 2014), em Koury (2015; 2014;
2013; 2009; 2006; 2004; 2003), em Elias (1993; 2001; 2011), e enquanto ritual conto
com a concepção de Turner (2005; 1974). Com uma pesquisa de cunho qualitativo, e
sob uma perspectiva compreensiva, apresento-me com as ferramentas: entrevista em
profundidade; observação participante; e registros em diário de campo. Essas pelo
menos são proposições iniciais como entrada no campo de pesquisa com possibilidades
de mudanças e (re)direcionamentos.
4

Contextualizando os CCPs como uma das metodologias de objetivação dos


princípios da Justiça Restaurativa2, significa dizer que se legitima como uma prática
restaurativa que favorece o diálogo colaborativo entre os sujeitos, que de alguma forma
se desentenderam e causaram algum tipo de dano um ao outro. Nessa visão, os CCPs
com sua organização circular, com seus elementos estruturantes e com os facilitadores
na condução do processo dialógico, faz com que os indivíduos tenham possibilidade de
conversar a respeito do que aconteceu, favorecendo ou não um consenso (o importante é
a possibilidade da conversa face a face) diante da situação geradora do conflito. Nas
palavras de Pranis e Boyes-Watson (2011, p. 37), “o círculo é um processo estruturado
para organizar a comunicação em grupo, a construção de relacionamentos, a tomada de
decisões e a resolução de conflitos de forma eficiente”. Os CCPs são espaços
intencionais estruturados, melhor dizendo:
O círculo de construção de paz é, acima de tudo, um lugar para criar
relacionamentos. É um espaço em que os participantes podem se conectar uns
aos outros. Essa conectividade inclui não só a ligação com o facilitador ou a
pessoa que trabalha com o jovem (professor, conselheiro e outros), mas
também com os mais participantes. O círculo pode ajudar a fortalecer a
família, dando a seus membros a chance de reconhecer seus próprios
recursos. Também pode ajudar a redirecionar uma cultura de jovens em uma
direção mais positiva, criando a oportunidade de os jovens serem uma fonte
de apoio e sabedoria um para com o outro. O Círculo de Construção de Paz é
um lugar para se adquirir habilidades e hábitos para formar relacionamentos
saudáveis não só dentro do círculo, mas também fora dele. (PRANIS;
BOYES-WATSON, 2011, p. 18)

A ideia para o estudo dessa metodologia, a priori, surgiu da minha inquietação


para saber como a proposta dos CCPs era aplicada nas escolas diante das condições
objetivas nas configurações ambivalentes e conflitantes de ordem, normalidade e desvio
dessas instituições, bem como de que modo os professores iriam receber essa
ferramenta que distorcia de algumas práticas exercidas na dinâmica escolar, haja vista
que os CCPs apresentavam uma proposição que dissociava as ações utilizadas
corriqueiramente, como as condutas coercitivas; as punições e a construção de rótulos
que são posturas habituais, atitudes essas tomadas sem que fossem propiciados diálogos
e resoluções plausíveis diante das tramas conflitantes do cotidiano.

2
Conforme as Nações Unidas (2021, p. 03), a “justiça restaurativa tem como fundamento a crença de que
as pessoas envolvidas ou afetadas pelo crime devem ter participação ativa na reparação do dano,
amenizando o sofrimento que o crime causou e, sempre que possível, tomando providências para prevenir
a recorrência do dano. Essa abordagem também é vista como um meio de promover a tolerância e a
inclusão, descobrir a verdade, encorajar a expressão pacífica e a resolução de conflitos, construir o
respeito pela diversidade e promover práticas comunitárias responsáveis”.
5

Então, como não se inquietar diante dessas questões? Sendo os CCPs um recurso
metodológico, estruturados por uma ritualística específica e por elementos simbólicos
que intencionam comportamentos contrários às condutas estabelecidas e legitimadas
pela a instituição escolar, que impacto geraria em cada questão?
Desta feita, os CCPs se constituem como objeto de meu interesse docente,
técnico e acadêmico, o que me instigou a esta pesquisa de mestrado, na qual investiguei,
por meio de entrevistas, observações e grupos de discussão, como os CCPs se
organizavam e eram experimentados na realidade de uma escola pública, e ainda a
compreender o que os sujeitos da instituição narravam sobre tais práticas. Por outro
lado, a inserção no campo e os relatos tecidos do imaginário social dos interlocutores
escolares apresentaram outros elementos que não puderam ser discutidos naquele
momento, sobretudo por conta do objetivo da pesquisa de mestrado, bem como do
tempo necessário para concluí-la.
Assim, as observações empíricas, aliadas aos estudos teóricos sobre o tema,
propiciaram outras incompreensões e insights, dentre os quais os significados sobre o
ritual e os elementos simbólicos utilizados nos CCPs, que nas narrativas dos
interlocutores apresentavam reflexões diversas. Outra questão que também foi revelada
na pesquisa de mestrado foi a efervescência de muitas emoções reverberadas nas
interações dos participantes dos CCPs como a vergonha, o medo, o constrangimento e a
pertença, somente para citar algumas. Enfim, as falas de cunho emotivo me instigaram a
investigar as emoções para além do campo teórico da psicologia, da neurociência e da
visão holística que permeiam as discussões sobre os CCPs.
Nessa acepção, fiquei tentada a sentir e a compreender o que aflora ali no ritual
dos CCPs a partir das narrativas dos professores e dos alunos. Será que esses círculos
são utilizados como ferramenta de enquadramento social nas escolas? Em que medida
os CCPs são mecanismos de revelação e silenciamento das emoções? Que emoções são
reverberadas no momento do ritual dos CCPs que influenciam o comportamento social
no cotidiano escolar?
Por esse ângulo, o principal objetivo do presente estudo consiste em
compreender as emoções que emergem dos sujeitos no processo de interação face a face
durante o ritual nos Círculos de Construção de Paz nas escolas públicas estaduais do
município de Fortaleza, no Estado do Ceará, observando como as emoções influenciam
na sociabilidade e no ajustamento da ordem social escolar.
6

