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artigo de revisão
INTELIGENTES: melhoria da qualidade de
vida ou controle informacional?
1 INTRODUÇÃO
Tabela 1: Evolução da população urbana no
Brasil (em %)
N
o ano de 2008 a população urbana
no mundo ultrapassou a rural em Ano 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010
termos quantitativos. Projeções da
Taxa de
Organização das Nações Unidas indicam 31,24 36,16 44,67 55,92 67,59 75,59 81,23 84,36
urbanização
que 66% da população mundial estará
vivendo nos centros urbanos até o ano de Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
2050, o que representa um acréscimo de
2,5 bilhões de pessoas nas cidades (ONU,
2014). Por outro lado, esse desequilíbrio de con-
No Brasil o processo de urbanização centração populacional gera escassez da oferta de
é ainda mais acentuado. Conforme se pode mão de obra nas áreas rurais, principalmente em
verificar na tabela a seguir, de acordo com relação aos trabalhadores qualificados para ope-
o último senso demográfico, o país possui rar as máquinas agrícolas nas épocas de maior
mais de 84% da sua população vivendo nas demanda do plantio e colheita da safra. Como se
cidades. observa na tabela a seguir, o êxodo rural chegou a
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transferir, no período de 1970-1980, o equivalente dade de vida dos cidadãos em sociedade, chega-
a 30% da população rural existente em 1970, que -se a uma constatação de impactos positivos na
representou uma migração de aproximadamente implementação desses projetos, ao passo que se
12,5 milhões de pessoas para as cidades. Recente- o referencial passa a ser sobre o controle informa-
mente, apesar de se verificar uma redução do rit- cional exercido pelo Estado, tem-se uma avalia-
mo da migração rural, ainda é expressivo o deslo- ção de retrocessos, principalmente no que se re-
camento populacional para os centros urbanos. fere à interferência na privacidade dos cidadãos.
Para atender ao objetivo do trabalho,
Tabela 2: Número de migrantes no Brasil e a optou-se por realizar uma pesquisa de natureza
relação para a população rural do ano-base (em %) qualitativa, realizada por meio de análise
Migração/população bibliográfica pela revisão teórica de diversos
Período Migrantes trabalhos acadêmicos, através dos seguintes
rural do ano base %
1950-1960 5.419.055 16,34 descritores: Estado informacional, inteligência
1960-1970 8.908.981 22,85 de Estado, cidades inteligentes, cidades digitais,
Estado e controle, poder informacional, controle
1970-1980 12.489.278 30,02
informacional e política de inteligência.
1980-1991 10.340.087 26,42
Em relação à estrutura de apresentação, o
1991-2000 9.070.981 25,17 trabalho se organiza nos seguintes tópicos, após
2000-2010 5.604.627 17,61 essa introdução: (i) Contexto de convergência
tecnológica; (ii) Construção de conceitos: das
Fonte: Alves et al. (2011) cidades digitais às cidades inteligentes; (iii)
Cidades inteligentes como instrumento de
Esse fluxo migratório das áreas rurais mudança; e (iv) Estado e controle informacional.
para as cidades eleva a demanda pela prestação A primeira parte desse artigo contextualiza
de serviços públicos e traz um desafio para o fenômeno da convergência tecnológica e anali-
o planejamento, financiamento, gestão e sa o impacto causado nas instituições. No tópico
sustentabilidade dos espaços urbanos. seguinte abordam-se os conceitos de cidades digi-
Assim, no contexto evolutivo da tais e cidades inteligentes para, em seguida, pro-
tecnologia, a população gera uma demanda ceder com a análise das cidades inteligentes como
crescente por ferramentas digitais que facilitem instrumento de mudança. Por fim, delimita-se o
as soluções para os problemas enfrentados no conceito de Estado Informacional, sua abrangência
cotidiano das cidades. E é nessa realidade que nos governos contemporâneos, a questão da inva-
as cidades inteligentes se apresentam como uma são de privacidade e seus reflexos na sociedade.
alternativa viável para os desafios decorrentes
da concentração populacional e da intensa 2 CONTEXTO DE CONVERGÊNCIA
urbanização.
TECNOLÓGICA
Em maio de 2016, no fórum realizado em
Roma, a União Internacional de Telecomunica-
Atualmente verifica-se uma mudança de
ções (UIT) e a Comissão Econômica das Nações
paradigma baseada no Protocolo de Internet e
Unidas para a Europa (UNECE) divulgaram uma
na multiplicidade de tecnologias disponíveis,
campanha global denominada United for Smart
em substituição ao modelo anterior da rede
Sustainable Cities com o objetivo de impulsionar a
especializada de telefonia dedicada, analógica e
criação de cidades inteligentes. O foco da iniciati-
comutada por circuitos. Essa mudança provoca
va está na definição de políticas públicas que vi-
um impacto nas instituições públicas e privadas,
sam promover a integração das tecnologias da in-
uma vez que as fronteiras entre fixo e móvel, com
formação e comunicação nas operações urbanas
fio e sem fio, telecomunicações e tecnologia da
e na padronização de indicadores que permitam
informação, tornam-se cada vez mais fluidas.
comparar o desempenho dessas cidades.