CONCEPÇÕES TEÓRICAS PROPOSTAS

Nesta investigação, as categorias definidas são os Círculos de Construção de


Paz, o ritual e as emoções. Como bases para formulação destes debates, aproprio-me de
autores como Boyes-Watson e Pranis (2015; 2011; 2010), Goffman (2010; 2011; 2014),
Santos (2009; 2018), Turner (2005; 1974), Elias (2011; 2001a; 1993) e Koury (2015;
2014; 2013; 2009; 2006; 2003) entre outros renomados autores que o campo e o objeto
forem pedindo e apresentando. O porquê desta escolha se dá por conta da proximidade
das discussões referentes ao tema até o presente momento, tendo eu ciência de que no
desenrolar da construção teórica e metodológica outras acepções poderão ser agregadas
às reflexões aqui exigidas.
Sobre os Círculos de Construção de Paz, venho aprofundar o seu significado e a
sua definição, a partir da leitura das precursoras no Brasil dessa ferramenta, de Boyes-
Watson e Pranis (2010; 2015; 2011), haja vista que são duas referências mundiais sobre
essa ferramenta, principalmente no contexto escolar (PELIZZOLI, 2014). Entretanto,
percebo que não bastaria para este estudo deter-me somente a essas autoras, até porque
seus saberes podem está relacionados na linha holística, psicológica e na neurociência,
cabendo, então, outros estudos, como a sociologia, para contemplar minhas colocações
e responder minhas indagações.
Para essas autoras, os Círculos de Construção de Paz são espaços de diálogos
que nasceram dentro dos princípios e valores da justiça restaurativa. Sendo essa justiça
uma filosofia que tem outro olhar sobre o crime e os delitos cometidos na sociedade
(AMSTUTZ; MULLET, 2012), ou seja, “para a Justiça Restaurativa o „fazer justiça‟
começa na preocupação com a vítima e suas necessidades, ela procura, tanto quanto
possível, reparar o dano – concreta e simbolicamente” (ZEHR, 2015, p. 38).
Cabe ainda salientar que os CCPs são considerados uma das práticas
restaurativas, uma metodologia que efetiva o que defende a justiça restaurativa. É uma
das práticas que põe em movimento o que se denomina de princípios e valores desta
justiça, uma aplicabilidade que se desenrola em formato geográfico circular por meio de
conversas entre os participantes. Por essa introdução, muitos aspectos podem ser
levantados, mas a ideia é trabalhar o conceito desses CCPs entendendo a sua origem
para que outras discussões sejam incorporadas ao debate. Apesar de ter esboçado um
pequeno ensaio na Dissertação, merecendo uma interpretação sociológica mais ampla,
principalmente no enfoque do estudo das emoções que no comportamento e na interação
7

face a face dos interlocutores revelaram diversos sentimentos, tal prática conclui-se
como algo positivo no processo de intermediações.
Neste sentido, introduzo ao conceito dos CCPs a visão de Goffman (2011, p. 97)
sobre “encontro social”, “uma ocasião de interação face a face, começando quando os
indivíduos reconhecem que foram movidos para a presença imediata uns dos outros e
terminando com uma retirada aceitável da participação mútua”. É nesse viés que os
CCPs acontecem como verdadeiros encontros de interações entre os participantes.
Até aqui, dialoga-se com Boyes-Watson e Pranis (2011) que afirmam que os
CCPs são espaços de interações dialógicas, nas quais os indivíduos, cada qual ao seu
tempo, tem seu momento de fala e escuta, favorecendo um espaço seguro. Porém,
seguindo o raciocínio de Goffman (2011), esses encontros sociais podem ocasionar,
dependendo do propósito e do quantitativo de pessoas, momentos constrangedores e
vexatórios. Ainda, para serem aceitos, assumem “fachada”, mesmo inconsciente, para
permanecerem no encontro, o que Goffman (2011) atribui como “manobras protetoras”
que defendem a fachada de si e do outro nas interações.
Na interação face a face, o indivíduo pode ficar acanhado, resultando certo
constrangimento, mas com função social, na qual o “[...eu projetado de um indivíduo é
ameaçado durante a interação, ele pode, com prumo, suprimir todos os sinais de
vergonha e constrangimento...]” (GOFFMAN, 2011, p. 107), que não interfere no fluxo
do ritual, o que possibilita a interação fluir sem quaisquer pormenores.
Estes aspectos, portanto, não são considerados por Boyes-Watson e Pranis
(2015, 2011), mas que no campo empírico, tanto na experiência como docente e quanto
como pesquisadora, pude observar em algumas narrativas e situações alguns
constrangimentos e, ao mesmo instante, certa preservação da fachada no sentido
„goffmaniano‟ de entender.
Segundo Pranis (2010), os CCPs foram propagados em diversos contextos com
objetivos diferentes, estes passaram a ser conhecidos com tipologias diferentes:
“Diálogo; Compreensão; Restabelecimento; Resolução de Conflitos; Reintegração;
Sentenciamento; Apoio; Construção do Senso Comunitário; e Celebração” (PRANIS,
2010, p. 28). Então, para entendê-los, associo à noção weberiana de “tipos ideais" uma
forma epistemológica de entendimento mental para explicar a função que cada um
ocupa dentro da estrutura generalizante, para assim se construir uma formulação tipo
ordenada de compreensão e aplicabilidade de cada um dos conceituados a eles
determinados.
8

A expressão propriamente dita “Círculos de Construção de Paz” veio a partir dos


anos de 1970, com a experiência jurídica do juiz Barry Stuart, na qual em suas
audiências com povos indígenas estes apresentavam resistências para o cumprimento
das determinações da justiça tradicional, que não aceitava as formas como eram tratados
para resolver seus conflitos, um terceiro – juiz – determinando o que eles teriam que
fazer (BRANCHER, 2014).
A partir de então, essa expressão passou a ser propagada como uma metodologia
dentro das práticas restaurativas, inspiradas nos povos tradicionais, como um meio
diferenciado de dialogar sobre os conflitos, sobre a violência e demais outros temas,
com o objetivo que todos tenham oportunidade de fala e de escuta em busca de
consenso sobre seus conflitos, um recurso que possibilita que os próprios indivíduos
dialoguem de forma horizontal sobre os seus sentimentos e as suas necessidades. Os
CCPs, embora tenham iniciado no âmbito da justiça, conquistou vários espaços, dentre
os quais a escola, também campo de interesse deste estudo.
Fazendo referência agora sobre a estrutura dos CCPs, adentro à categoria do
ritual, conceito que considero relevante para este estudo, porque ainda há uma discussão
muito tímida, limitada, sobre sua ritualística. Conforme Pranis (2010), os CCPs
estruturam-se pelo formato geográfico circular, com elementos disponibilizados no seu
centro, seguindo uma organização estruturada: cerimônia de abertura e encerramento,
check-in e check-out, diretrizes ou linhas guias, construção de valores,
facilitador/guardião e bastão da fala/objeto da palavra; ou seja, os CCP funcionam desta
forma:
os participantes se sentam nas cadeiras dispostas em roda, sem mesa no
centro. Às vezes se coloca no centro algum objeto que tenha significado
especial para o grupo, como inspiração; algo que evoque nos participantes
valores e bases comuns. O formato espacial do círculo simboliza liderança
partilhada, igualdade, conexão e inclusão. Também promove foco,
responsabilidade e participação de todos. Usando elementos estruturais
intencionais (cerimônia, um bastão de fala, um facilitador ou coordenador,
orientações, e um processo decisório consensual) os Círculos de Construção
de Paz objetivam criar um espaço no qual os participantes se sentem seguros
para serem totalmente autênticos e fiéis a si mesmos. [...]
Cerimônia – Intencional e conscientemente os Círculos mobilizam todos os
aspectos da experiência humana: espiritual, emocional, físico e mental. Na
abertura e no fechamento realiza-se uma cerimônia ou atividade de
centramento intencional. A finalidade é marcar o Círculo como espaço
sagrado, no qual os participantes se colocam diante de si mesmos e dos
outros com uma qualidade de presença distinta dos encontros corriqueiros do
dia a dia.
O bastão de fala – Somente a pessoa que está segurando o bastão de fala
pode falar. Assim se regula o diálogo à medida que o bastão vai passando de
uma pessoa para a outra, completando a volta no Círculo de forma
sequencial. A pessoa que segura o bastão recebe a atenção total dos outros
9

participantes e pode falar sem interrupções. Esse recurso promove plena


manifestação das emoções, escuta mais profunda, reflexão cuidadosa e um
ritmo tranquilo. Além disso, abre-se um espaço para as pessoas que sentem
dificuldade de falar diante do grupo. No entanto, não exige que o detentor do
bastão fale necessariamente.
Facilitador ou guardião – O facilitador do Círculo de Construção de Paz,
muitas vezes chamado de guardião, ajuda o grupo a criar e manter um espaço
coletivo no qual cada participante se sente seguro para falar aberta e
francamente sem desrespeitar ninguém. Ele supervisiona a qualidade do
espaço coletivo e estimula as reflexões do grupo por meio de perguntas ou
pautas. O guardião não controla as questões a serem levantadas pelo grupo,
nem tenta conduzi-la na direção de determinada conclusão, mas pode intervir
para zelar pela qualidade da interação grupal.
Orientações – Os participantes do Círculo de Construção de Paz
desempenham o importante papel de conceber seu próprio espaço, criando as
balizas para sua discussão. Eles expressam as promessas que os participantes
fazem mutuamente sobre como irão se comportar durante o diálogo no
Círculo. Essas orientações descrevem os comportamentos que os
participantes consideram importantes para transformar o espaço em um lugar
seguro onde conseguirão expressar sua verdade. Tais orientações não são
regras utilizadas para julgar o comportamento do outro; são lembretes para
que os participantes tenham em mente o compromisso mútuo de criar um
lugar protegido que viabilize os diálogos considerados mais complicados
(PRANIS, 2010, p. 25-27).