Como relata Alberti (2009), desde o
Entretanto, é importante que se defina a
início das telecomunicações1 até recentemente
perspectiva de análise do fenômeno das cidades
inteligentes, tendo em vista que se a avaliação
parte de uma perspectiva de evolução da quali- 1 Em 1876, no mesmo ano da invenção do telefone por Alexander
Graham Bell, é realizada a primeira ligação interurbana da história entre
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e diferenciam uma cidade digital de uma cidade classificação privilegiaram municípios com
inteligente. Apesar da linha que separa esses dois baixa densidade de conexão à banda larga,
termos ser tênue e em muitos casos considerados com menores índices de desenvolvimento e
como sinônimos, com variadas definições com menor população. Foram selecionados 80
na doutrina, há diferenças que precisam ser municípios de todas as regiões do país para
compreendidas para evitarmos a generalização implantação do projeto.
da discussão. Além da infraestrutura, o projeto das
Para Souto, Dall’Antonia e Holanda (2006) Cidades Digitais do Governo Federal ambiciona
uma cidade digital é aquela que apresenta uma se tornar uma política pública de construção da
infraestrutura de telecomunicações tanto para cultural digital no município, que visa atuar na
o acesso individual quanto para o coletivo, modernização da gestão pública, com foco na
disponibilizando à população informações e melhoria da qualidade dos serviços prestados
serviços públicos e privados em ambiente virtual, à sociedade e no desenvolvimento cultural,
como era, por exemplo, o caso referenciado da educacional, social e econômico das cidades.
cidade de Cingapura em 1999. Em 12 de maio de 2016, por meio da
Weiss (2013) conclui que uma cidade digital Portaria nº 2.111/2016 do Ministério das
não é necessariamente inteligente, mas ela possui Comunicações, foi publicado no Diário Oficial
componentes digitais disponíveis para gerar subsí- da União um novo edital com o lançamento do
dios inteligentes. Kominos (2002) também ressalta projeto Minha Cidade Inteligente para seleção
que todas as cidades inteligentes são também di- de propostas de municípios para a instalação
gitais, ao passo que nem todas as cidades digitais de uma rede metropolitana baseada em fibra
são inteligentes. Neste sentido, elas seriam uma óptica, com os objetivos de construir uma política
etapa, um suporte de interfaces tecnológicas ou de governo eletrônico (e-gov), racionalizar o
uma importante direção para o desenvolvimento uso de recursos, qualificar a gestão pública,
das cidades inteligentes, e não um produto final. democratizar o acesso à informação e ampliar a
Portanto, o conceito de cidades digitais transparência das contas públicas municipais.
está fortemente relacionado com a existência e Considerado pelo Ministério das Comuni-
utilização de uma infraestrutura tecnológica de cações como uma evolução do projeto Cidades
acesso que permita oferecer serviços à sociedade Digitais, o Minha Cidade Inteligente pretende ir
com melhor qualidade. além da implantação de uma infraestrutura de
No Brasil, dada a carência de rede de alta capacidade e tornar a cidade um ter-
infraestrutura tecnológica na maioria dos ritório de desenvolvimento inovativo.
municípios, o Ministério das Comunicações, Desta forma, o processo evolutivo para
por meio da Portaria nº 167, de 19 de agosto de as cidades inteligentes implica necessariamente
2011, publicada no Diário Oficial da União em 22 em agregar valor a uma infraestrutura de rede
de agosto de 2011, instituiu um programa para interligada. Para Strapazzon (2011) as cidades
instalação e manutenção de redes metropolitanas inteligentes são a etapa mais avançada do
de fibra óptica denominado Cidades Digitais. relacionamento entre convergência tecnológica,
O objetivo do programa é construir a gestão de cidades, qualidade de vida e
infraestrutura necessária de comunicação para competividade econômica.
interligar os órgãos públicos municipais, além A União Internacional de
de viabilizar o acesso público aos cidadãos, Telecomunicações (UIT, 2015) incorpora
com a finalidade de aumentar a eficiência ao conceito de cidade inteligente a ideia
administrativa, de implementar serviços públicos de sustentabilidade e define que a cidade
eletrônicos e de disseminar o acesso à internet inteligente e sustentável é aquela que utiliza
para a população local. A responsabilidade as tecnologias da informação e comunicação
por acompanhar a execução do programa e o (TICs) para melhorar a qualidade de vida dos
atendimento de seus objetivos ficou a cargo da seus cidadãos, a eficiência dos serviços urbanos
Secretaria de Inclusão Digital (SID). e a competitividade, enquanto garante as
Com a publicação da Chamada Pública nº necessidades das gerações presente e futura
01/2012, foi dado o início ao processo de seleção em relação aos aspectos econômicos, sociais e
das propostas dos municípios. Os critérios de ambientais.
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ABSTRACT In the conceptual analysis of smart cities becomes necessary to define under which perspective the
phenomenon is addressed, since you can get different results depending on the starting point. For this
reason, this study aims to present the impact of smart cities from the perspective of improvement in
quality of life for their citizens and of informational surveillance by the State, featuring an ambivalence
of progresses and setbacks between these two scenarios. Therefore, given the context of information
technologies advances and technological convergence, it is necessary to understand the process of
evolution of smart cities and how this model can be used as an instrument to change reality, especially
in the face of population growth and intense urbanization.
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