Assim, entendo que os CCPs possuem uma estrutura de ritual que os


caracteriza especificamente a partir de elementos e símbolos próprios que os distingue
de outros espaços de reuniões em formato circular. Sobre o ritual, compreendo-o, com
base em Turner, como sendo “[...] o comportamento formal prescrito para ocasiões não
devotadas à rotina tecnológica, tendo referência a crença em seres ou poderes místicos”
(TURNER, 2005, p. 49). Em outras palavras, é tido como um ritual de imersão
compartilhada, sentida e vivida nas relações coletivas e que não podem ser explicadas
tecnologicamente (CAVALCANTI, 2013; COSTA, 2013).
Os CCPs, partindo da visão de Turner (2005, 1974), podem ser interpretados
como momentos de liminaridade ou em que uma antiestrutura se opõe a um status quo;
nesse caso, a estrutura escolar, abrindo-se, dessa forma, como possibilidades de
transformação das pessoas. Talvez, por isso, encontrei, em alguns relatos da entrevista
de mestrado, alunos e professores levantando a questão de que haviam mudado após
realização dos CCPs. Em seus imaginários simbólicos, alguns diziam até que teria sido
algo mágico, e que naquele momento não tinham nem palavras para explicar
racionalmente como eles se sentiam ali, escutando os outros participantes e, na ocasião
de suas falas, revelavam fatos e pensamentos que nem estava em mente dizer,
“momento muito mágico”.
10

Para corroborar com a discussão, incluo a concepção de ritual de interação a


partir de Goffman (2011), concebendo o encontro social como um ritual de interação
que reverbera muitas sensações e significados, nas quais os indivíduos assumem
representações distintas para que possam se manter. A própria estruturação dos CCPs
comunga com essa ideia de que os rituais envolvidos em cada elemento de alguma
forma reverberam sensações místicas observadas em algumas narrativas apresentadas
em minha pesquisa de mestrado.
Conforme Goffman (2011), o próprio ritual tem seus códigos que requer
equilíbrio; isto é, os elementos estruturantes, as orientações que são passadas, o
facilitador ou guardião (responsável pelo espaço de diálogo seguro) carrega em si a
organização estrutural que permite o envolvimento e o movimento do ritual de interação
que,
[...] determina como cada um deve se comportar durante uma ocasião de
conversa testando o significado potencialmente simbólico de seus atos em
relação às minhas imagens que estão mantidas. Entretanto, ao fazer isto, ela
incidentalmente sujeita seu comportamento à ordem expressiva que prevalece
e contribui para o fluxo bem ordenado de mensagens (GOFFMAN, 2011, p.
44).

Então, a interação face a face do ritual tem uma organização convencional que
estabelece a ocasião, que significa o “cuidado ritual” que Goffman acredita ser a própria
ordem do ritual que organiza as linhas de conduta, como um guia para a padronização
do comportamento. Essa lógica não seria o que acontece com os elementos estruturantes
e o passo a passo dos CCPs? Como não percebê-lo como ritual de interação? Aqui não
cabe essa discussão, mas os CCPs entendidos como ritual faz-nos refletir e inferir que
existem inúmeras reflexões que podem ser úteis para o entendimento das emoções que
reverberam durante sua ritualística.
Para o estudo das emoções, como objeto de investigação da sociologia, tendo
fundamentos na discussão do teórico brasileiro Koury, o conhecimento focado na
sociologia da emoção emergiu de forma consolidada a partir de meados da década de
1970, quando as
críticas e o novo compromisso e as formas de olhar para o objeto e às
formulações teóricas e metodológica da sociologia permitiram o
revigoramento de perspectivas teóricas novas que enfatizavam um processo
analítico da subjetividade como fonte e forma de expressão e construção
social (KOURY, 2004, p. 08-09).

Koury (2004) salienta que compreender as emoções sobre a perspectiva


sociológica é oferecer canais de discussões analíticas entre o que se denomina
11

dimensões micro e macrossociológicas na esfera do entendimento dos fenômenos


emocionais como campo teórico-metodológico da sociologia. O autor reconhece que,
por mais interessante que seja o debate, seu surgimento não se dá tranquilamente, a
sociologia da emoção se caracteriza bastante conflitante (alguns teóricos reconhecem
distintamente) por referir-se aos aspectos sociais que influenciam a gama emocional.
Nessa lógica, ele parte da compreensão de que “as emoções são afirmadas como
processos eminentemente sociais, não cabendo sequer qualquer questão teórica de que
as emoções não sejam socialmente construídas” (KOURY, 2004, p. 10).
Por assim dizer, percebi na sociologia da emoção uma concepção capaz de
contribuir no debate e na compreensão das emoções que suscitam durante a execução
dos CCPs no contexto das escolas. Achado esse fruto da pesquisa de mestrado que
saltitou nas observações empíricas e no imaginário simbólico dos interlocutores, ficou
mais fácil entender o quão importante são essas intervenções. De outra forma, não
consegui encontrar respostas naquele momento, tampouco consegui perceber na
concepção que fundamenta os CCPs pressupostos convincentes que dessem resposta às
minhas indagações, por isso me apresento com esta intenção de estudar no meu
doutoramento.
Neste rol de reflexões, parto para o estudo da categoria emoções,
compreendendo a partir de Koury (2014, p. 9), “como uma teia de sentimentos dirigidos
diretamente a outras, e causados pela interação com os outros em um contexto e
situação social e cultural determinado”; ou seja, as emoções são construtos sociais
(KOURY, 2009) nas quais as estruturas sociais influenciam os aspectos motivacionais
das emoções (LINDNER, 2013).
Lindner (2013) argumenta que as emoções são vistas como uma nova
perspectiva para se aprofundar no estudo dos fenômenos sociais, como uma categoria
permeada por um conjunto de sentidos, comportamentos e significados emocionais no
processo de interação social que se configura por vergonha, culpa e/ou constrangimento,
para citar algumas, que afetam consideravelmente os comportamentos que vão além dos
estudos da psicologia e da neurociência, por exemplo. É nesse raciocínio que busco a
sociologia como base para contribuir com as reflexões das emoções nos CCPs.
Nas palavras de Koury (2014, p.09),
as emoções fazem parte do princípio de que as experiências emocionais
singulares, sentidas e vividas por uma pessoa são produtos relacionais entre
os indivíduos, a cultura e a sociedade da qual faz parte. Em suas
fundamentações analíticas vão além do que uma pessoa determinada sente
12

em certas circunstâncias, ou em relação às histórias de vida estritamente


pessoais.

Essa perspectiva diverge da visão de Boyes-Watson e Pranis (2015, p. 15). Para


elas, as emoções são habilidades interpessoais que, nos CCPs, vão sendo aperfeiçoadas
e que “[...] emergem de um processo de engajamento com nosso eu subjetivo, abrindo-o
para a conscientização, autogestão e escolha conscienciosa”. Como se as emoções
fossem exteriores ao social, “[...] a ideia de que as emoções, o comportamento
emocional não é social, é de responsabilidade do sujeito individual” (KOURY, 2014, p.
29).
A ideia não é negar a posição dessas autoras, mas apresentar outra visão que
acrescente outras reflexões e agregue novos debates para o campo de estudo, sem
desconsiderar e tampouco profanar falsos argumentos. Considero o que Bourdieu chama
de não se conformar com a reflexividade narcísica, ou melhor,
... Mas devem previamente fugir à tentação de se conformar à reflexividade a
que poderíamos chamar de narcísica, não só porque esta reflexividade se
limita muitas vezes a um retorno complacente do investigador às suas
próprias experiências, mas também porque é em si mesma o seu fim e não
produz efeito prático (BOURDIEU, 2004, p. 124).

Retomando aqui a discussão sobre o argumento das emoções, para Koury (2009,
p. 89), os sujeitos atuam por mecanismos subjetivos, manifestando interesses e valores
no processo de interação que seriam emocionalmente lançados projeções sociais e
culturais como códigos que influenciam o comportamento social, nas quais “as
experiências emocionais singulares, sentidas e vividas por um ator social especifico são
produtos relacionais entre indivíduos e cultura e sociedade”.
Ele compreende o papel das emoções que influenciam fortemente o
comportamento dos indivíduos e seus códigos sociais que estão imersos na interação,
como experiências emocionais subjetivas construídas no processo relacional, como
fenômenos ditos produtos do social.
Para agregar mais elementos ao debate, acrescento o pensamento de Elias (2011)
ao associar as emoções com o autocontrole no sentido de regulador do comportamento
social para que o indivíduo se ajuste no processo civilizador. Trata-se de certo
autocontrole emocional para manter-se no social, na teia de interdependência; ou
melhor, “o controle mais rigoroso de impulsos e emoções é inicialmente imposto por
elementos sociais” (ELIAS, 2011, p. 137).
Como todo tipo de racionalidade, este também se forma paralelamente a
determinadas coerções no sentido do autocontrole das emoções. Uma
13

figuração social em cujo seio tem lugar uma frequente transformação das
coerções externas em coerções internas constitui uma condição para produzir
formas de comportamento cujos traços distintivos são indicados pelo
conceito de racionalidade (ELIAS, 2011, p. 110).

Para Elias, as emoções são algo que se constitui como uma racionalidade de
autocontrole que figura o social com formas de coerções sociais, e que condicionam os
comportamentos entre os indivíduos. É um tipo de controle emocional em prol de
atitudes calculadas e controláveis socialmente.
Koury (2002) assinala, nesta mesma lógica, que as emoções, deixam de ser pura
subjetividade e passam a ser moldadas pelo conjunto de compromissos morais e pela
incorporação do conjunto de normas e valores que norteiam as ações individuais. Isso
significa que as emoções são aprendidas no processo relacional; portanto, são
fenômenos sociais.
Conforme Koury (2009), entender o estudo das emoções nessa perspectiva de
produto relacional significa dizer que os sujeitos estão imersos em sociabilidade cultural
emocional, nas quais ancorado na visão de Simmel e Weber, diz que a ação do
indivíduo é provida de significado e sentido, produzindo ação e reação mobilizadas por
condições emocionais. Em outras palavras, “as ações e as reações da relação, portanto,
são portadoras de sentido, estando sujeitas a um tipo de racionalidade social e a um
movimento subjetivo dos sujeitos [...]” (KOURY, 2004, 9. 33), nas quais as emoções
não podem ser desconsideradas nessa construção.
Segundo as considerações delineadas com respeito às emoções, promover essa
análise como estudo da compreensão dos CCPs a partir do aspecto emocional é partir do
entendimento que as experiências emocionais vivenciadas na interação no ritual dos
círculos são construtos da relação estabelecida entre os participantes; pelo menos essa é
a perspectiva que suponho como partida do estudo neste ensaio. Assim, as emoções que
emergem nos CCPs têm sentidos e significados que merecem ser refletidos, ou melhor,
parte do princípio de que as experiências emocionais singulares, sentidas e
vividas por um ator social específico, são produtos relacionais entre os
indivíduos e a cultura e sociedade. Elas traduzem as alianças produzidas
levando em conta as normas sociais, os costumes, as tradições e as crenças ou
convicções em torno das próprias emoções. Os conteúdos simbólicos e as
práticas culturais de contextos sociais específicos promovem, agenciam,
permitem ou ponderam, desta maneira, determinadas emoções ao mesmo
tempo em que negam, restringem ou impõem interditos a outras, a partir das
interações contínuas e constantes entre os sujeitos relacionais em trocas
determinadas (KOURY, 2004, p. 12).
14

Por este parâmetro, buscando me aproximar das indagações sobre os CCPs


tomando como foco as emoções que emergem dali, improvável desconsiderar o estudo
como uma reflexão desafiadora. Analisando as discussões insurgentes até então
levantadas, não que as desconsidere, não que não concorde com o conhecimento
apresentado referente à temática; pelo contrário, acredito na proposta e no potencial dos
CCPs no âmbito da Educação, que de alguma forma mexem com a comunidade escolar.
Por isso, não poderia deixar de lado algumas inquietações que surgiram no campo de
pesquisa da Dissertação.
Reconheço que os percalços a ser encontrados na trajetória de estudo e da
empiria me levaram para o encontro ou não de resultados diante das questões que
proponho: será que os CCPs são utilizados como ferramenta de enquadramento social
na escola? Em que medida os CCPs são mecanismos de revelação e silenciamento das
emoções? Que emoções são reverberadas no momento do ritual dos CCPs que
influenciam o comportamento social no cotidiano escolar?
Talvez essas questões não sejam suficientes e nem esgotem a discussão, bem
sabendo que não seria minha intenção neste ensaio; entretanto, devo ressaltar que no
percurso de realização da pesquisa de doutorado e do estudo teórico outras inquietações
poderão surgir e comporão novos insights e considerações para presentes e futuras
reflexões.

TRAJETÓRIA ALMEJADA

Como trajetória de pesquisa para compreender e encontrar respostas às minhas


inquietações determinei-me pela escolha de um percurso combinado com as seguintes
estratégias: um aprofundamento na literatura pertinente e em documentos referentes ao
tema e inserção em campo, com uso de observação participante e diário de campo, e de
entrevistas em profundidade, entre outras que a pesquisa possa exigir. Opto por esse
conjunto de procedimentos que me levam a uma abordagem compreensiva, como
proposta por Weber (1999).
Isto significa dizer que a opção por esta visão metodológica ocorre pela crença
de que essa base dará conta da apreensão deste estudo, em uma propositiva de
subjetividade que fundamenta o sentido da vida social. Em outras palavras, é por meio
dessa lógica que caminho na busca para obter respostas para os objetivos aqui
15

propostos, entendendo que a compreensão é interpretada a partir dos sentidos que os


sujeitos atribuem às suas ações. Dessa forma, captar o sentido que os interlocutores
fazem a respeito dos CCPs é concluir que eles, como agentes, partem de suas
motivações e dos significados que foram constituídos pela interação social; isto é, captar
a “ação que, quanto a seu sentido visado pelo agente ou os agentes, refere-se ao
comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso” (WEBER, 1998, p. 13).
Vale ressaltar que neste percurso de pesquisa pretendo refletir sobre as
vantagens e as limitações de cada procedimento, de cada estratégia escolhida
inicialmente, na expectativa de proximidade significativa na compreensão do meu
objeto proposto (SANTOS et al., 2014).
A ideia da pesquisa é de natureza qualitativa, a partir do diálogo com os
interlocutores carregados com seus próprios sentidos e significados construídos na
realidade social a que estão imersos (CHIZZOTI, 2008).
Com relação à parte teórica, pretendo me deter às leituras selecionadas e
julgadas mais precisas sobre os CCPs, sobre as emoções, o ritual e os demais conceitos
importantes para a discussão da pesquisa. Quanto aos documentos, busco a leitura do
entendimento do que tratam as legislações sobre os CCPs enquanto prática da justiça
restaurativa; a leitura de outros documentos firmados e implantados pela Secretaria da
Educação do Estado do Ceará (SEDUC), que apontam os CCPs como uma das
estratégias que fazem da política socioemocional3 dentro das suas escolas; enfim,
procuro me acercar, o máximo possível, de todo material teórico existente e disponível a
respeito do assunto.
Pretendo, para a análise dos dados coletados nas entrevistas, utilizar a análise de
conteúdo, embasada na concepção de Bardin (2002, p. 82), entendendo como um
método de análise qualitativa dos dados que busca os sentidos dos conteúdos, como um
material de reflexão das falas dos interlocutores que apresenta os significados que eles
atribuem ao objeto de interesse deste estudo.
Sobre a opção da observação participante, embaso-me no pensamento de Becker
(1993, p. 47) por entender que o “observador participante obtém dados por meio de sua

3
“Política de Desenvolvimento de Competências Socioemocionais para a rede pública estadual”, esta é a
denominação dada pela Secretaria da Educação do Estado do Ceará (SEDUC) de uma política
implementada no ano de 2018, por meio de um conjunto de ações voltadas para trabalhar a formação
integral dos estudantes da rede estadual. Informações disponíveis em:<
https://www.seduc.ce.gov.br/2018/12/12/desenvolvimento-das-competencias-socioemocionais-ganha-
espaco-no-ceara-e-fortalece-perspectiva-da-educacao-integral/>Acesso em: 15 junho 2022.
16

participação na vida cotidiana do grupo ou da organização que estuda”. Assim, o


raciocínio é estar participando dos CCPs realizados no campo empírico, estando o mais
próximo possível para a compreensão dos sentidos e significados interpretados pelos
sujeitos da pesquisa.
A utilização do diário de campo foi escolhida como estratégia de coleta de dados
por entender que essa é uma forma de registro de informações e reflexões diárias
percebidas e sentidas acerca do objeto em estudo e que pode ser utilizada para presente
e futura análise de dados. Este instrumento está para além de simples registros e de
pequenas notas e representa uma ferramenta que contribui para a reflexão e o
aprofundamento do fenômeno dentro da realidade de pesquisa (FALKENBACH, 1987).
A escolha pela entrevista em profundidade se deve por entender que se trata de
uma “técnica qualitativa que explora um assunto a partir da busca de informações,
percepções e experiências de informantes para analisá-las e apresentá-las” (DUARTE,
2008, p. 62). É uma entrevista semiestruturada, composta por um conjunto de questões
(roteiro) sobre o tema de interesse, possibilitando que o interlocutor se expresse
livremente e sem ficar preso a questões fechadas (GERHARDT, SILVEIRA, 2009).
O lócus da pesquisa, a princípio, parte de alguns achados das observações
realizadas durante a pesquisa de dissertação e por questões que me despertaram a
atenção diante das narrativas de alguns interlocutores. A opção por instituições
escolares deve-se por me sentir de alguma forma mais confortável ao selecionar escolas
da rede pública estadual do Ceará localizadas em Fortaleza, uma vez que me julgo
capaz de ter acesso às mesmas pela proximidade geográfica das escolas e pelos dados
que deduzo serem possíveis de adquirir por fazer parte do quadro funcional de docentes
da rede (acesso do quantitativo de escolas capacitadas na rede). Neste momento, não
infiro nenhum quantitativo e percentual de escolas porque pretendo, inicialmente,
realizar uma pesquisa exploratória ao campo e ajustar com a orientação docente as
possibilidades necessárias e viáveis de definição do número de instituições escolares.
Quanto à seleção dos interlocutores da pesquisa, tenho em vista os professores e
os estudantes das escolas selecionadas, levando em consideração os seguintes critérios:
que tenham conhecimento sobre os CCP, por meio de vivência ou de observação dos
círculos que aconteceu ou acontecem nas escolas; que sejam lotados e matriculados nas
escolas pesquisadas; e que por vontade própria aceitem participar da pesquisa pelo
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Contudo, como esclarece Rey
(2005), em virtude da necessidade de que se apresentem na trajetória da pesquisa, irá
17

sendo definido o quantitativo de participantes, bem como possíveis alterações dos


critérios adotados.
Por fim, a ideia dessa trajetória almejada é me aproximar do objeto
consideravelmente, me cercar dos instrumentais e estratégias que possibilitem essa
proximidade, preservando, acima de tudo, o caráter do rigor e zelo com a pesquisa
científica.

CONSIDERAÇÕES PERTINENTES

Para as considerações, não as considero “finais” uma vez que simbolizam um


esboço inicial, sem quaisquer conclusões ou intenções de desfecho pelo menos neste
instante. Digamos que considero uma proposição introdutória de pesquisa por não ter,
ainda, um resultado final. Entretanto, temos aqui fielmente parte de achados que
considero a „gênese‟ para o início da discussão sobre as emoções que emergem dos
CCPs e sua ritualística no contexto específico, no caso a escola pública.
Os CCPs neste ambiente configuram-se uma estratégia de diálogo que induz
uma organização distinta para as pessoas conversarem, geograficamente em formato
circular, seja sobre alguma situação divergente que causou algum descontentamento,
seja para a prevenção de ocorrências violentas, ou até mesmo para discussões que
necessitem de uma conversa intencional organizada, cada pessoa com sua vez de fala e
de escuta.
Nessa organização em que os CCPs têm em seus elementos estruturais um modo
de ser específico que os difere de outras formas de diálogo circular, eles acontecem
mobilizando emocionalmente os participantes, com emoções de vergonha, de
constrangimento, de medo e de pertença, entre outros, que emergem a partir da
interação do ritual. Sendo assim, interessei-me por buscar outras discussões teóricas
para o entendimento dessas emoções no teor da sociologia das emoções, que as
apresenta como fruto oriundo das interações entre os sujeitos, enquanto construtores do
processo relacional visando à boa convivência em favor do bem comum, seja na escola
ou em sociedade.
Então, para incentivar e promover a lógica desse estudo, proponho, como
indagações de pesquisa doutoral, as que seguem. Esses Círculos de Construção de Paz
são utilizados como ferramenta de enquadramento social na escola? Em que medida os
18

CCPs são mecanismos de revelação e silenciamento das emoções? Que emoções são
reverberadas no momento do ritual dos CCPs que influenciam o comportamento social
no cotidiano escolar?
À guisa de desfecho e conclusão, compreendo que tais questões como
interpelações provocativas iniciais merecem reflexões outras para além do que vem
sendo estudado (da visão holística, da neurociência, da psicologia), enfatizando caráter
de cunho sociológico, na noção da sociologia das emoções, sem desconsiderar
quaisquer estudos, pois não é essa a intenção, reconhecendo todos os demais ramos de
estudos que englobam os Círculos de Construção de Paz.
Por fim, não posso enunciar quais desafios e descobertas me aguardam, nem
posso aferir as potencialidades a partir dessa discussão que enquanto pesquisadora
poderei ainda conquistar. A única certeza é de que tenho uma curiosidade que ronda a
minha vontade de aprender cada vez mais e mais para contribuir em favor da Educação
e pela provocação de estudos posteriores sem jamais ficar detida a concepções e
conceitos inflexíveis, às vezes considerados ultrapassados para os dias de hoje.

BIBLIOGRAFIA

BECKER, H. S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Hucitec, 1993.


BOURDIEU, P. Para uma sociologia da ciência. Tradução Pedro Elói Duarte. Lisboa,
Portugal: Edições 70, 2004.
BOYES-WATSON, C. No coração da esperança: guia de práticas circulares. O uso de
círculos de construção de paz para desenvolver a inteligência emocional, promover a
cura e construir relacionamentos saudáveis. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul, 2011.

BOYES-WATSON, C.; PRANIS, K. Círculos em movimento: construindo uma


comunidade escolar restaurativa. Porto Alegre: AJURIS, 2015. Disponível em:
<www.circulosemmovimento.org.br>. Acesso em: 20 jun. 2020.

BRANCHER, L. Brasil: lições aprendidas na reforma do Sistema de Justiça Juvenil.


Justicia para Crecer, Lima, n. 20, p. 20-25, dez. 2015.

COSTA, Grasielle Aires da. O conceito de ritual em Richard Schechner e Victor


Turner: análises e comparações. RBSE, v 3, p. 49-60, 2013.

CAVALCANTE, G. B.; AZEVEDO, M. R. C. Observação participante: o olhar que


aproxima e revela. In: ALVES, G.; SANTOS, J. B. F. (Org.). Métodos e técnicas de
pesquisa sobre o mundo do trabalho. Bauru: Canal 6, 2014. p. 75-86.
19

CAVALCANTI, M. L. V. C. Drama, ritual e performance em Victor Turner. Sociologia


& Antropologia. Rio de Janeiro, v. 3, n. 6, p. 411-440, nov. 2013.

CHIZZOTTI, A. Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais. Petrópolis:


Vozes, 2008.

DAYRELL, J. T. Múltiplos olhares sobre educação e cultura. In:______. A escola


como espaço sócio-cultural. Belo Horizonte: UFMG, 2001. p. 136-161.

DUARTE, J. Entrevista em profundidade. In:______; BARROS, A. (Orgs). Métodos e


técnicas de pesquisa em Comunicação. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 62-83.

ELIAS, N. O processo civilizador: formação do estado e civilização. Rio de Janeiro:


Zahar, 1993. v. 2.

______. A sociedade de corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da


aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

______. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 2011. v. 1.

FALKENBACK, E. M. F. Diário de Campo: um instrumento de reflexão. Contexto e


Educação, Ijuí, v. 7, 1987.

GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo. Métodos de pesquisa. Porto


Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2007.

GOFFMAN, E. Comportamento em lugares públicos. Petrópolis: Vozes, 2010.

GOFFMAN, E. Ritual de interação. Ensaios sobre o comportamento fase a fase.


Petrópolis: Vozes, 2011.

GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. 20. ed. Petrópolis: Vozes,


2014.

HALBWACHS, Maurice. A Expressão das emoções e a sociedade. Tradução de Mauro


Guilherme Pinheiro Koury. RBSE, v. 8, n. 22, pp. 201 a 218, abril de 2009.

KOURY, M. G. Estilos de vida e individualidade: escritos em antropologia e


sociologia das emoções. Curitiba: Appris, 2014.

KOURY, M. G. Emoções e sociedade: um passeio na obra de Norbert Elias. História:


Questões & Debates, Curitiba, n. 59, p. 79-98, jul./dez. 2013.

KOURY, M. G. BARBOSA, Raoni Borges. Da subjetividade às emoções: a


antropologia e a sociologia das emoções no Brasil. RBSE. Recife: Bagaço; João Pessoa:
Edições do GREM, 2015.
20

KOURY, M. G. Emoções, sociedade e cultura: a categoria de análise emoções como


objeto de investigação na sociedade. Curitiba, Editora CRV, 2009.

KOURY, M. G. Sociologia da emoção: o Brasil urbano sob a ótica do luto. Petrópolis.


Editora Vozes, 2003.

KOURY, M. G. Introdução à sociologia da emoção. João Pessoa: Editora


Manufatura/GREM, 2004.

KOURY, M. G. As Ciências Sociais das Emoções: um balanço. RBSE 5 (14/15): 137-


157 Ago/Dez 2006.

Lindner, Evelin Gerda. O que são emoções? Tradução de: Mauro Guilherme Pinheiro
Koury. RBSE, V. 12, n. 36, dez. 2013.

Nações Unidas. Escritório sobre Drogas e Crime. Manual sobre programas de justiça
restaurativa. Tradução Cristina Ferraz Coimbra. 2. ed. Brasil: Conselho Nacional de
Justiça, 2021.

PELIZZOLI, M. L. Círculos de diálogo: base restaurativa para a justiça e os direitos


humanos. In: SILVA, F.; GEDIEL, J. A. P.; TRAUCZYNSKI, S. C. Direitos humanos
e políticas públicas. Curitiba: Universidade Positivo, 2014.

PRANIS, K. Processos circulares de construção de paz. São Paulo: Palas Athena,


2010.

PRANIS, K. Justiça restaurativa e processo circular nas varas de infância e


juventude. São Paulo: Palas Athena, 2010.

PRANIS, K. Círculos de justiça restaurativa e de construção de paz: guia do


facilitador. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2011.

PRANIS, K. Kay Pranis avalia processo de implantação de JR em Caxias do Sul. In:


BRANCHER, L. (Org.). A paz que nasce de uma nova justiça: 2012-2013 um ano de
implantação da justiça restaurativa como política de pacificação social em Caxias do
Sul. Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2014. p. 67-71.

REY, Fernando González. Pesquisa qualitativa e subjetividade. São Paulo: Thomson,


2005.

SANTOS, J. B. F.; OSTERNE, M. S. F.; ALMEIDA, R. O. A entrevista como técnica


de pesquisa do mundo do trabalho. In: ALVES, G.; SANTOS, J. B. F. (Org.). Métodos
e técnicas de pesquisa sobre o mundo do trabalho. Bauru: Canal 6, 2014. p. 29-52.

TURNER, V. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974.

TURNER, V. Floresta dos símbolos: aspectos do ritual Ndembu. Niterói: EDUFF,


2005.
21

WEBER, M. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. 4. ed.


Brasília: UnB, 1999. v. 1.

ZEHR, H. Justiça restaurativa. São Paulo: Palas Athena, 2015.

Você também pode gostar